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Contos do Reino
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Jeremias 29:13
Vocês Me encontrarão sempre que Me procurarem; mas para isso,
precisam Me procurar de todo o coração.
Mateus 11:12
Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos céus é tomado à
força, e os que usam de força se apoderam dele.
Efésios 2:1-5
Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados, nos quais
costumavam viver, quando seguiam a presente ordem deste mundo e o
príncipe do poder do ar, o espírito que agora está atuando nos que
vivem na desobediência. Outrora todos nós também vivíamos entre
eles, satisfazendo as vontades da nossa carne, seguindo os seus desejos
e pensamentos. Como os outros, éramos por natureza merecedores da
ira. Todavia, Deus, sendo rico em misericórdia, pelo grande amor com
que nos amou, deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda
estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvos.
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Era uma vez, não muito tempo atrás e não muito distante, um menino,
não mais uma criança, mas ainda não um homem, que morava na Cidade
Encantada.
O menino, Cicatriz, e o seu irmão menor, Pequena Criança, não
eram como as outras crianças da cidade. Ontem, a mãe deles morreu e
imediatamente eles foram levados em custódia pelos homens do
Encantador. O boato era que o Encantador ficava com os órfãos para
poder alimentar os grandes fogos que queimavam nas profundezas de
Dagoda, o templo onde o Encantador morava e reinava.
Um Queimador, policial secreto que cumpre as ordens do
Encantador, trouxe os meninos para a Praça das Cinzas. Lá iriam assistir
a cerimônia do funeral de sua mãe: o corpo dela descansava sobre um
ataúde muito enfeitado, no meio da praça.
Pensando na mãe, o menino maior queria chorar. Ela tinha sido
tão linda, tão linda quanto a filha de um rei.
“Existe um Rei”, sua mãe sempre insistia com eles. “Um Rei
Verdadeiro”. Ela acreditava nas histórias antigas, mesmo que por todo
canto da Cidade Encantada houvesse placas afixadas que declaravam:
"NÃO EXISTE TAL COISA COMO UM REI;
MORTE PARA AQUELES QUE FAZEM DE CONTA".
Mas a sua mãe ficou doente, assim como tantos outros, por causa
do ar podre da cidade encantada. Nos últimos dias antes de morrer, nos
momentos em que ela ficava livre da febre, e então consciente, ela
contava para Cicatriz as antigas histórias da sua infância.
“Uma vez um grande Rei dominava nossa cidade”, ela dizia.
“Todas as pessoas o achavam lindo e o serviam alegremente. Mas o
Encantador veio e enganou o povo e colocou uma maldição na cidade.
O Rei foi exilado. Aqueles que o procuram precisam buscá-lo no lugar
onde as árvores crescem ...”
Um-pa-pa...Um-pa-pa...Um-pa-pa-dim...os tambores da morte
interromperam as memórias do menino. Agora ele ouvia as sinetas
cerimoniais que estavam costuradas na barra dos mantos dos Sacerdotes
do Fogo. Ele ouvia o canto plangente. Logo depois, um aceno com a mão
e uma explosão. As chamas do funeral foram acesas.
Ao subir as espadas tortuosas de fogo ao céu, uma longa fila de
carros brilhantes veio na direção da praça. Estacionaram quietamente,
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em meio a sombras, ao lado da praça. O coração do menino começou a
bater mais forte. O Encantador veio para o funeral.
Cicatriz se endureceu ao ver o homem alto pisar no campo de
cinzas. Os olhos ficaram grandes ao ver o cabelo ruivo que se enrolava e
refletia a luz do fogo. A maioria o considerava elegante. Mas a mãe de
Cicatriz disse que o olhar de seus olhos era cruel. O menino pegou na
mão de Pequena Criança e a segurou bem forte.
O Encantador estava usando o manto de fogo, uma obra prima de
cores: tons de vermelho e amarelo mesclados com laranja, branco e
azul. Queimadores, cada um segurando um atiçador abrasador na mão,
desceram dos outros carros. Logo o homem alto e orgulhoso estava
cercado por estes guardas.
O Encantador dominava a Cidade Encantada com fogo. Ele amava
o fogo e amava o poder que ele trazia. Ele clamava ao fogo e o usava
para impor maldições. Muito tempo atrás ele decretou que a noite fosse
dia e que o dia fosse noite, porque tinha inveja da luz do dia.
Agora as pessoas da Cidade Encantada levantavam-se das suas
camas para trabalhar, brincar e comer, na luz inferior, a da lua.
Dormiam ao amanhecer. Mães, ao deitarem suas crianças diziam: “Bom
dia, até à noite”.
O Encantador virou-se e olhou do outro lado da Praça de Cinzas,
para os dois meninos, enquanto os tambores ressoavam com seu ritmo
peculiar, dim...dim...dim.
“São estes os órfãos?” disse ele ao apontar para os meninos.
Um Queimador acenou com a cabeça.
Com passos grandes e rápidos o homem alto atravessou o campo
entre eles. Queimadores marcharam em formação logo atrás dele, cada
um abanando seu atiçador, fumegante de poder quente. Cicatriz cobriu
um lado do seu rosto com a mão.
O Encantador encarou os meninos. Os olhos do homem
esticaram-se e depois quase se fecharam. De repente, o Encantador
pegou a mão de Cicatriz e a arrancou do seu rosto e, no mesmo gesto,
levantou o queixo do menino. “O que é isso no seu rosto? Por que que
não foi banido da cidade?”
O menino se esticou todo. Ele queria gritar de medo. Queria dar
um grande chute e correr. O toque do homem era quente. Cicatriz fez de
tudo para manter a sua calma. “Não...não é uma doença, senhor. E nem
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nasci com esse defeito. Foi um... um... acidente na hora da marcação”.
Era verdade. Tempo atrás, como era o costume quando uma
criança completasse cinco anos, Queimadores pegavam todas as
crianças dessa idade e marcavam as suas mãos com um atiçador
ardente.
“Você está marcado com a assinatura do Encantador”, o homem
gritou. “Nunca se esqueça de que você pertence ao Guardião do Grande
Queimador!”
O menino tinha gritado, mordido e esperneado. No conflito, um
ferro quente caiu, ou por acidente ou de propósito, na face do garoto.
Ele carregaria a cicatriz pelo resto da vida.
Pessoas sempre olhavam para ele e suspiravam fundo. Desviavam
os olhos. Crianças apontavam e gritavam: “Cicatriz! Ei, você aí, Cicatriz!”
Logo ele aprendeu a cobrir a sua face com a mão.
Agora Cicatriz se lembrava das últimas palavras de sua mãe:
“Pegue Pequena Criança e fuja...fuja antes do dia da marcação, antes
que Pequena Criança faça 5 anos. Fuja antes que venha o Encantador”.
Mas agora era tarde demais. O Encantador prendia o queixo do
menino como um alicate. O homem se encurvou e o menino estremeceu
com as ondas de calor. “A sua mãe tolamente acreditava em reis”,
sussurrou o Encantador.
Como ele sabia isso? Cicatriz pensou. Ele notou que os atiçadores
dos Queimadores soltaram faíscas ao som destas palavras. Os lábios do
Encantador deram um sorriso bondoso, mas nos seus olhos só tinha
maldade. “E o que é que seu filho, seu filho órfão, crê?”
O menino arrancou o seu queixo das garras do homem. Ele cobriu
a sua face novamente. Seus olhos fixaram-se no chão. “Jamais vi um rei,
senhor. Somente um encantador”.
Os olhos cruéis ficaram menores. “Ver é crer. Veja que você sempre
entenda deste jeito, órfão. Sempre pense assim.”
Com isso, o Grande Queimador deu meia volta, os guardas
marcharam ao seu lado e os tambores marcaram o passo:
dim...dim...dim...
E todos foram embora. Os pulmões de Cicatriz estavam gritando por
falta de ar fresco. Seu coração compassava: Fugir...Fugir...Fugir... Ele
preferia morrer do que ser um escravo do Encantador.
Mas era tarde demais para tais pensamentos. Cicatriz sentia uma
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mão pesada no seu ombro. A ponta de um atiçador de um Queimador
estava espetada no seu lado, seus olhos ocos e escuros apesar da luz
dançante das chamas. “Venha”, disse ele. “Para a Guarda-Órfãos".
Os três se distanciavam da Praça das Cinzas e agora desciam
pequenas ruas, passando por prédios estreitos. Pequenas luzes da
noite, em cima de postes, iluminavam o caminho. Faltava muito para
surgir o dia. Quando chegaram à feira, Cicatriz pôde ver a confusão de
barris e feirantes e ouvir a gritaria e as discussões. O Queimador tinha
dado alívio tirando a garra de seus ombros, mas não importava: seu
ferro duro ainda estava espetado no seu lado e Cicatriz sabia que nunca
poderia correr mais rápido do que seu captor. Pequena Criança
choramingou e Cicatriz pegou o menino nos braços.
De repente a energia caiu. “Acabou a força! Acabou a força!” as
pessoas gritavam.
Falta de energia era comum, mas para acontecer neste exato
momento parecia um milagre. A Cidade Encantada precisava de força
artificial, produzida pelo homem, para viver e iluminar a noite. Tudo
dependia da energia que vinha das fornalhas em baixo da cidade, que
precisavam ser alimentadas. Ônibus, carros e prédios eram ligados por
cabos subterrâneos. Mas o suprimento das fornalhas era sempre
insuficiente. A energia produzida pelo homem estava sempre falhando.
Quando a força faltava, o trânsito parava. Casas e comércios
tornavam-se escuros. Os relógios corriam fora da hora, na hora, entre a
hora. Nem o brincar funcionava. Às vezes a força acabava bem na hora
dos pênaltis, justo quando era mais necessária.
Mas Cicatriz sabia que esta era a sua chance para escapar. Ele se
arrancou do Queimador, carregando Pequena Criança seguramente em
seus braços.
“Fugitivos! Fugitivos!” gritou o Queimador.
Mas ninguém o ouviu no meio da confusão. Buzinas, carroças,
vendedores... todos ampliavam o barulho. “Ei! Pega ladrão!” “Tira sua
mão das minhas coisas!” gritavam os vendedores, ao perceberem a
vantagem que os mendigos estavam tirando da situação para
conseguirem algo para comer. Todos gritavam: “LUZES! LUZES!” E, no
meio dessa confusão, Cicatriz conseguiu fazer a fuga.
Ele correu com seu irmão nos braços, correu até sentir que seu
coração iria estourar.
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Quando a força voltou, Cicatriz parou com sua corrida frenética.
Estava perdido e sabia que os Queimadores viriam procurando por eles.
O Encantador não aceitaria ser roubado naquilo que era dele.
Ainda bem que a manhã estava próxima. Todos obedeceriam o
mandato DURMA À LUZ DO DIA, com exceção dos Queimadores que
continuariam a caçá-los, mesmo que a luz do sol doesse em seus olhos.
Se ele conseguisse ficar acordado e esconder-se até que achasse um
escape... Mas qual era o caminho do escape? Será que poderia existir
um Rei como sua mãe tinha dito? Seria possível achar o lugar onde esse
rei morava?
Cicatriz jogou-se num buraco debaixo de umas escadas de uma
casa próxima, para poder ter tempo para pensar. “Não é escuro no lugar
onde as árvores crescem”, sua mãe tinha falado. Mas na cidade não
havia árvores, porque todas tinham sido cortadas para queimar. Cicatriz
sabia que árvores cresciam em florestas. Ele ouviu que havia uma
floresta em algum lugar fora da cidade. Se ele soubesse o caminho...
O homem-relógio passou, gritando as horas. Faltavam duas horas
para o amanhecer. De repente Cicatriz ouviu os tambores. Batiam alto e
com raiva. M-pa-pa...M-pa-pa...M-pa-pa. O menino sabia que estavam
dando sinal por causa dele. Não havia lugar seguro agora; nenhum lugar
para ele esconder. Toda sombra poderia ser um Queimador.
O menino achou um pouco de dinheiro no seu bolso e ele já tinha
ouvido que motoristas de táxi poderiam levar pessoas para onde
precisavam ir. Mas será que seria seguro? Certamente eles também
reconheceriam a mensagem dos tambores. Mas Cicatriz teria que
tentar, era sua única opção. Pegou a mão do irmão, cuidadosamente
olhou para cima e para baixo e logo acenou para um táxi.
“Poderia nos levar para o fim da cidade onde existe uma floresta?”
perguntou ao motorista quando ele parou na sarjeta.
O motorista olhou para as crianças com um ar de astuto. “Claro,
claro”, disse. “Mas ande logo. Está quase na hora de dia. Pague agora e
só tem reembolso em caso de acabar a força”.
Cicatriz respirou fundo e os meninos entraram. O motorista deu
início no seu taxímetro e conectou à força. Sua pressa pelas ruas não
movimentadas fez os pneus cantarem. Logo eles chegaram num vasto
lixão na beira da cidade. Cicatriz nunca tinha vindo até ali.
“Final da estrada”, o homem disse com certa urgência. “Podem
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descer”.
Cicatriz hesitou. “Aqui fica perto de onde crescem as árvores?”
O motorista virou para trás e abriu a porta para os meninos. “A
linha só vai até aqui. Aqui é o lixão”. E com isso ele deu uma piscada e
disse: “Se procurar bem, irá achar onde as árvores crescem”.
Os meninos desceram e, quando o táxi acelerou, Cicatriz pensou
que ouviu o homem gritar: “Ao Rei!”
“Ao Rei!” A frase deixou a mente de Cicatriz perplexa. Mas ele estava
com pouco tempo para avaliar a despedida estranha do motorista, pois o
batido familiar dos tambores—M-pa-pa...M-pa-pa—interrompeu seus
pensamentos e o forçou a olhar ao seu redor para tentar achar um
esconderijo. Ou melhor ainda, o começo de uma floresta.
Pequena Criança começou a tossir e reclamar. “Shh!” disse
Cicatriz.
Os dois meninos sentaram-se na estrada cinzenta. Uma linha cinza
de luz rachou o céu acima do mundo. Pequena Criança caiu no sono,
mas Cicatriz aguardava a chegada da manhã. Escutava os tambores
distantes.
Alguma coisa está errada aqui! Cicatriz pensou. De repente, ele
percebeu que as sombras estavam se mexendo! Cicatriz estava quase
certo de que tinha visto um vulto cinza se mexer em sua direção. Primeiro
um aqui! Depois outro lá!
O cinza no céu se espalhava. Podia agora enxergar pela luz. Pelos
montes de lixo, homens estavam se aproximando deles. Queimadores!
pensou Cicatriz. Sem um piu eles se aproximaram mais: primeiro um,
depois outro...
O menino encurvou-se e abraçou mais perto o seu irmão que ainda
dormia; seus joelhos fracos de medo. A ameaça avançava por três lados.
Ele conseguia vê-los melhor agora que o céu clareou.
Os tambores estavam enviando sua mensagem de longe, do meio
da cidade, mas estavam acelerando cada vez mais.
Rapidamente Cicatriz ficou ereto e encarou as sombras. Ele não
tinha vindo a esta distância para desistir agora. Ele equilibrou Pequena
Criança em um braço e tirou seu canivete do bolso e o levantou em
desafio: “Não!” gritou. “Não serei seu! Se há um rei, eu vou achá-lo! Se
existe uma saída, eu vou achá-la de qualquer jeito! Vou buscar e lutarei
até o fim!”
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Naquele momento o dia raiou atrás do menino. O céu refletiu um
rosa pálido. Os Queimadores pararam. Seus olhos não suportavam a luz
brilhante.
Cicatriz ouviu um zunido estranho vindo do outro lado de um
portão velho na beira da montanha de lixo, que ele não tinha notado
antes. Os Queimadores pararam e protegeram seus olhos do sol cada
vez mais brilhante.
Neste momento de vantagem, Cicatriz deu uma meia volta e saiu
no pique. Correu com Pequena Criança nos braços, na direção do
portão velho e fechado, deixando os servos do Encantador surpresos.
Ervas daninhas cresciam na entrada do portão. A fechadura estava
enferrujada. Respirando forte, o menino parou e chacoalhou o portão.
Neste instante o sol raiou em cima deles, e o portão começou a se abrir
vagarosamente. Esperando com impaciência para entrar, o menino
olhou para cima e viu um arco por cima do portão. As seguintes palavras
estavam escritas no velho portão: SEJAM BEM-VINDOS TODOS OS QUE
BUSCAM.
Cicatriz se espremeu com seu irmão no espaço cada vez maior da
entrada. Estava sem fôlego. Pequena Criança estava pesado. Como ele
iria fechar o portão? Onde ele iria se esconder agora?
“Você chamou?” perguntou uma voz atrás dele.
O menino virou-se rapidamente para ver o homem mais
engraçado que ele já tinha visto. A criatura era alta e usava uma
pequena árvore na sua cabeça como um chapéu. Sua roupa era de uma
cor meio verde, marrom e cinza. Um molho de chaves estava pendurado
em um ramo que também dava uma volta na sua cintura. Ele tinha
cabelo longo e branco e uma barba também longa e branca, e os dois
ele encaixava no seu cinto. Seu casaco tinha bolsos e seu colete tinha
bolsos e sua calça também tinha bolsos—todos cheios de ferramentas
tais como alicates para podar, tesouras e trolhas.
O homem estava segurando um machado com algumas marcas
estranhas encravadas nele. Com precisão ele ergueu o machado com as
duas mãos sobre a cabeça, e foi então que Cicatriz percebeu que o
zunido musical vinha do machado. O portão se fechou com um
estrondo. Os tambores pararam de tocar.
Tudo estava quieto.
Cicatriz só pôde ouvir um som: Piu...Piu... O que era isso? Um
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pássaro cantando? O som o fez lembrar-se da descrição de sua mãe. Mas
ele nunca tinha ouvido antes a sua melodia, porque não havia nenhuma
coisa livre na cidade encantada. Ele olhou para o seu irmão nos seus
braços. Pequena Criança estava tão quieto que parecia estar em coma
profunda.
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Era uma vez, quando o Encantador decretou que todos os que tinham
doenças ou defeitos, que não podiam ser sarados, deveriam ser jogados
para fora da cidade e abandonados para morrerem. Todos os
desprezados e todos os esquisitos foram jogados para fora, junto com
aqueles que não pertenciam a alguém, com a exceção dos órfãos. Órfãos
eram mantidos porque serviam de proveito ao Encantador.
Num sol abrasador, uma mulher jovem tropeçava no seu caminho
atravessando o lixão ao lado da Cidade Encantada. Ela estava usando
óculos escuros, um chapéu exagerado para proteger a sua pele pálida, e
um botão grande e redondo que anunciava: AMAMOS
CRIANÇAS--Associação dos Órfãos. Ela continuamente escorregava nos
montes de lixo. Mesmo com os óculos escuros, seus olhos se
incomodavam com a luz. "Ich! Lá vou eu de novo. Cuidado! Luz é
branca", ela resmungava para si mesma. "Puxa! Ai-ai...que lixão
nojento!"
Mesmo manchada e suja por causa de seus escorregões, ela
aproximou-se do Portal de Pedras, a entrada para o Grande Parque. Ela
preferia estar fazendo qualquer outra coisa hoje do que estar correndo
atrás de órfãos extraviados. "Tô perdendo um dia de sono. Que chato!"
E agora, como que ela iria abrir este portão? Ela nunca tinha entrado
neste parque horroroso antes, mas era aqui que os Queimadores
disseram que os órfãos estavam.
Ela chacoalhou o portão de ferro. Notou uma casca de batata na
sua roupa e parou para tirá-la. Ela tentou subir pelo portão, mas os seus
pés escorregavam e o seu botão ficou preso entre os ferros. Finalmente,
ela deu um passo para trás e soltou um berro. "Tem alguém aí?" Seu
chapéu deu uma balançada no final do grito. Ela ajeitou a sua bolsa, que
parecia mais um cesto, e deu outro grito. "Tem alguém aí?"
Silêncio.
Ela tentou uma outra idéia. "Eu sou a Assistente da Guarda-Órfãos!
Em nome do Encantador, abra! Estou procurando órfãos!"
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O portão rangeu ao abrir. Ela se admirou com o poder do nome
que tinha usado, nunca suspeitando por um momento que os portões
sempre abrem para aqueles que buscam.
Uma vez no lado de dentro, ela seguiu seu caminho com
dificuldade de respirar. Ai, ai,ai...! Que matagal! Tantas árvores! Seria
melhor se fossem cortadas para abastecer os fornos da Cidade
Encantada...Que barulho é esse?
Na distância, ela notou uma turma no meio de um grande campo.
Algumas pessoas pareciam estar dançando. Um jovem estava fazendo
malabarismo com várias bolas. Aí deixou uma cair. Um senhor de mais
idade estava andando sobre uma corda de acrobata. Todos estavam
rindo e ela até teve a impressão de que estavam tendo um tempo gostoso
um com o outro. Que lugar estranho!
A Assistente seguiu apressadamente, ignorando as flores
brilhantemente coloridas balançando sobre hastes verdes, e nem notou
as belas criaturas, que não se mexiam, com os ouvidos em pé para
captar o mínimo ruído. Ainda bem que estava usando óculos escuros.
Ela forçava os olhos por trás deles, tentando evitar toda essa luz
brilhante e horrorosa profusão de forma e cor.
O que estava em sua mente era órfãos. Que chato! Órfãos e
delinqüentes. Ninguém que era gente gostava deles. Ela já tinha sentido
isso na pele. Ela tinha sido filha de uma rejeitada, antes de ter alcançado
este lugar útil no serviço do Encantador.
"Nhê, nhê, nhê, nhê, nhê, nhê" caçoavam as crianças da Cidade
Encantada, quando ela era menor. "A sua mãe é uma rejeitada, serve
pra nada, vai ser jogada!"
A sua mãe tinha ficado adoentada com uma doença incurável, era
o seu coração, e foi banida. E depois, quando o seu pai morreu, ela se
tornou uma órfã.
A sua cabeça esticou e seus ombros chiaram só de lembrar. Ela
odiava os delinqüentes! Todo mundo os evitava.
O caminho que ela pegou a levou para a cabana de Cuidador, que
era toda bonitinha e bem cuidada. Um jovem alto e bonito abriu a porta,
assim que ela chegou. Ele estava vestido com um manto azul marinho,
com uma fivela de prata no ombro. Ela aprendeu no treinamento que
era o uniforme de um Atalaia, um dos muitos que ficavam à disposição
total para o homem que se chamava de Rei.
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"Posso ajudá-la?" o jovem perguntou. Seus olhos cintilavam com a
luz, mas seus lábios não estavam sorrindo.
Dentro dela ela quis dar uma risadinha e responder, Certamente,
bonitão...mas ao invés, ela resmungou, "Ô Chatice! Me tira dessa luz. Esse
sol me derrete toda. O Sr. Cuidador está? A Guarda-Órfãos me disse para
falar com uma tal de Misericórdia e pegar os órfãos dela".
O Atalaia pegou suas bolsas pesadas, segurou a porta e explicou:
"Misericórdia é a esposa do Cuidador. Cuidador não está hoje.
Entre...Misericórdia, tem alguém aqui pra você da Associação dos
Órfãos".
A Assistente tirou seus óculos escuros. Ela viu uma mulher idosa
em pé, frente à lareira. Tinha mais idade que qualquer outra pessoa que
ela já vira antes. A mulher idosa estava mexendo algo dentro da panela,
no fogo. Usava um vestido longo e azul e por cima um avental. Um anel
de cabelo branco escapava por debaixo de uma fita em volta de sua
cabeça. Ela virou-se e sorriu para a visitante, que achou interessante ver
as suas rugas se mexerem para cima.
"Bem-vinda, caçadora" ela disse. "Eu sou Misericórdia, a esposa do
Cuidador. Somos servos do Rei". A mão que ela estendia para
cumprimentá-la era lisa e limpa como de uma menina e suas costas
estavam firmes e retas.
Estranho, pensou a Assistente. Misericórdia parecia jovem e velha ao
mesmo tempo. A Assistente sentiu-se nervosa e confusa. Fique de olho nos
estranhos e seja oficial, ela se atentou. Ecoou a ameaça da
Guarda-Órfãos: "Tragam-nos de volta vivos. Se falhar, um Queimador
estará em sua busca".
"Eu sou a Assistente da Guarda-Órfãos", ela anunciou, em voz bem
alta, esperando que todos na sala ficassem impressionados. Ela pegou
firme no seu botão oficial e puxou bem para que todos pudessem ver.
Abrindo o seu cesto, tirou um documento assinado. "Tenho aqui uma
autorização para prender fugitivos, assinada pela própria
Guarda-Órfãos. Ela quer de volta os dois órfãos que entraram pelo
Portal de Pedras. Um deles chama-se Cicatriz".
Seus olhos agora estavam se ajustando à luz amena do interior da
casa, e o que viu a surpreendeu.
Duas meninas limpavam a mesa, mas só que apalpavam a
superfície da mesa com as mãos e contavam com os dedos. Eram cegas.
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Esqueletos de crianças entravam e saíam. Quem iria querer estes
ratinhos? pensou a Assistente. No chão, três crianças estavam brincando,
mas uma não se mexia: sua muleta estava ao seu lado. Que tipo de lugar
é esse? Quem quer delinqüentes? Credo!
Foi aí que ela avistou dois meninos em pé no canto. Eles fugiram
do seu olhar. O mais velho escondeu a sua face com uma mão e com a
outra segurou bem forte o mais novo. Lá estavam!
O jovem Atalaia se mexeu: "Desculpe-me Misericórdia, mas preciso
ir e vigiar. Vai precisar de algo mais?" ele perguntou olhando para a
senhora. Mas a esposa de Cuidador balançou a cabeça, dizendo não.
Com um jogar da sua capa, ele saiu.
Tolo! pensou a Assistente. Pensa que essa velha pode resistir contra
mim? Ela ficou triste por ele ter que ir. Ela precisava de um pouco de
romance em sua vida. Uma assistente se cansava de sempre fazer as
mesmas coisas: fazer chamada de órfãos, contar órfãos, cumprir os
turnos de órfãos, ler o manual de órfãos. E agora, por que uma caçada de
órfãos? O Dagoda do Encantador realmente não era o lugar para uma
criatura tão sentimental como ela era.
Ela sempre sonhava com um jovem elegante e bom dizendo:
"Assistente da Guarda-Órfãos, você é o desejo do meu coração--".
O menino no canto arregalou os olhos. Ela o encarou mais ainda e
disse: "Ai, ai! Tá quente não? Que calor!" Ela tirou sua blusa e se ajeitou
numa cadeira para descer as suas meias grossas. Tirou do cesto um
grande lenço e limpou o suor do seu rosto. Ao ajeitar o seu chapéu, um
tomate podre caiu para o chão. Alguém soltou uma risadinha.
Eu te pego ainda! Você vai ver só! pensou a Assistente da
Guarda-Órfãos. Mas em voz alta disse: "De quem são estas crianças? Não
podem ser todas suas!"
Misericórdia soltou um sorriso de novo, as rugas se esticando.
"São todas minhas. Não temos órfãos em Grande Parque. Todos aqui
pertencem a alguém".
Todos aqui pertencem a alguém? A Assistente nunca tinha ouvido
algo tão tolo. Se ela não conseguisse provar que as duas crianças eram
órfãs, teria que agarrar os fugitivos e escapar correndo.
Quando Misericórdia se sentou do outro lado da mesa comprida, a
Assistente tirou vantagem para entrar em ação. Ela correu para os
meninos encolhidos no canto de tanto medo, agarrou Pequena Criança
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debaixo de um braço e com o outro pegou firme na mão do Cicatriz e
puxou-os na direção da porta.
Mas, mesmo com toda a sua força, a Assistente não conseguia
fazer com que Cicatriz saísse da porta da casa do Cuidador. Ela puxou
com toda a sua força, se arrastou e esticou o pescoço até ficar sem ar.
"Droga!" Finalmente, ela desistiu e olhou confusa para Misericórdia.
"Não temos órfãos em Grande Parque", repetiu Misericórdia.
"Estas crianças têm o seu lugar aqui. Você não pode levá-las, sem que
elas queiram ir voluntariamente".
Voluntariamente, é? Um brilho veio aos olhos de Assistente. "Você é
velha, muito velha", ela disse para Misericórdia. "Velha demais para me
impedir".
Era um desafio. Os dois meninos correram de volta para o canto
mais distante.
A Assistente se ajeitou na cadeira do outro lado da mesa. Ela
colocou os cotovelos na mesa com seu queixo em suas mãos.
Misericórdia tomou a mesma pose. Os olhos das duas mulheres se
fixaram.
Todos dentro da casa interromperam o que estavam fazendo. O
que estava acontecendo? Quem iria sair vitoriosa? Por que o Atalaia
forte tinha saído? No canto, Cicatriz e Pequena Criança abraçavam-se
um ao outro.
A Assistente foi quem falou primeiro: "Pela Guarda-Órfãos. Pela
morte e miséria. Pela dor e tristeza, doenças e loucuras. Pela
Guarda-Órfãos. Guarda-Órfãos. Vocês não pertencem a ninguém".
Com isso, dores há muito tempo esquecidas pelas crianças foram
trazidas à tona. O menino na cadeira de rodas se encurvou e
choramingou. As irmãs cegas esbarraram-se uma na outra, e uma tigela
caiu. Uma rosnou. Outra criança coçou-se. A criança aleijada deu as
costas para seus companheiros.
Misericórdia olhou bem nos olhos da Assistente da Guarda-Órfãos.
Ela retrucou a maldição. "Cuidador! Cuidador! Esposa do Cuidador! De
quem são estas? São minhas. São minhas. Cuidador! Cuidador! Esposa
do Cuidador!”
Misericórdia levantou seu rosto das suas mãos, mas nunca tirando
seus olhos da sua adversária. Ela abriu seus braços, tanto, tanto que
parecia englobar o quarto inteiro. "As coisas não são o que elas
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aparentam ser!" ela gritou. "As coisas não são o que elas parecem ser!
...Em Grande Parque sabemos que isso é verdade".
O menino na cadeira de rodas se endireitou. Ele não tinha mais
dor. Ele ergueu bem a cabeça. As meninas cegas ajudaram uma a outra
a limpar a tigela quebrada. Uma delas assobiava uma melodia. A criança
de muletas se ajuntou de novo aos seus companheiros. Alguém soltou
uma risada. Duas crianças magrelas saíram correndo para brincar.
A Assistente da Guarda-Órfãos estava toda suada a esta altura.
Pingos de água escorriam na sua face. Droga! Que coisa! Ela seria
demitida na certa e seria entregue aos Queimadores. De onde vinha esta
força da Misericórdia?
A Assistente deu um murro na mesa. Uma caçada ordinária de
órfãos hein?! Que é isso! Não tem nada de ordinário nisso. Que Guarda de
Órfãos chata! Ela deveria vir ela mesma. Ela focalizou sua mente no
menino encurvado no canto. Cicatriz, vem, vem,...ela pensou. Pelos
tambores da morte, os Sacerdotes das Chamas, pelo manto de fogo.
Eu o farei vir voluntariamente. Ela se concentrou mais e mais no
nome de Cicatriz. Mas o trabalho era difícil. Aí ela percebeu que o menino
deu um passo em sua direção, saindo do canto. Ela viu que ele soltou a
mão do seu irmão. Cicatriz, vem, vem. Era só uma questão de minutos até
que o menino estivesse ao seu lado.
De repente, o órfão endureceu. Meu nome é Herói ele se pegou
lembrando.
Herói? Herói de quem? Respondeu a Assistente à resistência do
menino. Este não é seu nome. Nunca! Quem já ouviu uma coisa dessa. Um
órfão com o nome de Herói? Rapidamente, a jovem aumentou sua
concentração. Ela sentiu a sala inclinar-se em direção da porta. Ela
chamou em sua mente: Cicatriz, vem, vem...
Devagarinho, o menino deu mais um passo.
Agora! Agora era a hora! Invoque os nomes! A jovem ficou de pé,
suas mãos ainda agarradas na beira da mesa, suas costas envergadas, e
seus olhos que nem alfinetes em direção de Misericórdia. Sua voz era
aguda: "Eu sou a Assistente da Guarda-Órfãos! Em nome da
Guarda-Órfãos! Em nome dos Sacerdotes das Chamas e Queimadores e
Quebrantadores e Negadores! Em nome do Encantador! Eu ordeno que
todos aqueles que pertencem àquele que queima venham até mim!"
As crianças choramingavam. Cicatriz começou a andar na direção
17
da Assistente, seus olhos deslumbrados e seus passos mecânicos. Ele
abaixou a mão, revelando a cicatriz crua e feia na sua face.
Gotas de suor se ressaltaram na testa enrugada de Misericórdia. O
cabelo branco em baixo do seu laço estava úmido. Mas estava sorrindo.
Ela pegou firme o seu lado da mesa e travou o seu olhar com a da
jovem. Ela levantou-se da cadeira e ordenou:
"Eu sou a Misericórdia, esposa do Cuidador do Grande Parque.
Pelo nome do Comandante do Atalaia, protetor e guardador da vigia.
Pelo poder das chamas sagradas. Pelo nome do Rei, Filho do Imperador
de tudo, que trará a Restauração do Reino. Eu te impeço! Eu te previno!"
A casa voltou a sua posição original. O menino voltou ao seu
lugarzinho no canto.
Misericórdia levantou suas mãos acima da cabeça e segurou-as
juntas. "Ao Rei!" ela gritou. "Ao Reino! À Restauração!"
A maldição da Guarda-Órfãos foi quebrada. As crianças respiraram
fundo. Misericórdia sentou-se na sua cadeira. Proteção pairava sobre
eles novamente.
A Assistente abaixou os olhos. Um pequeno choro veio de seus
lábios. "Coitada de mim, ai de mim.... Achar Misericórdia foi o que a
Guarda-Órfãos pediu. Pois achei-a ... mas Misericórdia tem-me
derrotado. Serei demitida, na certa".
A Assistente da Guarda-Órfãos colocou seu rosto entre as mãos e
chorou como uma criança. Ela pranteou e debulhou. Ela acabou tendo
que tirar um lenço do seu cesto para limpar o rosto.
Gentilmente, uma pequena mão apareceu e tocou o seu braço e
depois seu ombro, limpou as lágrimas do seu rosto e, a final, dos seus
olhos. Era uma das meninas cegas. A criança, com um cheiro suave de
perfume e sabonete, encostou seu rosto no dela.
Abrindo seus olhos, a jovem descobriu que estava rodeada por
crianças. O menino na cadeira de rodas ofereceu um pano úmido e
cheiroso para colocar na sua testa. A criança que usava muletas trouxe
um copo de água, enquanto uma das crianças disse: "Não chore,
Assistente, não chore!"
Mas isso fez com que ela chorasse mais ainda. Quem antes tinha
falado com ela de maneira tão gentil? Seu pai morreu nos fornos
embaixo da cidade e sua mãe foi banida.
Finalmente, também os dois meninos do canto da sala se
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achegaram. O mais velho falou com Misericórdia: "Eu posso voltar com
a Assistente. Pequena Criança pode ficar com você. Ser demitida seria
terrível. Ninguém deveria ser demitido por minha causa".
A Assistente da Guarda-Órfãos pranteou. Ela lembrou-se do dia de
marcação. Sua mão doía só de pensar. Ela só era uma Assistente da
Guarda-Órfãos porque servia à Guarda-Órfãos e ao Encantador sem
questioná-los, não porque eles se importassem com ela. Ela não tinha
amigos. Mas Misericórdia tinha dito: "Todos aqui pertencem a alguém".
As crianças tocaram na sua mão. Misericórdia anunciou: "Eu acho
que tenho um final feliz. Por que a Assistente da Guarda-Órfãos não fica!
Desta maneira, Herói não terá que voltar, e ela não terá que ser
demitida".
As crianças dançaram e pularam. "Isso! Fica! Fica com a gente,
Assistente! Por favor! Por favor! Queremos que você fique!"
A Assistente assoou o nariz. Ela lacrimejava e fungava. Ela olhou
para a Misericórdia. Os olhos da jovem estavam cheios de admiração.
"Você me quer?" ela perguntou maravilhada.
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"Eu tenho uma confissão a fazer", disse Misericórdia. "Fui eu quem
te chamei da Guarda-Órfãos. Eu persuadi você a atravessar o lixão até o
Portal das Pedras. Eu queria você aqui. Eu acho que será ótima com as
crianças".
"Fica!", disse a menina cega, implorando. "Não queremos que seja
mandada embora. More conosco! Vai adorar o Rei!"
"Oba! você pode morar com a gente!" disse o menino aleijado. Ele
agitou sua muleta no ar e quase caiu ao perder o equilíbrio. Mas a
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Assistente conseguiu esticar a mão e evitar o tombo.
"Mas por quê?" gaguejou a jovem. "Por quê?"
Misericórdia pegou uma colher para mexer o que estava no fogo.
"Mais uma pessoa para amar, eu suponho. Mais uma pessoa para amar".
A Assistente da Guarda-Órfãos assoou o nariz de novo. Ela limpou
seu rosto com o pano úmido. "Ó Misericórdia, você não é nada velha,
né..."
Misericórdia deu uma risada. Ela se deslocou até a cadeira onde a
jovem estava sentada. Deu um abraço bem grande nela e disse: "Eu te
falei que as coisas não são o que elas aparentam ser".
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Mateus 13:44,45
O Reino dos Céus é também como um negociante que procura pérolas
preciosas. Encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo o
que tinha e a comprou.
Marcos 8:35
Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a vida,
por minha causa e pelo evangelho, a salvará.
Romanos 8:14
Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de
Deus.
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Havia um malabarista em Grande Parque, a terra do Rei, que queria mais
do que qualquer outra coisa neste mundo se juntar à turma dos
Malabaristas. Mas ele tinha algo terrível escondido no seu coração, um
segredo que não tinha compartilhado com ninguém...
O Malabarista Aprendiz estava certo de que traria vergonha
para a turma na apresentação daquela noite. Ele sabia que iria deixar
cair um bastão durante a apresentação da pirâmide em cascata. Aí, o
Mestre Malabarista iria ficar sabendo o seu segredo e ele, então,
perderia o seu lugar nessa companhia de malabaristas. O nó na sua
barriga parecia um gigante brincando de cabo-de-guerra.
Posicionando-se no meio da roda de treino, o Malabarista
Aprendiz esquentou as suas mãos num retalho de luz da manhã.
Aqueceu seus dedos com exercícios localizados. Começou jogando duas
bolas em uma configuração básica de malabarista.
O Malabarista Aprendiz concentrou-se. Ele podia ouvir as palavras
do Mestre Malabarista na sua primeira aula: "Ensine as bolas a
dançarem. A palavra bola vem do francês. Quer dizer dançar. Faça as
bolas dançarem!"
As bolas realmente dançaram nas mãos do Malabarista
Aprendiz. Enquanto ele trabalhava sozinho, ele estava bem. Neste
último ano, como aprendiz, ele aprendeu a fazer malabarismos com
anéis, bastões, pinos de boliche e ovos (até uns não-cozidos). Podia
rodar pratos em varas. Podia equilibrar guarda-chuvas na testa, nos
ombros e nas mãos, tudo ao mesmo tempo.
Ele colocou três bolas em ação. Joga * Joga-cata * Cata; Joga *
Joga-cata * Cata.
Ninguém sabia que ele estava lutando contra seu próprio ritmo
interior. Ninguém sabia que uma batida diferente da do seu coração
estava nas suas mãos.
Só quando o Malabarista Aprendiz trabalhava com os outros
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estudantes de malabarismo, ou quando fazia um ensaio com toda a
turma, é que dava problemas.
Ele tropeçava.
Deixava bastões caírem.
Os outros pensavam que era porque não tinha experiência
em malabarismo. Mas o jovem sabia que a sua batida interior era
simplesmente diferente. Ele não queria que ninguém ficasse sabendo
do seu segredo, especialmente o Mestre Malabarista. Trabalhar com a
turma era o alvo glorioso de qualquer aprendiz.
As bolas dançaram nas mãos do Malabarista Aprendiz. Ele mudou
para duas bolas e só uma mão. Ensaiou "chuveirinhos". Pegou dois
pinos de boliche e testou o peso deles em cada mão. Jogou um bem
alto. Deu duas voltas no ar. Introduziu um terceiro bastão, com o pé
direito por fora. Também virou duas vezes no ar. Logo, até os pinos
estavam dançando.
Ele se protegeu contra o seu próprio ritmo interior.
Um dos outros rapazes estava fazendo malabarismo com bastões.
Chegou mais perto do Malabarista Aprendiz e começou a passá-los a
ele. Seis bastões agora rodavam pelo ar. O jovem compassou em voz
alta: "Um-dois-três...Um-dois-três...Um-dois-três...".
Até agora, tudo bem, pensou o Malabarista Aprendiz: se ele só
pudesse contar em voz alta como estava fazendo agora. Mas todo
malabarista sabia que esse era o sinal de um iniciante.
"Muito bem! Ótimo!" gritou o Mestre Malabarista. "Trabalho
excelente hoje de manhã! E eu tenho uma notícia maravilhosa. O Rei
estará presente na Grande Celebração hoje à noite. Estaremos fazendo
as proezas para Ele!"
A turma inteira soltou um grito de aplauso, mas o coração do
Malabarista Aprendiz despencou até a barriga de novo, onde assolava
uma guerra. Ele já tinha feito malabarismos em outras Grandes
Celebrações, com os outros estudantes. Hoje à noite era para ele fazer
um solo e depois aparecer com todos para o final.
E se ele falhasse diante do Rei? Seria merecido pelo fato de ter
mantido para ele mesmo esta coisa escondida. O único sonho que ele
tinha era de ver o Rei sorrindo com prazer, ao ver seus malabarismos.
Ele até imaginou o Rei aproximando-se dele e dizendo: "Jovem, você fez
muito bem. Você tem um dom especial".
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A voz do Mestre Malabarista interrompeu seus pensamentos:
"Vamos ensaiar o final!"
A turma de malabaristas ficou em formação para a pirâmide em
cascata. Quatro malabaristas se alinharam em fila. O sinal foi dado. "Já!"
Todos contaram silenciosamente: Um, dois, três PULA! Três malabaristas
pularam em cima dos ombros dos quatro primeiros.
O sinal veio de novo: "Já!" Um, dois, três, PULA! Um agarrar de
mãos, um trepar, um pulo. Os dois aprendizes subiram até o topo.
Os bastões começaram a dar laçadas para cima, virando e girando,
subindo a pirâmide. Oito vieram de baixo. Seis foram passados ao meio.
Os aprendizes devolveram os bastões que chegaram até em cima, para os
homens no lado de fora. Era uma manobra rápida mas simples ⎯ isto é,
enquanto o ritmo fosse mantido. O Malabarista Aprendiz sabia que todos
os nove membros da turma estavam marcando o tempo silenciosamente:
Joga * Joga-cata * Cata; Joga * Joga-cata * Cata....
Com horror, ele percebeu que o seu marcar do tempo estava
fora do tempo de novo. Ele estava no interior dele marcando: Joga *
Joga-cata * Joga! Ele se pegou a tempo e mudou o seu compasso, mas
ficou como um sinal gritante e perigoso.
Será que ele deveria falar para o Mestre Malabarista? Mas como
poderia suportar ver alguém tomar o seu lugar? O que iria acontecer, se
ele seguisse o seu próprio ritmo interior? Que desastre sucederia?
Com ombros caídos, o Malabarista Aprendiz deixou o campo de
ensaio e voltou para casa. Mais tarde, com as pernas molengas, ele fez
seu caminhar até a grande abertura na Floresta Profunda. Era ali onde
as Grandes Celebrações sempre se realizaram, rodeadas pelo círculo
das Chamas Sagradas.
Os súditos do Rei já estavam começando a chegar para a Roda
Íntima. As Chamas Sagradas que já estavam acesas, resplandeciam e
dançavam em um grande círculo. Atalaias em suas capas azuis se
posicionaram ao redor das chamas. A música da celebração já tinha
começado.
O Malabarista Aprendiz observou os celebrantes atravessarem o
círculo de chamas para dentro da Roda Íntima: esta cerimônia
chamava-se "fazendo entrada". Ele avistou cada um tornar-se real ao
fazer isso, por que as Chamas Sagradas mostravam as pessoas, não
como aparentavam ser, mas como realmente eram. Todos os disfarces
25
caíam.
Os risos, a música e o gozo dentro das chamas atraíam o
Malabarista Aprendiz, mas ele se segurava. Como poderia fazer entrada
com esta coisa escondida no seu coração? O seu segredo não seria
revelado, quando ele tornasse real?
O velho e engraçado Cuidador atravessou as chamas. A sua forma
tornou-se fosca por um momento, na luz brilhante. Aí ele fez entrada.
Tornou-se alto, reto, ombros largos, usando a capa azul escuro e a fivela
de prata de um Atalaia. Cuidador não era o que aparentava ser. Ele se
tornou o Atalaia Comandante, o protetor chefe do parque e conselheiro
íntimo do próprio Rei.
O Malabarista Aprendiz se contorceu. Lembrou-se de como
Cuidador o tinha achado, quando era criança pequena, abandonada e
faminta, e o levou até Misericórdia que o amou e cuidou dele.
Lembrou-se de como Cuidador e Misericórdia odiavam coisas escuras e
escondidas.
Ele decidiu esperar pelo Mestre Malabarista e revelar o segredo
escondido de que o seu ritmo interior era diferente e perigoso à turma.
O Malabarista Aprendiz iria pedir para escolher outro para o final. Era o
único jeito.
Um soluço sacudiu seus ombros. Nunca mais sentiria o gosto de
segurar bastões ou a emoção de objetos dando cambalhotas. Nunca
mais o ritmo maravilhoso da turma de malabaristas.
Ele daria o seu lugar a outro. Qual seria então o seu fim? Onde
seria o seu lugar? O jovem sabia que nunca seria um bom padeiro ou
jardineiro, ou guarda florestal. Ele não suportava dançar ou cantar. Não
tinha nenhum desejo de ser um Atalaia. A única coisa que ele quis fazer
foi ver bolas, bastões, anéis e ovos ⎯ não cozidos ⎯ dançarem.
Indignado, o Malabarista Aprendiz jogou para o alto as bolas que
segurava. Desta vez, ele marcou o seu próprio tempo. Era o que
suspeitava: as bolas se mexiam em intervalos desajeitados. O jogar das
bolas não era fluido. O ritmo aumentava e diminuía, criando incerteza.
Ele tinha que contar o seu segredo. Ele nunca seria igual aos outros
malabaristas.
Um mendigo estava se aproximando do círculo de fogo. O homem
vestia uma capa marrom com um capuz que cobria o seu rosto.
Carregava um cajado e mancava. "Um trocado por favor! Um
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trocadinho!" ele gritava. "Moedinhas para o pobre!"
O mendigo parou perto do menino e perguntou: "Malabarista,
você está participando da apresentação na Grande Celebração?"
O jovem balançou a cabeça. De repente, ele queria soltar o seu
segredo. Ele queria dizer: "Eu tenho algo escondido no meu coração".
O mendigo acenou para ele achegar-se mais perto e sussurrou: "Eu
vi você treinando agora mesmo. Marque o seu próprio tempo. Escute o
ritmo da sua própria cadência".
O Malabarista Aprendiz ficou maravilhado. Como um mendigo iria
saber que sua cadência estava fora, se ele tinha guardado isso para si e
não contado a ninguém?
O mendigo riu e disse: "Eu entendo. O meu ritmo é diferente
também". Com isso o mendigo se virou para fazer entrada.
O menino ouviu os Atalaias gritarem: "Ao Rei! À Restauração!" A
forma do homem passou para dentro da Roda Íntima. Um grito de
reconhecimento subiu. Pessoas vieram correndo para receber o
recém-chegado. Gritaram boas-vindas e chamaram um ao outro.
O Malabarista Aprendiz arregalou os olhos. Ele não estava
preparado para o que aconteceu. O homem estava lá, transformado. Ele
tinha a mesma altura do Atalaia Comandante e era elegante. A luz das
chamas dava um reflexo dourado em seu cabelo. Ele agachou-se e
pegou uma pequena criança e colocou-a em cima dos seus ombros
largos. Misericórdia, jovem e linda, agora que ela tinha dado entrada,
veio correndo de um lugar dentro do círculo e pegou a sua mão. Ela
chamou seu marido, Atalaia Comandante, que se aproximou e fez
continência ao Rei.
O mendigo é o Rei, pensou o Malabarista Aprendiz. Ele disse:
"Marque o seu próprio tempo".
O Rei elevou o outro braço; o primeiro ainda segurando a pequena
criança. "Deixe a celebração começar!" veio o comando.
Malabarista Aprendiz correu para fazer entrada. Os malabaristas
eram os primeiros e ele deveria fazer um solo logo no começo da
apresentação.
Em resposta ao comando do Rei, os músicos começaram a tocar
uma melodia alegre que dava vontade de marcar o tempo com o pé.
Isso chamava os súditos da Floresta Profunda para atravessarem as
Chamas Sagradas, para dentro da Roda Íntima. Os malabaristas
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estavam se aglomerando no coração da celebração. O Rei e os seus
seguidores andavam em círculo ao redor deles. Todos batiam palmas
no ritmo da música.
A turma estava fazendo malabarismos: cada um para si, alguns
com bolas, outros com anéis. Logo veio o momento para a
apresentação do solo do Malabarista Aprendiz. Todos pararam.
O coração do jovem estava na sua garganta. E se ele deixasse uma
bola cair? E se tropeçasse? E se não conseguisse manter o controle do
seu tempo? Foi então que ele se lembrou das palavras do Rei Mendigo:
"Ouça o marcar do tempo do seu próprio ritmo interior".
Ele deu ouvidos. Uma cadência nova estava surgindo dentro dele: a
sua própria cadência. Gozo veio jorrando, encheu suas mãos e seu
coração. Esta cadência era diferente de todas as outras que ele já tinha
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ouvido: Joga * Joga-cata * Cata * Cata-cata * Joga; Joga * Joga-cata *
Cata * Cata-cata * Joga...
Ele jogou uma laranja alto, mas bem alto no ar, e logo outra e
depois outra. Ele catou a primeira laranja bem em tempo, centímetros
do chão. A multidão suspirou. Ele catou a segunda e a jogou próximo,
rebatendo com o seu pé. O povo suspirou de novo; depois todos riram.
O Malabarista Aprendiz mergulhou para pegar a terceira; jogou para o
alto, deu uma cambalhota, catou a seguinte rente ao chão,
arremessou-a rapidamente de volta para cima. A multidão soltou seus
brados.
Ele ouviu os cochichos: "Que maravilhoso!" "Nunca vi um
malabarista fazer tantas coisas como este!" "Que diferente!"
Ele continuou a dar ouvidos para a cadência interior: Joga-cata *
Cata * Cata-cata * Joga. Ele arremessou e deu cambalhotas e mergulhou
e marcou o tempo. Finalmente, ele encerrou. Todos riram, aplaudiram,
gritaram e bateram os pés.
O Malabarista Aprendiz se curvou. Levantou-se, e se dobrou de
novo. Desta vez, quando ele se levantou, estava olhando direto nos
olhos do Rei.
O Rei estava sorrindo em aprovação.
"Um palhaço! Um palhaço!" alguém estava gritando. Era o Mestre
Malabarista.
"Você tem o ritmo de um palhaço!" ele cantou. "Parece que você
não vai conseguir...parece que você vai deixar algo cair, mas não deixa!
Um palhaço é o melhor malabarista de todos!"
O Mestre Malabarista ficou sério. Ele chacoalhou os ombros do
malabarista. "Por que você não me disse que o seu ritmo era diferente?"
"Por-porque", gaguejava o jovem entre as chacoalhadas. "Eu
pensei que-que iria perder o meu lugar na turma dos malabaristas".
O Mestre Malabarista parou de chacoalhá-lo. "Perder o seu lugar?
Melhor ainda é achar o seu devido lugar! Não sabia que, na Grande
Celebração, todos que desejam um lugar acham seu lugar?"
Com isso o Mestre Malabarista deixou sua cabeça cair para trás e
soltou uma gargalhada. "Um Malabarista com o instinto de um palhaço!
Ah! São tão raros! Tão raros! Que turma teremos! Todos vão adorar!
Faremos as bolas dançarem!"
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Efésios 6:12
Pois a nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra os poderes e
autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as
forças espirituais do mal nas regiões celestiais.
Gálatas 5:9
Um pouco de fermento leveda toda a massa.
Romanos 1:17
Pois no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que, do
princípio ao fim é pela fé, como está escrito: “O justo viverá pela fé”.
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Muitos anos atrás, o perigo se aproximava das pessoas mais corajosas e
dos lugares mais lindos do Grande Parque. Homens e mulheres nunca
eram o que aparentavam ser, pois a mágica, o mistério e a maravilha
sempre era possível. E isso não é muito diferente da maneira como as
coisas são hoje.
Não muitos dias após o menino Herói ter chegado ao Grande
Parque, ele foi explorando-o, atravessando alguns vales e montes em
direção ao Lago dos Patos, passando pelas Hortas do Grande Parque,
nos Vinhedos de Misericórdia, depois dando a volta pelo Lago Marmo.
Ele beirava as bordas da Floresta Profunda para um lugar meio afastado
chamado Campo Relvoso. Sentando-se na beira do Pantanal Cantante
abriu o saco de lanche que a esposa do Cuidador tinha preparado para
ele. Era pão com queijo. Finalmente, ao meio-dia, ele se refrescou nas
sombras da Floresta Silvestre.
Pela primeira vez na vida, Herói se sentiu feliz e protegido. Não
tinha queimadores atrás dele. Chamas de fogo não o estavam
ameaçando. Ele não sabia quem reinava nesse lugar, mas certamente
era melhor do que a Cidade Encantada.
De repente, o som de risadas o surpreendeu. Tentando saber de
onde vinha, ele encontrou uma menina sentada sobre o tronco de uma
árvore com flores entre os seus dedos do pé, fazendo tranças em seu
cabelo longo e loiro. Ela parou, esticou o braço e uma borboleta
assentou no seu dedo.
Ela girou com o som de sua chegada. Ao vê-la, Herói cobriu o rosto
com a mão. Por um momento, ele tinha se esquecido da sua terrível
cicatriz.
"Hoje eu acordei mais tarde", ela disse sem demonstrar nenhuma
surpresa em vê-lo. Soprou a borboleta que saiu batendo as asas,
continuou tirando as flores dos dedos do pé, uma por uma, e colocou-as
nas tranças em seu cabelo. "Bem-vindo ao Reino," disse ela com um
sorriso.
"O Reino?" Herói perguntou. Todo mundo sabia que tal coisa não
existia. Aí ele parou; mas é claro, a menina deve estar fazendo de conta.
Ele decidiu entrar na dela. "Ah! e suponho que o seu pai é o Rei".
"Ah!, não", ela respondeu. "O Rei é o meu irmão mais velho, assim
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como ele é o irmão de todos os que crêem".
Herói tentou não mostrar suas dúvidas. "E, então, você deve ser
uma princesa", ele caçoava observando os jeans e a camisa desbotada.
"Sim". A menina estava amarrando o seu tênis. Ao terminar, ela
ficou em pé bem reta, elegantemente fez a reverência, segurando os
lados de sua calça: “Sou a Princesa Amanda. Bem-vindo, Herói”.
Herói disfarçou uma risada e ficou surpreso por ela saber o seu
nome. Antes dele poder prosseguir, a menina cuspiu.
"Consegue fazer isso?" ela perguntou.
Qualquer um consegue cuspir, pensou Herói. Ele cuspiu no
chão.
"Ah, mas consegue fazer isso? Consegue acertar aquele cogumelo
ali?" O cogumelo era pequeno e estava numa distância de cinco metros.
Amanda cuspiu de novo e acertou na mosca! Herói não conhecia
ninguém que conseguisse fazer isso.
"É um dom", disse Amanda. "Eu tenho a mira certa".
"Ela cuspiu de novo e acertou exatamente no nó de uma árvore.
"Eu estava a caminho do campo onde praticamos isso, mas pensei em
colher algumas flores para o meu cabelo. Estamos ensaiando para a
Grande Celebração. Qual é o seu dom, Herói?"
O menino pensou, mas nada lhe veio à mente. Ele agradeceu,
quando a conversa foi interrompida por um grito que ressoou pela
floresta. "Como vai o mundo?"
Ele ouviu uma resposta: "O mundo não vai bem".
Depois uma outra resposta: "O Reino está chegando".
"Este é o grito da vigilância", explicou Amanda. "Vai de torre em
torre. Os Atalaias vigiam. Eles protegem o parque contra Queimadores e
Negadores. Eles também ficam de olho em pessoas feridas, fogo na
floresta, e protegem os abandonados. Seus corações são cheios de
coragem e bravura" disse Amanda, ao começar a sua caminhada até ao
campo de ensaio.
"Espere! Espere!" gritou Herói. "Não estou entendendo. Não estou
entendendo nada."
Amanda parou. Fios de cabelo já estavam soltos das suas tranças e
algumas flores já haviam caído.
"O que é um reino? O reino de quê? Onde está o reino?"
O queixo de Amanda caiu. Ela riu surpresa. "Ué, esta é a primeira
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regra do Grande Parque: O Reino é Qualquer Lugar Onde o Rei Reina!"
O menino sentiu-se bobo. A resposta parecia óbvia, mas ele ainda
não estava entendendo. "Eu pensava que isto era um parque".
"Claro que é, é um Grande Parque. E o Reino está nele. É aqui onde
o Rei reina, em exílio. Mas o Reino não é somente aqui, é qualquer lugar
onde o Rei é obedecido. E algum dia o Reino do Rei será restaurado na
Cidade Encantada... e em todo o lugar. É por essa razão que clamamos:
"Ao Rei! À Restauração!"
Herói estava considerando todas essas coisas quando, de
repente, tocou bem alto uma trombeta na floresta. Foi respondida com
outro e mais outro. FÓÓÓiiiiiiii! FÓÓÓiiiiiiii!
Amanda soltou as flores. Seu corpo ficou tenso para ação. O
sorriso deixou seus olhos. "Perigo!" ela gritou. "Trombetas de Atalaias.
Estão dando um alarme".
As trombetas soaram de novo. Desta vez três rajadas curtas.
Fói! Fói! Fói!
"Fogo! Fogo na floresta!" Amanda gritou. "Venha! Precisamos
ajudar. As trombetas estão dando o sinal de que precisam de ajuda!"
Herói sentiu uma caverna oca se abrir na boca de seu estômago.
Fogo? O seu velho pavor subiu e causou náusea. Uma visão de fumaça e
pilares de fogo lampejou atrás de seus olhos, assim como tambores de
morte e pira funerária. A marca no seu rosto começou a latejar; e ele a
cobriu com sua mão.
Amanda nem notou. "Venha!" ela gritou. Ela pegou firme no braço
do menino mais velho e saiu correndo com ele pela floresta.
"Precisamos ir depressa!"
Os dois correram até um pavilhão construído à beira da Floresta
Profunda. Centenas de Atalaias estavam reunidos, homens e mulheres
usando capas longas e azuis com fivelas prateadas nos ombros. Alguns
pegavam baldes, outros pás e vassouras, enquanto se apressavam para
dentro do prédio espaçoso.
Herói e a Princesa Amanda também entraram e foram levados pela
multidão até a frente do grande salão. Na plataforma estava um homem
alto, que parecia poderoso. Estava examinando mapas, dando ordens,
enviando grupos pequenos de Atalaias para a esquerda e para a direita.
Finalmente, ele levantou a mão pedindo por silêncio. O salão ficou
logo quieto, o homem na frente continuou sustentando sua mão bem
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alto. Herói notou que o seu cabelo preto tinha listas de cinza. Os olhos
escuros brilhavam como fogo. Ele parecia ser um rei, se é que havia um
rei.
Amanda respondeu a pergunta interior dele. "Não, este não é o
Rei. É o Atalaia Comandante".
"Fogo na floresta", anunciou o Comandante. Ele apontou para os
mapas espalhados nos grandes quadros. "Dois fogos começaram em
pontos distantes dentro de um curto prazo. Aqui e aqui".
Um murmúrio baixo se espalhou pelo salão. Isso só poderia
significar uma coisa: alguém planejando colocar fogo na floresta inteira.
"Estes fogos estão na terceira e na quarta região florestal, nos
distritos treze e quinze da brigada. O esquadrão de primeiros socorros
já está em posição".
O Atalaia Comandante virou-se para os mapas e explicou a
estratégia. "Mobilizem-se imediatamente. O grupo com machados e pás
deve atuar desse lado e desse. O grupo com baldes, logo atrás. Estejam
prontos para irem contra o fogo; mas esperem pelo sinal das trombetas
para darem início. Lembrem-se: não mais fogo do que o necessário".
Ele olhou para o pessoal com expectativa. Herói ficou
impressionado ao sentir o comando absoluto do homem. "Trabalhem
duro", ele disse. "Orem por ventos calmos, chamem a chuva".
Depois ele gritou: "Ao Rei! À Restauração!"
O pavilhão reverteu o grito com cada Atalaia, erguendo um
machado: "Ao Rei! À Restauração!" Depois veio agitação, arrastar de
botas, tumulto de Esquadrões de Combate ao Fogo, todos correndo
para suas tarefas.
Em um instante o Atalaia Comandante estava ao lado de Amanda
e Herói. "Venha comigo", disse à pequena menina. "Os seus dons de
visão serão úteis para mim. E você, rapaz, venha também. Poderá dar
uma força para uma brigada. Amanda vai lhe mostrar o que fazer, ao
terminarmos". O homem deu meia-volta e saiu apressadamente.
Confuso, aliviado e estranhamente desapontado, Herói seguiu. Ele
estava dividido entre querer fazer parte do drama ou não.
O homem forte se apressou para uma torre de vigia próxima e
subiu a escada, dois degraus de cada vez. Amanda e Herói fizeram o
melhor possível para manter o pique.
No topo, Herói conseguiu ver todo o Grande Parque. Será que
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havia outro lugar tão belo? Na Cidade Encantada estava certo que não.
O Atalaia deste posto logo se aproximou e colocou o dedo na direção de
duas colunas de fumaça, a distância, na Floresta Profunda.
"Dois fogos pequenos, começando agora", ele reportou. "Quatro
quilômetros de distância uma da outra. A equipe de bombardeamento
do Lago Marmo poderá levar água até aquela primeira posição, se o
fogo progredir. Mas o segundo parece ser mais difícil. Um fogo bem
colocado ao seu redor é provavelmente a melhor estratégia".
De repente a Amanda apontou "Olhe! Logo ali à esquerda". Todos os
quatro forçaram a vista. Antes de Herói poder ver qualquer coisa, o
Atalaia do posto tirou uma grande trombeta do seu lugar pendurada na
parede. Ele saiu para a sacada, que era cercada, e deu três toques curtos,
Fói! Fói! Fói!
Numa fração de segundos, os toques foram respondidos pelas
torres vizinhas, e pelas outras mais distantes, e assim por toda a
floresta.
"Um fogo novo", explicou o Atalaia Comandante para Herói, com
um tom sério. O homem apontou "está vendo a segunda coluna de
fumaça? Olhe para o norte. O fogo novo está no distrito 21".
Então, o Atalaia Comandante virou-se para Amanda. "O que você
vê?"
A princesa dirigiu os olhos para dentro da Floresta Profunda. E
depois, para a surpresa de Herói, ela fechou seus olhos. Um momento
silencioso passou e parecia que a menina tinha perdido todo o sentido
ao seu redor. Herói teve o pressentimento de que ela estava olhando
para dentro de coisas que outras pessoas nunca podiam ver. Ela
respondeu: "Um manto azul...Um homem correndo...uma tocha
acesa..."
Ela abriu os olhos. Estavam grandes e horrorizados. O Atalaia
Comandante olhou para o outro Atalaia, e eles ficaram chocados ao
saber que o ofensor usava um manto de Atalaia. "Estamos em maior
perigo do que imaginamos", disse o Comandante com uma voz de
preocupação.
Naquela tarde mais três incêndios se alastraram na Floresta
Profunda, ao todo seis. Herói acompanhou Amanda, levando baldes
de água para os homens que estavam com sede, por causa da luta
contra o fogo, labareda por labareda. As duas primeiras áreas
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incendiadas foram rapidamente dominadas: uma por água bombeada
do Lago Marmo, e a outra abafada com latas de terra tiradas do chão da
floresta. Mas o terceiro fogo começou a se alastrar fazendo um caminho
preto pela floresta, antes que os Atalaias conseguissem chegar até ele.
Os que lutavam contra o fogo começaram a cortar raízes e grama com
seus machados, a uma certa distância das chamas invasoras. Turmas de
suporte capinavam um círculo com suas enxadas e depois varriam
qualquer tipo de folha ou galho para que o fogo não tivesse como se
espalhar .
Mas ainda uma parede de chamas aproximava-se bruscamente,
chegando mais e mais perto de Herói, que estava paralisada diante de
seu velho inimigo, e não pôde se mexer e nem gritar por ajuda. Ele nem
conseguia jogar o
cesto de comida
que estava
carregando para os
trabalhadores.
Logo a brigada
começou o fogo de
trás, uma parede de
chamas que logo
cresceu até o céu.
Os Atalaias estavam
lutando fogo com
fogo, usando este
fogo de trás para
rodear as outras
chamas para que
nada ficasse para o
fogo consumir.
Herói estava preso
entre os dois. Ele viu
as chamas ficarem
mais e mais altas e
mais e mais
quentes. Os olhos do menino começou a queimar e sua visão ficou
embaçada de tal modo que não conseguia ver nada distintamente, só
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muros maciços de vermelho, laranja e escarlate. E o seu corpo ficou
estático.
A fumaça penetrante queimou sua garganta, sufocando-o. À
distância ele pensou que ouvia sons familiares dos tambores da morte:
Um-pa-pa...Um-pa-pa...Um-pa-pa-dim...
Subitamente, do nada, um Atalaia apareceu ao seu lado. Ele jogou
o menino nos seus ombros como um saco de batata, agarrou o cesto, e
correu de volta para um lugar seguro. Mudo, Herói assistiu enquanto o
fogo que eles acenderam pulava e dançava, se alimentando de tudo que
queimava dentro do anel. As duas paredes avançaram em cima uma da
outra. Finalmente as chamas se abraçaram, inflamaram, e depois de um
longo tempo morreram porque não tinham mais nada para queimar.
Logo, então, um hino começou a subir dos lábios dos homens e
mulheres cansados, seus rostos ainda pretos da fumaça. "Ele é a chama
que brilha mais forte, saltando no coração do homem. Ele é o anel de
fogo dentro da alma de cada um que a todos aquece para a existência.
O Rei! Nosso Rei é o Rei do fogo e da chama!"
O Atalaia, que tinha socorrido Herói, o cobriu com seu manto
longo e azul, que tinha o cheiro de cinzas e fumaça. Ele tirou um pão do
cesto, partiu um pedaço, e deu para Herói. "Não está acostumado a
apagar fogo, hein? É trabalho duro! Mas acho que acabou. Este aqui já
está sob controle. Cuidador fará o resto para nós. Sente a chegada da
chuva no vento? Cuidador está fazendo os seus velhos truques! É isso aí!
A chuva já vai chegar".
Herói ficou encucado, o que aquele velho engraçado tinha a ver
com o fato de chover ou não? Mas, realmente, ele podia sentir o toque
suave do ar fresco no seu rosto. Splesh! Uma gota grande de chuva caiu,
e depois outra e mais outra, e mais e mais rápido.
Acima da floresta, bem alto nas torres, os Atalaias tocaram suas
trombetas em três toques curtos: Fói! Fói! Fói!
Como se fosse o som das trombetas a causa de Amanda achá-lo,
ela apareceu ao lado de Herói; seu cabelo estava ensopado; seu rosto
listrado com cinzas, mas estava dançando. Ela dava voltas e mais voltas,
suas mãos levantadas para o céu. "Ai, aquele maravilhoso,
engraçadinho, velho Cuidador. Ele fez de novo. Ele chamou a chuva."
Ela inclinou sua cabeça para trás e abriu a boca, bebendo a água
fresca. De repente, ela ficou parada, como se tivesse lembrado algo que
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tinha esquecido.
"Os toques de trombeta! Estão chamando todos para um
conselho!" Pela segunda vez aquele dia, a jovem pegou firme a mão de
Herói, e o arrastou para acompanhá-la. "Eu esqueci! Esqueci! O Atalaia
Comandante precisa da minha visão!"
O rapaz e a moça correram até o pavilhão com outras centenas de
pessoas que responderam à convocação. Quando entraram, viram a
Misericórdia que tinha organizado uma estação de primeiros socorros
nos fundos. Era uma confusão de panelas fervendo com ervas, panos
rasgados e colchões, mas a senhora idosa trabalhava com eficiência,
acalmando os feridos.
Uma vez que todos os Atalaias se ajuntaram, pingando e exaustos,
o Atalaia Comandante foi até ao centro da plataforma e levantou a mão
pedindo silêncio. "Todos em suas divisões!" ordenou.
Todos no pavilhão se mexeram e se misturaram até acharem suas
turmas. Atalaias machucados mancavam com esforço para se juntarem
a suas equipes apropriadas. Herói observou de um canto.
"Todos presentes?" perguntou o Atalaia Comandante.
A contagem começou: "Divisão Um, presente e todos contados
senhor". "Divisão Dois, presente e todos contados, senhor". E assim
prosseguiram os gritos, um por um. Milagrosamente, nem um Atalaia
estava ausente.
Com isso o Comandante, com olhos avermelhados, chamou:
"Amanda! Venha à frente! Misericórdia, esposa do Cuidador! Venha à
frente!" A princesa deu dois passos para frente e a senhora idosa veio do
fundo do pavilhão, ainda com um rolo de faixas na mão.
"Ao meu lado!" ordenou o Atalaia Comandante, e as duas se
posicionaram, uma de cada lado.
"O que você vê Princesa?" perguntou o Comandante.
Amanda fechou seus olhos e respondeu. "Ainda, um manto azul,
um homem correndo, uma tocha acesa".
"O que você vê?" o Comandante perguntou à velha Misericórdia.
Ela abaixou a cabeça. "O mesmo".
"Um traidor", murmurou o homem poderoso. Sua voz estava
baixa, rouca, mas todos no pavilhão escutaram. "Um incrédulo".
"Prova na passagem", ordenou o Comandante.
Sem hesitar, cada Atalaia marchou um por um, no círculo
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desenhado no chão do pavilhão ⎯ o Círculo dos Desígnios ⎯ para
apresentar-se a esses três que olhavam profundamente dentro do
coração de cada um. Os puros passaram sem hesitação, marchando até
o centro e saindo. Mas aqueles que tinham uma sombra sobre as suas
almas tinham muito receio de que chegasse a sua vez.
Mais ou menos na metade da fila de Atalaias, Misericórdia fez um
sinal com suas mãos. O Atalaia que estava no centro de visão parou. Ele
colocou sua mão por baixo do seu manto. O Atalaia Comandante olhou
para Misericórdia, questionando.
Sua cabeça desceu e subiu.
Ele olhou para Princesa.
Ela fez o mesmo.
Com isso o Atalaia incrédulo soltou um grito de angústia:
"Não-o-o-o!" Ele puxou seu machado que estava embaixo do seu
manto. Girando, com o machado esticado nas duas mãos, ele gritou:
"Fiquem longe! Longe!"
Quando o Atalaia conseguiu abrir bem o círculo em volta dele,
parou, ergueu o machado, e mirou para acertar o Atalaia Comandante.
"Quem é você?" perguntou o Comandante, absolutamente calmo,
como se a sua vida não estivesse em perigo mortal. "E por que o seu
coração tem se tornado incrédulo?"
"Eu sou um homem do Rei! Faço parte da divisão dos protetores!
Você não tem me julgado corretamente. Você tem cometido um erro".
A voz da Misericórdia era baixa, triste, e gentil. "Não, senhor. É
você. Temos visto".
"Arrependa-se", disse o Atalaia Comandante, com sua voz áspera.
"Arrependa-se e mude! O Reino será aberto para você novamente."
"Não me arrependerei!" O Atalaia incrédulo segurou o machado
acima da sua cabeça. "Eu não me rebaixo! Um movimento seu e se
arrependerá!" Sacudiu a arma ameaçando.
Destemida, a Princesa Amanda rapidamente sacou o machado do
Cuidador, do cinto prateado que cingia o Atalaia Comandante. "Se jogar
isso, se arrependerá", ela gritou. Herói observou, enquanto a menina
mirou a lâmina na direção do centro do círculo vazio. Cuidadosamente,
ela enquadrou seu alvo. Ela girou o machado em torno da sua cabeça
várias vezes. Um som começou a ser emitido, o mesmo som misterioso
que Herói ouviu quando entrou pela primeira vez no Grande Parque.
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A menina deu um passo para frente e soltou uma arma ressonante,
que foi girando até bater no machado que estava na mão do Atalaia
incrédulo, e o fez voar até cravar-se na parede distante.
O salão ficou absolutamente quieto. O coração de Herói ficou na
boca. Cuspir em cogumelos era uma coisa, mas a habilidade da menina
em um combate era outra.
O Atalaia Comandante falou: "Você tem amado demais o poder do
fogo. Este poder controla você. Pela segurança do Grande Parque, terei
que bani-lo à Cidade Encantada como punição. Ali encontrará fogo o
bastante.... Ore para que não queime a sua alma".
Passos compassados ecoaram pelo salão, marcados e em ordem.
Um grupo de Atalaias com mantos azuis cercou o homem. Um arrancou
a fivela prateada do seu ombro, outro tirou seu manto longo e azul, e
outro exigiu que entregasse o cinto que tinha uma fivela também de
prata. Finalmente, um outro recolheu todas as vestes do Atalaia
incrédulo e colocou-as nas mãos de Misericórdia.
Os Atalaias fecharam o círculo ao redor do traidor e o conduziram
para fora do pavilhão. Um silêncio terrível e pesado caiu sobre os
homens e mulheres cansados que ficaram para trás, depois que o
Atalaia incrédulo saiu. Pela primeira vez, aquele dia Herói viu a cabeça
nobre do Atalaia Comandante cair de cansaço. "Orem", ele sussurrou,
"que os incrédulos possam mais uma vez desejar seguir o Rei".
O que aconteceria com o Atalaia incrédulo na Cidade Encantada?
Herói pensou. Ele ainda não tinha encontrado o Rei, mas o menino
sabia naquele momento que ele preferia estar entre estas pessoas que
usavam o nome do Rei em vez de estar entre quaisquer outros. Se
necessário, ele daria a sua vida pelo Grande Parque.
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Colossenses 2:13,14
Quando vocês estavam mortos em transgressões e na incircuncisão da
sua carne, Deus os vivificou juntamente com Cristo. Ele nos perdoou
todas as transgressões, e cancelou o escrito de dívida, que consistia em
ordenanças, o qual se nos opunha. Ele o removeu, pregando-o na cruz,
e, tendo despojado os poderes e autoridades, fez deles um espetáculo
público, triunfando sobre eles na cruz.
Ezequiel 36:25-27
Então, jogarei água pura sobre vocês, para limpar todos os seus
pecados. Vocês ficarão purificados de todas as coisas erradas que
fizeram e do terrível pecado da adoração de imagens. Darei a vocês um
coração novo, com novos pensamentos e desejos. Darei a vocês um
espírito novo. Em vez de terem corações duros como pedra, que só
queriam saber de pecar, vocês terão corações de carne, para poderem
Me obedecer. Colocarei dentro de vocês o meu Espírito; assim vocês
serão capazes de viver conforme as minhas leis, e obedecer os meus
mandamentos.
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Sempre, e para sempre, o Cuidador do Grande Parque trazia aqueles que
estavam machucados ou amedrontados, doentes ou quebrados, à sua
esposa Misericórdia, porque ela era sábia e tudo que tocava se
transformava no melhor....
Com exceção da Suja. Suja se recusava a tornar-se melhor.
Cuidador a tinha achado, no lado de fora do Portal de Pedras, fuçando
em busca de comida, após um Queimador tê-la espancado. A criança
estava coberta de machucados e feridas.
Quando Cuidador se aproximou, ela ficou em pé imediatamente e
gritou: "Sou Suja! Nunca me lavo! Nunca Choro! Luto contra tudo que
ergue sua mão contra mim!" Aí desmaiou por causa de suas feridas e
fome.
Foi então que Cuidador a trouxe até Misericórdia. Mas nem mesmo
os esforços da senhora idosa ajudaram a menina a desfrutar a vida no
Grande Parque. Suja odiava a cabana. Ela desprezava as pessoas que
moravam lá. Achava que Cuidador, com seu chapéu de árvore e seus
bolsos que soavam com tons metálicos, era bobo. Ela odiava a cicatriz
feia do Herói.
"Eu não vou morar com aqueles doidos!" ela declarou um dia,
enquanto saía grunhindo em direção ao curral para ir morar com os
porcos.
Daquele dia em diante, ela perambulava pela lama e dormia nos
barracões. Ensaiava seus grunhidos de porco. Aprendeu a fazer as
chamadas que os porcos faziam: "Hoi-soi-soi-soi-hoi!" Ela viu as porcas
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terem porquinhos, e fez deles seus animais de estimação. E como eram
gentis! Ela os amava.
Porém, se recusava a amar as pessoas.
Uma outra exclusa estava morando na cabana, uma menina da idade
de Suja; ela sofria de uma doença, que a tornou aleijada. Suja odiava a
Aleijadinha porque
ela era feia.
"Sui! Sui!" ela dizia
a seus porcos: "Como
podem viver com
essa coisa feia? Por
que não se livram
dela?"
Suja sentava-se em
cima de uma
grande porca e
observava quando
Cuidador carregava
Aleijadinha nos
braços e a colocava
à luz aconchegante
do sol. Ela escutava
a voz rouca da dona
da casa a cantar
cânticos. Suja fazia
grunhidos para
abafar o som.
Primeiro, Misericórdia tentou persuadir a menina a vir para dentro
da cabana para as refeições, mas ela não queria. Depois, Misericórdia
levava comida nutritiva até os montes de refugo, onde Suja gostava de
sentar-se, e lá ela comia com a menina. Finalmente, Suja recusou
qualquer tipo de comida da mão de Misericórdia.
"Posso comer os restos com os porcos", ela disse. "Se fazem bem
para os porcos, então vão fazer bem para mim!"
Finalmente, o casal, que era sábio, decidiu deixar Suja a sós. A
menina teria que aprender que o que era bom para porcos, nem sempre
era o certo para crianças.
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E então, a Suja vivia nos barracões ao redor do quintal da cabana
do Cuidador e nunca saía de lá ⎯ com a exceção de rastejar para dentro
da Floresta Profunda em noites de Grande Celebração. Suja gostava de
ouvir os cânticos e de ver as danças, o banquete e a comunhão alegre.
Ela se escondia tão bem que nenhum dos súditos do Rei sabia que Suja
os observava, em noites quando as Chamas do Círculo Sagrado eram
acesas.
De início, a entrada ⎯ a hora em que todos os súditos tornam-se
reais ⎯ parecia estupidez para Suja. Ela ficou irritada ao descobrir que a
vaidosa Amanda era realmente uma Princesa. Ela pensava que todo
esse ar da Amanda fosse só orgulho. Ficou furiosa quando Misericórdia
passou pelas chamas sagradas e se tornou a mulher mais bela de todas.
Bufou quando o Cuidador bobo se tornou o Atalaia Comandante.
Que tipo de truque eles estavam tentando fazer com ela?
Agora fazia sentido porque eram sempre felizes e bondosos. Será
fácil rir se você realmente é uma princesa. Será fácil ser boa se você
realmente é bonita. Qualquer um poderia ser bom se tivesse tanto
poder.
Mas, e se você só fosse uma pessoa ordinária que nunca se tornou
algo de especial? A vida então não seria tão fácil assim. Suja odiava os
súditos do Rei mais ainda, mas por alguma razão não conseguia ficar
longe das Grandes Celebrações que eles faziam.
Numa noite, Suja se escondeu num buraco dentro de uma árvore,
e observava os celebrantes fazerem entrada pelas Chamas Sagradas.
Olhando através do fogo dançante, ela conseguia ver que mesas
estavam sendo preparadas com comida gloriosa destinada a um
banquete. Ela trouxe do chiqueiro dos porcos uma espiga de milho seco
e estava tentando mastigar os caroços duros.
De repente, ouviu alguém gritando: "Uma caridade! Dê uma ajuda
ao pobre!" Ela colocou a sua cabeça no lado de fora e viu que era um
mendigo com a roupa toda rasgada e esfiapada de tanto usar.
Tarde demais! Ela foi pega! O mendigo a avistou e estava vindo em
sua direção. Ela grunhiu e grunhiu, pensando que isso iria assustá-lo.
Ele se agachou, olhou para ela bem nos olhos, em seu esconderijo
dentro da árvore. "Você não vem para a Grande Celebração?" o homem
perguntou.
Suja saiu do seu esconderijo, agachou-se e ficou de joelhos e
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mãos no chão e esticou o seu nariz até o chão. Ela bufou, grunhiu como
porco: "Hoi-soi-soi-soi-hoi!"
O mendigo não aceitou a idéia que ela fosse uma porca. "Venha",
ele disse. "Venha! Passe pelas chamas comigo. Seja a minha convidada
no banquete".
Suja olhou para ele, mostrou os dentes, grunhiu de novo. Ela
disse: "Sui! Sui! Ir com você? Você não passa de um mendigo feio! Eu
prefiro estar com os porcos!"
O mendigo tocou gentilmente seu ombro. Suja se retraiu, mas
sentiu um calor no lugar onde a mão do mendigo tinha tocado.
"Ah, Suja", ele disse, "você não sabe? Todos os súditos do Rei não
são nada mais do que mendigos feios".
Com isso, ele se retirou. Ela ficou abismada porque ele não bateu
nem soltou um berro tipo: "Sua porca! Quem é você para me chamar de
feio?"
Suja observou o mendigo fazer entrada. Ela ouviu os Atalaias o
saudarem. Ela viu o alvoroço feliz de cumprimentos no Círculo Íntimo.
Ela viu o mendigo tornar-se real. Pelas chamas ela viu que ele era o mais
lindo de todos os homens que já tinha visto. Ele era o próprio Rei.
E ele a tinha convidado para ir com ele....
Naquele momento, Suja, fedorenta e descuidada, começou a amar
o Rei. Um desejo encheu seu coração: ela queria ser tão linda quanto
ele.
A música para a celebração começou. O Rei desapareceu dentro
da multidão feliz. Suja se escondeu novamente no seu buraco. De lá,
conseguia ver os atrasados que se apressavam em fazer entrada. À
distância, ela pôde avistar Misericórdia e Cuidador ligeiramente
passando pela floresta em direção às Chamas Sagradas.
Ao se aproximarem, Suja conseguiu ver que estavam carregando
Aleijadinha sobre os braços trançados. Eles a levavam para a
celebração.
Suja queria ver isso melhor. Arrastou-se para fora do seu buraco
para ver se aquela criatura feia iria tornar-se real. Ela olhou bem para os
três ao proferirem o voto do Reino: "Ao Rei! À Restauração!" Ela prestou
atenção quando passaram pelas chamas.
Ha! Exclamou Suja. Misericórdia tornou-se linda. Cuidador
tornou-se o Atalaia Comandante. Mas Aleijadinha ainda estava
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deformada.
Mas espere! Espere! O que é que Atalaia Comandante e
Misericórdia estavam fazendo agora? A multidão se dividiu quando os
viu carregando Aleijadinha, para abrir caminho. . .ao Rei!
Suja acompanhou enquanto o Rei sorria para Aleijadinha. Ele
agachou-se e a pegou em seus braços. Viu o Rei segurar bem de perto a
cabecinha daquela menina estúpida. Aquele homem lindo estava
segurando aquela coisa feia! Estava conversando com ela.
Não! Não! pensou Suja. Ele convidou a mim!"
Aí, Suja arregalou os olhos. O Rei abaixou a cabeça e beijou a
menina que estava nos seus braços. Com o seu beijo, ela de repente
ficou real. Seu corpo ficou reto. Ela estava linda e radiante.
Poderia ter sido eu, pensou Suja. Se eu não tivesse agido
tanto como uma porca. Se eu...
Suja ficou cheia de raiva. "Sui! Sui! Seus estúpidos! Seus
nojentos!" Mas ela realmente estava irada consigo mesma. A menina saiu
pela noite guinchando. Voltou para os porcos, de volta às únicas coisas
que ela decidiu amar.
Na manhã seguinte, Suja estava lá sentada em cima do monte de
refugo e viu Cuidador carregar Aleijadinha para o seu lugar à luz do sol .
Há! Ela exclamou. Sui! Sui! Ela ainda é uma aleijada feia.
Mas espere um pouco! Aleijadinha estava cantando. A menina porca
engatinhou para fora do portão para poder examinar Aleijadinha mais de
perto.
Ouvindo um barulho, Aleijadinha virou o rosto para ver a menina
que rastejava. Sua face tinha a mesma beleza que teve quando o Rei a
beijou! Até Suja sabia que ninguém poderia pensar que a menina era
feia uma vez que contemplasse o seu rosto, pois brilhava.
Então é isso que acontece quando se recebe um beijo do Rei,
pensou Suja. Ela se lembrou do toque caloroso e gentil de sua mão.
O pensamento de voltar para os porcos tornou-se horrível agora.
Só de pensar na lama, era nojento. Só de imaginar-se morando no
chiqueiro, comer restos, era algo terrível. Suja estava disposta a deixar
tudo isso em troca de mais uma chance, para poder dizer: "Sim, eu
adoraria ser a sua convidada..."
Mas era tarde demais. Ela tinha se tornado mais porca do que
nunca. Ele nunca a iria amar, nunca iria dar um beijo nela.
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Quando ela se deu conta de que estava chorando em frente à
menina do rosto radiante, ela saiu correndo pela floresta afora. Levou
dias para Cuidador achá-la. Quando ele finalmente conseguiu achá-la,
as suas mãos e seu rosto estavam limpos. Seu cabelo e as unhas tinham
sido lavados no lago Marmo. Sua roupa tinha sido esfregada num riacho
ali pertinho. Mas ela ainda estava chorando.
Cuidador a pegou nos braços, soltando um barulhinho de tinidos,
e a carregou, como fazia com todas as coisas feridas, até Misericórdia.
Misericórdia ficou encantada. "Ué? Quem temos aqui?" ela
perguntou.
"Sou-sou a Su-Suja", a menina respondeu com soluços.
"Mas você está limpa", Misericórdia disse, tentando fazer um
elogio.
"Não, não!" a criança berrou mais ainda. "Eu tenho me lavado e
me esfregado, mas ainda continuo suja. Sou uma porca por dentro. O
Rei nunca vai me amar. É muito tarde!"
Misericórdia balançou a cabeça já que sabia melhor. "Vamos ver o
que o Rei tem a dizer sobre isso".
Então, Misericórdia levou a menina porca para a próxima Grande
Celebração. Atalaias estavam todos posicionados ao redor do Círculo de
chamas. Suja puxou a capa de um e perguntou: "O mendigo vem hoje à
noite?"
Quando o homem alto balançou a cabeça que não, seu coração se
partiu.
Suja seguiu Misericórdia até que começou a passar pelo fogo. O
calor escaldou o coração da menina porca. Parecia que tudo dentro
dela estava sendo queimado. A menina gritou, e Misericórdia colocou
seus braços em volta dela. Ela sussurrou, "Não tenha medo. A dor é
momentânea".
"Não adianta! Não adianta!" Suja gritou. "O Rei não vai vir! É ele
quem eu preciso ver. Mais ninguém pode me tornar. . . limpa". Com isso
as duas fizeram passagem, e a menina olhou para cima e viu a beleza
indescritível da jovem Misericórdia, seu cabelo preto e longo agora
chegando à sua cintura.
Misericórdia pegou na mão da menina. "Deixe-me te contar um
segredo maravilhoso", disse ela. "Todas as pessoas do Reino conhecem
este segredo. É uma das primeiras lições que aprendem. O Rei não
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precisa vir para que possamos vê-lo. Ele está sempre presente".
Suja parou de chorar. Ela olhou para Misericórdia. "Não estou
entendendo o que você está querendo dizer".
"Escute", disse Misericórdia. Ela colocou o seu dedo nos lábios em
sinal de silêncio. "Escute, e vai poder ouvi-lo falando. Dê ouvidos. Ele
tem algo para te dizer".
Suja limpou as lágrimas, fechou os olhos e abriu os ouvidos o
melhor possível.
Sim, havia algo. Ela pôde ouvir alguém falando. Era a voz do Rei
Mendigo. Ele estava dizendo, Venha, venha comigo. Seja a minha
convidada especial para o banquete.
Suja manteve seus olhos fechados. Seu convidado especial. .. Ela
podia sentir algo sendo despejado sobre ela. Fluiu por dentro dela,
começando na sua cabeça, depois passando por trás dos seus olhos,
invadindo todos os nós e lugares torcidos no seu interior. Era quente,
gentil e fluido.
Misericórdia assoprou: "É o Amor do Rei, Suja. O Amor do Rei".
Suja podia ouvir a voz de novo. O Rei estava rindo. Aí ele parou. Ele
disse: "Estou tão feliz porque você preferiu estar comigo do que com os
porcos".
A inundação calorosa já tinha chegado aos dedos do pé. Suja se
sentiu como se estivesse sendo segurada pelo Rei, assim como
Aleijadinha o foi. Ela sentiu o seu beijo. Misericórdia estava certa: não
era necessário ver o Rei para ser envolvida pelo poder do seu amor.
Suja começou a ouvir música. Os violinistas e os tocadores de
harpas tinham começado a tocar. Era a hora da dança que dava início às
celebrações. Ela já tinha visto isto muitas vezes do lado de fora. Agora,
ela estava bem no centro. Todos os súditos deram-se as mãos em um
grande círculo.
Suja queria dançar. Ela queria cantar e gritar. Ela olhou para
Misericórdia. "O Rei realmente me ama! Estou limpa! Estou limpa! O rei
me fez pura!"
Misericórdia a pegou pela mão e a trouxe mais para dentro do
círculo dos que estavam dançando dentro das Chamas Sagradas.
Alguém pegou a outra mão dela. Os músicos começaram a marcar o
ritmo. A menina sabia que a dança iria começar devagar, e iria
crescendo, e que o círculo iria girar em perfeita ordem, tornando-se
50
mais e mais rápido.
Ela conhecia os passos. Ela tinha visto isso várias vezes. Mas não
sabia que todos os súditos iriam cantar a sua música que já ressoava
por todos aqueles que estavam na roda:
Estou limpa! Estou limpa!
O Rei tem-me feito pura!
Ela está limpa! Ela está limpa!
O Rei a tornou pura!
E a roda girava mais e mais rápido. Os súditos do Rei
cantavam e dançavam, regozijando-se. Mas ninguém cantava mais alto
e nem dançava com mais força do que a Suja, que se tornou Alimpia, . .
.a limpa.
E então a menina porca deixou os seus porcos por Aquele que ela
amava. E ela ficou sendo a limpa, que tinha um carinho muito especial
por todas as coisas feias, pois sabia que um Rei pode achar algo lindo
em qualquer monte de lixo.
51
2 Timóteo 1:7
Pois Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de
equilíbrio.
1 João 4:16-18
Assim conhecemos o amor que Deus tem por nós e confiamos nesse
amor. Deus é amor. Todo aquele que permanece no amor permanece
em Deus, e Deus nele. Desta forma, o amor está aperfeiçoado entre nós,
para que no dia do juízo tenhamos confiança, porque neste mundo
somos como ele. No amor não há medo; pelo contrário o perfeito amor
expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo
não está aperfeiçoado no amor.
Efésios 4:22-24
Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do
velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem
renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado
para ser semelhante a Deus em justiça e santidade provenientes da
verdade.
52
O de Herói
Há muito tempo atrás, hoje e para sempre havia e há e sempre haverá um
Cuidador que está eternamente ocupado em criar e cuidar de novas
idéias. Mas as idéias de que ele mais gosta são aquelas que ele planta na
mente de crianças.
"Nunca vou ter a coragem de ser um Atalaia", disse Herói um dia,
quando estava observando o Cuidador criar flores no meio da Floresta
Silvestre. O menino estava sentado com a sua mão cobrindo a sua
cicatriz. As pessoas no Grande Parque nunca o xingavam, mas o menino
estava certo de que já as tinha pego olhando para ele. Ele pensou que
provavelmente falavam sobre ele quando ele não estava perto.
"Tenho uma nova idéia", disse o Cuidador. "Vamos tentar isso e
ver se fica legal. Ta-doo!" O velho homem fez um gesto com as suas
mãos em frente do seu rosto. Uma flor amarela brilhante explodiu da
ponta do talo.
"Ta-daa..." disse Cuidador de novo. A flor mudou. Desta vez, ela
ficou com um centro cor de laranja e as pétalas ficaram achatadas e
arredondadas ao invés de pontudas.
"Não, não, não. Não fico bom. Não tá legal". Cuidador balançou
sua cabeça. "Deixe-me ver..." Ele pensou mais um pouco, com a mão no
queixo.
O velho de repente levantou a cabeça, com um brilho forte nos
seus olhos cinzas. "Aha! Já sei!" Ele levantou seus braços. "Te-dee!"
A flor estremeceu e logo depois suas pétalas de dentro ficaram
espetadas e as de fora ficaram lisas e arredondas na beirada!
"Ah-hah!" gracejou Cuidador. "Perfeito. Perfeito. Legal.
Absolutamente lindo. Agora fique olhando rapaz! Fique olhando".
O velho ficou na ponta dos pés. Seus cotovelos estavam dobrados,
mas erguidos; e aí ele começou a balançar os braços. As facas e
tesourinhas e pazinhas em seu colete começaram a tinir. "Ta-dee!
Ta-dee! Ta-dee!" Mais flores explodiram.
Cuidador balançou seus braços ainda mais. Ele apontou. "Ta-daa!"
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Pétalas e talos. "Ta-dee!" Um esguichar de amarelo. "Ta-doo!" O chão
do bosque ficou atapetado com um tom de manteiga, cada flor
delicadamente alaranjada no meio.
Cuidador girava e girava. "Ai, são lindas!" Ele sentou-se. "Lindas!"
Ele colocou a mão na barriga e riu, só pelo prazer de criar.
Herói ficou abismado. Ele já tinha ouvido que o Atalaia
Comandante e esse velho Cuidador eram a mesma pessoa. Os poderes
contidos em cada um continuamente o surpreendia. Um tinha o poder
de liderança; o outro tinha poder sobre a criação. Herói estava
aprendendo a amar as duas faces, mas de maneiras diferentes.
Cuidador parou com seu divertimento, radiante. Ele limpou seus
olhos. "O que você estava dizendo, rapaz?"
Por um momento, Herói não conseguia lembrar-se. Ele continuava
vendo flores selvagens explodindo em sua mente. Aí ele se lembrou. "Eu
disse que nunca vou ser corajoso". No fundo do seu coração Herói
queria ser um Atalaia, um vigia nas torres, sempre cheio de coragem e
verdadeiro. O menino olhou para baixo. Ele segurou com mais força
ainda a sua mão cobrindo seu rosto. "Eu acho", ele continuou, "que
você me deu o nome errado".
"Tolice", disse Cuidador. O velho homem ficou de pé. Ele encaixou
sua barba de novo no seu cinto de videira, colocou de volta algumas
ferramentas nos seus bolsos, e pegou seu chapéu do chão que era uma
pequena horta brotando. Ele pegou o rapaz pelos ombros. Sua voz era
baixa e bondosa. "Só um menino com um coração de herói teria
desafiado o Encantador para poder achar um Rei. Sempre se exige
coragem para crer".
Mas Herói sabia que ele só tinha procurado o Grande Parque
porque estava com medo: medo do Encantador, da praça das cinzas,
medo do fogo e de ser um órfão. Herói tentou fazer com que sua gola
cobrisse a marca na sua face. Sua voz implorava: "Não dá para você me
fazer corajoso? Será que não dá para você me dar algo para tomar ou
comer que me faria corajoso? Você pode fazer qualquer coisa. Não dá
prá você me transformar em um menino corajoso?”
Com ar sério, Cuidador abanou o seu dedo ao lado da sua cabeça.
"Deixe-me ver...ummm...vamos ver...Eu sei! Eu Sei! Você precisa de um
desafio. É, é isso aí, um desafio. Heróis sempre precisam de um desafio".
"Um desafio?" perguntou Herói. Ele esperava que não fosse nada
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como andar em cima de brasas vivas descalço ou ficar no meio de um
círculo de chamas.
"O que poderia ser? Vamos ver..." A voz de Cuidador interrompeu
seus pensamentos. "Socorrer uma princesa? Não, não, não! Só temos
uma princesa em Grande Parque e ela não necessita de ser socorrida".
Herói pensou em Amanda e concordou com Cuidador.
"Que tal passar por aquilo que você mais teme?"
O coração de Herói começou a dar socos no seu peito. Ele pôde
ouvir o som das chamas lambendo a madeira.
"Não, não, não" Cuidador respondeu com risadas ao ver o olhar de
horror que tomou posse do rosto de Herói. "Todas as coisas em seu
tempo devido: Vamos ver..."
Herói conseguiu respirar bem fundo. Que tal esquecer essa idéia
toda de um desafio? Talvez ele acordaria uma bela manhã e se sentiria
corajoso.
"Eu sei!" gritou Cuidador. Ele levantou seu dedo no ar. "Você deve
enfrentar seu maior inimigo em combate justo!"
Quem que é o meu maior inimigo? pensou Herói. Queimadores? Suor
frio começou a escorrer pelo meio das suas costas. Talvez houvesse algo
terrível e escondido nas sombras mais escuras da Floresta Profunda,
pronto para atacá-lo.
"Agora, vamos lá", disse Cuidador. "Eu tenho outros afazeres hoje.
Sim, isso mesmo. Enfrente seu maior inimigo em combate justo".
Herói estava encucado. Que idéia boba. Um desafio. Como que
isso iria torná-lo corajoso? Se ele conseguisse achar o seu maior
inimigo, era provável que fosse maior do que ele. E aí quem é que iria
derrotar quem? Talvez Cuidador estivesse fazendo uma brincadeira com
ele. Se Herói pudesse achar Amanda, ela iria poder avisá-lo se esse
desafio era verdadeiro ou se era só uma brincadeira nova. Nessas horas
Amanda estaria nos campos de treinamento, preparando-se para a
Grande Celebração daquela noite.
Herói nunca ia para as Celebrações. Ele tinha medo de passar pelo
Círculo das Chamas Sagradas. Era uma das razões porque ele sabia que
nunca iria conseguir ser um Atalaia.
No seu caminho para os campos de treino, o menino encontrou-se
com o Lenhador, que estava cortando árvores na Floresta Silvestre.
Raios da luz do sol refletiam tons dourados no seu cabelo, enquanto
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trabalhava. "Cuidado!" gritou o homem. "A árvore está quase no ponto
de tombar". Houve um estouro leve quando a madeira começou a
rachar, e aí o grande carvalho veio estalando e tombando até o chão. O
coração de Herói ficou impressionado com o poder magnífico da queda.
"Oi! Você parece ser um rapaz forte. Dá para me ajudar um
pouquinho?" o Lenhador perguntou.
Herói pensou que ele fosse gostar de ajudar. Ele tinha um desafio a
cumprir, mas aquilo dava para esperar. Pegou firme com uma das mãos
em uma ponta do serrote. A sua outra mão ficou colada no seu rosto
para esconder a cicatriz feia.
"O, rapaz", disse o Lenhador, "vai precisar das duas mãos para
esse trabalho; duas mãos fortes. O ritmo vai assim: você puxa e depois
eu puxo. Você puxa e depois eu puxo, tá?" Era um daqueles serrotes que
têm um lugar para pegar nos dois lados.
Herói mostrou com um movimento da cabeça que estava pronto.
Ele colocou as duas mãos na ponta do serrote comprido. Ele se sentiu
nu e exposto, agora que sua cicatriz estava descoberta.
Mas o Lenhador só sorria. Ele não parecia surpreso ou espantado.
"É isso jovem. Tem que usar duas mãos fortes".
O rapaz e o homem trabalhavam bem juntos. Herói pegou o ritmo.
Puxa-solta-puxa. Puxa-solta-puxa. Puxa-solta-puxa. Herói sempre dava
umas olhadas para o Lenhador. Ele viu seus músculos fazendo sua camisa
esticar; ele viu a graça e a habilidade do homem ao fazer a ferramenta
trabalhar contra a madeira. Era gostoso fazer o trabalho de homem.
Herói esqueceu que a sua cicatriz feia estava se mostrando.
Entre uma das serradas, os dois descansaram. "Você é um dos
homens do Rei?" Herói perguntou.
"Sim, eu sou", disse o homem ao afiar os dentes do serrote com uma
lima. E depois ele piscou: "Um dos melhores dos homens do Rei".
Quando a árvore enorme tinha sido cortada em peças de tamanho
adequado, o Lenhador agradeceu ao rapaz. "Você é uma boa ajuda.
Espero não o ter atrapalhado de fazer algo importante".
"Ah, não", respondeu Herói, ao cobrir o seu rosto de novo com a
mão. "Eu só estava indo cumprir um desafio". Ele se sentiu meio bobo
falando isso e esperava que o Lenhador não fosse rir dele. "É para eu
enfrentar o meu maior inimigo em combate justo".
O Lenhador deu uma risada. Ele colocou o serrote pesado nos seus
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ombros. "Parece ser uma das idéias de Cuidador". O Lenhador virou-se
para começar a descer a trilha e Herói notou que ele estava assobiando
e ficou olhando para ele. Aí o homem virou-se de novo de volta para ele
e o chamou. "O jovem, se você vai sair em busca do seu desafio e
encontrar o seu maior inimigo, seria melhor você usar as duas mãos".
Ele apontou com o queixo para aquela que Herói estava usando para
cobrir a sua face. Surpreso, o menino meteu as mãos nos bolsos. O
homem sorriu, virou-se, e foi-se embora.
Herói ficou com as mãos nos bolsos, enquanto caminhava pela
trilha em direção aos campos de treinamento.
Em poucos momentos ele emergiu da Floresta Silvestre. Centenas
de pessoas estavam ocupadas aperfeiçoando as suas habilidades no
campo de treinamento. Um coral estava ensaiando algumas músicas,
um grupo de dançarinas estava medindo bem os passos de uma velha
dança. Herói pôde ouvir o Mestre Ritmo cantando em voz alta,
"Um-e-dois-e-três-e-". Acrobatas estavam aperfeiçoando os seus saltos
duplos e mortais para cima e para baixo, vez após vez. Um homem
estava se equilibrando numa corda bamba. Músicos afinavam seus
instrumentos.
Herói pôde ver Amanda, junto com outros arqueiros, puxando uma
flecha por um arco grande e mirando para um alvo distante. A maioria
das vezes ela acertava o que estava mirando. Herói ficou impressionado
mais uma vez. Como que uma menina poderia mirar tão perfeitamente?
Amanda nunca iria precisar de ser socorrida; bem, pelo menos por ele
não.
Os arqueiros pararam para descansar um pouco. Herói sentiu o
calor do sol e o cansaço do trabalho na floresta. Ele notou que grandes
mesas estavam sendo arrastadas para a sombra debaixo das árvores.
Ele foi para ajudar e, de repente, lembrou-se da despedida do Lenhador.
"...seria melhor usar as duas mãos..."
Herói se sentiu bobo. Ele tinha gasto a sua vida inteira, desde
aquele dia da marcação e o acidente, com uma mão no rosto. Como foi
bom trabalhar com aquele serrote, usando as duas mãos. Ele fez
questão de ajudar a arrastar as mesas, com as duas mãos.
Ele carregou travessas de frios, tigelas de frutas e cestos grandes de
pães redondos e pães de centeio. Eu tenho gasto a minha vida inteira
desequilibrado, ele pensou, impressionado com a sua descoberta. As duas
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mãos são para trabalhar. O Lenhador está certo. Terei uma terrível
desvantagem se me encontrar com o meu maior inimigo com uma mão
colada no meu rosto!
Ele girou e olhou de frente para os olhos das pessoas ao seu redor:
os acrobatas, os malabaristas, os palhaços. Ninguém apontou. Ninguém
se recolheu de horror. Um rapagão bateu-lhe nas costas e soltou sua
voz: "não fique parado aí. Há uma sede tremenda se manifestando aqui.
Coloque o suco de maçã nos copos".
Então Herói obedeceu. Ele usou uma mão para equilibrar o fundo da
jarra pesada. Duas mãos, ele pensou. Duas mãos é melhor do que só uma.
Ele decidiu levar um copo até Amanda. Fez seu caminho por entre
malabaristas e grupos de dança até chegar ao outro lado do campo de
treinamento.
Quando ela o viu chegando, Amanda riu. Veio correndo até ele e
pegou o refresco gelado que já tinha criado gotas de suor no lado de
fora do copo.
"Ah, obrigada Herói", ela falou após ter engolido o suco. "Você
salvou a minha vida. Estava morrendo de sede".
Herói deu risadas ao ouvir isso. Pena que Cuidador não pediu para
ele socorrer uma princesa, Herói pensou. Acabei de salvar a vida de
uma, ela mesma disse.
"Almoce com a gente", Amanda sugeriu. "Só vai demorar uma
meia hora".
O Dia começou a esquentar e Herói se esticou na grama cheirosa.
Seus braços se sentiram fortes e exercitados. Ele cruzou os braços por
trás da cabeça. Quem seria seu maior inimigo? Ele se sentiu pronto para
enfrentar esse inimigo nesse dia.
O que é uma cicatriz? Ele perguntou para si mesmo. Muitas pessoas
têm cicatrizes. E aí Herói teve um pensamento novo. Talvez a cicatriz
tivesse sarado aqui no Grande Parque. Talvez tivesse quase
desaparecido. Muitas coisas poderiam acontecer. Ele até poderia
tornar-se corajoso.... Foi então que ele adormeceu à luz brilhante do dia.
Antes de Herói ficar totalmente acordado de novo, ele ouviu como
se fosse uma brisa brincando. Era Amanda dando risadas. Herói tinha
descoberto que sempre ouvia a Amanda antes de vê-la. "Acorde seu
preguiçoso. Estou morrendo de fome. Está na hora de comer". Ela o
cutucou com seu dedão do pé. Ele agarrou o tornozelo dela com sua
58
mão.
Ela tentou escapar.
Ele usou a outra mão para pegar firme, e puxou.
Ela tropeçou e caiu, deu umas cambalhotas, conseguiu ficar em pé
ainda, e saiu correndo em direção das mesas com Herói correndo logo
atrás. Com as duas mãos ele conseguia até derrubar a Princesa Amanda.
Uma vez à mesa, a princesa apresentou Herói ao grupo dos
Malabaristas. Eles o receberam com alegria. Todos se silenciaram e foi
dado início a um cântico. Todos deram as mãos e Herói pegou nas mãos
das pessoas ao lado dele. Eles cantaram "Ao Rei, ao Rei. Ao Reino e ao
Rei". Herói se lembrou do Cuidador cantando flores em existência
naquela manhã. Ele se lembrou do som que o serrote fazia ao cortar a
madeira e do ritmo que criava. Ele sentiu o pegar forte nas duas palmas
da mão. Duas mãos, duas mãos...
"Você vai vir para a Grande Celebração hoje a noite?" Amanda
perguntou. "Hoje vai ser a noite de apresentações, do circo, da festa de
nomear, do desfile e do banquete...tudo junto. É quando todos os
súditos tornam-se o que realmente são".
Herói pensou sobre o Círculo de Chamas Sagradas que eram
acesas em torno do Círculo Íntimo onde a Grande Celebração se
realizava. Ele sabia que seria realmente corajoso, quando passasse pelo
fogo.
Depois do almoço, as duas crianças subiram o Monte dos Pinhais
só porque acharam legal. Deste ponto podiam ver tudo pelos campos
de treinamento. De lá de cima eles tinham uma vista de todo o Grande
Parque. Herói podia ver a Entrada do Portal de Pedras e a Cidade
Encantada além, dormente. Ele podia ver a Cabana do Cuidador e a
linha das torres de vigia dos Atalaias. Ele e Amanda notaram os seis
lugares que tinham queimado na Floresta Profunda; agora, círculos
pretos. Hectares de árvores foram queimados. Troncos feios apontavam
dedos e braços para o céu. Herói lembrou-se do Lugar da Marcação. Ele
cobriu seu rosto.
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"Pare com isso!" gritou a pequena menina, irritada.
"Parar com o quê?" disse Herói surpreso.
"De cobrir o seu rosto com a sua mão, é feio!"
Rapidamente, Herói pegou nos ombros da Amanda, e virou a
princesa para que ela olhasse bem no rosto dele. "Amanda?" ele
perguntou. "O que você vê quando você olha para mim?" Talvez a sua
cicatriz tivesse desaparecido. Talvez Grande Parque e a cabana da
Misericórdia e Cuidador tivessem feito algo maravilhoso para ele.
Ninguém do campo de treinamento tinha apontado para ele e nem
deram risadas. Seu coração batia forte, com esperança.
A princesa o olhou direto nos olhos. "Eu vejo um rapaz elegante
com uma velha ferida no seu rosto".
"Ah," disse Herói desapontado.
"Mas não é só isso que eu vejo", a menina continuou. "Eu também
vejo um herói".
Ele balançou a cabeça. Deu as costas, para ela não poder ver a sua
cara. Sua voz estava baixa. "Que herói, que nada. Era para eu cumprir
um desafio hoje. Era para enfrentar o meu maior inimigo em combate
justo. O dia já está quase acabando e eu nem sei quem meu maior
inimigo é..."
"Essa idéia veio de quem?" perguntou a voz baixa e impudente
atrás dele. "Foi Cuidador que te mandou neste desafio, não foi?'
Herói virou-se de novo para olhar para ela. De propósito ele enfiou
as duas mãos nos seus bolsos. "É uma brincadeira? Eu não dou certo
com brincadeiras".
Amanda sorriu. Sua voz estava bem baixa. "Não é nenhuma
brincadeira. Ele me mandou numa destas coisas também. Cedo ou
tarde, ele manda todos num desafio. E todos começam enfrentando seu
maior inimigo".
Herói queria cobrir a sua cicatriz, mas ao invés disso empurrou
suas mãos mais prá dentro dos bolsos ainda. "Você enfrentou seu maior
inimigo?"
Ela mostrou com a cabeça que sim.
"Quem que era?"
"O mesmo que é com todos". Amanda riu ao ver a sua careta
perplexa. "Eu não posso ficar por aqui o dia todo, respondendo
perguntas. Eu preciso ir e me preparar para a Grande Celebração".
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"Ah, então vai", disse Herói bruscamente. "O que é que está te
segurando?" Ele lutou contra a vontade de dar-lhe um empurrão em
direção ao pé do monte.
"Não consigo ir", ela respondeu com sua voz autoritária. "Você
está pisando no meu vestido!"
Herói sabia que ele nunca iria entender. A Amanda estava fazendo
de conta ou só tentando enganá-lo? A única coisa que ele podia ver era
a sua camisa e seus jeans desbotados. Mas, em Grande Parque, tudo
poderia acontecer. As coisas sempre eram mais do que pareciam ser.
Ele manteve a sua postura, se sentindo um pouco estranho: "Eu só vou
sair do seu vestido, se você me disser o nome do seu maior inimigo".
Em um movimento relâmpago, Amanda deu uma rasteira nele e o
fez cair ao chão. As suas mãos tinham ficados presas nos seus bolsos,
inúteis. Ele caiu de costas e a menina estava em pé em cima dele com
olhos brilhantes de vitória.
"Você não sabe? Todos têm o mesmo maior inimigo: eles mesmos.
Precisamos enfrentar nós mesmos, antes que possamos fazer qualquer
outra conquista".
Com isso, ela desceu o monte na carreira.
Com as costas coladas ao chão, Herói ouviu outra vez as palavras do
Lenhador. Duas mãos...duas mãos. E era verdade; se ele usasse as duas
mãos para o resto da vida, isso iria forçá-lo a enfrentar todos e tudo,
incluindo ele mesmo.
61
Isaías 53:4-5
Apesar disso, Ele colocou sobre Si mesmo as nossas dores, Ele mesmo
carregou nosso sofrimento. E nós ficamos pensando que Ele estava
sendo castigado por Deus por causa de Seus próprios pecados! A
verdade, porém, é esta: Ele foi ferido por causa de nossos pecados; seu
corpo foi maltratado por causa de nossas desobediências. Ele foi
castigado para nós termos paz; Ele foi chicoteado ⎯ e nós fomos
curados!
1 João 4:21
Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também a seu
irmão.
Mateus 25:34-40
Então o Rei dirá aos que estiveram à sua direita: "Venham, benditos de
meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde
a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive
sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me
acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e
vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram”. Então os
justos lhe responderão: "Senhor, quando te vimos com fome e te demos
de comer, ou com sede e te demos de beber? ... O Rei responderá:
"Digo-lhes a verdade: o que vocês fizeram a algum dos meus menores
irmãos, a mim o fizeram".
62
O Padeiro que Amava Pão
Era uma vez um Rei que passeava pelo mundo afora — aqui, acolá e em
todo lugar. Ele se tornou pobre para ser como as pessoas que ele amava,
e ele vivia entre os rejeitados para poder sentir a sua dor.
A padaria ficava escondida no coração da Floresta Profunda, perto
da abertura onde as Grandes Celebrações eram realizadas. Era
importante para o Padeiro Chefe que os pães fossem servidos às mesas
do banquete direto do forno — quentinhos e fresquinhos. Ele tinha
cuidadosamente planejado esta vila: as casas eram feitas de pedras,
onde os padeiros moravam, assim como os muitos fornos no lado de
fora — alguns grandes, outros pequenos, alguns com fogo bem forte e
outros só com o necessário para colocar o carvão. Cada um feito para
assar os vários tipos de pães de uma maneira perfeita.
Esse padeiro tinha se esforçado muito para tornar-se o chefe. O
seu pai era padeiro e o seu avô também, mas ele tinha o seu próprio
jeito genial de fazer pão. A sua massa era mais leve e mais nutritiva do
que qualquer outra dos seus ancestrais. Todos os tipos de massas —
trigo, centeio ou milho — com o seu toque tornavam-se deliciosas e
davam água na boca.
Uma particularidade desse Padeiro Chefe era que ele gostava
muito de fazer pães especiais para as Grandes Celebrações. Ele adorava
trançar e enfeitar os pães. Adorava inventar receitas novas para pães
doces. Amava também biscoitos, bolinhos, brioches, e croissants.
Adorava ouvir as exclamações dos súditos do Rei quando,
pomposamente, o desfile do banquete tinha início e os seus muitos
padeiros carregavam em grandes cestos as suas criações.
"O Padeiro Chefe conseguiu de novo!" todos sempre exclamavam.
"Ninguém consegue fazer pão que derreta na boca como estes!"
E o Padeiro Chefe sabia que o pão dava uma força especial; então,
ele preparava alguns cestos de pães de centeio para alimentar aqueles
que gastavam as manhãs nos campos de treinamento. Ele admirava os
Atalaias e gostava de preparar pães nutritivos de abóbora e queijo para
eles levarem nas suas vigílias.
Isso, entretanto, era o máximo que fazia. Ele se recusava a mandar
63
cestos de pães para a velha Misericórdia, mesmo porque ela nunca
havia pedido a ele isso. Ela tem um forno e receitas que são dela,
pensou o Padeiro Chefe. E ainda mais, iria só encorajar ela e aquele seu
marido doido, ficarem enchendo o Grande Parque com pessoas
estranhas. Se esses defeituosos tinham tanta coisa de errado, devia ser
que fizeram algo para merecerem isso. Com certeza não eram dignos de
comerem os pães do Rei.
Um dia o Padeiro Chefe estava inspecionando a sua nova invenção,
uma roda mecânica que amassava trinta pães de uma vez só. Genial,
pensou.
Naquele momento, o Padeiro Chefe notou alguém se aproximando
pela trilha que dava acesso à abertura, onde se localizava o complexo
dos padeiros. Era uma mulher carregando um nenê em seus braços. Sua
roupa estava toda rasgada.
O Padeiro Chefe procurou pelo seu assistente, mas notou que o
menino estava abrindo uma massa para fazer uns docinhos. Todos os
outros padeiros pareciam estar ocupados também: uns moendo trigo,
outros medindo ingredientes e ainda outros de olho nos pães que
estavam no forno. Eu mesmo vou cuidar desta intrusa, ele pensou.
Ele odiava interrupções. Para o pão sair bem, era uma questão de
controle de horário. Tudo tinha que ser feito no momento certo. Um
minuto antes ou depois e tudo poderia ser perdido.
"O que é que você quer?" ele perguntou à mulher, com uma voz
áspera, ao encontrá-la na trilha.
Seu nené choramingou. Sua cabecinha não tinha força para
levantar. "Por favor, senhor", a mulher respondeu. "Um pouco de pão.
Nós nos perdemos no meio da floresta e não temos comido nada há
dois dias".
Que estória bem inventada, pensou o Padeiro Chefe. Esse tipo de
pessoa estava sempre procurando algo de graça, os preguiçosos. "Não dá
prá você ver que estou fazendo as preparações para a Grande
Celebração? Temos centenas de pães para fazer hoje. Não posso ser
incomodado agora. Vai procurar Misericórdia. Ela está sempre dando
comida a pessoas como você".
A criança choramingou de novo, e Padeiro Chefe pensou que a
mulher estava tentando aparentar o mais patético possível.
Condescendendo, desenhou um mapa na terra. "Este é o caminho até a
64
Cabana do Cuidador", ele explicou.
Nem deu tempo para a mulher sair de vista quando o Padeiro
Chefe percebeu que tinha algo se mexendo na floresta. Alguém estava
se escondendo atrás de um arbusto. Um Queimador, talvez, tentando
roubar um pouco do seu fogo. Algum tipo de ladrão, com certeza.
Padeiro Chefe fez de conta que iria descer a trilha em direção a
floresta; mas de repente desviou-se e agarrou o molequinho que estava
escondido atrás de uma árvore.
"Ahá!" ele gritou. "Exatamente o que suspeitava. Um ladrão
tentando roubar um pouco de pão!" O menino estava tão sujo que o
homem o segurou com o braço estendido.
"Não senhor! Não sou!" disse o menino chutando e esperneando.
"Eu estava só tentando cheirar o pão. Tem um cheiro tão gostoso".
"E é só isso que vai fazer? Vai ficar só no cheiro? Não se atreva a
entrar nas instalações da padaria. Não vou ter pessoas achando pulgas
assadas no seu pão. Pode puxar o carro! Se eu te pegar por aqui de novo,
vou te assar!"
Padeiro Chefe chutou o moleque algumas vezes, até ele começar a
correr, e depois jogou algumas pedras em sua direção, enquanto ele
tentava escapar pela trilha abaixo.
Nem deu tempo para o moleque sair de vista, quando as trombetas
de aviso de perigo soaram das profundezas da floresta.
Croi-e-e-e-e-e-e-e-e! Croi-e-e-e-e-e-e-ee! Era o sinal de perigo. O primeiro
toque foi respondido por um outro e o grito arrepiante caminhava mais e
mais à distância, na medida que cada Atalaia ecoava a mensagem.
Padeiro Chefe ouviu um tumulto nas instalações da padaria. Dois
padeiros estavam segurando um estranho que se esforçava para
livrar-se. O Padeiro Chefe pegou firme numa grande colher de madeira e
se intrometeu na briga. Só de olhar dava para perceber que o homem
tinha más intenções. O Padeiro bateu no homem com a grande colher
de madeira—uma vez, duas, três vezes—e, finalmente, o estranho caiu
ao chão, ferido.
"A gente pegou ele tentando roubar pão, senhor", explicaram os
outros padeiros.
Roubar meu pão, pensou o Padeiro Chefe. Vou dar uma lição nele.
Bateu no homem, repetidamente, até ele estar certo de que o homem não
tinha nenhum truque sobrando. Finalmente, o estranho conseguiu ficar
65
em pé e escapar pela floresta.
Croi-e-e-e-e-e-e-e-e! o sinal de alerta ressoou mais alto ainda.
De repente, um bando de homens e mulheres de capas azuis
emergiram da floresta. Vários deles estavam carregando um homem
que parecia estar morto.
"Prá trás! Abram caminho!" ordenou um Atalaia, quando os
padeiros vieram correndo para ver o que tinha acontecido.
"Prá trás! O Rei está ferido! O Rei está ferido! Abram caminho!
Abram caminho!"
Um grito de horror subiu pelo acampamento dos padeiros. A
pessoa ferida era o Rei!
"Padeiro Chefe", um dos Atalaias chamou, "ajude-nos a cuidar do
nosso Rei!"
"Aqui! Tragam-no para cá!" ele respondeu, disposto a fazer o que
pudesse.
O Rei foi carregado até a casa de pedra do Padeiro e o deitaram na
sua cama. Um fogo foi acesso na lareira. Uma vigia foi escalada para
certificar-se de que nenhum perigo mais viesse, e um sinal foi dado pela
floresta para notificar Misericórdia. Ela saberia como ajudar. As aves e
as criaturas, a própria terra lamentavam a notícia terrível. O Rei está
ferido...O Rei está ferido... O Rei...O Rei....
"Quem que fez isso?" perguntou o Padeiro Chefe. Mas ninguém
parecia saber, pois o Rei não tinha dito uma palavra, desde que
levantaram seu corpo inconsciente do chão da Floresta Profunda.
Se eu descobrir quem foi que feriu meu Rei, pensou o Padeiro Chefe,
com alegria bateria neste inimigo com a minha colher de madeira. Ele se
lembrou de como fizera um excelente trabalho com aquele estrangeiro
que tentou roubar pão.
Misericórdia finalmente chegou. Ela se curvou por cima daquela
forma sem vida e terrivelmente parada em cima da cama do Padeiro
Chefe. Seus olhos se encheram de lágrimas. "Me dê seu machado," ela
disse ao Atalaia em pé ao lado do Rei. "Rápido!" Chamas refletiam-se
nas marcas do machado. Finalmente, ela achou as marcas que estava
procurando. E logo depois, com seus olhos fechados, pressionou-as aos
lábios e o coro veio: uma música suave e lenta de cura e paz.
A senhora idosa veio até a cama e sentou-se ao lado do Rei.
Colocou uma das mãos atrás do pescoço do jovem Rei e a outra em seu
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peito. Ela encostou a sua testa na dele. Ali ela ficou, pela longa tarde e
até anoitecer, com a música do machado ecoando no quarto.
Por toda aquela longa noite, os súditos do Rei o guardaram em
seus corações. Cada um se lembrou do amor do Rei. E a floresta estava
quieta. Grande Parque ficou na expectativa. Até a lua retardou seu
curso. As pessoas que estavam no quarto do Padeiro Chefe notaram a
testa limpa do Rei, sua face nobre, o cabelo castanho brilhando com
reflexos de ouro, caindo até o travesseiro, e a pele pálida.
Finalmente, ao chegar a manhã, Misericórdia ficou em pé. Ela
estava tão pálida quanto o Rei. "Ele estará bem", ela sussurrou. "A
ferida foi superada. Dê algo para ele comer quando acordar, e me leve
para um outro quarto".
Todos no quarto sentiram-se aliviados ao ouvirem as palavras de
Misericórdia. Tiveram vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Em
segundos, o grito dos Atalaias se espalhou pela Floresta Profunda.
"Como vai o mundo?"
"O mundo não vai bem...".
"Mas o Reino vem! ... O Reino vem!".
Todos sabiam, do menor ao maior, que o Rei agora estava bem e o
Reino intacto. Eles saíram para seus trabalhos com corações alegres,
enquanto os passarinhos cumprimentaram a aurora.
Mais tarde, Padeiro Chefe trouxe uma travessa dos pães mais finos
ao quarto onde o Rei estava descansando. Ele ficou aliviado ao
encontrar o Rei sentado desajeitadamente na cama. Uma perna estava
dobrada por baixo dos cobertores e seus braços por cima da cabeceira.
"O Senhor teve um tumulto na floresta?" perguntou o Padeiro,
sem jeito, tentando ocultar a sua preocupação com a saúde do Rei. Ele
colocou a travessa na cama e o aroma suave de biscoitos e pães doces
encheu o quarto.
"É... mais ou menos", respondeu o Rei, abrindo um pão quentinho
e cheiroso, recheado de frutas suculentas. Ele abaixou a cabeça. "Para a
vida e tudo aquilo que a sustenta", ele disse baixinho. Ele deu uma
mordida e continuou falando: "sempre disse: 'se vais entrar numa fria,
melhor que aconteça perto do acampamento dos padeiros. O Padeiro
certamente terá algo para comer. Ele te tratará como um rei' ".
Padeiro Chefe ficou vermelho com o prazer ao ouvir essas
palavras. Tentando ser modesto, ele respondeu "Bem, senhor, o pão é
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do Rei".
O Rei deu outra mordida. Ele sorriu e numa voz suave disse, "É... O
pão do Rei é para o povo do Rei, não é?"
O Padeiro estava arrumando o quarto às pressas, abrindo a janela,
mexendo as brasas. "Sim Senhor", ele disse. Lembrou-se do Rei tão sem
vida e imóvel. Ele se lembrou da longa noite de apreensão. De repente,
a emoção de tudo aquilo que tinha acontecido apertou seu coração.
Veio uma vontade forte de chorar. Ele olhou o Rei bem nos olhos. "Sabe,
meu Senhor. Se eu soubesse quem foi que te feriu, eu daria uma nele,
eu pegaria ele e..."
"Mesmo?" respondeu o Rei, e colocou de volta uma torta que
estava em sua mão.
O quarto ficou silencioso. O Rei tirou a travessa de pães do seu
colo, saiu da cama e foi até a janela. Padeiro Chefe observou as suas
costas largas contra a luz brilhante da manhã.
Os sons de trabalhadores ocupados chegaram até eles. Padeiros
cantando ao fazer a massa. Foles soprando. O bater das portas dos
fogões. Pessoas chamando uma pela outra e a fragrância calorosa de
coisas gostosas flutuava adentrando o quarto.
"Sabe, Padeiro", disse o Rei, virando os seus olhos para poder
olhar para o Padeiro Chefe, "as minhas feridas não são iguais às de
outros homens...".
Padeiro Chefe parou de fuçar. Ele estava na dúvida do que o Rei
queria dizer.
"Quando uma pessoa do meu povo está com fome, Padeiro", disse
o Rei, "eu também fico faminto. Quando uma pequena criança é
machucada, eu também sofro. E até se o meu inimigo sente dor, eu o
sinto na pele".
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O Padeiro Chefe ficou encucado por um momento. Mas logo, como
uma terrível cachoeira de memória, ele viu a face de uma mulher, quase
desmaiando, que ele mandou embora. Ele viu os olhos de uma criança
suja a quem ele tinha chutado e apedrejado. Ele ouviu o grito de um
estranho quando batia nele vez após vez com a colher de madeira. Ele
viu o corpo do estranho todo encolhido no chão; a dor nos seus olhos
era semelhante ao olhar do Rei.
"Padeiro, é você que tem me ferido...sim, você".
O Padeiro caiu de joelhos: "Não eu, meu Senhor! Não eu!" Mas ele
sabia que era verdade. Ele foi perseguido por um rosto e por olhos e por
um grito. Ele tinha dado a um, terra, ao outro, pedras e ao outro,
pauladas.
O Rei virou-se. A luz se irradiava em volta da sua cabeça. A luz da
aurora atravessou o quarto e fez cair sobre a forma encurvada do
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Padeiro Chefe, a sombra do Rei.
"Meu Senhor, o que posso fazer? O que posso fazer?" chorou o
Padeiro Chefe, sua cabeça encurvada até ao chão.
O Rei respondeu: "Alimente o faminto".
O Rei veio até o homem ajoelhado, em horror, no chão do quarto.
Ele o levantou e o abraçou. "Alimente o faminto", ele sussurrou, "assim
eu ficarei satisfeito...". Ele virou-se e saiu com passos largos, como se a
morte nunca tivesse chegado perto.
Daquele dia em diante, o Padeiro Chefe fez questão que cestos de
pães fossem levados à Vila dos Rejeitados, para todos os que não
tinham como fazer o seu próprio pão. Mochilas de suprimentos de
emergência foram deixadas em cada torre de vigia dos Atalaias para
poder nutrir qualquer um que tivesse perdido o caminho, não
importando se fosse bom ou mau de coração. Travessas de pães doces e
tortas ficaram sempre à disposição no acampamento dos padeiros para
dar as boas vindas aos visitantes. E biscoitos com o formato de animais,
e enfeitados com cobertura de açúcar, foram colocados em caixinhas e
enviados até a cabana de Misericórdia, para as crianças.
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Romanos 2:13
Porque não são os que ouvem a lei que são justos aos olhos de Deus;
mas os que obedecem à lei, estes serão declarados justos.
Hebreus 11:6
Sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa
crer que Ele existe e que recompensa aqueles que o buscam.
Isaías 53:1-3
Quem acreditou naquilo que nós anunciamos? A quem o Senhor vai
revelar o seu poder? Aos olhos de Deus ele era um pequeno ramo,
brotando de uma raiz em terra seca. Mas para nós Ele não tinha beleza
alguma; não havia nada nEle para nos atrair ou para nos agradar. Nós O
desprezamos e rejeitamos: Ele era um Homem que conhecia, por
experiência própria a dor e o sofrimento. Achamos que Ele não merecia
nem ser olhado por nós; não demos a menor importância a Ele.
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Dia de A star
star
Os súditos do Reino trabalhavam duro para manter lindo o Grande
Parque. Alguns eram jardineiros; outros eram guardas florestais. Alguns
eram agricultores; outros eram especialistas em cuidar de animais;
outros eram guias para estrangeiros. E ainda outros curavam. Não
importava o quão duro trabalhavam, eles adoravam brincar. E a
brincadeira de que as crianças mais gostavam era Achar-O-Rei....
"Eu vi o Rei!" exclamou Amanda, ao entrar com tudo pela porta da
cabana de Misericórdia. Duas raposinhas entraram pela porta, atrás
dela, brincando e uma bateu na traseira da outra, quando tiveram de
parar repentinamente. "Eu vi o Rei no Dia de Avistar!" ela repetiu,
orgulhosa do seu sucesso.
"Que legal!" replicou Misericórdia, que tinha acabado de trazer
Homem-Que-Senta-Como-Pedra para uma cadeira, perto de uma janela
onde o sol entrava. Uma vez sentado, o homem não se mexia. Ele não
virava a cabeça. Ele não falava uma palavra. Misericórdia disse que
talvez fosse por causa de uma terrível tragédia em sua vida.
O irmão de Herói muitas vezes subia até o colo do homem e dava
uns tapinhas nas suas bochechas, mas mesmo assim ele não se mexia.
De certa maneira, os dois eram semelhantes. Pequena Criança nunca
falava uma palavra sequer e o homem nunca dava risadas. Muitas vezes
os dois sentavam-se juntos, quietos à luz do sol.
"Dia de Avistar quer dizer que o Rei tira um tempo para brincar",
Amanda disse, virando-se para explicar a Herói, que ainda estava
cauteloso quanto a essa menina tão dinâmica.
"As crianças tentam achar o Rei por todo o Grande Parque, no Dia
de Avistar", explicou Misericórdia ainda mais. "É um grande jogo de
Caça-ao-Rei. Ele aparece com vários disfarces, e uma vez que a criança
percebe que viu o Rei, ele pode ir para o campo de treinamento, onde o
Rei e as crianças brincam o resto da tarde. Por que você não sai numa
caçada, Herói, em busca do Rei?”
Herói balançou a cabeça que não, então Amanda saiu pulando,
pela porta, sem ele. Ela ria ao correr, e o menino ficou olhando para as
raposas que saíram atrás dela, bem no calcanhar, enquanto desciam a
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trilha em direção do Bosque Silvestre.
Não tinha jeito. Ele nunca iria "avistar" o Rei. Toda vez que alguém
comentava baixinho: "olha o Rei!", Herói só via um mendigo ou
lenhador ou agricultor. Nunca um rei.
Misericórdia disse que isso era porque ele não acreditava no rei.
"Você precisa crer", ela sempre explicava, "para poder ver". Isso não
fazia sentido para Herói. O Encantador tinha dito o oposto: "Ver é crer".
Era muito bom e legal para todos os outros em Grande Parque quanto a
falar sobre um rei. Mas como que Herói iria saber que não estavam só
fazendo uma brincadeira com ele? Ou fazendo de conta?
E, alem do mais, ele não estava muito a fim de brincadeiras assim
hoje. Misericórdia tinha dito que um amigo dela iria vir hoje de manhã
para ver o seu irmão. Tinha algo de errado com Pequena Criança.
Misericórdia disse que ele já estava na idade de falar e que todas
as crianças normais eram cheias de risos. Algo deve ter assustado este
73
pequeno, algo que roubou dele suas palavras e risos.
Herói sabia que era Cidade Encantada. Seu odor podre pairava
sobre os corações. Ele se lembrou dos Queimadores acendendo o
ataúde no funeral de sua mãe. Ele viu mais uma vez o olhar de horror
nos olhos do seu irmão. E agora o menino mais novo não dava risadas, e
o menino mais velho não se interessava por brincadeiras.
Ao observar o seu irmão sentar-se silenciosamente no colo do
homem imóvel, Herói pensou: Será que o amigo de Misericórdia iria
também saber o que fazer por um menino cuja cicatriz na sua pele ia até
seu coração?
Herói pensou ouvir alguém falando: "Rei à vista!" mas, ao invés do
Rei, um camponês entrou na cabana. Ele estava usando uma camiseta e
calças desbotadas. Seu cabelo enrolava-se por debaixo de um velho
chapéu de fazendeiro, o qual ele pendurou na entrada ao lado da porta.
Ele bateu alegremente no batente. "Onde está o meu amigo?" ele
chamou.
Herói pensou que ele estivesse se referindo a Misericórdia; mas, ao
invés, a senhora idosa apontou para Pequena Criança, ao lado da
janela. "Aqui ele está", ela disse, "o seu amigo está aqui".
O camponês riu. "Eu pensei que meu amigo gostaria de ir comigo
hoje. Poderemos ver o sol engordar as uvas. Ou poderemos ouvir as
abelhas cantando no jardim. Ou poderemos apostar corrida com os
patos no Lago dos Patos." Ele abriu a mão e dentro dela havia um barco
feito de madeira de balsa, com pequenas velas e bonequinhos feitos de
palha de milho.
O homem deu o brinquedo para a criança que o pegou com
delicadeza. De repente, o camponês deu uma pirueta no ar e começou a
andar com as mãos, enquanto que os pés estavam para o alto. Herói
engoliu de surpresa e Misericórdia deu risadas.
O camponês foi até a porta com os seus pés balançando no ar.
"Vamos, amigo, vamos ver os patos!"
Para surpresa de todos, o irmão de Herói desceu do colo do
homem que não se mexia. Misericórdia deu para ele o chapéu do
homem e ele seguiu essa figura de ponta-cabeça pela porta e desceu a
trilha. Herói pensou ouvir o que parecia ser o começo de uma
gargalhada infantil.
Herói ficou perto da cabana toda aquela manhã. De certa maneira,
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ele queria que o camponês o tivesse convidado a ir junto também. Ele
cortou lenha para a lareira, tomando bastante cuidado para não se
aproximar do fogo. Deu comida aos porcos. Ajudou Misericórdia a tomar
conta do Homem-Que-Senta-Como-Pedra e varreu o chão.
À tarde, um jovem retornou carregando o irmão do Herói em seus
braços, dormindo. O menino estava chupando o dedo. Nas suas
bochechas e queixo havia marcas de frutas.
"Puxa, tivemos uma bela manhã", o jovem disse, após colocar
Pequena Criança na cama. Herói e o homem sentaram-se à mesa,
enquanto Misericórdia serviu suco gelado.
"Onde foi o camponês?" perguntou Herói.
O jovem deu um sorriso. "Foi achar o Rei. Lembra-se? Hoje é o Dia
de Avistar.... Diga, você já ouviu um coral de abelhas? Hoje nós ouvimos.
É impressionante! Zumbem em harmonia. Um velho abelhão estava
desafinado, mas a rainha logo o silenciou".
Misericórdia deu uma risada.
"Aí a gente apostou corrida de barco. Havia cinqüenta patos,
cinqüenta barcos e centenas de crianças. Os patos ganharam, mas o
nosso barco veio em segundo lugar." O jovem deu uma olhada em volta
e depois falou por detrás de sua mão. "Seu irmão e eu sopramos bem
forte nas velas!"
Herói não sabia se acreditava nele ou não.
"Ah, sim! E a gente viu as uvas crescerem". Ele apontou para uma
tigela de frutas na mesa. Herói tinha pensado que eram ameixas, mas
então percebeu que eram uvas enormes já tiradas do talo. "E...a gente
ficou olhando muito ⎯ eu estava contando uma história. Desculpe, mas
elas ainda estão boas. Prove uma".
Herói esticou o braço e pegou uma e deu uma mordida. Era
deliciosa! Ele coçou a cabeça. Como a uva tinha crescido tanto?
O jovem ainda estava falando "...e você vai ficar contente ao saber
que o seu irmão riu. Ele adora ver pessoas andando de ponta-cabeça".
Fez uma massagem nos seus braços e ombros. "E pequena criança
falou. Disse: 'Ó o ei' ".
Misericórdia estava à mesa com eles. "Muito apropriado", disse
ela, "no Dia de Avistar, não acha?" Com isso ela se levantou, foi até o
jovem, e plantou um beijo bem na sua testa. "Eu sabia que você poderia
ajudá-lo. Obrigada, pelo seu tempo".
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Herói olhou para Misericórdia. Quem era este jovem? O que tinha
acontecido ao camponês?
"Não há de quê", o jovem disse. "Foi muito gostoso. Agora eu vou
até o campo de treinamento. As crianças estão esperando por mim lá.
Venha você também, Herói. Este dia é um dos melhores que tem".
E Herói logo percebeu que o jovem estava certo. Dia de Avistar era
muito legal. O homem organizou gincanas e competições. Tinha
corridas de três pernas (uma corrida em que duas pessoas ficam de
lado, abraçados, com a perna de dentro de cada uma amarrada,
formando assim uma perna em comum) e salto com vara, e
esconde-esconde e pirâmides humanas e travessia do rio sobre
pinguelas. Herói se pegou sendo absorvido no meio de todo esse clamor
e regozijo. Ele descobriu que não havia lugar mais gostoso de se estar
do que o lugar onde o jovem estava.
O homem ensinou todos eles a andarem de ponta-cabeça. As
crianças se esforçaram para aprender. Seus cotovelos dobravam-se
facilmente; suas pernas se recusavam a ficar para cima. Seus pés
começavam a ir muito para a frente. O-o-o-o-pa! Caíam! Todos davam
risadas.
"Está vendo! "disse o jovem a Herói. "Este exercício é ótimo para
fazer crianças tristes rirem".
O jovem fez malabarismos com o Malabarista Palhaço; eles quase
deixaram as laranjas caírem e se atrapalharam todo nos arremessos e
quase não conseguiram catar os objetos que caíam. Todos as crianças
riram, bateram palmas, e gritaram.
Todos tiveram sua vez na hora de pular corda e todos
compartilharam suas bolinhas de gude e piões, etc.; e ninguém foi
deixado de fora das brincadeiras, e ninguém foi escolhido por último.
As brincadeiras terminaram quando todas as crianças suadas
passearam até o Lago Marmo, onde caíram na água fresca. Então
molharam o jovem até ele ficar encharcado, e este fez o mesmo com
eles. Herói teve de admitir que tinha sido uma tarde maravilhosa! Jogos
e brincadeiras não eram tão ruins assim.
Até o jovem voltar para a cabana de Misericórdia com Herói,
Pequena Criança já estava jantando. "Ó o ei!" ele gritou e veio correndo
abraçar seu amigo.
Estas eram as primeiras palavras que Herói tinha ouvido seu irmão
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falar. Os olhos do menino mais velho de repente se encheram com
lágrimas, e ele se voltou para o jovem e deu um obrigado meio
engasgado.
Misericórdia serviu as uvas que eram tão grandes que dava
vontade de rir só de vê-las, junto com um pouco de pão e queijo. Herói
deu uma mordida na fruta e pensou que nunca tinha experimentado
algo tão gostoso.
"Ó o ei", disse Pequena Criança sorrindo e já querendo brincar de
esconde-esconde.
"Você realmente acha que ele viu o Rei?" disse Herói.
Misericórdia o olhou com surpresa e vagarosamente respondeu:
"Sim!"
O rosto de Herói ficou contraído. Sua felicidade estava
rapidamente se transformando em desapontamento. "Ué, por que o
meu irmão pode ver o Rei e eu não posso?"
Misericórdia olhou para o jovem com uma pergunta nos seus
olhos.
Quietamente, o jovem se encurvou e enrolou parte do cabelo de
Herói no seu dedo. "Seu irmão pode ver o Rei porque ele é uma
pequena criança, e crianças pequenas são os melhores nesta
brincadeira. Os outros vêem o Rei porque eles crêem e a eles é dado o
dom de ver. Aqui no parque, fé vem antes de ver".
"Mas será que eu vou ver o Rei um dia?" perguntou Herói.
"Você crê no Rei?" perguntou o jovem.
"Eu não sei. Eu acho que talvez creia, mas se eu só pudesse ver..."
"Bem, talvez um dia então verá", disse o jovem. Ele pegou uma
outra uva gigante da tigela e a colocou na mão do menino.
Aquela noite, depois que todos na cabana do Cuidador tinham se
aquietado, o Cuidador levou Herói para a Vila dos Rejeitados. Ao
andarem, o som suave das ferramentas nos bolsos do homem trouxe
conforto em meio à escuridão.
Cuidador explicou que, no "Dia de Avistar", muitos rejeitados
ficam incapacitados de entrar na brincadeira de caçar o Rei. Alguns
estão feridos. Outros cegos, e ainda outros estão se recuperando das
suas doenças. Ao invés, o Rei vem até eles, conta histórias e canta. Ele
traz tudo que é de bom, mesclado com o brilhar da lua e a noite fresca,
até o nível deles, até que os corações dos desabilitados são
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confortados, porque o Rei está no meio deles.
Infelizmente, Herói estava muito afastado para ver o Rei aquela
noite. Havia muitas pessoas tumultuadas ao redor dele. A noite estava
cheia de sombras. Mas ele ouviu a voz de um homem se levantar no ar
da noite refrescante. E logo, então, todas as pessoas estavam cantando
juntas. Assim que aquela música se acabava, uma outra começava.
O menino se sentiu estranhamente em paz e pensou que aquela
queimadura feia no seu rosto talvez não fosse tão importante assim.
Alguém começou a andar no meio das pessoas. Herói podia ver
uma forma se aproximando dele, parando e conversando com cada
uma daquelas pessoas sofridas. Ele tinha a esperança de que seria o Rei.
Herói forçou os olhos para ver o que vinha na noite. Era...era ⎯ só um
mendigo! O homem estava usando um manto marrom com capuz.
"Herói?" o mendigo perguntou. "Herói? Você não me conhece?
Herói queria dizer: "Você não é nada mais do que um mendigo",
mas algo na voz do homem o fez parar.
"É necessário que você me veja com os olhos do seu irmão", o
mendigo disse. "Você precisa me ver como ele me vê".
O mendigo tirou o capuz e a capa. Herói tentou vê-lo com os olhos
do seu irmão, que tinha avistado o Rei. E aí... ué ⎯ sim, é claro, era o
camponês que tinha vindo até a cabana aquela manhã e foi passear
com Pequena Criança.
"Herói!" disse o camponês. "Consegue fazer isso?" Ele deu um
pulo e ficou com as pernas para o alto e andou pela grama usando as
mãos.
Herói não tinha gasto a tarde toda no campo de treinamento por
nada. Ele colocou as suas mãos acima de sua cabeça e aí jogou o seu
corpo para o chão, as suas mãos firmando os pés no alto. Ele andou
desajeitadamente até ficar cara a cara com o camponês. Eles se
olharam de ponta cabeça.
O camponês então retomou aquela face do jovem. Herói começou
a rir. "Ah!" ele disse, justo na hora em que perdeu o equilíbrio e tombou
no chão. "Você é o jovem...".
De repente, tudo fez sentido. Herói entendeu. Esse era o Rei. Esse
mendigo. Esse camponês. Esse jovem atleta. Esse era o homem que fez
seu irmão rir e o ajudou a falar. Essa era a pessoa que tinha derramado
gozo em seu coração e o ensinou que jogos eram legais.
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O Rei sentou-se na grama, ao lado de Herói. O Soberano estava
caindo na gargalhada. Cuidador também. Herói podia ouvir o seu tinir.
"Este é o Rei", disse o senhor idoso.
"Eu sei", disse Herói. Ele ficou de pé. Deu um pirueta, e plantou as
mãos no chão. Andou desajeitadamente com os pés para o alto,
balançando, envergado, se endireitando.
Aí ele olhou para os homens e disse: "Eu vejo o Rei!"
E realmente ele viu.
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Zacarias 4:6
Então ele me disse: "Esta é a mensagem do Senhor a Zorobabel: 'Não é
pela força, nem com poder que vocês vencerão. Será pelo meu Espírito.
Vocês, embora poucos e fracos, vencerão pelo meu Espírito.’”
Efésios 4: 11-16
E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para
evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os
santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja
edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento
do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da
plenitude de Cristo, para que não sejamos mais crianças, levados de um
lado para o outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo
vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao
erro. Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele
que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, ajustado e unido pelo
auxílio de todas as juntas, cresce e edifica-se a si mesmo em amor, na
medida em que cada parte realiza a sua função.
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Dois Cavalheiros Barulhentos
Havia dois cavaleiros no Grande
Parque que pensavam que eram Atalaias. O povo do
Reino deu a eles os apelidos de Sr. Abobrinha e Sr.
Abobrão e tentavam ser compreensivos; mas o título de cavaleiros já
tinha há muito tempo saído de moda.
Sr. Abobrinha era comprido e fino e só enxergava à distância. Ele
estava sempre tropeçando em raízes e pedras, porque ele não conseguia
ver o perigo que estava perto dele. Sr. Abobrão era redondo e baixo e só
enxergava de perto. Ele estava sempre se metendo numa fria, porque
forçava a vista para ver o perigo à distância dele.
Os dois cavaleiros estavam sempre freqüentando os conselhos dos
Atalaias no Pavilhão dos Atalaias. Ao final de cada encontro, depois que
todas as contas já tivessem sido prestadas e todos os contos já
reportados, o Atalaia Comandante solicitava para a promessa ao Rei.
Ele gritava: "Como vai o mundo?"
E todos respondiam de volta: "O mundo não vai bem! Mas o Reino
vem!" Cada Atalaia ⎯ homem ou mulher ⎯ levantava o seu machado e
proferia: "Ao Reino e ao Rei!" E com isso marchavam saindo do pavilhão
para pegar seus postos de vigia ou fazer as rondas.
Os dois cavaleiros gritavam essas mesmas declarações. Eles
desembainhavam suas espadas dos seus coldres. Eles se ajuntavam em
meio ao tumulto da saída do pavilhão e levavam seus cavalos a uma
grande rocha. Abobrinha, resmungando e rosnando, empurrava o
pesado Abobrão por sua vez para cima da sua sela. E, logo depois,
Abobrão, por sua vez, puxaria o desajeitado Abobrinha para sua sela.
Freqüentemente um deixava cair uma espada ou bandeira.
"Ô! Ô!" eles gritavam. "Você aí! Você se importaria de pegar a
minha espada (ou bandeira)?"
Se ninguém parecia estar por perto, eles gritavam ainda mais
forte. Quando ninguém aparecia, um dos cavaleiros teria que
desmontar, e daí repetir todo o processo para montar tudo de novo.
Até os dois ficarem finalmente prontos, em cima dos seus cavalos,
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todos os Atalaias já teriam ido embora, as luzes do pavilhão já teriam
sido apagadas; mas, mesmo assim, Abobrão gritava: "Em frente!
Seguimos sob a autoridade do Rei!"
Mas, como era de se esperar, eles nunca pareciam encontrar o
serviço que procuravam, porque o perigo sempre já tinha se encerrado,
quando eles finalmente chegavam à cena.
"O que vale é a tentativa", Sr. Abobrinha lembrou o Sr. Abobrão
um dia, quando os dois estavam se sentindo um pouco deprimidos. Eles
inventaram uma música para os animar.
Um Atalaia é um Atalaia é um Atalaia
Ele protege o parque de qualquer tipo de gandaia
Seu grito faz todos tremerem
Seu brado faz todos estremecerem
E olha só o que aconteceu, exatamente nesta tarde: eles se
defrontaram com o inimigo. Bem, eles pensavam que fosse o inimigo.
"Pare! Quem se aproxima?" gritou Sr. Abobrão. Seus olhos fracos
não conseguiram identificar o homem correndo apressadamente pela
trilha, mas ele pensou que podia pelo menos enxergar que a figura
estava carregando uma arma. "Pare?" questionou o homem. "Ué, sou
eu. O Padeiro". O padeiro Chefe estava vindo da cozinha
apressadamente com três pães fresquinhos que saíram do forno
naquele momento, e ele ainda os estava equilibrando sobre sua
espátula de madeira.Os dois cavaleiros pensaram que ele tivesse dito,
"Pauleiro". Pauleiros eram homens do Encantador, armados com paus,
que se escondiam no mato, pelo Parque, prontos para darem pauladas
em qualquer um que estivesse descuidado. Todos em Grande Parque
ficavam agradecidos, quando Atalaias pegassem esses espiões; então,
os cavaleiros tinham visões de glória.
"Vamos te ensinar algumas lições!" gritou Abobrinha e dirigiu seu
cavalo até uma ponta da trilha. Abobrão foi tropeçando até a outra
ponta e deu meia volta, colocando assim o Padeiro Chefe no meio dos
dois.
Os dois cavaleiros colocaram em posição os seus visores. Os dois
firmaram suas varas de combate. Os dois cavalos davam patadas no
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chão e fungaram.
"Avançar!" gritou Abobrão. "Vamos em frente!"
Os dois cavaleiros colocaram na pontaria o pequeno padeiro, que
estava carregando com muito cuidado os seus três pães na sua espátula
grande de madeira. Entre a miopia de um e o astigmatismo do outro,
eles erraram completamente o alvo do adversário e com estilo
derrubaram um ao outro das suas selas.
O Padeiro Chefe saiu ileso, mas os seus pães frescos foram pisados
na terra.
"Agora eu v ou ensinar a vocês algumas lições!" ele gritou, e deu
umas pancadas e uns golpes nas suas cabeças com a sua espátula de
madeira. Quando foi embora, as armaduras dos dois estavam cheias de
entalhos e dentes. Mas Abobrinha e Abobrão sabiam que não deveriam
comentar essa aventura infeliz.
Algumas semanas depois, no Dia das Nomeações ⎯ quando
méritos e medalhas eram dados em reconhecimento para vários
Atalaias ⎯ os dois cavaleiros chegaram um pouco atrasados para o
evento no pavilhão. Eles tinham ficado tão entusiasmados ao ajudarem
um ao outro com a armadura que ela tinha ficado enroscadas uma na
outra. Até eles se desenroscarem e saírem às presas, eles chegaram ao
pavilhão quando já estava tudo escuro. Mesmo assim, queriam dar uma
olhadinha.
Estava tudo muito quieto, mais quieto do que qualquer outra vez
que eles já tinham ouvido. Alguém estava sentado na frente do
pavilhão, na plataforma. Era o Atalaia Comandante.
Quando os dois cavaleiros entraram, o Comandante levantou-se
da sua cadeira. "Sr. Abobrinha e Sr. Abobrão, estive esperando por
vocês. Uma reclamação foi feita contra os senhores pelo Padeiro Chefe,
entre outros. Vocês estão sendo acusados de desfilarem como sendo
Atalaias. Venham à frente!"
Os dois cavaleiros andaram até a frente. Clangue! Clongue! As suas
armaduras chiavam ao marcharem até a plataforma. Os dois estavam
vestidos com grandes penas enfiadas em seus capacetes, as quais eles
tinham dado um ao outro para honrar suas condutas de heroísmo e
bravura.
"Vocês já receberam qualquer tipo de cicatriz ou ferida por ajudar
outros?" O Atalaia Comandante perguntou, muito calmamente.
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Abobrinha começou a falar da vez em que Abobrão ficou preso na sua
armadura enferrujada e ele o tinha socorrido, mas pensou melhor e
cortou o que iria falar. Eles balançaram a cabeça que não. Os seus
capacetes chacoalharam.
"Vocês já lutaram contra fogo na floresta?" Mesmo que o
Comandante não estivesse gritando, a sua voz ecoou no quarto vazio.
Eles, de novo, balançaram as suas cabeças. Sr. Abobrão perdeu o
equilíbrio, tropeçou na sua própria bandeira e teve que dar alguns
passos.
"Vocês já protegeram Grande Parque dos seus inimigos?"
Sr. Abobrinha gaguejou, "N-n-n-nunca, S-s-senhor", Ele nem
queria lembrar-se do problema que tiveram com o Padeiro Chefe.
Mas, era como se ele tivesse lido a mente do cavaleiro, e o Atalaia
Comandante apontou o incidente, ele mesmo. "Vocês lutaram contra o
Padeiro Chefe, pensando que ele fosse um Pauleiro, mas vocês fizeram
isso para buscar glória para vocês mesmos e não para proteger Grande
Parque. Vocês queriam ser homenageados como Atalaias, mas sem
adquirirem as habilidades de luta, a coragem ou sem se equiparem".
Sr. Abobrão conseguiu recuperar seu equilíbrio. Ele disse: "Senhor,
somos muito bons em gritos de Atalaia. Temos composto músicas de
batalha".
Os dois cavaleiros ficaram bem retos. Jogaram suas cabeças para
trás. Suas penas balançaram e uma caiu até o chão. Eles gritaram:
"Em frente pela Causa!" soltaram um berro.
"Avançar!" bradaram.
"Como vai o mundo?"
Começaram a cantar: "Um Atalaia é um Atalaia é um Atalaia..." Mas
o Comandante estava tão quieto, e o pavilhão tão parado, que a música
logo desapareceu.
Os olhos do seu líder estavam como faíscas. "Vocês não sabem",
ele perguntou sussurrando. (Era o sussurro mais alto que eles já tinham
ouvido, e ecoou pelo pavilhão): "sabem-sabem-sabem-sabem" .
“Vocês não sabem que o Reino não é barulho e sim poder?"
"Poder-poder-poder-poder". Este eco passou com mais força pelo
hall.
O Atalaia Comandante plantou seus pés firmemente na plataforma.
Ele levantou seus braços num gesto rápido. "Assim!" gritou o Atalaia
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Comandante. Um vento começou soprar. Woo-ooo-ooo-oosh! Os
cavaleiros se abraçaram para não serem levados pelo vento.
"E assim!" disse o Atalaia Comandante de novo. Luz encheu seu
corpo e brilhou como uma tocha pelo salão escuro.
"E assim!"
Kaboom! Um relâmpago estourou. Deu uma trovoada. Momentos
depois veio chuva. O vento levantou o pavilhão das suas fundações.
Começou a girar e girar em direção das nuvens. Os dois cavaleiros se
debateram nas paredes, mas o homem na plataforma ficou em pé
parado, resplandecente, seus braços erguidos, seus pés firmes, e seus
olhos brilhantes como as estrelas.
Finalmente, o vento acalmou-se e assentou o pavilhão de novo na
terra. A chuva parou. Não houve mais relâmpago. O trovão cessou. Tudo
estava quieto e o salão ficou complemente escuro de novo.
Deste silêncio veio a voz do Atalaia Comandante: "De hoje em
diante, não tomem para si mesmos nomes que vocês não merecem.
Vocês não são Atalaias. Vocês não defendem o Reino e nem protegem os
desamparados, nem lutam contra o inimigo. Não confundam as proezas
de outras pessoas como sendo as suas. Não pensem que palavras são
coragem. Podem achar os seus lugares no Reino, mas não finjam ser o
que não são".
Tudo estava quieto de novo. O único som era o dos passos do
Atalaia Comandante saindo do hall. Os dois cavaleiros ficaram lá, no
silêncio, um bom tempo. Era a primeira vez que tomavam
conhecimento do poder do silêncio.
Abobrinha e Abobrão nunca mais disseram que eram Atalaias ⎯
tão pouco pensaram que eram. Nunca mais foram a caçadas ou rondas
e nem ficavam dando o grito dos Atalaias.
Ao invés, eles decidiram viver perto do Portal de Pedras e conduzir
passeios de boas-vindas para os recém-chegados ao Grande Parque.
Eles deixavam crianças pequenas andarem nos seus cavalos e as
faziam rir e contavam histórias das bravuras dos Atalaias. E se
contentaram com seus lugares apropriados no Reino.
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Mateus 18:7-9
Ai do mundo, por causa das coisas que fazem tropeçar! É inevitável que
tais coisas aconteçam, mas ai daquele por meio de quem elas
acontecem! Se a sua mão ou o seu pé o fizerem tropeçar, corte-os e
jogue-os fora. É melhor entrar na vida mutilado ou aleijado do que,
tendo as duas mãos ou os dois pés, ser laçado no fogo eterno. E se o seu
olho o fizer tropeçar, arranque-o e jogue-o fora. É melhor entrar na vida
com um só olho do que, tendo os dois olhos, ser lançado no fogo do
inferno.
Hebreus 3:12-13
Cuidado, irmãos, para que nenhum de vocês tenha um coração
perverso e incrédulo, que se afaste do Deus vivo. Pelo contrário,
encorajem uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama
"hoje", de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do
pecado.
Tiago 1:14-16
Cada um, porém, é tentado pela própria cobiça, quando por esta é
arrastado e seduzido. Então a cobiça, tendo engravidado, dá à luz o
pecado; e o pecado, após ter-se consumado, gera a morte. Meus
amados irmãos, não se deixem enganar.
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Era uma vez, quando a grama alta crescia ao redor do Lago Marmo. Cada
primavera dragões fêmeas vinham do céu, abriam ninhos nas canas,
botavam ninhadas de ovos e as enterravam na areia. E uma vez concluída
a sua tarefa, os grandes répteis voavam de volta de onde vieram.
Dragões no céu é o primeiro sinal de primavera em Grande Parque.
As crianças vêm, com cestas na mão, ansiosas por fazerem caças de
ovos de dragões. Elas guardam as suas meias de inverno e acham muito
legal irem descalças na areia que rodeia o lago. As crianças apostam
corridas, rindo e respirando forte, para verem quem consegue achar um
ninho de ovos de dragão primeiro. Elas gritam e fazem a festa quando
acham o tesouro.
"Ovos de dragão!" elas gritam. Logo esse grito—"Ovos de
dragão!"—ecoa de um lado do lago para o outro.
As crianças sabiam que era proibido ficar com os ovos de
dragão...porque um ovo de dragão logo se choca e chega ao tamanho
adulto em seis meses. As escamas do dragão nenê ficam duras. Ele
começa a lançar fogo. De início, só jatos curtos de ar quente e mais
tarde tochas fumegantes. O dragão se torna astuto e não é confiável.
Por estas razões, há uma placa nas margens do Lago Marmo que diz: É
Proibido Guardar Ovos de Dragão.
Os dois ovos que a Princesa Amanda achou um dia, vários meses
depois da chegada de Herói, eram de bronze. Brilhavam como jóias
âmbar à luz do sol. Talvez a intenção dela fosse de levá-los até
Cuidador. Talvez pensasse que os ovos estavam velhos e estragados por
dentro. Talvez ela tenha se esquecido. Mas ela não os levou até a
cabana de Cuidador.
Ao invés, ela escondeu os ovos. Ela os escondeu no Meu
Lugarzinho, sua cova no oco de uma grande árvore na beira de Campo
Relvoso, que era tão distante do Portal de Pedras que poucas pessoas
chegavam até lá. Era tão calmo lá que Cuidador visitava essa área
88
poucas vezes ao ano.
O sol da primavera chegou até o chão da cova de Amanda
aquecendo o seu esconderijo. Logo, um ovo chacoalhou quando a
princesa pegava nele para o inspecionar. Obviamente não havia vida
neste ovo. Mas o outro começou a se rachar. Daí algumas horas, um
filhotinho de dragão usou o seu bico para se livrar da casca do ovo. O
filhotinho grasnou pedindo comida. Seu pescoço estava ainda fraco e
balançava na tentativa de manter a cabeça no alto . Seus pés se
esforçaram para dar passos equilibrando sua cabeça enorme. Ele
acabou batendo o nariz no lado da árvore. Amanda riu.
"Eu preciso levar você para Cuidador", ela pensou em voz alta.
"Ele saberá o que fazer com um filhote de dragão inesperado".
A pequena fera virou seu olho marrom para ela e uma grande
lágrima pingou no seu peito. Amanda começou a amar o nenê dragão.
Mesmo sabendo que era proibido, ela ficou com o filhote como um
animal de estimação. Só por um pouco de tempo, ela pensou. Talvez eu
consiga domesticá-lo
A princesa deu insetos e raízes para o nenê de hora em hora para
mantê-lo vivo. E, por causa desse nutrir dado ao filhote, ela o amava
mais ainda. Logo a pele do filhote ficou coberta de escamas macias que
ao sol cintilavam a cor bronze.
Aquele verão se ocupou com jogos de filhote de dragão. A pequena
fera e Amanda apostavam corridas com as borboletas. Linhas de asas
brilhantes e uma princesa suada e um dragão, cada dia crescendo mais,
corriam por Campo Relvoso. Outros dias Amanda e o animal pulavam
pelas margaridas, para ver quem conseguia dar o pulo mais comprido.
Não demorou muito para o filhote ganhar toda vez.
Algumas vezes Amanda arremessava sua bola o mais alto possível,
e o filhote pulava, quase na altura das árvores, e fisgava a bola nos seus
dentes.
"Eu tenho mira perfeita. Ele tem o talento de pegar perfeito.
Devemos ser a dupla perfeita", ela cantou brincando no sol.
Ao chegar no meio do verão, o filhote era grande o suficiente para
Amanda se espremer entre os cravos que cresciam nas costas do
dragão. Juntos eles voavam acima da grama, se desviando dos galhos e
folhas das velhas árvores que cercavam o campo aberto. O filhote
soltou um grito jubilante: “Criii!” e Amanda riu com alegria.
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Para cima e para baixo eles voaram. Até acima das árvores e até
em baixo, nas flores do campo. Amanda segurou como pôde, enquanto
o filhote de dragão voava, batendo as suas asas.
Amanda logo descobriu que seu animal de estimação não gostava
de ser deixado sozinho. Ele gritava sem dó, quando ela saía para
praticar a sua pontaria no campo de treinamento; então, ela começou a
praticar menos e menos. O filhote especialmente tinha uma aversão por
ser deixado à noite. Sendo que a princesa nem poderia pensar em
trazê-lo para o Círculo Íntimo—e até temia a sua morte, caso fosse
descoberto — ela começou a se distanciar das Grandes Celebrações.
Uma noite ela entrou meio agachada na sua cova, ao lado da fera,
e esta lambeu seu rosto e suas mãos. Com gratidão, esticou-se ao lado
dela, respirando fundo por ter ficado. Ela podia ouvir música à
distância, vindo da Floresta Profunda, e sentiu saudades dos seu
amigos. Criar um filhote apresentava mais exigências do que ela tinha
imaginado. Amanda ficou com raiva da lei que a impedia de
compartilhar seu animal de estimação com os outros. Que dano pode
fazer um pequeno dragão, ela pensou.
Aquela mesma noite ela notou uma luz amarela vislumbrando nos
olhos da fera, quando olhava para ela. Quando lambia seu rosto, ela
podia sentir que o seu ar era quente e seco.
Depois disso, ao voltar de passeios curtos à procura de comida,
Amanda achava as paredes da sua cova chamuscada. O oco estava se
tornando mais preto. Cheirava a carvão. O dragão sempre estava feliz
em vê-la, mas ela tinha o cuidado de não ficar diretamente em frente do
seu nariz e boca.
Mais e mais ela teve de tomar cuidado com seu rabo. Um rabo de
dragão adulto é mortal. Um tapa com o rabo poderia mover pedras ou
derrubar árvores ou aleijar um homem. Ou matar uma princesa.
Uma vez, quando ela queria pular nas costas do dragão para fazer
um passeio, ele deu um salto sem ela. "Criii-i-o! Criii-i-o!" O seu grito
tornou-se um desafio ao lançar uma labareda de fogo em sua direção.
Pela primeira vez, ele tinha ido diretamente contra a vontade dela.
Cada semana que passava, Amanda ria menos e menos.
Um dia, depois de apostar uma corrida com o dragão pela floresta,
ela o deixou tirando uma soneca em um clareira ensolarada e retornou
para a sua árvore oca, justo na hora em que Cuidador estava saindo,
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costas primeiro. A pequena árvore em cima do seu chapéu saiu do
buraco como uma cortiça sai de uma garrafa.
"O que aconteceu com as paredes do Meu Lugarzinho?" ele
perguntou. "Amanda, você não tem brincado com fogo, tem?"
"Ah! tá assim um tempão”, ela mentiu. "Eu não sei o que causou
isso. Talvez Queimadores estiveram aqui no inverno passado".
Amanda quis que Cuidador parasse de usar esse chapéu ridículo
que era uma árvore. Como que ela poderia ter achado aquilo tão
maravilhoso!
Cuidador ficou olhando para a terra em frente da cova. Ele colocou
seu pé em certos lugares. "Tem visto dragões por aqui?" ele perguntou
calmamente.
"Dragões?" respondeu Amanda rapidamente. "Recentemente
não... a época de dragões já se encerrou".
Cuidador não disse uma palavra, mas começou a sair pela trilha na
Floresta. Seu velho bobo, pensou Amanda. Foi neste momento que ele
parou e virou-se e olhou para ela tristemente.
"Se você, em qualquer momento, precisar da minha ajuda
Amanda, é só pedir." Cuidador olhou bem nos olhos da Amanda por
alguns longos minutos e aí deu meia volta e se foi caminho abaixo.
No dia seguinte, ela escondeu o dragão numa outra parte da
floresta. Quando ela voltou, esta vez era a Misericórdia que estava
sentada no lado de fora da sua cova. Ela é a mulher mais feia que eu já vi,
pensou Amanda, meio surpresa. Não queria conversar com ela. Por que
eles não me deixam em paz?
"Amanda!" Misericórdia chamou com um sorriso triste. "Eu te vi
chegando, antes de ouvi-la. O que tem acontecido com o seu riso?"
Amanda não sabia como responder. Ela tinha mudado? Tudo
parecia estar diferente agora. Será que ela estava perdendo o dom de
ver? Ou será que ela estava vendo as coisas agora como realmente são?
Talvez a Grande Celebração fosse apenas um monte de tolice?
Naquela mesma noite, Amanda percebeu que as escamas do
dragão, dormindo ao seu lado, eram muito duras. Ela sabia que seu
corpo grande estava deixando Meu Lugarzinho apertado e que dragões
crescidos não era piada.
Esta seria a última noite que ela iria deixar o dragão retornar do
seu esconderijo e dormir com ela na sua cova. Na manhã seguinte, ela
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levou o dragão bem no meio da Floresta Profunda e mandou ele ficar lá.
Secretamente ela teve a esperança de que o dragão iria sair voando. Ele
tinha ficado muito grande e Princesa Amanda estava com medo. De
alguma maneira ela precisava livrar-se do dragão. O perigo estava
próximo. Ela podia sentir isso.
Numa manhã, alguns dias depois, ela acordou mais cedo. Com os
seus olhos ainda fechados, ela desfrutou do conforto de ter lugar o
suficiente para se esticar. Era um dia crespo de outono. Ela pôde cheirar
o ar crespo e seco. E ela pôde respirar fundo e cheirar...fogo! Amanda
deu um pulo e ficou em pé. Folhas secas estavam empilhadas em frente
à sua porta. Estavam queimandos. Amanda correu para fora, pisando e
espalhando as folhas. Seus pés descalços foram queimados.
Levantando a cabeça, ela percebeu que um toco velho estava
enfumaçando, ao lado da trilha. Fumaça estava saindo do arbusto, ao
lado da floresta.
Amanda conseguiu ver algo grande e cor de bronze mexer-se entre
as árvores. Ela correu para dentro para calçar seus tênis e saiu de novo
às pressas.
"Espere! Espere!" ela gritou. Ela começou a correr ao longo da
trilha. "Espere por mim!" Ela estava apavorada de que a grama seca
pegasse fogo por causa do dragão respirando. Na sua mente ela viu a
floresta inteira queimando, as criaturas correndo e ..ai, que terrível!
Fogo em Grande Parque! Fogo por causa dela!
De repente, ela sabia: Grande dano podia vir de um pequeno
dragão domesticado; coisas pequenas e domesticadas tornam-se feras
grandes e ferozes.
E agora, onde estaria Cuidador? Onde? Por que ela não levou o
filhote para ele, logo no início? Por que ela mentiu?
A fera, finalmente, a ouviu chamar. Saiu das árvores para o campo
e a encarou. Amanda engoliu seco. Tinha crescido mais ainda, e ela não
tinha notado o quanto crescera.
A fera enorme estava à sua espera. Seu rabo comprido rastejou-se
no chão e a ponta do rabo mexeu-se como um chicote. As garras de uma
pata se encravaram no solo debaixo delas, e se abriram de novo,
fazendo flexões. Secreção espumosa escorria pelos dentes até seu
queixo. Luz amarela estava dentro dos seus olhos. O dragão tornou-se
astuto. Por que ela não tinha visto isso?
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Amanda tentou se fazer o tão grande quanto possível. Ela ignorou
a dor das queimaduras nos seus pés. "Dragão", ela anunciou em seu
tom mais majestoso possível, "você precisa ir. Você é muito grande para
a minha cova. Dragões crescidos não são permitidos em Grande Parque.
Seu sopro está muito quente. Vá embora!"
O dragão olhou para ela com malícia. Ele curvou as costas, como
gato a espreita, e chegou mais e mais perto dela. Finalmente, a fera
enorme estava próxima. Usou o rabo para dar uma rasteira. Amanda
pulou para evitar a ponta do rabo. O dragão puxou mais rápido o grande
rabo dentado. Ela pulou de novo. Ele levantou a cabeça e lançou uma
tocha de fogo na grama, atrás dela. Ela pôde ouvir a vegetação
estalando por causa do calor. Ela sentiu que começou a queimar. Ela
virou para pisar no pequeno fogo que tinha começado. O Dragão
espirrou mais uma labareda. Mais fogo.
Seu coração se encheu de terror. Uma pequena princesa não
consegue apagar todos os incêndios que um grande dragão começa!
O dragão lançou outra labareda. As chamas lamberam sua roupa,
seu cabelo. Ela usou suas mãos para se proteger e por fim teve que rolar
no chão. Ela viu a grande fera avançando, pouco a pouco, a ponta do
rabo posicionado para chicotear e seus olhos ainda mais amarelados.
Amanda se retraiu. Ela sabia que era inútil correr. O dragão sempre
ganhava as corridas.
"Socorro!" ela gritou. "Cuidador! Cuidador! Eu sou pequena
demais para esse dragão terrível. Me ajude!"
De repente, sem ela saber como, Cuidador estava em pé ao lado
dela. É provável que ele tenha vindo correndo desde o momento em
que as chamas começaram.
"Mate-o! Mate-o!" gritou Amanda. A fera enorme começou a se
preparar para dar um bote. Levantou-se e se equilibrou nas duas patas
traseiras e rugiu. Labaredas voadoras encheram o ar.
"Não, Amanda", disse o velho homem, "eu não posso matar o
dragão. Somente aquele que ama algo proibido pode fazer este
trabalho. Você sempre me odiará se eu o fizer. Só você pode matar o
dragão!"
Cuidador puxou da sua cinta de prata o seu machado de lenhador.
Ele o segurou reto em frente dele e levantou seus olhos ao céu. "Em
nome do Rei, Amanda. Pela Restauração...Você precisa assassinar o
93
dragão!"
Cuidador jogou o machado que voou bem alto, e desceu dando
cambalhotas para baixo, ponta sobre ponta. O som começou; ouviu-se a
música que a princesa sempre tinha amado. O machado caiu perto dos
seus pés, a lâmina enfiando-se firmemente no solo. Amanda se esticou e
agarrou o cabo de madeira. Ela sentiu o poder do machado ao
arrancá-lo.
Com isso tudo, Amanda se achou no centro do Campo Relvoso, e
Cuidador tinha se retirado do círculo de combate mortal. Pequenas
fogueiras queimaram aqui e ali na grama. Era necessário que a princesa
fizesse isso rapidamente. Ela teria somente uma chance.
Subitamente, Amanda teve um pensamento horroroso. Seu riso se
foi. Sua visão desapareceu. E se o seu dom de mira perfeita também
tivesse sumido?!
O dragão estava muito perto. Ela ficou de olho no seu rabo. Ela
sabia que, mesmo tendo sido ela quem o manteve vivo, ele agora queria
rasgá-la e devorá-la. O rabo se mexeu. Amanda deu um pulo para
evitá-lo. Vinha de novo em sua direção. Desta vez, Amanda estava
pronta. Ela acertou o rabo enorme com seu machado. Aí! Um pedaço
longo tremia no chão, esguichando sangue verde de dragão.
Talvez haja esperança, pensou Amanda. Realmente foi mira certa.
O dragão soltou um berro: "Cri-i-i-i! Cri-i-i-i-i! ⎯ não tanto de dor como
de raiva. Ele se armou nas patas traseiras, abriu sua boca, e soltou uma
labareda de chamas que pegou Amanda por inteiro no rosto. Ela sentiu
chamas quentes consumindo seu cabelo, sua roupa.
"Agora Amanda!" gritou Cuidador. "Agora ou nunca!"
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Ela mirou com cuidado, levantou o machado, avistou as escamas
esbranquiçadas no peito do dragão, que era o único ponto vulnerável
dele. "Ao Rei!” Ela gritou. "À Restauração!" Força encheu seu braço. Ela
deixou o machado voar. Naquele mesmo momento, a fera avançou de
novo. Pegou a perna da Amanda com o que restava do seu rabo
sangrento. Ela foi derrubada até ao chão.
Mas a sua mira foi verdadeira. O machado do Cuidador acertou seu
alvo e o grande dragão veio despencando sobre a pequena menina.
Meleca verde esparramou-se por todo Campo Relvoso e cobriu a
95
princesa.
Estou morrendo, ela pensou. Vou sufocar debaixo deste corpo
pesado do dragão.
Amanda sentiu a mão do Cuidador pegar no seu braço. Com
cuidado, e vagarosamente, o velho homem levantou o lado do grande
casco do dragão, o tanto necessário para que Amanda pudesse rastejar
até a liberdade.
Foi então que Cuidador aninhou a criança em seus braços, no meio
do Campo Relvoso, e chorou. O cabelo e sobrancelhas dela estavam
crestados. Sua roupa estava preta. Seu rosto e pés cheios de bolhas e
fuligem. Ela estava coberta de sangue de dragão. Parecia uma
indigente.
Mas a Princesa Amanda venceu a batalha. Ela destruiu o dragão
que amava.
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1Coríntios 12:26
Quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele; quando um
membro é honrado, todos os outros se alegram com ele.
Mateus 16:16-18
Simão Pedro respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo".
Respondeu Jesus: "Bem-aventurado é você, Simão, filho de Jonas! Pois
isto não lhe foi revelado por carne nem sangue, mas por meu Pai que
está nos céus. E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la.
Efésios 3:10-12
A intenção dessa graça era que agora, mediante a igreja, a multiforme
sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autoridades nas
regiões celestiais, de acordo com o seu eterno plano que ele realizou em
Cristo Jesus, nosso Senhor, por intermédio de quem temos livre acesso
a Deus em confiança, pela fé nele.
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Fogo na Floresta
E agora, mal levantou sua cabeça ao som do caos. Enquanto
fumaça ascendia sobre Grande Parque, figuras escuras vindas
da Cidade Encantada começaram a avançar. . .
Cuidador veio correndo até a cabana da Misericórdia, com
Amanda nos seus braços. Ele deitou a criança numa cama. Misericórdia
olhou para ela, atônita. "O que aconteceu?" ela perguntou.
"Fogo", respondeu o velho homem e o olhar que ele deu à sua
esposa disse tudo: por causa da desobediência da Amanda, Grande
Parque agora estava vulnerável ao perigo.
Croie-e-e-e-e-e! Croie! Croie! A
s trombetas dos Atalaias estavam
dando o alarme insistentemente. Fogo! Perigo!
"Faça o que puder para ela, mas rapidamente!" ordenou Cuidador,
se apressando até a porta. "Depois, venha ao Círculo Íntimo. Os homens
do Encantador estão assolando o portão. Precisaremos de você
logo-logo".
Imediatamente, Misericórdia foi até a lareira, onde ela
rapidamente misturou algumas ervas medicinais numa bacia. "Herói",
ela chamou, "eu vou precisar da sua ajuda. Molhe estes panos limpos
nesta bacia. Depois, cubra as queimaduras dela . . . assim.
Misericórdia cortou fora a roupa que estava queimada, da
Amanda, e a cobriu com um cobertor. Herói observou, enquanto a
senhora idosa cuidadosamente colocou gazes em todos os lugares onde
a pele estava vermelha por causa das queimaduras. Também pegou um
copo, e com muito jeito o encheu de solução da jarra de cura e a
derramou na boca de Amanda.
Croi-e-e-e-e-e-e! Soaram as trombetas, com urgência.
"Eu preciso ir", disse Misericórdia a Herói. "Perigo tem avançado
pelos portões". A velha senhora deu uma parada ao sair da porta. "Se
você se sentir ameaçado, não fique com medo. Declare os gritos dos
Atalaias para se fortificar: 'Ao Reino! Ao Rei!'".
Aí ela sumiu.
Herói ficou olhando a menina ferida, tão quieta na cama. O que
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tinha acontecido? Deu medo só de olhar sua pele cheia de bolhas e seus
olhos completamente inchados. Nem parecia que ela estava respirando.
Sons frenéticos, vindo de fora, interromperam o silêncio na
cabana. Todas as pessoas capazes em Grande Parque estavam se
apressando na direção do Círculo Íntimo, onde as chamas sagradas
estavam sendo acesas. Herói ouviu gritos de Atalaias e toques de
trombetas de alerta, incessantes. E, de muito longe, ele ouviu o bater
baixo e fúnebre dos tambores da morte vindo da Cidade Encantada.
Seus ouvidos pegaram um outro som também: não-nunca-nada,
não-nunca-nada, não-nunca-nada.
Era o canto de batalha dos Negadores, que tinham o poder de
congelar as mentes das pessoas através da repetição de
impossibilidades em seus corações. Herói sabia que Queimadores,
espalhando fogos de destruição com seus atiçadores abrasadores e
Pauleiros, levando cacetes para socar até a morte qualquer um que lhes
resistisse, estariam avançando por detrás do exército de Negadores.
O coração de Herói se desesperou. O rapaz olhou para a jovem na
cama. Ele sabia que ela estava morrendo. Amanda, Amanda, ele gemeu
de lá de dentro dele, quando todas aquelas lembranças da pequena
princesa vieram despencando sobre ele: Amanda sentada em cima de
um toco de árvore na floresta, com flores entre seus dedos do pé;
Amanda lançando o machado de Cuidador com mira perfeita para
defendê-lo contra o Atalaia Incrédulo; Amanda dando suas gargalhadas.
Herói se ajoelhou ao lado da cama, seus olhos cheios de lágrimas.
Foi então que ele se lembrou das últimas instruções de Misericórdia.
"Ao Rei", ele sussurrou, engasgando nas palavras. "Ao Reino!" Seu
coração estava pesado, mas ele continuou a repetir as palavras. Com
isso um poder parecia enchê-lo, uma força semelhante à de ira. Ele ficou
de pé e gritou de pulmões cheios: "Ao Reino! Ao Rei!"
Será que o quarto se contra-balanceou? Ou será que Herói se
deixou levar por suas emoções? Amanda de repente se mexeu na cama,
e Herói notou que não estava mais ouvindo os Negadores a cantar
repetidamente os seus gritos.
A menina gemeu por debaixo dos cobertores. Suas sombrancelhas
se esforçaram para abrir seus olhos. "Cuidador? Fogo!"
Herói se ajoelhou ao lado dela novamente. "Ele já se foi, Amanda.
Ele e Misericórdia e todos em Grande Parque estão se apressando até o
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Círculo Íntimo".
A menina ficou sentada, desfaleceu, e tentou levantar-se
novamente. Herói tentou impedi-la de se levantar, mas ela estava
desesperada. "Deixe-me ir!" ela gritou. "Precisamos sair daqui! Todos
estamos em perigo!"
Freneticamente Herói começou a revirar as coisas em busca
daquela mistura de cura. Onde será que Misericórdia colocou aquela
jarra? M
as ele parou, ao ouvir alguém entrar na cabana. Ao olhar em
direção a porta, Herói avistou uma figura escura na entrada. Era
encurvada e escondida, por baixo de um manto escuro, mas Herói
conseguia ver o rosto esbranquiçado, com olhos penetrantes e um
sorriso arrepiante. O intruso segurava um cassetete feio e rude e cheio
de nós.
Ele se arrastava vagarosamente, mas com determinação, em
direção ao canto onde Amanda estava descansando.
Herói queria se jogar na frente desta forma terrível, mas ele estava
tão congelado no momento, que parecia se mover sobre pés aleijados.
O Pauleiro levantou o seu porrete sobre sua cabeça. Amanda se
retorceu. E aí, de lugar nenhum, Herói ouviu um grito. O pisar de pés
apressados e o som de um machado voador encheram o quarto. Foi
então que um homem vestido de azul e o Pauleiro fantasmagórico
engajaram-se em uma batalha feroz, que fez cadeiras e mesas se
despedaçarem e terminou com o Pauleiro sendo atirado pela porta
afora, na tarde fumacenta.
Um Atalaia ficou em pé no meio da cabana, arrumando mesas e
cadeiras. Ele dirigiu um olhar sério, mas com sorriso, para Herói e
Amanda que estavam tomados de terror. "Um a zero para Grande
Parque!" ele disse ao arremessar o cassetete, que foi abandonado pelo
seu dono, na lareira.
"Como? ..." Herói perguntou.
O Atalaia gentilmente, e com cuidado, empacotou Amanda num
cobertor. "Minhas ordens foram para vir e pegar vocês dois", ele
respondeu. "Eu o vi entrando de mansinho. Estão sempre tentando tirar
vantagem, criaturas malditas! Agora, o Parque está cheio deles". Ele
ergueu a menina nos seus braços e deu um sinal com a cabeça a Herói.
"Pegue algo para ela vestir, que não seja apertado. Depressa!"
O Atalaia saiu rapidamente da cabana, mas Herói hesitou por um
100
momento, seu coração batendo disparado, só em pensar que teria de
passar pelo Grande Parque com fogo em certos lugares. Algo como uma
oração não solicitada, ou como um velho hino que se lembra por partes,
surgiu de dentro dele. Ao Rei...ao Rei...
Em um só movimento o menino saiu atrás do Atalaia, se expondo à
tarde quente e estranha. Um forte cheiro de fumaça engasgava o ar. O
céu acima estava fervendo com nuvens terríveis de tom cinza e amarelo.
Algo como uma sombra pegou a atenção de Herói pelo canto dos seus
olhos. Uma forma escura correu de mansinho para trás de uma árvore, e
logo em seguida outra a seguiu.
Quando finalmente chegaram até o Círculo Íntimo, as Chamas
Sagradas já estavam radiantes de poder. Atalaias, dentro do círculo,
estavam dando ordens para todos os súditos se organizarem por
unidades de ataque, de combate ao incêndio, protetores, e
carregadores de chama.
Herói não iria passar pelas chamas com o Atalaia que carregava
Amanda, e até a menina se estremeceu e pediu para ficar no lado de
fora do Círculo Sagrado. O rapaz e a moça ficaram lá observando o
Atalaia Comandante do outro lado do fogo.
O emblema de prata brilhava no seu ombro e na sua fivela.
Misericórdia, agora uma mulher-de-guerra forte, trabalhava ao seu lado.
Ela passava para alguns as tochas a serem acesas, a outros, mapas, e
ainda baldes para outros.
O Rei estava de pé no meio disso tudo, seus ombros mais alto do
que a maioria. Sua face estava séria, e seus olhos radiavam de
indignação. Ele, também, estava usando o manto de Atalaia, mas em
suas mãos segurava o cetro de prata, que brilhava com chamas de fogo.
De repente, o Rei ergueu bem o queixo e assobiou. Logo em
seguida, o Atalaia Comandante e sua esposa, Misericórdia, repetiram o
chamado. Num instante, grandes alces, corças e veados saíram da
floresta, como se estivessem esperando pelo chamado. Galhos e galhos
de chifres refletiam a luz do círculo de chamas.
De uma vez, o Rei, o Atalaia Comandante e Misericórdia, saíram de
dentro das Chamas Sagradas, e cada um pulou em cima das costas de
um forte alce. Muitos, de dentro do Círculo, seguiram, até que uma
grande multidão de homens e mulheres estavam montados em cima
dos grandes animais.
101
Naquele momento um veado novo, sem alguém nele, cutucou
Herói. "Deixe-me ajudá-la a montar. Vamos com eles".
O Rei se endireitou por cima da cernelha do alce em que estava
montado e deu um sinal à tropa atrás dele. Centenas de pessoas
montadas prosseguiram para dentro da Floresta Profunda.
Primeiramente, as linhas se mexeram em passo lento, mas logo
começaram a cavalgar, e por fim a galopar, traçando seu caminho pelas
trilhas já abertas pelos veados. Herói podia ouvir os gemidos baixos de
dor da Amanda, ao tentar se estabilizar sobre o animal.
Logo as montadoras foram formando um grande arco, e as
chamas das suas tochas se espalharam pelas árvores e os arbustos. Os
soldados sobre animais levantaram suas vozes num canto: "Ao Rei!"
Aqueles a pé responderam: "Ao Reino!" O coração de Herói se encheu
de uma coragem estranha quanto mais o canto ecoava pela floresta
com a cadência das patas dos animais como fundo.
Ao chegar à vila dos Rejeitados, um tropa de soldados que
estavam a pé tiveram a iniciativa de carregar os coxos e mancos até
uma fortaleza próxima para serem protegidos do avanço dos Pauleiros.
Herói perguntou a um deles se poderia estar levando Amanda também.
Herói soube que tinha tomado a decisão certa, ao ver a Amanda fechar
os olhos em sinal de alívio: ela estava muito fraca para continuar.
Mas Herói sabia que era necessário que ele ajudasse a proteger
Grande Parque. Seguiu os Atalaias montados em direção ao Campo
Relvoso, onde a grama seca estava em chamas, ao redor de uma
carcaça enorme. Fumaça preta enchia o céu. Árvores grandes e velhas
estavam sendo consumidas pelo fogo feroz.
102
Ao se aproximarem desta área, Herói pôde notar que cada Atalaia
segurava seu machado com a mão livre. Um som começou ⎯ a canção
familiar de poder que Herói tinha ouvido tantas vezes. A linha de
guerreiros que avançava dividiu-se ao meio, cada ala circulando num
lado do grande espaço em chamas. Os Atalaias, ainda montados em
seus animais, levantaram suas vozes em harmonia na tentativa de
acompanhar os machados musicais.
Naquele momento, o Rei cutucou o seu grande alce para ir à
frente. Ele prosseguiu, como ordenado, até ao centro do lugar cheio de
chamas, ao lado da carcaça do animal enorme. Herói encheu-se de
admiração, ao ver a coragem do Rei. O Rei desmontou, mesmo com
fogo por toda parte. Ele apontou o seu cetro na direção do grande
103
círculo de homens e mulheres que o rodeava.
Naquele instante, um forte redemoinho começou a soprar. O fogo
na tocha de cada Atalaia pulou para o próximo ao seu lado. Um Círculo
de Chamas ligou uma pessoa por pessoa, até que todos foram unidos,
criando um só anel no meio da floresta. O fogo disperso de destruição
foi rodeado pelas chamas de poder do Rei, que iriam conter o fogo,
enquanto os Atalaias lutariam contra o inimigo. Os Atalaias soltaram um
grito a uma só voz: "Ao Rei! Ao Reino!"
Do centro do Campo Relvoso, o Rei levantou seu cetro. A mata,
que antes esteve cheia de ruídos e gritos dos servos do Encantador,
ficou em silêncio. Os Negadores cessaram seus cantos. O pulsar dos
tambores da morte parou. Era o momento fulminante antes da batalha.
De repente, em som estrondoso, um relâmpago estourou do céu
preto e acertou o topo do cetro de prata. Luz branca radiou pela forma
do Rei que estava com seus pés bem plantados.
Seu corpo vislumbrava e resplendia, mas por tudo isso se manteve
firme. Soltou a cabeça para trás e disse em voz alta: "Ao Meu Pai, o
Imperador de Tudo! Àquele Que Sempre É!"
Herói percebeu a esta altura que os Atalaias estavam aguardando
uma ordem. Subitamente, ela veio. A voz do Atalaia Comandante cortou
o silêncio da floresta: "Preparar!" Centenas de vozes das duas alas
ecoaram: "Preparar!" Cada Atalaia cravou o cabo da sua tocha no chão
da floresta e levantou o seu machado.
"Avançar!" veio o grito.
"Ao Rei!" veio a resposta, e os Atalaias, montados em alces,
atacaram em direção à floresta.
Estando no lado de fora do anel de chamas, Herói percebeu que
ele estava desarmado para a batalha. Descendo do seu animal,
arrancou da terra uma raiz sólida e mortífera. Naquele momento, mãos
ásperas o agarraram, jogando-o contra uma grande árvore. Seus
pulmões perderam todo o seu ar. Ele sentiu pancadas fortes no peito e
nos ombros. Foi então que ouviu um grito de dor. Foi a sua própria voz.
Por instinto, Herói se jogou no chão e rolou para escapar do seu
atacante. Boom! Um cassetete quase acerta sua cabeça. Ele rolou mais
uma vez. Quase que pega!
Uma raiva terrível subiu dentro de Herói. Apesar de toda a
confusão, ele ainda conseguiu manter em mãos a sua própria clava.
104
Sem dó, ele acertou o estômago da forma que estava em pé ao lado
dele. Esta vez, ele ouviu o gritou de dor vindo do estranho.
Herói rapidamente ficou em pé, seus pulmões famintos por ar.
Ergueu sua clava e a desceu com toda sua força em cima da cabeça do
Pauleiro.
Herói observou o seu inimigo cair imóvel ao chão...quando não se
mexeu, ele se encurvou para puxar o capuz cinza e ver o que estava por
dentro. Ele se assustou com o rosto branco, sobrancelhas grossas e, por
final, um sorriso que mostrava os dentes.
"Bom trabalho ⎯ " disse uma voz atrás dele. Era um soldado que
estava a pé. "Prepare-se. Lá vem mais. Dessa vez, Queimadores".
Herói finalmente conseguiu respirar fundo. "Como vamos ...lutar
contra...Queimadores?"
"Lute contra fogo, usando fogo", disse o soldado, e puxou duas
tochas do Círculo de Chamas, jogando uma para o menino. "Faça o que
eu fizer".
Não-Nunca-Nada. O grito de batalha ominoso cresceu mais.
"Não dê ouvido aos Negadores," avisou o soldado. "Lá vêm os
Queimadores!"
Um bando de sombras escuras saltou da floresta. Os atiçadores
dos Queimadores ardiam como uma luz forte. O coração de Herói ficou
desesperado. Ele se lembrou da Hora da Marcação, de muito tempo
atrás. Seu estômago e costas começaram a latejar.
"Avançar!" gritou o soldado ao seu lado.
Em espanto, Herói observou o homem atacar os Queimadores
nocivos.
Não-Nunca-Nada, pensou Herói. Não adianta. São tantos!
"Vamos rapaz!"
Fadiga sufocou Herói como laços de ferro. Desespero acorrentou
seu coração. Como iria o Rei vencer contra tanta maldade?
Queimadores cercaram o soldado isolado. Um dos Queimadores
meteu um atiçador em sua direção. Pegou na roupa do lutador. Mas ele
girou rapidamente para se livrar, e ao mesmo tempo esticou a sua tocha
o máximo possível e continuou a girar, distanciando-se dos seus
inimigos.
Não-Nunca-Nada...
"Vamos rapaz! Me dê uma mão!"
105
Em meio ao medo que o congelou, Herói ouviu uma outra voz
surgir: "Ao Reino!" Era a voz do Rei.
Herói agarrou o seu tição e gritou: "Te darei duas mãos!", e com
isso ele arrebentou o anel de Queimadores, cheio de ímpeto e grande
energia.
Dando as costas um para o outro, os dois súditos do Rei davam
seus golpes. Há! Enfiando seus tições no estômago dos Queimadores, o
fogo dava uma volta neles. "Yi-i-i-i!!" gritou um dos Queimadores, e saiu
na carreira. Herói e o soldado deram uma pancada forte nos atiçadores
dos Queimadores com seus tições, jogando-os ao chão, e a roupa de
outro pegou fogo. Logo esta banda se dispersou pela floresta adentro.
Mais uma vez, Herói ouviu a voz do Rei: "Ao Imperador de Tudo!
Àquele Que Sempre É!" Neste momento... trovejou, e as chuvas caíram.
As chamas furiosas, que foram contidas dentro do Círculo das Chamas
Sagradas, oscilaram, estalaram, subiram e desceram e, finalmente, se
apagaram, afogadas pela chuva forte.
Um grande pranto soou na distância. "Retirada! Fujam!" Sons de
perseguição elevaram-se pela floresta à medida que os Atalaias
correriam atrás dos malfeitores, pela noite escura, em direção à entrada
minúscula do Grande Parque.
Finalmente, o próprio Círculo de Chamas Sagradas subiu em fulgor
para se encontrar com o céu e, então, isso também se extinguiu.
Exausto, Herói voltou para Campo Relvoso, justo a tempo de ver as
chamas tornarem-se brasas, e ver o Rei abaixar o seu cetro. Misericórdia
e Atalaia Comandante estavam um de cada lado dele.
Logo, a aurora raiou, a chuva parou. E o soar dos machados
desvaneceu-se. O portão do Grande Parque fechou-se com um
estrondo. A manada de animais correu de volta à floresta. E cada
homem e mulher retornou aos seus amados.
Nada permaneceu no campo de batalha, onde a guerra de Fogo foi
pelejada, a não ser a terra queimada, exalando o cheiro de cinzas
úmidas, e três figuras fatigadas no meio de Campo Relvoso: uma
senhora idosa, um velho cuidador e um jovem camponês.
Eles curvavam suas cabeças juntos e sustentavam um ao outro.
Então, o camponês disse bem baixo: "À Restauração!" e ergueu suas
mãos ao céu.
106
Foi assim, então, que se apagou o fogo feroz na floresta por um poder
maior, pois há algumas coisas que não podem ser mudadas, não
podem ser abaladas, não podem ser queimadas.
Romanos 8:37-39
Mas, em todas estas coisas somos mais que vencedores, por meio
daquele que nos amou. Pois estou convencido de que nem morte nem
vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem
quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra
coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em
Cristo Jesus nosso Senhor.
107
Provado
Provado
p elo Fogo
pelo Fogo
Não muito tempo atrás, duas crianças em Grande Parque saíram com a
intenção de fazerem uma conquista: um menino procurava um meio pelo
qual pudesse passar por aquilo que mais temia, e uma menina que temia
ter perdido Aquele que ela mais amava. E juntos descobriram o Reino
dentro deles e fora ⎯ que todos descobrem quando têm essa coragem de
sair nesta conquista.
A guerra de Fogo foi vencida, mas um sentimento terrível ainda
pairava sobre Grande Parque. Seres escuros pareciam esconder-se
dentro de cada sombra e por trás de cada árvore e moita prontos para
atacar.
"Ai Misericórdia. A culpa é toda minha", chorava Amanda, depois
de ter retornado à segurança da Cabana de Cuidador. "Fui eu. Eu
desobedeci. Grande Parque tem sofrido por minha causa. Nunca
seremos os mesmos. Nunca".
Misericórdia balançava a criança ferida em seus braços e chorou
também. Ela ofereceu para a menina a receita sanadora e aplicou uma
compressa. Ela orou pela presença do amor do Rei, mas Amanda não
recebeu nenhum conforto. Uma ferida fresca se alastrava nas
profundezas da sua alma.
Mais tarde aquela noite, Herói se apressou até o Pavilhão dos
Atalaias, pois um conselho havia sido anunciado. Cuidador, estava a
frente na plataforma, pois não houve tempo para se tornar Atalaia
Comandante, mas os olhos do homem idoso brilhavam de ousadia
como nos velhos tempos. Nenhum Atalaia duvidava quem era aquele no
comando.
"Eu sei que estão cansados", Cuidador gritou, alto o suficiente
para que aqueles no fundo do pavilhão pudessem ouvir. "Todos
estamos afadigados. Batalha nunca está no coração de um povo de paz.
108
Todos ansiamos a paz. A guerra do Fogo foi vencida. Mas agora... agora
é que o nosso trabalho começa. Aqueles que desejam o mal podem
atacar de novo o Grande Parque. Foi aberta uma brecha na proteção!
"Não haverá descanso para os protetores. Mais cautela é
necessária após desastres. Os Queimadores e Negadores irão agarrar
qualquer oportunidade para tirar vantagem. Atenção deve ser dobrada.
Nosso cuidado precisará ser três vezes maior".
O homem idoso parou. Herói ficou olhando ao vê-lo abaixar a
cabeça. Ele parecia estar cansado, velho e um pouco tolo. Mas o menino
o amava com todo o seu coração.
"Devemos tirar tempo para a Cerimônia da Pureza. Se há qualquer
tipo de lascívia por batalha no seu coração, qualquer amor por
labaredas de chamas, ou qualquer sombra que se alojou em sua alma,
terá de ser chamada para fora. Nenhuma vantagem será dada aos
inimigos pelos protetores! Nenhuma!".
Cuidador levantou suas mãos calejadas como sinal de convite.
"Venha", ele disse, "renove seus votos ao Rei! Não haverá nenhuma
Grande Celebração até que o perigo tenha passado".
Herói ficou olhando, ao ver os homens e mulheres curvarem suas
cabeças. Silêncio desceu sobre o pavilhão, como uma grande ave que
abafa todo barulho com seu peito cheio de penas novas e macias.
O poder do silêncio impressionava. Alguns ficaram de joelhos.
Outros de pé, com lágrimas regando suas faces. Herói pensou sobre o
Círculo dos Desígnios, onde ele tinha visto um Atalaia incrédulo
revelado. O menino deu ouvidos para a sua própria alma. Chamas
incendiaram sua mente. Uma ferida velha latejava.
Herói ouviu passos vindo do piso de madeira ⎯ e mais e mais e
mais.
"Eu sou pelo Rei e pela Restauração", disse um. A voz era baixa.
"Eu sou pelo Rei e pela Restauração", disse o outro. E assim
continuou.
O menino, ao ouvir estas palavras, percebeu que ele, também, era
pelo Rei. Não havia outro lugar em que ele desejasse estar, nem outra
maneira que ele quisesse viver a sua vida. Ele fez um voto profundo: Vou
achar a coragem de passar pelas Chamas Sagradas. Me tornarei parte da
Grande Celebração. Mas ele não seguiu os outros até a frente do
pavilhão.
109
Por agora, o voto bastava. Pois Herói sabia que um dia ele,
também, teria que andar para encontrar o Rei. Até então, o seu desafio
não teria fim.
Durante semanas os Atalaias mantiveram sua vigia reforçada.
Fecharam as brechas na floresta. O anel de hectares devastado pela
Guerra de Fogo foi limpo para aguardar a primavera, quando Cuidador
pronunciaria a mágica do verde e do brotar. Protetores caçaram as
sombras que ainda eram ameaças, e os homens do Rei certificaram-se
de que, em nome do Rei, todo mal e escuridão foram afastados.
Herói foi voluntário para subir às torres de vigia e aliviar aqueles
que sofriam de fadiga. Ele trabalhou com equipes cortando árvores
queimadas. Não pôde dizer quando nem onde o seu coração ferido se
tornou jovem de novo, mas foi o que aconteceu. Depois de um tempo
ele se ajuntou aos Atalaias, quando eles começaram a cantar nas suas
marchas pela Floresta Profunda. Logo os gritos voltaram a ser dados de
meia em meia hora, ao invés das vigias mais recentes, a cada quinze
minutos.
"Como vai o mundo?"
"O Mundo não vai bem".
"O Reino vem".
Esses cantos transmitiam segurança. O menino sentiu-se
protegido.
Finalmente, Grande Parque retornou ao que era. Homens e
mulheres foram de volta aos campos, artesanato e florestas. Mais uma
vez havia tempo para ouvir o cantar dos pássaros e notar o zumbir das
abelhas e observar o céu tingir-se de rosa, a cada aurora. Planos
começaram a ser feitos para a primeira Grande Celebração, desde a
Guerra do Fogo. Primavera chegou. Crianças lembraram uma a outra
sobre caçadas de ovos de dragão.
Em todo esse tempo, nem Herói ou Amanda viram o Rei. Herói
esperava que tivessem visto, pois Amanda continuava adoentada e
esmorecida. O que acontecia com ela, ao final das contas? H erói
imaginou. Sob o cuidado da Misericórdia, suas queimaduras foram
saradas. Milagrosamente, ela nem ficou marcada.
Um dia Herói a encontrou sentada nas escadas da Cabana do
Cuidador. De longe ele pôde perceber que ela estava cuspindo,
tentando acertar pedrinhas à distância.
110
"Aha!" ele gritou ao aproximar-se dela. "Praticando sua mira?"
Surpresa, ela ficou em pé. "Me deixe em paz", ela retrucou. "Por
que todos vocês não me deixam em paz?" Ela chutou o guaxinim que se
tinha acomodado ao sol do lado dela. "E para de olhar para mim. Todos
vocês são feios! Não suporto olhar na sua cicatriz. A misericórdia é uma
velha acabada. Cuidador é um terror. Eu não quero ver nenhum de
vocês!"
Dito isso, ela saiu furiosa e entrou na Cabana do Cuidador. Herói
pôde ouvi-la derrubar uma cadeira, atravessar o quarto com passos
fortes e por fim bater uma porta com força.
Ele se lembrou da Amanda que ele tinha conhecido, e não gostava
nada do que ela se tinha tornado. Talvez lutar contra dragões não fosse
o trabalho de uma princesa. Bem, ao final das contas, ela não parecia
mais ser uma princesa.
Herói bateu seu pé no chão, e com raiva se virou para ir embora.
"Herói!" Misericórdia chamou. Ela estava trabalhando no jardim e
tinha escutado toda a conversa. O rapaz olhou em sua direção. Ela
sorriu e se sobressaiu do meio dos arbustos cheios de fragrância. "Você
está encucado com o que aconteceu com a Amanda. Ela está tentando
carregar a sua própria culpa; este é um fardo muito pesado para
qualquer um carregar".
"Ela me chamou de feio", disse Herói, surpreso por ter-se
machucado tanto. Na Cidade Encantada ele estava acostumado a ouvir
as pessoas o chamarem de Cicatriz. "Eu sou realmente feio,
Misericórdia?"
Misericórdia entregou para ele uma pazinha, e os dois se
ajoelharam à luz do sol e começaram a afofar a terra rica. "Não", disse a
senhora idosa. "Você é um jovem bonito e forte; mas Amanda ⎯ bem,
Amanda tem amado algo mais do que o Rei. Toda vez que isso acontece,
nossa visão fica apagada e passamos a enxergar as coisas sem a visão
real. Tudo parece feio ⎯ especialmente nós mesmos".
Herói notou o vermelho dos tomates. "O que vai ajudá-la? Ela vai
voltar a ser ela mesma?"
Misericórdia colheu um pouco de coentro. "O Rei pode ajudá-la.
Quando passamos pelas Chamas Sagradas, sempre nos tornamos o que
verdadeiramente somos. Amanda precisa voltar-se para ele na Grande
Celebração. A cura por desobediência consiste em voltar a obedecer".
111
Herói lembrou-se da sua promessa ainda não cumprida. "Ela está
com medo das Chamas Sagradas?" ele perguntou.
A senhora velha olhou para ele. Ela deu um sorriso e quase deu
uma risada. "Você é quem está com medo das Chamas Sagradas.
Amanda está com medo do Rei. Ela teme que ele irá bani-la do Reino
por causa da sua infidelidade".
Misericórdia olhou para bem longe, como se estivesse vendo algo
à distância. "Todos precisamos passar por aquilo que mais tememos
para ganhar aquilo que mais queremos. O que você quer mais do que
tudo Herói?"
Herói soube. Ele se lembrou da risada de um jovem, sentiu um
manto marrom de um mendigo passar no seu braço. Ele pensou sobre
uma forma se movimentando entre os rejeitados, cantando levemente.
Ele sentiu as suas duas mãos pegarem firme na serra de lenhador e
puxar. Ele viu um homem lindo dançando por trás de um muro de
Chamas Sagradas que saltavam e ouviu a música da Grande Celebração.
Ele viu um Rei destemido no meio da Guerra de Fogo. Herói queria servir
esse homem. Ele queria servi-lo com todo o seu coração e mente e
alma.
Misericórdia sussurrou, como se estivesse lendo a sua mente: "Vá a
ele. Você irá encontrar-lo na Grande Celebração. Leve Amanda com
você. Quando passamos pelas Chamas Sagradas por razão de outro, o
medo não é tão intenso".
Mas Amanda não iria aparecer na Grande Celebração. Ela ficava
irritada quando alguém perguntava. Se ela estivesse dentro da cabana,
batia a porta ao sair. Se ela estivesse fora da cabana, jogava pedras.
Finalmente, Herói apelou para a sua simpatia. "Por favor, Amanda.
Eu tenho medo das chamas. Venha comigo. Me ajude".
"Vá com Misericórdia", ela retrucou. "Ou com Cuidador. Há
centenas de outros que poderiam fazer entrada com você".
Herói persistiu. "Não, eu quero que você vá comigo. Por você,
Amanda. Como que você agüenta ficar tão longe do Rei?"
Com isso a Amanda derreteu-se. Era verdade. Ela ansiava ver o Rei,
mesmo que ele a mandasse embora. Ela chorou: "Ai Herói, ele irá me
banir. Sempre fui a princesinha dele, mas olhe só para mim, não sou
mais uma princesa... Mas, mesmo assim, irei com você".
Então os dois foram: o menino que tinha escapado da escuridão,
112
porque ele amava luz mais do que sabia e a menina que tinha se
tornado ordinária, porque ela não reconheceu o quão maravilhoso era
ser uma princesa.
Um leve ventinho soprou as folhas na Floresta Profunda aquela
noite. As crianças podiam ouvir a música à distância do Círculo Interior.
Amanda com uma das mãos pegou forte no braço de Herói e com a
outra mão cobriu a sua garganta. "Ai, Herói. E se ele nem falar comigo?
E se fizer de conta que ele nem me vê?"
Pela primeira vez, desde que eles se conheceram, era o menino
que a mantinha prosseguindo, pegando-a pela mão. Eles chegaram
perto da grande abertura na floresta. Atalaias estavam ao redor das
Chamas Sagradas em seus mantos azuis. As chamas subiam mais e mais
altas...mas algo estava diferente ⎯ ninguém estava cantando, ninguém
estava dançando.
Amanda soltou um gemido. "Iiii... estão todos esperando por nós."
Era verdade. Todos os súditos do Reino estavam aguardando em
círculos pequenos. Conversando um com o outro. E o Rei? O Rei ⎯ com
as suas mãos cruzadas atrás dele, seu cabelo com reflexos de ouro, seu
roupão e manta branca com retoques dourados ⎯ andava prá lá e prá
cá, lá e cá, dentro do Círculo de Chamas.
Amanda virou para ir-se, mas Herói pegou-a pelo cotovelo. Ele
estava determinado que a sua agonia iria terminar. Eles se aproximaram
das Chamas Sagradas. Os dois ajoelharam-se diante de um Atalaia. Do
fundo do seu ser Herói proferiu o seu voto: "Ao Rei! À Restauração!"
Amanda estava chorando, mas conseguiu repetir as suas palavras:
"Ao Rei! À Restauração!"
Herói ficou frente a frente com as chamas. Pôde sentir o calor na
sua face, mas ao invés de terror, um gozo surgiu dentro dele. Estava
ansioso por se encontrar com o lindo Rei aguardando-o no outro lado.
Estava decidido a fazer parte do Reino. Estava absolutamente convicto
de que Amanda deveria conhecer de novo o amor do Rei.
Os dois fizeram entrada.
Um momento: um escurecer. Aí, passagem. Um grande brado se
ergueu dos outros celebrantes. Ecoou pela noite afora, pela Floresta
Profunda, alto o suficiente para que todo Grande Parque ouvisse:
Princesa Amanda voltou! O menino Herói a tinha levado pela coisa que
ele mais temia.
113
As duas crianças correram em direção ao Rei, que já estava vindo
em direção deles. Misericórdia, linda acima da imaginação, e Atalaia
Comandante, vieram correndo. Todos se encontraram...se
abraçaram...e chamaram um ao outro pelo nome.
Amanda chorou, ao olhar nos olhos do Rei. "Eu pensei que você
nunca mais iria querer me ver".
O Rei limpou as suas lágrimas, mas ela chorava mais ainda. Todas
as suas tristezas ela despejou: "Eu desobedeci. Eu menti. Eu amaldiçoei
Cuidador no meu coração. Eu amei uma coisa proibida. Trouxe fogo a
Grande Parque. Todos têm sofrido por minha causa. Me mande embora.
Eu não mereço o teu amor".
O Rei cobriu a criança, molhada de lágrimas, com seus braços.
"Não me deixe, Amanda", ele sussurrou. "Todos sentimos tanta
saudade!"
Entre soluços, a moça completou: "Eu sei...que nunca poderei...ser
uma princesa de novo, mas ainda quero ser o seu súdito e obedecer".
"Olhe, Amanda", disse o Rei, "olhe para o que você se tornou".
Amanda deu um relance para baixo. Ela estava vestida
elegantemente. Ergueu as dobras da saia. Havia pérolas na barra, um
anel no seu dedo e ela sentiu um leve peso na sua cabeça. Era um
pequeno diadema circular.
O Rei pegou-a pelas nãos, a olhou bem nos olhos, se curvou, e
disse: "Você sempre será a minha princesa, enquanto eu serei o seu
irmão".
Amanda olhou nos olhos do Rei. De uma vez, alívio inundou o seu
ser, de modo pleno e maravilhoso. Ela soltou a sua cabeça para trás e
deu uma gargalhada! Todos ouviram. Haviam esperado por isso ha
meses. Princesa Amanda estava de volta a suas risadas!
Misericórdia acolheu Amanda em seus braços, girou com ela uma
vez, e juntas entravam na dança que começava a Grande Celebração. O
Rei se achegou até Herói e colocou seu braço ao redor dos ombros do
jovem. "Venha", ele disse, "eu tenho um lugar reservado para você do
meu lado".
Na mesa do banquete, Herói sentou-se ao lado do Rei. Ele comeu
do pão do Padeiro Chefe e parecia que nada tinha sido tão gostoso.
Soltou um grande sorriso ao ver os dois cavaleiros engraçados
contarem estórias e cantou os cânticos da corte e aplaudiu o
114
Malabarista Aprendiz e soltou gargalhadas, ao vê-lo como parte dessa
turma tão boa.
Depois de um tempo, o Rei disse: "Herói, eu tenho um trabalho
para você. Queria saber se terá a coragem para executá-lo".
Pela primeira vez em um bom tempo, Herói tocou o lado da sua
face com a ponta dos dedos. Ele pôde sentir a marca áspera da cicatriz
Ficou surpreso de que ainda estivesse lá, e ainda mais surpreso por que
parecia não fazer mais diferença.
O Rei continuou. "Eu preciso de um varão do Rei para morar na
Cidade Encantada. Chegou a hora para começar a Restauração do
Reino. Eu preciso de alguém com um coração de Herói, alguém que
conheça as astúcias do Encantador. Você vem?"
Herói engasgou-se com a migalha de pão que estava mastigando.
Ele gaguejou. "Mas eu...mas eu só...".
O Rei deu uma risada. "Eu sei, você acabou de fazer entrada. Mas
eu não estarei partindo por um tempo ainda. Tire um tempo para
aprender os caminhos do Reino. Goze da Grande Celebração. Aprenda
da Misericórdia. Ande com Atalaia Comandante. Quando estiver pronto,
o chamarei".
Herói olhou nos olhos do Rei. Voltar para o Encantador e seus
Queimadores? Que estranho eu estar disposto a fazer qualquer coisa por
esse homem!.. Mas será que havia varões do Rei na Cidade Encantada?
Herói lembrou-se do motorista de táxi que tinha dado o grito: "Ao Rei!"
tanto tempo atrás. Sim, talvez houvesse.
O Rei conhecia os pensamentos de Herói. "Vai valer a pena todo o
perigo, Herói. Eu tenho trabalho para você fazer". Ele ficou em pé e
virou-se para sair da mesa.
De repente, Herói teve um pensamento terrível: "Mas, senhor,
como vou achá-lo na Cidade Encantada? Você estará com disfarce?"
O Rei riu novamente. Ele se esticou por cima da mesa, e
firmemente apertou a mão do celebrante jovem. "Há, é... você nunca foi
muito bom em avistar". E com isso ele se curvou e sussurrou. "Não vai
ser difícil de me achar. Terei uma cicatriz igual à sua".
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Mains, mediante a condição de que não fosse vendido. A venda do livro,
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