Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO
(1) seja uma crença em algo como sendo divino per se não importando como
isso será finalmente descrito, ou
(2) seja uma crença sobre como o não-divino depende do divino per se, ou
(3) seja uma crença sobre como os humanos vêm a estar em uma relação
apropriada com o divino per se,
Clouser ressalta que crenças religiosas nem sempre apontam para um ser
supremo ou requerem representações cúlticas e códigos de ética. A partir desta con-
cepção ele elenca três grandes grupos de crenças religiosas: a) pagão, cuja caracte-
rística essencial é a identificação de alguma parte, aspecto, força ou princípio do uni-
verso como sendo divino (CLOUSER, 2005a, p. 44); b) panteísta, que considera tudo
10
que é experimentado como realidade é uma subdivisão do divino per se que tudo
engloba; c) bíblico, baseado na crença de um Criador transcendente, havendo, por-
tanto, uma descontinuidade fundamental entre criador-criatura. Segundo Clouser, "[a]
fé não é uma faculdade distinta da mente, separada da razão, mas uma parte integral
da razão" (CLOUSER, 2005a, p. 98, tradução nossa).
Considerações e apontamentos
1 Vale dizer que um dos proponentes do movimento neo calvinista holandês foi o famoso es-
tadista e filósofo cristão Abraham Kuyper, que a ser citado por Weber várias vezes em seu
artigo As seitas religiosas e o espírito do capitalismo.
12
ambos os lados do debate entre ciência e fé. Isto posto, é possível que o fenômeno
do fundamentalismo, em todas as suas nuances, seja abordado de modo distinto.
DELINEANDO O FUNDAMENTALISMO
A obra, que somava mais de 1.400 páginas, foi amplamente divulgada, fo-
ram distribuídos mais de 3 milhões de cópias nos Estados Unidos e na Europa. O
termo fundamentalista foi adicionado em 1920 por Curtis Lee Laws, um editor Batista
conservador, segundo ele fundamentalistas "eram aqueles que estavam prontos para
a batalha real pelos Fundamentos" (RUTHVEN, 2007, p. 20, tradução nossa). A partir
de então, o termo adquiriu alta carga semântica. Isto posto, interessa-nos agora ob-
servar o modo como diversos estudiosos abordam a noção de fundamentalismo.
Para Baumann, uma das características da mentalidade moderna é a ten-
tativa de provar que Deus não existe, "o que a mentalidade moderna acabou por fazer,
no entanto, foi tornar Deus algo irrelevante para os negócios humanos na terra" (BAU-
13
MANN, 2010, p. 171). Neste contexto, o fundamentalismo é um fenômeno especifica-
mente moderno e nasce basicamente como resposta à frustração humana de querer
controlar seu destino (BAUMAN, 1998).
Com efeito, o fundamentalismo também está relacionado com o isola-
mento, ao apelar para um modelo de fé inquestionável, inabalável e dogmático, as
comunidades fundamentalistas tendem a fechar-se para o mundo externo. Neste con-
texto, o fundamentalismo tenta " abraçar e incorporar a totalidade das funções da vida
e a servir à totalidade das necessidades da vida” (BAUMANN, 2010, p. 186).
Todavia, o fundamentalismo envolve, de fato, "concorrência entre dogmas"
(BAUMANN, 2010, p. 179). A insistência, portanto, de que o fundamentalismo é um
fenômeno inerente às comunidades religiosas constitui-se em julgamento imprudente,
ilegítmo, patológico e desnecessário, afirma Baumann (BAUMANN, 2010, p. 181). Ins-
tituições religiosas e políticas competem pelos mesmos territórios e recursos (BAU-
MANN, 2010, p. 174), por isso faz sentido averiguar como elas respondem às mesmas
perguntas. Para a questão da emancipação, portanto, é mister observar como identi-
ficam a origem do mal e, com efeito, a perspectiva de salvação.
Para Baumann, uma vez que atuam no mesmo território, religião e política
utilizam, por assim dizer, estratégias e técnicas semelhantes. Todavia, ainda que se
fale muito sobre a politização da religião, fala-se pouco de um fenômeno paralelo, a
sacralização da política¨, "algo talvez ainda mais perigoso e muitas vezes mais san-
grento em suas consequências (BAUMANN, 2010, p. 176). Segue-se, que um erro
comum se encontra na historicamente infundada suposição de "que o fundamenta-
lismo é uma neurose reservada à religião, e que as instituições mundanas estão de
alguma forma imunes a essa condição" (BAUMANN, 2010, p. 179). A patologia do
obscurantismo não está presente apenas na religião (BAUMANN, 2010, p. 180).
Berger observa que a cultura contemporânea é marcada por uma dinâmica
de forças contraditórias, enquanto uma procura estabelecer o relativismo a outra fun-
damenta-se na afirmação de verdades absolutas (BERGER, 2010, loc. 27–29). Toda-
via, a percepção relativista de que todas as religiões são iguais - que constitui um
projeto filosófico inalcançável, e a instituição do fundamentalismo intolerante que
clama possuir a verdade absoluta - projeto facilmente solapado diante de um escrutí-
nio histórico, constituem extremos são inaceitáveis (BERGER, 2010, loc. 184–185).
14
Ainda assim, para ele, fundamentalismo e relativismo são produtos do mesmo pro-
cesso de modernização (BERGER, 2010, loc. 27–29).
Um dos componentes do processo de modernização é a secularização.
Presente na filosofia iluminista do progresso, esperava-se que o avanço da moderni-
dade traria consigo o declínio da religião, um triunfo contra a superstição e a tirania
clerical (BERGER, 2010, loc. 51–53). Na verdade, o que se observa atualmente é que
a modernidade necessariamente não seculariza, mas pluraliza, ela cria um contexto
em que diversos grupos religiosos ou étnicos passem a coexistir (BERGER, 2010, loc.
71). Dentro deste contexto, o "fundamentalismo é a tentativa de restaurar ou criar no-
vamente um corpo de crenças e valores tomadas como óbvias" (BERGER, 2010, loc.
104–105, tradução nossa).
O projeto fundamentalista pode ser realizado de dois modos, explica Ber-
ger. A versão mais ambiciosa consiste em transformar toda a sociedade em uma es-
trutura de plausibilidade fundamentada nas crenças tomadas como ponto passivo, lu-
gar comum. Não obstante, este é o elemento fundante dos projetos totalitaristas, cuja
implantação envolve normalmente violência. Um exemplo de projeto totalitarista cris-
tão foi o movimento nacionalista na guerra civil espanhola durante o regime de Franco
(BERGER, 2010, loc. 132–142). A versão menos ambiciosa da territorialização do pro-
jeto fundamentalista envolve a formação de um enclave dentro da sociedade, en-
quanto o movimento sectarista procura estabelecer sua visão de mundo totalitária o
restante da sociedade é deixado no caminho para a perdição. Segundo Berger, o mo-
vimento cristão primitivo constituiu justamente este tipo de subcultura sectária (BER-
GER, 2010, loc. 148–150). Em suas palavras:
Se está escrito na Bíblia que Deus, para criar o homem, primeiro fez um bo-
neco de barro e em seguida insuflou-lhe a vida, é porque foi assim mesmo
que aconteceu e ponto final. Estando escrito no Livro sagrado, não há o que
discutir: assim pensa o fundamentalista protestante (e, por extensão, o judeu
fundamentalista em relação à Torá, o muçulmano fundamentalista em relação
ao Alcorão, o católico fundamentalista em relação aos dogmas pontifícios e
conciliares promulgados em latim) (PIERUCCI, 2004a).
Considerações e apontamentos
CONCLUSÃO
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BERGER, P. L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São
Paulo: Editora Paulinas, 1985.
BUTLER, J.; MENDIETA, E.; VANANTWERPEN, J. (EDS.). The power of religion in the
public sphere. New York: Columbia University Press, 2011.
CLOUSER, R. A. Types of religious beliefs. In: The myth of religious neutrality: An essay
on the hidden role of religious belief in theories. 2nd. ed. Notre Dame: University of Notre
Dame Press, 2005a. p. 43–58.
CLOUSER, R. A. What is Religion. In: The myth of religious neutrality: An essay on the
hidden role of religious belief in theories. 2nd. ed. Notre Dame: University of Notre Dame
Press, 2005b. p. 9–41.
DE SOUSA SANTOS, B. Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. 1. ed. São
Paulo: Cortez, 2014.
EISENSTADT, S. N. The axial age : the emergence of transcendental visions and the rise of
clerics. European Journal of Sociology, v. 23, n. 2, p. 294–314, 1982.
27
EISENSTADT, S. N. Fundamentalism, sectarianism, and revolution the Jacobin dimen-
sion of modernity. Cambridge [u.a.]: Cambridge Univ. Press, 1999.
LEISER, B. M. Liberty, justice, and morals: contemporary value conflicts. 2d ed ed. New
York: Macmillan, 1979.
RITCHIE, ANGUS; SPENCER, NICK. The case for Christian humanism: why Christians
should believe in humanism, and humanists in Christianity. London: Theos, 2014.
TORREY, R. A.; DIXON, A. C. The Fundamentals: a testimony to the truth. Grand Rap-
ids, Mich.: Baker Book House, 1988.