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HISTÓRIA

História Econômica Geral e do Brasil

Prof. Ms. Phillipe Augusto Gomes Silva Bastos


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HISTÓRIA ECONÔMICA
GERAL E DO BRASIL

Prof. Ms. Phillipe Augusto Gomes Silva Bastos

Carga horária: 45h

Ementa

Abordagem crítico-reflexiva sobre a história econômica do Brasil, no pe-


ríodo que vai do início do século XX até a primeira década dos anos
2000, discutindo sobre o modelo desenvolvimentista, apresentando suas
principais características, além de seus efeitos sobre a formação socioe-
conômica brasileira.

Objetivo Geral

Compreender a história da economia e do desenvolvimento brasileiro


contemporâneo mediante política desenvolvimentista, modelo econômi-
co iniciado por Getúlio Vargas e sua influência na formação socioeco-
nômica do Brasil contemporâneo, no qual iremos abordar o seu desen-
volvimento histórico no século XX e seu retorno durante o governo de
Luís Inácio Lula da Silva, buscando analisar seus impactos no cenário
sociopolítico brasileiro.

Apresentação da disciplina
O funcionamento econômico de uma nação tem papel preponderante
para o seu desenvolvimento. As estratégias escolhidas produzem resul-
tados que refletem diretamente nas organizações sociais, permitindo a
construção de estruturas mais ou menos igualitárias dentro de um territó-
rio. Dessa forma, ao focarmos nosso olhar na história econômica do Bra-
sil, poderemos compreender um pouco mais os elementos que propicia-
ram a formação das nossas estruturas sociopolíticas no tempo presente.

Por meio de uma abordagem critico-reflexiva, iremos nos dedicar a reali-


zar uma análise do período da história econômica do Brasil, que se inicia
no século XX e se estende até a primeira década do século XXI. Durante
esse período, a economia brasileira passou por uma longa trajetória mar-
cada pela aplicação de uma política econômica, conhecida como desen-
volvimentismo. Um modelo difundindo por toda a América do Sul, na
primeira metade do século passado, considerado pelos governos deste
continente como a melhor estratégia para alcançar um nível de desen-
volvimento acelerado.
Exploraremos a história econômica do Brasil ao acompanharmos a tra-
jetória do desenvolvimentismo ao longo desse período, analisando seus
impactos para a formação do Brasil contemporâneo. Faz-se necessário,
então, compreender o desenvolvimentismo brasileiro em sua base de
formação, seguido por uma análise de seu amadurecimento como es-
tratégia econômica, até a compreensão dos fatores que levaram esse
modelo a entrar em crise durante a segunda metade do século XX. Nosso
estudo finaliza com o uma análise da política econômica do governo
de Luiz Inácio Lula da Silva, que trouxe de volta o desenvolvimentismo
como modelo econômico, adaptando-o às novas demandas e aos de-
safios enfrentados pelo Brasil no século XXI. Esse novo modelo foi apli-
cado mediante um programa macroeconômico voltado para acelerar o
crescimento brasileiro, ao mesmo tempo em que se propunha a investir
em projetos direcionados às questões sociais. Buscou-se, assim, atingir
simultaneamente dois problemas atávicos do país. Apresentaremos as
principais características desse programa e seu interesse em investir em
infraestrutura no Brasil.
CAPÍTULO I:

CAPÍTULO 1
AS BASES DO
DESENVOLVIMENTISMO BRASILEIRO

Prof. Ms. Phillipe Augusto Gomes Silva Bastos

Carga horária: 15h

Objetivos Específicos

• Compreender o conceito de desenvolvimento econômico e sua im-


portância.
7

• Discutir as bases do desenvolvimentismo brasileiro por meio de suas


influências no crescimento econômico brasileiro durante a primeira
metade do século XX.

• Compreender o que é a teoria do subdesenvolvimento e como esta


influenciou a formação do modelo desenvolvimentista

• Discutir a influência do modelo desenvolvimentista no processo de


industrialização do brasileiro.

Introdução

Este capítulo inicia o estudo sobre as influências do modelo desenvolvi-


mentista para a formação econômica do Brasil contemporâneo por meio
de uma análise do contexto histórico no qual estava inserido o país na
primeira metade do século XX. Buscaremos apresentar as bases sociais,
econômicas e políticas que levaram o fortalecimento do desenvolvimen-
tismo como principal estratégia escolhida pelo Estado para alcançar um
ritmo acelerado de crescimento e desenvolvimento econômico, que vi-
sava transformar o Brasil num país desenvolvido. Com isso, estudar as
bases do desenvolvimentismo nos permite ter maior compreensão da
contribuição desse modelo para a história econômica nacional, permi-
tindo-nos enxergar suas influências para a formação do Brasil contem-
porâneo. O economista austríaco Joseph Schumpeter afirmou que “todo
processo concreto de desenvolvimento repousa finalmente sobre o de-
senvolvimento precedente” (SCHUMPETER, 1997. P. 74). Nessa pers-
pectiva, iniciar nosso estudo mediante uma análise das bases de susten-
tação teóricas e históricas do desenvolvimentismo se torna vital para a
compreensão desta disciplina.
O conceito de desenvolvimento econômico e sua
CAPÍTULO 1

importância

Ao se trabalhar com a história econômica do Brasil na contemporaneida-


de, diversas vezes nos deparamos com a repetição de dois termos que,
embora alguns acreditem ter a mesma conotação, representam ideias
diferentes quando utilizadas para definir aspectos econômicos. Por isso,
precisamos primeiro entender que esses termos são conceitos, e assim,
não devemos confundi-los ou trocá-los, correndo o risco de interpretar-
mos ou descrevermos erroneamente um processo histórico. Assim se
faz necessário iniciarmos este capítulo explicando a diferença entre os
conceitos de crescimento e desenvolvimento econômico.

SAIBA MAIS

A revolução capitalista foi o período de transição que se inicia no


8 século XVIII foi concluído pela primeira vez no século XIX, na Ingla-
terra com a formação do estado-nação e a revolução industrial. A re-
volução capitalista pode ser compreendida por meio de três etapas
revolucionárias: a comercial, a nacional e a industrial, esta última
ocorrendo de forma distinta entre cada nação.

Por desenvolvimento, o campo de estudos econômicos compreende o


fenômeno histórico do qual passam os países ou Estado-nações, cujo
termo se encontra inicialmente atrelado ao processo de revolução ca-
pitalista, ocorrido entre os séculos XIV e XIX, na Europa. O desenvolvi-
mento econômico é, em síntese, caracterizado pelo aumento sustentado
da produtividade ou da renda por habitante, além de ser acompanhado
por um sistemático processo de acumulação de capital somado à incor-
poração de processos técnicos. Isso significa que, para haver desenvol-
vimento, é necessário que haja mais produção e que ela permita ao país
maior acumulação de recursos; ao mesmo tempo, porém, é necessário
que a população seja beneficiada, por exemplo, mediante a ampliação da
renda. Todo esse processo é possível quando o sistema de produção é
modernizado.

Apesar de correto, o conceito apresentado se aproxima mais da gênese


do processo de desenvolvimento, sem explicar sua continuidade. O de-
senvolvimento econômico, uma vez estabelecido pelo processo de con-
solidação do capitalismo, torna-se mutável, passando por alteração de
acordo com o período e com o lugar onde houve sua aplicação.

Não restringindo seu processo de compreensão a um modelo econô-


mico simples, o desenvolvimento constitui a base de estudos das ciên-
cias econômicas, que visa explicar o seu funcionamento em suas mais
específicas características; define assim o estudo do desenvolvimento
econômico não como um campo de análise de uma economia abstrata,
mas como estudo de uma economia nacional. Origina-se da teoria do
desenvolvimento econômico, parte central das ciências econômicas que

CAPÍTULO 1
buscam explicar como as nações conseguem promover o bem-estar de
suas populações, utilizando como instrumento base instituições como o
mercado e o dinheiro, que por ele são reguladas.

A teoria do subdesenvolvimento e a formulação teórica


do desenvolvimentismo

A partir de 1930, os países da América do Sul iniciaram um processo de


transformação que possibilitou a essas nações alcançar um ritmo de cres-
cimento econômico até aquele momento inimaginável. Naquele período,
os países da América do Sul encontravam-se “como parte da periferia do
sistema econômico mundial, no papel específico de produzir alimentos
e matérias-primas para os grandes centros industriais” (PREBISCH, 1962.
P. 71). Para as potências econômicas do período, a permanência desses
países na condição de produtores de matéria-prima contribuía para a
manutenção das relações de desigualdade na ordem econômica vigente, 9
impedindo aos países produtores de matéria-prima obter um nível de de-
senvolvimento elevado e, consequentemente, a melhoria de vida de sua
população. Assim, o século XX havia começado com um grande desafio
para as nações sul-americanas, superar as limitações históricas de atraso
econômico em um período de tempo menor pelo qual havia passado os
Estados Unidos e a Inglaterra.

As primeiras décadas do século XX foram favoráveis à transformação das


nações do continente sul-americano. O envolvimento das grandes po-
tências em dois grandes conflitos de proporções mundiais e o despontar
de uma grande crise econômica que afetou o sistema financeiro possibi-
litaram o início de uma série de projetos com o objetivo de modernizar
por completo sua economia. O período entre a guerra e a primeira dé-
cada após o fim da Segunda Guerra Mundial permitiu à América do Sul
entrar num período de transformações, no qual foi possível concluir o
processo de revolução capitalista, mesmo que, décadas depois, a Europa
e os Estados Unidos tenham consolidado os seus. Foi nesse contexto
do pós-guerra que surge na América do Sul o desenvolvimentismo, um
modelo de desenvolvimento econômico que marcaria profundamente os
países desse continente, dentre eles, o Brasil.

No continente sul-americano, o modelo desenvolvimentista já havia sido


incubado em alguns países desde a década de 1930, mas o pós-guerra
criou um ambiente bem mais favorável para seu amadurecimento como
estratégia de desenvolvimento. Em 1948, foi criada a Comissão Econô-
mica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), entidade subsidiada pelo
Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas com a
finalidade de incentivar a cooperação entre seus membros. Embora tives-
se sido importante sua preocupação com o processo de integração regio-
nal, parte importante do papel desempenhado pela comissão econômica
surge com a criação do principal modelo teórico para esclarecer o atraso
das economias latinas, denominado Teoria do Subdesenvolvimento.
Essa Teoria consiste na análise elaborada sobre o modelo de produção
CAPÍTULO 1

que explicaria os problemas enfrentados pelos países em condição de


subdesenvolvimento, gerados em larga medida por um processo indus-
trialização tardia e pela deterioração dos termos de troca segundo afir-
mava o formulador dessa teoria, o economista argentino Raul Prebisch.
Para ele, o subdesenvolvimento era visto como “característica do atraso
na absorção do progresso técnico de algumas economias (periféricas),
em contrapartida ao avanço ordenado e bem-sucedido do desenvolvi-
mento econômico em outras (centrais), resultado da progressiva incor-
poração tecnológica” (TRASPDINI et all, 2013. P. 06).

Esse atraso de absorção só ocorria porque os países periféricos concen-


travam sua produção em produtos primários e de baixo valor agregado,
enquanto os países do centro estruturaram sua economia para a pro-
dução de bens industrializados e de alto valor agregado. Ao produzir
elementos de maior valor, os países desenvolvidos permitiam também
um retorno maior do comércio internacional. O excedente poderia então
10 ser investido em inovação tecnológica, resultando num crescimento da
produtividade e proporcionando uma melhoria nos termos de troca no
âmbito internacional, ao contrário da deterioração vista nos países de
pouco ou nenhum progresso técnico.

Nesses termos, a CEPAL via na industrialização o único meio que dis-


punham os países da América Latina para aproveitar as vantagens do
progresso técnico e de pensar estratégias visando à industrialização que
permitisse o desenvolvimento dessas regiões. Essa perspectiva pode ser
vista mais claramente mediante o documento lançado em 1949, por Pre-
bisch, intitulado “O desenvolvimento da América Latina e alguns de seus
problemas principais”. Nessa obra, o autor discute alguns problemas dos
países da América do Sul que dificultam o processo de desenvolvimento
dessas nações. Prebisch afirmava que não só a falta de progresso técnico
nos países latino-americanos resultava numa baixa produtividade mas
também a carência de produtos de alto valor agregado no âmbito do
mercado internacional. Apresentava como alternativa ao subdesenvol-
vimento um projeto de industrialização que visava à reversão do déficit
gerado pela economia focada na exportação primária de baixa inovação.

Industrializar significava inovar para aumentar a produtividade, a fim de


que, assim, fosse possível diminuir as desvantagens no comércio inter-
nacional e, consequentemente, produziria uma melhoria nas condições
de vida da população, mediante maior retorno econômico. Mesmo nas
economias sistematizadas na produção primária, o processo de indus-
trialização seria compatível. Nas palavras de Prebisch:

A industrialização da América Latina não é incompatível com o de-


senvolvimento eficaz da produção primária. Pelo contrário, uma das
condições essenciais para que o desenvolvimento da indústria possa
ir cumprindo o objetivo social de elevar o padrão de vida é que se
disponha dos melhores equipamentos em termos de maquinaria e
instrumentos, e que se aproveite prontamente o progresso da técni-
CAPÍTULO 1
ca em sua renovação sistemática. A mecanização da agricultura im-
plica a mesma exigência. Necessitamos de uma importação consi-
derável de bens de capital e também precisamos exportar produtos
primários para consegui-la (PREBISCH, 1962. P. 73).

No pensamento de Prebisch, o que atrasava os países latinos perante as


economias mundiais estava relacionado não diretamente ao peso de sua
produção de setor primário, mas à carência de infraestrutura e tecnologia
que permitisse um desenvolvimento para o aumento da produtividade,
o qual deveria prontamente reverter seu lucro, reinvestindo-o em novas
estruturas. Na teoria cepalina, o papel do estruturalismo tornou-se um
elemento importante para se entender o jogo do desenvolvimento e do
subdesenvolvimento.

SAIBA MAIS
11
Raul Prebisch (17 de abril de 1901 – 29 de abril de 1986)

Foi um economista argentino, responsável


por iniciar o estruturalismo, a linha de pen-
samento econômico que influenciou o sur-
gimento do modelo desenvolvimentista na
América do Sul. Formado pela Faculdade de
Ciências Econômicas de Buenos Aires, na
qual também atuou como professor entre
1944 e 1948, quando foi obrigado a sair do
país por causa da ditadura do General Juan
Domingo Péron. Nesse período, aceitou o convite da recém-criada
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e
escreveu a introdução para o primeiro estudo econômico sobre a
América Latina, uma de suas obras de maior referência, entusias-
mando os países dessa região ao lançar a Teoria da Industrialização
por Substituição de Importações. Em maio de 1949, foi nomeado se-
cretário executivo da CEPAL, em Nova York, permanecendo no cargo
até 1963, quando assumiu em Genebra, na Suíça, a Secretaria Geral
da Conferência das Nações Unidas Sobre Comércio e Desenvolvi-
mento (UNCTAD). Em 1969, Prebisch foi indicado pelo economista
e sociólogo sueco Gunnar Myrdal ao prêmio Nobel de Economia,
mas não ganhou. Em final de carreira, em 1976, assumiu a função
de coordenar a Revista de la CEPAL, que, em 1986, anunciou a sua
morte.

Fonte da imagem:
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Tendo em vista que, no pensamento da CEPAL, a forma como estariam
CAPÍTULO 1

dispostas as estruturas do sistema ficaria definida a sua forma de fun-


cionamento e, como afirmou Sunkel, “esta origina os resultados que o
sistema produz” (SUNKEL, 2000. P. 526), mudar as estruturas, por meio
da industrialização de economias periféricas e atrasadas, resultaria no
desenvolvimento econômico, crescimento associado à elevação de bem-
-estar dessas nações e do seu povo.

Após expor a tese principal, na qual o desenvolvimento é um processo


industrial quase contínuo e o subdesenvolvimento quase restrito a um
processo primário exportador e pré-industrial, a CEPAL conseguiu, no
decorrer da década de 1950, difundir um modelo que passou a ser ado-
tado pelos países latino-americanos chamado desenvolvimento cepalino,
que influenciou o pensamento de intelectuais e formadores de políticas
econômicas. Além disso, foi transmitida como herança para grande parte
das teorias em economia na América Latina, formando, principalmente
no Brasil, importante base para o processo que ficou conhecido, e em
12 outros países latinos, por desenvolvimentismo.

O nacional desenvolvimentismo de Getúlio Vargas

A América Latina entrou em fase desenvolvimento pela industrialização.


No caso do Brasil, o processo de fortalecimento ou de estruturação da
indústria já era perceptível desde a década de 1930. Foi Getúlio Vargas
quem primeiro imaginou esse modelo de desenvolvimento na América
Latina.

Apesar de ter sido idealizada antes da Segunda Guerra, sua criação só


foi possível após o conflito que, sob a influência da CEPAL, criada em
1948, passa a ser ampliada. No Brasil, o desenvolvimentismo ganhava
o nome de modelo nacional-desenvolvimentista, apresentando as va-
riações como política econômica, se comparado ao modelo generalista
produzido nos finais de 1949. Embora quase redundante, pois o desen-
volvimento econômico é, em certa medida, nacionalista já que visa ex-
clusivamente ao crescimento de um único Estado, o nacional, utilizado
para caracterizar o modelo de desenvolvimento brasileiro, vem reforçar
o caráter protecionista desempenhado principalmente entre a década de
1950 e a de 1960.

Para Fonseca (2004. P. 227), o desenvolvimentismo é difícil de ser defi-


nido numa forma específica. Confundi-lo com outras medidas políticas,
que variam desde o clássico expansionismo econômico pró-crescimento
até o apelo ideológico básico, é recorrente para aqueles pouco familiari-
zados com esse paradigma. Nesse caso, é lançada uma pergunta inicial:
Quando é possível considerar um governo como desenvolvimentista?

Descartando as controvérsias, um governo pode ser caracterizado por


elaborar um projeto desenvolvimentista quando é identificado que este
apresenta um núcleo central que nos permite inicialmente defini-lo. Esse
“núcleo duro”, segundo o autor, é composto por diversas formulações
como “a defesa da industrialização; o intervencionismo pró-crescimen-

CAPÍTULO 1
to; e do nacionalismo” (FONSECA, 2004. P. 227). Embora norteiem o
processo, não são suficientes para que possamos assinalar um governo
como desenvolvimentista.

É preciso que essa associação formadora de um núcleo central, ou nú-


cleo duro, seja feita conscientemente pelo governo, como um conjunto
de ideias concatenadas e estruturadas, tornando-se assim um roteiro de
ação, estabelecendo que, sem uma política consciente e deliberada, não
se pode falar em desenvolvimentismo. Este traz o governo à frente do
processo mostrando as bases de uma nova relação entre Estado, Socie-
dade e Economia, em que o primeiro se mostra um meio de estimular o
desenvolvimento. O Estado não deveria medir esforços para atingir seu
escopo principal (FONSECA, 2004. P. 227).

Mediante esse conjunto de ideias e uma nova postura do Estado, obser-


va-se o nascimento de um novo evento, em que se abandona “os prin-
cípios do orçamento equilibrado, da parcimônia com relação ao crédito 13
e a empréstimos e, inclusive, ao defender o aumento cada vez maior na
presença do Estado na organização dos produtores e dos trabalhadores”
(FONSECA, 2004. P. 237). Esquecer os antigos dogmas para a troca de
novos arranjos que advinham do cenário mundial, além da complexidade
interna, frutos da nova época. Desde a década de 1950, o desenvolvi-
mentismo constrói a representação de modernidade, a imagem de um
projeto que está à frente do seu tempo.

O incentivo de Getúlio Vargas à construção de uma indústria nacional


era vista como parte de um processo que resolveria os problemas rela-
cionados ao atraso de ordem econômica e os problemas de conjuntura
social, principalmente após a brusca queda nos índices de exportação
do país depois da desvalorização do café, acentuada pela crise de 1929.
A crise do café e da bolsa de Nova York contribuiu para a política eco-
nômica brasileira iniciar novo modelo. Desde então, o governo trazia a
proposta da substituição do setor agroexportador como carro-chefe da
economia nacional, em detrimento da economia industrial, que começa-
va a assumir a crescente importância para o país.

Por meio do processo de “mudança no eixo produtivo”, observou-se


que, mesmo marcado pelo amadurecimento da indústria, resultou, em
1945, num rápido crescimento do PIB per capita e contribuiu para iniciar
o desenvolvimentismo como carro-chefe da política econômica brasi-
leira, mediante o intervencionismo do Estado na criação de indústrias
estatais, a exemplo da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Com-
panhia do Vale do Rio Doce.

Mesmo tendo iniciado o processo durante o Estado Novo (1937-1945),


seu maior período de gestão é no pós-guerra, em que o processo de
industrialização do Brasil se torna mais enfático, pois há uma maior
participação de capital estrangeiro de origem norte-americana advinda
dos acordos fechados entre Vargas e Roosevelt, os quais foram firmados
quando constituída a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU),
CAPÍTULO 1

em dezembro de 1950, durante o governo Truman. Essa parceria simbo-


lizava para o Brasil o sucesso, uma vez que, por um lado asseguraria aos
projetos de infraestrutura econômica a saída do estreito caminho em que
se encontravam e, por outro, ao desembaraçar os nós da infraestrutura,
permitiria um maior fluxo de capital para o Brasil.

Contando com essa perspectiva favorável no cenário econômico nacio-


nal, o governo Vargas havia esquematizado um projeto político que se
estruturava em duas fases. A primeira voltada para a estabilização eco-
nômica do Estado, focando o equilíbrio das contas públicas e assumindo
uma política monetária restritiva. Isso visava ao controle da inflação que
assolava o país naquele momento. Era a segunda fase dedicada aos “em-
preendimentos e realizações”.

O resultado desse capital estrangeiro fluiu, no início da década de cin-


quenta, com a finalidade de desenvolver as “realizações” pretendidas
14 pela Assessoria Econômica do Gabinete Civil da Presidência, fundada em
1951, constatando-se, assim, a ampliação na organização de novas em-
presas públicas, como o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDE),
a Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras) e a Eletrobras, que só teriam sua
importância reconhecida a médio prazo.

Embora a década de 1950 tenha se iniciado esperançosa para o Governo


Vargas, dois anos após o plano traçado, a economia nacional encontrava-
-se em situação complicada. A alteração no perfil político dos Estados
Unidos, por meio da mudança entre uma liderança advinda do Partido
Democrata por outra, se originaria do Partido Republicano, com a elei-
ção de Eisenhower, levando ao cancelamento do financiamento dado aos
projetos elaborados pela Comissão Mista.

Apesar da crise gerada durante o governo de Vargas, o papel desempe-


nhado pelo capital internacional que fora adquirido nos primeiros dois
anos da década de 1950 teve sua importância, pois deu as condições ne-
cessárias para a construção da política econômica desenvolvimentista no
Brasil. Essa política, gerada pela crise que atingiu Vargas e Café Filho du-
rante o mesmo período, entre anos de 1953-1955, apresentou como ca-
racterística marcante a intervenção estatal e uma economia voltada para
o mercado interno, dois elementos apresentados como uma saída para a
crise e o desenvolvimento econômico. Dessa forma, o ano de 1956 apre-
senta o amadurecimento do desenvolvimentismo que Getúlio Vargas e
seus aliados semearam por mais de uma década sem conseguir obter bons
frutos e que seria conduzido por Juscelino Kubitschek depois de 1955.

Juscelino Kubitschek:
A era de ouro do desenvolvimentismo brasileiro

Durante a sua campanha eleitoral de 1955, JK apresentou em sua plata-


forma a preocupação em perpetuar o modelo de desenvolvimento mo-
vido pelo Estado. Ressaltava sempre que possível o importante processo

CAPÍTULO 1
que o País atravessava, apresentando os benefícios dessa transição que
distinguia o passado nacional, caracterizado pela produção agrária, de
um futuro pautado na industrialização e na crescente urbanização que o
país já observava desde a década de 1950.

Seu discurso seguia na direção dos dados de desempenho do PIB bra-


sileiro, no estreito período de 1950 a 1955. Nesse espaço de tempo, a
indústria de transformação nacional havia deixado os 18,7% de partici-
pação no PIB para crescer a 20,4%, enquanto o setor agropecuário havia
reduzido de 24,3% para 23,5%. Mesmo com o pequeno decréscimo no
setor agrário, o crescimento da indústria criava expectativas para o futuro
do país.

Segundo Juscelino, a preocupação em relação à continuidade desse pro-


cesso se convertia em plano de governo, que, no período de eleição
para a presidência, assumiu o nome de Diretrizes Gerais do Plano Na-
cional de Desenvolvimento, tratando de maneira explícita em seu con- 15
teúdo a aceleração do desenvolvimento econômico, como um caminho
a fim de transformar estruturalmente todo o país. Para JK, essa direção
era possível e necessária, por isso, seria exigida uma enérgica política
de industrialização.

Com a vitória nas eleições, em outubro de 1955, o ano seguinte foi mar-
cado pelo lançamento e pela implantação do seu Plano de Metas, título
que rebatizava as Diretrizes Gerais lançadas na campanha eleitoral. Os
cinco anos que seguiram as ações do plano de metas mudaram radical-
mente o panorama econômico nacional, visto a sensível redução do se-
tor agropecuário na participação do PIB que alcançou, no final de 1956,
o percentual de 17,8%.

O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) é visto, dessa maneira,


como uma continuidade do modelo de política democrático-populista,
cujo perfil havia se disseminado com sucesso no Brasil durante o gover-
no de Getúlio. Assim como no seguimento político, o período da gestão
JK trouxe a continuidade referente às políticas econômicas com o mesmo
direcionamento dos governos anteriores, embora tenham ocorrido con-
trastes em comparação às outras gestões, por apresentar um desempe-
nho de maior êxito na linha do desenvolvimento.

A era de ouro ficou assim conhecida por muitos, correspondente aos


cinco anos de êxito de Juscelino Kubitschek ao adotar uma estratégia
que privilegiava a indústria, mas com a diferença de que se encontra-
va, naquele tempo, melhor assistido em relação às gestões anteriores,
especialmente por meio da influência estruturalista já bastante consoli-
dada pela CEPAL. Esta já influenciava, há algum tempo, a linha de pen-
samento da teoria do desenvolvimento na América Latina. A influência
estruturalista cepalina fazia amadurecer o nacional-desenvolvimentismo
no país, transformando-o no grande modelo de desenvolvimento econô-
mico, que, no Brasil, ao longo de 1956, tomava corpo no Conselho de
Desenvolvimento, instituição responsável por tais setores da economia
CAPÍTULO 1

que precisavam de estímulo para continuar ou ampliar o ritmo de cres-


cimento. Era o órgão responsável por levar adiante as metas planejadas.

O programa buscava realizar seus investimentos em áreas como ener-


gia, transporte, indústria de base, alimentação e educação. Ao todo, so-
mavam-se 30 objetivos estabelecidos e que se encontravam divididos
nessas cinco áreas. Uma quantia que, de acordo com o plano de metas,
correspondia na época cerca de 5% do valor total do produto interno
bruto brasileiro. Focava investimentos principalmente nas áreas de in-
fraestrutura básicas do país, ponto de estrangulamento que, há alguns
anos, atrasava o desenvolvimento brasileiro.

Em outras palavras, o Plano de Metas era a intervenção do Estado na


busca para alcançar altos ritmos de crescimento. Essa estratégia permi-
tia, mediante diversas reformas estruturais, ampliar as taxas de cresci-
mento na industrialização, que, naquele período, estavam agregadas à
16 implantação das indústrias automobilísticas e à produção de bens de
capitais. Apesar de a ampliação desses segmentos permitirem acelerar o
desenvolvimento econômico, os efeitos não seriam suficientes se dentro
do campo de ação do Conselho do Desenvolvimento não estivesse pro-
gramada a adoção de uma tarifa aduaneira protecionista, que permitia
a substituição das importações. Isso favorecia as empresas ineficientes
surgidas durante o governo JK, as quais não possuíam a capacidade de
competir com o mercado e recebiam os “benefícios da proteção” econô-
mica do Estado.

As ações do Conselho de Desenvolvimento sintetizam as duas diretrizes


às quais o Estado nacional-desenvolvimentista deveria seguir. A primeira
fez prevalecer e promover o desenvolvimento econômico e, em segundo
plano, construir, por meio da unidade nacional, os meios para alcançar
esse objetivo no âmbito do sistema capitalista. O Estado assumia a fun-
ção de instrumento principal dessa ação coletiva, que juntou no Brasil os
empresários, a burocracia do Estado, a classe média e os trabalhadores.
Ele não se limitava a um modelo de substituição de importação para pro-
teger a indústria nacional; tratava-se, na compreensão dos analistas, do
nacional-desenvolvimentismo, de uma estratégia conduzida pelo Estado,
no qual essa instituição julgava que o mercado constituía uma ferramenta
eficaz para alocar recursos desde que estivessem aliadas ao planejamen-
to econômico e à constituição de empresas estatais (BRESSERR-PEREIRA,
2010. P. 07).

Como resultado do Plano de Metas, implementado por Juscelino Kubits-


chek, no decorrer de seu mandato, observou-se um alto percentual no
cumprimento das realizações frente ao planejamento elaborado, eviden-
ciando áreas como a construção de estradas, a produção automotiva e a
expansão do setor produtivo de energia elétrica. Desses três segmentos,
a produção de veículos, em particular, servia para que o crescimento no
setor de bens de capital pudesse ser incentivado, ocasionando conse-
quentemente a queda nos índices do setor ferroviário e de produção de
carvão mineral, refletindo nos resultados da predileção feita pelo setor

CAPÍTULO 1
automotivo.

No contexto geral, a estratégia de política econômica resultou, de 1956


a 1960, em uma taxa de crescimento além do que se havia previsto na-
quele curto espaço de tempo. A média de crescimento para o produto
real per capita, esperada para 2% ao ano, superou a expectativa, chegan-
do ao valor de 5% ao ano, embora no mesmo período tenha ocorrido o
crescimento além do previsto para as taxas médias de inflação. Os eco-
nomistas do governo aguardavam que as tarifas permanecessem no valor
de 13,5% ao ano quando na realidade, ao final de 1960, já acumulavam
um valor médio de 25% ao ano. Juscelino Kubitschek lança, em 27 de ou-
tubro de 1958, o Programa de Estabilização Monetária, formulado pelo
Ministro da Fazenda, Lucas Lopes, e pelo presidente do BNDE, Roberto
Campos, visando, por meio desse plano, à liberação de um novo em-
préstimo pelo Fundo Monetário Internacional – FMI, preocupado como
o Déficit de balanço no país. Mesmo com uma proposta de estabilização
monetária, não foi possível retroceder com esse cenário inflacionado. O 17
Índice Geral dos Preços – IGP se mantinha crescente, atingindo em 1960
uma média percentual de 30,5%. Ao final de seu mandato, JK deixava
como herança para seu sucessor um legado negativo a ser sobrepujado.

Os índices, no início da década de 60, demonstravam os primeiros pro-


blemas advindos da política de nacional-desenvolvimentismo. Ainda que
tenha ocorrido uma mudança de gestão, foi herdado um cenário econô-
mico, comparativamente, muito pior que recebera Juscelino Kubitschek.
Ao novo presidente Jânio Quadros, e seu vice, João Goulart, era- lhes
incumbida a missão de restaurar uma conjuntura macroeconômica de-
sastrosa que vigorava no país. A administração econômica do Brasil havia
se transformado no objetivo principal da sua gestão do governo.

A resposta para aquele cenário viria na forma de um pacote de medi-


das ortodoxas do governo, que incluía uma forte desvalorização cambial,
uma política de contenção dos gastos públicos, a redução de subsídios
para a importação de petróleo e trigo, entre outras medidas, que visavam
agradar ao FMI e aos demais credores brasileiros.

As medidas tomadas por Quadros tinham como intenção uma estabiliza-


ção doméstica, associada a uma recuperação do crédito externo do país,
a fim de que fosse possível uma renegociação da dívida externa e, numa
etapa posterior, retomar, por meio de uma nova política, o crescimento.
Para isso, era necessário garantir novamente a mescla de investimentos
oriundos de capital privado, estrangeiro e oficial. Apesar de constituir
uma estratégia engenhosa, não foi possível analisar seus méritos. Com
sua renúncia, em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros somava à crise
econômica uma crise política por meio da forte oposição à posse de seu
vice, João Goulart.

A transição de governo, no começo da década de 60, marcava o início de


duas crises internas no país. De um lado, o modelo nacional-desenvol-
vimentista apresentava seus principais problemas estruturais, causados
CAPÍTULO 1

pelo gradativo processo de substituição de importações e inflação cres-


cente. De outro, a crise de representação gerada com a posse de João
Goulart demonstrava que o Brasil se direcionava gradativamente para a
mesma direção de outras nações latinas e que levaram a formação de
regimes ditatoriais, embora nosso foco esteja delimitado ao estudo do
desenvolvimento e do desenvolvimentismo. Na história econômica do
país, em meados de 1960, ao se abordar o crescimento e os planos que
visavam alcançá-lo, confrontamo-nos sempre com a ditadura brasileira.

SAIBA MAIS

PREBISCH, Raúl. O desenvolvimento econômico da América Latina e


alguns de seus problemas principais. Disponível em: http://archivo.
cepal.org/pdfs/cdPrebisch/003.pdf

18
Documentários
Os anos JK – Uma trajetória política.
https://www.youtube.com/watch?v=Qe6RGrCE2fc

O filme, narrado por Othon Bastos, aborda a História do Brasil: a


eleição de JK, o nascimento de Brasília, o sucessor Jânio Quadros,
que renuncia, a crise política, o golpe militar e a cassação dos direi-
tos políticos de Juscelino.

Atividades

1. Como a teoria do subdesenvolvimento influenciou o surgimen-


to do modelo desenvolvimentista? Discorra.

2. Como a aplicação de um modelo desenvolvimentista influen-


ciou a economia brasileira durante a primeira metade do século
XX?

Referências Bibliográficas
BRESSER-PEREIRA. O Conceito histórico de Desenvolvimento Econô-
mico. IN: Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas
FGV-EESP. Texto para discussão 157 • dezembro de 2006. Pag.19.

IDEM. Do antigo ao novo desenvolvimentismo na América Latina. IN:


Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas FGV-EESP.
Texto para discussão 274 • novembro de 2010.
COLISTETE, Renato Perim. O desenvolvimentismo Cepalino: problemas

CAPÍTULO 1
teóricos e influências no Brasil. In: SZMRECSÁNYI, Tamás. COELHO,
Francisco da Silva. Ensaios de história do pensamento econômico no
Brasil contemporâneo. São Paulo: Atlas, 2007.

FONSECA, Pedro Cesar Dutra. Gênese e percussores do desenvolvi-


mentismo no Brasil. In: Revista Pesquisa & Debate do Programa de Estu-
dos Pós-Graduados em Economia Política – Departamento de Economia
da PUCSP, SP, Volume 12, n.2 (26), pp 225-256, 2004.

NOVELLI, José Marcos Nayme. O neodesenvolvimentismo no Brasil:


ideias econômicas sem poder político. IN: http://www.anpocs.org/por-
tal/index.php?option=com_content&view=article&id=1156:i. Acessa-
do em 10/11/2014 às 19:00.

PREBISCH, Raúl. O desenvolvimento econômico da América Latina e


alguns de seus problemas principais. In: CEPAL, Boletim econômico
da América Latina, vol. VII, n° 1, Santiago do Chile, 1962. Publicação da 19
Organização das nações Unidas.

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Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.

SUNKEL. Osvaldo. Desenvolvimento, subdesenvolvimento, dependên-


cia, marginalização e desigualdades espaciais: por um enfoque totali-
zante”. In: BIELSCHOWSKY (org.), cinquenta anos de pensamento da
CEPAL. Vol. 02. Rio de Janeiro: Record.

VIANNA, Sérgio Besserman. VILELA, André. O pós-guerra (1945-1955).


In: GIAMBIAGI, Fabio... et al. Economia brasileira contemporânea. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2011.

VILELA, André. Dos “Anos Dourados” de JK à crise não resolvida (1956-


1963). In: GIAMBIAGI, Fabio... et al. Economia brasileira contemporâ-
nea. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

Idem. Desenvolvimento econômico em perspectiva histórica. IN: VE-


LOSO, Fernando; FERREIRA, Pedro Cavalcanti; GIAMBIAGI, Fabio; PES-
SÔA, Samuel (Org.). Desenvolvimento econômico: uma perspectiva bra-
sileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

TRASPDINI, Roberta Sperandio; MANDARINO, Thiago Marques. Desen-


volvimento X Neodesenvolvimento na América Latina: continuidade e/
ou ruptura. Águas de Lindóia, 2013. In: Anais do 37º Encontro Anual
da Anpocs, de 23 a 27 de setembro de 2013, em Águas de Lindóia/SP.
Disponível em: http://portal.anpocs.org/portal/index.php?option=com_
docman&task=doc_view&gid=8393&Itemid=459. Acessado em
10/10/2014. ISSN 2177-3092.
CAPÍTULO II:

CAPÍTULO 2
A CRISE DO
NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO
BRASILEIRO

Prof. Ms. Phillipe Augusto Gomes Silva Bastos

Carga horária: 15h

Objetivos Específicos 21
• Compreender os efeitos do nacional-desenvolvimentismo durante o
período que vai da década de 1960 à década de 1980;

• Discutir a crise do modelo desenvolvimentista no Brasil;

• Compreender como a crise do modelo nacional-desenvolvimentista


influenciou política e socialmente o Brasil durante aquele período.

Introdução

Este capítulo é voltado a compreender os efeitos do modelo nacional-de-


senvolvimentista durante o período que se estende de meados de 1950 a
1980. O objetivo é constatar que a aplicação dessa estratégia econômica
afetou a dinâmica política brasileira, contribuindo para a formação e o
estabelecimento da ditatura civil-militar brasileira. Analisaremos os prin-
cipais elementos que permitiram a crise do modelo desenvolvimentista
no Brasil e como a falência desse modelo de desenvolvimento afetou as
estruturas socioeconômicas do país no início da década de 1970. Anali-
saremos também como a crise do modelo nacional-desenvolvimentista
contribuiu para a aceitação, na década de 1980, de uma política neolibe-
ral. Estudar a trajetória do modelo desenvolvimentista é compreender
um pouco mais a história do Brasil contemporâneo, pois os dois estão
intimamente ligados.

A década de 1960: da crise econômica à crise política

No campo da política, a crise gerada pela renúncia de Jânio Quadros


projetava um cenário desfavorável para o governo de seu sucessor. En-
quanto, no campo da economia, o modelo nacional-desenvolvimentista
dava sinais de seus primeiros desgastes, após quinze anos de significati-
vo crescimento e melhora no padrão de vida do povo brasileiro, ocorria
o indício de uma forte crise. A política de industrialização, utilizando-se
CAPÍTULO 2

de capital estrangeiro que há alguns anos antes fluía com facilidade para
o país, associada à substituição de importações defendida Prebisch em
sua teoria do subdesenvolvimento, apresentava como efeito colateral
uma inflação crescente. Isso fazia o governo, no curto espaço de tempo
da gestão Jânio Quadros, pensar estratégias econômicas mais ortodoxas
para controlar a elevação dos preços.

A tentativa pensada por Jânio Quadros de estabilizar a economia interna


do país permitiu, ainda em 1961, resultados promissores. Naquele mes-
mo ano, foi possível registrar um aumento do PIB brasileiro, que havia
crescido 8,6%, da mesma forma que se somava a estes dados um peque-
no aumento no número de exportações, que passaram a somar US$ 1,4
bilhão em 1961, e a redução da relação da dívida externa líquida/expor-
tações, que registrou uma queda percentual de 0,7% no mesmo período.
Embora a aparência fosse promissora, a taxa de crescimento continuava
22 em desaceleração, em larga medida, resultante do descontrole inflacio-
nário cujo Índice Geral de Preços apresentava um crescimento de 17,3%
pelo qual passou de 1960 e 1961.

À medida que a crise política se intensificava com a crescente oposição


à nomeação de João Goulart para a presidência da república após a re-
núncia de Jânio Quadros, é instaurada uma ação conciliatória na admi-
nistração do país. Nesse ínterim, nomearam João Goulart para o cargo
de presidente, embora seus poderes estivessem limitados por meio da
nomeação de Leonel Brizola como primeiro-ministro; passando do pre-
sidencialismo a um regime parlamentarista. Dessa maneira, pensava-se
que fosse possível projetar uma imagem menos populista e pendente ao
lado dos trabalhadores porque estava associada à imagem de Goulart.
Seria uma tentativa de acalmar os ânimos internos da política brasileira e
dos investidores externos que procuravam um panorama menos instável
para realizar seus investimentos.

O regime parlamentarista provisório visava também ao melhor condi-


cionamento da política econômica. A estabilidade duvidosa na política
nacional não permitia ao governo provisório desfrutar de ações demo-
radas. Em meio à acentuada deterioração do quadro econômico, será
publicado, em dezembro de 1962, o Plano Trienal de Desenvolvimento
Econômico, lançado após a significativa queda de crescimento visualiza-
da em 1962, que passou a ser de 6,6%.

Idealizado por Celso Furtado, o plano trienal apresentava como objetivo


a conciliação do “crescimento econômico com reformas sociais e o com-
bate à inflação” (VILELA, 2011. P. 41). Para ele, sua estratégia de cresci-
mento constituía uma saída alternativa à ortodoxia monetária advinda
do Fundo Monetário Internacional, pois abria a possibilitava de dirigir a
economia com estabilidade, sem haver a necessidade de instituir uma
purga recessiva.
CAPÍTULO 2
SAIBA MAIS

Celso Furtado (26 de julho de 1920- 20 de novembro de


2004)

Um brasileiro, Celso Furtado, foi um dos eco-


nomistas mais importante do século XX ao
pensar a influência do estado na economia e
seus efeitos sobre o desenvolvimento e subde-
senvolvimento. Nasceu no sertão da Paraíba e
graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
no ano de 1944.

Em 1946, iniciou o doutorado em economia na Universidade de Pa-


ris-Sorbone, onde se formou dois anos depois defendendo uma tese
sobre a economia brasileira durante o período colonial. 23
Em 1949 mudou-se para Santiago do Chile, onde integrou a recém-
-criada CEPAL, sob a direção do economista argentino Raul Prebisch.
Ao voltar para o Brasil, em 1950, presidiu o grupo misto CEPAL-BN-
DES, no qual elaborou um rico estudo utilizado pelo presidente na
época, Juscelino Kubitschek, para formular o seu plano de metas. Foi
convidado para o King’s College da Universidade de Cambridge, na
Inglaterra, onde escreveu um livro, seu trabalho mais conhecido, e
que se tornou um clássico da historiografia econômica brasileira, A
formação Econômica do Brasil.

Cassado em 1964 pela ditadura civil-militar brasileira, sai do país e


passa a atuar como professor e pesquisador no exterior. Retorna ao
Brasil apenas 15 anos após ser decretada a anistia. No Brasil perma-
neceu até sua morte em 20 de novembro de 2004.

Fonte da imagem:
https://www.google.com.br/search?q=celso+furtado&client=firefox-b-
-ab&tbm=isch&imgil=2_yUnQnxzNWLRM%253A%253BxgQRq-

O plano elaborado por Furtado visava atingir objetivos pré-estabelecidos


que melhorariam a conjuntura econômica do Brasil. Entre os pontos de-
fendidos, encontravam-se uma meta de crescimento estabelecida em 7%
ao ano; a redução seguida do controle da taxa de inflação; o compro-
metimento em promover o aumento no salário real, desde que acompa-
nhasse a mesma taxa do aumento da produtividade; e uma renegociação
da dívida externa do país, que abriria a possibilidade para a diminuir a
pressão causada pela dívida sobre os balanços de pagamento do país.
Isso permitia estipular a realização da reforma agrária e funcionar como
jogada de duplo efeito, visto que possibilitava uma solução para a forte
demanda social e incentivava o aumento do consumo em vários segmen-
tos do setor industrial.
O Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico, apesar de todas as
CAPÍTULO 2

metas apresentadas, pôde ser explicado por dois aspectos: controle da


inflação e ações de ênfase no modelo desenvolvimentista. O primeiro
retratava um aspecto já comentado e se referia às políticas que per-
mitiam uma gradativa diminuição na defasagem das contas públicas.
Entretanto, o outro aspecto representava uma medida paradoxal à con-
vulsão econômica vigente, embora aquela mesma conjuntura tivesse
origem na defasagem da política desenvolvimentista, que utilizava de
uma inflação desregulada como mecanismo de contribuição para o au-
mento de crescimento.

Para Furtado, cuja estratégia de crescimento se encontrava alinhada ao


pensamento estruturalista da CEPAL, era compreensível rever, na política
macroeconômica desenvolvimentista, a tolerância com taxas de inflação
utilizando medidas mais ortodoxas que permitissem estabelecer para um
programa de metas. Mas, em relação à crise do modelo desenvolvimen-
tista, sua tradição estruturalista não permitia a ele concordar que a estra-
24 tégia utilizada era, naquele momento, falha.

O que é inflação?

Inflação é um fenômeno monetário no qual a desvalorização da mo-


eda resulta em aumento de preço, ou seja, se a moeda de determi-
nado país passa a valer menos que outras moedas. Internamente
essa desvalorização leva os países que sofrem com o descontrole
inflacionário a imprimir mais dinheiro, automaticamente resultando
em aumento de preço. Em resumo, aumenta-se a quantidade de
dinheiro impresso ao mesmo tempo em que a moeda perde valor,
tornando o acesso a produtos mais difícil, uma vez que estes sobem
vertiginosamente para compensar o baixo valor da moeda.

A solução encontrada pelo plano trienal não se encontrava numa revi-


são do desenvolvimentismo, mas em seu aprofundamento. Para que isso
ocorresse, Furtado estipulava a necessidade da ampliação do mercado
interno, estabelecido pela reforma agrária e sua associação com políticas
que fossem direcionadas à distribuição de renda. A tentativa de colocar
em prática tais medidas ficou caracterizada no Governo de João Goulart,
na realização do seu plano para as “Reformas de Bases”. Celso Furtado
procurava fornecer ao desenvolvimentismo um novo fôlego por meios
dessas ações. Entretanto, para isso, seria necessário um retorno à entra-
da do capital estrangeiro, a fim de serem corrigidos os problemas refe-
rentes à balança de pagamento do Brasil.

Em março de 1963, na tentativa de adquirir um novo escalonamento da


dívida do país, o Brasil envia uma comitiva aos Estados Unidos, presidi-
da pelo então ministro da Fazenda, San Tiago Dantas. A viagem possuía
também como objetivo a abertura de negociações que permitissem ob-
ter ajuda financeira adicional. Diferentemente da recepção dada a Jânio
Quadros dois anos antes, o governo norte-americano foi rígido nas tran-
sações demonstrando sua indisposição em ajudar.
Dessa maneira, como resposta dos quase US$ 600 milhões solicitados

CAPÍTULO 2
pelo Brasil, Dantas não conseguiu mais que US$ 400 milhões gradu-
almente. Também não houve êxito na renegociação da dívida externa,
atitude que refletia os efeitos da deteriorada política brasileira. Em outras
palavras, por conta do alinhamento de João Goulart com a esquerda,
Washington, durante o acirramento da guerra fria, observava com muito
pouco entusiasmo. Com a impossibilidade de reescalonamento, “o Pla-
no Trienal de Celso Furtado foi a última tentativa, também frustrada, de
resolver a alta de preços e outros problemas que emergiram na esteira
do Plano de Metas” (MANTEGA, 1997. P. 09), após as diversas tentativas
de domar a economia e a política, sem obter êxito. “O desequilíbrio que
naturalmente decorre de processos de take off econômico acelerado –
como foi o período de 1956-60 – teve efeitos econômicos perversos,
que Jânio e João Goulart não puderam solucionar” (VILELA, 2011. P. 45).
O ano de 1964 trouxe como efeito a esse quadro o fim do processo de-
mocrático no Estado brasileiro. Embora a política estivesse em mudança
para com a formação de uma ditatura civil-militar, o modelo econômico 25
ainda não sofrera grandes alterações.

Do nacional-desenvolvimentismo dos militares


a hegemonia neoliberal

Para aquele modelo de Estado recém-imposto, o problema de incentivo


ao crescimento era igualmente importante. A taxa de crescimento do
PIB, registrada no decorrer dos últimos seis anos, havia contraído, tendo
chegado ao valor de 0,6%, bem abaixo das expectativas. No retorno ao
crescimento pleno, demonstrou-se a principal meta do governo militar,
embora, antes de estimular o crescimento, fosse necessária aos militares
a elaboração de um plano de contenção para a crise que se estendia, a
fim de que, dessa maneira, fosse encerrado o estado de “estagflação”,
ou seja, o período de estagnação econômica associado ao aumento da
inflação que dificultava a atuação do governo.

Com o pensamento voltado para o realinhamento econômico, o governo


militar, sob o comando do General Alberto Costa e Silva não se diferen-
cia das gestões anteriores ao golpe. Parte novamente para a aplicação
de uma política econômica de caráter ortodoxo para controlar a crise no
país, não muito diferente do que já havia sido tentado por Jânio Quadro
em 1961. Os novos ministros da Fazenda e do Planejamento, empossa-
dos em 1964, Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto de Oliveira Cam-
pos, pertencentes a uma linha de economia ortodoxa, estabeleceram
uma política de combate gradual à inflação, à expansão das exportações
e à retomada do crescimento como principais objetivos da política eco-
nômica. As metas estabelecidas por Bulhões e Campos permaneceram
orientando as gestões seguintes até o ano de 1973, quando passaram
a seguir uma orientação de caráter restritivo, constituindo, em grande
parte, um reflexo da continuidade da política do período.
Dos novos rearranjos econômicos, a classe empresarial foi aquela que
CAPÍTULO 2

demonstrou pouca insatisfação com o novo governo imposto, pois a


política econômica adotada pelo governo militar entre 1964 e 1973 foi
benéfica aos lucros, diferentemente da gestão “voltada para o trabalha-
dor” como havia sido feita por João Goulart. Com o governo dos milita-
res, a economia sofreu algumas mudanças, o que permitiu caracterizar
a primeira fase do governo em dois momentos distintos: o primeiro que
vai de 1964 a 1967, marcado por uma série de ajuste, para combater o
desequilíbrio e a estagflação da economia, mediante uma postura mais
ortodoxa; e segundo que vai de 1968 a 1973, marcado pela adoção de
uma política monetária expansiva e por um enérgico processo de cresci-
mento nas atividades econômicas.

O primeiro momento caracterizou-se pelo lançamento de diversas refor-


mas criadas pelo ministro Roberto Campos, detalhadas para o General
Castello Branco no final de abril de 1964, por meio de um documento
interno, intitulado A Crise Brasileira e Diretrizes de Recuperação da Cri-
26 se; o ministro apontava a elaboração e execução de um plano emer-
gencial para que fosse rechaçada a inflação. Esse plano, posteriormente
denominado de Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), atuou
na reforma na da estrutura econômica do país. Campos julgava que a
responsabilidade do processo inflacionário era de competência dos défi-
cits governamentais, além de uma contínua pressão salarial. Esse quadro
havia inspirado a criação do PAEG, cujas principais medidas estavam no
seu enfrentamento.

Os principais objetivos pretendidos pelo programa estavam na elabora-


ção de um plano de ajuste fiscal, o qual visava: um aumento da arrecada-
ção tributária e de tarifas públicas; um orçamento que prezava por taxas
de expansão dos meios de pagamento que fossem decrescentes; uma
política de crédito para o setor privado, que fosse limitada pelas mesmas
taxas da expansão dos meios de pagamento e um dispositivo de correção
salarial, no qual a manutenção ocorresse da média do biênio anterior,
acrescido do valor percentual relacionado ao aumento da produtividade.
Esta última regra foi primeiramente estabelecida para o setor público,
mas posteriormente estendida ao setor privado.

Com relação a essas medidas, o PAEG havia estabelecido medidas para


uma inflação decrescente para período de 1964-66, fazendo projeções
para uma queda gradual e com previsão para uma taxa média de 25%,
em 1965, e de 10%, em 1966, e prevendo uma redução considerável,
tendo em vista que a meta de inflação para o ano de 1964 fora estabeleci-
da em 70%. Isso indicava que o programa de governo era uma estratégia
gradualista, não visava ao fim da inflação, mas buscava mantê-la na casa
dos dois dígitos, o que caracteriza na economia uma inflação corretiva,
para que fosse possível a preservação caso ocorresse uma crise de es-
tabilidade. O programa também trazia consigo uma política austera no
campo fiscal, mediante um corte de despesas que teria uma ligeira me-
lhora no ano seguinte. Essa medida era vista como necessária a fim de
que a redução da inflação ocorresse de forma mais acelerada.
Esse conjunto de medidas criado significou uma relativa elevação tributá-

CAPÍTULO 2
ria do Brasil, aumentado de 16% de participação no PIB, segundo dados
de 1963, para 21% em 1967. Entretanto, favoreceu maior centralismo
administrativo, concedendo ao Estado mais controle em contrapartida à
diminuição dos direitos tributários de estados e municípios brasileiros.
No campo social, a reforma tributária trouxe maior benefício às classes
mais altas em detrimento da classe mais baixa.

Enquanto a reforma tributária permitia maior arrecadação do Estado e


criava uma dependência maior das unidades federativas com relação ao
poder central, as reformas financeiras visavam à ampliação do Sistema
Financeiro Brasileiro (SFB), agregando aos bancos públicos, os únicos
que propiciavam investimentos ao prazo mais longo, o segmento priva-
do para que houvesse uma complementação do sistema financeiro.

A reorganização do sistema financeiro objetivava dotar o SFB dos dispo-


sitivos necessários, para sustentar o processo de industrialização já em
curso, e um modelo não inflacionário, como havia ocorrido no final da 27
era de ouro de Juscelino Kubistchek. Por isso, foram criadas, em meados
da década de 1960, duas novas instituições; o Banco Central do Brasil
e o Conselho Monetário Nacional. Os militares haviam assumido o po-
der em 1964, com o discurso que atribuía ao governo militar a missão
de ‘salvar’ o país do caos econômico e político em que se encontrava.
Todo o esforço exercido visava a um equilíbrio que permitisse realizar
uma nova fase de crescimento. Este não demorou muito para se notar;
era uma versão militarista e autoritária do nacional-desenvolvimentismo,
que passava a orientar a política econômica brasileira, sem apresentar
como elemento característico da década de 1950 o populismo de Estado.

Após um período de reajuste observado no percorrer o período de 1964


e 1967, a expansão capitalista voltara sem que houvesse a necessidade
de realização de uma reforma agrária ou qualquer tipo de transformação
estrutural que havia sido reivindicado pelo nacional-desenvolvimentis-
mo. Ao contrário do que havia sido idealizada pela maioria dos pensa-
dores do nacional-desenvolvimentismo, a solução encontrada foi dada
reduzir o poder aquisitivo dos trabalhadores, gerando recuperação na
rentabilidade do capital. Dessa forma, o nacional-desenvolvimentismo
tomava outra forma, driblando os problemas originários da inflação pela
reestruturação, embora, mais a frente, demonstrassem que os velhos
problemas iriam persistir.

Com a aplicação de um novo modelo desenvolvimentista pelos militares,


o que se observou na década seguinte foi uma onda de crescimento eco-
nômico no Brasil. O milagre econômico da década de 1970, originado
das reformas estruturais do Plano Nacional do Desenvolvimento em suas
duas fases, marcava o último suspiro do modelo nacional-desenvolvi-
mentismo. O projeto, no qual havia pensado o governo militar brasileiro,
do milagre econômico, estruturava toda a cadeia produtiva brasileira na
capacidade de uma produção permanente dentro do setor de bens de
consumo duráveis. “Contudo, sua efetiva utilização dali em diante im-
plicava uma demanda por bens de capital e de petróleo que podia ser
CAPÍTULO 2

atendia pelo parque industrial brasileiro” (HERMAN, 2011. P. 75), o que


gerava maior dependência da economia nacional. Um exemplo disso foi
a crise do petróleo de 1974 e de 1979, que interrompeu a corrente de ca-
pital estrangeiro para o país e elevou as taxas básicas de juros, enquanto
os países industrializados combatiam o efeito inflacionário gerado pelo
aumento do petróleo.

Os problemas enfrentados naquele momento eram reflexos dos déficits


do modelo desenvolvimentistas que haviam sido ignorados por diver-
sos economistas do governo. O modelo de crescimento, por meio do
estímulo do estado, de política de substituição de importações se en-
contrava, naquela década, desgastado, pois a estratégia havia sido pen-
sada para países de baixa renda, além da industrialização, uma vez que
tenha sido realizado o processo de industrialização e os estados tenham
completado suas revoluções capitalistas. Tais países passaram a ser clas-
sificados como possuidores de renda média, precisando agora competir
28 internacionalmente para que o seu crescimento pudesse ser mantido.
Os que não voltaram suas economias para uma gradativa abertura de
mercado estavam, dessa forma, plantando as sementes de sua própria
destruição (BRESSER-PEREIRA, 2010. P. 11). Em síntese, como o antigo
desenvolvimentismo era uma estratégia voltada para dentro, estava na
hora de substituí-lo.

Os países que não adotaram uma gradativa abertura de mercado em


direção ao liberalismo econômico, como o Chile, sofreram com a gran-
de crise econômica ocorrida na década de 1980. Em parte, a nova crise
apresentava os problemas dos modelos econômicos pouco propensos
ao mercado externo, tendo resultado na substituição do modelo desen-
volvimentista no decorrer daquele período. Era a mudança de estratégia
realizada por um grupo de economistas que regressara ao Brasil após
uma temporada de estudos, em universidades estrangeiras de países
desenvolvidos.

Sua formação havia sido completada com sucesso pelas ideias econômi-
cas neoliberais, que estavam conseguindo associar desenvolvimentismo
e populismo. Essa visão, associada à crise vigente, ajudava a comple-
tar a visão de que o Estado intervencionista durante muito tempo foi
um fator do desenvolvimento, havia agora se tornando um obstáculo.
“A crise do Estado está associada, de um lado, ao caráter cíclico da in-
tervenção estatal, e de outro, ao processo de globalização, que reduziu
a autonomia das políticas econômicas e sociais dos estados nacionais”
(BRESSER-PEREIRA, 1997. P. 11). O colapso da União Soviética e a crise
dos países latinos contribuíram para essa constatação, fazendo o desen-
volvimentismo ser considerado uma política econômica irresponsável.
Dessa forma, o que se observou na década de 80 foi o arrefecimento do
modelo desenvolvimentista na América Latina.

No Brasil, “as eleições presidenciais de 1989 radicalizaram as polariza-


ções político-ideológicas entre Estado/mercado, internacional/nacional
e adicionaram a esses pares opostos a contraposição de modalidades

CAPÍTULO 2
distintas de democracia” (SALLUM, 1999. P. 27). O governo Collor, por
meio de vias transversas, já contribuía para danificar a organização ins-
titucional nacional-desenvolvimentista, com o objetivo de estabelecer
uma orientação econômica antiestatal e internacionalizante, só atingida
quando Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso estavam na presi-
dência. Favorecido no início da década de 1990, com novas condições
favoráveis como o reinício de fluxo de capital para a América Latina, re-
duzido drasticamente desde os anos 70, e o amplo apoio político-parti-
dário que sustentou esses governos, o que se observou foi o avanço do
reformismo liberal passando a inviabilizar qualquer forma de retorno ao
nacional-desenvolvimentismo.

O chamado Consenso de Washington, programa que propunha a libera-


lização das economias dos países latinos como solução para acabar a cri-
se e como retorno da prosperidade econômica nessas nações, excluiu o
Estado da participação direta na economia, passando de ator preponde-
rante para uma posição secundaria dentro do modelo econômico liberal. 29
“O Estado não cumpriria funções empresariais, que seriam transferidas
para a iniciativa privada; suas finanças deveriam ser equilibradas e os
estímulos diretos dados às empresas privadas seriam parcimoniosos”
(SALLUM, 1999. P. 310). Esse quadro só sofreria alterações vinte anos
depois.

Neoliberalismo

É uma doutrina político-econômica que reflete uma tentativa de


adaptar ao capitalismo moderno os princípios básicos do liberalismo
econômico. Os neoliberais acreditam que a economia se organiza
naturalmente com a livre decisão individual, baseada na mecânica
dos preços. Defendem uma disciplina do mercado, mas de maneira
pontual, de forma a não sufocar o mercado por meio de controle
como o do Estado. Essa característica faz a diferença dos liberais
clássicos, pois acreditam que o mercado tem a capacidade de se
autorregular.

Foi na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) que, com


efeito, o Brasil havia conseguido controlar a inflação, o maior problema
econômico do país no último século. Tal sucesso foi adquirido graças à
flexibilização da legislação trabalhista e do gasto social; venda das em-
presas estatais, elevação das taxas de juros tanto quanto exigido pelo
“mercado” e direcionamento dos bancos públicos para apoiar as priva-
tizações. O que apresentava para o mercado internacional uma maior
seguridade e permitia a vinda de capital estrangeiro, interessado no in-
vestimento de um ambiente seguro e rentável.

Embora tenha apresentado competência para lidar com velhos proble-


mas econômicos, o mérito pelo controle parcial da situação econômica
crítica em que se encontrava imerso o país desde a década de 1980, o
governo de Fernando Henrique não conseguiu, de maneira geral, cons-
CAPÍTULO 2

truir uma imagem de governo favorável. Foi considerado por alguns estu-
diosos e por parte da opinião pública um período de arrocho econômico
e de pouca eficiência, em se tratando das taxas de crescimento e desen-
volvimento, elementos que repercutiam índices pouco expressivos em
relação ao nível de equidade social.

Ao péssimo panorama econômico, acrescentavam-se o desastre resul-


tante de algumas privatizações realizadas na era FHC e o crescimento das
denúncias de corrupção, que criaram uma forte resistência das camadas
populares; além disso, a burguesia nacional se sentia desprestigiada pelo
governo, preocupado em atender as exigências do capital internacional.
Em outras palavras, o desenvolvimento no Brasil de uma política neolibe-
ral proporcionava, conforme esperado, um realinhamento econômico e
um controle mais enfático da crise. Mas, em contrapartida, se mostrava
ineficiente quando se tratava de proporcionar crescimento econômico
30 significativo, que pode ser notado mediante o nível de crescimento do PIB
durante o período de oito anos do governo de Fernando Henrique. Entre
os dois mandatos de FHC, o Brasil assinalou uma trajetória de stop and
go, ou seja, apresentou um crescimento econômico pouco sustentável e
que forçou a posteriori uma desaceleração rápida da economia. Tal efeito
originou um crescimento médio bastante reduzido do PIB, uma taxa mé-
dia acumulada de 2,7%; enquanto o PIB per capita acusou uma taxa bem
menor, ficando em torno de 1,2%, durante aquele período, somando os
dados econômicos aos resultados adversos de algumas privatizações,
ao crescimento das denúncias de corrupção e a uma pífia melhoria nas
condições de vida da população carente do país. Este último demonstrou
a fragilidade do governo em realizar o que Cardoso denominou em seu
discurso de “verdadeiro grau de desenvolvimento”. Criou-se uma forte
resistência não só das camadas populares mas também da burguesia
nacional. Ambos se sentiam desprestigiados pelo governo que indicava
estar mais preocupado em atender as exigências do capital internacional
em vez das demandas da sociedade civil.

Com efeito a este cenário, foi possível observar na política um fortale-


cimento da oposição, que se encontrava representada pelo Partido dos
Trabalhadores. Por outro lado, para Luciana Genro, “a política econômica
de FHC, voltada para atender os interesses do capital financeiro, estran-
gulou setores da burguesia, levando-os a aderir à saída Lula ou a aceitá-
-la, de forma mais ou menos conformada”. Dessa maneira, observou-se
a ascendência de um governo de esquerda ao comando do país, utilizan-
do uma plataforma de campanha que defendia o crescimento econômi-
co com estabilidade, aliada à “bandeira social, a criação de um grande
programa contra a fome e pela inserção cidadã da população margina-
lizada”, possibilitando alcançar o controle do governo por intermédio
de uma plataforma que priorizava o crescimento, mas que conciliava as
demandas sociais e a preocupação com a equidade no decorrer desse
processo.
CAPÍTULO 2
Saiba Mais

Documentário
Um longo amanhecer – Uma cinebiografia de Celso Furtado.
Link: https://www.youtube.com/watch?v=ir5ZiJZ_KdQ

Uma análise das ideias do economista Celso Furtado e de sua par-


ticipação em diversos projetos desenvolvidos no Brasil a partir dos
anos 40. Mediante depoimentos de intelectuais e de imagens de
época, é formado um panorama da história recente do Brasil.

Privatizações: a distopia do capital


Link: https://www.youtube.com/watch?v=UGqGdWTZy3w

Filme de Silvio Tendler, que ilumina e esclarece a lógica da política


em tempos marcados pelo crescente desmonte do Estado brasileiro.
A visão do Estado mínimo; a venda de ativos públicos ao setor priva- 31
do; o ônus decorrente das políticas de desestatização traduzido em
fatos e imagens que emocionam e se constituem numa verdadeira
aula sobre a história recente do Brasil. Assim é Privatizações: a Dis-
topia do Capital.

Atividades

1. Como o modelo desenvolvimentista influenciou na trajetória


política do Brasil durante o século XX?

2. O que foi o neoliberalismo durante a crise do modelo nacional-


-desenvolvimentista na década de 1970?

Referências Bibliográficas
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Do antigo ao novo desenvolvimentismo
na América Latina. IN: Escola de Economia de São Paulo da Fundação
Getúlio Vargas FGV-EESP. Texto para discussão 274 • novembro de 2010.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A Reforma do estado dos anos 90: lógica


e mecanismos de controle Brasil. Brasília: Ministério da Administração
Federal e Reforma do Estado, Cadernos MARE da reforma do estado; v.
1, 58 p, 1997.

HERMAN, Jennifer. Auge e Declínio do Modelo de Crescimento Econô-


mico com Endividamento: O II PND e a Crise da Dívida Externa (1974-
1984). In: GIAMBIAGI, Fabio... et al. Economia brasileira contemporâ-
nea. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
MANTEGA, GUIDO. Teoria da Dependência Revisada. São Paulo: Es-
CAPÍTULO 2

cola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio


Vargas, Núcleo de Pesquisas e Publicações, 1997.

VILELA, André. Dos “Anos Dourados” de JK à crise não resolvida (1956-


1963). In: GIAMBIAGI, Fabio... et al. Economia brasileira contemporâ-
nea. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

32
CAPÍTULO III:

CAPÍTULO 3
O GOVERNO LULA
E O MODELO
NEODESENVOLVIMENTISTA

Prof. Ms. Phillipe Augusto Gomes Silva Bastos

Carga horária: 15h

Objetivos Específicos 33
• Discutir os motivos que levaram o retorno do Brasil a uma política
desenvolvimentista;

• Compreender os elementos que diferenciam o modelo nacional-de-


senvolvimentista do neodesenvolvimentismo do governo Lula;

• Analisar o programa de aceleração do crescimento como política ma-


croeconômica neodesenvolvimentista no Brasil.

Introdução

Este capítulo propõe uma análise do neodesenvolvimentismo brasileiro,


uma estratégia de desenvolvimento aplicada no início do segundo gover-
no de Luiz Inácio Lula da Silva. Apresentaremos suas principais caracte-
rísticas como modelo econômico, destacando as diferenças existentes
com o modelo nacional-desenvolvimentista que o Brasil havia experi-
mentado no decorrer do século XX. Para isso, será necessário analisar
o programa de aceleração do crescimento (PAC), lançado por LULA em
2007 e que simboliza essa nova fase desenvolvimentista do Brasil. Ob-
servando como se organizou economicamente o PAC, destacaremos o
papel do investimento em infraestrutura nesse novo projeto e como o
foco dado a essa área social simbolizava uma nova fase de um velho
projeto da América do Sul.

Um novo começo: o neodesenvolvimentismo do


governo LULA

A vitória de Lula nas eleições de 2002 trouxe ao comando do país o pri-


meiro presidente sindicalista e fortemente vinculado às militâncias polí-
ticas de esquerda e das causas socais. Essa mudança na fase do governo
trouxe consigo uma nova forma de pensar a relação Estado - Sociedade
- Economia, na qual o primeiro não deveria medir esforços para que fos-
CAPÍTULO 3

se atingido o seu objetivo principal, criar novos caminhos para estimular


o desenvolvimento. Essa proposta se tornou, cada vez mais, evidente
com o amadurecimento do governo e a instituição de novas políticas
econômicas. Estas passaram indicar o retorno de uma política planejada
nos moldes desenvolvimentistas, especialmente a partir de 2007, mas
construída com um enfoque diferente do apresentado pelo nacional-de-
senvolvimentismo dos governos passados.

O início do governo Lula foi marcado por contradições, mesmo tendo


sido eleito com o uso extensivo de um discurso socialista, visto pelo
mercado econômico como radical, Lula realizou poucas modificações
na estrutura econômica deixada por Fernando Henrique Cardoso assim
que assumiu a presidência do país. A princípio, foi se observando a per-
da de radicalidade no seu discurso. Slogans que acompanharam grande
parte da história do partido nos seus trinta e quatro anos, como o reco-
nhecimento da dívida externa, a reforma agrária e os direitos humanos,
34 desapareceram ou foram expostos de forma difusa após as eleições. Em
2003, jornalistas opinavam sobre a mudança de postura que havia sofri-
do o PT após as eleições, indicando a transição do partido em direção a
uma conduta mais moderada.

Para a crítica, era provável que a convergência de alguns fatores tivesse


levado a essa mudança na postura do novo governo. O primeiro desses
fatores se expunha através da crise na Argentina, que demonstrava ao
novo governo brasileiro as dificuldades que resultaria uma paralisia total
dos empréstimos ao país, se não houvesse o reconhecimento da dívida
pública. O segundo aspecto apresentava-se por meio da situação interna
do Brasil nos finais de 2002, o que permitia indicar se o ano de 2003
poderia ser de uma gestão econômica cuidadosa por causa da existên-
cia de um dólar pressionado, de uma inflação ascendente e do risco de
insolvência do país caso não houvesse uma recuperação do crédito e a
permissão do uso de recursos do FMI. Por esses motivos, foi necessário
ao PT confirmar suas mudanças para uma linha moderada, por meio de
três documentos1, indicando uma transição sutil que acalmasse o merca-
do internacional. Seguido mais adiante por uma série de nomeações de
cargos estratégicos: Antonio Palocci para cargo de ministro da Fazenda e
Henrique Meirelles, que havia atuado como diretor do Bank Boston, para
o cargo de presidente do Banco Central. Com isso, Lula buscava apre-
sentar ao mercado financeiro que o controle da inflação era seu principal
objetivo; confirmando dessa forma mudanças no perfil do PT.

1 Os três documentos à qual nos referimos foram: A Carta ao Povo Brasileiro, O programa de Go-
verno apresentado ainda em julho de 2002 e a Nota sobre o Acordo com o FMI.
Ao observarmos as mudanças ocorridas no Partido dos Trabalhadores

CAPÍTULO 3
no período posterior à vitória nas eleições de 2002, é perceptível que o
governo Lula assumiu uma postura paradoxal. Caracterizava-se pela prá-
tica de uma ortodoxia fiscal, como o governo anterior, ao mesmo tempo
em que lançava, no ano de 2003, um documento oficial do Ministério
da Fazenda intitulado Política Econômica e Reformas Estruturais, no qual
se propunha “nesse trabalho, [...] um modelo de desenvolvimento que
preservasse a estabilidade econômica, redirecionando, porém, o gasto
público de modo a que esse chegasse às classes sociais efetivamente
mais necessitadas” (GIAMBIAGI, 2011. P. 204), perfilando a transição
e dando características de continuidade a esta. Embora tenha tomado
contornos próprios alguns poucos anos à frente, principalmente em me-
ados de 2007, durante o segundo mandato de presidente, as diferenças
apontadas por alguns pesquisadores, estariam no contexto internacional
excepcionalmente favorável que se formou durante o primeiro mandato
de Lula. Essa política macroeconômica, embora não tenha mudado suas
direções, suavizou em certos aspectos.
35
Até o ano de 2007, Lula foi realizando, de forma gradativa, a reestrutu-
ração do modelo político econômico com o intuito de retomar o cres-
cimento do país, anteriormente citado, colocando o Estado como per-
cursor desse processo. Essa nova composição passou a ser identificada
pelos estudiosos das ciências econômicas como um novo processo de
desenvolvimentismo, o “neodesenvolvimentista” ou “novo-desenvolvi-
mentismo”, conforme foi difundido e consolidado durante o segundo
governo Lula (2007-2010) mediante um programa nacional de desen-
volvimento, batizado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do
qual trataremos mais adiante. Apresentar a diferenciação desse modelo
em relação ao que foi demonstrado até o momento sobre desenvolvi-
mentismo, torna-se parte importante deste trabalho.

De acordo com Plínio de Arruda Sampaio, existiria uma “distância entre


desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo [...] proporcional ao fos-
so que separa duas épocas históricas radicalmente distintas” (SAMPAIO,
2012. P. 685), tendo em vista que o neodesenvolvimentismo procura
lidar com os desafios estratégicos da contemporaneidade, buscando
adequar a estratégia desenvolvimentista aos novos tempos e à realidade
específica de cada país. Apesar de permanecer com as antigas caracte-
rísticas, principalmente focar no reforço do papel do Estado, este novo
modelo não procura estabelecer frente ao mercado uma relação anta-
gônica ou desvinculada. Entre os dois, há o “complemento no processo
de desenvolvimento econômico” que permite maior flexibilidade para
enfrentar os desafios de uma economia dinâmica, cujo antecessor não
havia conseguido contornar.

Diferentemente do desenvolvimentismo aplicado de 1940 a 1970, que


adotou o pessimismo exportador, ou seja, o protecionismo de mercado,
observou-se que, no século XXI, o novo desenvolvimentismo apostava na
capacidade dos países em exportar produtos que possuíssem um valor
agregado médio ou a exportação de produtos primários de alto valor
agregado. A experiência do nacional-desenvolvimentismo demonstrou,
CAPÍTULO 3

de maneira clara, o erro por adotar um modelo de substituição de im-


portação. Em economias como a do Brasil, a transição para o modelo
exportador permitiu que as empresas não permanecessem restritas ao
mercado interno. Quando acompanhadas de uma estratégia das auto-
ridades econômicas, como uma política industrial que beneficia as em-
presas nacionais, cria-se automaticamente um parâmetro de eficiência
que podem direcioná-las, que as torna mais competitivas e, consequen-
temente, mais contributivas para o aumento no ritmo de crescimento.

Valor agregado

É o valor que adquire um produto após finalizado seu processo de


produção. Desta forma, produtos com baixo valor agregado são
aqueles que passaram por poucas intervenções durante o processo
produtivo, por exemplo, um carro possui um valor agregado maior
36 que uma televisão, pois sua produção necessita de mais matéria-
-prima, mão de obra, entre outras coisas para a sua produção.

O neodesenvolvimentismo brasileiro utiliza conjuntamente a base do


novo perfil que possuem as nações em desenvolvimento. Em meados
do século XX, os países que optaram pelo nacional-desenvolvimentismo
eram países pobres onde o Estado deveria assumir o papel de destaque
para a obtenção de poupança forçada, ao mesmo tempo em que deve-
riam realizar investimentos em setores monopolistas e caracterizados
como economias de escala, que exigiam investimentos pesados. Muitas
décadas a frente daqueles tempos, os países outrora pobres possuem
renda média e já finalizaram seus processos de industrialização primá-
rios. Eles apresentam agora um grande estoque de capital, que lhes per-
mitem não só financiar seus investimentos mas também toda estrutura
de empresários, profissionais e trabalhadores com capacidade de mo-
dernizar e industrializar o país. Ao Estado cabe a responsabilidade de
desempenhar a função de encorajador da produção e de investidor em
setores estratégicos, estimulando o setor privado agora detentor de re-
cursos e capacidade gerencial de fornecer os investimentos necessários.

Economia de Escala

Entende-se por economia de escala a organização do processo pro-


dutivo, visando conquistar o extremo dos fatores produtivos que se
encontram envolvidos no processo de produção a fim de alcançar
baixos custos de produção.

O neodesenvolvimentismo rejeita a tese clássica do neoliberalismo de


que o Estado não possui recursos. É uma característica de dar prioridade
às grandes empresas que têm origem predominantemente nacional ou
que estejam instaladas no país. Na visão de Armando Boito Jr., fazia a polí-
tica externa de o Estado brasileiro articular-se com essa nova política eco-

CAPÍTULO 3
nômica e também de priorizar os interesses da grande burguesia interna.

A retomada do neodesenvolvimentismo pode ser vista como a valoriza-


ção da indústria ou de empresas nacionais, que traz como distinção um
papel não hegemônico, substituído por uma política macroeconômica
competente, pautada no equilíbrio fiscal, nos juros moderados e na taxa
de câmbio competitiva, que incentivem, de maneira estratégica, não de
forma perpétua, essas empresas permitindo que possam adquirir poste-
riormente uma maior competividade internacional.

Como outro elemento de divergência do neodesenvolvimentismo da


construção clássica desse modelo, encontra-se, em primeira instância,
a rejeição de um padrão de crescimento estabelecido na demanda ou
nos déficits públicos. Tal estratégia demonstrou-se onerosa para os esta-
dos latino-americanos, pois, a curto prazo, permitiam restabelecer os ní-
veis de emprego. Mas quando deixados a longo prazo, permitiam maior
endividamento do Estado e, “pior coisa que pode acontecer ao Estado 37
como organização é ficar escravo dos credores, sejam eles internos ou
externos. Sob esse aspecto, o neodesenvolvimentismo favorece uma po-
lítica econômica de equilíbrio fiscal, sendo o Estado a mais importante
instituição graças ao seu valor estratégico, que deve constituir um apa-
relho sólido. Ou seja, suas dívidas não devem ser grandes e seus prazos
de vencimento, curtos. Caso contrário seu ritmo de crescimento estará
comprometido, tendo em vista que, aquele cuja função é mantê-lo não
possui mais a força necessária. Deixa o Estado a sorte de seus credores,
sejam eles externos ou internos.

Ao defender uma política intolerante ao crescimento da taxa de inflação,


o neodesenvolvimentismo se diferencia, uma vez que considera a teoria
estrutural da inflação e acredita que as imperfeições existentes no mer-
cado interno forçam os países em desenvolvimento a terem de conviver
com as taxas em nível moderado. No que se refere aos países de econo-
mia de renda média, os mercados são menos imperfeitos, necessitando
que o Estado controle a inflação mediante um regime de metas, evitando
que o seu descontrole se torne uma maldição para esses países.

O neodesenvolvimentismo não pode ser definido como teoria econô-


mica, mas uma estratégia utilizada para alcançar de maneira acelerada
o crescimento. Constitui essa estratégia um aglomerado de “valores,
ideias, instituições e políticas econômicas”, que, a partir do século XXI,
os países de renda média, como o Brasil, passaram a adotar a fim de
alcançar os países desenvolvidos. Seus princípios se baseiam, funda-
mentalmente, na influência macroeconômica da teoria de Keynes e na
teoria econômica do desenvolvimento. Representam a rejeição ao mode-
lo imposto pelos países ricos às nações em desenvolvimento, para que
realizem reformas ou adotem políticas econômicas como a liberalização
da conta de capital e o crescimento com poupança externa, na medida
em que essas propostas são tentativas neoimperialistas de neutralizar o
crescimento econômico dos países concorrentes.
A estratégia do novo desenvolvimentismo surge, assim, como um tercei-
CAPÍTULO 3

ro discurso, entre o antigo estatismo da década de 1940-50 e a ortodoxia


convencional do neoliberalismo da década de 1980-90. Dessa forma,
os economistas que se colocam favoráveis ao neodesenvolvimentismo
partilham entres si de um ponto em comum. Afirmam que existe nesse
modelo um caminho desligado dos problemas estruturais do neolibera-
lismo, ao qual atribuem a cumplicidade ao rentismo, ao mesmo tempo
em que consideram inaceitáveis as características pertencentes ao velho
modelo desenvolvimentista. Não aceitam práticas como o nacionalismo
anacrônico nem a realização de práticas econômicas consideradas eco-
nomicamente perversas, a exemplo da complacência com a inflação e
com o populismo fiscal.

Trata-se de uma estratégia que vê os elementos econômicos como o


rentismo, o capital especulativo, a exacerbação do poder de mercado
e a ausência de um estado forte como parte de uma política neoliberal.
Entretanto, regula-os e associa-os a alguns aspectos do desenvolvimen-
38 tismo, formulando uma nova estratégia, um neodesenvolvimentismo
que sanaria os pontos negativos como o nacionalismo exacerbado e o
entreguismo alienado. Almeja uma política que possa impulsionar os in-
teresses nacional e estrangeiro simultaneamente. Em outras palavras, o
neodesenvolvimentismo seria uma nova forma de alcançar o crescimen-
to e o desenvolvimento, na qual os países que o adotassem, como o Bra-
sil, pudessem contornar mais facilmente as disparidades de concorrência
entre os países desenvolvidos.

Rentismo

É uma pratica que consiste na aquisição capital proveniente dos ju-


ros de títulos governamentais. O rentista, conhecido pela lingua-
gem financeira internacional como Rentier, é aquele que adquire
seu lucro na realização dessa prática.

Como forma de ilustrar parte dessa diferença, observa-se a defasagem


na produtividade entre os países em desenvolvimento e os países desen-
volvidos. Atualmente, a produtividade dos países desenvolvidos é relati-
vamente muito maior que os países altamente desenvolvidos (PAD) do
século passado. Mesmo em nações em desenvolvimento como o Brasil,
as diferenças entre sua produtividade e a dos PADs é de aproximadamen-
te 5 para 1, quando no século XIX, essa diferença média estava entre 2
ou 4 para 1.

Compreende-se, por meio dessa proporção, que o direcionamento das


políticas convencionalmente aceitas pelo mercado internacional, as
“boas políticas” de desenvolvimento refletem a perpetuação de uma es-
trutura de dominação dos desenvolvidos contra aqueles em desenvolvi-
mento. Todos os países que adotaram, durante o estágio de desenvolvi-
mento, as políticas “ruins”, obtiveram um crescimento mais acelerado.
Comparado às nações que adotaram as políticas “boas”, que cresceram
pouco ou quase nada, como visto durante a década de 1960-80, pôde-

CAPÍTULO 3
-se reconhecer que essas políticas boas não serviram para beneficiar os
países como o Brasil.

O neodesenvolvimentismo, como terceira via, se propõe como estra-


tégia para os países em desenvolvimento fugirem das ações dos PADs
que Ha-Joo Chang denominou “chute da escada”, metáfora que define
a insistência das nações desenvolvidas em impedir o desenvolvimento
dos Estados emergentes de realizarem políticas de desenvolvimento
divergentes das utilizadas por eles hoje, embora, em alguns aspectos,
semelhantes às realizadas pelos PADs durante seu processo de desenvol-
vimento. A teoria de Chang nos permite reafirmar a necessidade de se
levantar propostas divergentes ao establishment internacional, ao mes-
mo tempo em que devem ser estimulados para saber quais instituições
melhor se adaptam a quais políticas de desenvolvimento. A tragédia de
nosso tempo está na incapacidade de os países desenvolvidos de per-
ceberem isto: enxergarem que as políticas de desenvolvimento podem
ser heterogêneas, da mesma forma que é possível percorrer outros ca- 39
minhos além daqueles traçados ou determinados pelos países que já o
percorrem.

Desse modo, segundo Ha-Joon Chang, é compreensível o atual modelo


de desenvolvimento brasileiro ser distinto dos padrões de políticas eco-
nômicas voltadas para alcançar o hall dos PADs, aplicados por outras
nações. Distinção que não é vista pelas conjunturas macroeconômicas
próprias do neodesenvolvimentista, tendo em vista que o modelo bra-
sileiro adota uma proposta que visa incorporar outras demandas mani-
festas pela sociedade civil contemporânea. Em outras palavras, as políti-
cas desenvolvimentistas são mutáveis e encontram nessa característica
uma oportunidade de perpetuação, conforme havia sido defendido por
Schumpeter em sua Teoria do Desenvolvimento, assim afirmando: “o
que chamamos de desenvolvimento econômico é baseado no fato que
os dados mudam e que a economia se adapta continuamente a eles”
(SCHUMPETER, 197. P. 74).

Dessa forma, o que o desenvolvimentismo do governo Lula apresentou


de novo? O que o distinguiu do modelo aplicado no século XX? Obser-
vou-se que a estrutura econômica criada no governo Lula não aplicou um
modelo voltado ao protecionismo e ao nacional-estatismo como antes.
Foi regido por uma política econômica pouco tolerante com a taxa de
inflação e que não utilizou o endividamento externo. Esses elementos
a princípio os distinguem, pois as conjunturas apresentadas descrevem
a construção econômica de um novo modelo, cuja “originalidade” se
apresenta inicialmente com a superação das falhas estruturais. Mas o
divisor de águas se estabeleceu com a construção do modelo no qual os
esforços do Estado foram direcionados ao seguimento social. A atuação
nesse campo, com o intuito de conseguir mais rapidamente os avanços
no social, estabeleceu o elemento diferenciador do neodesenvolvimen-
tismo brasileiro. Tese defendida por alguns autores, a exemplo de Marcio
Pochmann e Aluísio Mercadante.
O interesse do governo em estabelecer um modelo de desenvolvimento
CAPÍTULO 3

que tivesse um impacto rápido e visível no social foi colocado como pon-
to principal do neodesenvolvimentismo. As melhorias no campo social,
como já foi anteriormente comentado, foram as bases de sustentação do
PT e de seus anos de militância política. E não poderiam estar ausentes
na construção do seu governo. Por isso, apesar de terem diminuído o
tom dado às questões mais delicadas das bandeiras defendidas no pas-
sado, outras permaneceram, embora, não tenham ficado imaculadas.
Dessa forma, a construção do neodesenvolvimentismo procurou aliar
desenvolvimento econômico com social. Proposta que, apesar de ter
sido defendida no início da gestão em 2003, só começou a ser aplicada
a partir de 2007, quando o governo Lula deu iniciou a um programa que
consolidava a mudança do governo em direção ao desenvolvimentismo.
O Programa de aceleração do crescimento (PAC) foi formulado com o in-
tuito de tentar alcançar de forma equilibrada as melhorias socioeconômi-
cas. Ele constitui assim a imagem do neodesenvolvimentismo, tornando-
40 -o um objeto de destaque para analisar e compreender esse modelo e as
mudanças ocorridas entre 2007-2010 no campo social.

O programa de aceleração do crescimento:


Uma estratégia desenvolvimentista com espaço
para o social

Desde a apresentação do programa de governo em julho de 2002, o


partido dos trabalhadores demonstrava uma preocupação em realizar
a construção de um país que apresentasse um modelo de desenvolvi-
mento consistente. Após seu primeiro mandato, que, em larga medida,
ficou marcado pelo esforço em estabilizar o país, Lula procurou como
plano de ação do seu segundo mandato (2007-2010) ampliar os índices
de crescimento do país, ao mesmo tempo em que conciliaria com essa
agenda a realização de programas que contemplassem os objetivos ante-
riormente propostos na campanha eleitoral de 2002. Para alguns auto-
res, a visão neoliberal dominou em grande parte as ações do presidente
Lula durante o seu primeiro mandato (2003-2006). Tal afirmação se tor-
na substancial observando o governo em seus primeiros anos, quando
houve um aumento do superávit primário associado a rigoroso controle
inflacionário, reflexo de pensamento neoliberal que compunha a visão de
parte da equipe econômica do Governo.

Na busca pela criação de uma marca que caracterizasse a sua gestão,


ao mesmo tempo em que procurava apresentar um distanciamento dos
governos anteriores, o ex-presidente Lula apresentou um programa de
governo que deveria ser desenvolvido no decorrer do quadriênio de
2007-2010, por meio de um grande plano de ação. Nomeado Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC), seu lançamento ocorreu em 22
de janeiro de 2007 e marca, de acordo com especialistas, outra fase do
governo Lula.
Por meio do PAC, o governo se propôs a aplicar uma nova estratégia

CAPÍTULO 3
que resultasse transformações rápidas nos índices de crescimento, di-
ferente do que foi observado em seu primeiro mandato, estabelecendo
um contraponto com as gestões anteriores. Em termos estatísticos; o
programa visava dar uma guinada na taxa de crescimento do país que
apresentava taxas registradas em 3,2% na média geométrica anual, nos
anos 80, e 2,8% anuais, nos anos 90. Essa nova recuperação dos índices
de crescimento mais elevados seria pautada pelo investimento público e
pelo auxílio do capital privado. O PAC visa à retomada do Estado como
indutor do crescimento e desenvolvimento econômico e social, demons-
trando ser uma ação governamental planejada nos moldes do modelo
desenvolvimentista.

Na cartilha destinada à imprensa, o governo Lula apresentou, como pro-


posta de ação do PAC:

Estimular, prioritariamente, a eficiência produtiva dos principais se- 41


tores da economia, impulsionar a modernização tecnológica, acele-
rar áreas já em expansão, ativar áreas deprimidas, aumentar a com-
petitividade e integrar o Brasil com o Brasil, com seus vizinhos e
com o mundo. Seu objetivo é romper barreiras e superar limites
(Programa de aceleração do crescimento, 2007. P. 15).

Na cartilha de lançamento do PAC abordava-se o atraso histórico em


que o Brasil estava inserido desde os finais da década de 80; a perda
de produtividade e a falta de modernização tecnológica e de aparato lo-
gístico haviam prejudicado o desempenho econômico nacional desde a
década de 1980. Dessa forma, os objetivos do PAC estavam atuando em
eixos estratégicos, para desbloquear o crescimento do país, realizando
intervenções em eixos específicos para estimular: o Crédito e o Finan-
ciamento; melhorar o Ambiente de Investimento; desoneração e admi-
nistração tributária; medidas fiscais de longo prazo; consistência fiscal;
investimento em infraestrutura.

Embora conste na cartilha o interesse em estimular seis eixos de ação,


em síntese, o PAC é um programa destinado a atuar no seguimento de
infraestrutura, tendo em vista que as ações anteriormente citadas ser-
viam para facilitar a captação de recursos privados para o uso do pro-
grama e permitiam ao governo maior facilidade em direcionar recursos
do Estado para o investimento em infraestrutura. A carência neste setor
simbolizava a principal barreira para o Brasil conseguir maiores taxas de
desenvolvimento.

Visando à conciliação entre investimentos públicos e privados, a organi-


zação do PAC contribuiu para consolidar a percepção de que o governo
e o mercado haviam falhado ao tentar construir autonomamente a infra-
estrutura necessária ao país. O Estado havia falhado, pois não possuía
capacidade de manter a qualidade dos serviços ao mesmo tempo em
que exercia a função de proprietário e de operador dos ativos, desde o
nível local até o nacional, ao mesmo tempo em que o mercado no Brasil
CAPÍTULO 3

se mostrou incapaz de responder aos imperativos da universalização dos


serviços essenciais para o cidadão. Dessa forma, a criação de instrumen-
tos regulatórios que favorecem a vinda de investimentos privados para
a realização das obras de infraestrutura e fornecem apoio mediante uma
contribuição política sem que o Estado necessite se colocar ausente, de-
monstram o caráter neodesenvolvimentista do PAC.

O quadro a seguir, extraído da cartilha de lançamento do programa, sin-


tetiza os fundamentos econômicos do projeto, que estavam pautados
por meio do compromisso de preservação da estabilidade econômica,
da responsabilidade fiscal do governo e de uma baixa vulnerabilidade ex-
terna, gerando um fluxo de capital privado e público para a realização de
seu objetivo principal que consistia no investimento em infraestrutura.

42

Fonte: Programa de aceleração do crescimento. Cartilha para a imprensa.

No entanto, para que fosse realizado, era necessário que o governo de-
sempenhasse o papel de regulador dos serviços de infraestrutura, visan-
do conseguir direcionar os investimentos para o setor e permitindo cor-
rigir o que foi considerado por alguns autores como uma falha do Estado.

Com os investimentos em infraestrutura, o governo almejava “eliminar


os principais gargalos que impediam o crescimento econômico, viabili-
zando o aumento da produtividade das empresas, além do estímulo ao
investimento privado”2. A ênfase dada à construção ou à melhoria de
aparatos de infraestrutura teria papel fundamental no desenvolvimento
econômico do país, independentemente desses investimentos constitu-
írem um meio de atrair subsídios ao consumo de serviços considerados
essenciais para a produtividade dos indivíduos. Por esse motivo, o pro-

2 ROGRIGUES, Taíla Albuquerque. SALVADOR, Evilasio. As implicações do Programa de Aceleração


do Crescimento (PAC) nas políticas sociais. IN: Ser social, Brasília, v. 13, n.28, p. 129-156, jan./jun.
2011. P. 130
grama prometeu investir um total de R$ 503,9 bilhões em infraestrutura,

CAPÍTULO 3
sendo R$ 67,8 bilhões desse orçamento pertencentes ao governo central
e R$ 436,1 advindos de empresas estatais e setor privado, divididas em
três eixos principais: Logística, Energia e Social e Urbana.

A infraestrutura constituiu o foco de ação do governo Lula e do Programa


de Aceleração do Crescimento. Embora o PAC envolvesse diversos as-
pectos econômicos ligados à melhoria de crédito, toda essa organização
foi criada para viabilizar a realização de diversas obras de infraestrutura
por todo o país. O investimento neste setor servia para atender as ne-
cessidades do governo em beneficiar seguimentos importantes para a
manutenção do poder (mercado) e sua base de apoio (sociedade).

É preciso entender que a decisão de um país em empreender investimen-


tos em infraestrutura depende de um conjunto de fatores que devem
ser profundamente estudados. Uma avaliação sobre a viabilidade dessas
obras consideram elementos como: escassez de recursos para a realiza-
43
ção de obras; capacidade de manutenção da infraestrutura construída,
de modo que possa se manter operacional; benefícios e seus efeitos mul-
tiplicadores, gerados em determinado território.

Não problematizar esses fatores pode levar à ineficiência ou completa


disfuncionalidade do que foi proposto, em alguns casos, ampliar a defici-
ência no local de implementação do projeto, reforçando a concentração
espacial e desigualdade territorial.

Numa perspectiva puramente econômica, os investimentos na área logís-


tica e energética, que na previsão do orçamento para 2007-2010 soma-
vam juntas R$ 333,1 bilhões de reais, permitiam a ampliação do parque
industrial brasileiro, ao mesmo tempo em que permitiam a abertura de
espaço para as empresas nacionais de ampliar sua taxa de produtividade.
Essa produtividade consiste num elemento primordial para ampliar as
chances do Brasil de competir no mercado internacional, pois, apesar de
ser derivado do modelo desenvolvimentista, o PAC não possuía a mes-
ma proposta protecionista de mercado vista no século passado. Esses
dois pontos (energética e logística) compõem, segundo o IPEA, o eixo de
infraestrutura econômica, uma vez que essas duas áreas permitem dire-
tamente organizar ou reorganizar toda a produtividade nacional, ou seja,
possuir impacto direto na economia. Assim, o grande foco do trabalho
do PAC foi dar prioridade ao “investimento na construção ou na manu-
tenção de transportes, energia ou telecomunicações, por seu impacto na
integração de determinado território e dos polos produtivos nacionais”
(SUPRANI, 2012. P. 13).

Entretanto, a importância relegada à infraestrutura econômica não justi-


fica uma perda de importância do seguimento social e urbano, pois este
seguimento:
CAPÍTULO 3

Gera eficiência para os fluxos produtivos dos grandes centros urba-


nos regionais e qualidade de vida para a população, [...] expressa
na realidade o entendimento de que a infraestrutura social e urbana
é temporalmente posterior à infraestrutura econômica. Habitação,
saneamento e transporte urbano só se desenvolvem sobre uma in-
fraestrutura física instalada que os viabilize (SUPRANI, 2012. P. 13).

Para Frischat, é evidente a relação entre crescimento econômico e infra-


estrutura, assim afirma que a criação de uma infraestrutura atualizada
possui impactos positivos para a sociedade, tendo em vista permitir o
acesso da população mais pobre a diversos serviços, considerados es-
senciais, por exemplo, a energia, o transporte e o saneamento, elevando
assim os padrões de qualidade de vida. Para o governo Lula, fazer crescer
economicamente o país, ao mesmo tempo e mque permitia melhores
condições para a população constituía um ganho duplo para um partido
comprometido em agradar áreas compreendidas como antagônicas, o
44
mercado e a sociedade.

O desenvolvimento da infraestrutura apresenta efeitos que atingem po-


sitivamente a indústria tanto quanto a sociedade civil. Uma estrutura que
permite a indústria maximizar os lucros ou reduzir o tempo de produção
de determinado produto; pode ser a mesma que contribui para a redu-
ção de incidência de doenças na população ou permite elevar o valor de
um patrimônio da população pobre, como já havia sido assinalado por
Marcos Mendes.

A infraestrutura beneficia os domicílios pelo acesso a serviços como


água, saneamento, transporte e energia, aumentando o bem-estar dos
cidadãos. Beneficia também as firmas, no sentido em que os custos são
reduzidos e os mercados são expandidos, via energia, comunicação e
transportes. Os ganhos de competitividade e produtividade impulsionam
o crescimento econômico e, em última instância, também aumentam o
bem-estar. Pode-se dizer que o objetivo social e político da infraestru-
tura é justamente aumentar o bem-estar de uma população pelo acesso
universal e efetivo aos serviços relevantes para a vida e a produção das
pessoas, serviços tais que permitem o desenvolvimento sustentado de
uma economia, representando fatores socioeconômicos sistêmicos, que
refletem a competitividade internacional de um país. (SUPRANI, 2012.
P. 13).

Conforme pode ser visto, os autores que trabalham com a temática da


infraestrutura são claros ao destacarem a importância dos investimentos
para a criação e melhoria nessa área, sempre deixando em evidência a
ampla repercussão que possuem, destacando, em especial, os efeitos
positivos para a sociedade civil. Embora a argumentação seja solidamen-
te embasada, é possível constatar nesses autores uma predileção pelos
investimentos de infraestrutura econômica em relação ao seguimento
social e urbano.
A argumentação apresentada pelos autores nos remete, em certa medida,

CAPÍTULO 3
a uma concepção progressista, como na clássica metáfora do crescimen-
to e repartição do bolo, na medida em que, ao investir em infraestrutura
econômica, a sociedade civil cedo ou tarde se beneficiaria desse investi-
mento. Entretanto, não fazendo descrédito das concepções asseveradas
pelos autores, é preciso compreender que a proposta de investimento
direto na infraestrutura econômica não poderia ser o único objetivo do
PAC. Se for considerado que parte da campanha e do posicionamento
político do governo Lula estava voltado para o investimento social, não
era possível esperar que os investimentos econômicos gerassem efeitos
positivos rápidos e atendessem as necessidades da sociedade brasileira,
principalmente no que tangia aos problemas dos núcleos urbanos.

Nesse sentido, o investimento em infraestrutura social e urbana possui


uma finalidade. Se existe a preocupação de estabelecer marcos jurídicos
e delimitações conceituais, essa ocorre para garantir sua permanência
como um campo semiautônomo na concepção geral de infraestrutura,
de maneira que o entendimento do eixo urbano e social, ligado indireta- 45
mente ao econômico, evidencie que os investimentos e a melhoria nessa
área não indiquem necessariamente repercussão favorável à sociedade
e à cidade. Obriga, em certa medida, que o Estado e suas instituições
tenham de pensá-los com certa autonomia.

Sendo assim, o papel do investimento em infraestrutura social e urbana


ocorre na tentativa de garantir que haja um pensamento voltado direta-
mente para as modificações e melhorias dessas áreas, não havendo a
obrigatoriedade de esperar a repercussão dos impactos positivos gera-
dos por futuras políticas econômicas.

Observa-se nesse direcionamento pela proposta apresentada pelo PAC


de desenvolver um dos projetos de infraestrutura urbana e social, um
segmento dedicado integralmente à urbanização de assentamentos pre-
cários. Nessa proposta, o programa se dedica a intervir diretamente
em espaços urbanos pouco estruturados com a finalidade de reverter o
quadro de desigualdade social e territorial existente, de modo a tornar
efetivo o direito à cidade aos habitantes dos assentamentos precários,
investindo recursos que deveriam beneficiar, inicialmente, cerca de 365
mil pessoas, mediante a realização de obras como: criação de unidades
habitacionais; centros integrados de assistência à saúde; alargamento e
pavimentação de vias; escolas; postos de saúde da família e construção
de espaços de lazer, de forma que esses investimentos também ocorres-
sem de acordo com as normativas do Ministério das Cidades para

Garantir condições para o exercício da participação comunitária e


para a elevação da qualidade de vida das famílias residentes na área
do projeto, se expressa e se desenvolve através de um conjunto de
ações e atividades que buscam promover a mobilização e organiza-
ção das comunidades, a educação sanitária e ambiental e a implan-
tação de atividades voltadas à geração de trabalho e renda (MINIS-
TÉRIO DAS CIDADES, 2007).
As obras de infraestruturas listadas – em consonância à normatização,
CAPÍTULO 3

para fins de trabalho social no processo de intervenção nas favelas –


servem como indícios de que corroboram para uma visão desse projeto
dentro do conceito de desenvolvimento sustentável, tendo em vista que
buscava considerar a integração dos indivíduos, no que tange ao proces-
so produtivo e à participação social e democrática no desenvolvimento
em espaço que durante décadas foram considerados separados da estru-
tura das cidades.

Ao neodesenvolvimentismo - uma promessa


não cumprida

O governo Lula por meio do programa de aceleração do crescimento


fez o Estado retomar seu papel como principal protagonista no desen-
volvimento nacional. Este projeto ambicionou transformar a realidade
socioeconômica brasileira como outrora os outros governos tentaram.
46 Seu diferencial esteve numa proposta de investimento que não partia
exclusivamente do estado, os recursos para o desenvolvimento das gran-
des obras vinha também da captação de recursos oriundos do capital
privado. A proposta proporcionava uma maior capacidade de ação do es-
tado, ao mesmo tempo em que possibilitou a ele desenvolver melhor seu
papel de regulador dos serviços de infraestrutura. Em verdade, o governo
manteve seu direcionamento para a realização de grandes obras, caracte-
rística marcante dos governos desenvolvimentistas anteriores, com o di-
ferencial de que o século XXI não exigia mais do Brasil a industrialização.
Passou a ser exigido ao país com mais infraestrutura para crescer, desafio
que foi aceito durante o governo de Lula, que destacou a importância de
aliar interesses econômicos com interesses sociais. Um projeto que pro-
punha um impacto socioeconômico, como exigia o Brasil.

O programa de aceleração do crescimento teve sua parcela de contribui-


ção para o desenvolvimento nacional no século XXI. Possibilitou ao país
muitos avanços e transformações, mas seu trabalho não foi concluído.
Não conseguiu cumprir os prazos que ele mesmo estabeleceu, e parte
do que havia sido prometido se perdeu durante o processo. O sonho ne-
odesenvolvimentista do governo Lula fico paralisado na segunda década
do século XX, não conseguiu prosseguir. Depois de suas contribuições
para a economia brasileira, ele agora colapsava, assim como o desen-
volvimentismo diversas vezes colapsou, como pudemos ver na história
econômica brasileira contemporânea.

Atividades

1. Discorra quais elementos econômicos diferenciam o neodesen-


volvimentismo do governo Lula?

2. Por que motivos o modelo neodesenvolvimentista esteve foca-


do nos investimentos em infraestrutura?
CAPÍTULO 3
3. Durante o lançamento do Programa de Aceleração do Cresci-
mento, foi apresentado, dentro do segmento de infraestrutura,
a preocupação em investir na parte urbana e social. Quais os
elementos que justificam as aplicações nessas áreas?

Referências
CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada do desenvolvimento. Desenvol-
vimento em perspectiva histórica. São Paulo: UNESP, 2004.

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ROGRIGUES, Taíla Albuquerque. SALVADOR, Evilasio. As implicações


47
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82 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional. Rio de
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