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Cauê de Branco Durão, número de inscrição 1692

Racismo no Brasil e o papel ambíguo das redes sociais nesse contexto.


O racismo corresponde à ideologia de que existem diferentes raças que dividem a
espécie humana, e que há uma superioridade de uma em relação a outra, resultando
em discriminação. Inegavelmente, como comprovam dados de desigualdade social
promulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), existe no
Brasil. Enquanto a população negra no país é de 53%, esta sobe para 76% entre os
10% mais pobres. Nas favelas, sobe para 72% dos moradores e nos presídios, para
62% dos detentos. Nas redes sociais, o comportamento racista também é observado
facilmente, de modo a expor o problema de forma clara para toda a sociedade e indo
de encontro ao mito da democracia racial, bem como vão dados estatísticos a respeito
da sociedade brasileira que comprovam a existência do racismo no país. Casos como
os ataques sofridos por figuras públicas como Taís Araújo ou Maju Coutinho, que
tiveram seus perfis invadidos por racistas que as insultaram, são apenas exemplos de
uma série de 55 mil denúncias que ocorreram no país em 2015, segundo dados da
SaferNet. Ao se analisar os numerosos casos de racismo on-line, abre-se uma reflexão
para um duplo papel das redes sociais no contexto do racismo, uma vez que também
existe um lado positivo nesta exposição. Algo deve ser feito para que o problema do
racismo regrida, tanto sua disseminação nas redes sociais quanto sua manifestação no
cotidiano do brasileiro.
Platão, em “Fredo” (cerca de 370 a.C.), narra uma história que explora a
ambiguidade das tecnologias de maneira universal. Num diálogo, o deus Thoth
apresenta ao rei Tamuz diversas de suas artes, entre elas a escrita, descrevendo-a
como um mecanismo que auxiliaria a sabedoria e a memória do povo egípcio. O rei
contesta, alegando que esta tornaria os homens esquecidos e presunçosos por
confiarem demasiadamente nos livros, deixando de cultivar a memória.
Analogamente, do mesmo modo que a escrita é ambígua por auxiliar na lembrança
mas prejudicar a memória, as redes sociais podem servir tanto como um espaço de
propagação quanto como um espaço de combate ao racismo, possuindo, portanto, um
caráter ambíguo. Se, por um lado, diversos comentários racistas foram feitos em
bando na página do Facebook da jornalista Maju Coutinho em julho de 2015, por
outro lado uma grande campanha de solidarização com o signo #SomosTodosMaju
foi lançada. O episódio, portanto, evidencia o caráter ambíguo da rede social no
contexto de racismo.
Em “A Ordem do Discurso” (1970), o filósofo Michel Foucault assume que a
sociedade possui mecanismos de controle que excluem do indivíduo o poder
discursivo, selecionando aqueles que o detém. Nessa ordem, então, as indagações e
falas de um cidadão comum estariam restritas a um plano privado e individual. Com o
advento da Internet e da rede social, porém, transfere-se à esfera pública os
comentários e ações dos internautas, quebrando com a lógica até então presente. Além
disso, o espaço virtual confere anonimato e sensação de impunidade, o que encoraja
os infratores a fazerem uso deste para propagar o racismo. Deste modo, a ampliação
do poder discursivo para maior parte da população tem como consequência a
exposição de problemas presentes em uma sociedade racista que antes não eram
vistos, uma vez que, como diz Paulo Rogério Nunes, o mundo on-line é um reflexo do
mundo off-line. Por outro lado, ao mesmo tempo em que as redes sociais ampliam o
discurso racista, também ampliam o ativismo negro e os movimentos de inclusão
social, visto que ambos estão presentes na sociedade. Sendo assim, ao quebrar-se a
lógica foucaultiana da ordem do discurso, abre-se um espaço de convívio mútuo tanto
da disseminação do racismo quanto de seu combate, criando-se uma ambiguidade.
A visibilidade da discriminação racial conferida pelo aspecto público e viral da
Internet desmitifica o conceito de “democracia racial”. Por muito tempo, acreditou-se
que o Brasil era um exemplo de país onde o convívio de diferentes etnias se dava em
harmonia e que não havia altos índices de discriminação quando comparado a outros
países. O sociólogo Gilberto Freyre, considerado como o criador da expressão, analisa
em seu livro “Casa-Grande & Senzala” (1933) o convívio entre Senhores e escravos,
estabelecendo uma relação de interdependência e proximidade entre brancos e negros.
A esse fator, aliado à miscigenação que culminou na chamada “mistura de raças”,
atribui-se a formação da família e do povo brasileiro como partes constituintes de uma
sociedade não racista e executora da democracia racial. As redes sociais, no entanto,
contribuem para classificar essa visão como mentirosa, uma vez que é possível
observar mais facilmente as ações e pensamentos discriminatórios, bem como a
tensão gerada quando setores sociais se posicionam contrários a estes. Assim, a ideia
do Brasil como um exemplo mundial para o aspecto étnico é facilmente desconstruída
pela ascensão do mundo on-line como espaço público de comunicação e reflexo do
cotidiano do brasileiro, o qual convive com racismo em todas as instâncias da
sociedade. As redes sociais refutam, portanto, o mito da democracia racial.
Em contrapartida, ao mesmo tempo em que a disseminação do preconceito pelos
meios virtuais contribui para a visualização do problema existente, também pode
servir de exemplo para que outros cometam o mesmo crime, fazendo com que este
aumente. Assim, medidas devem ser tomadas para combatê-lo. Cabe às empresas
como Facebook, Twitter, Whatsapp e outras redes sociais criar mecanismos de
denúncia e censura de atos discriminatórios, de modo que qualquer publicação desta
natureza seja facilmente identificada e encaminhada à Justiça. Já ao Estado, cabe
garantir o funcionamento dos princípios previstos no Marco Civil da Internet (Lei
12.965-2014) de respeito aos direitos humanos (Artigo 2, inciso II) e à pluralidade e
diversidade (Artigo 2, inciso III). Contudo, a lei ainda é falha ao afirmar que os
provedores só são responsabilizados por ações de usuários após ordem judicial, o que
dificulta a censura imediata do conteúdo criminoso veiculado on-line. É necessária
uma revisão desse artigo, incluindo-se o racismo aos casos excetuados (como a
publicação de pornografia ou nudez explícita) em que a empresa pode excluir o
material sem precisar de uma incitação anterior. Uma vez identificados os agressores,
deve-se punir judicialmente, aplicando-se a pena prevista em lei para racismo (de um
a cinco anos de reclusão), sendo imprescindível tal aplicação. Ainda é importante uma
atuação forte do ativismo negro de forma a expor ainda mais o fenômeno e buscar
conscientização da população a respeito do problema e seu consequente
emponderamento. Páginas no Facebook, levantes e comunidades devem atuar
firmemente no combate, sem cessar. A página Levante Negro”, por exemplo, publica
diariamente vídeos e textos a fim de emponderar seus leitores e problematizar a
questão. Por fim, é de responsabilidade da família conversar e educar os filhos,
gerando consciência sobre o problema do racismo e criando indivíduos que busquem
combatê-lo, e não disseminá-lo. Tais medidas são fundamentais para o combate não
só nas redes sociais, mas também contribuem para a formação de cidadão mais
respeitosos e harmoniosos em todas as vias de interação social.
Deste modo, conclui-se que o papel ambíguo das redes sociais deve-se a ampliação
do poder discursivo do indivíduo conferida por estas e a característica de espelharem
o mundo off-line. Assim, há uma dualidade à medida que cresce a exposição do
preconceito bem como seu combate no mesmo espaço. O racismo nas redes sociais,
portanto, deve ser combatido, em um conjunto de ações que agregue as empresas, o
Estado, o ativismo negro e a família em união. Só com uma sociedade unida e
emponderada em prol da igualdade racial é que poderemos, num futuro, pensar em
uma democracia racial no Brasil. Por enquanto, ela é mito.

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