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e-metropolis
ISSN 2177-2312
editores
Ana Carolina Christóvão
Carolina Zuccarelli
Eliana Kuster
Fernando Pinho
Juciano Martins Rodrigues
Patrícia Ramos Novaes
Pedro Paulo Machado Bastos conselho editorial
Renata Brauner Ferreira Profª Drª. Ana Lúcia Rodrigues (DCS/UEM)
Samuel Thomas Jaenisch Prof Dr. Aristides Moysés (MDPT/PUC-Goiás)
Prof Dr. Carlos de Mattos (IEU/PUC-Chile)
Prof Dr. Carlos Vainer (IPPUR/UFRJ)
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Profª Drª. Simaia do Socorro Sales das Mercês (NAEA/UFPA)
Profª Drª Sol Garson (PPED/IE/UFRJ)
Profª Drª. Suzana Pasternak (FAU/USP)
Editorial nº 22 ▪ ano 6 | setembro de 2015
A
utoritarismo, conflitos inter- sa o fluxo da “migração de retorno” capital portenha, o ensaio fotográfi-
geracionais, experiência ur- para o Nordeste, fluxo em destaque co de Isabel Paz aponta para as espe-
bana, interseções entre raça na atualidade. Ao analisar o perfil da cificidades da cidade de Buenos Ai-
e gênero, megarregião, migração, população migrante, não migrante e res. Feito em 2012, com o interesse
urbanização e zoneamento ambiental migrante de retorno na última déca- de ater-se a detalhes que enriquece-
– esses são os temas em relevo da e- da, observa-se que a Região Metro- riam a visita à cidade, esse registro
-metropolis número 22. Convidamos politana do Cariri passou a reter os pode ser lido como pequenas pistas
a todas e a todos para mais um mo- habitantes mais qualificados e atrair de uma experiência urbana possível.
mento de reflexão sobre o urbano, o de volta à sua terra natal aqueles que Para finalizar esta edição, apre-
regional e a vida nas cidades. haviam deixado à região e que retor- sentamos a tradução de uma entrevis-
Iniciamos a revista com o artigo naram com maior qualificação. ta concedida pelo renomado teórico
de Sandra Lencioni, intitulado Urba- Em seguida, a questão ambiental urbano Neil Brenner, professor da
nização difusa e a constituição de em sua relação com os instrumentos Harvard University, em que argu-
megarregiões. O caso de São Paulo- legais de gestão do território aparece menta que a tão-falada ideia de que
-Rio de Janeiro, o qual, a partir do no texto de Maria do Carmo Bezer- estamos vivendo na “Era Urbana”.
conceito de megarregião, examina ra, A necessária articulação entre Para Brenner é preciso dar maior
a constituição da região urbana Rio os instrumentos de gestão de APA complexidade à discussão deste tema,
de Janeiro-São Paulo, as mudanças urbanas e o plano diretor. Aqui en- devendo o termo “urbanização” ser
na urbanização contemporânea e a contramos uma análise comparativa redefinido com o objetivo de abarcar,
metropolização do espaço como uma dos conceitos de zoneamento de uso na sua concepção, o poder das cida-
nova fase da urbanização. Em uma de do solo e zoneamento ambiental de des em influenciar regiões cada vez
suas conclusões, a autora indica que APAs urbanas, conforme descritos no mais distantes das tradicionais áreas
a economia petrolífera reforçará essa Plano Diretor e nos Planos de Mane- morfologicamente urbanas.
megarregião, constituindo-se como jo, respectivamente. Boa leitura. Até a próxima edição!
mais um elemento integrante do de- Uma abordagem que considere as
senvolvimento geográfico desigual interseções entre raça, classe e gêne-
brasileiro. ro é o tema do artigo Mulheres ne-
Mais adiante, em ¿Autoritarismo gras, movimentos sociais e direito à
en el espacio urbano? Disputas in- cidade: uma perspectiva para as po-
tergeneracionales en la Plaza San líticas públicas. Em seu texto, Jessi-
Juan, Ciudad de México, os pesqui- ca Raul traz uma importante reflexão
sadores mexicanos Christian Mari- sobre o lugar das famílias chefiadas
néz e León Contreras afirmam que, por mulheres negras na cidade do Rio
apesar dos avanços democráticos de Janeiro. Ao considerar as formas
ocorridos nos últimos anos em seu de apropriação do espaço urbano e
país, uma forte herança autoritária das desvantagens desta apropriação
se reproduz, entre outras coisas, na para as camadas populares, a autora
apropriação dos espaços públicos. busca compreender o impacto da es-
No artigo Migração para e da peculação imobiliária e do aumento
Região Metropolitana do Cariri nas do custo de vida na cidade para as
últimas duas décadas, Wellington mulheres negras pobres enquanto
Justo explora o tema da migração grupo social e historicamente vulne-
nesta região nos períodos de 1995- rável.
2000 e 2005-2010, bem como anali- Luz y fuerza: um olhar sobre a
editorial
Capa Ensaio
06 Urbanização difusa 36 A necessária articulação 54 Luz y fuerza: um olhar
e a constituição de entre os instrumentos de sobre a capital portenha
megarregiões. O caso de gestão de APA urbanas e o Light and strength:
São Paulo-Rio de Janeiro plano diretor an overview on the
Diffuse urbanization and The necessary articulation porteña capital
the creation of mega-regions. between Urban Protected Por Isabel Paz
The case of São Paulo Areas managament tools
— Rio de Janeiro and the Master Plan
Por Sandra Lencioni Por Maria do Carmo Entrevista
de Lima Bezerra
58 Em prol de uma
reconsideração do urbano
Artigos 46 Mulheres negras,
e seu impacto global
movimentos sociais e
16 ¿Autoritarismo en el direito à cidade: uma In favor of a reconsideration
espacio urbano? Disputas perspectiva para as of the urban and their
intergeneracionales en la políticas públicas global impact
Plaza San Juan, Ciudad Com Neil Brenner
Black women, social
de México movements and the right Por Peter Mares
Authoritarianism in the urban to the city: a perspective
space? Intergenerational for public policies
disputes in Plaza San Juan,
Por Jessica Mara Raul
Mexico DF
Por Christian Amaury
Ascensio Martínez e León
Felipe Téllez Contreras
ficha técnica
Projeto gráfico A Ilustração de capa foi feita por
e editoração eletrônica Alexandre S. Matos e Emanuel Perez
Paula Sobrino Barroso, designers, animadores e ilustrado-
res a frente do Estúdio à Deriva.
paulasobrino@gmail.com
estudioaderiva@gmail.com
Revisão
Aline Castilho
alinecastilho1@hotmail.com
capa
Sandra Lencioni
Urbanização difusa e a
constituição de megarregiões
O caso de São Paulo-Rio de Janeiro
Resumo
Mudanças na urbanização contemporânea e a constituição de regiões urbanas de grandes
dimensões motivam a discussão deste texto, que discute a metropolização do espaço
como uma nova fase da urbanização e se utiliza da ideia de nebulosa urbana para expres-
sar a urbanização dispersa. Enfatiza que a dispersão urbana não é infinita e que a chave
para se compreender os limites da dispersão reside na questão da integração. Utiliza o
conceito de megarregião para examinar a constituição da mais importante região urbana
do hemisfério sul: Rio de Janeiro-São Paulo, que tende a se amalgamar, ainda mais, face
à economia do petróleo, em especial, devido à exploração do pré-sal.
Abstract
Changes in contemporary urbanization and the creation of large urban areas motivates
the discussion of this text. It discusses the metropolization of space as a new phase of
urbanization and use the urban nebula idea to express the urban sprawl. It emphasizes
that urban sprawl is not infinite and that the key to understanding the limits of the
Sandra Lencioni
dispersion repose in the question of integration. It uses the concept of mega-region to
é professora titular do Departamento
examine the constitution of the most important urban area in the southern hemisphere: de Geografia, da faculdade de Filosofia,
Rio de Janeiro — São Paulo, which tends further to amalgamate, especially in the face of Letras e Ciências Humanas da Universida-
the oil economy, especially due to the pre-salt exploration. de de São Paulo.
escapar a todo constrangimento, intensificando, por xão no tempo histórico a indicar uma nova fase da
outro lado, a pressão sobre os espaços naturais e agrí- urbanização. Fase está, é bom não ter medo de dizer,
colas. Esses fenômenos de dilatação e de hipermobi- que nos deixa pasmos diante da consciência das con-
lidade não são, necessariamente, incompatíveis com dições de vida urbana que tínhamos e da que estamos
os fenômenos de reurbanização e de redensificação”. condenados a viver no presente.
Assim, os fenômenos de “retorno ao centro” (...) são
indissociáveis do processo de metropolização. (Pin-
çon, 2011, 40). UM MUNDO DE
A esses autores poderíamos agregar outros, como NEBULOSAS URBANAS
Volle (1996), Lacourt (1999), Monclús (1999). En-
fim, o que queremos é destacar uma significativa As profundas transformações urbanas levaram, já há
bibliografia que considera o processo de metropo- várias décadas, à reflexão dos novos caminhos da ur-
lização do espaço como expressão de um novo mo- banização. O trabalho de Gottmann (1961) sobre o
mento (diríamos crítico) da urbanização. A lógica da desenvolvimento urbano da costa leste dos Estados
industrialização e da urbanização, como a da trans- Unidos — do sul de Nova Hampshire até o norte da
formação de espaços rurais em urbanos, continua Virgínia — foi e continua sendo uma referência. Foi
existindo, mas está subordinada à da metropolização. ele quem conceituou o que vem a ser uma megalópo-
Esta nova lógica é que se coloca hegemônica sobre le, conceito usado para se referir a uma região urbana
processos historicamente conhecidos, no sentido de com fusão de metrópoles, que não tem nada a ver
que embora possa não ser quantitativamente a maior, com a ideia do senso comum de que uma megalópole
é ela que domina e dirige os processos que metamor- significa metrópole grande.
foseiam o espaço. Gottmann não foi a primeira pessoa a usar o ter-
Nessa metamorfose os padrões de comportamen- mo “megalópole”. Antes havia sido empregado por
to, signos e hábitos metropolitanos veiculados pelas Gueddes (1915) [1960], por Splenger (1918) [1966]
redes de comunicações chegam a todos os lugares. e por Mumford (1938) [1945]. Em todos eles há
A antiga distinção entre campo e cidade, tão clara a ideia de cidades com enorme crescimento. Para
no passado, torna-se mais embaciada e, onde faz-se Gueddes (1915) [1960] uma megalópole exprime
ainda nítida, ganha opacidade quando se examina o um estágio de desenvolvimento da sociedade. Intui
comportamento social pautado por um modo de ser de forma antecipadora que na costa leste dos Esta-
que emana da metrópole e invade o campo. O Jeca- dos Unidos se desenvolveria um corredor de cidades.
-tatu paulista, o caipira, o colono do sul, o caiçara, Entende, também, que aí se desenvolveria uma vida
o sertanejo, o candango... se eles já se constituíam social deprimente, com crimes, violência e apatia,
como figuras do passado são, agora, figuras de um uma vida urbana negativa. Em 1938, Mumfort vai
passado muito mais distante. Os homens do cam- na mesma direção de Gueddes (1915), chamando
po e os ribeirinhos, os assentados, os que vivem em de megalópole a cidade hipertrofiada e espraiada que
pequenas propriedades rurais ou nas cidades, os que rompe seus limites e se caracteriza por não ter forma.
vivem em casas flutuantes e nas palafitas, por exem- Dizia que ela se constituiria num estágio degradado
plo, reproduzem hábitos e valores metropolitanos de cidade a anunciar uma fase de decadência da ci-
veiculados pela televisão. São todos eles homens de vilização.
seu tempo com um modo de vida historicamente Gottmann se distancia das colocações de Splenger
constituído. Submetem-se progressivamente a uma (1918), Gueddes (1915) e de Mumford (1938). Para
sociedade de consumo, experimentando signos que o autor, o crescimento urbano não se constitui numa
apreendem como modernos e contemporâneos, mes- preocupação, nem na constituição desmesurada da
clando o tradicional modo de vida com o novo. cidade. E ele tampouco considera que este seja ex-
Portanto, mais que transformar o espaço, o pro- pressão de uma fase de decadência civilizatória1. Para
cesso de metropolização produz uma verdadeira me- ele, uma megalópole exprime um estágio superior
tamorfose. Lembrando as libélulas, elas podem exem- de desenvolvimento metropolitano e, é importante
plificar o que queremos afirmar. De larvas aquáticas reiterar, não expressa decadência do processo civiliza-
se transformam em libélulas voadoras expressando tório. Outra referência importante é que, para Got-
uma metamorfose, uma mudança profunda, na qual
não só a forma e a estrutura de larva para libélula se
1 Especificamente, os textos de Randle, (1990) e o de Baigent
alteram, mas, também, seu habitat. De igual manei- (2004) fazem uma comparação do termo “megalóple” entre
ra, as transformações urbanas são tão profundas, que autores. O primeiro, entre Mumfort e Gottmann e, o segun-
se pode conceber com clareza um momento de infle- do, entre Gueddes, Mumfort e Gottmann.
tmann, uma megalópole constitui uma região urba- vez que o que é considerado disperso não significa
na e essa ideia não se faz presente nem em Splenger sem fim. Em primeiro lugar, cabe lembrar que dis-
(1918) e nem em Mumford (1938). persar exprime a ação de separar os elementos, de
Foi Gottmann quem analisou com rigor e pionei- romper a unidade de um conjunto. Isso significa
rismo a constituição de uma região urbana a expres- dizer que a dispersão tem o seu contraposto: a uni-
sar um novo tempo. Embora seu trabalho anunciasse dade. No caso em exame, a dispersão urbana tem
novos processos e novas configurações urbanas e te- como contraposto a ideia de unidade, precisamente
nha influenciado uma vasta literatura sobre o urba- de uma unidade historicamente constituída, uma vez
no, após o auge de trabalhos semelhantes, durante as que o urbano se constitui como feito humano, como
décadas de 1960-1970, a exemplo da megalópole de produção social. Portanto, estamos a falar de frag-
Los Angeles-San Diego e de Tóquio-Osaka, a impor- mentação de uma unidade, de fragmentação de uma
tância do pensamento de Gottmann perdeu fôlego. totalidade. E, também estamos a falar de dispersão e
Em primeiro lugar porque houve uma grande re- de seu contrário, a concentração.
novação no pensamento sobre o processo de urbani- Dizendo com outras palavras, a unidade (totali-
zação dada a influência do pensamento marxista que dade) e a fragmentação se desenvolvem num quadro
colocou em xeque a perspectiva clássica dos estudos de dispersão e é a integração na fragmentação que
urbanos, dos quais Gottmann é um dos representan- garante o conjunto, a totalidade. Sem a integração
tes. Conflitos sociais e a luta pelo espaço passaram, não seria possível visualizar os limites da dispersão e
com ênfase, a fazer parte da agenda de preocupações nem capturar as relações que são estabelecidas entre
sobre o urbano. Em segundo lugar, porque a ideia de os fragmentos. É a integração que permite entender a
planejamento urbano e regional como uma possibi- tensão entre fragmentação e totalidade e que permite
lidade da prancheta e dos órgãos de planejamento foi compreender que a dispersão significa dispersão de
colocada em dúvida como garantia de sucesso. partes de um todo.
No final da década de 1980, e especialmente nas Sem a compreensão do entendimento preciso da
duas décadas seguintes, face às profundas alterações palavra dispersão e de seu contraponto, a totalida-
no urbano e ao desenvolvimento de uma urbaniza- de, cada fragmento em si, comporia uma unidade,
ção cada vez mais extensiva territorialmente, não são um ponto isolado. Como definiu Euclides, o célebre
retomadas as colocações de Gottmann sobre mega- matemático da Antiguidade, um ponto não tem par-
lópole, mas se cunham novos nomes, a exemplo de tes. Tal raciocínio impossibilitaria perceber a ideia de
“metapólis” (Ascher, 1995), “cidade dispersa” (Mon- conjunto e de limites de uma nebulosa urbana. A
clús, 1999) e “cidade-região global”, (Scott, Agnew, chave para se compreender os limites da dispersão
Soja & Stopper, 2001). reside no exame da integração na dispersão. Só assim
Estas nomeações, e tantas outras similares, têm é possível compreender que só na aparência os frag-
vários aspectos comuns presentes na ideia de mega- mentos dão ideia de pontos isolados. Cada fragmen-
lópole de Gottmann. Entre eles destacamos um: o de to é parte de uma totalidade.
que todas confluem para a ideia de nebulosa urbana. Uma nebulosa urbana, seja ela considerada uma
Como nebulosa, o fenômeno urbano apresenta-se megalópole, uma metápole ou uma cidade-região,
esgarçado, rompido, com porosidades e descontinui- constitui uma totalidade composta de fragmentos de
dades face a um quadro de volatividade permanente. uma unidade. É a integração entre as partes do todo
que se constitui na chave para apreensão dos limites
dessas grandes extensões urbanas que cada vez mais
TOTALIDADE E FRAGMENTAÇÃO. se afiguram no mapa do mundo.2
A INTEGRAÇÃO COMO
ELEMENTO DE COESÃO 2 É bastante usual a referência à fragmentação do espaço
NA DISPERSÃO quando os olhares se voltam para a urbanização contempo-
rânea. Em geral, esse olhar vem acompanhado da discussão
sobre dispersão e concentração espacial. Também é comum
Seja em relação à ideia de megalópole ou em rela-
uma outra referência, a homogeneização do espaço. Mas
ção a tantas outras a expressar o desenvolvimento de gostaríamos de destacar um terceiro termo, a hierarquia. O
uma urbanização dispersa e cada vez mais extensiva espaço não é só fragmentado e homogêneo. Ele é, também,
territorialmente, que temos chamado preliminar- hierarquizado. O espaço capitalista como sendo homogê-
mente de nebulosa urbana, cabe sempre a indagação neo, fragmentado e hierarquizado encontra-se em Lefébvre
(1974), que se inspirou no pensamento de Marx que colocou
acerca do limite dela. o trabalho como categoria central e que enfatiza ser ele, no
Em suma, se a urbanização é dispersa como apre- capitalismo, homogêneo, fragmentado e hierarquizado. Foi,
ender seus limites? Como resolver esta questão, uma então, que Lefébvre concebeu essa mesma tríade para a aná-
A integração é que dá coesão ao que se apresenta regional é um conceito que encontramos em Soja
disperso, ao que se mostra estendido territorialmente (2013). O que queremos afirmar é que em ambos
como um mosaico de fragmentos. Reiterando, a in- autores, nas duas concepções, destaca-se a palavra
tegração é a chave para se compreender a unidade do região. A ideia de região ao estar presente expressa
que se apresenta fragmentado e disperso. O que per- o sentido de integração, como assinalamos anterior-
mite afirmar que uma nebulosa urbana não conforma mente, sentido este indispensável para se compreen-
uma área, mas uma região. A geografia nos ensina der uma urbanização difusa e o desenvolvimento de
há décadas a diferença entre área e região, afirman- regiões urbanas extensas territorialmente e em coales-
do que nem toda área constitui uma região. Para que cência, a expressar unidade na fragmentação. Como
uma dada área se constitua como uma região é indis- afirmamos anteriormente, disperso e difuso não que-
pensável haver uma unidade interna, uma coesão, ou rem dizer infinito.
seja, a constituição de uma totalidade. É importante A interpretação de Soja (2013) e o conceito de
observar que essa unidade e integração não é definida urbanização regional guardam relação com sua ideia
pela continuidade de elementos espaciais, nem pela de transição pós-metropolitana. Nas palavras de
homogeneidade de fenômenos, mas pela integração Soja estamos vivendo “uma mudança paradigmática
que apresentam. Por isso, uma região pode apresentar na verdadeira natureza do processo de urbanização
descontinuidade territorial dos fenômenos desde que (...) [e tudo indica] que a era da metrópole moderna
haja integração na dispersão. parece estar terminando”. (Soja, 2013, 151). O que
Os fluxos, os movimentos, as ligações (linkages) vemos no seu pensamento é a evolução da ideia de
entre as partes, bem como as complementariedades transição pós-metropolitana para a de urbanização
entre partes e funções, que se dão pela mediação de regional. Diz ele que “há sinais que a transformação
diversas dinâmicas e processos e que se desenvolvem da urbanização metropolitana para a regional e o uso
no interior da região, são elementos constitutivos da de termos associados tais como cidades-região e cida-
integração. Por isso, a discussão atual sobre as aglo- des regionais crescerão em importância para a análi-
merações difusas, tanto quanto a de megalópole, me- se geográfica urbana ao longo da próxima década”.
tápolis, cidade-região, consideram esse espaço como (Soja, 2013, 150).
região urbana e não como área urbana. Esta ponde- Mas, foi a concepção de megarregião, de Sassen
ração é importante, porque uma área urbana não se (2008), que nos inspirou o olhar sobre a região Rio
confunde com região urbana. de Janeiro-São Paulo, como unidade, a ser discutida
Temos nos referido a nebulosas urbanas porque a seguir. Para ela, “ventajas específicas de la escala me-
se trata de uma expressão de linguagem e não assu- ga-regional consisten en, y emergen de la coexistencia
me, aqui, o sentido de conceito. Não retomamos o dentro de un espacio regional de múltiples tipos de
conceito de megalópole porque ele foi concebido economías de aglomeración. Estos tipos de economí-
num quadro sem duas referências importantes para as de aglomeración están hoy distribuidos a lo largo
se pensar a urbanização contemporânea. A globaliza- de diversos espacios económicos y escalas geográficas
ção e a desregulamentação promovidas pelas políticas (…). Cada uno de estos espacios muestra distintas
neoliberais na relação com a produção do urbano e economías de aglomeración y, a lo menos empírica-
a revolução das comunicações e o desenvolvimento mente, se fundan en tipos diversos de contextos ge-
da informática que alteraram profundamente as dis- ográficos, desde lo urbano a lo rural, de lo local a lo
tâncias. global.” (Sassen, 2007, 12).
As nebulosas urbanas constituem regiões. Agora
sim, podemos falar de alguns conceitos e abandonar
o que era agora apenas uma expressão de linguagem
A MEGARREGIÃO RIO DE
— a de nebulosa urbana. Chegamos ao ponto de falar JANEIRO-SÃO PAULO. A
de conceitos novos que permitem apreender o novo. URBANIZAÇÃO REGIONAL
Abandonando, portanto, a figura de linguagem ex- DE MAIOR EXPRESSÃO NO
pressa em nebulosa urbana, vamos, então, caminhar TERRITÓRIO BRASILEIRO:
em direção a dois conceitos. O de megarregião e o de RIO DE JANEIRO–SÃO PAULO
urbanização regional.
Megarregião é um conceito usado por alguns au- No sudeste do Brasil, ao longo da costa atlântica, as
tores, entre eles, Sassen (2008). E o de urbanização metrópoles do Rio de Janeiro e de São Paulo consti-
tuem as principais cidades de uma megarregião. Aí se
lise da produção do espaço capitalista. Esta discussão está no desenvolve a urbanização regional de maior expressão
capítulo V de sua obra Au-delà du structuralisme. no Brasil e no hemisfério sul. Da região do entorno
do Rio de Janeiro, ao longo da costa, indo em dire- no da região metropolitana inclui a mesorregião do
ção à Juiz de Fora, penetrando pelo Vale do Paraíba e Sul Fluminense que contém as microrregiões: Vale
chegando à Baixada Santista a mancha urbana, quase do Paraíba Fluminense, Barra do Piraí e Baía da Ilha
que contínua, avança para o interior paulista indo Grande que têm como cidades principais: Volta re-
além de Campinas e Sorocaba. Esta região integra-se donda, Barra do Piraí e Angra dos reis, respectiva-
entre si e, em escala global, por meio das atividades mente. Compreende, também, a microrregião Serra-
econômicas, dos eixos de circulação viária e aérea e na, cuja cidade principal é Petrópolis e a microrregião
das redes de informação e comunicação. do Lagos, com destaque para Cabo Frio.3 Além de
Segundo Davidovich, 2001, no Rio de Janeiro, cinco municípios: Paracambi, Seropédica, Itaguaí,
a “parte considerável do entorno da metrópole apre- Cachoeiras de Macacu e Rio Bonito, que não estão
senta uma configuração espacial em eixo; o do Mé- inseridos em nenhuma das microrregiões previamen-
dio Vale do Paraíba do Sul, o do Litoral Sul e o do te citadas. A ligação do Rio de Janeiro com Juiz de
Litoral Norte (até a Região dos Lagos), o da Rio-Juiz Fora, em Minas Gerais, se dá, em especial, com os
de Fora, que significam, também, o privilegiamento municípios ao longo da rodovia Presidente Juscelino
de alguns lugares, em detrimento de outros”. Acres- Kubitschek, um trecho da BR-040.
centa que este entorno metropolitano constitui uma Na porção paulista, a megarregião compreende
nítida diferenciação com o resto do estado, onde têm 167 municípios. Tal informação se funda no minu-
prevalecido o atraso econômico e as funções urbanas cioso trabalho efetuado pela Emplasa — Empresa
tradicionais, à exceção da atividade petrolífera na ba- Paulista de Planejamento Metropolitano4. Além da
cia de Campos”. (Davidovichi, 2001, 71). região metropolitana de São Paulo, há quatro outras
O eixo de ligação entre o Rio de Janeiro e São regiões metropolitanas: a de Campinas (metrópole
Paulo, a rodovia Presidente Dutra, capturou, como Campinas), a de Sorocaba (metrópole Sorocaba), a
área de influência de São Paulo, o Vale do Paraíba do Vale do Paraíba Paulista e Litoral Norte (metró-
Fluminense. Como exemplo destas relações intensas pole São José dos Campos) e a da Baixada Santista,
vale lembrar a indústria automobilística, na qual as com a metrópole Santos. Além de duas outras forma-
fábricas da Volkswagen, Peugeot, Citroën; Hyundai, ções espaciais. A primeira, a aglomeração urbana de
Land Rover e Nissan guardam estreitas relações com Jundiaí e a de Piracicaba, tendo as cidades de Jundiaí
São Paulo, bem como a fábrica de pneus Michelin. e Piracicaba como cidades principais. E, a segunda, a
Também vale mencionar que o setor siderúrgico do microrregião Bragantina, cuja principal cidade é Bra-
Rio de Janeiro guarda estreitas relações com São Pau- gança Paulista.
lo, tanto que a CSN — Companhia Siderúrgica Na- A visão noturna da megarregião Rio de Janeiro-
cional — localizada em Volta Redonda, tem sua sede -São Paulo revela a unidade desta região. As áreas mais
administrativa na cidade de São Paulo. escuras, que interrompem a continuidade das luzes,
A porção do Estado de São Paulo é linear no Vale revelam a topografia acidentada. São áreas de serra e
do Paraíba e em direção ao interior paulista, na re- de matas a serem preservadas. Devemos ter em conta
gião de Campinas e de Sorocaba, apresenta um de-
senho areolar, porque o desenvolvimento econômico
3 A mesorregião e a microrregião, no caso do estado do Rio de
não se restringiu aos eixos de circulação tendo se es- Janeiro, constituem divisões regionais elaboradas pelo IBGE
palhado por áreas inteiras. Isso significa dizer que a — Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística —, que uti-
megarregião Rio de Janeiro-São Paulo configura-se lizou o critério de similaridade econômica e social para a sua
de forma linear e areolar. delimitação. A microrregião se constitui numa subdivisão da
mesorregião. Ambas, a mesorregião e a microrregião, são di-
Essa forma híbrida da urbanização regional con-
visões utilizadas para fins estatísticos e não constituem uma
figura uma megarregião com intensa integração entidade política ou administrativa.
produtiva, forte interação com a economia global e 4 O trabalho da Emplasa considera a macrometróple constitu-
grande densidade dos movimentos pendulares. Mas ída por 173 municípios. Este trabalho foi efetuado em 2012.
deve ser assinalado que embora tenha intensos laços Em 2014 instituiu-se a região metropolitana de Sorocaba que
alterou o recorte anterior denominado de Aglomeração Urba-
com a atividade econômica global, também apresen-
na de Sorocaba. Este recorte continha seis municípios que não
ta uma rede de relações apenas local. compuseram a região metropolitana de Sorocaba. Trata-se dos
A megarregião é composta, no estado do Rio de seguintes municípios: Conchas, Laranjal Paulista, Pereiras,
Janeiro, por cinquenta municípios, sendo os mais Porangaba, Quadra e Torre de Pedra. Em suma, a aglomera-
importantes dispostos ao longo dos principais eixos ção urbana de Sorocaba cedeu lugar à Região Metropolitana
de Sorocaba que tem um recorte territorial aproximado ao da
de circulação viária. A região metropolitana do Rio Aglomeração Urbana de Sorocaba. Esta alteração que fez com
de Janeiro é composta por 21 municípios, sendo o que a cidade-região de São Paulo passasse a ter 167 municípios
centro a capital do estado, Rio de Janeiro. O entor- em vez dos 173.
Figura 1
Megarregião Rio
de janeiro-São
Paulo (Visão
Noturna)
que as serras presentes nesta região nunca foram obs- extensão territorial, é aprender o espaço como fixo.
táculos para a construção de uma unidade territorial Ao contrário, todo limite e fronteira são frutos da
tecida historicamente. A serra da Mantiqueira, entre história. Basta lembrar que as convenções fazem os
o Rio de Janeiro e Juiz de Fora e na região de Queluz japoneses chamarem de Oriente Próximo o que é dis-
no Vale do Paraíba, bem como a serra do Mar, en- tante, pois esta denominação foi dada e se impôs a
tre São Paulo e Santos, nunca foram barreiras para o partir do olhar procedente do mediterrâneo. E isso
desenvolvimento de relações entre os lugares. Nunca vale até mesmo para o fuso horário.
foram impedimentos para o desenvolvimento de re- A urbanização contemporânea revela com clareza
lações historicamente construídas ligando povoados, que a cidade como a conhecemos, circunscrita a um
vilas e cidades desde os tempos coloniais. ponto, tende, em algumas áreas a se amalgamar com
O mapa a seguir traça os limites dessa megarre- outras e constituir regiões urbanas de grande coesão
gião, considerando-se apenas os estados do Rio de deixando como imagem do passado a cidade como
Janeiro e São Paulo, a exigir a complementação de aglomeração concentrada. Talvez evoluiremos para
municípios de Minas Gerais. Cabe lembrar que o um mundo sem cidades como a que herdamos do
trabalho de André Urani (2007) denominado “A me- passado e viveremos em grandes aglomerações disper-
galópole brasileira” incorporou municípios mineiros, sas. Isso não significa que não haverá mais cidades
a requerer uma análise comparativa que não se cons- como aglomerações concentradas, significa apenas
titui no escopo deste texto. que a tendência é a de que, no futuro, multipliquem-
Convém chamar atenção para o fato de que os -se as grandes concentrações urbanas construídas por
limites dessa megarregião devem ser entendidos em movimentos de dispersão.
movimento. Por isso abolimos qualquer menção A megarregião Rio de Janeiro-São Paulo anuncia
à ideia de extravasamento metropolitano, ideia co- a emergência deste novo tempo. Áreas urbanas convi-
mum quando se fala do entorno metropolitano. Esta vem com as rurais, que apresentam, muitas delas, sig-
formulação contém a ideia de transbordamento e, nos metropolitanos mesclados com as características
portanto, de um limite fronteiriço estável. Ora, a his- de ontem, tornando um pouco mais obsoleta a clássi-
tória é movimento, é processo, é contínua mudança ca divisão entre campo e cidade, tanto quanto parece
e quaisquer que sejam as fronteiras, quaisquer que ter caducado a divisão centro e periferia. Apesar de
sejam os limites territoriais, eles não permanecem todas estas mudanças cabe chamar atenção para um
os mesmos; eles não são perenes, imutáveis. Assim, fato, o de que tais mudanças não invalidam essas no-
entender como transbordamento ou como extra- ções. Tudo isso é ainda válido, mas se torna defasado
vasamento dos limites é naturalizar os processos de e claramente insuficiente quando nos debruçamos
Resumo
En este artículo se destacan cuestiones del orden social local asociadas a la producción
de espacios urbanos autoritarios. Está centrado en la disputa intergeneracional que con-
duce a la apropiación autoritaria del espacio público, entendida como la expulsión, el
desplazamiento y la censura que favorecen la exclusión. Este texto tiene como base el
trabajo de campo realizado en 2012 para el estudio del conflicto entre jóvenes y adultos
por la definición de los usos de una plaza pública en el Centro Histórico de la Ciudad de
México.
Christian Amaury
Palavras-chave: Espacio público; Autoritarismo; Disputa intergeneracional; Conflictos Ascensio Martínez
urbanos; Política pública. Maestro en Estudios Políticos y Sociales
y candidato a Doctor en Sociología por la
Universidad Nacional Autónoma
Abstract de México.
In this article are highlighted aspects that are present in the local social order associated christian_ascensio@hotmail.com
to the production of authoritarian urban space. It is focused on the intergenerational
struggles that lead to the authoritarian appropriation of public space. The ways in which
social groups are excluded through expulsion, displacement or censorship are also re-
viewed. This paper is based on a fieldwork focused on the conflict between youngsters
León Felipe Téllez
and adults in 2012, who try to define the uses of a public park in the Historic Center of
Contreras
Maestro en Antropología Social por el
Mexico City. Centro de Investigaciones y Estudios Supe-
riores en Antropología Social, sede D.F.
Keywords: Public space; Authoritarianism; Intergenerational struggle; Urban conflict;
Public policy. lftc10@yahoo.com.mx
____________________
Artigo recebido em 29/01/2015
artigos
Hoy, la vida pública mexicana se asemeja a un archipiélago, pero no es claro si se trata de islas de autori-
tarismo y corrupción rodeadas de un mar democrático en ascenso, o de pequeñas y recién ungidas islas democrá-
ticas sitiadas por un embravecido mar de autoritarismo y corrupción que amenaza con arrasarlas.
establecieron relaciones autoritarias entre sí. sucede porque tales conductas son valoradas como la
Si bien el Estado autoritario fungió como un re- base de una coexistencia con los mínimos estándares
gulador dominante de la relación de los habitantes de orden y armonía.
en el territorio, sus prácticas de control social se an- De aquí emerge un control cotidiano cuyas reglas
claron y complementaron mediante diversos meca- informales conviven con las reglas formales. Pero hay
nismos de regulación a escala local. Así, las prácticas que destacar que el problema no es la existencia de
autoritarias locales que comprendieron el espectro de reglas que determinan el control social, sino su ca-
la producción del espacio urbano deben entenderse riz autoritario o democrático, pues de su aceptación,
como pertenecientes al registro de la vida cotidiana exigencia y aplicación se desprenden consecuencias
también en el sentido de auto-ordenación del terri- diferentes. Por ejemplo, si en la producción del es-
torio y de los actores. En el reconocimiento de estas pacio autoritario se tiende a limitar la pluralidad po-
prácticas autoritarias cotidianas podemos compren- demos esperar que las apropiaciones por parte de los
der cómo una estructura de poder político se articula actores generen exclusión, desplazamiento y censura
con una determinada estructura social, sosteniéndo- de prácticas, especialmente de los actores que no se
se mutuamente. adecúan a los criterios imperantes.
Estas “prácticas de regulación endógena”, así las Existen razones de peso para señalar que la heren-
llama Quintero (2008, p. 116), pueden ser clasifica- cia autoritaria instalada en la vida cotidiana, incluso
das como democráticas o autoritarias, sin embargo, mezclada con los valores democráticos, impulsa los
si se sigue la propuesta de Lorenzo Meyer, es nece- intentos monopolizadores de la producción del es-
sario preguntar si también expresan la naturaleza pacio urbano, entre cuyos objetivos está el control o
mixta de un sistema en el que conviven los avances la eliminación de las prácticas de quienes son desle-
democráticos y la herencia autoritaria producto de gitimados. Al respecto, el trabajo de Mariel Bufarini
más de setenta años de control político. Tal reflexi- (2012) recuerda cómo las tendencias autoritarias o
ón es relevante por dos razones, la primera es que la democráticas intentan lidiar no sólo con la plura-
Ciudad de México se ha consolidado a nivel nacio- lidad (es decir, la diferencia), sino también con la
nal como un espacio urbano que favorece la amplia- desigualdad. Así, la tendencia autoritaria identifica
ción de derechos civiles y sociales, y que posee, en el espacio de referencia como un espacio que puede
materia de producción del espacio, mecanismos de arrebatarse a otros, de ser necesario por la fuerza, y
participación ciudadana que otorgan prioridad a la con ello, este “epicentro de un núcleo de sociabili-
organización vecinal para determinar el destino de dad” se ve trastocado y bloqueado para las mujeres,
los recursos públicos; la segunda, que en la metrópoli niños, jóvenes y adultos que lo han tenido como “lu-
siguen siendo visibles las dificultades para abandonar gar de lo conocido y cotidiano” (Bufarini, 2012, p.
las prácticas de control colectivo y los efectos de la 236). En síntesis, el espacio urbano, como espacio de
dominación política a escala local (Hurtado, 2013), pertenencia, se torna autoritario para determinados
creando un entorno en el que conviven prácticas an- actores porque deben buscar o construir nuevos es-
tagónicas que moldean la vida cotidiana de mujeres, pacios de referencia donde sus prácticas encuentren
infantes, jóvenes y adultos. cabida y vuelvan a ser parte “constitutiva del ritmo
Es indudable que las denominadas tendencias habitual de la vida cotidiana”.
autoritarias y democráticas de la producción del es- Puesto que la construcción de estos criterios au-
pacio urbano se manifiestan en las formas de apro- toritarios o democráticos está atravesada por diversas
piación y control que establecen los actores locales. variables, y en vista de la experiencia registrada en el
De este modo, un espacio autoritario supone la apro- apartado III de este artículo, a continuación se verá
piación y el control unilateral del espacio público, cómo participan las disputas intergeneracionales en
es decir, éste emerge en la medida que los actores su definición.
dominantes limitan la pluralidad e impiden sistemá-
ticamente que otros actores se organicen y arraiguen
sus prácticas en lugares específicos. De esa manera, LA DISPUTA
el autoritarismo se inserta en el espacio geográfico INTERGENERACIONAL:
como un “conjunto de procedimientos tanto dis- CONTROL Y RESISTENCIA
cursivos (símbolos, significados colectivos, valores e
ideales) como prácticos (vigilancia, castigo, exclusi- Como se ha mencionado, la apropiación autoritaria
ón, presión grupal)” (Quintero, 2008, pp. 106-107), de los espacios públicos es el conjunto de procedi-
orientados a instaurar los comportamientos que se mientos discursivos y prácticos que pretenden re-
consideran apropiados para el lugar en cuestión. Esto gular y controlar unilateralmente el comportamien-
vechando los canales institucionales y los discursos recursos para controlar al grupo de jóvenes que era
dominantes sobre lo público, que de la constitución percibido como “amenazante” y “dañino”, y señalado
de una comunidad dialógica capaz de encontrar so- como promotor de la indisciplina, la ilegalidad y la
luciones negociadas en condiciones de igual acceso a desconfianza.
la información y a la capacidad de decisión” (Téllez, Este universo de representaciones constituyó un
2013, p. 135). pilar de la estigmatización, que entonces se convirtió
Podemos observar el efecto de la tendencia auto- en el arma más poderosa de los adultos para invo-
ritaria en el modelo de la Plaza San Juan: limpia, se- lucrar a la autoridad en la re-apropiación y control
gura, iluminada y dedicada al descanso, que alcanzó de la plaza. De esta manera, los adultos organizados
a las personas sin hogar, a los franeleros,3 a los comer- exigieron vigilancia constante para inhibir las prácti-
ciantes callejeros y a los jóvenes que allí se reunían. cas condenadas, y de esta manera evidenciaron que
Durante este proceso, la tensión intergeneracional se la apropiación del espacio público efectuada por los
manifestó de forma intensa porque un grupo integra- jóvenes era más “frágil [y] susceptible de ‘expropiaci-
do por 15 o 20 jóvenes, de entre 14 y 30 años, ocu- ón’ para otros usos” (Téllez, 2013, p. 149). A diferen-
paba una parte de la plaza, después de las cinco de la cia de otras ocasiones en las que los jóvenes habían
tarde. Muchos de ellos eran habitantes, estudiantes o escapado a la presencia policial (con frases burlonas
trabajadores de la zona que al terminar sus labores se como “¡Otra denuncia ciudadana, otra denuncia ciu-
congregaban a las puertas de una templo considera- dadana!”), el nuevo mecanismo de vigilancia (una
do patrimonio histórico: la Iglesia de Nuestra Señora patrulla, una cámara y anuncios con advertencias)
de Guadalupe “El Buen Tono”, para ejercitarse, jugar consiguió impedir la reunión, el juego y el consumo
frontón o fútbol, montar la patineta, platicar, apos- de cualquier sustancia prohibida en dicho espacio.
tar, fumar mariguana o beber alcohol. Esta forma de «contención territorial» (Haesbaert,
Al realizar estas actividades controlaban la plaza y 2012) logró la dispersión de los jóvenes y se convir-
un paso peatonal cercano hasta muy avanzada la no- tió en la antesala de su desplazamiento hacia otros
che, impidiendo los potenciales usos que otros actores rincones del Centro Histórico, por cierto, unos más
de la zona quisieran darles. Esta apropiación exhibía, ocultos, insalubres y peligrosos, como el Callejón de
además de la tolerancia al consumo de estupefacien- San Ignacio, donde realizaban las mismas prácticas
tes, un ambiente hipermasculinizado donde las mu- que antes, pero rodeados de basura y del deterioro de
jeres participaban muy poco, y un uso constante de la infraestructura urbana.
las jardineras como baños públicos. En consecuencia, Este ejemplo muestra cómo los adultos organiza-
mujeres, niños, adultos y ancianos percibían la plaza dos lograron articularse con la autoridad para ejercer
como un espacio peligroso y poco propicio para rea- una política autoritaria de producción del espacio ur-
lizar sus actividades mientras estuvieran los jóvenes. bano que despojó a los jóvenes de la plaza mediante
Por medio del trabajo de campo se observó que la apelación a los estereotipos negativos más recur-
esta apropiación y la realización de tales prácticas ju- rentes. Es conveniente señalar que, apenas dos meses
veniles tenían por lo menos diez años de existencia, después de haber iniciado el trabajo de campo, en
y que el malestar expresado por otros actores se re- septiembre de 2012, el carácter autoritario de la plaza
montaba al mismo número de años. Como esta in- pública se instauró sin alentar un proceso de diálogo
tensa actividad juvenil también causaba estragos en y negociación con los jóvenes usuarios, y en cambio,
las condiciones físicas de la plaza (rotura de lámparas, se optó por impedir la organización y el arraigo de
vitrales, bancas, acumulación de basura), varios ve- aquellos actores considerados “molestos”, cuya capa-
cinos de entre 30 y 70 años conformaron un grupo cidad para articular una resistencia resultó ser ende-
de oposición para condenar las prácticas que creían ble ante la alianza de los adultos del barrio con el
negativas y a los actores que las realizaban. Así, una gobierno. Aunque pueden encontrarse justificaciones
de las operaciones simbólicas que entró en juego para esta apropiación adulta del espacio, dado el con-
fue la oposición antinómica entre jóvenes y adultos, sumo de estupefacientes por parte de los jóvenes, no
como construcción de una dicotomía nosotros/otros. es allí donde radica el carácter autoritario de las prác-
El bloque de adultos aglutinó a individuos de muy ticas regulatorias ni el origen de la contradicción con
diversas ocupaciones y se dispuso a echar a andar sus los avances democratizadores de la política pública de
mejoramiento barrial, sino en la incapacidad mostra-
da por los actores locales para hacer de la pluralidad,
3 Los franeleros son trabajadores informales que ayudan a los
automovilistas a estacionar sus vehículos en la vía pública a
el diálogo y el consenso un conjunto de principios
cambio de alguna aportación económica voluntaria o de una organizadores de la producción del espacio urbano.
cuota preestablecida. Por el contrario, el desplazamiento, la exclusión
y la censura de los actores y sus prácticas devino en adultos gestionaba paralelamente la intervención de
estigmatización y desarticulación del grupo de jóve- la policía preventiva. Si bien el discurso dominante
nes: “Ya se quemó el parque, ya no dejan jugar... ni ha implicado responsabilizar a los jóvenes reunidos
fumar. Ya no se juntan todos”, sintetizó un asiduo en los espacios públicos de los delitos cometidos en
asistente joven. Por parte de los adultos, la vigilan- la zona, este intento de involucrarlos en una acción
cia policial eliminó la corrección política y algunos ciudadana ante la autoridad nos reveló otra dimen-
vecinos se congraciaron con la expulsión de “los ván- sión de la producción del espacio autoritario. Así, al
dalos”, como se les llegó a llamar. Adicionalmente, la dispersarse y negarse a participar en la propuesta, los
disputa y los encuentros cotidianos condujeron a la jóvenes contribuyeron indirectamente a justificar la
imposición de un conjunto de reglas que sancionó la necesidad creciente de vigilancia encabezada por el
conducta de los jóvenes, creando un entorno de vio- grupo de adultos, y posibilitaron que se les transfirie-
lencia y conflicto donde no tuvo lugar negociación ra la responsabilidad de la inexistencia de un “espacio
alguna. Con ello, la producción del espacio urbano juvenil” específico en las inmediaciones de la plaza.
se orientó hacia la política de controles intensivos De esta manera, reunirse a realizar actividades
(Bufarini, 2012), tan recurrente en las áreas centra- deportivas, socializar o “pasar el rato” se convirtió
les revitalizadas o rescatadas, con lo cual se alentó la en un blanco de la extorsión y la represión policial y
tendencia autoritaria en la vida pública. En este caso comunitaria, mediante procesos de discriminación y
no fueron las autoridades las promotoras del control, criminalización que se articularon con las representa-
sino los actores de la vida social local, cuyas orien- ciones dominantes sobre la juventud. La mirada de
taciones buscaron llevar al extremo la demanda de los jóvenes fue contraria a esta visión estigmatizado-
seguridad y vigilancia para hacer imperar una con- ra, pues repudiaron la afirmación, señalando que “no
cepción de plaza pública. todos son delincuentes”. En cambio, muchos jóvenes
Por otro lado, la experiencia de investigación rememoraban el pasado inmediato con cierta nostal-
mostró que los adultos aludían frecuentemente a la gia, pues aseguraron haber tenido en otros tiempos
“falta de espacios públicos para jóvenes”, refiriéndo- un espacio para jugar fútbol o frontón y para encon-
se a estos como “canchas y gimnasios” al aire libre. trarse con sus amigos o parejas sentimentales sin ser
Es conveniente destacar que al referirse a espacios molestados. La apropiación de dichos espacios me-
para jóvenes, señalaban horarios y lugares distintos diante sus prácticas fue la pauta para experimentar lo
a los frecuentados por las familias, generando una lúdico, no obstante que en un entorno de múltiples
división espacial y temporal. Como se definió uni- actores esto haya sido el detonante de un contexto de
lateralmente lo que significaba “espacios juveniles”, violencia y conflicto con los adultos.
no fue extraño que las y los jóvenes los subutilizaran Los jóvenes reconocieron haberse apropiado es-
o despreciaran, razón por la cual su deterioro se hizo pacios para su goce y disfrute porque “les gusta el
notable al poco tiempo de su instalación. frontón” y porque, según ellos “no se meten con
Es indudable que la posibilidad de realizar activi- nadie”; sin embargo, las concepciones de la cultura
dades deportivas y culturales contribuye a que las y cívica, de la juventud y de lo público, condujeron a
los jóvenes tengan mejores herramientas para eludir desalentar mediante letreros o la acción policial un
las adicciones y la delincuencia, pero si la definición conjunto de actividades “juveniles”. El proceso que
de lo que es un “espacio joven” no pasa por la nego- llevó al establecimiento de esta apropiación autori-
ciación y el entendimiento propositivo, la produc- taria del espacio destruyó la confianza de los jóvenes
ción del espacio urbano se convierte en una acción hacia las autoridades, incrementó su distancia frente
autoritaria, como efectivamente ocurrió. a los adultos, desmotivó su participación y generó re-
En otro orden de ideas, el grupo de adultos que sentimiento, pues se les negó el diálogo y la negocia-
actuaba en torno a la plaza San Juan propuso, de ción al no consultarlos e involucrarlos en la búsqueda
forma poco enérgica y organizada, que los jóvenes de otras soluciones.
pidieran a la autoridad la construcción de una pa- En este caso se ha mostrado cómo la apropiaci-
red de frontón o de un deportivo. Ninguno de los ón autoritaria del espacio puede apoyarse en la ley y,
proyectos obtuvo el apoyo necesario, en parte por- de acuerdo al contexto, favorecer la ampliación de la
que el mecanismo “adulto” para crear la interlocu- distancia social y física entre jóvenes y adultos de una
ción exigía hacer una lista con los nombres, firmas comunidad. Si a ello añadimos que muchos jóvenes
y números de contacto de todos los jóvenes impli- consideran que gran parte del trabajo de “recupe-
cados, los cuales, por supuesto, no dieron un solo ración” de espacios urbanos sólo favorece a algunos
dato. La desconfianza creciente entre las partes jugó jóvenes, “a los que van llegando y tienen dinero”, y
su papel, en especial por el hecho de que el grupo de que excluye a quienes “siempre habíamos estado y
jugado ahí sin meternos con nadie”, el contraste con ón al origen y los efectos de dichos problemas que
los procesos democráticos aumenta. Es en este punto puede “producir soluciones específicas adaptadas a la
en el que recordamos la conveniencia de observar las heterogeneidad y la diversidad de la nueva sociedad”
consecuencias que produce la interrelación entre los (Subirats, 2014, pp. 105-106). Para lograrlo es ne-
avances democráticos y la herencia autoritaria en su cesario poner entre signos de interrogación algunas
escala local, para entonces poder imaginar ese marco de nuestras prácticas cotidianas y desnaturalizar las
de incorporación ciudadana “directa, comunitaria y concepciones que marcan nuestra manera de relacio-
autónoma” que permita “organizar las nuevas coor- narnos con los otros habitantes de la ciudad.
denadas vitales” (Subirats, 2014, p. 117). Esto implica romper con la noción de “espacios
En su obra La ciudad cautiva, José Cortés (2010) juveniles” y “espacios familiares” como si se tratara
nos muestra diversas aproximaciones artísticas que de dos lugares distintos, y superar las temporalida-
rondan los escenarios distópicos del control y la vi- des que segregan y dan materialidad a las distancias
gilancia en el espacio urbano. La desconfianza y el sociales en el espacio público. Si nos ponemos como
temor mutuo de los actores de lo local, sumados a los meta trascender las disputas intergeneracionales y
principios autoritarios que aún persisten en México, la producción autoritaria del espacio público, será
parecieran hacer honor a esta estética de la destruc- importante identificar los estereotipos y los criterios
ción del lazo social, la exclusión y el sometimiento reguladores del tiempo y el espacio que cierran las
de los otros que no embonan en la concepción do- posibilidades a la producción democrática de la vida
minante en los diferentes contextos de la ciudad. De cotidiana. Sin este acompañamiento transformador
esta manera se impide la emergencia de mecanismos de las prácticas locales, los avances democráticos de
democráticos por medio de los cuales los diferentes orden gubernamental, jurídico y escolar tropezarán
vecinos puedan producir conjunta y negociadamente una y otra vez, pues las tendencias competitivas que
el espacio urbano. Apelar a las prácticas democrati- imploran la imposición de un grupo sobre otro pre-
zadoras no es garantía de éxito si tenemos en cuenta dominarán sobre cualquier defensa del sentimiento
la persistente existencia del autoritarismo local, pero de comunidad, de la comprensión mutua, del diá-
se trata de insistir en el avance de políticas públicas logo, del acuerdo conjunto y del respeto hacia “los
fundadas en la “democracia implementativa” (Su- otros”.
birats, 2014, p. 110), aquella que sea capaz de dar Es fecundo señalar que la participación comuni-
respuestas desde la auto–gestión, para que podamos taria en la recuperación negociada de espacios puede
cuestionar las concepciones y prácticas que recrean dar lugar a una organización capaz de resolver con-
en lo local la herencia política autoritaria que desde flictos de forma no-violenta, pero ello supone un
hace varias décadas intentamos desterrar. aprendizaje y una construcción colectiva, en lo local,
de los mecanismos que permiten solucionar pro-
blemáticas comunes de la vida social, incluyendo la
REFLEXIÓN FINAL
producción del espacio urbano. Transitar hacia este
La producción autoritaria del espacio urbano se en- nuevo escenario exige que principios como la copar-
cuentra vinculada a una tradición política que privi- ticipación y la corresponsabilidad se contrapongan y
legió la imposición y el control del pluralismo sobre hagan evidente la tradición autoritaria incorporada
la participación, la negociación y la convivencia. No en la estructura social. De otra manera son inima-
importa si el autoritarismo es ejercido por jóvenes, ginables nuevos espacios de la vida fincados en una
adultos u otros grupos sociales, tampoco es relevante tendencia democratizadora. Las fuerzas en tensión
si alguno de ellos tiene el respaldo de un marco legal, que exponen el carácter ambivalente del sistema
lo central es que se trata de apropiaciones del espacio político mexicano, una vez expresadas en la singu-
no negociadas, con las que se espera limitar la orga- laridad del espacio local, nos plantean serios dilemas
nización y el arraigo de otras expresiones sociales en sobre el futuro de la producción de las ciudades y
la escala local. La distancia social y física, la imposi- sus barrios. Una de esas disyuntivas es si estamos dis-
bilidad de generar espacios de encuentro y el rechazo puestos o no a permitir que regrese “la conformidad
a la convivencia negociada entre grupos es una de sus con las prácticas antidemocráticas que caracterizaron
consecuencias en el mediano y largo plazo. Es por durante largos periodos a nuestro país”, no obstante
lo anterior que consideramos conveniente el involu- que, como advierte Meyer, ello supondría “un nuevo
cramiento de los distintos actores en la resolución triunfo de la mediocridad material y moral en la vida
de los problemas colectivos y la mayor aproximaci- pública” (2013: Loc 7068).
Resumo
Este artigo tem como objetivo estimar os fluxos migratórios de e para a Região Metropo-
litana do Cariri nas últimas duas décadas. Neste sentido, foram estimados os fluxos mi-
gratórios entre os municípios da RMC e entre estes e as capitais dos estados do Nordeste
juntamente com Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Também foi analisado o perfil do mi-
grante, não migrante e do migrante de retorno. Foram construídas matrizes destes fluxos
migratórios. Em termos de destino, os migrantes da RMC foram predominantemente para
São Paulo e Salvador, em 2000, enquanto em 2010 para Fortaleza e São Paulo. O grande
destaque é mudança no fluxo migratório dos três maiores municípios: Barbalha, Crato
e Juazeiro que passam a apresentar taxa líquida positiva no último período analisado.
Finalmente em relação ao perfil da população das três categorias analisadas, puderam-se
observar mudanças entre 2000 e 2010.
Abstract
This article aims to estimate migration flows to and from the metropolitan area of Cariri
in the last two decades. In this sense, it was estimated migration between the muni- Wellington Ribeiro Justo
cipalities of RMC and between them and the capitals of Northeastern states, Brasilia, é doutor em Economia pela Universidade
Sao Paulo and Rio de Janeiro. Also the migrant’s profile, non-migrant and the return of Federal de Pernambuco (2006). Professor
migrants was analyzed. Arrays of these migration flows were built. In terms of destina- Associado da Universidade Regional do
Cariri.
tion, migrants from RMC were predominantly for São Paulo and Salvador, respectively in
2000, while in 2010 to Fortaleza and Sao Paulo. The highlight is change in the migration justowr@yahoo.com.br
of the three largest cities: Barbalha, Crato and Juazeiro who present positive net rate in
the last reporting period. Finally in relation to the profile of the population of the three
categories analyzed, it could be observed changes between 2000 and 2010.
____________________
Artigo recebido em 26/09/2014
artigos
Santana
Farias Juazeiro Missão Nova
Barbalha Caririaçu Crato Jardim do TOTAL
Brito do Norte Velha Olinda
Cariri
Tabela 2
Fluxo migratório
líquido entre os
nal estado emissor de migrantes, a migração ocorreu tou o maior fluxo positivo de migrantes com saldo de
municípios da para vários estados e não de forma concentrada como 838 migrantes. Já o Crato apresentou o maior fluxo
RMC e as capitais nos estados anteriormente citados. Segundo Justo líquido negativo que foi de 339. Apenas o município
do Nordeste,
Brasília, Rio de (2007b), o equivalente a 12% da população do Esta- de Juazeiro apresentou movimentação de migrantes
Janeiro e São do de Pernambuco e aproximadamente 7% da popu- diferente de zero para todas as capitais analisadas.
Paulo: 1995-2000
lação do Ceará em 2000 residiam em São Paulo. Isto Entre 2005 e 2010 a entrada de migrantes das
é, os migrantes do Ceará tendem a se distribuir espa- capitais para a RMC foi de 7.586 enquanto a saída
cialmente mais que os pernambucanos e paraibanos. destes municípios para as capitais foi de 6.416 mi-
Falar em migração interestadual da Região Metropo- grantes. Ou seja, um fluxo total de 14.002 migrantes,
litana do Cariri é, portanto, considerar, também, a com o saldo migratório positivo em prol da RMC,
migração para vários estados brasileiros. de 1.100 migrantes. Em relação ao período anterior,
O fluxo de saída de migrantes dos municípios da tem-se uma redução de 10,04% no fluxo total, en-
região metropolitana do Cariri para as capitais do quanto o saldo migratório favorável à RMC aumenta
Nordeste, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo entre em mais de 17 vezes. Esta tendência de redução do
1995 e 2000 foi de 7.753 pessoas e entrada de mi- fluxo de migrantes é verificada na migração inter-
grantes destas capitais para os municípios da Região municipal no Brasil como um todo (Justo, 2013). Já
Metropolitana do Cariri foi de 7.812. Assim, tem-se o expressivo aumento no saldo migratório positivo
um fluxo total de 15.565 migrantes, com um saldo para a RMC pode ser em virtude da maior participa-
migratório positivo da RMC de 59 migrantes neste ção de migrante de retorno no total de migrantes, o
período. que será explorado mais adiante.
A Tabela 2 traz de forma detalhada o fluxo líqui- A Tabela 3 traz os fluxos líquidos de migrantes
do de migrantes por capital e por município. Obser- dos municípios da RMC e as capitais analisadas no
va-se que São Paulo apresenta o maior fluxo positivo período de 2005-2010. Observa-se que Fortaleza
de migrantes da RMC. Ou seja, São Paulo recebeu apresenta maior saldo migratório positivo enquanto
720 migrantes a mais do que enviou. Por sua vez, Maceió, o maior saldo migratório negativo. Assim,
Fortaleza apresentou um fluxo líquido negativo de Fortaleza inverte a tendência em relação ao período
278 migrantes. Observa-se também que houve fluxo anterior. Possivelmente, esse resultado está atrelado à
líquido positivo ou negativo entre Fortaleza, Rio de concentração de investimentos públicos estaduais e
Janeiro e São Paulo e todos os municípios da RMC. federais na região metropolitana de Fortaleza.
Analisando o fluxo líquido de migrantes dos mu- A Tabela 4 traz a migração intrarregional, ou seja,
nicípios da RMC por macrorregião, tem-se que, para examinam-se agora os fluxos migratórios entre os
as capitais do Nordeste, o fluxo líquido é negativo em municípios da RMC no período de 1995-2000. A
190. A região Norte apresenta saldo negativo de 267 Tabela é construída de maneira que a coluna refere-se
e a região Sudeste, saldo positivo de 516. à saída e a linha, à entrada de migrantes. A diagonal
Ainda na Tabela 2, observando os dados do ponto principal é constituída de zeros, a fim de não conside-
de vista dos municípios, Juazeiro do Norte apresen- rar a migração entre o próprio município.
Santana
Farias Juazeiro Missão Nova
Barbalha Caririaçu Crato Jardim do TOTAL
Brito do Norte Velha Olinda
Cariri
Tabela 3
Fluxo migratório
O fluxo total de migração entre os municípios de Juazeiro. Além disto, pode-se observar também líquido entre os
da RMC entre 1995-2000 foi de 9.439. Juazeiro do que do total de migrantes de entrada, cerca de 58% municípios da
Norte é o único município em que há entrada e saída são destes três municípios. RMC e as capitais
do Nordeste,
para todos os demais. Crato, por sua vez, apresenta Em sentido contrário, ou seja, analisando a saída Brasília, Rio de
saída também para todos os municípios. Em termos de migrantes, tem-se que cerca de 50% dos que dei- Janeiro e São
Paulo: 2005-2010
absolutos, Juazeiro apresenta o maior volume de pes- xam Barbalha vão para Juazeiro. O destaque é que
soas que deixam o município, seguido por Crato e dos migrantes de saída do Crato, cerca de 38% vão
Barbalha, o que é de certa forma é esperado porque para Nova Olinda. Já dos migrantes que deixam Jua-
são os municípios mais populosos. Contudo, em zeiro, cerca de 40% vão para o Crato. Assim, tem-se
relação à entrada, os municípios que mais recebem que do total de migrantes de saída, cerca de 80%
migrantes são Juazeiro do Norte, seguido pelo Crato são dos municípios de Barbalha, Crato e Juazeiro do
e Caririaçu. Norte. Desta forma, tem-se como uma característica
Estes resultados reforçam a evidência dos deter- da RMC uma maior interligação populacional entre
minantes da migração do papel de algumas variáveis. estes três municípios, que é denominada conturba-
Destacam-se, aqui, o efeito da vizinhança, ou seja, ção Crajubar.
se houver diferenciais de renda que estimulem a mi- Uma característica da migração é que são municí-
gração para localidades mais próximas do local de pios com maior população que se originam os fluxos
origem esta possibilidade será levada a efeito pelos migratórios, o que dificulta uma análise com valores
migrantes, e, por outro lado, os possíveis efeitos de absolutos. Contudo, a taxa líquida de migração per-
redes de migração que atenuam os custos da migra- mite a comparação relativa. A Tabela 5 traz informa-
ção. Dito de outra forma, as redes de migração fa- ções sobra o saldo migratório da migração, ou seja, a
cilitam e podem diminuir os custos monetários da entrada menos a saída dividida pela população, a po-
migração através do acesso do migrante ao mercado pulação de cada município em 2000 e as respectivas
de trabalho e localização de moradia, bem como re- taxas líquidas de migração. Destaca-se Nova Olinda
duzir os custos não monetários da migração, que se com a maior taxa líquida positiva e Barbalha com a
refere a distância da cidade e dos parentes. Segun- menor taxa líquida negativa. Assim, fica evidencia-
do Januzzi e Aranha (2008), para aproximadamente do que os três municípios mais populosos, Barbalha,
28% dos migrantes para São Paulo, estar próximo Crato e Juazeiro, que em conjunto representam cerca
de parentes é importante na decisão de migração. É de 73% da população da RMC, apresentam saldo
possível, não obstante, que parte desta migração seja migratório negativo. Este movimento pode ser expli-
de retornados. cado em parte por possíveis efeitos desaglomerativos
Do total de migrantes que decidem residir no intrarregionais, com destaque para elevação dos ín-
Crato, aproximadamente 77% são de Juazeiro do dices de criminalidade e possivelmente também pela
Norte. Já os que vêm para Juazeiro são procedentes especulação imobiliária. Pode ser que alguns desses
predominantemente de Barbalha. Já dos migrantes municípios que apresentam taxas líquidas positivas
que chegam à Barbalha, cerca de 74% são originados estejam se tornando cidades-dormitório.
Tabela 4
Fluxo de migração A Tabela 6 apresenta a migração entre os muni- -se Nova Olinda novamente como o município com
intrarregional
na região cípios da RMC entre 2005 e 2010. Há um total de maior taxa líquida de migração positiva de forma
metropolitana do 9.342 migrantes. Uma queda de pouco mais de 1% similar ao período anterior, contudo com uma mag-
Cariri: 1995-2000
em relação ao fluxo do período anterior. De qualquer nitude bem menor. Diferentemente do período an-
forma, mantém-se a tendência da diminuição ocorri- terior, os três maiores municípios apresentam agora
da no Brasil como um todo, como apontou Justo e taxa líquida positiva. O município com maior taxa
Silva (2013). líquida negativa é Santana do Cariri.
A Tabela é construída de forma que se têm as en- Ressalta-se que esse período contempla a conso-
tradas na linha e as saídas de migrante nas colunas e lidação de uma mudança significativa em termos de
a diagonal principal é constituída de zeros por não conjuntura econômica nacional, que foi a expansão
se considerar a migração entre o próprio município. do volume de recursos aplicados pelo governo federal
Barbalha, Crato e Juazeiro são os destinos preferidos em políticas sociais. É sabido que os efeitos socio-
de cerca de 78% dos migrantes que deixam os demais econômicos desta política não ocorreram de forma
municípios da RMC. homogênea entre os municípios brasileiros e, desta
No fluxo de saída, destacam-se, na ordem abso- forma, explica, em parte, a migração intrarregional,
luta, Juazeiro do Norte, Crato e Missão Velha como tendo em vista que os três maiores municípios da
os que mais emitem migrantes. Estes três municípios RMC são os que apresentam maiores taxas de cresci-
são responsáveis pela emissão de aproximadamente mento econômico neste período.
62% dos migrantes da região. Crato e Juazeiro do O município de Nova Olinda tem se destacado
Norte são os únicos municípios que apresentam mi- na mídia nacional pela Fundação Casa Grande, que
gração de entrada e de saída para todos os demais. tem atraído turistas de várias regiões do país e do ex-
A Tabela 7 fornece informações sobre a população terior por conta do artesanato em couro, oferecendo
dos municípios da RMC em 2010, o saldo migra- produtos com grande aceitação por parte de artistas
tório líquido e a taxa líquida de migração. Destaca- famosos. Talvez, isto explique, em parte, esta migra-
ção aliada à outra atividade em destaque no muni-
cípio, que é a exploração da pedra Santana que tem
Saldo População em Taxa líquida de
sido exportada para todo o Brasil, assim como a ex-
migratório: 2000 Migração ploração de calcário.
microdados do Censo Demográfico do IBGE de 2000.
Municípios
entrada-saída (c)=(a)/(b) Já o saldo migratório positivo dos três mais popu-
(a) (b) (%)
losos municípios se deve, em grande medida, ao ex-
Barbalha -1.117 47.031 -2,38
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos
Já quando se analisa a migração intrarregional por situação do domicílio, sexo e idade, segundo
destacam-se, em 2000, os municípios de Nova Olin- unidade da federação e macrorregião, entre 1960
da e Caririaçu por apresentarem as maiores taxas e 1990, e estimativas de emigrantes internacio-
líquidas positivas. Em 2010, Nova Olinda ainda se nais do período 1985/1990” . In: Relatório de
destaca com a maior taxa líquida positiva. O grande Pesquisa, Projeto Saldos Migratórios. Belo Hori-
destaque é amudança no fluxo migratório dos três zonte: UFMG/Cedeplar, 2002. 300f.
maiores municípios, Barbalha, Crato e Juazeiro, que JANNUZZI, P. de M . e ARANHA, V. ”Migração
passam a apresentar taxa líquida positiva. Este resul- em São Paulo: evidências e hipóteses da redução
tado é reflexo das altas taxas de crescimento econô- da intensidade migratória”. In: Anais Encontro
mico destes municípios entre os dois períodos anali- ABEP - Associação Brasileira de Estudos Popu-
sados, em especial, em Juazeiro do Norte. Crato que, lacionais, 2008.
historicamente apresentava a maior renda per capita JUSTO, W.R. Migração interregional no Brasil:
da região, perde esta colocação para o município de determinantes e perfil do migrante brasileiro
Juazeiro do Norte. no período 1980-2000. Tese de Doutoramento
Finalmente, em relação ao perfil da população – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE-
das três categorias analisadas, puderam-se observar PIMES), Recife, 2006.
mudanças entre 2000 e 2010. Os migrantes que JUSTO, W.R., SANTOS, J.C.dos.” Fluxo migratório
apresentavam a maior renda média em 2000 passam entre o cariri cearense e as capitais brasileiras: evi-
a ser a categoria com menor renda média em 2010. dências de fuga de cérebro”. e-metropolis, n.11,p.
Já os retornados passam a ser a categoria com a maior 44-66, 2012.
renda média em 2010. Este resultado sugere que a JUSTO, W.R.; SILVEIRA NETO. R. da. “Padrões
RMC que poderia estar perdendo migrantes mais de migração interna no Brasil”. V ENABER.
qualificados em 2000 passou a conseguir segurar os ABER: Recife, 2007a
habitantes mais qualificados e atrair de volta à sua JUSTO, W.R.; SILVEIRA NETO. R. da. “Migração
terra natal pessoas que haviam deixado à região e que e seleção: evidências para o Brasil”. V ENABER.
retornaram com maior qualificação. O que provavel- ABER: Recife, 2007b.
mente cria um círculo virtuoso, já que estes indiví- JUSTO, Wellington Ribeiro, SILVEIRA NETO,
duos voltam à sua terra natal porque a região tem Raul da. “Migração interregional no Brasil: evi-
apresentado taxas de crescimento econômico elevada dências a partir de um modelo espacial”. Econo-
com aumento da oferta de serviços, em especial a mia, v.7.n.1, 167-183, 2006.
educação superior e, por conseguinte, tem apresenta- JUSTO, W.R., FERREIRA, R. de. “Migração in-
do maior qualificação e renda, o que contribui ainda terestadual no brasil: perfil do retornado: evidên-
mais para o crescimento da RMC. cias para o período de 1998-2008”. In: Anais do
XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacio-
nais, ABEP, 2012.
REFERÊNCIAS PACHECO, C. A.; PATARRA, Neide. “Movimen-
BIBLIOGRÁFICAS tos migratórios anos 80: novos padrões?”. In:
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pnads recentes”. In: Anais Encontro ABEP: demography of education in Brazil: inequality
Campinas, 2006. of educational opportunities based on grade pro-
CARVALHO, J. A. M. de, GARCIA, R. A. “Esti- gression probability (1986-2008)”. ViennaYear-
mativas decenais e quinquenais de saldos mi- book of Population Research, n. 8, p. 283–312.
gratórios e taxas líquidas de migração do Brasil, 2010. ▪
Resumo
O artigo aborda conflitos entre os princípios norteadores dos instrumentos de ordenamen-
to territorial previstos na legislação ambiental e urbana brasileira. Trata-se de uma aná-
lise comparativa entre os objetivos do zoneamento de uso do solo, parte integrante do
Plano Diretor e o zoneamento ambiental de Áreas de Proteção Ambiental (APA) situadas
em áreas urbanas previsto nos Planos de Manejo do SNUC – Sistema Nacional de Unidades
de Conservação. O método compara as lógicas conceituais que estruturam as temáticas
ambiental e urbana com fundamento nas correntes de pensamento estruturantes das
normas legais de criação das APAs: conservacionismo e preservacionismo. Os resultados
indicam os conflitos conceituais que precederam a base legal que ancora a criação de
APAs que são legalmente Áreas de Uso Sustentável, mas que possuem instrumentos de
gestão que as aproximam de áreas de uso integral com reflexos sobre sua compatibilida-
de com atividades urbanas quando as mesmas se encontram nos limites das cidades. Por
fim, sugere-se que a compreensão das disfunções geradas pelos equívocos conceituais no
disciplinamento dos instrumentos que levaram ao não entendimento da dinâmica urbana
pela gestão das APAs implica a revisão dos referidos zoneamentos para consolidação em
um único zoneamento que contemple aspectos urbanísticos e ambientais no âmbito do
Plano Diretor.
Abstract
The article discusses conflicts in the application of instruments of spatial planning of
urban space under Brazilian urban and environmental legislation. The situation analyzed
concerns the overlapping rules disciplining of urban land when implementing the Manage-
ment Plan and it’s zoning of Environmental Protection Areas (APA), located in urban areas
and zoning land use, part of the Urban Master Plan. The method used for comparative
analysis of the propositions of the two instruments was based on conceptual logical struc-
turing the two themes - environmental and urban and environmental perspective in the
currents of thought that underlie the legal rules established in the areas of environmen-
tal protection, in this case the conservationism and preservationism. Finally, it is suggests
that an understanding of the dysfunctions caused by conceptual errors in disciplining
Maria do Carmo
instruments that led to no understanding of urban dynamics brings revision of environ-
de Lima Bezerra
é professora associada da Universidade de
mental and urban zonings to consolidate into a single zoning – the Urban Master Plan.
Brasília atuando no Programa de mestrado
Keywords: Urban master plan; Environmental zoning; Environmental protection area. e doutorado em Arquitetura e Urbanismo.
mdclbezerra@gmail.com
____________________
Artigo recebido em 16/01/2015
artigos
dade nas etapas subsequentes de implantação de uma de Aldo Leopold, graduado em Ciências Florestais.
área protegida. Como professor em manejo de vida silvestre, a partir
Com um pré-zoneamento genérico e definido por de 1933, na Universidade de Wisconsin, beneficiou-
norma legal para todos os tipos de APA, sejam elas -se dos avanços da ecologia como ciência, principal-
urbanas, de influência urbana, rurais ou de áreas não mente da noção de ecossistema, criada por Tansley
antropizadas, a situação ganha contornos de conflito em 1935. Em 1949 escreveu o livro A Sand County
no que se refere a algumas obrigatoriedades contidas Almanac, que se tornou um dos livros mais impor-
nas normas como a que se refere ao zoneamento que tantes para os preservacionistas (Diegues, 1994).
deve, por exemplo, necessariamente possuir uma Enquanto os preservacionistas falavam em “pro-
“zona de vida silvestre”, independente do grau de ur- teger” ou “preservar” o meio ambiente, o que impli-
banização da APA. cava a exclusão de qualquer atividade que não fosse
Algumas contradições começam a ser entendidas para recreação, outros estudiosos falavam de “con-
quando se verifica que muitos dos instrumentos de servação” ou de exploração sustentada de recursos
gestão das unidades de conservação definidas como tais como solo, florestas e águas. Uma das primeiras
de uso sustentável, no caso as APAs, originaram-se de questões da conservação foi a proteção das florestas:
uma estratégia preservacionista e advêm de um en- a maneira como deveriam ser gerenciadas de modo a
tendimento do que seria uma gestão de áreas de pro- contribuir para a economia norte-americana, o que
teção integral, categoria, esta sim, fundamentada no trouxe a público a divisão entre preservacionistas e
conceito do preservacionismo, ou seja, aquelas que conservacionistas.
estruturaram as mais tradicionais e restritivas estraté- Assim, conforme registra Milano (2002), com
gias de proteção dos recursos naturais. contradições e movimentos variados foram sendo
estabelecidos os princípios da proteção da natureza,
tendo como um de seus pilares de sustentação o esta-
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: belecimento de áreas naturais protegidas. O modelo
PRESERVACIONISMO E americano de parques, baseado na corrente preser-
CONSERVACIONISMO vacionista, que se expandiu mais rapidamente pelo
mundo, com a criação de espaços protegidos, cujo
A Lei Federal do SNUC, ao estabelecer as categorias uso seria controlado pelo Poder Público, com uma
de áreas protegidas dispôs sobre as Áreas de Proteção perspectiva de antagonismo entre “homem” e “natu-
Ambiental, enquanto Unidades de Uso Sustentável o reza”.
que pressupõe sua coexistência com diferentes usos No Brasil este processo se deu de forma seme-
do solo inclusive o urbano. lhante com a criação dos Parques Nacionais ainda na
Esta definição legal corrobora com a evolução década de 1930, com o primeiro parque estabelecido
conceitual quanto aos objetivos e funções das áreas – o Parque Nacional de Itatiaia. O enfoque originou
protegidas que deixam de ser exclusivamente áreas conflitos em decorrência da presença de moradores
isoladas de qualquer atividade humana. Tal conceito nestas áreas, que deveriam ser removidos, já que sua
é melhor entendido quando analisadas as correntes presença era considerada incompatível com os objeti-
de pensamento do conservacionismo e do preser- vos de preservação.
vacionismo. Segundo nos esclarece McCormick As discussões sobre os distintos entendimentos
(1992), Diegues (1994) e Araújo (2007), no campo sobre as funções das áreas protegidas ganham espa-
teórico, no final do século XIX, nos Estados Unidos, ço com a realização de diversos congressos interna-
consolidaram-se essas duas correntes distintas de pro- cionais, nos quais aos poucos os conceitos e os ins-
teção do “mundo natural”, que se tornaram relevan- trumentos de gestão começam a tomar forma. Para
tes também fora do país norte-americano. traçar a evolução ocorrida na concepção e gestão das
Os preservacionistas buscavam estabelecer as áre- áreas protegidas, Phillips (2004) realizou uma análise
as virgens, livres de qualquer uso que não fosse recre- dos temas escolhidos para as recomendações interna-
ativo ou educacional; e os conservacionistas almeja- cionais nos Congressos Mundiais de Parques Nacio-
vam explorar os recursos naturais do continente, mas nais e Áreas Protegidas, realizados em Seattle, 1962;
de modo racional e sustentável (McCormick, 1992). Yellowstone, 1972; Bali, 1982 e Caracas, 1992, bem
John Muir sintetizou a corrente preservacionista, como os temas selecionados para o quinto congresso
que pode ser descrita como a reverência à natureza de Durban, em 2003.
no sentido da apreciação estética e espiritual da vida A análise dos temas escolhidos para as recomen-
selvagem (wilderness). As posições preservacionistas dações revela, segundo Philipps (2004), como as
continuaram no início do século XX com os trabalhos ideias sobre as áreas protegidas mudaram bastan-
te em um curto espaço de tempo. O resultado é o tro local, mais detalhado, que propõe os parâmetros
aparecimento de um novo paradigma para as áreas de uso e ocupação do solo para cada zona.
protegidas que pode ser identificado pelas seguintes
características:
Áreas Protegidas de Uso Sustentável e sua
• considerar uma escala mais ampla de plane-
compatibilidade com atividades urbanas
jamento, não mais manejadas como “ilhas”,
mas desenvolvidas como “redes”; A tramitação do Projeto de Lei do SNUC foi pauta-
• incorporar a participação de uma gama da por diversas discussões e embates, que acabaram
maior de atores, tanto no processo de criação por revelar posturas e interesses de grupos distintos
como de gestão; na preservação da natureza.
• ampliar a compreensão de área protegida e De um lado os seguidores do preservacionismo a
respectivas categorias, possibilitando incor- defenderem como principal estratégia para proteção
porar áreas com moradores. dos recursos naturais a natureza livre de qualquer in-
Ao ampliar a compreensão de área protegida, foi terferência humana. Para estes as Unidades de Con-
aberta a possibilidade de instituição destas unidades servação deveriam possuir proteção integral.
contemplando não só no ambiente rural mas tam- De outro, os socioambientalistas, que se baseiam,
bém em áreas que apresentavam uso urbano. segundo Santilli (2005), no pressuposto de que as
Entretanto, prepondera até hoje na prática da políticas públicas ambientais só têm eficácia social
gestão de áreas protegidas a lógica que considera in- e sustentabilidade política se incluem as comunida-
compatíveis usos do solo e mais ainda a existência de des locais e promovem uma repartição socialmente
habitantes. São raros os estudos a respeito de áreas justa e equitativa dos benefícios derivados da explo-
protegidas que abriguem áreas urbanas internas a seu ração dos recursos naturais. Assim, entende-se que
perímetro, e não se sabe ao certo no que consiste a pode haver a compatibilização entre a conservação
sustentabilidade dos recursos naturais que em tese es- da natureza e o uso dos recursos naturais, por meio
tão previstas em áreas de proteção de Uso Sustentável de Unidades de Conservação caracterizadas pelo uso
(Granja, 2009). sustentável.
Compatibilizando essas visões o SNUC estabe-
leceu critérios e normas para a criação, implantação
DESENVOLVIMENTO E e gestão das Unidades de Conservação em duas ca-
METODOLOGIA DE ANÁLISE tegorias: Unidades de Proteção Integral, nas quais o
objetivo é preservar a natureza, sendo admitido ape-
A institucionalização das Áreas de Proteção Ambien- nas o uso indireto dos recursos naturais; e Unidades
tal no Brasil, especialmente nos espaços urbanos, foi de Uso Sustentável, cujo objetivo é compatibilizar a
analisada à luz das correntes de pensamento presen- conservação da natureza com o uso sustentável de
tes quando do estabelecimento das normas legais, no parcela dos seus recursos naturais.
caso o conservacionismo e o preservacionismo com Apesar dos esforços empreendidos, cumpre regis-
objetivo de contextualizar seu instrumento legal de trar que ainda permanecem imprecisões e sobreposi-
gestão, o Plano de Manejo que será a seguir tratado. ções entre os dois tipos de Unidades o que transpa-
Com o objetivo de discutir a relação entre Plano rece a permanência do embate entre os conceitos de
de Manejo de APAs inseridas em áreas urbanas é ne- preservação e conservação. Verifica-se isso na análise
cessário, ainda, fazer referência ao Plano Diretor que dos instrumentos definidos para gestão das Unida-
é o instrumento orientador do planejamento muni- des.
cipal conforme o Estatuto da Cidade – Lei Federal São raros estudos brasileiros que tratam da con-
no 10.527/2001. Nele encontra-se definida a fun- servação e do uso dos recursos naturais em unidades
ção social da propriedade estabelecida por meio de de conservação quando estão envolvidas demandas
limites construtivos e os usos e atividades que podem advindas das áreas urbanas existentes no interior ou
ocorrer em diferentes áreas. O zoneamento de uso nas imediações destas unidades. Existe sim um nú-
e ocupação do solo é o mais tradicional mecanismo mero razoável de análises que apontam os impactos,
de ordenamento do território urbano. Em relação sejam sociais ou ambientais, dos usos em áreas pro-
à escala de abordagem pode ser de dois tipos: um tegidas, mas não estudos de compatibilidade de usos
macro-zoneamento que estabelece a qualificação do possíveis. (Granja, 2009).
solo em rural, urbano ou de expansão urbana1 e ou-
proteção ambiental, refletindo a existência de unidades de
1 Alguns macrozoneamentos também estabelecem zonas de proteção integral de grandes dimensões.
Assim, se pode concluir que nas Unidades de incluiu determinadas restrições, tais como “proibição
Conservação de Uso Sustentável ainda há um lon- de qualquer movimentação de terra que cause erosão,
go caminho a trilhar no sentido de ser definido “o assoreamento e alteração das condições ecológicas
que pode ser utilizado, quem pode utilizá-lo e quanta locais”, possibilitando a aprovação da lei e deixando
utilização é sustentável”, considerando, inclusive, a uma herança de embates para sua gestão.
diversidade de situações dentro de uma mesma ca- Pode ser constatado, portanto, que a APA já nas-
tegoria. ceu conflituosa no que se refere ao tratamento a ser
dado às áreas urbanas. A presença destas foi admitida
em tese, mas negada na prática, por meio de diretri-
As APAs foram concebidas
zes que inviabilizariam tal ocupação.
como áreas de Uso Sustentável?
Pelo Decreto n° 88.351/1983, o Conama estabe-
A categoria APA2 foi instituída inicialmente pela Lei leceu normas relativas às Estações Ecológicas, Reser-
Federal n.º 6.902, de 27 de abril de 1981, que estabe- vas Ecológicas, Áreas de Relevante Interesse Ecoló-
leceu objetivos bastante genéricos como o “bem-estar gico – ARIE e APAs. No referido decreto, existe um
das populações humanas” e “conservar ou melhorar capítulo específico sobre as APAs, determinando que
as condições ecológicas locais”. A referida lei previu para sua criação sejam estabelecidos a denominação,
ainda que nas APAs seriam estabelecidas normas, os limites geográficos, os principais objetivos e as
dentro dos princípios constitucionais que regem o proibições e as restrições de uso dos recursos ambien-
exercício do direito de propriedade, limitando ou tais nela contidas.
proibindo: De acordo com Côrte (1997), ao dar espaço para
• a implantação e o funcionamento de indús- que o Decreto de criação da APA proibisse ou restrin-
trias potencialmente poluidoras, capazes de gisse os usos considerados inadequados, foi suprida
afetar mananciais de água; a lacuna existente na Lei n° 6.902/81, comentada
• a realização de obras de terraplenagem e a anteriormente. Já para Röpper (2001) este decreto
abertura de canais, quando tais iniciativas aumentou a confusão, já que não esclareceu se as res-
implicarem sensível alteração das condições trições seriam aquelas já previstas na Lei nº 6.902/81
ecológicas locais; ou se é possível definir restrições adicionais ou até
• o exercício de atividades capazes de provo- flexibilizá-las.
car uma acelerada erosão das terras e/ou um Posteriormente a Resolução do Conama nº 11,
acentuado assoreamento das coleções hídri- de 03 de dezembro de 1987 veio representar um for-
cas; talecimento da visão preservacionista estabelecendo a
• o exercício de atividades que ameacem ex- obrigação das APAs de contarem com zonas de vida
tinguir na área protegida as espécies raras da silvestre e os corredores ecológicos. Detalhou ainda as
biota regional. características que deveriam possuir estas zonas; até
Ao analisar esse dispositivo Côrte (1997) registra mesmo definiu diretrizes para a mencionada zona de
que o reduzido número de restrições pode ter sido vida silvestre e para os corredores ecológicos.
consequência da estratégia para uma tramitação mais A Resolução do Conama nº 10, de 14 de dezem-
ágil do projeto de lei, pois devido ao pioneirismo da bro de 1988, veio ratificar a definição de APA como
matéria os dispositivos referentes às APAs foram re- uma unidade de conservação destinada a proteger e
duzidos ao mínimo. A autora registra, ainda, que a conservar a qualidade ambiental e os sistemas natu-
proibição para realização de obras de terraplenagem rais existentes, mantendo a abrangência do objetivo:
não deveria constar da legislação, já que nas APAs não “melhorar a qualidade de vida da população local”.
se proíbe a ocupação urbana, salvo quando previstas Não se sabe se o objetivo era voltado a habitantes
no respectivo zoneamento e, portanto, tais obras se- urbanos e rurais ou população no sentido amplo de
riam inerentes a este tipo de ocupação. meio biótico.
De acordo com Ibama (1999), o grande empeci- A citada Resolução definiu a obrigatoriedade de
lho para a aprovação da lei era a restrição à implanta- realização de Zoneamento Ecológico-Econômico
ção de loteamentos, que a redação original continha. (ZEE) para essas unidades, onde deveriam contar as
No entanto, uma alteração da redação retirou a re- normas de uso, de acordo com as condições locais bi-
ferência de proibição explícita aos loteamentos, mas óticas, geológicas, urbanísticas, agro-pastoris, extra-
tivistas, culturais e outras. A Resolução estabeleceu
2 A presente discussão pode ser melhor entendida se consul-
também que:
tado a dissertação de Mestrado de GRANJA, L. V. C. Brasília, • todas as APAs deverão ter uma zona de vida
2009. silvestre, onde será proibido ou regulado o
neamento que define o tipo e o grau de ocupação e de manejo dos recursos naturais quanto regulação de
uso do solo, tendo em vista a capacidade de suporte impacto dos demais usos entendidos como possíveis.
dos recursos naturais. Guapyassú (2000) ressalta que, muitas vezes, os
Planos de Manejo e Zoneamentos de Unidades de
Uso Sustentável são calcados em premissas estrita-
Gestão ou Manejo
mente preservacionistas e não em princípios conser-
de Áreas de Proteção Ambiental?
vacionistas.
Os termos “manejo” e “gestão” têm sido utilizados
para designar atitudes similares em diferentes cate-
As áreas protegidas no Zoneamento
gorias de Unidades de Conservação. O primeiro é
do Plano Diretor Urbano
usado para designar as atividades e ações que podem
e devem acontecer em Unidades de Conservação de Uma questão que emerge da gestão de APAs urbanas
Uso Indireto3, cujas terras estão sob o domínio do localizadas em cidades com mais de vinte mil habi-
poder público e onde o uso é bastante restrito. Por tantes é a sobreposição do zoneamento de seu Plano
sua vez, o termo “gestão” tem sido usado para desig- de Manejo com o zoneamento do Plano Diretor para
nar o ato de gerir as Unidades de Conservação de Uso a zona na qual a APA esta inserida. O tema dá origem
Sustentável4, ou seja, aquelas que, mesmo permane- a discussões acerca da prevalência de um ou outro
cendo nas mãos dos seus proprietários, são submeti- instrumento no disciplinamento do uso do solo na
das a restrições de uso. área em questão.
Entretanto, o SNUC no inciso VIII do artigo 2º Cabe uma breve revisão sobre os vários tipos de
define “manejo” como “todo e qualquer procedimen- zoneamento, que, possuindo conceitos jurídicos e
to que vise assegurar a conservação da diversidade técnicos diferentes, visam a delimitar geograficamen-
biológica e dos ecossistemas”, por outro lado, da mes- te áreas territoriais com o objetivo de estabelecer re-
ma lei utiliza o termo “gestão”, como atividade atre- gimes especiais de uso do solo pelo proprietário. O
lada à criação e implantação das Unidades de Con- solo passa a não poder ser utilizado da maneira que
servação. O artigo 27 reza que o Plano de Manejo convier ao proprietário, mas sim da forma que res-
deve abranger a área da Unidade de Conservação, sua peite os interesses coletivos como a função social e/
zona de amortecimento e os corredores ecológicos, ou conservação do meio ambiente.
incluindo medidas com o fim de promover sua in- Historicamente, as políticas urbanas no Brasil
tegração à vida econômica e social das comunidades têm estabelecido o ordenamento territorial normati-
vizinhas. O artigo 28 estabelece que sejam proibidas, zando a utilização do município em áreas urbanas e
nas Unidades de Conservação, quaisquer alterações, rurais por meio do zoneamento de uso e ocupação do
atividades ou modalidades de utilização em desacor- solo. Este zoneamento baseia-se, de modo geral, em
do com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e critérios urbanísticos e recentemente passou a incor-
seus regulamentos. porar critérios de cunho ambiental. Teve suas primei-
Por que o tema é importante para entender os ras propostas disseminadas na Europa e, em especial,
conflitos que dele podem decorrer no disciplinamen- nos Estados Unidos, quando passou a ser o “carro-
to do solo urbano? -chefe” do movimento de planejamento urbano em
Segundo Araújo (2007) o termo “manejo de Uni- quase todo o mundo.
dades de Conservação” está consagrado em toda a O Estatuto da Cidade indica o Zoneamento
América Latina, relacionando-se principalmente à Ambiental como instrumento de planejamento mu-
manipulação dos recursos naturais, como manejo de nicipal, o que permite a incorporação de princípios
fauna, manejo florestal, manejo de solo, entre outros. de utilização sustentável dos recursos ambientais na
Ocorre que no gerenciamento de uma Unidade de elaboração do Plano Diretor o que levaria a pressu-
Conservação de uso sutentável são realizadas diversas por que o mesmo zoneamento ambiental subsidiasse
atividades que vão além do manejo de recursos natu- tanto o zoneamento de uso e ocupação do solo, parte
rais. Assim, o mais apropriado, segundo o autor, seria do Plano Diretor, quanto o zoneamento de Planos de
a utilização do conceito de gestão dessas unidades, Manejo de APAs ou outras Unidades de Conservação
termo mais amplo que engloba tanto as atividades de uso sustentável inseridas em área urbana.
O zoneamento ambiental surgiu no Brasil a partir
dos anos 1970, com um enfoque normativo, restriti-
3 Designação dada às Unidades de Proteção Integral antes da
aprovação do SNUC. vo, voltado para a proteção do meio ambiente contra
4 Designação dada às Unidades de Uso Sustentável antes da impactos negativos do crescimento econômico, onde
aprovação do SNUC. se dividia o território em parcelas nas quais se autori-
zavam ou não as atividades (Guapyassú, 2003). De- foi definido como instrumento estratégico de orga-
finido como um dos instrumentos da Política Am- nização do território, com o objetivo de subsidiar
biental, houve poucos avanços quanto a elaboração e as decisões dos agentes públicos e privados quanto
normatização de zoneamentos de caracterização dos a planos, programas e projetos que utilizem recur-
recursos ambientais do território brasileiro, tendo sos naturais. Del Prette (2006) esclarece que o ZEE
sido mais utilizados para Unidades de Conservação é um instrumento mais abrangente e geral que os
após o advento no SNUC, onde tem prevalecido a zoneamentos setoriais e tem o papel de orientar as
abordagem preservacionista. ações de comando e controle, com vistas à proteção
Entretanto, a visão conservacionista deveria nor- ambiental, assim como subsidiar a adoção de instru-
tear um zoneamento ambiental de uma área com mentos econômicos que propiciem um novo padrão
características urbanas sendo este o caráter do zone- de financiamento, fortalecer as negociações sobre
amento que prevê o Estatuto da Cidade e que tam- conflitos socioambientais e estabelecer um novo pac-
bém deveria ser o fundamento do zoneamento das to de uso.
APAs. O ZEE, como disciplinado em norma legal, pos-
Sua natureza diria respeito a harmonizar os mo- sui o caráter de macroplanejamento e pode subsidiar
dos de apropriação do espaço e a capacidade estrutu- o Plano Diretor em suas definições na esfera munici-
ral dos geossistemas de suportar e absorver os efeitos pal de forma transitória – como é o caráter do Plano
dos diferentes usos para que não resultem em ins- Diretor, que deve ser revisto periodicamente.
tabilidade do ambiente, em formas de degradação,
poluição ou mesmo em escassez de recursos naturais,
que provocam sérias consequências adversas aos ecos- RESULTADOS
sistemas, reduzindo a resiliência dos mesmos. Por
meio da identificação das suscetibilidades (vocações) O zoneamento do Plano de Manejo tem sido en-
e restrições (fragilidades) ambientais, o zoneamento tendido pela comunidade ambientalista como o que
ambiental pressupõe o conhecimento dos atributos deve prevalece para todo tipo de APAs, estando as
naturais no sentido de caracterizá-los e diagnosticá- mesmas em áreas urbanas ou não. O fato gera con-
-los, permitindo a planificação dos espaços e seus res- flito por sobreposição e natureza de abordagem com
pectivos usos e ocupação (Cabral, 2005). o zoneamento de uso e ocupação do solo previsto no
Em síntese, o zoneamento ambiental não define Plano Direto, acarretando duplo comando no dis-
zonas de uso e ocupação do solo e sim suscetibilida- ciplinamento do solo com prejuízo para a dinâmica
des e fragilidades ambientais frente à pressões que socioeconômica existente nas áreas urbanas.
por ventura ocorram. Entretanto, o zoneamento am- Destacando as contradições, verifica-se que a Re-
biental do Estatuto da Cidade não possui definição solução Conama nº 10/88 define o ZEE como o ins-
de seu caráter e não está claramente definido como trumento que deve dispor sobre as normas das APAs,
um passo necessário na elaboração do Plano Diretor, e a lei do SNUC veio a ser o Plano de Manejo. O
o que constitui uma fragilidade quando avaliada da Decreto n° 4.297 de 2002, por sua vez, regulamenta
consideração da dimensão ambiental em tais Planos. o Zoneamento Ambiental previsto na Lei no 6.938
Esta é uma constatação de pesquisa realizada pelo de 1981 como sendo o ZEE; e o Estatuto da Cidade
Ministério das Cidades em 2011 com análise de tre- contempla o Zoneamento Ambiental como instru-
zentos Planos Diretores em diversas cidades brasilei- mento de apoio ao planejamento municipal sem di-
ras, todos elaborados após a edição do Estatuto. zer qualo caráter deste zoneamento.
Visando a avançar sobre o entendimento de qual Mesmo diante do entendimento de que o men-
Zoneamento Ambiental está se referindo o Estatuto cionado Zoneamento Ambiental do Estatuto da Ci-
da Cidade, o tema foi objeto de análise por Batiste- dade poderia ser o ZEE do município, o Estatuto
la (2007) quando foi apontado que o Zoneamento carece de uma regulamentação específica no sentido
Ambiental mencionado pelo Estatuto da Cidade de a avaliação dos aspectos dos meios físicos e bióti-
pode ser entendido como sendo o ZEE, já que existe cos serem incorporados ao Plano Diretor municipal,
definição legal clara neste sentido, o que não impli- de maneira a introduzir de forma percussora a sensi-
caria nova normatização e muito menos realização bilidade ambiental do território na consideração das
de dois zoneamentos – o que só faria aumentar o áreas a serem urbanizadas.
nível de sobreposição dos estudos sobre um mesmo Outro destaque fica por conta da prática ter de-
território e, por conseguinte, o grau de conflito em monstrado que tanto os zoneamentos oriundos dos
suas implementações. Planos de Manejo como o zoneamento advindo do
Com a edição do Decreto nº 4.297/02, o ZEE Plano Diretor têm se valido de categorias de uso do
solo para expressar suas recomendações e restrições. ela inviabilizam sua efetiva existência.
Se observados os respectivos objetivos, é possível vis- 2. A instituição de APAs em áreas urbanas ou
lumbrar que, enquanto o zoneamento do Plano de de influência urbana não tem a capacidade
Manejo5, instrumento da política ambiental, deveria de substituir os instrumentos de desenvolvi-
se ater aos aspectos de fragilidades e potencialidades mento urbano e ordenamento territorial e,
de uso do território, em decorrência da sensibilidade assim, o diálogo com estes instrumentos deve
a danos ambientais, o zoneamento do Plano Dire- ser constante e ter início desde o momento
tor deveria expressar os usos do solo em resposta às de criação.
necessidades de determinado momento da formação 3. Conclui-se afirmando que as APAs podem se
socioeconômica da cidade. Este ponto nos parece constituir em valioso instrumento tanto para
essencial para evitar sobreposições e criar interfaces a conservação dos recursos naturais como
capazes de promover a incorporação da dimensão para a sustentabilidade urbana. Os espaços
ambiental nas políticas urbanas. naturais irão conviver cada vez mais com
Assim entendido, seria possível a convivência har- espaços urbanizados. Aprimorar os instru-
mônica entre os instrumentos das duas políticas, pois mentos de disciplinamento de uso e ocupa-
seriam complementares, com o zoneamento ambien- ção do solo que conciliem aspectos urbanos
tal subsidiando o zoneamento de uso do solo previsto e ambientais deve ser considerado prioridade
no Plano Diretor. para uma concreta aplicação do conceito de
Em que pese a tradição de que os instrumentos desenvolvimento sustentável.
urbanos e ambientais sejam conduzidos de maneira
isolada, entende-se que a conciliação entre estes ins-
trumentos é o caminho mais indicado e que a análise REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
procedida indica uma possível aproximação entre as
suas abordagens, o que pode contribuir para minimi- ARAÚJO, Marcos Antonio Reis. Unidades de Con-
zar a incidência de embates entre esses instrumentos. servação no Brasil: da República à gestão de classe
Clarificar os objetivos de cada um dos instrumentos mundial. Belo Horizonte: SEGRAC, 2007.
num plano legal, tendo em conta o objetivo de seu BATISTELA, Tatiana Sancevero. O Zoneamento
estabelecimento no âmbito da política pública cor- Ambiental e o desafio da construção da gestão
respondente, contribuiria ainda para a promoção da ambiental urbana. Tese de mestrado. Faculdade
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entre os zoneamentos dos planos diretores urbanos ais”, In: Oculum Ensaios, n. 15, PUC-Campinas,
e dos planos de manejo das APAs urbanas. Em tese, 2012
ambos deveriam estar consolidados em um único zo- CÔRTE, Dione Angélica de Araújo. Planejamento
neamento – o do Plano Diretor, elaborado com base e gestão de APAs: enfoque institucional. Brasília:
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dado às áreas urbanas. Verifica-se que estas Território, ambiente e políticas públicas espaciais.
foram admitidas em tese, mas os instrumen- Brasília: Paralelo 15 e LGE Editora, 2006. 408p.
tos de gestão e diretrizes estabelecidos para DIEGUES, Antonio Carlos Sant´Ana. O mito mo-
derno da natureza intocada. São Paulo: NUPAUB
5 Aqui nos referimos ao que hoje estabelece a legislação em
– USP, 1994.
que pese a discussão deste artigo sobre a inadequação do ter- GUAPYASSÚ. Sandra Maria dos Santos (editora).
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Resumo
A partir da reflexão sobre o lugar das mulheres negras na cidade do Rio de Janeiro, em um
contexto de profundas transformações no espaço urbano e seu novo status de mercadoria
no sistema mundial, pretende-se demonstrar que as demandas da classe dominante irão
sobrepujar as estratégias de sobrevivência das classes trabalhadoras através de mecanis-
mos capazes de afastar cada vez mais a população pobre, em sua grande maioria negros,
das áreas valorizadas da cidade. Pesquisas que se apoiam na natureza interseccional
das opressões de raça, classe e gênero demonstram que as mulheres negras acumulam
desvantagens e vulnerabilidades. A partir desta reflexão procurei compreender suas con-
sequências para as famílias chefiadas por mulheres negras e problematizar a necessidade
de se pensar políticas específicas para esta parcela da população que lhes garanta o
direito à cidade e, consequentemente, à cidadania.
Abstract
From the reflection on the place of black women in the city of Rio de Janeiro, in a context
of deep transformations in the urban space and its new commodity status in the world
system, we intend to demonstrate that the demands of the ruling class will overcome the
survival strategies of the working classes through mechanisms capable of removing more
and more poor people, mostly blacks, from the valued areas of the city. Researches that
lean on the intersectional nature of racial, class and gender oppression showed that black
women accumulate disadvantages and vulnerabilities. From this reflection, we will seek
to understand it’s consequences for families headed by black women and problematize
Jessica Mara Raul
é graduada em História pela Universidade
the need to think specific policies for this part of the population that guarantees the right
do Estado do Rio de Janeiro. Mestranda
to the city and thus to citizenship. em Relações Étnico-Raciais no CEFET/RJ.
Keywords: Black woman; Real state speculation; Right to the city; Public policies. jraul.prof@gmail.com
____________________
Artigo recebido em 30/01/2015
artigos
A vida nas cidades depende fundamentalmente Essa transformação das cidades em mercadorias
do acesso à moradia adequada2. As desigualdades vem indicar que o processo de mercantilização do
refletem-se na forma de apropriação do espaço ur- espaço atinge um novo patamar, produto de desen-
volvimento do mundo da mercadoria, da realiza-
bano por se tratar do resultado da produção capita-
ção do capitalismo e do processo de globalização
lista sendo, portanto, objeto de disputas econômicas. em sua fase atual. A existência de um mercado de
Nessa disputa, travada pelos diversos segmentos, as cidades, como um fenômeno recente, mostra a im-
camadas populares acabam em grande desvantagem, portância cada vez maior do espaço no capitalismo:
sendo as mulheres negras historicamente o grupo a orientação estratégica para a conquista do espaço,
mais prejudicado. que agora alcançaria cidades como um todo, postas
Raquel Rolnik, em texto sobre o direito das mu- em circulação num mercado mundial, evidencia a
produção global do espaço social (Sánchez, 2001,
lheres à moradia, lembra que a dinâmica das desi- 246).
gualdades de gênero verifica-se em todas as dimen-
sões da vida humana e com relação à moradia não é A autora nos mostra que a construção da cidade-
diferente. Para ela, a não realização deste direito ou a -mercadoria organiza-se através da construção da
sua violação tem consequências específicas que não imagem para vendê-la, de modo a inseri-la no mer-
se verificam da mesma forma para os homens, sendo cado. Assim, segundo a autora, são produzidas repre-
primordial para a superação das desigualdades entre sentações que obedecem a uma determinada visão
homens e mulheres, o que, tradicionalmente, não é de mundo, são construídas imagens-síntese sobre a
levado em consideração pelos governos na formula- cidade e discursos referentes a ela, que têm a mídia e
ção das leis, políticas públicas e execução de proje- as políticas de city marketing como instrumentos de
tos. A autora entende a garantia do direito à moradia difusão e informação.
adequada às mulheres como de fundamental impor- Se passarmos a entender a cidade do Rio de Ja-
tância para a realização de suas atividades cotidianas, neiro nessa perspectiva, compreenderemos melhor
para a promoção da autonomia em todas as áreas de o papel das políticas direcionadas às favelas, princi-
sua vida e para a efetivação de outros direitos (Rol- palmente a partir de 2007. Uma política que não vê
nik, 2012, 4-5). mais a favela como algo a ser removido, mas positi-
Em contexto de profundas transformações no es- vado. A partir das Unidades de Polícia Pacificadora,
paço urbano, essas ponderações têm grande relevân- elas se tornariam seguras para os turistas e seus mo-
cia para pensarmos o lugar das mulheres negras na radores, passando, inclusive, a fazer parte do roteiro
cidade do Rio de Janeiro, que historicamente sofre turístico da cidade.
com o problema da especulação imobiliária e o con- Assim, atualmente vêm sendo desenvolvidas ne-
siderável aumento do custo de vida nos últimos anos. gociações em torno de uma representação simbólica
Para iniciarmos o debate a respeito da cidade do das favelas, que devem ser preservadas em suas for-
Rio de Janeiro e os diversos aspectos da vida de seus mas urbanas singulares da paisagem carioca, elabo-
habitantes a partir de uma nova visão de planeja- radas enquanto recanto da autenticidade brasileira e
mento urbano, gostaria de trazer aqui as reflexões de destino turístico, mas desconstruídas enquanto ter-
Fernanda Sánchez sobre a existência de um mercado ritórios violentos de onde vinham as terríveis balas
mundial de cidades, junto a uma estratégia comum perdidas. Daí resulta a necessidade da mídia de tratar
de políticas urbanas, voltada para a venda de cidades. a favela por um viés diferente daquele que foi dado
A autora nos fala que a partir da década de 1990, al- nas últimas duas décadas.
guns governos locais, junto a agentes econômicos pri- Se antes ela era vista como um corpo à parte da
vados, passaram a vender as cidades de modo seme- cidade, hoje se mostra a favela como algo excêntrico,
lhante, o que, segundo ela, sugere que o espaço das mas inerente à cidade, passando inclusive a compor
cidades se realiza agora como mercadoria específica. um de seus vários destinos turísticos, tornando-se
parte constitutiva da imagem estereotípica do “pacote
Brasil” (Medeiros, Menezes e Vilarouca, 2012, 183).
2 Em cartilha sobre o direito à moradia, a Relatora Especial A imagem das favelas enquanto recantos exóticos
da ONU para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, da Cidade Maravilhosa representa grande perigo para
conceitua moradia adequada como algo que deve ser entendi-
do no seu sentido amplo, não se limitando apenas à própria
as populações faveladas residentes nas áreas nobres
casa e que, tanto no meio urbano como no rural, deve incluir da cidade. Segundo o dossiê do Comitê Popular da
sete elementos: segurança da posse; habitabilidade; disponi- Copa e Olimpíadas (2013), as violações ao direito à
bilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos; moradia no Rio de Janeiro sob a justificativa dos me-
localização adequada; adequação cultural; não discriminação e gaeventos esportivos persistem e tendem a se agravar
priorização de grupos vulneráveis; custo acessível.
A partir da perspectiva estabelecida, surge um O autor parte da perspectiva segundo a qual as
questionamento sobre os impactos dessas remoções identidades se situam frente ou num espaço simbóli-
na vida das mulheres faveladas – majoritariamente co, social e historicamente produzido. Se pensarmos
negras – da cidade. Historicamente as mulheres ne- a família negra como algo que extrapola os laços de
gras estão no mundo do trabalho e, segundo Sidney consanguinidade, estratégicos para a sobrevivência
Chalhoub, isso é fator de peso na estratégia de so- de grupos negligenciados pelo poder público, tere-
brevivência das pessoas. O autor destaca também as mos uma perspectiva que põe a nu a dimensão deses-
redes de solidariedade e ajuda mútua como um as- truturante das remoções.
pecto fundamental para o pobre urbano em questão Para uma população que já sofre com a falta de
(Chalhoub, 2001, 176). Ao analisar o início do capi- estrutura dos seus locais de moradia, a perda dos la-
talismo na cidade do Rio de Janeiro, o autor verifica ços afetivos e de solidariedade só agravaria seu estado
vários aspectos da vida dos trabalhadores no início de vulnerabilidade, podendo inclusive ser fator de
do século XX e nos diz que, apesar de encontrarmos diminuição da qualidade de vida dessas famílias e se
algumas mulheres trabalhando em casas de comércio tornando fator impeditivo para ascensão social desses
ou como operárias, o serviço doméstico era o princi- grupos.
pal nicho ocupacional das mulheres pobres. Quando verificamos a luta das mulheres brasi-
Ao se basear no Censo 1906, o autor verifica que leiras, temos a dimensão de sua importância para o
o trabalho remunerado da mulher pobre, portanto, processo que culminou na reabertura nos anos 1980
era, em geral, uma extensão das suas funções domés- e para os ganhos sociais a partir da redemocratização,
ticas, sendo realizado dentro de sua própria casa ou sendo o movimento de mulheres brasileiras um dos
na casa da família que a empregava e, apesar de es- mais respeitados do mundo e referência fundamental
sas tarefas serem em geral mal remuneradas, ele nos em certos temas do interesse das mulheres no plano
mostra que muitas mulheres conseguiam viver exclu- internacional (Carneiro, 2003, 117). Gostaria de tra-
sivamente daquilo que conseguiam obter com seu zer as palavras de Lélia Gonzalez, ao destacar a atua-
trabalho. O ato de desempenhar atividades remune- ção das mulheres negras com pouca ou nenhuma voz
radas, mesmo que intermitentes em muitos casos, era na cena política nacional. No que diz respeito à luta
parte da experiência real da vida dessas mulheres. A pela vida, compreendida na resistência cotidiana,
facilidade com que conseguiam trabalho as colocava
em posição de relativa independência em relação ao ... é a mulher negra anônima, sustentáculo econô-
seu homem (Idem, 204), embora esta independência mico, afetivo e moral de sua família aquela que
não garantisse imunidade aos mais variados tipos de desempenha o papel mais importante. Exatamente
porque com sua força e corajosa capacidade de luta
pela sobrevivência, transmite a suas irmãs mais
3 Copa das Confederações 2013, Copa do Mundo 2014 e afortunadas o ímpeto de não nos recusarmos à luta
Olimpíadas 2016. pelo nosso povo. Mas, sobretudo porque, como na
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temporâneos. Rio de Janeiro: Acess, 2007. dução literária e trajetórias urbanas da escritora
MARAFON, Glaucio José; SANT’ANNA, Maria negra Carolina Maria de Jesus. Texto de estágio
Josefina Gabriel e SANTOS, Angela Maria S. Pe- de pós-doutoramento. Universidade de Campi-
Isabel Paz
Luz y fuerza
um olhar sobre a capital portenha
A
experiência fotográfica pode punho, um revólver sem munição. Na a colonização, resistente nos traços de
ser muito mais quantitativa velocidade desses gestos, porém, vinha personagens fotografados ao acaso; a
do que qualitativa. Em “Sobre o interesse de me ater a detalhes que “luz y fuerza” de um país que vive às
fotografia”, Susan Sontag transcorre enriqueciam a visita, como se fossem turras com a inflação descontrolada;
sobre a postura dos turistas comuns pequenos souvenirs. a consciência política de protestos e
em suas viagens de lazer, que nos anos O eurocentrismo às vezes entorpe- greves, cujas marcas se escancaram nos
1970, quando o livro foi escrito, não ce nossa visão de mundo e cria em nós gradis da Casa Rosada, acompanhada
era muito diferente da atual: fotogra- expectativas ilusórias. Quando se ape- da paixão tenaz pelo futebol.
far, a esmo, a paisagem viva vista so- lida Buenos Aires de “Paris Sul-Ameri- Gosto de pensar neste ensaio nos
mente através das lentes. A isto ela re- cana”, espera-se que ela guarde seme- termos de James Hillman. Destas foto-
laciona uma espécie de violência visual, lhanças com a capital francesa, o que grafias surgem pequenas pistas de uma
que nos envolve sem que percebamos. de fato se dá na elegância dos traçados experiência urbana possível, formas
Empunhamos as câmeras fotográficas dos bairros mais abastados, como Pa- traduzidas em luz, como “pequenas e
como armas, para mirar (“atirar”) uma lermo e Recoleta. Mas os paralelos não sensíveis coisas que dão vida à sua alma
imagem (nosso “alvo”). O clique é nos- são restritos à estética urbana. Assim como uma cidade de alma e espírito,
so dedo apertando o gatilho. As expres- como as marcas de tiros nos muros das de sensibilidade e inspiração”. Outras
sões que empregamos rotineiramente, construções parisienses, deixadas du- serão as imagens a partir de outros
como “bater” ou “tirar” uma foto, dão rante as guerras do século XX, Buenos olhares, de outras experiências. Eis as
uma ideia dessa agressividade. Deixa-
mos de olhar para o que está ao nosso
Aires carrega também um passado ple-
no de cicatrizes que se deixa
minhas. ▪
redor para somente dele arrancar ima- mostrar aos mais atentos.
gens. Na tentativa de cap-
Produzi este ensaio em março de turar essas miudezas oca-
2012, durante minha primeira visita sionais, vieram também os
a Buenos Aires. Não havia lido Sobre contrastes que habitam a
fotografia e a pouca experiência que cidade portenha, essas cica-
tinha relacionada à fotografia se res- trizes expostas a céu aberto,
tringia a algumas tentativas amadoras que passam despercebidas a
com a Nikon D60. Minha atitude para alguns olhares estrangeiros.
com a cidade não era muito diferente A herança dos povos indí-
da dos turistas de Sontag: câmera em genas, dizimados durante
54 nº 22 ▪ ano 6 | setembro de 2015 ▪ e-metropolis
ensaio
ensaio
Ao lado: Zoológico
Abaixo à direita: Telhados
Abaixo ao centro: Céu
Ao lado: Metrô
Abaixo à esquerda: Obelisco
Abaixo à direita: San Telmo
Acima à esquerda:
Empanadas
Acima à direita:
Luz y Fuerza
Ao lado:
Casa Rosada
Neil Brenner
lação à economia, à sociedade e ao meio ambiente; PM: Todos os países, então, fazem
todas essas transformações são muito relevantes para essa contagem diferentemente?
o futuro do planeta. O discurso sobre a Era Urbana,
de que cruzamos um limiar no qual 50% da popu- NB: Todos esses países estão fazendo a contagem de
lação vivem agora nas cidades, é interessante porque modos distintos. Em alguns, a definição do que é
enfatiza a importância da vida urbana para o futuro uma área urbana conta com números relativamente
do planeta como um todo, e eu me simpatizo bas- altos, de 500 mil, 200 mil pessoas. Em outros, es-
tante com essa ideia. Eu acredito que esse cenário ses mesmos números podem ser muito baixos. Além
é algo com que precisamos lidar, mas que também disso, em outros países, foram adicionadas variáveis
devemos questionar criticamente. De todo modo, extras a essa mensuração. Na Índia, por exemplo,
cabe indagar se essa afirmação de que temos 50% além da variável populacional, também foi utilizada
da população vivendo nas cidades seria de fato uma a de emprego: 75% da população urbana é forma-
afirmação plausível para entender o caráter urbano da por empregos masculinos e não agrícolas. Por lá,
do nosso planeta. Efetivamente, muito do que tenho tem-se a ideia de que as cidades serão lugares onde
pesquisado me sugere que não, que ela é ligeiramente há muitas indústrias, enquanto as não cidades são
equivocada. – e serão – aqueles locais onde continuará havendo
muita agricultura. Isso pode ser inferido se observar-
mos o mapa de densidade populacional na planície
PM: Qual seria o problema? Existiria do rio Ganges, que é uma área bastante adensada em
algo de errado com a metodologia termos populacionais, mas predominantemente agrí-
utilizada para definir se as pessoas cola. No Censo indiano, entretanto, ela é classificada
estão vivendo na cidade ou no
como área rural. Se verificarmos os dados de densida-
interior?
de populacional, essa classificação acaba não fazendo
NB: Exatamente. Existe um vasto histórico de ten- muito sentido, pois se trata incrivelmente de uma
tativas, que perdura há mais de 70 anos, sobre como área urbanizada. Se classificássemos essa área como
definir a população urbana do mundo. Mas, para fa- urbana de fato, em vez de rural, a população urbana
zer isto, é preciso estabelecer um critério universal da Índia se elevaria consideravelmente. Existem mui-
para mensurar o que é a cidade, ou seja, para men- tos outros exemplos como este pelo mundo.
surar a relação de uma população urbana com uma
população não urbana.
PM: Então você está sugerindo
que, muito embora afirmemos que
PM: É preciso, então, uma unidade metade da população esteja vivendo
padrão de mensuração? no urbano, tal informação advém
de um método comparativo que
NB: Sim. É necessário estabelecer um padrão de não é o ideal, porque poderíamos
mensuração e ninguém conseguiu fazer isto até ago- estar comparando uma favela de
ra. Mumbai com um subúrbio rico de
Melbourne, onde as pessoas que
moram nas mansões poderiam estar
PM: Então não existe nenhuma dizendo que moram em “cidades”
equação que afirme que um lugar etc...
com mais de 100 mil pessoas é
igual a uma cidade ou que seja NB: Exatamente. Esta é uma observação que nos faz
equivalente a uma área urbana, refletir sobre os problemas empíricos dessa afirmação
equações do gênero...?
da Era Urbana. A noção de que cruzamos um limiar
NB: Correto. Alguns sociólogos têm tentado men- urbano em torno de 50% da população tem como
surar a população urbana mundial mediante um cri- premissa a ideia de que a distinção entre o urbano e o
tério unificado, mas isto é muito difícil de se fazer rural é simplista e que podemos usá-la para classificar
porque o Censo Demográfico de cada país utiliza o mundo inteiro. Os exemplos que você deu ainda
distintos critérios para mensurar a população de suas pouco já enfatizam que há muitas e diferentes con-
cidades. Então 50% desse limiar urbano declarado dições de urbanização que precisam ser entendidas
pela ONU em escala mundial advêm dos dados na- nos seus próprios termos. Neste sentido, acabamos
cionais de cada país consultado, embora cada um fundindo as favelas de Mumbai com os subúrbios
desses Censos defina o que é o “urbano” em formas de Melbourne e outras cidades ao redor do mundo
completamente diferentes. numa única simples contagem...
PM: O mesmo em relação às cidades- ções do campo. Mesmo que a população deste meio
províncias que têm 50 mil pessoas rural possa ser relativamente baixa, o campo detém
ou algo do gênero no interior da
funções econômicas e ambientais que se efetuam em
Nova Zelândia...
amplos territórios, nos quais as cidades também estão
NB: Ou podemos tomar como exemplo também as inclusas, e que também são fundamentalmente im-
cidades mineiras com grande população, mas focadas portantes para os processos de urbanização. Em vez
inteiramente numa única atividade econômica. Em de descrevermos o interior como “rural”, deveríamos
suma, há muitas condições diferentes de vida social, usar um termo diferente. O interior está se tornan-
de vida econômica, de organização espacial, densida- do uma paisagem operacional. É uma paisagem que
de populacional e cultura também. Se nós incluirmos está sendo ativada e instrumentalizada em diversas e
todas estas diferentes condições sob um conceito úni- importantes maneiras com o objetivo de sustentar o
co e simples de “cidade”, deveremos nos questionar: o crescimento urbano seja lá qual for o lugar em que
que de fato aprendemos sobre o mundo? este se dê. Um exemplo bastante relevante para este
caso é o da extração de recursos minerais. Vivemos
num mundo à base de combustíveis fósseis e, neste
PM: No geral, você está debatendo momento, as nossas cidades têm fundamentalmente
aqui que muito dessa tão-falada como premissa econômica a produção, circulação e
transição urbana, tendo o ano de
consumo de combustíveis fósseis. De onde vêm os
2008 como ponto de partida, quando
inesperadamente nos tornamos
combustíveis fósseis? Eles saem de grandes perfura-
homo urbanus com a maioria da ções no solo, geralmente em lugares afastados, por
população mundial vivendo em uma grande distância, dos centros urbanos. De acor-
cidades ao invés de em áreas rurais, do com as concepções do trabalho que estou fazen-
não esclarece muito sobre o tema do, essas zonas de extração de recursos minerais são
e talvez ainda obscureça ainda o
espaços completamente urbanizados, mas não da ma-
entendimento de certas questões.
neira como, por exemplo, o centro de Melbourne; o
NB: Sim, exatamente. Eu realmente acredito que interior representa atualmente espaços, na verdade,
existe um processo de urbanização que está trans- conectados a processos de urbanização.
formando o nosso planeta, mas a questão aqui é se
nós podemos entendê-lo simplesmente a partir da
ideia de um movimento populacional que ruma do PM: Antes de voltar a essa ideia
interior para a cidade. Esta relação binária interior/ de paisagens operacionais, a essa
cidade é muito simplista e equivocada para abarcar divisão cidade/rural que nós estamos
conversando e que você está
toda a diversidade dos processos de urbanização que
criticando, gostaria de comentar
estão acontecendo no mundo, assim como para mos- sobre a quantidade de textos
trar o que está acontecendo de fato no interior, tra- que foram escritos recentemente
dicionalmente conhecido como o não urbano, objeto sobre as cidades, muitos deles
muito importante na minha pesquisa. Faço, portan- enaltecendo-as. Por exemplo,
to, uma crítica a essa noção de transição urbana, que Edward Glaeser, autor do best-
seller Triumph of the city, defende
se expressa simplesmente a partir de um movimen-
que as cidades são benéficas para
to populacional do interior para a cidade, como se as pessoas. Segundo ele, se você
aquele estivesse sendo pura e simplesmente esvaziado atentar para as condições de vida
e se tornando, portanto, irrelevante para o futuro do das cidades, será possível perceber
mundo. que as pessoas que moram nelas são
mais ricas, mais felizes e saudáveis
que aquelas que não vivem lá. Isso
permitiria alegar, portanto, que o
PM: Mas podemos dizer também processo de urbanização é benéfico.
que o interior esteja sendo mantido Conforme as suas premissas, Ed
inalterado por esse processo? Glaeser estaria equivocado?
O interior tem cada vez menos
pessoas, mas, por outro lado,
aparentemente, não se alterou
NB: Eu acho que temos de diferenciar essa questão
muito. com mais especificidade histórica. Temos que olhar
para a cidade não como uma condição espacial gene-
NB: Evidentemente. Na verdade, muito do que a mi- ralizada em que as pessoas residem e onde podemos
nha pesquisa envolve está relacionado às transforma- fazer grandes generalizações a respeito delas serem
benéficas ou não; o que precisamos olhar é para as PM: Pois é, mesmo dentro da cidade
diferentes formas de urbanização. Muito do trabalho é possível ver diferentes formas de
urbanização que podem ser mais ou
que eu faço procura observar essa conexão entre ca-
menos benéficas de acordo com o
pitalismo e urbanização. Sob o capitalismo, eu diria local onde você mora. Melbourne,
que a urbanização é decisivamente uma caixinha de por exemplo, é comumente descrita
surpresas. Por outro lado, essa conexão gera incríveis como uma das cidades com melhor
capacidades técnicas e civilizacionais, que transfor- qualidade de vida do mundo. Isso
mam a natureza e melhoram bastante as condições pode ser verdade se você morar
na área central, que é bem servida
humanas. Ao mesmo tempo, sob o capitalismo, a ur-
de transporte público, perto da
banização gera massivas desigualdades sociais; então, praia e assim por diante, mas
ao passo que ela gera melhores condições de vida para pode ser diferente se você morar
alguns, produz muita exploração e marginalização num subúrbio distante onde acaba
para outros. Além disso, cabe mencionar que, nos ficando altamente dependente do
dias de hoje, o capitalismo tem externalizado cada carro etc.
vez mais os custos ambientais do seu próprio pro-
cesso de reprodução. Em outras palavras, percebe-se NB: Evidentemente. Um dos paradoxos da urbaniza-
uma massiva destruição ambiental por parte da urba- ção capitalista é que ela produz condições potencial-
nização capitalista sem que, de fato, esta proveja uma mente benéficas para alguns setores da população,
forma de administrar suas consequências destrutivas. mas esses benefícios não são extensivos à sociedade
como um todo e, certamente, ao mundo em geral.
Por outro lado, permitem que vislumbremos alguma
PM: Isso tem a ver com as possibilidade de futuro melhor para todos, mas que
perfurações no solo que você é paralelamente suprimida por causa do sistema eco-
estava falando sobre a extração de nômico e social dominante em que vivemos.
combustíveis fósseis indispensáveis
para a economia da cidade.
NB: Exatamente. Então, em vez de apenas focarmos PM: Você não estaria sendo meio
o estudo da cidade como uma unidade limítrofe pas- contra a cidade, de certo modo?
sível de ser generalizada sobre os benefícios que ela Recorrendo ao economista Alfred
Marshall, na virada do século XIX
dá ou não para as pessoas que moram nela, eu estou
para o XX, ele percebeu que as
mais interessado em entender uma gama mais ampla cidades criavam algo de fantástico,
de perguntas. O que sustenta a vida urbana? O que hoje conhecido como economia de
sustenta as cidades em que moramos e como elas mu- aglomeração, onde a proliferação de
dam a vida social e as condições ambientais? Seguin- pessoas, em termos de transferência
do por esta perspectiva, fica bem mais complicado de conhecimento, inovação,
aprendizado, desenvolvimento
cometer generalizações a respeito das cidades serem
de capacidades profissionais etc.,
boas ou não para as pessoas. Eu ainda acrescentaria mostrou como as cidades podem
que existem muitos outros tipos de cidades no mun- ser transformadoras para a vida das
do. Portanto, esta é uma questão importante para pessoas.
indagarmos em que medida formas particulares de se
edificar a cidade ou de se urbanizar são mais ou me- NB: Meu ponto de vista é crítico, mas não tem viés
nos benéficas para a sociedade em geral e para grupos algum de ser contra a cidade, muito menos contra
específicos de pessoas. Muitas questões complicadas o urbano. Trata-se apenas de nos atentarmos às ca-
acabam surgindo sobre a forma de urbanização na pacidades transformadoras da urbanização moderna
qual estamos vivendo atualmente diante do conflito em articulação crítica com as suas consequências
de se defender justiça social, igualdade e democra- destrutivas tanto na perspectiva ambiental como
cia, isto é, de que as cidades devem ser construídas social, na esperança de questionarmos se podemos
e transformadas socialmente, num contexto em que produzir coletivamente uma urbanização mais social
elas são, na verdade, construídas e transformadas “de e ambientalmente mais saudável para o futuro. Ou
cima para baixo” através de empresários, gestores ou seja, é preciso atentar para essas capacidades de trans-
membros da elite. Neste sentido, pressupõe-se que as formações urbanas, mas ao mesmo tempo devemos
pessoas não tenham controle sobre as condições que ser fortemente críticos quanto às suas consequências
realmente governam suas vidas cotidianas. destrutivas e, de modo ou de outro, ao caráter relati-
vamente antidemocrático desta forma de urbanização ponder aos seguintes questionamentos: quem detém
que vem sendo experimentada ultimamente. o controle sobre a capacidade de produzir as cidades
do futuro? É uma capacidade controlada por agentes
privados ou por elites políticas? Que controle é esse?
PM: Trata-se, então, de uma Neste sentido, o desafio fundamental para a vida ur-
crítica da urbanização ou de uma bana do planeta é democratizar esse acesso através do
crítica ao nosso sistema político e
empoderamento social, isto é, do empoderamento
democrático?
dos habitantes da cidade e do mundo, para que exer-
NB: É uma crítica à última, mas se eu dissesse que o çamos coletivamente alguma influência sobre como o
problema reside unicamente no nosso sistema políti- futuro do meio construído se dará.
co e democrático, surgiriam muitos questionamentos
sobre o modo de urbanização que teríamos fora des-
se sistema em que vivemos. Na minha perspectiva, PM: Hoje, a democracia
seriam questionamentos que precisariam ser discuti- contemporânea está enredada
dos coletivamente, cujas reflexões não poderiam ser em problemas de justiça social
em níveis globais dentro dos
desenvolvidas apenas por um filósofo nem por um
Estados. Então, por exemplo, se
teórico urbano como eu. São reflexões que precisam as pessoas de Melbourne tivessem
ser produzidas de baixo para cima a partir não só da a oportunidade de influenciar
vida cotidiana de cada local, mas também das lu- coletivamente o controle da
tas enfrentadas nas cidades e territórios ao redor do cidade, eu acredito que um de seus
mundo. Além disso, levando em conta a existência de líderes possivelmente afirmaria
que a comunidade gostaria, na
meios construídos diferentes uns dos outros, faz-se
verdade, de ver reduzido o número
necessário pensar formas de gestão igualmente dife- de residentes dentro dela. Como
rentes para administrar as áreas que ainda não foram você deve saber, a Austrália tem se
urbanizadas. Isto tem que fazer parte de um processo esforçado para barrar os pedidos
coletivo. de asilo político que chegam ao
país. Do mesmo modo, existe um
debate similar nos Estados Unidos
sobre a contenção de imigrantes
PM: O que você está querendo dizer, ilegais vindos do México. Nesta
então, é sobre necessidade de se perspectiva, com as pessoas
obter uma democratização – ou uma tomando o controle das cidades
reinspiração da democracia – que em que vivem, eu presumo que
transgrida o sistema tradicional de acabaríamos vendo um resultado
governança? não tão próximo daquele idealizado
NB: Entre as muitas forças que sustentam a urbaniza- já que, em vez do compartilhamento
social, poderia haver uma classe de
ção, uma importante delas se refere ao engajamento pessoas protegendo o privilégio que
das pessoas na busca coletiva de apropriação das suas elas já detêm no caso de cidades
condições de vida – isto é, pessoas procurando apos- desenvolvidas de países ricos.
sar-se do controle sobre as condições em que vivem.
Então, mesmo que atualmente estejamos vivendo sob NB: Existem muitos desafios políticos e ideológicos
uma forma de urbanização dominada pelas forças ca- associados a esse panorama. Mesmo que alguns Es-
pitalistas através de empresários e da elite política em tados nacionais continuem sendo uns dos principais
geral, ao mesmo tempo, os habitantes das cidades influenciadores políticos do mundo, tem sido pos-
estão constantemente procurando lutar contra essas sível ver movimentos políticos encabeçados por ci-
forças a fim de ganharem controle sobre o mundo dades mediante a criação de redes de colaboração e
no qual vivem a partir de processos coletivos. Essa conhecimento no desenvolvimento urbano, fazendo
relação é uma importante força modeladora que sus- com que essas cidades se destaquem mais do que seus
tenta a urbanização. A meu ver, o desafio é conseguir Estados nacionais. Um exemplo famoso disto seria a
criar instituições mais ativamente capazes de absorver C40 Network criada pelo Michael Bloomberg e ou-
a influência social sobre os ambientes construídos, tros que promovem novas formas de desenvolvimen-
bem como nos processos pelos quais as futuras cida- to político quanto às mudanças climáticas vinculadas
des estão sendo produzidas. Esta é uma importante às cidades. Além disso, trata-se de tipos de desenvol-
questão para mim. Contudo, existe o desafio também vimento muito importantes que incluem o abranda-
de se democratizar mais o acesso aos ambientes cons- mento de tensões entre práticas de exclusão social na
truídos que temos agora, e, ao mesmo tempo, res- escala nacional e outras na escala local, a partir de
visões regularmente cosmopolitas e de justiça social. gradas dentro do tecido urbano em escala global. As-
Para mim, esse tipo de desenvolvimento parece ser sim, temos tentado mapear as formas nas quais esses
parte da luta que nós estamos participando. supostos lugares remotos têm se tornado considera-
velmente funcionais para os processos de urbaniza-
ção, em variadas maneiras.
PM: Mas, mesmo no nível local,
os moradores de um subúrbio
rico de Melbourne provavelmente PM: Seria uma extensão da ideia
darão o melhor de si para deter de hinterlândia? Eu acho que todos
o crescimento de ferramentas e estamos familiarizados com a
instrumentos de planejamento ideia de que a cidade possui uma
urbano que permitam, por exemplo, hinterlândia. Em Melbourne, as
a construção de habitação social na montanhas ao redor da cidade e as
mesma rua que a deles. florestas são importantes meios de
captação de águas; ou seja, é uma
NB: Não existe uma solução simples para isso, mas hinterlândia da cidade que provê
eu acredito que qualquer forma viável de justiça so- água a esta, mas, de acordo com o
que você sugere, é preciso expandir
cial não deveria ser apenas local nem mesmo regio-
bem mais a ideia do que seria a
nal, tampouco nacional, mas sim global. Qualquer hinterlândia.
forma razoável de sustentabilidade ambiental não
funciona na escala local. Uma cidade que consome NB: Absolutamente. Isso tem a ver com o fato de que
combustíveis fósseis produzidos sabe-se lá onde e que essas zonas, muito mais do que territórios isolados ou
gera emissões consideráveis a partir dos seus meios extremos, fazem parte de um conjunto global de hin-
de transporte não é uma cidade muito sustentável. terlândias, que não provê recursos materiais apenas a
Questões para a sustentabilidade urbana aparecem uma ou algumas cidades na região em que se locali-
crescentemente na agenda de discussão, mas a ques- zam, por exemplo, mas são territórios que proveem
tão para mim não se trata apenas de cidades sustentá- combustíveis e matérias-primas, por exemplo, para
veis, mas de urbanização sustentável, ponto que nos cidades no mundo inteiro ou em regiões significati-
leva de volta à escala global. vas do mundo, com o oferecimento de importantes
recursos. Percebe-se o crescimento gradativo de uma
hinterlândia global cujas atividades de extração de
PM: Você está aqui em Melbourne recursos ou de minérios se tornaram fundamentais
para dar uma palestra, mas você ao processo de urbanização do mundo, ao processo
trouxe também uma exposição de crescimento das cidades em escala cada vez mais
chamada Operational landscapes,
global.
termo já mencionado aqui durante
a nossa conversa. Que tipo de
imagens as pessoas vão ver nesta
exposição? PM: Então é por isso que na sua
visão a urbanização se estende
NB: Essa exposição é um exercício de mapeamento a todos os cantos do planeta,
penetrando até mesmo na
bastante experimental feito por mim e meus colegas
atmosfera.
no Urban Theory Lab na Graduate School of De-
sign de Harvard. Pode ser que ela seja surpreenden- NB: Sim. Nós chamamos isso de urbanização ex-
te para todas as pessoas que associam a cidade e o tensiva – em outras palavras, um tipo de dialética
urbano com a imagem dos espigões e de paisagens entre a formação de aglomerações, grandes centros
densamente povoadas, porque mesmo sendo uma populacionais e ambientes edificados por um lado,
exposição voltada completamente à urbanização, os e, por outro, a transformação dinâmica de amplas
territórios que estão sendo pesquisados e representa- paisagens e territórios distantes para sustentar as ne-
dos são lugares do planeta extremamente remotos. cessidades de abastecimento de recursos dos centros
Por exemplo, o oceano Pacífico, o Ártico, o deserto urbanos.
do Saara, a Sibéria, o deserto de Gobi, os Himalaias
– até mesmo a atmosfera é objeto da nossa pesquisa.
Estas regiões não são pensadas normalmente como
PM: De que forma então a ideia
detentoras de nenhum tipo de conexão com a ur- crítica de que a urbanização se trata
banização, mas a gente argumenta que elas estão se de um processo global consegue
tornando crescentemente zonas operacionais e inte- se diferenciar da perspectiva de
rentes formas de avaliar os tipos de lugares em que dá poder aos lugares em que vivemos. Assim sendo,
as pessoas estejam vivendo. Mas o caráter urbano do muitas dessas questões mais amplas sobre suprimen-
planeta se expressa tanto através do movimento de to de energia, comida e logística são temas centrais
pessoas para grandes centros populacionais quanto para planejadores, urbanistas e arquitetos, pois são
através da operacionalização e funcionalização de estes os profissionais que tradicionalmente pensam
regiões significativas do nosso planeta a fim de sus- e trabalham com o meio construído das cidades. De
tentar a vida urbana. Então, eu, de fato, acredito que todo modo, já tem sido possível em disciplinas do
estamos vivendo num mundo urbano e num planeta curso de Desenho Urbano discutir algumas tendên-
urbanizado, mas para entendermos a forma como cias de mudanças que dialoguem com esse cenário
isto está acontecendo é preciso olhar além dos limi- que estou lhe falando. Muitos dos meus colegas ar-
tes da cidade para que vejamos as maneiras em que as quitetos já estão colocando o redesenho das infraes-
paisagens, ambientes e territórios estão sendo trans- truturas urbanas como eixos centrais das disciplinas.
formados para sustentar a presente forma de urbani- Eu acho que isso é um desenvolvimento que tende
zação. Isso amplia bastante a nossa perspectiva sobre a ser bastante produtivo, uma abrangência do pen-
as questões urbanas, sobre políticas e planejamento sar que deve ser aprofundada. Esta é uma orientação
urbanos, contribuindo bem mais do que a visão muito importante da minha atividade como docente
“mainstream” de que o urbano está circunscrito a um na escola de Arquitetura e Design de Harvard.
limite dentro da cidade, fazendo-nos refletir sobre o
modo como as pessoas vivem e consomem dentro da
cidade em que vivem. Precisamos olhar a cidade des-
PM: Além disso, temos visto em
ta maneira, fugindo da sua interpretação tradicional. muitas cidades ao redor do mundo a
tendência crescente de se cultivar
alimentos em ambientes urbanos,
PM: Nesse sentido, para refletir algo que estaria tirando a pressão
a cidade de maneira menos do interior/hinterlândia como a base
convencional, deveríamos focar de fornecimento de comida para os
menos nas questões do desenho centros urbanos.
urbano, que cria espaços públicos
exclusivos para pedestres, NB: A ideia de criar sistemas de produção e consu-
reduzindo os impactos do trânsito mo mais bem localizados é muito produtiva e com
e contribuindo para a qualidade grande potencial. Pode não ser a solução, mas é cer-
de vida dos residentes etc.? Na tamente válido explorar uma hinterlândia mais bem
visão ideal da cidade, costuma-se localizada do que o contrário, o que geralmente se vê
pensar nas questões de inclusão
na globalização.
social, que seja segura para idosos
e jovens, acessível para pessoas
descapacitadas, que tenha verde
e/ou que seja ambientalmente
PM: A produção de energia poderia
sustentável. Você diria que este
ser outro exemplo de se criar
é um foco equivocado de como
alternativas mais bem localizadas de
devemos refletir as cidades
produção energética solar ou eólica?
contemporâneas?
NB: Exatamente. Essa área tem muito potencial para
NB: Não me entenda mal. Eu não estou dizendo que o impacto ambiental das nossas atividades. Se você
essas questões sobre como vivemos e consumimos dispuser de uma hinterlândia mais bem localizada,
dentro da cidade não importa. Elas são bastante im- isso poderia abrandar ou limitar o nível de emissão
portantes e de fato precisamos de arquitetos, urbanis- de carbono ou de outros tipos de impactos ambien-
tas, planejadores e de políticas urbanas que reflitam tais das nossas atividades, mas não é uma solução
cuidadosamente tais questões de reprodução social. completa. Nós vivemos num mundo densamente
Não se trata de menosprezar essas preocupações, mas interdependente e eu não acho que desglobalizar seja
de adicioná-las a um horizonte muito mais amplo necessariamente outra solução. Então, romper com
de se pensar o planejamento, o desenho e as políti- a interdependência pode gerar muitos problemas
cas. Nós devemos redesenhar as infraestruturas pe- na medida em que poderíamos resolver outros. Não
las quais circulam matérias-primas, pessoas e outros acredito que haja uma solução simplesmente espa-
recursos que sejam atraídos pelas cidades. Nós, por cial para os problemas que afligem o urbano, embora
exemplo, devemos redesenhar os sistemas de extração não possamos transgredir tais dificuldades se confi-
de recursos que geram o combustível necessário que narmos as cidades a um limite espacial, definindo tal
área como o único terreno de ação. Precisamos de objetivo: urbanizar. A questão é discutir que tipo de
perspectivas mais abrangentes de pensar essas ques- urbanização é esta, quais são suas expressões sociais e
tões, não apenas em termos de consumo, mas de pro- suas consequências, como ela é dirigida politicamen-
dução, troca e circulação também. te falando, e quais são seus impactos ambientais para
o mundo inteiro e suas futuras gerações, tanto as de
humanos e não humanos, neste planeta.
PM: Significa que nós precisamos
declarar certas áreas do planeta
como intocáveis e que devemos PM: Você trabalha no Laboratório
deter a “penetração” do urbano de Teoria Urbana. Portanto, você
no Antártico, por exemplo, ou em dá grande ênfase à parte teórica.
certas áreas do gênero? É como se Isso significa que, para a sua
tivéssemos, de algum modo, que pesquisa, a parte empírica seria
colocar uma barreira ao redor dessas menos importante, que os dados
áreas, de pará-las no sentido de se quantitativos não importam tanto?
tornarem urbanizadas tal qual você
descreve urbanização?
NB: Os dados são fundamentais; pesquisa empírica
NB: Bom, talvez seja um pouco tarde para colocar é fundamental. O motivo de estabelecer um labora-
essa proposta em prática, visto que, em geral, quase tório de teoria urbana não é o de ignorar a pesquisa
todo o planeta já foi impactado pelos seres humanos empírica, mas de estabelecer um roteiro investigativo
e pela industrialização capitalista. Assim sendo, não cujo foco incida em desenvolver novas perspectivas
creio que seja possível ou produtivo pensar qualquer teóricas para entender o mundo em que vivemos.
zona do mundo nesses termos, sejam quaisquer áreas Nós sempre colocamos a teoria em primeiro lugar em
sob a atmosfera, sejam lugares remotos com popula- tudo o que fazemos. Por isso eu opino que nós este-
ção limitada, em regiões como a Amazônia ou a Pa- jamos sempre pressupondo interpretações mais am-
tagônia, de certa forma, áreas intocadas pelo impacto plas de quem nós somos, do que estamos fazendo, de
humano até agora. A questão, para mim, é desvendar onde estamos indo e o porquê disso tudo. Para mim,
como podemos manejar e organizar coletivamente a teoria tem a função precisamente de desvelar inter-
os meios que já adotamos para impactar cada par- pretações básicas sobre como a nossa vida se organiza,
te do mundo. Isso não quer dizer que eu rejeitaria a sejam aquelas interpretações da nossa vida cotidiana,
ideia de declarar certas zonas como intocáveis para sejam aquelas que dominam as práticas profissionais.
desenvolvimento. Estas são questões políticas muito A ideia por trás do Laboratório de Teoria e a ideia
importantes e que precisam ser negociadas em con- por trás de todo o trabalho que estamos fazendo é
textos particulares, mas o enfoque de se pensar que a de interrogar criticamente as perspectivas teóricas
partes do mundo são “virgens” e intocáveis pode não e interpretativas que são convencionalmente usadas
ser mais um modo viável de refletir as condições em para relacionar as questões urbanas. E a premissa fun-
que vivemos. damental sobre como damos o ponto de partida ao
nosso trabalho é que a perspectiva dominante para
entender e influenciar a vida urbana de fato precisa
PM: Entendo que você não esteja
ser reinventada para que possamos estar mais habili-
insinuando que deveríamos “parar”
a urbanização, mas sim de que
tados para entender e influenciar os processos urba-
nós temos de decidir que tipo de nos em curso no mundo.
urbanização queremos ou não
ter controle, isto é, que devemos
PM: Então estamos falando de
democratizar o processo de
toda uma série de categorias que
urbanização.
precisam ser mais explicitadas
NB: Exatamente. Nós já urbanizamos o mundo. Nós do que veladas, que precisam ser
desafiadas e passíveis de receber
já temos o mundo completamente urbanizado, da at-
abordagens alternativas?
mosfera aos oceanos, do subsolo aos desertos, até o
Himalaia. Isso não significa que cada parte do mun- NB: Exatamente. A noção da divisão urbano/rural,
do esteja urbanizada da mesma maneira. Para mim, a da cidade como um tipo particular de assentamento
urbanização é profundamente desigual e variada, tem é diferente de outros tipos de assentamento. São ca-
diferentes expressões no meio construído, na vida tegorias no campo da teoria do planejamento urbano
social e na natureza. Então se trata de um processo que herdamos do século XIX, e, portanto, são razões
bastante irregular, mas que, mesmo assim, atinge seu pelas quais essas categorias organizam pensamentos
e ações associados a um momento particular que as culos e linhas ao redor destas áreas, às vezes você as
cidades viviam no passado. conecta por linhas e setas com o objetivo de apontar
A questão para mim é: essas categorias continuam a interconexão entre elas, mas o resto do mundo é
viáveis? Essas categorias são frutíferas e produtivas basicamente vazio. Existem muitas e diferentes ver-
para ajudar a gente a pensar, a pesquisar e agir com sões desse tipo de mapa. Às vezes eles são produzidos
relação à urbanização planetária? Nosso trabalho su- usando dados de satélite, tecnologia cada vez mais
gere que essas definições se tornaram bastante obso- sofisticada, mas que ainda gera essas ilustrações das
letas. Assim, estamos empenhando bastante esforço cidades como se estivessem conectadas umas às ou-
para reinventar as perspectivas conceituais a partir do tras e relativamente limitadas dentro de seus territó-
que nós pensamos e tentamos influenciar a teoria dos rios com o resto do planeta, onde grande parte dele é
processos urbanos. A minha crítica à “Era Urbana”, mostrado como completamente vazio.
ou seja, que representa este limiar urbano de 50% da
população vivendo em cidades, faz parte da pesquisa
PM: Mesmo que as imagens de
que desenvolvo uma nova perspectiva conceitual que satélite do planeta à noite mostrem
nos ajude a entender as questões urbanas. onde estão esses focos de luz.
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