Você está na página 1de 15

Política Nuclear: A trajetória da estratégia brasileira do período da

Ditadura Militar

Gabriela Coelho Pastura*

Resumo

O objetivo desse artigo é apresentar a trajetória da política externa


brasileira no campo nuclear entre os anos de 1964 e 1985, que foram
vivenciados pela ditadura militar. Com isso, o foco do estudo foi a análise das
estratégias adotadas pelo regime brasileiro em torno dessa temática, já que este
foi um período de grandes acordos e tensões para o país no âmbito atômico.
Tais acordos e tensões também serão abordados ao longo do artigo, já que são
objetos de estudo relevantes para a compreensão do contexto de tomada de
decisão dos militares durante o período.

Introdução

O interesse do Brasil em adquirir conhecimento na área nuclear é notório


desde a década de 50, com a criação do programa nuclear brasileiro e do
Conselho Nacional de Pesquisa (atual CNPq). Nesse período, o país tentou
avançar nas pesquisas sobre o assunto, estimulando o conhecimento de
técnicas e tecnologias nucleares. No entanto, os avanços em geral não foram
muito expressivos.
Enquanto isso, a Guerra Fria avançava – E a atenção para as bombas
atômicas também. De fato, ela já existia desde o final da Segunda Guerra
Mundial, mas os anos pós-45 começaram a provocar sentimentos mistos nos
países: Era um temor em relação à tecnologia atômica, combinado com o
interesse e necessidade em alcança-la.
Afinal, tecnologia nuclear, obviamente, não se resume em armamento. Ela
é uma importante forma de energia, como uma eficiente opção de abastecimento
para grandes sociedades, relevantes para o desenvolvimento dos demais
setores industriais. Com isso, a perseguição das nações rumo à tecnologia
nuclear se intensificou. Ficar de fora não era uma opção para um país que
quisesse ascender como potência.
E esse era o caso do Brasil. Em 1964, os militares, através de um golpe,
chegavam ao poder acompanhados de planos ambiciosos para o programa
nuclear brasileiro. Mas o que poderia ser considerado ambicioso? Na situação
do Brasil na época, praticamente qualquer avanço do campo nuclear já seria
considerado uma grande conquista. Mas os militares realmente queriam atingir
patamares a níveis industriais – E por que não produzir sua própria bomba?
Mas claro, o Brasil conseguir chegar a esse nível sozinho seria
praticamente impossível. Ele precisava de uma “mãozinha” – Que veio através
do apoio internacional. Na verdade, pode-se dizer que quase toda a trajetória da
estratégia nuclear brasileira foi através da sua interação internacional. A política
externa foi a base para o seu início, assim como para sua intensificação e para
seu fim; ou melhor dizendo, seu redirecionamento.
De certa forma, foi um período conturbado, marcado por altos e baixos,
mas mantendo sua ambição até onde foi possível. Esse artigo buscar contar a
história dessa trajetória. Não focando nas políticas internas do regime militar,
nem na sua política externa no geral, mas realmente nas decisões e
consequências vivenciadas pelo governo brasileiro na temática nuclear durante
o período ditatorial.
Com isso serão abordadas as conquistas brasileiras no âmbito atômico
ao longo do regime, analisando seus acordos internacionais e seus
posicionamentos externos quanto ao assunto. Também serão exploradas as
relações do Brasil com outros países durante o período, já que o
desenvolvimento de tecnologia nuclear é uma questão bastante delicada e
naturalmente desperta climas de receio e tensão.
Dessa forma, os eventos vislumbrados concedem luz à uma diferente e
direcionada maneira de se enxergar tanto a ditadura militar quanto a política
externa brasileira, sendo assim, além de pertinente, um assunto interessante
para ser tratado.
O início do regime militar e o programa nuclear brasileiro

O objetivo da ditadura que acabara de se estabelecer era instaurar um


complexo industrial autônomo no Brasil. Segundo documentos do Conselho de
Segurança Nacional (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CPDOC, 1967), a ideia
era que, à longo prazo, o país conseguisse tecnologia suficiente para implantar
uma infraestrutura industrial nuclear e produzisse os combustíveis nucleares
necessários ao atendimento das necessidades do Brasil. Assim, o regime militar
criou uma política nuclear fundamentada na aquisição de usinas nucleares, para
que dessa forma conseguisse controlar o ciclo de produção do combustível
nuclear e pudesse abastecer o suposto complexo.
Em termos de infraestrutura, o governo militar durante seus primeiros
anos não realizou grandes obras, porém houve a ocorrência de uma bastante
marcante. Em 1965 o país pela primeira vez produziu seu reator de pesquisa,
tipo Argonauta, que iniciou sua performance no Instituto de Engenharia Nuclear
(IEN) e que está em plena atividade até os dias de hoje.
Já no campo da política externa, pode-se dizer que a questão nuclear
brasileira marcou forte presença na segunda metade da década de 60. Em
documentos hoje encontrados no acervo da Fundação Getúlio Vargas, são
notadas informações que que mostram a resistência da diplomacia brasileira em
concordar com o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). De acordo com um
documento de 1967 do Ministério das Relações Exteriores:

“Somente através de um salto tecnológico, que nos transporte


de fato ao século XX, poderemos transformar o Brasil de um país
subdesenvolvido e até certo ponto semifeudal em uma sociedade
moderna e aberta, em que haverá progresso e todos poderão participar
equitativamente de seus frutos. Daí o empenho com que a diplomacia
brasileira vem procurando preservar o direito soberano do Brasil ao
livre desenvolvimento de uma tecnologia nuclear própria, com
finalidades pacíficas. As superpotências, por meio de uma paz que só
acreditam possível pela conservação do oligopólio nuclear que detêm,
pedem que renunciemos a essa prerrogativa.” (FUNDAÇÃO GETÚLIO
VARGAS CPDOC, 1967)
De acordo com essa perspectiva, a proposta do TNP de restringir a
elaboração da energia nuclear em países que não tinham armas nucleares, sem
comprometer que os países que já eram nuclearmente armados se desfizessem
de suas armas, era infrutífero. Pois além de limitar o desenvolvimento industrial
e tecnológico de países como o Brasil, tal tratado não resolveria o problema das
armas nucleares.
Esse era basicamente o mesmo caso da noção de limitação das
explosões nucleares pacíficas (Peaceful Nuclear Explosions, PNE), no qual
renunciar a independência sobre a gerência das PNE era considerado
desfavorável para os militares. Tanto que durante o governo Costa e Silva houve
premissas favoráveis à coordenação de "pesquisa, mineração e construção de
artefatos que possam explodir". Isso mostra a característica autônoma e
nacionalista com que esse período do governo lidava com a política externa
nessa época. Documentos apresentam que, na época, parte do roteiro brasileiro
era pensado de forma que “A única constante em nossa política externa deve
ser a procura objetiva e pragmática do próprio interesse nacional” (FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS CPDOC, 1967).
Já nos anos 70, deu-se início à implementação do parque nuclear - fase
que ficou popular pelas cooperações internacionais. A primeira parceria ocorreu
em 1972, com os Estados Unidos, quando o mesmo viabilizou combustível
nuclear para Angra 1: A primeira usina nuclear do Brasil. No entanto, não muitos
anos depois, o país norte-americano foi reduzindo tal abastecimento para o
Brasil, até suspendê-lo de vez. O motivo teria sido um teste nuclear da Índia em
1974, o que teria deixado os Estados Unidos receoso ao desenvolvimento dessa
tecnologia pelos outros países.
O Brasil, então, buscou outra parceira. Em 1975, fechou um acordo de
cooperação no campo industrial das atividades ligadas ao aproveitamento da
energia nuclear com a Alemanha. Esse tinha sido o acordo nuclear mais
marcante para o pais até àquele momento. Segundo documentos da Secretaria
de Estado das Relações Exteriores de 1975, o contrato abrangia a importação
brasileira de tecnologia alemã necessária para alcançar:

“Prospecção, extração e processamento de minérios de urânio, bem


como produção de compostos de urânio;
Produção de reatores nucleares e de outras instalações nucleares,
bem como de seus componentes;
Enriquecimento de urânio e serviços de enriquecimentos;
Produção de elementos combustíveis e reprocessamento de
combustíveis irradiados.” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CPDOC,
1975)

Ou seja, através dessa cooperação, o país desejava alcançar uma etapa


industrial para que pudesse, de forma autônoma, abastecer suas usinas de
Angra 1, que já estava em construção, e Angra 2 e 3, que já tinham planos de
sair do papel, como mais um benefício do acordo firmado com a Alemanha.
O convênio entre os dois países chamou a atenção da comunidade
internacional. Principalmente porque era minimamente inusitado e contraditório
que um país signatário do TNP, como a Alemanha, concordasse em conceder
energia nuclear para um país que se recusava a assinar o Tratado de Não-
Proliferação e era dominado por uma ditadura militar, como o Brasil.
Para acalmar os ânimos internacionais, o governo brasileiro fazia questão
de deixar claro que aquela era uma cooperação para fins pacíficos, esclarecendo
suas decisões nucleares e argumentando que esse era um projeto para
aumentar a capacidade energética do país.
No entanto, apesar de histórica, na prática a parceria entre Brasil e
Alemanha não se mostrou tão próspera quanto o esperado. De fato, a mesma
conseguiu fazer com que o Brasil avançasse no campo nuclear e conquistasse
suas usinas. Mas o processo foi vagaroso, com a presença de diversas
complicações. No fim, o acordo deu mais dor de cabeça e menos benefícios que
os militares esperavam.

“Hoje, sabe-se que a transferência tecnológica esperada pelo Brasil


jamais ocorreu, e que a parceria tão somente serviu de impulso ao
desenvolvimento da indústria nuclear da Alemanha, com recursos
brasileiros, e à construção, em passos lentos, de Angra 2. O mais
importante -- aprender a enriquecer urânio em escala industrial - ficou
só no papel.” (LEALI;MALTCHIK, 2014.)
Assim, devido às suas recentes experiências insatisfatórias no campo
nuclear, seja no caso dos Estados Unidos ou no da Alemanha, o brasil decide
em 1978 criar um projeto nuclear secreto, também conhecido como “projeto
paralelo”, que seria um programa de pesquisas nucleares. A intenção inicial do
projeto seria elaborar uma tecnologia nacional para enriquecimento de urânio, e
assim, alcançar uma produção autônoma do mesmo. No entanto, esse feito
ainda não havia sido atingido quando a ditadura saiu de cena.

A possível corrida armamentista nuclear entre Brasil e Argentina

Se o Brasil avançava ambiciosamente rumo à aquisição de tecnologia


nuclear, a Argentina não estava em situação diferente. Em meados da década
de 70, os dois países já apresentavam progressos em relação aos seus projetos
nucleares: O Brasil firmava seu famoso acordo com a Alemanha, enquanto a
Argentina já iniciava a construção de suas próprias usinas nucleares.
A atividade dos dois países em buscarem tecnologia para enriquecimento
de urânio também poderia ser entendida como suas respectivas evoluções em
direção à construção de armamentos nucleares. Tal perspectiva de que o vizinho
poderia estar produzindo esse tipo de armamento não passou despercebida
pelos países. E este fato, somado com a histórica rivalidade entre eles, geraram
uma desconfiança mútua de que o outro poderia estar construindo a arma que
iria, definitivamente, desempatar o jogo de poder no Cone Sul. (OLIVEIRA apud
FREITAS;CAVALCANTI, 2010, p. 111)

Para Freitas e Cavalcanti (2010), o fato de ambos os países estarem


sendo governados por ditaduras militares também contribuía para que a disputa
tecnológica nuclear entre os dois ganhasse mais significado, como conquistar o
posto de potência regional da América do Sul. Dessa forma, os militares
dedicaram boa parte de seu sistema de tecnologia e informação para garantir a
superioridade do regime brasileiro em relação ao da Argentina.
Diante de suas pesquisas, o Brasil tinha fortes suspeitas de que seu
vizinho pudesse estar criando uma bomba nuclear. De acordo com Diaz e Braga
(2006), essa mera possibilidade ajudou a criar um clima de insegurança, que
acabou servindo como como premissa para justificar o próprio interesse
brasileiro em aprofundar seus conhecimentos em armas nucleares.

Assim, conforme o clima de hostilidade entre Brasil e Argentina


aumentava, a Comunidade Internacional se alarmava para uma provável “corrida
armamentista”. Os dois países eram cuidadosamente observados por tal
comunidade, que suspeitava que seus programas nucleares não eram
orientados para fins pacíficos, apesar de Argentina e Brasil sempre insistirem o
contrário. Essa suspeita para com os dois países, em maior parte, era devido ao
atraso na ratificação dos tratados de não-proliferação nuclear, impossibilidade
de inspeção das instalações nucleares pela Agência Internacional de Energia
Atômica (AIEA), e claro, a desconfiança de ambos países serem regidos por
ditaduras militares. (DIAZ;BRAGA, 2006, p. 495)
A esses expectadores da comunidade internacional que assistiam a
rivalidade entre Brasil e Argentina no campo nuclear, pareciam-lhes que a
disputa entre as duas nações estava francamente equilibrada, ao ponto de que
o próximo passo de qualquer uma delas poderia ser a fabricação de uma bomba.
No entanto, o próprio Brasil já estava percebendo que a situação começava a se
tornar complexa.
No início da década de 1980, os estudos brasileiros para a aquisição de
informações sobre o programa nuclear da Argentina trouxeram uma infeliz
novidade. De acordo a matéria de Leali e Maltchick (O Globo, 2014), as notícias,
na época ultrassecretas, diziam que a Argentina tinha tecnologia suficiente para
produzir um artefato nuclear em menor tempo do que o Brasil. Para o regime
militar, esse fato foi traduzido como uma palpável superioridade argentina,
tornando reais os temores do governo.
Naquele período, o projeto nuclear brasileiro passava por dificuldades. O
mesmo sofria com uma falta de direcionamento efetivo, além de escassez de
planejamento e de recursos, já que as despesas do governo Geisel com o acordo
realizado com a Alemanha haviam sido exorbitantes.

“Havia a consciência no Brasil de que a Argentina tinha maior


vantagem por ter partido antes nessa corrida tecnológica (tinha o
reator de Atucha usando a tecnologia de água pesada). E o Brasil,
na verdade, não tinha nada porque o único reator que estava
tentando montar era da Westinghouse aqui em Angra, que se
revelou uma usina pirilampo, vagalume, que acendia e apagava o
tempo todo. Então, havia uma sensação de que a Argentina
estava na frente, o que tinha um impacto estratégico de grande
importância.” (MALLEA;SPEKTOR;WHEELER, 2012)

Tal compreensão de que a Argentina estava na frente de fato gerou um


impacto estratégico nos planos nucleares brasileiros. O caso era que, se o Brasil
ainda tivesse condições plenas de alcançar a Argentina, então provavelmente o
regime teria igualmente continuado suas pesquisas de desenvolvimento nuclear
rumo à sua própria bomba, se assim fosse necessário.
No entanto, o cenário não era mais de uma igualdade entre capacidades
das nações. Diaz e Braga (2006) esclarecem que, se por acaso a corrida
armamentista avançasse, o Brasil estaria em clara desvantagem. Isso porque a
intensificação da disputa levaria a uma desestabilização da economia brasileira,
pois além de nessa época estar se iniciando o que hoje entendemos como
“década perdida”, o Brasil já tinha suas despesas do governo Geisel para
sustentar, como mencionado anteriormente.
Ou seja, alcançar a Argentina, que era a liderança regional no
desenvolvimento e uso da tecnologia nuclear, enquanto o próprio parque
industrial nuclear brasileiro sofria uma preocupante desaceleração, parecia algo
realmente custoso, e naquele momento, relativamente improvável. Na verdade,
começava a crescer entre os militares o receio de provocar os estímulos que
transformassem a corrida tecnológica nuclear em uma efetiva corrida
armamentista.
Ratificando, o receio era justificado pois o governo brasileiro olhava para
o cenário através de dois ângulos: O primeiro seria que, se tentassem alcançar
a Argentina, provavelmente causaria uma piora na economia brasileira, que já
apresentava problemas. O segundo se apresenta na noção que, se o Brasil não
avançasse em suas tecnologias nucleares, a Argentina o faria mesmo assim.
Logo, o governo militar brasileiro teria que conviver com o constante medo de o
vizinho poder ter acesso a uma bomba nuclear, provocando não só um
desequilíbrio tecnológico e Militar, mas também do Poder Nacional em geral,
beneficiando o país platino em formar qualquer coligação ao seu favor.
Com tais situações analisadas, pode-se dizer que o governo militar
brasileiro passara a flexibilizar suas estratégias em relação ao certame nuclear
entre as duas nações. Nesse momento, é possível declarar que o plano da
ditadura brasileira recebeu o estímulo necessário para deter, ou ao menos
redirecionar seu programa nuclear para um “se não pode vencê-los, junte-se a
eles”. A partir de então, a ideia de uma cooperação com a Argentina passou a
não ser considerada como absurda.
Uma aliança nuclear entre Brasil e Argentina, além de afastar os prejuízos
de uma corrida armamentista, traria outros benefícios. A cooperação viabilizaria
a troca de tecnologia nuclear, além de afastar as desconfianças da comunidade
internacional de que os dois países poderiam produzir um programa nuclear
belicoso, conforme asseverou Diaz e Braga (2006).
No entanto, obviamente Brasil e Argentina não começariam sua aliança
repentinamente, afinal “elas eram duas potências regionais cuja rivalidade
diplomática se traduzia, havia anos, em competição tecnológica no campo
atômico” (MALLEA;SPEKTOR;WHEELER, 2012). Desse modo, o desenvolvimento
da colaboração entre os dois países na área nuclear ocorreu de forma bastante
gradual. Ainda havia uma desconfiança bilateral, já que ambas as nações
resguardavam certo ceticismo de que o seu vizinho não ultrapassaria o âmbito
das atividades pacíficas. Então, como destaca Mallea, Spektor e Wheeler (2012),
o início da esperada aproximação necessitou de certo esforço da liderança dos
dois países em admitir possíveis riscos, até que as suspeitas desaparecessem
de vez.

A cooperação nuclear argentino-brasileira e os últimos anos da ditadura

Apesar de o governo militar brasileiro se interessar por uma cooperação


nuclear com a Argentina apenas no início da década de 80, é conveniente expor
a persistência que os Estados Unidos, desde a década anterior, tinham em
promover uma aproximação dos dois países no âmbito atômico.
Através de pesquisas feitas por Mallea, Spektor e Wheeler (2012),
apresentou-se que desde os meados dos anos 70, Paul Findley, deputado do
partido republicano estadunidense, realizava propostas de cooperação entre os
dois países. Nesse período, Findley realizou viagens para o Brasil e a Argentina,
propondo uma fiscalização mútua de inspeções nucleares – Foi quando essa
opção teria sido apresentada pela primeira vez aos países sul-americanos. O
deputado esclareceu que, desde o início, o regime argentino se mostrou mais
aberto às negociações que o brasileiro.
Em 1977, o Congresso dos Estados Unidos acatou a diplomacia de
Findley, enviando uma carta datilografa para as lideranças de ambos os países.
A carta continha sugestões que, no período da redemocratização, influenciariam
nas ideias para a criação da ABACC (Agência Brasileiro-Argentina de
Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares): A renúncia pública das duas
nações quanto às intenções de fabricar uma bomba nuclear e uma fiscalização
mútua das usinas nucleares pelos seus cientistas de forma livre e recorrente.
Findley acreditava que se o acordo ocorresse por espontânea vontade
entre os dois países, sem a necessidade de uma mediação global, as duas
potências sul-americanas seriam vistas com bons olhos pela comunidade
internacional, podendo, inclusive, render parcerias comerciais.
Dessa forma, é possível perceber como através de Findley, a diplomacia
estadunidense pressionava os dois países de forma discreta, mas quase
onipresente. Hoje em dia, através dos estudos de Mallea, Spektor e Wheeler
(2012) é possível saber a existência de diversos documentos secretos que
mostram a insistência americana por meio das propostas de Findley.
No entanto, a tentativa de incentivar a confiança entre os dois países foi
penosa até mesmo para a pressão estadunidense. Em uma entrevista para
Vinicius Gorczeski, da revista Época (2015), Findley explica que não sabia o
motivo pelo qual o Brasil recuava. Ele acreditava que talvez fosse devido às
tentativas frustradas do país em avançar no campo nuclear. O deputado também
pronuncia que “todo governo tem gente que quer causar guerra”. Assim, em
virtude do silêncio do governo militar brasileiro, a década de 1970 terminou sem
evoluções.
Mas uma mudança geral de cenários já no início da década de 80 fez com
que Argentina e Brasil – principalmente o último – encontrassem a motivação
que lhes faltava para darem um passo significativo rumo à cooperação. As
motivações do Brasil já foram expostas e minuciadas anteriormente, porém, elas
devem ser somadas com o fato de que, em 1980, a lei americana de não
proliferação de materiais nucleares entra em vigor.
Esse acontecimento pode ser considerado o “ponto-chave” para a
aproximação das duas potências sul-americanas, já que o ocorrido causara uma
convergência de interesses entre ambos os países. Tal circunstância é explicada
pois, com a suposta lei em vigor, os Estados Unidos pararam de enviar
tecnologia para países não signatários do tratado, como era o caso do Brasil e
da Argentina. Assim, em 1980, pela primeira vez, as duas nações estabeleceram
uma colaboração pacífica na área nuclear.
Em 1983, a Argentina anuncia publicamente que conseguiu alcançar a
técnica para enriquecimento de urânio. O Presidente Figueiredo recebe a notícia
com satisfação, parabenizando o vizinho pela conquista. Nesse ponto, percebe-
se que a animosidade entre os dois países já está praticamente dissipada. Não
se pode afirmar com certeza que as desconfianças são inexistentes, mas o medo
e o sentimento de disputa, ao que parece, foram substituídos por uma aceitação
pacífica de coexistência.
Em 1984, o secretário de Estado americano George Shultz visita a
embaixada da Argentina em Washington, esclarecendo os pensamentos da
diplomacia americana:

“Shultz disse que os Estados Unidos viam Brasil e Argentina de


forma equivalente. E que haveria uma “melhora relevante” nessa
relação se o Brasil e a Argentina declarassem que não fabricariam
a bomba atômica. Disse ainda que, se a Argentina propusesse a
criação de um órgão que fiscalizasse as instalações nucleares de
ambos os países, a ideia seria bem-vista tanto nos Estados
Unidos quanto no Brasil. Concluiu que haveria mais avanços –
ainda – se a proposta não fosse interpretada como pressão
americana.” (GORCZESKI, 2015)

Isso mostra como o governo americano, de certa forma, deu continuidade


aos planos de Findley. Desse modo, como sugerido por Shultz, a aproximação
formal entre Brasil e Argentina ocorreu em 1985, quando o país platino formulou
o acordo de uso da energia nuclear para fins pacíficos. Nesse período, os
regimes militares de ambos os países já se retiravam do poder, deixando para
que os futuros presidentes finalmente tornassem a cooperação em realidade.

Conclusão

Como já mencionado no início do artigo, fica evidente como a trajetória da


estratégia nuclear brasileira sofreu com altos e baixos ao longo do período da
ditadura. Até porque, o programa nuclear do regime militar pode ser traduzido
como ousado em muitos sentidos – E como tudo o que é ousado, tem altos riscos
a correr.
Foi ousado desde o seu início, através de seus acordos internacionais. O
contrato com os Estados Unidos pode até ter sido mais modesto, mas o assinado
com a Alemanha foi monumental. O Brasil confiou todo o seu parque industrial
àquele acordo, que no fim não rendeu os frutos esperados. Foi um investimento
bom no plano, mas na prática, insustentável. A falta de um bom planejamento e
de recursos levou, em um momento tão essencial da carreira nuclear do país, a
um déficit na área, que mudou o curso da história do cone-sul.
Quando é dito que mudou o curso da história, não é algo leviano. Segundo
os fatos apresentados, é possível entender que o Brasil estava bem mais
relutante em abrir mão de uma posição de soberania absoluta no campo nuclear
do que a Argentina. Isso porque o país platino se mostrou mais disposto a uma
cooperação com o Brasil, e assim, a compartilhar seus conhecimentos
tecnológicos atômicos com o vizinho. Enquanto isso, o governo brasileiro resistiu
à tal opção até onde lhe foi possível.
Assim, é curioso pensar como seria se a situação tivesse ocorrido de
forma inversa: E se Brasil tivesse atingido o ápice da tecnologia nuclear na
região? É possível imaginar que dificilmente o país proporia uma cooperação.
Ou que essa até pudesse ocorrer, mas sem influenciar nos ímpetos imperialistas
brasileiros que seriam intensificados e alastrados sobre a américa do sul.
A outra ousadia brasileira pode ser identificada em como o país resistiu
às pressões internacionais quanto a não assinatura do TNP, assim como a
específica pressão norte-americana quanto a uma cooperação com a Argentina
desde a década de 70. Pode-se dizer que essa ousadia foi uma característica
nacionalista do próprio regime militar, que priorizava os interesses nacionais
como constante da política externa.
Dessa forma, na questão nuclear, podemos ver a recorrente diplomacia
de alinhamento brasileira tomar um passo à frente rumo a autonomia de forma
efetiva. Tal situação exemplifica como o Brasil tinha uma prioridade que era o
molde da política externa brasileira – E como igualmente não estava disposto em
muda-la apenas para agradar a política internacional. No fim, a autonomia pode
não ter sido de forma efetiva, mas é intrigante – e nem sempre sinônimo de
positivo – notar que em certos pontos da história, o Brasil tem interesses que
tenta defender ao máximo, mesmo que vá contra aos ideais da comunidade
internacional.
Por fim, vale a pena uma menção honrosa à dúvida: O Brasil foi ousado
na corrida armamentista nuclear com a argentina? Bom, depois do exposto ao
longo do artigo, pode-se perceber que uma corrida armamentista nuclear não
ocorreu de fato. Até porque, no fim da ditadura militar o Brasil ainda não havia
dominado a técnica de enriquecimento de urânio, apenas a Argentina. Com isso,
mesmo que o Brasil realizasse pesquisas e pudesse ter a intenção (essa sim,
ousada) de produzir uma bomba atômica ou qualquer artefato nuclear belicoso,
na prática, nenhuma arma poderia ser produzida. E também, mesmo com a
Argentina dominando a tecnologia, foi ouvida nenhuma notícia que a mesma
estaria produzindo uma bomba, e sim apenas que tinha capacidade de fazê-la.
Assim, o que ocorreu entre Brasil e Argentina foi puramente uma corrida
tecnológica nuclear, com disputas, rivalidades e competições que, de certa
forma, motivaram os dois países a se desenvolverem na área. Essa competição
também é um importante pedaço da memória da questão nuclear entre os dois
países, fator importante para que hoje em dia se dediquem às suas salvaguardas
nucleares.
Assim, a exposição desses eventos como um todo são uma legítima forma
de discutir um pedaço da política externa brasileira, que não costuma ser muito
abordado quando o assunto é ditadura militar. De fato, o período do regime é
recheado de fatos históricos de cunho econômico, político e humanitário
profundos, mas a questão nuclear desse período é uma interessante análise
para a compreensão de como lidamos com essa tecnologia nos dias atuais.
Referências Bibliográficas

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CPDOC. Política Nacional de Energia


Nuclear. Presidência da República. Ultra Secreto. Aviso n°2-2S-SG/CSN-BR.
Confidencial. In: PNB ad 1967.02.23 [45/ 60/143]. Disponível em:
<http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ACER_PNB_AD&pasta=
PNB%20ad%201967.02.23>. Acesso em 29 de nov. 2017

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CPDOC. Conselho de Segurança Nacional.


Exposição de Motivos n°055/74. Secreto. In: AAS 1974.08.15 mre/pn [139]
Disponível em:
<http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=Acervo_AAS&pasta=AA
S%20mre%20pn%201974.08.15> Acesso em 29 de nov. 2017

LEALI, Francisco; MALTCHIK, Roberto. Documentos apontam corrida nuclear


na América Latina durante a ditadura. O Globo. 23 de mar. 2014. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/brasil/documentos-apontam-corrida-nuclear-na-
america-latina-durante-ditadura-11956778> Acesso em 29 de nov. 2017.

GORCZESKI, Vinicius. A história secreta do fim da corrida nuclear entre Brasil e


Argentina. Época. 02 de set. 2015. Disponível em:
<http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/09/historia-secreta-do-fim-da-
corrida-nuclear-entre-brasil-e-argentina.html> Acesso em 29 de nov. 2017

MALLEA, Rodrigo; SPEKTOR, Matias; WHEELER, Nicholas. Origens da


Cooperação Nuclear: Uma história oral crítica entre Brasil e Argentina.
Woodrow Wilson Center for Scholars e FGV. Rio de Janeiro, 2012. Disponível
em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/13864/portugues.
pdf?sequence=1&isAllowed=y> Acesso em 29 de nov. de 2017.
FREITAS, Glória Maria Miranda de; CAVALCANTI, Karen Barbosa. Brasil e
Argentina: Do conflito à cooperação nuclear. In: Revistas de Estudos
Internacionais, vol 1, p. 108-119, 2010. Disponível em:
<http://www.revistadeestudosinternacionais.com/uepb/index.php/rei/article/view
File/9/pdf> Acesso em 29 de nov. de 2017

DIAZ, Carla Maria da Silva; BRAGA, Paula Lou’Ane Matos. Rivalidade entre
Brasil e Argentina: Construção de uma cooperação pacífico-nuclear. In:
Revista de Ciências Humanas. Florianópolis, EDUFCS, n. 40, p. 491-508, Out.
de 2006. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Programa_nuclear_brasileiro#1961_.E2.80.93_19
72> Acesso em 29 de nov. de 2017

Você também pode gostar