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Chacal

1 Chacal
Chacal, Ricardo de Carvalho Duarte, nasceu no Rio de Janeiro em 24 de maio de 1951, é
cronista, letrista, autor de teatro e, sobretudo, poeta.

Chacal, aluno de Comunicação Social da UFRJ, foi um dos primeiros poetas da década de 70 a
se utilizar do mimeógrafo para divulgar sua poesia, à qual só se dedicou por ser incapaz de
desenhar um cavalo, com o livro Muito Prazer (1971/2), na companhia de Charles Peixoto, que
editou Travessa Bertalha 11. Em seguida teve um poema incluído na antológica revista
Navilouca, editada por Torquato Neto e Waly Salomão. Como tinha planos de viajar para a
Inglaterra e conhecer de perto a contracultura, mas sem dinheiro para tanto, editou um
segundo livro, Preço da Passagem, em forma de envelope que foi vendido entre amigos e
entre freqüentadores da zona sul carioca.

Em 1975 participou do grupo Vida de Artista, que contava com poetas como Francisco Alvim e
Cacaso. Nesse ano lançou seu terceiro livro, América. Em 1976 teve poemas incluídos na
antologia 26 poetas hoje, de Heloísa Buarque de Hollanda. Em seguida lançou Quampérius.
Nessa época juntou-se a Charles Peixoto, Bernardo Vilhena e Ronaldo Bastos para fundarem o
Nuvem Cigana, grupo que agitou a vida carioca do final da década de 1970, em especial com
os happenings Artimanhas.
Paralelo a poesia Chacal passa a trabalhar com grupos de teatro, escrevendo Aquela Coisa
Toda para o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, e Recordações do Futuro, para o grupo
Manhas & Manias. Nesse período aproxima-se de Patrícia Travassos e Evandro Mesquita,
futuros parceiros da banda Blitz, para a qual Chacal compôs algumas letras.

Reconhecido no universo cultural brasileiro, o poeta Chacal usa a palavra como instrumento
verbal para denunciar o cotidiano da barbárie, sempre recorrendo ao humor e à metalinguagem.
Em seu processo criativo é raro o poeta trabalhar a palavra, por entender que o poema tem
uma estrutura inconsciente. O processo é espontâneo, dentro de uma linha surrealista,
desenvolve-se no inconsciente e aflora em sua "anatomia". Chacal caminha pela poesia
antropofágica herdada do mestre Oswald de Andrade. "Acho que o poema não tem que ter
modelos preestabelecidos. Têm pessoas que só trabalham daquele jeito e são ótimos, têm que
ter forma, métrica, aquela grade para se soltar na formalização. Eu acho que o poema sabe de
si. Vem de uma forma ou de outra, mas vem".

Em 1983 veio a público Drops de Abril, reunião dos livros anteriores editada pela editora
Brasiliense.

Seus outros livros são: Comício de Tudo (1986) - crônicas que escreveu para o Correio
Brasiliense -, Letra Elétrika (1994), Posto Nove (1998) e A Vida é curta pra ser pequena (2002).

Desde 1990 é diretor do CEP 20.000.

O poeta Paulo Leminski afirmou sobre a obra de Chacal, que é de tendência contemporânea:
"A palavra 'lúdico' é a chave para a poesia de Chacal". Leminski também via nos poemas de
Chacal a presença "da Poesia Concreta, das letras de música popular, do mundo industrial e
urbano que se abateu, irremediavelmente, sobre nós."

LIVROS PUBLICADOS: 1971 (RJ) – Muito Prazer, Ricardo (Ed. do Autor); 1972 (RJ) – Preço
da Passagem ( Ed. do Autor); 1975 (RJ) – América ( Ed. do Autor); 1977 (RJ) – Quampérius
(Nuvem Cigana); 1979 (RJ) – Olhos Vermelhos (Ed. do Autor); 1979 (RJ) – Nariz Aniz (Ed. do
Autor); 1979 (RJ) – Boca Roxa (Ed. do Autor); 1982 (RJ) – Tontas Coisas (Ed. Taurus); 1983
(SP) – Drops de Abril (Ed. Brasiliense); 1986 (SP) – Comício de Tudo (Ed. Brasiliense); 1994
(RJ) – Letra Elétrika (Ed. Diadorim); 1998 (RJ) – Posto Nove (Ed. Dumará/ Rioarte); 2002 (RJ)
– A Vida é curta pra ser pequena (Ed.Frente); 2007 (SP) – Belvedere (Cosacnaify e 7 Letras)

PRÊMIOS: 2008 ( SP ) – APCA ( Associação Paulista de Críticos de Artes ); pelo livro


BELVEDERE – poesia reunida; 2004 (RJ) – Prêmio URBANIDADE 94 (Instituto de Arquitetos
do Brasil pelo CEP 20.000.

2 Chacal
"pego a palavra no ar
no pulo raro
vejo aparo burilo
no papel reparo
e sigo compondo o verso"

Chacal

amor

humor

(oswald de andrade)

ou

como ser concreto


sem perder o afeto

(chacal)

Folia

p/ waly salomão

falo feito fala fosse folia


carnaval na quaresma
forró em finados
rock and roll no juízo final

feito fala fosse folia falo


com a sabedoria dos loucos
com a insensatez dos sábios
com a algaravia dos mouros

fosse falo feito fala folia


a língua seria só músculo
sururu apenas molusco
e eu ... ah ! eu tô malusco !!!!

esse animal

p/ heitor ferraz

o poeta é de carne e osso


tem olhos, boca, nariz, pescoço
tem pressa, humor, desejo e calma
o poeta é de corpo e alma

o poeta é de osso e carne


a vida vivida é o osso
a carne o que lhe dá a palavra

3 Chacal
o poeta é alguém que se lavra

tem poeta mais carne que osso


tem o tecido adiposo de quem
entre livros letras ditados
vê a vida passar ao largo

tem poeta carne de pescoço


que traz o esqueleto no rosto
não dá carne ao desejo
preso no fundo do poço

o poeta é um animal que fuma

belvedere 07 / cosacnaify

*
Um poema partitura
Uma música em leitura
A voz inflamando o poema
O som invadindo o cinema

Vai embora

o capitalismo estremece
o mercado estertora
agora que a primavera floresce
e meu amor revigora.

velha múmia insaciável


cunhada em usura e prisão
morre logo e abre espaço
pra meu amor caminhar

pai de todo sofrimento


mãe da infelicidade
900 bilhões de dólares
pra vc ir sem deixar saudade

deixa quem ama gozar


e viver a vida com júbilo
quem sabe sabe que o amor
da vida é o único lucro

/10/2008 - rio.

4 Chacal
FOCINHO DE PORCO É TOMADA
PARA QUEM SE ALIMENTA NA FONTE
FOCINHO DE PORCO É TOMADA
PARA QUEM MANTEM A LUZ PRÓPRIA
FOCINHO DE PORCO É TOMADA
PARA QUEM AMEALHA FORÇA E LUZ
FOCINHO DE PORCO É TOMADA
PARA QUEM CRIA SEU JEITO DE VIVER

FOCINHO DE PORCO É TOMADA


TÁ LIGADO ?

ago / 2007

negro coração

negro é meu coração


minha alma, uma folia
nos teus olhos vejo um rio
me chamando pra Bahia

essa vida é um carretel


levo ela por um fio
quando morrer vou pro céu
embriagado num navio

me criei numa senzala


capoeira foi meu chão
fiz o dia de xangô
cair no de são joão

o meu tom de pele negra


bem mais claro se tornou
alguns dizem que é astúcia
outros dizem que é amor

rio, 12 de abril de 2005

o outro

só quero
o que não
o que nunca
o inviável
o impossível

não quero
o que já
o que foi
o vencido

5 Chacal
o plausível

só quero
o que ainda
o que atiça
o impraticável
o incrível

não quero
o que sim
o que sempre
o sabido
o cabível

eu quero
o outro

(De BELVEDERE (1971-2007). Rio de Janeiro: 7 LETRAS; São Paulo: COSACNAIFY, 2007)

sentinela

teu jeito de elefanta contraído me angustia.


quem sou eu, quem és tu nessa manhã que se anuncia?
sentinela, minha nega, estou tomado pelo teu sentimento.
posso dizer que um elefante passa em mim.
com seu passo lerdo, um tanto tardo de ser.
quando tu assoas tua tromba, sentinela, me assombra.
quem não ficaria sem ar com o teu passar resfriado
com teu ventre que abrange o mundo paralisado?
sentinela. sentinela quem te deu esse nome bacana?
por que sais de manhã toda trêfega e sós voltas sei lá quando?
sentinela, esse jeito avoado de quadrúpede no cio me assanha.
alguns te chamam elefanta, outros aliá e todos tem razão
menos eu sentinela, menos eu que sou assolado pelo
teu sentimento.
por que não vieste a esse mundo, um walk talk, um disc man ?
assim poderia operá-la ou escutar hendrix quando quisesse.
mas não. vieste elefante e para escutar teu berro lancinante
teu ronco visceral, fico impassível como um hidrante.
vai, sentinela, vai !
cambaleante pelas tuas do rio. boa sorte. seja feliz. até logo.

[da revista Inimigo Rumor n. 17, 2005]

dentes de aço

eu te arranco um pedaço com meus dentes de aço


e faço e refaço no peito e no braço
e te arranco um pedaço com meus dentes de aço

e você acha pouco e diz que eu sou muito louco


mas eu não dou carne a gato
e não vou pagar o pato dos teus sais dos teus ais

eu quero é mais

6 Chacal
ossos do ofício

sempre deixei as barbas de molho


porque barbeiro nenhum me ensinou
como manejar o fio da navalha

sempre tive a pulga atrás da orelha


porque nenhum otorrino me disse
como se fala aos ouvidos das pessoas

sou um cara grilado


um péssimo marido
nove anos de poesia
me renderam apenas
um circo de pulgas
e as barbas mais límpidas da Turquia

papagaio

estranho poder o do poeta.


escolhe entre quase e cais
quais palavras lhe convêm.
depois as empilha papagaio
e as solta no céu do papel

uma outra

se você acha que morar num apê


encardido we abafado rua Siqueira
campos um cabeça de porco botar
gravata todo dia para ir de ônibus
trabalhar na rua senador Dantas e
quando pinta tempo e grana batalhar
uma trepada se você acha que dormir
puto e acordar puto é uma eu já acho
é outra.

uma palavra

uma
palavra
escrita é uma
palavra não dita é uma
palavra maldita é uma palavra
gravada como gravata que é uma palavra
gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa

7 Chacal
papo de Índio

veiu uns ômi de saia preta


cheiu di caxinha e pó branco
qui eles disserum qui chamava açucrí.
aí eles falarum e nós fechamu a cara.
depois eles arrepetirum e nós fechamu o corpo.
aí eles insistirum e nós comemu eles.

De NARIZ ANIZ
(da trilogia CARA A CORES)
impressa em silk screen1979:

vamos bater 1 papinho


bem popinho
vamos bater 1 pozinho

homem com cheiro de peixe


peixe com cheiro de homem

um por dentro do outro


nas marés de lua cheia
na praia dos idos de março
no píer da praça quinze
no barco

esses garranchos
como garrincha
garrelincha
e mata um João.

na prefeitura qui loucura;


entre os presidentes
os descontentes, cadê meus
dentes? Perdi
num acidente.

8 Chacal
ontem hoje amanhã e sempre
a mesma coisa
às vezes varea
escassa rarea
vaza enche esvazia
depende do dia

Fogo-fátuo

ela é uma mina versátil


o seu mal é ser muito volúvel
apesar do seu jeito volátil
nosso caso anda meio insolúvel

se ela veste seu manto diáfano


sai de noite e só volta de dia
eu escuto os cantores de ébano
e espero ela chegar da orgia

ela pensa que eu sou fogo-fátuo


que me esquenta em banho-maria
se estouro sou pior que o átomo
ainda afogo essa nega na pia

(letra: Chacal - música: Moraes Moreira)

Reclame

se o mundo não vai bem


a seus olhos, use lentes
... ou transforme o mundo.
ótica olho vivo
agradece a preferência

20 anos recolhidos

chegou a hora de amar desesperadamente


apaixonadamente
descontroladamente
chegou a hora de mudar o estilo
de mudar o vestido
chegou atrasada como um trem atrasado
mas que chega

Ai de mim, aipim.

ai de mim, aipim.
ô inhame, a batata é uma puta barata. deixa
ela pro nabo nababo que baba de bobo. transa
uma com a cebola.
aquele hálito? que hábito! me faz chorar.
então procura uma cenoura.
coradinha, mas muito enrustida.
a abóbora tá aí mesmo.
como eu gosto de abóbora.

9 Chacal
então namora uma.
falô. vou pegar meu gorrinho e sair poraí pra
procurar uma abóbora maneira
té mais, aipim
té mais, inhame

Na porta lá de casa

Na porta lá de casa
tem dizendo lar romi lar
uma bandeira de papel
na porta lá de casa
as crianças passam
e se atiram no chão
e se olham por dentro
das bocas das palavras
na falta de qualquer espelho
na porta lá de casa
passa o amor o calor
de cada um que passa
na porta lá de casa.

Ponto de bala

os mortos tecem considerações


os tortos cozem quietos
as crianças brincam
e bordam desconsiderações

Prezado Cidadão

Colabore com a Lei


Colabore com a Light
mantenha luz própria.

Primeiro eu quero falar de amor


meu amor se esparrama na grama
Meu amor se esparrama na cama
meu amor se espreguiça
meu amor deita e rola no planeta.

Rápido e Rasteiro

Vai ter uma festa


que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.

aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida.

10 Chacal
Verão

Revoada
cabeleiras cambalache
andarilha
na trilha do sol.

Bermuda Larga

muitos lutam por uma causa justa


eu prefiro uma bermuda larga
só quero o que não me encha o saco
luto pelas pedras fora do sapato

Caleidoscópio Cinemascope

a vida é um cristal
que se reflete em pedaços
a vida como ela é
é a coleção dos cacos

vi um filme que Aladim


da lâmpada tirava um gênio
ele era James Dean
que tinha a cabeça a prêmio

eu parti do Irajá
passando por Paraty
eu ainda chego lá
até onde quero ir

vi um filme que Fellini


fez num ensaio de orquestra
tinha tiro de canhão
e acabava numa festa

se no mato me perdi
nesse mato me acharei
entre mais de mil picadas
numa delas sou o rei

eu vi Deus e o diabo
dançando na terra do sol
Glauber Rocha era o máximo
tão bom quanto rock-and-roll

minha estrada é um filme


cheio de amor e ódio
pra onde quer que me vire
cinemascope caleidoscópio

Espere, Baby

espere baby não desespere


não me venha com propostas tão fora de propósito
não acene com planos mirabolantes mas tão distantes

11 Chacal
espere baby não desespere
vamos tomar mais um e falar sobre o mistério da lua vaga
dylan na vitrola dedo nas teclas
canto invento enquanto o vento marasma

espere baby não desespere


temos um quarto uma eletrola uma cartola
vamos puxar um coelho um baralho e um castelo de cartas
vamos viver o tempo esquecido do mago merlin
vamos montar o espelho partido da vida como ela é

espere baby não desespere


a lagoa há de secar
e nós não ficaremos mais a ver navios
e nós não ficaremos mais a roer o fio da vida
e nós não ficaremos mais a temer a asa negra do fim

espere baby não desespere


porque nesse dia soprará o vento da ventura
porque nesse dia chegará a roda da fortuna
porque nesse dia se ouvirá o canto do amor
e meu dedo não mais ferirá o silêncio da noite
com estampidos perdidos.

Vamp

a rua escura deserta


acelera o desejo
eu piso fundo no mundo
com o farol aceso

uma sirene: polícia


no retrovisor
não sei se é paranóia
ou se sou infrator

em cada curva fechada


espero pelo pior
estranho cheiro de sangue
ninguém ao redor

no carro, o rádio anuncia


mais um assassinato
vejo seu corpo na esquina
paro o carro e salto

como vou te esquecer


seu beijo é mesmo assim
marcas no pescoço dizem
que o tempo todo só
queria assistir a meu fim

um dia seu nome é Ana


no outro dia Janette
o tempo todo na cama
afiando a gilete

só sai na rua se for

12 Chacal
em busca de uma brisa
e quando o dia começa
você corre da polícia

a vida inteira agitou


e hoje vive no vício
um vai e vem, entra e sai
na porta do edifício

seu veneno é cruel


seu olhar, assassina
me queimo no seu calor
seu coração de heroína

como vou te esquecer


seu beijo é mesmo assim
marcas no pescoço dizem
que o tempo todo só
queria assistir a meu fim

você só quer aplicar


você não quer nem saber
você só sabe iludir
você espalha o terror

Ginga Genipapo

aquela guitarrinha ranheta


debochada disbocada
my generation
satisfaction

aquela mina felina


cuba sarro cocaína
do you wanna dance
don’t let me down

aquela ginga genipapo


elástica solta rasteira
i’m free
like a rolling stone

aquela ginga genipapo


cheiro de porrada no ar
street fighting man
jumping jack flash

aquele som de fuder


orelhas pra que ti quero
who knows
straight ahead

©Protegido pela Lei do Direito Autoral


LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998
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