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A PRIMAVERA DAS OCARINAS

Era uma vez dois países separados por uma montanha muito alta.
Nenhuma estrada atravessava esta montanha.
Os habitantes do País do Norte nunca tinham ido ao País do Sul, e os habitantes do Sul
nunca tinham ido ao País do Norte. Não falavam a mesma língua. Não tinham a mesma cor de
pele, não cozinhavam da mesma maneira, e as casas eram
completamente diferentes.
— Os habitantes do País do Norte são ferozes como ursos
cinzentos — diziam, há gerações, os
habitantes do País do Sul.
— Os habitantes do País do Sul são
maus como crocodilos — repetiam, há
gerações, os habitantes do País do Norte.
E todos acreditavam porque nunca se tinham encontrado.
E, tanto no norte como no sul, todos pensavam que era
preciso destruir o outro país.

Um dia, deu-se a guerra.


O País do Norte e o País do Sul enviaram os seus soldados para a montanha.
Houve mortos e feridos.
Depois, chegou o inverno. A neve cobriu a montanha.
Os soldados do norte e os soldados do sul abriram trincheiras. Se um soldado do norte
deitava a cabeça de fora do seu buraco, um dos soldados do sul dava-lhe logo um tiro.
E todos se prepararam para passar assim o inverno, encolhidos nas trincheiras geladas.

Sem nada para fazer, um soldado do País do Norte aborrecia-se.


Por isso, com um pouco de barro modelou uma ocarina.
Tinha sido pastor.
E a sua ocarina tinha um lindo som, semelhante ao murmúrio da flauta que o
acompanhava quando guardava o rebanho.
Os soldados ouviram o pastor a tocar a ocarina. E começaram a sonhar com a doçura da
primavera …
A linda música da ocarina chegou à trincheira dos soldados do Sul.
— Olha, o som de uma flauta... — notou um soldado do sul, que tinha sido vaqueiro.
E pôs-se a recordar os dias passados à beira da ribeira, quando se divertia a soprar
numa simples cana de erva. Resolveu também ele fazer uma ocarina… E que lindo som doce,
semelhante ao da palhinha…
E cada um esperava em segredo a chegada da primavera, mas ninguém ousava falar do
assunto. Todos sabiam que a guerra seria retomada quando a neve derretesse.
Por fim chegou a primavera, como se tivesse ouvido o apelo das ocarinas.
A cada dia, a neve derretia um pouco mais.

Em ambos os campos, os capitães estudaram a situação.


Decidiram então enviar um soldado para fazer o reconhecimento.
É que, durante o inverno, o inimigo podia ter alterado as suas posições.
Acontece que é sempre aos soldados mais novos e mais pobres que são confiadas as
missões mais perigosas.
O pastor do País do Norte e o vaqueiro do País do Sul foram assim os escolhidos.
E abandonaram as trincheiras para ir inspecionar as posições inimigas.
Andaram e andaram. De repente, encontraram-se frente a frente.
E cada um correu a esconder-se atrás de uma árvore.
Permaneceram ali, imóveis, por muito tempo.
Depois, o soldado do norte pegou na sua ocarina e pôs-se a tocar.
O soldado do sul pôs-se à escuta. Depois puxou da sua ocarina e pôs-se também a
tocar.

Ambos chamaram um pelo outro e responderam com as ocarinas.


A ocarina do pastor tinha um lindo som grave. A do vaqueiro, um lindo som agudo.
Harmonizavam muito bem.

Naquele dia, a longa guerra acabou.


O País do Norte e o País do Sul resolveram encontrar-se no alto da montanha.
Era numa linda manhã de primavera.
Os soldados do norte escalaram a montanha, guiados pelo pastor. Durante esse tempo,
os soldados do sul subiam pelo outro lado, guiados pelo vaqueiro.
Os cantos das ocarinas aproximavam-se lentamente.
Chegados ao cimo da montanha, responderam em
uníssono.
Naquele momento, um bando de pássaros voou no céu
azul. Eram as aves migradoras que, há gerações e gerações,
atravessavam a montanha todas as primaveras.

Sukeyuki Imanishi
Le printemps des ocarines
Paris, Bayard Jeunesse, 2002
(Tradução e adaptação)

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