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Pela manutenção do exame nacional de filosofia.

Numa nação em que existe estabilidade governativa há tantos anos, sem convulsões
sociais, ideológicas, raciais ou de outra ordem, os sucessivos governos tem demonstrado
uma instabilidade grosseira na definição de caminhos para a educação dos portugueses. Isto
é tanto mais grave porque se passa num país cujo maior problema é a falta de recursos e
riquezas naturais, e que, portanto, deveria dar uma especial atenção aos seres humanos que
cá habitam, pois são a única mais-valia que podemos apresentar no mundo globalizado de
hoje. Cada nova legislatura (cuja transição é sempre calma, ordeira e sem «choques») traz
novas orientações, novas alterações a nível macro e micro educativo. Não se critica a
mudança em si, que é um valor a prezar, criticamos a leviandade com que, por vezes, se
abandonam programas, orientações e procedimentos de avaliação, sem lhes dar tempo para
produzir efeitos que possam ser aferidos. Criticamos a falta de rigor com que se procede à
avaliação no sistema de ensino. Neste momento, e nos moldes em que o sistema está
estruturado, não há melhor instrumento aferidor da competência dos alunos que não seja o
Exame Nacional.
Neste contexto não se pode deixar passar em claro a eliminação do exame nacional
de filosofia. Tal facto é incompreensível por vários motivos:
1. O exame nacional de filosofia é o que apresenta melhores resultados, o que
demonstra excelência no ensino por parte dos professores e empenho e
competência por parte dos alunos que gostam e querem aprender filosofia. De
acordo com o Relatório Final dos ensinos básico e secundário de 2005 do Júri
Nacional de Exames (Cf. http://www.dgidc.min-
edu.pt/jneweb/relato/RelatorioJNE2005.pdf), a) a média da Classificação Interna
Final em todos os distritos do país na disciplina de Filosofia foi superior a 13
valores; b) apenas três das 21 disciplinas sujeitas a Exame Nacional em 2004/2005
obtiveram uma média de classificações positiva em todos os distritos, entre elas a
prova de Filosofia; c) apesar de até 2004/05 apenas existir Exame Nacional no 12º
ano e estando a disciplina confinada a apenas um agrupamento de estudos, verifica-
se que anualmente são mais de 7000 os estudantes que se inscrevem para a
realização dessa prova; d) nos últimos 3 anos, a média de exame de todos os alunos
foi sempre superior a 10,1, tanto na primeira como na segunda fase; de 21 provas
realizadas, apenas um terço consegue obter média positiva e, mais uma vez, a
Filosofia é uma delas. Na segunda fase, apenas três disciplinas conseguem médias
positivas, entre as quais a Filosofia; e) em 2004/5 e em 2005/6, verifica-se que o
Exame Nacional de Filosofia de 12º ano foi um dos que conseguiram melhores
resultados, tanto na primeira como na segunda fase, tanto entre alunos internos
como alunos autopropostos (Cf. http://www.dgidc.min-edu.pt/jneweb/relato/m
%E9dia%20cif%202005.pdf).
2. A prova de filosofia é requisitada como prova de ingresso por um número muito
significativo de instituições de ensino superior (mais precisamente 357 cursos. Cf.
http://www.cef-spf.org/docs/acessuniv2006.pdf), tanto públicos como privados ou
concordatários, o que demonstra a importância das competências filosóficas quer
para a frequência do ensino superior, quer para o desempenho das mais variadas
funções profissionais. (Aliás, a seguir à Matemática e à Língua Portuguesa é a prova
mais requisitada.???)
3. A existência do exame nacional é um mecanismo de auto-regulação: exige mais de
alunos e professores numa altura em que o sistema de ensino é tão criticado por
ceder a facilitismos e por preparar mal os alunos para as exigências da vida
contemporânea. Por outro lado, e citando o Despacho de 14 de Fevereiro da
Senhora Ministra da Educação (Cf. http://www.min-edu.pt/ftp/docs_stats/provas
%20de%20afericao.pdf), “para uma política educativa determinada em obter
resultados efectivos e sustentados, assente em critérios de competência e exigência,
o desenvolvimento de uma cultura de avaliação é fundamental. Nesse sentido, a
qualidade, rigor e pertinência da avaliação são determinantes para aferir o modo
como se operam os desempenhos dos alunos, em articulação coerente com a
configuração do currículo, pelo que os exames nacionais “enquanto modalidade de
avaliação externa, são um dos instrumentos de avaliação do desenvolvimento do
currículo nacional e destinam-se a fornecer informação relevante aos professores,
às escolas e à administração educativa sobre os níveis de desempenho dos alunos.”
Desse ponto de vista, não se entende a retirada da Filosofia do elenco das Provas de
Exame a realizar a nível nacional. Se é “competência, exigência e rigor” aquilo que
se pretende para determinar o “modo como se operam os desempenhos dos alunos”
através de uma “cultura de avaliação”, os Exames nacionais são imprescindíveis
para todo o sistema ensino, pelo que a Filosofia não deverá ser excluída dessa forma
de avaliação externa.
4. Por último, a eliminação da Filosofia do quadro das disciplinas sujeitas a Exame
Nacional configura uma desvalorização do seu estatuto ao nível do Ensino
Secundário, contrariando todas as recomendações da UNESCO, como se pode
constatar na Mensagem do seu Director Geral por ocasião do Dia da Filosofia a 21
de Novembro de 2002 (Cf.
http://www.unesco.pt/antigo/arquivonoticias.htm#mensagemfilosofia).

Se a estes dados juntarmos o conjunto de competências que são avaliados pelo


exame de filosofia (conceptualização – identificação e compreensão de conceitos;
problematização – compreensão dos problemas filosóficos e sua articulação com a
realidade; e argumentação – capacidade de defender ou refutar uma tese analisando os seus
fundamentos. Cf.
http://www.gave.pt/infoexame/2005/esnovo/infoexame_filosofia_08_esnovo.pdf#search=
%22GAVE%20EXAME%20FILOSOFIA%22) veremos que é do interesse de todos os
portugueses que a Escola forme e avalie adequadamente os estudantes nessa área. Parece-
nos evidente a ligação entre o desenvolvimento destas competências e uma cidadania activa
e responsável como a exigida nas sociedades democráticas contemporâneas. Se a decisão
política de retirar o carácter obrigatório ao exame de filosofia é criticável e discutível, a
decisão de o eliminar e impedir as Universidades de o exigirem é inaceitável. É um
retrocesso civilizacional. Não se compreende que as Faculdades de Direito, por exemplo,
que tradicionalmente exigem a prova de filosofia por exigências do seus currículos, sejam
agora impedidas de o fazer. A autonomia universitária de seleccionar os candidatos fica não
só limitada, mas verdadeiramente desvirtuada. Pretende-se, assim, que o exame de filosofia
esteja novamente ao dispor dos planos de estudo universitários que o queiram exigir, e aos
alunos que o queiram realizar.

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