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Universidade Federal do Maranhão, Centro de Ciências Sociais, Curso de Biblioteconomia, Centro
de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Faculdade de Biblioteconomia. Cidade Universitária Dom
Delgado, Av. dos Portugueses, 1966, Bacanga - CEP 65080-805, São Luís (MA), Brasil. E-mail:
isantosdiniz70@gmail.com
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Universidade de Aveiro, Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro, Campus de
Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal. E-mail: marga@ua.pt
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Universidade Federal do Maranhão, Centro de Ciências Sociais, Curso de Biblioteconomia, Centro
de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Faculdade de Biblioteconomia. Cidade Universitária Dom
Delgado, Av. dos Portugueses, 1966, Bacanga - CEP 65080-805, São Luís (MA), Brasil. E-mail:
cf.furtado@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
O modelo social de deficiência evidencia que a deficiência deve ser vista como um
acontecimento que se passa durante o processo de interação social da pessoa com
deficiência, externo ao indivíduo. Apresentando-se como algo criado pelas estruturas
sociais, que Bourdieu denomina de instâncias (agências) tradicionais de socialização
(SETTON, 2002), responsáveis por ditar as regras e a normalização de conduta do
indivíduo, perpetuando, também, certas práticas abusivas e exclusivas. Portanto, a
intervenção deve ser feita na sociedade, na tentativa de adequá-la à realidade da pessoa
com deficiência, além de exaltar que a diversidade e diferença devem ser celebradas como
uma forma de ver o indivíduo em sua estrutura lógica, que é o de um ser único, logo,
diferente (OLIVER, 1996).
Neste contexto, a biblioteca universitária enquadra-se como um espaço social
propício para promover a inclusão de pessoas com deficiência, dentro da perspectiva da
acessibilidade. A biblioteca, por ser lugar que não proíbe e nem limita (ou pelo menos não
deveria) o acesso a qualquer pessoa no seu recinto, será denominada no decorrer deste
artigo como “biblioteca inclusiva”. Espaço democrático e de aprendizagem que prioriza a
inclusão pela informação, devendo contemplar todas as dimensões de acessibilidade,
conforme contextualizada por Sassaki (2005, p. 4):
Acessibilidade atitudinal: através de programas e práticas de sensibilização
e de conscientização das pessoas em geral e da convivência na diversidade
humana resultando em quebra de preconceitos, estigmas, estereótipos e
discriminações.
Acessibilidade comunicacional: sem barreiras na comunicação
interpessoal (face-a-face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem
gestual etc.), na comunicação escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc.,
incluindo textos em braile, textos com letras ampliadas para quem tem baixa
visão, notebook e outras tecnologias assistivas para comunicar) e na
comunicação virtual (acessibilidade digital).
Acessibilidade arquitetônica: sem barreiras ambientais físicas em todos os
recintos internos e externos da universidade e nos transportes coletivos.
Acessibilidade metodológica: sem barreiras nos métodos e técnicas de
estudo (adaptações curriculares, aulas baseadas nas inteligências múltiplas,
uso de todos os estilos de aprendizagem, participação do todo de cada aluno,
novo conceito de avaliação de aprendizagem, novo conceito de educação,
novo conceito de logística didática etc.), de ação comunitária (metodologia
social, cultural, artística etc. baseada em participação ativa) e de educação
dos filhos (novos métodos e técnicas nas relações familiares etc.).
Acessibilidade instrumental: sem barreiras nos instrumentos e utensílios de
estudo (lápis, caneta, transferidor, régua, teclado de computador, materiais
pedagógicos), de atividades da vida diária (tecnologia assistiva para
comunicar, fazer a higiene pessoal, vestir, comer, andar, tomar banho etc.) e
de lazer, esporte e recreação (dispositivos que atendam às limitações
sensoriais, físicas e mentais etc.).
Acessibilidade programática: sem barreiras invisíveis embutidas em
políticas públicas (leis, decretos, portarias, resoluções, medidas provisórias
etc.), em regulamentos (institucionais, escolares, empresariais, comunitários
etc.) e em normas de um geral.
Assim, a biblioteca universitária inclusiva permitirá acesso igual e justo para todos
os usuários, criando ambientes com recursos na forma de mobiliário, espaço físico, acervo
acessível, sinalizações horizontais e verticais, capacitação profissional “como na adequação
da página da Web, software e hardware. Apresenta-se com o papel de buscar, por meio de
tecnologia de informação, formas alternativas para compartilhar e contribuir no processo de
aprendizagem, possibilitando o acesso ao conhecimento e favorecendo a garantia do direito
à educação”(STROPARO, 2014, p. 71).
Para tanto, o planejamento da rotina de atividades, serviços e produtos acessíveis
dentro de uma biblioteca universitária é fundamental para aperfeiçoar e inovar a qualidade
dos serviços e produtos prestados. E, dentre as diversas atividades de planejamento em
uma biblioteca universitária, o processo de formação e o desenvolvimento de coleções é
fundamental para que a biblioteca supra as necessidades informacionais dos seus usuários
reais e potenciais. Favorecendo o crescimento harmônico e coerente das coleções (seleção
e aquisição), sua preservação, conservação, desbastamento, dentre outras. Assim sendo,
torna-se necessário a existência de uma PFDC condizente com o objetivo da unidade de
informação. Informação esta que estabelece ações, regras ou legislações que vão delinear
estratégias, priorizar a determinação de instrumentos e critérios, para facilitar assim as
tomadas de decisão no que dizem respeito a todas as atividades decorrentes do
planejamento e desenvolvimento do acervo acessível e inclusivo.
No contexto da inclusão e da acessibilidade pragmática, a PFDC é o instrumento
direcionador para garantir que a qualidade e crescimento da coleção estejam realmente de
acordo com as necessidades informacionais dos usuários com deficiência, mas, para tal,
deve estar explicitamente evidenciado no texto da política. Vergueiro (1989) condiciona que
PFDC contribuirá para o estabelecimento de diretrizes para a tomada de decisão dos
bibliotecários em relação à escolha da publicação a ser introduzida à coleção, como também
a administração dos recursos informacionais. Complementando para Figueiredo (1991) é
necessário que constem na PFDC os objetivos institucionais e as necessidades de sua
comunidade, além de critérios de seleção, os instrumentos auxiliares e fontes a serem
utilizadas para a seleção, procedimentos para aquisição, bem como a informação sobre a
necessidade ou não de participação de funcionários e usuários. Aqui podemos acrescentar
a participação de outros profissionais conhecedores de materiais acessíveis que favoreçam
o processo de seleção. Complementando, acrescentamos que a criação de um plano ou
PFDC ocorre para corrigir as fraquezas das coleções enquanto mantém as fortalezas que
envolvem critérios e diretrizes relativos às ações (CUNHA; CAVALCANTI, 2008) que
deverão ser empreendidas em relação ao acervo acessível.
Na PFDC deve constar regras para selecionar materiais informacionais, em
especial, tradicionais e em outros formatos, como o e-book, Livro áudio ou Audiobook, livros
ampliados ou em Braille, e também tecnologias assistivas, como: uma lupa eletrônica, Braço
articulado, Teclado de conceitos inteligentes com grelhas predefinidas, dentre outros, que
favorecem o acesso das pessoas com deficiência à informação. Quanto às regras para
aquisição de materiais informacionais acessíveis (Braille, áudio e digital), a PFDC pode
determinar que, além das modalidades autorizadas pela instituição de ensino superior
(compra, doação e permuta), o bibliotecário deva buscar outras alternativas viáveis. Ou seja,
deve ser previsto o contato com autores/editoras para obtenção de arquivos digitais dos
conteúdos básicos do acervo, a fim de facilitar os procedimentos de transcrição dos
documentos para o formato acessíveis, por exemplo. Além da aquisição de softwares
leitores de telas de computadores, entre outros, que permite acesso aos mais diferentes
tipos de conteúdos, independente da sua condição física, facultando ainda mais a inclusão
cultural e social para os usuários com deficiência (DINIZ, 2019).
Na sequência, as regras, diretrizes e os métodos de avaliação (qualitativos ou
quantitativos) do espaço interno e externo da biblioteca e sua periodicidade, bem como a
possibilidade de consulta a especialistas sobre acessibilidade devem constar na PFDC. A
avaliação favorece o processo de implementação da acessibilidade e inclusão, pois fornece
informações sobre os pontos fortes e fracos da instituição, possibilitando traçar um plano de
ações necessárias para o bom desenvolvimento de uma biblioteca universitária inclusiva.
Na PFDC destacam-se as diretrizes referentes ao armazenamento, preservação e
conservação dos documentos, em especial, aqueles acessíveis e em Braille. Neste item
delineiam-se todas as instruções sobre o mobiliário mais adequado, recursos tecnológicos,
tecnologias assistivas, temperatura, ventilação e limpeza correta da biblioteca e do acervo.
Destaque para informações referentes ao processo de encadernação e restauração
(metodologias, responsabilidade, trâmites, etc.), bem como a possibilidade de treinamentos
ou quaisquer outras ações educativas para usuários, em especial para aqueles com
deficiência, objetivando o uso e a preservação do material utilizado pelos mesmos, dentre
outros.
Em continuidade, a PFDC deve dar abertura para que a biblioteca possa manter
parcerias com outras instituições públicas e privadas para as mais diversas finalidades,
como: formação e desenvolvimento de coleções acessíveis, aquisição de TA, treinamento e
formações específicas sobre acessibilidade e inclusão para seus bibliotecários e demais
funcionários, dentre outros (DINIZ, 2019). Além de trazer para dentro da biblioteca outros
profissionais que atuam com a inclusão e acessibilidade, especialmente: tradutores e
intérpretes de LIBRAS e Braille, ledores/as, guias-intérpretes, dentre outros.
Segundo Malheiros e Cunha (2017) o passo inicial para as bibliotecas se tornarem
inclusivas está na adequação de sua PFDC, onde as diretrizes devem abordar pontos
fundamentais para a estruturação e retroalimentação dessas bibliotecas pautadas na
legislação sobre acessibilidade. Mas, Teixeira et al (2017) afirmam que para que isto
aconteça é necessário que todas as normas ou regulamentos institucionais da IES sigam a
mesma reestruturação. Já Diniz (2019) destaca que o desenvolvimento da “acessibilidade
programática” na biblioteca universitária depende da “acessibilidade atitudinal” do
bibliotecário e dos demais atores da universidade. A postura ativa e a tomada de decisão,
ou seja, a acessibilidade atitudinal do bibliotecário, são viéses de todo o desencadeamento
do processo de acessibilidade e inclusão na IES.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este artigo relata alguns resultados de uma investigação de doutoramento iniciada
em setembro de 2016 e concluída em março de 2019, que visa estudar as boas práticas
inclusivas das bibliotecas universitárias no contexto brasileiro e português e que inclui uma
etapa de diagnóstico das experiências e casos (programas e projetos) de uso de produtos
de apoio e de soluções acessíveis por bibliotecas universitárias brasileiras e portuguesas.
Esta pesquisa caracteriza-se por ter uma abordagem de investigação descritiva de
levantamento de dados Survey4, com a utilização de um método de coleta de dados,
questionário (AMADO, 2014). O survey foi operacionalizado num inquérito por questionário
on-line aplicado a 87 (oitenta e sete) diretores/coordenadores de bibliotecas universitárias:
54 (cinquenta e quatro) bibliotecas universitárias brasileiras e 33 (trinta e três) bibliotecas
portuguesas. Nos períodos de dezembro de 2015 e janeiro a dezembro de 2016 obtivemos
o retorno de 50 (cinquenta) respostas válidas, distribuídas por 28 (vinte e oito) bibliotecas
brasileiras e 22 (vinte e duas) bibliotecas portuguesas.
O objetivo do inquérito visa diagnosticar as experiências e casos (programas e
projetos) de uso de tecnologias de apoio por bibliotecas universitárias públicas brasileiras
(federais) e portuguesas. Assim, este questionário está estruturado nas seguintes partes: (i)
informações sobre os diretores/coordenadores das bibliotecas (perfil dos inquiridos); (ii)
informações sobre os programas e projetos de uso de produtos de apoio e de soluções
acessíveis; (iii) infraestrutura do campus (quanto à acessibilidade no estacionamento
público; quanto à acessibilidade em transporte urbano coletivo; quanto ao percurso interno
entre os prédios; quanto aos sanitários e mobiliários urbanos do campus); e (iv)
infraestrutura da biblioteca (quanto à acessibilidade arquitetônica; acessibilidade
comunicacional; acessibilidade instrumental; acessibilidade metodológica; acessibilidade
programática). E, dada a limitação da extensão deste artigo, relatamos apenas alguns
resultados alcançados, relacionados aos itens (iv), especificamente sobre “acessibilidade
programática” do referido inquérito.
A análise dos dados recolhidos envolve algum tratamento em SPSS Software, em
nível de estatística descritiva básica, cujos resultados serão descritos no próximo item,
respeitando a identificação dos respondentes e preservando a autenticidade das respostas
obtidas.
Os resultados decorrentes desta análise serão apresentados na seção seguinte,
respeitando o anonimato dos inquiridos que participaram desta investigação.
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As pesquisas de levantamento de dados ou Survey permitem ao investigador chegar à descrição, explicação e exploração do fenómeno proposto. Ao fazer um
levantamento, frequentemente se descreve como aparece, naquela amostra, aquele comportamento ou atitude. Pode-se chegar também a uma explicação para a
presença daquele fenómeno e consegue-se explorar um tema que não está claro para o pesquisador (Calais, 2013).
4 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS
Serra e Silva (2013) relatam que a biblioteca ainda enfrenta desafio quanto à
transição entre a aquisição de material tradicional e em outros formatos, como o e-book. Isto
faz parte do processo de adaptação e mudanças na forma como o bibliotecário realiza a
gestão das unidades de informação.
É necessário, portanto, que este profissional repense sobre o papel que exerce no
processo de facilitar o acesso e uso da informação por todos os tipos de usuários. E pense
como solucionar as dificuldades, geralmente, impostas por editores, distribuidores e demais
agregadores de conteúdo em formatos acessíveis para oferecer estes recursos às
bibliotecas e, consequentemente, aos seus usuários.
No que diz respeito à obtenção de recursos financeiros junto da instituição
universitária visando ao desenvolvimento de uma biblioteca acessível a todos, os dados
revelam que as respostas estão nos extremos - 15/28 dos inquiridos brasileiros afirmaram
que “sim”, enquanto que a maioria 14/22 dos respondentes portugueses afirmaram que
“não” (Tabela 3). A verdade é que a biblioteca não dispõe de recursos financeiros próprios,
logo, todas as propostas de aquisição de produtos acessíveis devem ser aprovadas pela
instituição de ensino superior. Atualmente, são muitas as bibliotecas que argumentam a
questão da prioridade de recursos para aquisição desses materiais informacionais e
tecnológicos acessíveis; porém, sabemos que na instituição de ensino superior existem
prioridades que nem sempre incluem a aquisição de material informacional acessível para a
biblioteca universitária (TEIXEIRA et al, 2017).
Ressaltamos ainda, que a aquisição de materiais informacionais junto aos órgãos
administrativos da instituição de ensino superior não distingue o acervo tradicional do
acessível, assim como não há prioridade. Falta, em muitos casos, sensibilidade/empatia e
conhecimento, por parte dos cargos superiores, para à problemática enfrentada pelos
estudantes com deficiência quanto à ausência de acervos acessíveis (BODAGHI et al.,
2016).
Klaes e Pfitscher (1991) e Diniz (2019) sugerem que a biblioteca busque inovar
quanto à captação de recursos financeiros, não se detendo apenas ao financiamento de
órgãos governamentais, mas se diversifique e mude a tática buscando prestar serviços para
a comunidade externa, como para empresas privadas e cobrar adequadamente por seus
serviços. Para Diniz (2019) cabe à biblioteca refletir a respeito e reinventar formas para
captar recursos e implementar parcerias de acordo com sua área de atuação. Mas, as
bibliotecas devem investir, principalmente, com a submissão de projetos às agências
financiadoras oficiais e pleitear recursos junto aos órgãos específicos.
Para além dessas considerações, verificamos que a maioria (16/28) dos inquiridos
brasileiros, seguidos por 15/22 dos inquiridos portugueses, afirmam que o plano orçamental
da biblioteca ou da instituição/universidade não prevê recursos para a implementação e/ou
continuidade da acessibilidade no contexto da biblioteca (Tabela 3). Esse fato é muito
preocupante, pois mostra falta de empenho e dedicação à causa, principalmente quanto à
questão do planejamento estratégico e orçamental. Mas, pontuamos que a atuação da
biblioteca, neste sentido, enfrenta problemas de ordem financeira, que envolve a
universidade como um todo, principalmente porque a biblioteca não promove lucro
financeiro. O retorno a ser conseguido relaciona-se ao alcance dos objetivos, que é permitir
acesso e disseminar informações, além da construção de novos conhecimentos,
satisfazendo as necessidades informacionais de seus usuários (KLOPPEL; SPUDEIT,
2015).
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei brasileira de inclusão (LBI): estatuto da pessoa com deficiência - Lei n o
13.146, 6 de julho de 2015. Brasilia. Disponível em: http://maragabrilli.com.br/wp-
content/uploads/2016/03/Guia-sobre-a-LBI-digital.pdf. Acesso em: 18 jan. 2019.
ONU. Acesso e oportunidade para todos: como as bibliotecas contribuem para a agenda
de 2030 das Nações Unidas. 2016. Disponível em:
https://www.ifla.org/files/assets/hq/topics/libraries-development/documents/access-and-
opportunity-for-all-pt.pdf. Acesso em: 18 jan. 2019.
OLIVER, M. Understanding disability: From theory to practice. The Journal of Sociology &
Social Welfare, v. 23, n. 3, p. 192. Disponível em: https://doi.org/10.1007/978-1-349-24269-
6. Acesso em: 18 jan. 2019.