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HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DAS ILHAS

Alberto Vieira. 2005


CEHA-Madeira

Email: alberto.vieira@madeira-edu.pt

A História das ilhas atlânticas tem merecido, na presente centúria, um tratamento


preferencial no âmbito da História do Atlântico. Primeiro foram os investigadores
europeus como F. Braudel (1949), Pierre Chaunu (1955-1960), Frédéric Mauro
(1960) e Charles Verlinden (1960) a destacar a importância do espaço insular no
contexto da expansão europeia. A que se associou a historiografia nacional a
corroborar a ideia e a equacioná-la nas dinâmicas da expansão insular. Neste caso são
pioneiros os trabalhos de Francisco Morales Padron (1955) e Vitorino de Magalhães
Godinho (1963).
Para além desta necessária valorização da História Insular no velho continente é de
destacar ambiência condicionou os rumos da historiografia insular nas últimas
décadas e contribuíu para a necessária abertura às novas teorias e orientações do
conhecimento histórico. Neste contexto as décadas de setenta e oitenta demarcam-se
como momentos importantes no progresso da investigação e saber históricos,
contribuindo para tal a definição de estruturas institucionais e de iniciativas afins.
Repensar a Historiografia insular hoje implica o necessário percurso pelas suas
origens, destacando e divulgando os textos clássicos.

HISTORIOGRAFIA. A produção historiográfica insular é desigual, dependendo o seu


número da existência de literatos e de instituições capazes de incentivarem a
elaboração e divulgação de estudos nos diversos domínios. A similitude do processo
vivencial aliada à sua permeabilidade às prespectivas históricas peninsulares
definiram uma certa unidade na forma e conteúdo da historiografia insulana. Gaspar
Frutuoso, em finais do século XVI, com as Saudades da Terra, define e sintetiza
essa unidade insular, aproximando os arquipélagos da Madeira, Açores e Canárias.
Esta ímpar situação na historiografia, só será retomada na década de quarenta do
nosso século pela historigrafia europeia e no presente pela nova geração de
historiadores insulares. Essa consciência histórica da unidade da múltipla realidade
arquipelágica será definida de modo preciso na expressão braudeliana de
Mediterrâneo Atlântico1.
A historiografia insulana, permeável às suas origens europeias, surge na alvorada da
revolução do conhecimento cosmológico como a expressão pioneira desta novidade e,
ao mesmo tempo, como uma necessidade institucional de justificação da intervenção
e soberania peninsular. Deste modo o período que medeia os séculos XV e XVI é
marcado por uma produção historiográfica mais europeia que local, próxima da
crónica e da literatura de viagens, onde esses ideais se expraiam. Os factos históricos
e as impressões das viagens atlânticas, perpetuados nas crónicas e relatos de diversa
índole terão uma utilização posterior de acordo com as exigências da época. A prosa
histórica é impregnada do ideal romântico servindo-se de perspectivas e formas
positivistas de justificação e fundamentação de certos meteoritos políticos que a
sociedade insular contemporânea é portadora.
No culminar deste processo as exigências académicas, com a expansão do saber
universitário, as solicitações do novo conhecimento histórico condicionaram tal
avanço qualitativo da historiografia, a partir da década de quarenta. Assim, nas
Canárias a tradição e vivência universitária propiciaram o forte arranque, enquanto
nos Açores o academismo cultural e, depois, a universidade lançaram este arquipélago
para uma posição similar. A Madeira, prenhe em documentos manteve-se numa
posição secundária, mercê da falta de suporte institucional e académico. Todavia, as
condições emanentes da dinâmica autonómica com o aparecimento de suportes
institucionais definiram um futuro promissor.
A Historiografia insulana desenvolve-se por três épocas distintas, marcadas por um
modo diferente de equacionar e relatar o facto histórico: nos séculos XV e XVIII, em
que o discurso se formaliza na crónica; o século XIX e primeiras décadas do seguinte,
marcado pela vaga romântica; por fim, o defrontar de uma nova era, a partir da década
de quarenta do nosso século, que condicionou a política arquivística e a investigação
universitária.
O primeiro momento é definido por uma situação ímpar no equacionar da realidade
histórica insular, pois pela primeira vez alguém ousou encarar estas ilhas do Atlântico
Oriental (Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde) como uma unidade indelével e
afim, marcada por momentos de grande importância para o devir histórico do
Atlântico nos séculos XV e XVI. Note-se que, só a partir de meados do nosso século,
a Historigrafia europeia se deu conta dessa realidade. Por tudo isto o trabalho de
Gaspar Frutuoso - Saudades da Terra -merece uma posição de relevo no panorama
historiográfico insular.
A este texto juntam-se outros de carácter restrito em que o seu autor relata de uma
forma cronista os acontecimentos que presenciou ou que teve conhecimento por
intermédio de outros testemunhos. Tais testemunhos não são mais do que uma visão
impressionista das primeiras abordagens ou de deslumbramento em face das novas
realidades que emergem neste espaço. No primeiro caso, na Madeira, Francisco
Alcoforado (1427?), Jerónimo Dias Leite (1574), para os Açores, Frei Diogo Chagas,
Frei Agostinho de Montalverne e o Padre Manuel Maldonado, enquanto nas Canárias
surgem Le Canarien, Frei Alonso de Espinosa e Frei Juan de Abreu y Galindo, ao
segundo podemos apontar os textos de Cadamosto, Giulio Landi (1530), T. Nichols
(1552-1561), Pompeo Arditi (1567), L. Torriani (1580). De um modo geral, esta
produção historiográfica está marcada pela forte presença do clero regular e secular,
pois eram os homens das letras da época.
Com o segundo momento é marcante a laicização do saber histórico com o
aparecimento de destacadas figuras empenhadas no conhecimento e divulgação do
saber histórico, muitas vezes, com objectivos pragmáticos. Estamos perante a
afirmação do positivismo histórico que condicionou esse desmesurado apelo ao
documento. Aqui são de particular importância as iniciativas de Álvaro Rodrigues de
Azevedo, na Madeira, de Ernesto do Canto nos Açores e de A. Millares Torres e
Gregorio Chil y Naranjo nas Canárias. Este último foi o principal impulsionador da
Sociedade El Museo Canario (1879), fundamental na recolha e valorização da
documentação histórica de Canárias. Com o mesmo intuito trabalhou Ernesto do
Canto ao lançar em 1878 em Ponta Delgada (S. Miguel) uma publicação periódica, o
Arquivo dos Açores, onde se reunia e divulgava as principais peças documentais do
arquipélago açoriano.
O presente século é sem dúvida o momento de afirmação da Historiografia insulana.
Um conjunto variado de realizações públicas, o lançamento de publicações da
especialidade e a criação dos arquivos distritais ou provinciais alicerçaram a nova
realidade. Na Madeira(1919-1921) e nos Açores(1932) as comemorações da
respectiva descoberta associadas às efemérides nacionais de 1940 e 1960
contribuiram de modo decisivo para a afirmação e divulgação da História. Para as
Canárias essa animação ficou a dever-se ao impulso dado por Elias Serra Ráfols, a
partir dos anos quarenta, na Universidade de La Laguna. Esta instituição conseguiu
motivar um numeroso grupo de entusiastas pela história do arquipélago,
encaminhando-os para a carreira científica e para a valorização dos vestígios
documentais levado a cabo com a criação dos arquivos provinciais.
As três últimas décadas foram decisivas para o grande salto qualitativo da
Historiografia insulana, demarcado em todos os arquipélagos por uma ambiência
favorável à sua afirmação. Aqui, assumem particular importância as instituições
culturais, as publicações periódicas e, a inovação desta época, os colóquios de
História.
A História e a Geografia ensinam-nos que o Homem ao longo do multissecular
processo histórico, quebrou as barreiras desse isolamento. A ilha deu-se a descobrir e
descobriu o seu envolvimento insular e atlântica. Esta inequívoca realidade conduz a
que a ilha, quando escalpelizada nos diversos aspectos do devir histórico deve sê-lo
de acordo com esta ambiência. Assim o entendeu Gaspar Frutuoso em finais do
século XVI com as célebres Saudades da Terra.
Algumas das grandes questões, com grande actualidade, definem este novo e real
rumo que é a investigação insular. Em primeiro lugar podemos referir o
enquadramento da Madeira, no contexto dos descobrimentos europeus, donde
ressalta, para além do protagonismo sócio-económico, a posição charneira nos rumos
da política expansionista. As funções de escala, e modelo projectam-na nessa
realidade e conduzem a que seja parte disso e não um mundo à parte. Por outro lado, a
expansão europeia foi propícia a definição das teias de subordinação e
complementaridade que levaram à modelação de um mercado insular aberto e
vinculado, de acordo com uma lógica de complementaridade. É isso, em certa medida,
o que define o Mediterrâneo Atlântico nos séculos XV a XVII.
A favor de tudo isto temos a tese que vingou no seio da Historiografia americana e
que define o Atlântico como uma unidade de análise. Deste modo o período que
decorre entre os inícios de expansão europeia, a partir do século XV, e a plena
abolição da escravatura, em 1888, delimitam cronologicamente esta realidade, tal
como expressa a actual historiografia norte-americana.
A dimensão assumida pela Madeira e demais ilhas no contexto da expansão europeia,
quer como terra de navegadores, quer como principal centro que modelou a realidade
sócio-económico deste novo espaço atlântico, é a evidência desta imprescindível
dimensão atlântica. Por tudo isto é forçoso afirmar que as ilhas não se reduzem apenas
à sua dimensão geográfica. À sua volta palpita um mundo que gera multiplas
conexões e que não pode ser descurado sob pena de estarmos a atraiçoar o próprio
devir histórico. Há que rasgar o casulo da ilha e postar-se nas torres avista-navios e
vislumbrar o imenso firmamento que nos conduz a ilhas e continentes.
Os rumos definidos pela historiografia nos últimos anos pautam-se por uma grande
abertura temática e de envolvimento do espaço circunvizinho, isto é, as ilhas e os
continentes que marcaram o devir histórico nos últimos cinco séculos. Deste modo
poder-se-á afirmar que a historiografia insular nas últimas décadas intentou sair do
casulo que a envolvia, ganhando na dimensão insular e atlântica.
Por tudo isto há que repensar a actualidade. As perspectivas globalizantes não se
compadecem com a dimensão do nosso umbigo e as limitações que a nossa condição
de ilhéus por vezes nos impõe. Devemos criar mecanismos e disponibilidade para que
em qualquer trabalho que seja, tomemos conhecimentos de tudo o que existe em
termos bibliográficos e documentais.
A História insular carece de uma revolução temática, o chamado “território do
historiador” precisa de ser alargado além dos “solos” ricos e tradicionais. A par disso,
o ofício precisa de ser dignificado através da perícia no manejo dos seus instrumentos
de trabalho. Tudo isto só será possível se houver disponibilidades dos diversos
agentes para aceitarem e actuarem em favor desta mudança. Sem dúvida que o futuro
da historiografia insular esta no desfazer desta auréola de egocentrismo e
insularização que deverão dar lugar à dimensão arquipelágica no contexto do mundo
atlântico.
Os Açores é de todos os arquipélagos aquele onde desde muito cedo se notou um
despertar para a História. Os séculos XVI e XVII revelam-nos alguns exemplos, todos
eles eivados do cunho enciclopédico1.

Gaspar Frutuoso (1522-1591) em seis livros traça-nos a memória do mundo insular, a


que designou de Saudades da Terra. Do primeiro ao último volume estabelece um
periplo pela História e actualidade das ilhas:
Livro I - Cabo Verde e Canárias
Livro II Madeira
Livro III - Açores: Santa Maria
Livro IV - Açores: São Miguel
Livro V - Poema
Livro VI - Açores: Terceira, Faial, Pico, Flores, Graciosa e Pico de S. Jorge

Frei Diogo das Chagas (1575?) em o Espelho Cristalino 2 , Agostinho de Monte


Alverne (1629-1726) com as Crónicas de Provícia de S. João Evangelista 3 , Manuel
Luís Maldonado (1644-1711) com Primum Vivens da Fenix Argense 4 e, finalmente
António Cordeiro (1641-1722) com a História Insulana das ilhas a Portugal sujeitas
no Oceano Ocidental 5 . Neste último é evidente a preocupação em divulgar uma
história das ilhas, sendo por isso mesmo a primeira a merecer uma edição, ficando as
demais manuscritas, com circulação restrita, até ao nosso século.

Pioneira foi a iniciativa de Ernesto do Canto com a publicação do Arquivo dos

1 . Cf. Jorge de Abreu ARRIMAR, Cinco Cronistas dos Açores. Subsídios para a historiografia
açoriana, Ponta Delgada, 1983.
2
. EdiHno em 1989 por Artur T. Matos.

3
. Ed. por Bernardo de Oliveira Rodrigues em 1960.

4
. Ed. 1989-1990 em dois volumes por Helder Lima.

5
. 1 ediHno em 1714.
Açores 6 . São volumes recheados de pequenos estudos e de uma exaustiva recolha
documental dos fundos micaelenses e do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que
ainda hoje é um referencial de relevo na Historiografia açoriana.

O século dezanove é sem duvida, um momento de grande produção historiográfica


um aliado da política de então. Sucedem-se os estudos especificos sobre as diversas
ilhas, sendo evidente o "boom" da historiografia terceirense, de que merecem
destaque Francisco Ferreira Drumond (1796-1858) 7 , Jerónimo Emiliano de Andrade
com a Topografia da Ilha Terceira (3 vols. 1843-1845-1850) 8 .

Em Cabo Verde é só no século XIX que surge a grande síntese de História do


arquipélago. Em 1899 Christiano José de Senna Barcelos apresentou na primeira
memória é Academia Real das Ciências. O grande desenvolvimento do tema estava
reservado para o nosso século com os estudos de António Carreira e o projecto
pioneiro de História Geral de Cabo Verde 9 .

ARQUIPÉLAGO DA MADEIRA

O madeirense preso à ilha e ao seu quotidiano manteve sempre acesa a memória da


sua tradição histórica, que actuou e permanece como único elo de ligação à sua raíz
portuguesa ou como forma de definição e identificação de si próprio. E, como tal,
desde tempos imemoráveis, procurou manter viva para os seus vindouros as suas
aventuras e peripécias. O testemunho escrito-crónica, relação ou descrição,
documentos indirectos, transmitido por via oral e escrita mantém-se desde tempos
remotos, sofrendo, é certo, em cada época uma interpretação adequada aos
condicionalismos conjunturais do momento. Do simples relato passou-se ao
panegírico, ao escrito pragmático, até que a historigrafia hodierna veio situar na sua
verdadeira dimensão o escrito histórico.
DA CRÓNICA À MEMÓRIA. Este primeiro momento é dominado pelas memórias,
relatos e crónicas feitas por portugueses que tomaram contacto com os factos, ou
então tiveram conhecimento por meio de alguém ou da tradição oral. É a altura do vê-
se, ouve-se, diz-se e escreve-se.
Facto saliente é a polémica gerada nos meios historiográficos insulanos em torno da
autenticidade da primeira página da História Insulana, a Relação de Francisco
6
. Confronte.se Maria Teresa TomJ, Ernesto do Canto. Os AHores na problem<tica
da cultura do sJculo XIX, Ponta Delgada, 1989.

7
. Veja-se esudos sobre este autor: Cat<logo de ExposiHno Documental e
bibliografica sobre o historiador Francisco Ferreira Drumond de sua morte, Angra do
heroismo, 1955, Joaquim Moniz de S< Corte Real e Amaral, O Historiador Francisco
Ferreira Drumond, a sua vida e a sua obra, Angra do Heroismo, 1959; J. G. Reis Leite,
As fontes de Francisco Ferreira Drummond nos Anais da Ilha Terceira, BIHIT, Vol.
XLIII, T. II, 1985 (separata).

8
. Mariano Constantino Homem, Pequena Biografia Hist\rica da vida do insigne
Padre Jer\nymo de Andrade, Angra do Heroísmo, 1848.

9
. Confronte-se Guia para a Hist\ria e investigaHno das ilhas Atl>nticas,
Funchal, 1995, pp. 29-44.
Alcoforado, que mercê do seu conteudo e forma de divulgação nos meios londrinos
desde o século XVII foi desvalorizada em favor do texto frutuosiano2.. Se a edição de
1671 era considerada para Alvaro Rodrigues de Azevedo como autocriação de D.
Francisco Manuel de Melo, o mesmo já não poderá ser dito para o manuscrito
descoberto em 1878 na Biblioteca Nacional de Madrid e outro recentemente (1960)
encontrado por Jean Fontvieille na Biblioteca do Palacio Ducal de Vila Viçosa4.
Relação de Francisco Alcoforado é a primeira página de História madeirense, escrita
por um português que viveu os acontecimentos ligados ao reconhecimento do
arquipélago, sendo uma preciosa fonte de informação para os autores seguintes5. Os
textos de Francisco Alcoforado (1427) e Jerónimo Dias Leite (1574) apresentam-se-
nos como as fontes básicas para o conhecimento da História da ilha nos séculos XV e
XVI e, por isso, merecem maior importância que o texto frutuosiano7. Este último,
quando cónego na Sé do Funchal fez uma recolha nos arquivos do Cabido e Mitra,
bem como no dos Camaras9.
No século XVIII o que nos merece a atenção é o trabalho desenvolvido por Henrique
Henriques de Noronha(1667-1730): Memorias Seculares e ecclesiásticas para a
composição da história da diocese do Funchal(1722)10 e Nobiliario Genealogivco de
Famílias Madeirenses11.
No século XIX lançaram-se as bases para uma História insulana, que tem em Alvaro
Rodrigues de Azevedo (1825-98) o marco fundamental, como se poderá constatar das
anotações às Saudades da Terra (1873) e o primeiro esboço de História do
arquipélago publicado no Dicionário Universal de Português Ilustrado, ou, ainda,
numa colectânea de documentos que deixou manuscrita12. A consistência da
formulação teórica aliada à riqueza documental fizeram das anotações o texto de base
para qualquer estudioso ou curioso da primeira metade do nosso século, sendo uma
das fontes base para a elaboração do Elucidário Madeirense.
Da mesma época temos ainda a salientar os estudos de Paulo Perestrelo da Camara
(1810-54), os apontamentos manuscritos de João Pedro de Freitas Drumond e as
anotações do cónego Joaquim Gonçalves de Andrade (1795-1868) à História
Insulana de António Cordeiro. Este último teria reunido documentação sobre a
História da ilha, mas infelizmente o seu espólio perdeu-se13.
A Revolução Vintista fez animar o movimento editorial madeirense, primeiro com o
aparecimento dos jornais e tipografias, depois atraindo o meio intelectual para o
estudo interesseiro do passado histórico; à descoberta, ocupação da ilha ia-se buscar
os argumentos de defesa ou ataque dos morgadios, ou um alicerce seguro para o ideal
autonómico14.
José Silvestre Ribeiro, mantendo-se fiel aos ideais perfilhados nas circulares àcerca
dos Anais do Município, fez publicar três textos com documentos referentes à sua
acção pública com o Asilo da Mendicidade, da construção da Ponte do Ribeiro Seco e
da crise de fome. Posteriormente Sérvulo Drumond de Menezes e António Jacito de
Freitas publicaram as principais peças elucidativas da sua actividade, em três volumes
(1849-52),
A figura mais importante desta geração foi, sem dúvida, Alvaro Rodrigues de
Azevedo(1825-98). Este poderá ser considerado o pioneiro da historiografia hodierna,
sendo o principal representante do positivismo histórico. O seu trabalho publicado em
anotação às Saudades da Terra em 1873 é modelar e surge como uma peça chave
para todos os que se debruçam sobre a história da ilha23. Segundo Damião Peres
“pela primeira vez foram versados com verdadeiro espírito científico muitos
problemas de história madeirense”24. Se nas anotações, devido o seu carácter avulso,
se torna difícil analisar a perspicácia do autor, o mesmo já não se poderá dizer no
artigo Madeira publicado no Dicionário Universal de Português de Fernandes Costa,
onde o documento é tratado com a devida minúcia e estruturado em termos de épocas
históricas definidas.

AFIRMAÇÃO DA HISTORIOGRAFIA MADEIRENSE. O arranque da verdadeira


historiografia insulana deverá situar-se no último quartel do século XIX, primeiro
com a obra de Alvaro Rodrigues de Azevedo, depois com a denominada geração do
Cenáculo. Foi esta última tertúlia quem definiu o arranque da nova fase.
Três datas importantes marcam este momento - 1919, 1940, 1960. A primeira, com a
comemoração quincentenária do descobrimento da ilha, entre 29 de Dezembro de
1922 e 4 de Janeiro de 1923, actuou como mola propulsora da investigação histórica
madeirense adentro da Geração do Cenáculo, de que resultaram um opúsculo, V
Centenário do Descobrimento da Madeira, e uma obra monumental da nossa
historiografia, que todos reverenciam, Elucidário Madeirense26. A segunda com o
Congresso do Mundo Português, alia-se à terceira, com a comemoração do
cinquentenário da morte do Infante D. Henrique definiram uma corrente
historiográfica marcadamente nacionalista.
Esta época é fertil em correntes historiográficas definidas temporalmente no parco
movimento cultural insulano do século XX. Como abertura teremos a referida
Geração do Cenáculo, geradora da corrente acima citada, como o Pe. Fernando
Augusto da Silva, João Reis Gomes e Alberto Artur Sarmento. Este grupo teve ao seu
dispor dois periódicos influentes da imprensa madeirense: o Heraldo da Madeira de
1904 a 1915 e o Diário da Madeira desde 1912. Aí dava-se a público o relato das
discussões havidas no hotel Golden Gate à porta fechada, e se ditava o percurso da
historiografia nascente da 1ª metade do século.

O pe. Fernando Augusto da Silva (1950) surge-nos como um dos principais


historiadores desta geração, ao publicar em 1921-22 o Elucidário Madeirense, embora
tivesse já publicado alguns textos dispersos no Heraldo da Madeira, Diário da
Madeira, Diário de Notícias. Nesta obra monumental este expressa a sua noção de
história e o seu consequente enquadramento na escola patriótico-nacionalista,
caracteristica desta época. O Elucidário Madeirense foi projectado em Maio de 1917,
para a comemoração do quincentenário da descoberta da ilha.
Alberto Artur Sarmento (1878-1953) evidenciou nos seus escritos uma apurada
erudição, permanecendo para a posteridade como historiador, ensaista, cientista,
escritor e jornalista30. Como historiador demonstrou o seu talento nos Ensaios
históricos da Minha terra e nos seus escritos sobre a história militar da Madeira.
A fase seguinte é dominada por três publicações da especialidade que implementaram
uma nova dinâmica na historiografia insulana. Primeiro temos o Arquivo Histórico da
Madeira (1931-1939) que sob orientação de João Cabral do Nascimento, com a
colaboração de Alvaro Manso, lançou as bases para um correcto delinear da
investigação histórica madeirense, mercê da divulgação e conservação dos núcleos
documentais do arquivo então criado33.
Ao dito boletim junta-se em 1948 o suplemento de O Jornal das Artes e da História
da Madeira - que reuniu um grupo conceituado de personalidades madeirenses
interessados na divulgação da história e cultura madeirenses, A. A. Sarmento,
Fernando Augusto da Silva, L. Peter Clode, Alvaro Manso, Ed. Nunes Pereira,
Ernesto Gonçales, Fernando de Menezes Vaz, Visconde do Porto da Cruz. No entanto
em 2 de Outubro de 1949 o suplemento termina por falta de verba, voltando a
aparecer em Junho de 1950 com novo figurino, sob a forma de revista. Com o
impulso da Sociedade de Concertos da Madeira e com a direcção do engenheiro Peter
Clode a revista manteve-se até 1971, sendo o meio de revelação de novos valores da
historiografia madeirense: Pita Ferreira, Joel Serrão, João José Abreu e Sousa e
outros.
A década de 50 abre, deste modo, novas perspectivas na historiografia, que
conduzem, em parte à sistematização do saber histórico, quer na valorização dos
núcleos arquivísticos madeirenses, quer pela atenção votada pelas Faculdades de
Letras de Lisboa e Coimbra, por meio das teses de licenciatura, quer ainda, pelas
publicações como a Das Artes e da História da Madeira, Revista Portuguesa e o
Boletim do Arquivo Histórico da Madeira36.
A actualidade é diferente. As iniciativas neste domínio dos arquipélagos dos Açores e
Canárias, aliadas à criação do Centro de Estudos de História do Atlântico, no
Funchal, lançaram as bases para um correcto dimensionamento da historiografia
insulana e do consequente preenchimento desta lacuna. Assim o demonstra as
publicações dos últimos dez anos.
Texto a integrar a o cdrom:

1.textos gerais

CORDEIRO, António, História Insulana das Ilhas a Portugal Sugeytas no Oceano


Occidental, reimpressão da edição princeps de 1717,(2º edição 1866 em 2 vols)
Secretaria Regional da Educação e Cultura, 1981.
nº páginas:528

CORREIA, Marquês de Jácome, História da descoberta das ilhas, Coimbra, 1926, nº


páginas 220

FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra, livros I, II, III, IV, VI, Ponta Delgada,
Instituto Cultural, 1977-87.
nº. páginas: 354/473/432/300/378/460/396

LOUREIRO, Adolfo Ferreira, Breves notícias sobre os arquipélagos da Madeira,


Açores, Cabo Verde e Canárias, Lisboa, Imp. Nacional, 1898,
nº páginas: 214

1.AÇORES

ANDRADE, Jerónimo Emiliano de, Topographia ou descripção physica, política,


civil, ecclesiástica, e histórica da ilha Terceira dos Açores. Parte I- II. Offerecida à
mocidade terceirense, Angra do Heroísmo, 1843- 1945
nº páginas: VI+240/VIII+224

ARRUDA, Manuel Monteiro Velho, Colecção de documentos relativos ao


descobrimento e povoamento dos Açores 2ª ed., Ponta Delgada, Instituto Cultural,
1977.(1ª ed. de 1932)
nº. páginas: 251

AVELAR, José Cândido da Silva, A ilha de S. Jorge. Apontamentos para a sua


história, Horta, 1902
nº páginas: 452

DIAS, Urbano de Mendonça, História dos Açores, Vila Franca do Campo, 1924
nº páginas:

-------História da Instrução nos Açores, Vila Franca do Campo, 1928


nº páginas: 166

------Literatos dos Açores(História), Vila Franca do Campo, 1931


nº páginas: 807
DRUMMOND, Francisco Ferreira, Anais da Ilha Terceira, 4 ts., reimpressão da
edição de 1850, Secretaria Regional da Educação e Cultura, 1981.
nº páginas: 715+358+150+383

LIMA, Marcelino, Anais do Município da Horta, 2ª ed., Providence, 1976.


nº páginas:

-----Famílias faialenses. Subsídios para a história do Faial, Horta, 1923


nº páginas: 733

MACEDO, António Lourenço da Silveira, História das Quatro Ilhas que formam o
Distrito da Horta, 3 vols., reimpressão fac.-similada da edição de 1871, Secretaria
Regional da Educação e Cultura, 1981.
nº páginas:571+649+294

MACHADO, Francisco Soares de Lacerda, História do concelho das Lages, reedição


fac.-simile, Associação de Defesa do Património da Ilha do Pico, 1991.
nº páginas:

MONTALVERNE, Agostinho d’, Crónicas da Província de S. João Evangelista das


Ilhas dos Açores, 3 vols, Ponta Delgada, Instituto Cultural, 1960-62.
nº páginas: 145+520+336

SAMPAIO, Alfredo da Silva, Memória sobre a ilha Terceira, Angra do Heroísmo,


1904,
nº páginas: 876

SILVA, José Alves da, Topographia da ilha Terceira, ou descripção phisica, politica,
civil, eclesiastica e histórica da ilha Terceira dos Açores, 2º ed. Tip. Minerva, 1891
nº páginas: 542

SOUSA, J. Duarte de, Ilha de S. Jorge. Apontamentos históricos e descripção


topographica, Angra do Heroismo, 1897
nº páginas: 188

SOUSA, João Soares de Albergaria e, Corographia Açórica ou Descripção Phizica,


plítica, e histórica dos Açores, por um cidadão açorense, membro da Sociedade
Patriótica Phylantropya nos Açores, Lisboa, 1822,
nº páginas: 133

TELES, Alberto, Chorographia geral dos Açores, Lisboa Imp. Nacional, 1891,
nº páginas: 192

2. CABO VERDE

ALMADA, André Álvares,Tratado breve dos Rios da Guiné do Cabo Verde(…),


Porto, 1841,
nº páginas: 108

ALMEIDA, João de, O porto grande de S. Vicente de Cabo Verde, Lisboa, ed.
Império lda, 1938,
nº páginas: 330

BARCELOS, Christiano José de Senna, Roteiro do Archipelago de Cabo Verde,


Lisboa, Typ. do Jornal “As Colónias Portuguesas”, 1892.
_____, Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,(partes I e II), Lisboa,
Academia Real das Ciências de Lisboa, 1899.
nº páginas:403, 266, 305
--------Alguns apontamentos sobre as fomes em Cabo verde, desde 1719 a 1904,
Lisboa, typ. Coop. Militar, 1904,
nº páginas: 108

BRITO, António de Paula, Subsídios para a corografia da ilha de S. thiago de Cabo


Verde, Lisboa, 1890,
nº páginas: 81

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