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W O R K I N G PA P E R S

DIREITO DA ENERGIA
n.º3 . 2016

alexandre c . f . moura

Elementos de Direito do Investimento Estrangeiro


e as Cláusulas de Estabilização
ED IÇÃ O
Ins tituto J urídico
Fac ul dade de Dire ito da U n ive r s idade de C oi m b r a

CO O R D EN AÇ Ã O E DI TO R I A L
Dae D e | D e par tam e n to de A lto s E s tu do s e m D i rei t o d a E ner g i a
Fac uldade de Dire ito
Unive r s idade de C o im bra

CO O R D EN AÇ Ã O C I E NT Í F I CA
Su zana Tavares da Silva

CO N CEPÇÃO G R Á F I CA | I NF O G R A F I A
Ana Paula Sil va

CO N TACTOS
dae de @fd.uc.pt
w w w.fd.uc.pt/d ae de
Pátio da Univer s idade | 3 0 0 4 - 5 2 8 C o im bra

IS BN
9 7 8 -98 9 -87 8 7 - 4 9 - 1

© MARÇO 2016

INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA


W O R K I N G PA P E R S D E D I R E I TO DA E N E R G I A

ELEMENTOS DE DIREITO DO INVESTI- ELEMENTS OF INTERNATIONAL INVEST-


MENTO ESTRANGEIRO E AS CLÁU- MENT LAW AND THE STABILISATION
SULAS DE ESTABILIZAÇÃO CLAUSES

ABSTRACT: The growing economic globaliza-


RESUMO: A crescente globalização da eco-
tion and technological advance in commu-
nomia mundial e o avanço das tecnologias
nications are creating new developments in
de comunicação não param de criar desdo-
nearly all areas of law and are posing challen-
bramentos sobre os mais variados ramos do
ges to scholars. A standout feature of this mo-
direito e desafiar os seus estudiosos. Um traço
vement is the intensification of cross-border
marcante deste movimento está na intensifi-
investments and the ease of moving capital.
cação de investimentos overseas. Os particu-
Developing countries, looking to spur econo-
lares, valendo-se da possibilidade de migrar
mic development from outside investments,
seus capitais com grande facilidade, são atra-
create policies to attract foreign capital. In
ídos por políticas de promoção de investimen-
turn, investors from rich countries see these
to adotadas por países em desenvolvimento
“new” economies as opportunities to leve-
ou pouco desenvolvidos, que buscam, com a
rage their businesses and increase their pro-
chegada desses novos recursos, desenvolver
fits, either through access to new – and often
as economias nacionais. Os investidores de
populous – consumer markets with little or no
países ricos, de seu lado, vêm nessas “novas”
competition, or through extraction of natural
economias oportunidades de alavancar seus
resources that are scarce in the country of
negócios e incrementar seus lucros, seja atra-
origin. Evidently this movement has not been
vés do acesso a novos - e muitas vezes po-
ignored by the law. The objective of this ar-
pulosos - mercados consumidores, em que há
ticle is to present and summarize the role of
pouca ou nenhuma concorrência, seja por
the law in regulating these international rela-
intermédio da extração de recursos naturais
tions. For this purpose, we start by examining
inexistentes em seus países de origem, e que
the law on foreign investments and its princi-
são pouco ou nada explorados pelos Estados
pal elements (legal instruments and treatment
que detém essas riquezas. Evidentemente,
standards), and then specifically take a closer
esse movimento não passou – e não passa –
look at stabilisation clauses, which reflect the
despercebido ao direito. O objetivo do pre-
effort to stabilize the contractual relationship
sente estudo é, precisamente, apresentar de
established between the investor and the host
forma didática, programática e sintetizada o
country.
papel do direito na regulamentação dessas
relações internacionais. Para tanto, iniciare-
KEYWORDS: foreign investment law; stan-
mos a exposição a partir da apresentação
dards; stabilisation clauses; freezing clauses;
do direito do investimento estrangeiro e de
economic balance clauses.
seus principais elementos (instrumentos jurídi-
cos e standard de tratamento), para depois
passarmos a uma análise mais detida das sta-
bilzsation clauses, que mais bem representam
a busca pela estabilização da relação con-
tratual estabelecida entre investidor e Estado
hospedeiro.

PALAVRAS-CHAVE: direito do investimento


estrangeiro; standard de tratamento; stabili-
sation clauses; freezing clauses; economic ba
lance clauses.

3
DAEDE | DEPARTAMENTO DE ALTOS ESTUDOS EM DIREITO DA ENERGIA

I. INTRODUÇÃO II. DIREITO DO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO


A crescente globalização da economia mundial O investidor encara diversos riscos ao decidir
e o avanço das tecnologias de comunicação realizar investimentos diretos em outro país. Po-
(que possibilita a ágil integração de operações demos citar, primeiramente, os riscos inerentes
fragmentadas e descentralizadas em diferen- ao próprio negócio, ao qual chamamos de ris-
tes países) não param de criar desdobramen- cos econômicos1-2, e que dizem respeito, por
tos sobre os mais variados ramos do direito e exemplo, à inflação no país hospedeiro, desva-
desafiar os seus estudiosos. Um traço marcante lorização da moeda, variação de preços, vola-
deste movimento está na intensificação de in- tilidade do mercado, concorrência local, custo
vestimentos overseas. Os particulares, valendo- de financiamento (as taxas de juros exigidas pe-
-se da possibilidade de migrar seus capitais com las instituições financiadoras variam conforme
grande facilidade, são atraídos por políticas de o risco do investimento), desastres naturais que
promoção de investimento adotadas por países possam avariar as instalações físicas ou até mes-
em desenvolvimento ou pouco desenvolvidos mo aniquilar a produção no caso de atividades
(liberalização dos mercados, iniciada em me- agrícolas e ainda os riscos típicos de atividade
ados do século XX, em substituição às barreiras extrativista, os riscos de viabilidade econômica
protecionistas que prevaleciam até então), que da operação (existência real dos recursos esti-
buscam, com a chegada desses novos recursos mados, dimensão da reserva e o grau de de-
(oriundos, no mais das vezes, de países desen- senvolvimento tecnológico exigido para tornar
volvidos), desenvolver as economias nacionais. a reserva natural comercialmente explorável3).
Os investidores de países ricos, de seu lado, vêm
Mas, a par dos riscos econômicos, existem tam-
nessas “novas” economias oportunidades de
bém os riscos políticos. É o caso do resource na-
alavancar seus negócios e obter lucros incrivel-
tionalism, em que o país hospedeiro, movido por
mente significativos, seja através do acesso a no-
um sentimento patriótico4, pode a qualquer mo-
vos - e muitas vezes populosos - mercados con-
mento querer reclamar uma maior participação
sumidores (de serviços de telecomunicações,
do Estado (government taking) nos frutos econô-
por exemplo), em que há pouca ou nenhuma
micos da exploração – por estrangeiros - de seus
concorrência, seja por intermédio da extração
recursos naturais, o que se dá, primordialmente,
de recursos naturais inexistentes em seus países
quando a operação se mostra mais lucrativa do
de origem, e que são pouco ou nada explora-
que se podia prever inicialmente, quando da re-
dos pelos Estados que detém essas riquezas (no
alização do investimento estrangeiro. Em decor-
mais das vezes, por não disporem dos recursos e
rência desse movimento, os Governos hospedei-
tecnologias necessárias).
ros, sob forte pressão popular, terminam muitas
Evidentemente, esse movimento não passou – e vezes por fazer uso de seu poder soberano para
não passa – despercebido ao direito. O objetivo aumentar a tributação (sobretaxação) sobre os
do presente estudo é, precisamente, apresentar rendimentos auferidos pelo investidor ou para al-
de forma didática, programática e sintetizada o terar unilateralmente o contrato celebrado com
papel do direito na regulamentação dessas re- o investidor estrangeiro, de modo a aumentar a
lações internacionais. Para tanto, iniciaremos a participação estatal nos frutos econômicos da
exposição a partir da apresentação do direito 1
Robert M. Ziff, “The sovereign debtor’s prison: analysis of the
do investimento estrangeiro (ramo do direito de- argentine crisis arbitrations and the implications for invest-
ment treaty law”, Richmond Journal of Global Law and Busi-
dicado ao tema) e de seus principais elementos ness, (Summer 2011) 361.
(instrumentos jurídicos e standard de tratamen- 2
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign
to), para depois passarmos a uma análise mais investors and host states: evidence from stabilization clau-
ses”, Northwestern Journal of International Law and Business,
detida das stabilisation clauses, que mais bem 31 (Spring 2011) 267-268.
representam a busca pela estabilização da re- 3
Chukwuka Ochieze, “Fiscal stability: to what extent can flex-
lação contratual estabelecida entre investidor e ibility mitigate changing circumstances in a petroleum pro-
duction tax regime?”, International Energy Law & Taxation
Estado hospedeiro. Review, 10 (2006) 252.
4 4
Jason Pierce, “A South American Energy Treaty: how the re-
gion might attract foreign investment in a wake of resource
nationalism”, Cornell International Law Journal, (Spring 2011)
423-424.
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exploração, e ainda, em casos mais extremos, países (especialmente os mais ricos e desenvol-
há o risco de os Governos acabarem expro- vidos) era verdadeiramente fundamental para
priando os investimentos5. Além disso, o risco de o próprio desenvolvimento da economia local,
alternância política é também bastante latente. o que oportunizou uma mudança de postura
Uma troca de poder, mesmo que através de um por parte dos países interessados, que passaram
processo democrático (eleição do partido de a promover e encorajar o investimento estran-
oposição), pode gerar sérios problemas para o geiro. Com esse intuito, os Governos hospedei-
investidor6 que tenha acordado os termos em ros se dedicaram a construir um ambiente mais
que se realizaria o investimento com o gover- confiável e atraente para os investidores, ofe-
no antecessor, dentre os quais podemos des- recendo proteção ao investimento estrangeiro,
tacar - para além da presumível hostilidade do também através de mecanismos empresariais
“novo” governo - a possibilidade de revisão de ou negociais (utilização de estruturas societárias
compromissos assumidos pelo governo anterior, que compartilhassem os riscos entre o investidor
alteração de políticas e metas governamentais e o Estado, como, por exemplo, joint ventures
e modificações legislativas que reduzam ou sub- ou profit sharing contracts - PSCs9), mas funda-
traiam o valor do investimento, especialmente mentalmente através de mecanismos jurídicos,
em relação à tributação, ao ambiente, à saúde como os acordos internacionais, as leis nacio-
e aos direitos trabalhistas. nais e os contratos de investimento estrangeiro
- que, juntos, ocupam a essência do Direito do
Centrando-nos nos riscos políticos (já que os
Investimento Estrangeiro (DIE).
primeiros são próprios de qualquer exploração
econômica e, pois, não interessam ao presente O DIE tem por objetivo, portanto, disciplinar o
estudo), podemos afirmar que, durante o século conflito de interesses existente na relação entre
XIX e início do século XX, havia verdadeiramen- o investidor e o Governo local: enquanto aque-
te uma relação de impotência do investidor le primeiro persegue um sistema legal confiável,
frente ao Governo hospedeiro, ante o risco de estável, previsível, consistente e transparente
expropriação dos investimentos, sem qualquer (receptivo, portanto), este último tenta preservar
compensação7. O direito então começou a se a sua soberania, especialmente no que diz res-
ocupar dessas relações no período pós-segunda peito à manutenção da flexibilidade e capaci-
guerra mundial, com a celebração de Treaties dade de implementar políticas nacionais, espe-
of Friendship, Commerce and Navigation, que cialmente socioeconômicas10. E esse papel do
tinham por objetivo estabelecer relações de DIE ganha ainda mais importância quando se
amizade que facilitassem e conferissem alguma está diante de investimentos significativos e de
segurança às operações comerciais entre indi- longo-prazo e que implicam a imobilização dos
víduos dos países signatários, mas o modelo se ativos (como é o caso das operações energéti-
mostrou insuficiente ao passo que, na década cas, seja de exploração, produção ou distribui-
de 1970, o mundo testemunhou um movimento ção, que exigem pesados investimentos em in-
de mais de mil casos de nacionalização de in- fraestrutura (custos de instalação) e que demo-
vestimentos estrangeiros8. Contudo, os próprios ram a dar retorno aos investidores, por conta da
Governos hospedeiros passaram a enxergar a morosidade do início da produção ou por conta
desvantagem que aquele ambiente de inse- da amortização do investimento nos primeiros
gurança lhes trazia ao afastar o capital estran- anos), pois é exatamente nesses casos que o
geiro, ao compreender que a liberalização e risco de nacionalização e expropriação ou de
a entrada de recursos provenientes de outros alteração unilateral das condições contratuais
(antes mesmo de o investimento começar a
5
Jason Pierce, “A South American Energy Treaty”, 431. gerar retorno financeiro) se revela mais perigo-
6
Andrew W.A. Berkeley, “The changing political environment sa para o investidor estrangeiro. Nesses casos, o
for investment agreements”. Arbitration, 75/2 (2009) 249.
oferecimento de um ambiente jurídico estável
7
Yannick Radi, “Realizing human rights in investment treaty arbi-
tration: a perspective from within the international investment
law toolbox”. North Carolina Journal of International Law and 9
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign in-
Commercial Regulation, 37 (Summer 2012) 1141-1142. vestors and host states”, 268. 5
8
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties: a friend 10
Tade Oyewunmi, “Stabilisation and renegotiation clauses in pro-
or foe to human rights?”. Denver Journal of International Law duction sharing contracts: examining the problems and key is-
and Policy, 39 (Summer 2011) 485. sues”, International Energy Law Review, 7 (2011) 280-281.
DAEDE | DEPARTAMENTO DE ALTOS ESTUDOS EM DIREITO DA ENERGIA

para o investimento estrangeiro se mostra não regra de convivência).


apenas um fator de atração, mas sim uma ver-
dadeira condição sine qua non para a realiza-
ção do investimento e a migração do capital. 1. Instrumentos Jurídicos

Passando aos mecanismos jurídicos de mitiga- Os instrumentos jurídicos de que o DIE se vale
ção dos riscos políticos (ferramentas do DIE), para disciplinar a relação entre investidores es-
devemos, antes mesmo de tratá-los de forma trangeiros e Estados receptores de investimento
individualizada, revelar que, em um panorama podem ser classificados em quatro espécies: a
geral, o discurso de que o DIE tem por propósi- legislação nacional do Estado hospedeiro, os
to equilibrar os interesses conflitantes do investi- contratos celebrados entre o Governo hospe-
dor e do Governo hospedeiro não se confirma. deiro e o investidor estrangeiro, os acordos mul-
O que se evidencia, na prática, é uma clara tilaterais e os tratados bilaterais de investimento
preponderância dos interesses dos investido- (BITs).
res estrangeiros, marcada pela existência de A legislação nacional diz respeito aos atos ema-
inúmeros direitos e garantias em seu favor, en- nados dos poderes políticos do Estado hospe-
quanto aos Governos hospedeiros somente são deiro, em especial o poder legislativo, e que, de
atribuídas obrigações (quase nenhum direito ou alguma forma, afetam a relação com o investi-
prerrogativa, salvo a possibilidade de expropria- dor estrangeiro (por exemplo, reduzindo a taxa
ção, mediante justa e imediata indenização) e de retorno do investimento ou a autonomia de
impostas restrições severas ao exercício de seus gestão) e o próprio investimento (por exemplo,
direitos soberanos. Isto, por dois motivos centrais: subtraindo-lhe o valor ou restringindo o acesso
primeiramente, a preponderância dos interesses de empregados), seja através da criação ou
do investidor acaba sendo um reflexo inevitável ampliação de direitos ou da instituição ou agra-
do fato de que o fortalecimento do DIE decorreu vamento de obrigações - por exemplo, aumen-
do propósito dos países menos desenvolvidos de to de impostos, alargamento de direitos traba-
atrair investimentos estrangeiros para desenvol- lhistas e instituição de restrições ambientais. A
ver suas economias locais, o que os obrigou a legislação nacional poderá ser de aplicação
abrir mão de direitos soberanos e a fazer con- indiscriminada a todos aqueles indivíduos - na-
cessões para conferir maior segurança ao inves- cionais ou estrangeiros - que operem no país, ou
tidor (ou seja, os “maiores interessados” eram os ainda direcionada especificamente aos inves-
Governos hospedeiros, que, portanto, tiveram tidores estrangeiros; poderá também ser instru-
que ceder para atrair os investidores); em segun- mento de DIE quando, apesar de direcionada
do ponto, é preciso compreender que esse con- somente aos nacionais, a relação entre investi-
flito Investidor x Governo hospedeiro representa, dor e Governo hospedeiro estiver submetida a
na essência, um conflito maior entre Países Ricos uma cláusula de tratamento nacional (NT11), por
ou Desenvolvidos, que concentram uma enor- força de acordo multilateral ou BIT celebrado
me fatia dos recursos mundiais a serem investi- entre os países envolvidos, permitindo que o in-
dos em outros países (poderio econômicos de vestidor possa, valendo-se da cláusula, reclamar
seus nacionais), e Países em Desenvolvimento o mesmo tratamento legal (quanto aos benefí-
ou Pouco Desenvolvidos, que não dispõem dos cios, obviamente) conferido aos nacionais. Não
recursos ou das tecnologias necessárias para ex- exige muito esforço a compreensão de que a
plorar seus recursos naturais ou até mesmo para legislação nacional, em que pese ser um instru-
oferecer serviços que dependam de elevados mento do DIE (porque, inevitavelmente, afeta a
investimentos em infraestrutura e que, portan- esfera jurídica da relação firmada com o investi-
to, são verdadeiramente dependentes daque- dor), não é encarada pelo investidor estrangeiro
les primeiros Países, podendo-se compreender, como um mecanismo eficiente de mitigação de
portanto, sem grandes esforços, que o dese- riscos políticos e, pois, de estabilização e atra-
quilíbrio que se evidencia no DIE é somente um ção de investimento, exatamente porque a lei
desdobramento do desequilíbrio existente entre nacional só é capaz de conferir direitos e asse-
6 as partes envolvidas e um reflexo da preponde- gurar garantias precárias, que, exatamente por
rância dos interesses dos mais fortes (que é uma
11
Sigla em inglês para National Treatment.
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estarem sob o domínio dos poderes políticos, po- proposto acabava, inevitavelmente, por fortale-
dem ser reduzidas e eliminadas com facilidade cer ainda mais a posição dos investidores (que,
pelo Estado hospedeiro, a qualquer tempo, sen- tornamos a lembrar, são usualmente residentes
do, inclusive, o meio por excelência através do nos países desenvolvidos, que integram a OCDE)
qual um “novo” governo (alternância política) em detrimento dos países receptores de investi-
poderá legitimamente descumprir compromis- mento. E, a bem da verdade, é pouco provável
sos assumidos pelo governo antecessor12. que se consiga, em um futuro breve, chegar-se
a um modelo de MAI viável e que seja acata-
O contrato de investimento estrangeiro (CIE) é a
do em nível global (e o seu sucesso depende-
fonte primária de direito em um negócio jurídico
ria dessa aceitação global), ao passo que há
celebrado entre o investidor e o Governo hos-
questões ainda bastante conflituosas e que di-
pedeiro, regulamentando a relação e estabele-
ficilmente serão equacionadas em curto prazo,
cendo os direitos e deveres que cabem a cada
como, por exemplo, a definição dos standards
uma das partes. Quase sempre o CIE, além de
de tratamento a ser garantido aos investidores,
tratar das especificidades do investimento em
dos requisitos de performance, das garantias re-
questão (a natureza do negócio jurídico terá
lativas à expropriação ou nacionalização de in-
implicações determinantes na celebração do
vestimentos e dos mecanismos de resolução de
contrato, especialmente no que diz respeito ao
conflitos – isto, sem nem nos aprofundarmos na
prazo e às garantias), reflete os direitos e deve-
sempre sensível questão dos direitos humanos16
res assumidos pelos Estados envolvidos (Estado
(as obrigações assumidas pelos Governos hospe-
receptor do investimento e Estado de residência
deiros acabam afetando e restringindo a imple-
do investidor) quando da celebração de acor-
mentação de políticas sociais), que traz ativistas
dos internacionais - bilaterais ou multilaterais.
e Organizações Não-Governamentais (ONGs),
Quanto aos acordos multilaterais, devemos ini- pouco dispostas a dialogar, para a mesa de
ciar pontuando que não existe, nos dias de hoje, debates. Ademais, os países hospedeiros têm o
um acordo multilateral abrangente (quanto receio, que nos parece legítimo, de que a cele-
aos integrantes e quanto às questões abarca- bração de um MAI, além de juridicizar a preva-
das) sobre investimentos. A Organização para lência dos interesses dos países exportadores de
a Cooperação e Desenvolvimento Económico capital, virá também restringir indevidamente
(OCDE13) fez uma tentativa de criar um Multila- a sua soberania (possibilidade de implementar
teral Agreement on Investment (MAI), mas que políticas de desenvolvimento, exercer o direito
falhou em 1998, por força de cerca de 600 orga- de regulação da economia no interesse público
nizações14, de todo o mundo, que se opuseram e cumprir os acordos internacionais de proteção
formalmente ao modelo e que levaram os pró- dos direitos humanos) e reduzir sensivelmente o
prios membros da OCDE15 a reconhecer que o seu poder de negociação quando da celebra-
MAI ameaçava a soberania dos Estados. Mas é ção dos CIEs, pois terão pouco a oferecer, em
certo que o MAI falhou, fundamentalmente, por troca de melhores condições contratuais, além
conta do espectro restrito do fórum de discus- das garantias que já serão asseguradas por for-
são, que não contou com a participação dos ça do tratado.
países em desenvolvimento e pouco desenvol-
Não obstante, existem outros acordos, regionais
vidos, fazendo com que a iniciativa carecesse
ou setoriais, que, apesar de não ostentarem a
de legitimidade e sofresse com a desconfiança
abrangência (geográfica e quanto ao objeto)
dos países excluídos, à medida que o modelo
que se poderia esperar de um MAI, têm papel
12
“Mining and gas codes, laws relating to foreign investments bastante relevante no DIE ao estabelecerem
in force in the domestic law of the host State can offer inves- obrigações que devem ser sempre observadas
tors certain guarantees, but guarantees limited by the leg-
islative or regulatory power of this State.” Jean-Marc Loncle
quando da celebração de CIEs entre determi-
/ Damien Philibert-Pollez, “Stabilisation clauses in investment nadas nações e tratando de certos investimen-
contracts”, International Business Law Journal, 3 (2009) 274. tos. Referimos, por exemplo, ao Tratado Norte-
13
Sigla em inglês para Organisation for Economic Co-opera-
tion and Development.
7
14
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties”, 486. 16
Bruno Simma, “Foreign investment arbitration: a place for
15
Andrew W.A. Berkeley, “The changing political environ- human rights?”, International & Comparative Law Quarterly,
ment”, 250. 60/3 (2011) 578-579.
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-Americano de Livre Comércio (NAFTA17), que é dard mínimo de tratamento de acordo com o
um acordo regional de livre comércio e que dis- direito internacional, que compreende, dentre
ciplina o investimento entre os países-membros outras, as garantias de não-discriminação, NT,
(capítulo ONZE18), estabelecendo especialmen- MFN, tratamento justo e equitativo (FET25), pro-
te as cláusulas de NT e de Nação Mais Favoreci- teção contra expropriação direta ou indireta e
da (MFN19); referimos, também, ao Acordo sobre transferência de capitais (Parte III do TCE). E, ao
Medidas de Investimento Relacionadas ao Co- que nos parece ser o mais relevante, o TCE, em
mércio (TRIMs20), celebrado em 1993 no âmbito que pese estabeleça apenas normas de soft law
da Organização Mundial do Comércio (OMC), no que diz respeito à fase pré-investimento (mar-
durante a rodada do Uruguai, e que estabele- cado pelo compromisso de esforços), é dotado
ceu um compromisso de eliminação de medidas de enforceability a partir da realização do inves-
restritivas à entrada de investimentos estrangei- timento, sendo certo que a Carta estabelece os
ros (respeito à cláusula de NT inserida no Acordo procedimentos possíveis de resolução de con-
Geral de Tarifas e Comércio – GATT21), dentre as flitos decorrentes de investimentos estrangeiros
quais destacamos as normas nacionais que es- no setor, a serem solucionados, se necessário,
tabelecessem índice de nacionalização (local em organismos internacionais de arbitragem, e
content), restrições quanto à quantidade de não apenas quando o litígio for travado entre
exportações (trade balancing) e quanto à uti- dois Estados signatários, mas também quando
lização de insumos importados na composição instaurado diretamente entre o investidor e o Es-
de bens manufaturados localmente (foreign ex- tado hospedeiro26 (o que é fundamental para o
change balancing)22. investidor, que deixa de depender da boa von-
tade diplomática do Estado de residência para
Já quanto aos acordos setoriais, o de maior
reclamar seus direitos).
destaque é, sem dúvida alguma, o Tratado da
Carta de Energia (TCE)23, celebrado em 1994, e Passando aos BITs, parece-nos apropriado iniciar
que constitui um “enquadramento jurídico para a exposição trazendo a definição segundo a
a promoção da cooperação a longo prazo no qual “[a] BIT is a treaty between two States that
domínio energético, com base em complemen- ensures that investors of a State-Party receive
taridades e benefícios mútuos” (artigo 2º) e que certain standards of treatment when investing
busca uma cooperação multilateral quanto ao in the territory of the other State-Party”27. Esses
trânsito, comercialização e proteção de inves- tratados são celebrados com os objetivos de
timentos no setor energético – os quais, como (i) aumentar a credibilidade dos compromissos
vimos antes, demandam investimentos vultosos assumidos pelos países em desenvolvimento, (ii)
e de capital intensivo e que implicam a imobi- conferir garantias de proteção ao investimen-
lização dos ativos, reclamando uma maior pro- to no Estado receptor e, consequentemente,
teção para o investidor estrangeiro. O TCE, ins- (iii) encorajar a realização de investimentos es-
pirado pelas disposições comumente utilizadas trangeiros diretos entre os países contratantes,
nos BITs, pelas diretivas da União Europeia sobre promovendo o desenvolvimento econômico de
energia e pelas imposições do GATT24, assegu- ambas as partes28 (ao menos em tese). Existem
ra aos investidores do setor de energia um stan- atualmente mais de 3000 BITs, envolvendo cerca
de 170 países29, número extremamente significa-
17
Sigla em inglês para North American Free Trade Agreement.
18
Disponível em <http://www.worldtradelaw.net/fta/agree- tivo e que resulta de um movimento de prolifera-
ments/nafta.pdf>. ção desses instrumentos jurídicos testemunhado
19
Sigla em inglês para Most-Favored-Nation Treatment. no final da década de 1980 e início da déca-
20
Sigla em inglês para Agreement on Trade-Related Invest-
ment Measures.
da de 199030, em decorrência dos movimentos
21
Sigla em inglês paraGeneral Agreement on Tariffs and de descolonização (especialmente na África) e
Trade. episódios de nacionalização ocorridos nos anos
22
Thaís Sundfeld Lima, A posição do Brasil perante a regula- 25
Sigla em inglês para Fair and Equitable Treatment.
mentação internacional de investimentos estrangeiros: estu-
do de caso da situação da Argentina no ICSID e compara-
26
Artigo 26º do TCE.
ção com a posição brasileira, <http://www.ambito-juridico.
27
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties”, 484.
8 com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_ 28
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties”, 484.
id=4874>, acesso em 12 de abril de 2013). 29
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties”, 485.
23
Disponível em <http://www.gddc.pt/siii/docs/rar36-1996.pdf>. 30
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign
24
Jason Pierce, “A South American Energy Treaty”, 422. investors and host states”, 263.
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1950 e 196031. É possível atribuir essa proliferação ferência de capitais, compensação justa por
de BITs, ainda, (a) à própria inexistência e fracas- expropriação direta ou indireta e previsão de ar-
so das propostas de criação de um Acordo Mul- bitragem internacional para resolução de confli-
tilateral de Investimentos, que fez (e ainda faz) tos (permitindo inclusive que um investidor acio-
com que os Estados tenham, na celebração dos ne diretamente o Estado hospedeiro em caso
acordos bilaterais, a alternativa mais viável, cé- de descumprimento do BIT), o que assegura ce-
lere e eficiente para promover os investimentos leridade no julgamento do litígio, enforceability
diretos mútuos e (b) à concorrência entre os paí- das decisões (e, portanto, das próprias disposi-
ses em desenvolvimento e pouco desenvolvidos ções do BIT) e evitação da parcialidade de que
para atrair investimento estrangeiro32, o que os podem possivelmente padecer as decisões dos
torna extremamente disponíveis para a celebra- tribunais nacionais (sendo comum a escolha do
ção de acordos e o oferecimento de garantias International Centre for Settlement of Investment
através de instrumentos jurídicos regidos pelo di- Disputes– ICSID para instauração dos tribunais
reito internacional. arbitrais).

Os BITs, em que pese sejam assinados somente Das próprias justificativas que demos acima para
entre dois Estados (o que, em tese, conferiria a proliferação dos BITs já é possível assumir que
uma larga margem de negociação, customi- os acordos são normalmente celebrados entre
zação e adequação à relação em concreto), países desenvolvidos (exportadores de capital),
são muito parecidos em essência. Este fato se de um lado, e países em desenvolvimento ou
deve, fundamentalmente, à difusão de mode- pouco desenvolvidos, de outro34. Exatamente
los criados pelos países mais desenvolvidos e por refletir uma vontade manifestada por um
que já contam com larga experiência e know país pertencente ao segundo grupo de atrair in-
how na celebração de acordos internacionais vestimentos de indivíduos residentes em um país
de tal natureza, de forma que as cláusulas “pa- pertencente ao primeiro grupo, o BIT, na práti-
drão” presentes nos modelos de BIT desenvolvi- ca, não visa equilibrar os interesses do Estado
dos por esses países são tidas, pelas demais na- receptor e dos investidores, mas sim assegurar a
ções, como as mais maduras e mais adequadas estes últimos tantas garantias quantas o primeiro
para lidar com os problemas inerentes à realiza- esteja disposto a oferecer em contrapartida ao
ção de investimentos estrangeiros diretos, exata- recebimento do investimento (isto, é bom lem-
mente por resultarem das regras de experiência brar, em ambiente de concorrência com os de-
por eles experimentadas ao longo de décadas; mais países integrantes do segundo grupo). Este
exemplos disso são os modelos de BIT formulados fato, aliado à “ingenuidade” do Estado hospe-
pelos Estados Unidos da América (EUA), Alema- deiro ao celebrar o BIT35 (inexperiência e pouco
nha e Reino Unido, que são utilizados em todo conhecimento dos possíveis desdobramentos e
o mundo (mesmo quando nenhum desses pa- circunstâncias futuras), permite a constatação
íses está envolvido no acordo) e servem como de que os BITs fortalecem a posição das Empre-
starting point das negociações entre os Estados sas Multinacionais (usualmente provenientes de
contratantes33, aos quais são apenas acrescidos países mais poderosos), conferindo-lhes direitos
os ajustes que melhor se adequem as particu- dotados de forte exequibilidade e praticamen-
laridades dos países envolvidos e dos negócios te não lhes impondo quaisquer obrigações, en-
que serão explorados. Por reflexo dessa homo- quanto de outro lado assegura parcos direitos
geneidade entre os acordos, é possível afirmar ao Governo hospedeiro, materializados basica-
que os BITs têm também um standard mínimo de mente na cláusula de non-precluded measures
tratamento aos investidores (ou seja, garantias (que resguarda o poder de regular em defesa
recorrentes em praticamente todos os acordos do interesse, saúde e moralidade públicas, mas,
bilaterais), que compreende, por exemplo, as ainda assim, mediante pagamento de com-
cláusulas de não-discriminação, FET, livre trans- pensação ao investidor36). Portanto, em resumo,

31
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign 34
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign
investors and host states”, 272. investors and host states”, 263. 9
32
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign 35
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties”, 493.
investors and host states”, 273-274. 36
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign
33
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties”, 488. investors and host states”, 271.
DAEDE | DEPARTAMENTO DE ALTOS ESTUDOS EM DIREITO DA ENERGIA

podemos dizer que o BIT (i) limita excessivamen- dentes não são dotados de força vinculativa38),
te a soberania e o poder regulatório do Estado é possível traçar algumas características básicas
hospedeiro, (ii) mas se mostra um eficiente ins- de cada uma das cláusulas.
trumento de proteção dos investimentos estran-
Pela cláusula de nação mais favorecida, cada
geiros, fundamentalmente porque as decisões
Estado contratante assume a obrigação de
arbitrais têm sido favoráveis aos interesses dos
conceder, aos investidores do outro Estado con-
investidores e os países receptores têm – salvo
tratante, tratamento não menos favorável do
poucas exceções - dado cumprimento volun-
que aquele concedido, em circunstâncias aná-
tário às condenações que lhes são impostas (o
logas, aos investidores de um qualquer terceiro
que revela o poder de enforcement do modelo
Estado39. Em síntese, visa assegurar que a parte
de acordos bilaterais).
contratante não se veja privada de qualquer
benefício concedido pela outra parte a outros
2. Standard de tratamento países (extensão automática dos benefícios
concedidos a terceiros), abrangendo quaisquer
Stephan Schill faz referência a um fenômeno medidas de estabelecimento, aquisição, expan-
de Multilateralização do Direito do Investimen- são, gestão, condução, operação ou venda re-
to Internacional ao esclarecer que, a despeito lacionadas ao investimento40. De acordo com a
da inexistência de um acordo multilateral de cláusula de tratamento nacional, cada Estado
investimento, essa multilateralização se verifica contratante assume a obrigação de conceder,
em razão da existência de modelos de BIT utili- aos investidores do outro Estado contratante,
zados por diversas nações, da utilização do mo- tratamento não menos favorável do que aque-
delo de MAI proposto pela OCDE (que acabou le concedido, em circunstâncias análogas, aos
sucumbindo, conforme vimos acima) por outras investidores nacionais41. É importante destacar
nações, da presença de cláusulas MFN (que
permitem no mais das vezes que os Estados invo-
38
Anna T. Katselas, “Do investment treaties prescribe a defer-
ential standard of review?”, Michigan Journal of International
quem, em seu favor, garantias asseguradas, pe- Law, 34 (Fall 2012) 109.
los países cossignatários de seus BITs, em BITs ce- 39
Exemplo: US BIT model 2012:
lebrados por estes últimos com outras nações) e “Article 4: Most-Favored-Nation Treatment
do desenvolvimento e amadurecimento da “ju- 1. Each Party shall accord to investors of the other Party
risprudência arbitral”, que parametriza os con- treatment no less favorable than that it accords, in
like circumstances, to investors of any non-Party with
ceitos jurídicos utilizados nos acordos37. Por isso
respect to the establishment, acquisition, expansion,
nos sentimos autorizados a afirmar que, mesmo management, conduct, operation, and sale or other
na falta de um MAI, existe um standard mínimo disposition of investments in its territory.

de tratamento assegurado ao investidor pelo 2. Each Party shall accord to covered investments
treatment no less favorable than that it accords, in like
direito do investimento estrangeiro (que pode
circumstances, to investments in its territory of investors
não ser absolutamente homogêneo, mas que of any non-Party with respect to the establishment,
é significativamente recorrente nos CIEs e nos acquisition, expansion, management, conduct,
operation, and sale or other disposition of investments.”
acordos internacionais em geral), que compre- 40
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties”, 488.
ende, por exemplo, as cláusulas de nação mais 41
Exemplo: US BIT model 2012
favorecida, tratamento nacional, tratamento “Article 3: National Treatment
justo e equitativo, garantias relativas à naciona-
1. Each Party shall accord to investors of the other Party
lização e expropriação e resolução de conflitos. treatment no less favorable than that it accords, in like
Ainda que essas cláusulas possam ter alcances circumstances, to its own investors with respect to the
establishment, acquisition, expansion, management,
variados, a depender da redação utilizada em conduct, operation, and sale or other disposition of
cada instrumento jurídico, e que a jurisprudên- investments in its territory.
cia arbitral não esteja se mostrando muito útil na 2. Each Party shall accord to covered investments
tarefa de definir os seus conteúdos (seja porque treatment no less favorable than that it accords, in like
circumstances, to investments in its territory of its own
as Cortes analisam pontualmente múltiplos ins- investors with respect to the establishment, acquisition,
trumentos jurídicos em que as cláusulas apresen- expansion, management, conduct, operation, and sale
or other disposition of investments.
10 tam diferentes redações, seja porque os prece-
3. The treatment to be accorded by a Party under
37
Para aprofundamento do tema: “The Multilateralization of In- paragraphs 1 and 2 means, with respect to a regional
ternational Investment Law”, Cambridge University Press, 2009. level of government, treatment no less favorable than
W O R K I N G PA P E R S D E D I R E I TO DA E N E R G I A

que a expressão “não menos favorável” não é cação e que vem sendo ainda mais alargado
utilizada nesta definição de forma descuidada pela jurisprudência arbitral; de acordo com di-
ou ao acaso, pois a cláusula de NT não impede ferentes estudiosos que se ocuparam da análise
que o investidor estrangeiro usufrua de um regi- das muitas decisões que trataram do tema, o
me mais favorável do que aquele garantido ao conceito de FET, segundo os Tribunais arbitrais,
Estado contratante aos seus nacionais, caso o agrega os seguintes elementos: (1) transparên-
direito internacional assim lhe assegure42. cia, estabilidade, proteção da expectativa le-
gítima do investidor, cumprimento das obriga-
Já o tratamento justo e equitativo (FET)43 é o
ções contratuais, devido processo legal, boa
standard de tratamento mais invocado pelos
fé e abstenção de coerção ou assédio45; ou (2)
reclamantes em arbitragens envolvendo investi-
dever de vigilância e proteção, devido processo
mento estrangeiro (que se beneficiam da impre-
(inclusive a abstenção de negar justiça ou pra-
cisão do seu conteúdo para aplicá-lo às mais
ticar arbitrariedades), transparência e boa-fé46;
variadas circunstâncias), fundamentalmente
ou (3) transparência, consistência, cumprimento
porque serve de base à maioria das decisões
das obrigações contratuais, devido processo le-
arbitrais favoráveis aos investidores. A decisão
gal, boa-fé, abstenção de coerção ou assédio
arbitral usualmente lembrada para definir o al-
e estabilidade do sistema legal e proteção das
cance do FET foi proferida no caso Tecnicas Me-
expectativas legítimas do investidor47. Verifica-
dioambientales Tecmed S.A. vs. United Mexican
mos, pois, que o FET é comumente relacionado
States: “the host state to act in a consistent man-
a outros standards de tratamento, como v.g. a
ner, free from ambiguity and totally transparently
boa-fé, transparência, legalidade, devido pro-
in its relations with the foreign investor, so that it
cesso e denegação de justiça, due diligence,
may know beforehand any and all rules and reg-
razoabilidade e proporcionalidade, expectativa
ulations that will govern its investments, as well as
legítima, tratamento não-arbitrário e não-discri-
the goals of the relevant policies and administra-
minatório, estabilidade e previsibilidade do con-
tive practices or directives, to be able to plan its
texto jurídico e empresarial48. Em apertado resu-
investment and comply with such regulations”
mo, temos que a cláusula FET impõe ao Estado
44
. A cláusula FET tem um amplo escopo de apli-
receptor um amplo dever de respeitar as expec-
the treatment accorded, in like circumstances, by that tativas do investidor e evitar a alteração de dis-
regional level of government to natural persons resident
in and enterprises constituted under the laws of other posições legais relevantes para o investimento,
regional levels of government of the Party of which it sendo compreendida como uma gap-filling me-
forms a part, and to their respective investments.”
asure criada para censurar qualquer comporta-
42
Jason Pierce, “A South American Energy Treaty”, 423.
43
Exemplo: US BIT model 2012 mento “inapropriado” do Estado hospedeiro49,
“Exemplo: Article 5: Minimum Standard of Treatment
dando pouca ou quase nenhuma importância
à responsabilidade regulatória inerente ao seu
1. Each Party shall accord to covered investments
treatment in accordance with customary international poder soberano. É a expressão máxima da esta-
law, including fair and equitable treatment and full bilidade perseguida pelo investidor estrangeiro e
protection and security.
da preponderância dos seus interesses em detri-
2. For greater certainty, paragraph 1 prescribes the mento do Estado receptor.
customary international law minimum standard of
treatment of aliens as the minimum standard of treatment
to be afforded to covered investments. The concepts A expectativa legítima do investidor é também
of “fair and equitable treatment” and “full protection entendida como corolário da cláusula FET. Con-
and security” do not require treatment in addition to or
siste na expectativa de que o sistema legal se
beyond that which is required by that standard, and do
not create additional substantive rights. The obligation in manterá tão favorável quanto se apresentava
paragraph 1 to provide: no momento da realização do investimento, de
(a) “fair and equitable treatment” includes the obligation 45
Anna T. Katselas, “Do investment treaties prescribe a defer-
not to deny justice in criminal, civil, or administrative ential standard of review?”, 112.
adjudicatory proceedings in accordance with the 46
Yannick Radi, “Realizing human rights in investment treaty ar-
principle of due process embodied in the principal bitration”, 1163.
legal systems of the world; and 47
Robert M. Ziff, “The sovereign debtor’s prison”, 359.
(b) “full protection and security” requires each Party 48
A.F.M. Maniruzzaman, “The pursuit of stability in international
to provide the level of police protection required energy investment contracts: A critical appraisal of the 11
under customary international law. (...)” emerging trends”. Journal of World Energy Law & Business,
44
Anna T. Katselas, “Do investment treaties prescribe a defer- 1/2 (2008) 145-146.
ential standard of review?”, 110. 49
Robert M. Ziff, “The sovereign debtor’s prison”, 359.
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modo a resguardar a expectativa legítima do in- tenha sido suficientemente específica (pronun-
vestidor em obter um determinado retorno pelo ciamentos oficiais vagos ou declarações polí-
capital investido50 (internal rate of return – IRR). ticas não podem ser tidos por suficientes), que
Os precedentes dos tribunais arbitrais reforçam tenha sido realizada por pessoa pública dotada
o entendimento de que a estabilidade, previsibi- de competência para tanto (ou ao menos que
lidade e consistência do sistema legal e regula- aparentasse ser) e que tenha representado um
tório são elementos essenciais do FET51. Contudo, estímulo ativo, por parte do Estado, para que o
essa estabilidade não é absoluta, sendo limita- particular realizasse o investimento (e que esse
da (i) pelo princípio da razoabilidade (balance- estímulo tenha sido decisivo para a realização
amento da expectativa legítima do investidor do investimento)55.
em contraposição ao poder regulatório do Es-
As garantias relativas à nacionalização e expro-
tado52), (ii) pelo princípio da proporcionalidade
priação asseguram, basicamente, o direito do
(deve-se considerar se a medida adotada pelo
investidor de ser adequadamente compensado
Estado hospedeiro foi necessária para atingir o
em caso de expropriação56. A cláusula estipula
invocado objetivo de interesse público e geral e,
que nenhuma das partes contratantes deverá
ainda, se havia medida alternativa que não frus-
expropriar ou nacionalizar um investimento, dire-
trasse a expectativa do investidor53) e (iii) pelo
ta ou indiretamente, salvo se assim o fizer (i) para
dever de due diligence que recai sobre o inves-
fins de interesse público, (ii) de forma não-discri-
tidor, que não pode ser negligente ao investigar
minatória, (iii) nos devidos termos da lei e (iv) me-
os fatos relevantes e obter informações adequa-
diante pagamento de indenização rápida, ade-
das sobre as regras e práticas adotadas pelo
quada e efetiva57 - sendo certo que, em muitos
Estado hospedeiro, no que diz respeito ao seu
BITs, a adequação da indenização impõe a obri-
investimento (a cláusula FET não protege meras
gação de que a mesma seja paga pelo valor de
suposições e os BITs não podem servir como se-
mercado (e não contábil). Os casos mais com-
guro contra riscos empresariais; não há expec-
plexos e que comumente chegam aos Tribunais
tativa legítima quando o empresário/investidor
arbitrais, como se pode presumir, dizem respeito
toma decisões sem cautela, profissionalismo ou
à expropriação indireta (creeping expropriation
prudência e termina por sucumbir e incorrer em
ou regulatory taking), cuja verificação (e análise
perdas54). A expectativa (de estabilidade) não
do suposto dever de indenizar) parte da análise
será considerada legítima, por exemplo, se o
do efeito que a medida governamental tem so-
particular tiver investido em um país em que o
bre o investimento. A expropriação indireta será
ambiente econômico e político é de elevada al-
reconhecida, por exemplo, sempre que houver
ternância (histórico de instabilidade) ou em um
tributação exorbitante ou arbitrária; interferên-
país que é, historicamente, altamente regulado.
cia substancial na gestão ou controle da em-
Ou seja, a expectativa não será considerada
legítima se a possibilidade de mudança era ra- 55
Tra T. Pham, “International investment treaties and
zoavelmente previsível. Para que a expectativa arbitration”, 89.
seja reputada legítima (e, pois, tutelada pela
56
Exemplo: US BIT model 2012

cláusula FET, acarretando responsabilidade do “Article 6: Expropriation and Compensation

Estado investido), exigem-se garantias específi- 1. Neither Party may expropriate or nationalize a
covered investment either directly or indirectly through
cas oferecidas pelo Governo hospedeiro (con-
measures equivalent to expropriation or nationalization
tratos, licenças ou conduta da administração) (“expropriation”), except:
de que haveria estabilidade regulatória. É pre- (a) for a public purpose;
ciso, ainda, que essa promessa governamental (b) in a non-discriminatory manner;
50
Tra T. Pham, “International investment treaties and arbitration (c) on payment of prompt, adequate, and effective
as imbalanced instruments: a re-visit”, International Arbitration compensation; and
Law Review, 13/3 (2010) 88. (d) in accordance with due process of law and Article
51
Vide o caso Occidental Exploration and Production 5 [Minimum Standard of Treatment](1) through (3).
Company vs. Ecuador.
2. The compensation referred to in paragraph 1(c) shall:
52
Tra T. Pham, “International investment treaties and
12 arbitration”, 88-89. (a) be fully realizable and freely transferable. (...)”
53
Yannick Radi, “Realizing human rights in investment treaty Essas mesmas exigências do artigo 6º do BIT model dos EUA
57

arbitration”, 1164-1168. de 2012 estão também contidas, por exemplo, no artigo 13º
54
A.F.M. Maniruzzaman, “The pursuit of stability”, 149. do TCE.
W O R K I N G PA P E R S D E D I R E I TO DA E N E R G I A

presa; anulação e cancelamento de direitos ção da arbitragem, os investidores encontram


de propriedade, direitos contratuais, dívidas ou uma alternativa que lhes permite escapar de
licenças; assédio de empregados ou bloqueio decisões de um poder judiciário nacional po-
de acesso às instalações da MNC; tomada de tencialmente parcial62 e que, em última análise,
controle de um fornecedor-chave; ou qualquer possa estar obrigado a aplicar estritamente a lei
conduta arbitrária que impeça o investidor, in- nacional cuja incompatibilidade com o BIT ou
tegral ou parcialmente, de usufruir os benefícios o com o contrato de investimento esteja sendo
de suas propriedades58. suscitada pelo investidor em juízo63. Além disso,
a previsão de arbitragem se revela fundamental
O standard mínimo de tratamento assegurado
para conferir enforceability às previsões do CIE
pelo DIE prevê também mecanismos de resolu-
e dos acordos internacionais, à medida que, na
ção de conflitos decorrentes da realização do
hipótese de o Estado hospedeiro não cumprir a
investimento. Além dos mecanismos de resolu-
decisão arbitral64, o mesmo passará a ser visto
ção amigável (submissão de consulta às auto-
pela comunidade mundial como um ambien-
ridades estatais e negociação entre os Estados
te de elevado risco, desestimulando a chega-
contratantes/signatários, por exemplo), usual-
da de novos investimentos, além de sujeitá-lo à
mente prioritários, os CIEs e acordos internacio-
pressão diplomática do Estado de residência do
nais de investimento normalmente preveem a
investidor65 - usualmente mais poderoso e que
instauração de tribunais arbitrais para solução
pode impor severas sanções econômicas. Por
de relações litigiosas59, instituindo inclusive a pos-
último, vale apenas registrar que os embates ar-
sibilidade de os próprios investidores demanda-
bitrais são usualmente iniciados pelo Investidor
rem diretamente contra os Estados hospedeiros,
(sob alegação de violação, por parte do Estado
tornando desnecessária a intromissão de seus
hospedeiro, de alguma das – muitas - garantias
países de residência (esta é, inclusive, uma par-
asseguradas por tratado ou pelo CIE) e que as
ticularidade marcante do DIE, já que o direito
decisões só produzem efeitos contra as partes
internacional “ordinário” restringe, aos Estados-
do processo. Os precedentes “jurisprudenciais”
-nações, a legitimidade para instaurar litígios,
não têm força vinculativa (fundamentalmente
contra outros Estados-nações, perante tribunais
porque os instrumentos jurídicos analisados pelos
arbitrais internacionais, por assumir que os inves-
vários tribunais arbitrais são diferentes entre si –
tidores não ostentam personalidade jurídica de
BITs, CIEs etc.), apesar de serem frequentemen-
direito internacional público). Essa possibilidade
te citados nas decisões arbitrais supervenientes,
representa um grande benefício para as MNEs,
dando origem a uma prática de persuasive
já que essa “dependência” trazia dificuldades
precedent66. Os próprios tribunais arbitrais re-
aos investidores à medida que seus países de re-
conhecem a existência de um sistema informal
sidência resistiam em instaurar litígios para evitar
– porém bastante poderoso – de precedentes
rusgas nas relações diplomáticas60. Ainda que
jurisprudenciais67, que ganha corpo com a cres-
não se saiba se a previsão de arbitragem inter-
cente multiplicidade de decisões cuidando de
nacional em acordos internacionais contribui
relações entre investidores e Estados receptores
efetivamente para a realização de novos inves- 62
M. Sornarajah, The international law on foreign investment.
timentos estrangeiros, é certo que a existência 3.ª ed., Cambridge: Cambridge University Press, 2010, 286.
dessa cláusula é encarada como um fator de 63
Mark Clarke, et al., “Resource nationalism: a gathering
atração de investimento61. Afinal, com a utiliza- storm?”. International Energy Law Review, 6 (2012) 222.
64
A experiência mostra que, no mais das vezes, os Estados
condenados costumam cumprir voluntariamente as
58
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties”, 498. condenações. A exceção fica por conta da postura da
59
Dentre as principais Cortes de Arbitragem Internacional que Argentina frente às decisões arbitrais que lhe impuseram
solucionam disputas envolvendo investimentos estrangeiros, penalidades em razão das políticas adotadas pelo Governo
devemos destacar o International Centre for Settlement em resposta à crise financeira que assolou o país em 2002,
of Investment Disputes (ICSID), a Corte Internacional de inclusive contrárias a obrigações assumidas em acordos
Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), internacionais, e que afetaram fortemente os investimentos
o Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de estrangeiros.
Estocolmo e os procedimentos estabelecidos pelas Nações 65
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties”, 490.
Unidas (United Nations Commission on International Trade 66
Thomas Wälde, “The Sovereigh Power to Tax: national tax
Law - UNCITRAL). measures affecting foreign investors under the discipline 13
60
Jason Pierce, “A South American Energy Treaty”, 433-434. of international investment treaties”, American Society of
61
Anna T. Katselas, “Do investment treaties prescribe a International Law Proceedings, 102 (April 9-12, 2008) 57.
deferential standard of review?”, 102. 67
Robert M. Ziff, “The sovereign debtor’s prison”, 359.
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(os conflitos se proliferam na mesma medida e cipalmente de três expedientes: (i) congelamen-
com a mesma velocidade com que os BITs se to do sistema legal (renúncia ao exercício do
proliferam68-69). poder legislativo), (ii) dispensa de cumprimento
das obrigações decorrentes de alterações legis-
lativas subsequentes à celebração do acordo e
III. STABILISATION CLAUSES (iii) pagamento de compensação pelos custos
de cumprimento ou adequação (compliance)
Como vimos, o investidor estrangeiro enfrenta incorridos pelo investidor, em razão de quaisquer
diversos riscos quando decide realizar investi- alterações legislativas71.
mentos estrangeiros em outro país, em especial
os riscos políticos comumente existentes em pa- Os mecanismos de estabilização colocados à dis-
íses em desenvolvimento ou pouco desenvol- posição dos interessados, pelo DIE, são prepon-
vidos, cujas experiências democráticas estão derantemente contratuais72, destacando-se, para
ainda em consolidação – e são esses países este efeito, as cláusulas de estabilização (ou sta-
que mais atraem os investimentos de residentes bilisation clauses - SCs)73. Diz-se que as SCs foram
em países desenvolvidos (exportadores de ca- primeiramente utilizadas no período compreendi-
pital), mais particularmente em investimentos do entre a primeira e a segunda guerras mundiais
para exploração econômica de recursos natu- (quando, em resposta às nacionalizações então
rais, que demandam elevados investimentos e ocorridas na América latina, foram utilizadas por
uma expertise que, normalmente, não estão ao empresas norte-americanas com o propósito de
alcance dos países que detêm esses recursos. assegurar que as concessões que detinham po-
Os riscos políticos podem se manifestar das mais deriam ser exploradas por todo o período estabe-
diversas formas, mas, essencialmente, dizem res- lecido nos respectivos contratos74) e representam,
peito à introdução de políticas públicas e alte- basicamente, um compromisso que o Estado re-
rações legislativas que podem afetar o valor do ceptor assume de não alterar ulteriormente, por
investimento. E esse risco se mostra ainda mais qualquer medida, os termos em que for celebra-
latente quando os investimentos são realizados do o contrato75. Por definição, podemos dizer que
para exploração de recursos naturais em outro “stabilization clauses are provisions in individual in-
país, já que os Estados gozam de soberania per- vestment contracts that govern how, if at all, laws
manente e inalienável sobre seus recursos natu- enacted post-investment will apply to the investor
rais70. Precisando lidar com esses riscos, os inte- or investment”76, ou ainda que as SCs são “contrac-
ressados (Estado investido, investidor e o Estado tual clauses in private contracts between investors
exportador de capital) se socorrem do DIE e de and host states that address the issue of changes
seus instrumentos jurídicos para tornar o ambien- in law in the host state during the life the project”77.
te político mais propício aos investimentos. Bus- 71
Megan Wells Sheffer, “Bilateral investment treaties”, 497.
cam estabilizar a relação durante a execução 72
Independentemente de o contrato conter uma SC, a
estabilização pode ser obtida também através de uma
do contrato (principalmente quando é de longa
interpretação extensiva do conteúdo da cláusula FET
duração e exige investimentos de capital inten- contida em um BIT, por exemplo. Essa cláusula, como vimos
sivo), neutralizar o exercício do poder soberano anteriormente, impõe ao Estado receptor um amplo dever
de respeitar as expectativas do investidor e evitar a alteração
do Estado receptor - no que diz respeito a quais- de disposições legais relevantes para o investimento.
quer medidas que possam afetar o contrato - de 73
Outra medida contratual capaz de gerar estabilidade
modo a mitigar o risco político. Para conseguir diz respeito à cláusula de choice-of-law ou governing
law. Através dela, as partes podem determinar que a
essa neutralização, os envolvidos valem-se prin- relação contratual será regida, por exemplo, pelo direito
internacional ou pelos princípios gerais de direito (inclusive
68
Os dados estatísticos do ICSID confirmam essa afirmação. quando há referências aos termos good will e good faith),
Se em 1992, 22 disputas haviam sido concluídas (inclusive o que a exclui do âmbito de aplicação da lei nacional,
acordos), esse número aumentou para 249 disputas conferindo estabilidade à relação contratual ( A.F.M.
concluídas (inclusive acordos) no ano de 2012 ( Anna T. Maniruzzaman, “The pursuit of stability”, 122).
Katselas, “Do investment treaties prescribe a deferential 74
Talal A.Q. Al-Emadi, “Stabilization clauses in international
standard of review?”, 101).
joint venture agreements”. International Energy Law Review,
69
Anna T. Katselas, “Do investment treaties prescribe a 3 (2010) 54.
deferential standard of review?”, 88.
14 70
Resolução 1803 (XVII) da Assembleia Geral, de 14 de
75
Talal A.Q. Al-Emadi, “Stabilization clauses”, 55.
dezembro de 1962, sobre a “Soberania Permanente Sobre
76
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign
Os Recursos Naturais”. Adotada pela Assembleia Geral das investors and host states”, 265.
Nações Unidas a 14 de Dezembro de 1962. 77
Andrea Shemberg, “Stabilization clauses and human rights”.
W O R K I N G PA P E R S D E D I R E I TO DA E N E R G I A

As SCs são adotadas com o objetivo central de (mais instáveis), pois assegura que o Estado re-
estabilizar a relação contratual. Com elas, os ceptor não tornará o investimento economica-
contratantes (ou melhor, os investidores contra- mente inviável (o que frustraria afinal o paga-
tantes) buscam (i) eliminar a incerteza e a im- mento dos credores). Por isso, não são raros os
previsibilidade da legislação nacional (que é casos em que a inserção da SC no contrato de
inerente a qualquer ordenamento jurídico, em investimento é imposta, pela instituição financei-
constante modificação), (ii) preservar, até o en- ra, como condição necessária à concessão do
cerramento do contrato, os termos legais e eco- financiamento.
nômicos avençados, (iii) restringir os poderes so-
Quanto à forma com que a SC se relaciona com
beranos do Estado receptor para eliminar o risco
o DIE, devemos desde logo afirmar que a inter-
político (“riscos soberanos” - legislativos e admi-
national case law (ou “jurisprudência arbitral in-
nistrativos, essencialmente), (iv) impedir a modi-
ternacional”) suporta as assertivas (i) de que a
ficação das condições contratuais pactuadas,
cláusula de estabilização é legal e vinculativa,
em detrimento dos interesses do investidor, e,
segundo o direito internacional, e (ii) de que as
com todas essas medidas, (v) garantir a integri-
partes contratantes, ao celebrarem o acordo,
dade do contrato durante toda a sua vigência.
assim a consideram82. Relaciona-se bem, tam-
O investidor resguarda-se, ainda, contra o risco
bém, com os standards mínimos de tratamen-
sempre presente de um eventual oportunismo
to. De um lado, a SC não conflita com o direito
ex post facto do Estado receptor78, que se ve-
soberano de expropriação e nacionalização83
rifica quando o Estado faz inúmeras promessas
(desde que observados os requisitos do direito
para o investidor, no momento da atração do
internacional, sobre os quais já falamos anterior-
investimento (negociação), mas não as cumpre
mente), que é assegurado pelo direito interna-
depois que o capital já está investido em seu
cional; de outro, não conflita com as cláusulas
território (e dificilmente será desfeito, pois, como
de NT e não-discriminação, mostrando-se, aliás,
vimos, esses investimentos normalmente sofrem
ainda mais benéfica do que aquelas, pois inse-
de grande imobilização por conta das deman-
re no ordenamento jurídico a obrigação de dar
das de infraestrutura). Também por isso pode-
tratamento especial ao investidor (melhor que o
mos afirmar que as SCs são mais comuns em
tratamento nacional) e de discriminá-lo positiva-
contratos que envolvem pesados investimentos
mente, assegurando-lhe direitos não disponíveis
em ativos (instalações físicas) e em contratos
aos nacionais do país receptor do investimen-
de investimentos de longo prazo na indústria
to84. Ademais, é de se registrar que a SC, em que
extrativista (que exigem pesados investimentos
pese seja uma previsão meramente contratual,
na fase de implantação, com retorno lento) e
pode inclusive ser elevada à condição de ga-
em contratos privados de infraestrutura e servi-
rantia de direito internacional (o que equivale
ços públicos essenciais79. São também comuns,
a dizer que, aos olhos de um Tribunal arbitral, a
na forma de cláusula de equilíbrio econômico80,
violação da SC pode ser encarada como vio-
em setores onde as tarifas são fixadas pelo Go-
lação a um BIT, por exemplo), em duas hipóte-
verno (especialmente no setor elétrico), pois o
ses: (i) caso o contrato contenha também uma
eventual aumento do custo de produção e a
umbrella clause85 ou ainda (ii) na hipótese de o
impossibilidade de repassá-lo aos consumidores
órgão julgador entender que a cláusula de es-
(rigidez da tarifa) pode acabar tornando o in-
vestimento economicamente inviável, a médio 82
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign
ou longo prazo. Podemos também afirmar que investors and host states”, 291.
as SCs são muitas vezes vistas como essenciais 83
Jason Pierce, “A South American Energy Treaty”, 431-432.
para a viabilidade financeira de um investimen- 84
Jean-Marc Loncle / Damien Philibert-Pollez, “Stabilisation
clauses in investment contracts”, 280.
to81, especialmente em mercados emergentes 85
A umbrella clause tem o efeito de transferir uma obrigação
OECD Global Forum on International Investment, 2008 (“The assumida por um Estado, em um tratado de proteção
Shemberg Study”), 4. de investimento, do campo contratual para o campo
78
Julián Cárdenas García, “Rebalancing oil contracts in internacional, transformando a violação de um contrato em
Venezuela”. Houston Journal of International Law, 33 (Spring violação do BIT. Com isso, a obrigação contratual é elevada
2011) 256. à condição de obrigação internacional (Jean-Marc Loncle 15
79
Andrea Shemberg, “The Shemberg Study”, 4. / Damien Philibert-Pollez, “Stabilisation clauses in investment
80
Sobre as quais trataremos mais adiante. contracts”, 272-273; e Megan Wells Sheffer, “Bilateral
81
Andrea Shemberg, “The Shemberg Study”, 5. investment treaties”, 497).
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tabilização está legitimada por uma cláusula FET tos de compliance). Mas o certo é que há con-
inserida num BIT entre os países. senso numa classificação geral que segmen-
ta as SCs em dois grandes grupos: as cláusulas
Ainda tratando as SCs em um panorama geral
clássicas ou primitivas e as cláusulas modernas
(a seguir faremos uma individualização de suas
ou contemporâneas. De nosso lado, propomos
espécies), devemos assinalar que a inserção
uma diferenciação, em primeiro nível, entre as
dessas cláusulas em contratos de investimentos
freezing clauses (FC) – que seriam as “clássicas”
estrangeiros, como se pode supor, traz muitos
- e as cláusulas de equilíbrio econômico (EBC92)
problemas. Isso porque a SC é encarada como
– que equivaleriam às “modernas” -, e, dentro
um risco para a implementação de políticas re-
desses grandes grupos, uma divisão em suas su-
lacionas aos direitos humanos, sempre quando
bespécies, seja quanto ao mecanismo de esta-
impeça (ou imponha ao Estado receptor o de-
bilização utilizado, seja quanto ao alcance ma-
ver de compensação ao investidor) a introdu-
terial da cláusula.
ção bona fide de leis relacionadas aos direitos
sociais e ao ambiente86 – o que é bastante co-
mum, já que as SCs não trazem, usualmente, ex- 1. Freezing clauses
ceções à sua aplicação quando haja questões
não-fiscais - tal como o ambiente – que assim A FC visa, em última análise, congelar o poder
reclamem. Por isso, é comum que a SC tenha a regulatório do Estado receptor e a sua capa-
sua aplicação restringida por força de disposi- cidade de alterar unilateralmente o regime do
ções legais ou das constituições nacionais dos contrato. É comumente referida pela doutri-
países investidos87 (sem contar os casos em que na como cláusula primitiva ou clássica, mesmo
a própria validade da cláusula é questionada havendo estudos comprobatórios de que esse
em função da escolha da lei nacional como tipo de cláusula ainda é visto em muitos con-
sendo a lei do contrato). Segundo estudiosos do tratos de investimento estrangeiro93, inclusive al-
tema88, é dessa circunstância – aliada à defe- guns recentemente negociados, especialmente
rência que as Cortes arbitrais vêm conferindo às quando o Estado hospedeiro é considerado de
soberanias nacionais - que advém o fato de a alto risco. Apesar de a FC pretender congelar o
comunidade global vir perdendo a confiança poder regulatório nacional, alguns autores94 de-
nas SCs (ou melhor, na sua utilidade prática89). fendam que a cláusula, ao menos na prática,
não serve (e nem poderia servir) de garantia
São muitas as classificações de SCs encontra- contra o exercício do poder soberano do Esta-
das na doutrina. Há quem as divida em intan- do, prestando-se apenas para assegurar uma
gibility clauses (aplicação da lei condicionada maior compensação ao investidor lesado, seja
ao consentimento das partes); freezing clauses; em caso de reequilíbrio econômico contratual
consistency clauses (a lei só é aplicada se for ou de indenização por expropriação indireta95.
consistentes com o contrato); fiscal or tariff stabi- A FC recebe críticas também por parte de au-
lisation clauses; e economic equilibrium clauses90 tores96 que defendem a enorme dificuldade (ou
(cláusula de renegociação); há, ainda, quem até mesmo impossibilidade) prática de o Go-
as categorizem em intangibility clause; stabilisa- verno local (Administração) dar cumprimento à
tion clause stricto sensu (freezing); “good will” or cláusula, à medida que o mecanismo termina
“good faith” clause91 (cláusula de imposição de por “criar” diversos regimes jurídicos especiais e
obrigação de compensar o investidor pelos cus-
92
Sigla em inglês para economic balance clause.
86
Andrea Shemberg, “The Shemberg Study”, 10. 93
Andrea Shemberg, “The Shemberg Study”, 19.
87
Tade Oyewunmi, “Stabilisation and renegotiation clauses”, 281. 94
Tade Oyewunmi, “Stabilisation and renegotiation clauses”,
88
Julián Cárdenas García, “Rebalancing oil contracts in 281; A.F.M. Maniruzzaman, “The pursuit of stability”, 124; e M.
Venezuela”, 256-257. Sornarajah, The international law on foreign investment, 282.
89
Contratos de extração mineral que contêm a cláusula 95
Devemos reforçar que nenhuma cláusula contratual, nem
foram, estão ou serão renegociadas, para impor novas mesmo uma SC/FC, pode representar um compromisso
obrigações fiscais, na Indonesia, Guinea, Mali, Ghana, de não-nacionalização (caso AMINOIL vs. Kuwait, de 24
Equador, Peru e Bolivia. John P. Williams, “Global Trends and de março de 1972), que é prerrogativa assegurada pelo
Tribulations in Mining Regulation”. Journal of Energy & Natural direito internacional público aos Estados soberanos (Jean-
16 Resources Law, 30/4 (December 2012) 421.
Marc Loncle / Damien Philibert-Pollez, “Stabilisation clauses in
90
Bruno Simma, “Foreign investment arbitration”, n. 78. investment contracts”, 284-285).
91
Talal A.Q. Al-Emadi, “Stabilization clauses”, 55. 96
A.F.M. Maniruzzaman, “The pursuit of stability”, 122.
W O R K I N G PA P E R S D E D I R E I TO DA E N E R G I A

coexistentes, a depender do momento em que Estado, prejudicando a defesa dos interesses


se dá a paralisia do ordenamento jurídico em re- nacionais inclusive em relação a outros particu-
lação a cada um dos investidores com os quais lares que não aquele que celebrou o contrato
é negociada a inserção da cláusula no contrato de investimento. Enxergamos, de fato, um nível
de investimento (“recorte jurídico” no momento de proteção e engessamento para muito além
de celebração de cada um dos contratos). do razoável (segundo uma conjugação dos cri-
térios de finalidade e necessidade). Por isso, é
As FC podem ser diferenciadas de acordo com
mais comum encontrar essa espécie de cláusu-
a forma utilizada para congelar o poder regula-
la com algumas adaptações, de modo a torná-
tório do Estado hospedeiro97. Em muitos casos, a
-la menos rigorosa: é o caso, por exemplo, (i) da
cláusula estabelece que o contrato será regido
consistency clause, que só admite a edição de
em conformidade com a legislação vigente no
novas leis desde que sejam compatíveis com as
momento da celebração do contrato de inves-
disposições do contrato100 (o que, por exclusão,
timento98, promovendo um “recorte” e conco-
impede a edição de qualquer lei que se mostre
mitante congelamento da legislação nacional,
incompatível, não deixando, pois, de ser uma
em relação àquele acordo (ou seja, o Estado
forma de congelar o ordenamento jurídico na-
pode editar novas normas, mas as mesmas não
cional), e (ii) da intangibility clause, segundo a
terão aplicabilidade à relação jurídica regula-
qual a introdução de uma qualquer alteração
mentada pelo contrato). Noutros casos, o Es-
legislativa - que afete o contrato de investimen-
tado hospedeiro admite que as disposições do
to – fica condicionada ao consentimento de
contrato sejam absorvidas pelo ordenamento
ambas as partes da relação contratual101; sem
nacional na condição de lei especial99, fazendo
o necessário consentimento do investidor, o Es-
com que, nessa relação jurídica em particular,
tado hospedeiro se vê igualmente impedido de
as cláusulas contratuais tenham ascendência
legislar, o que corresponde, de mesmo modo,
sobre eventuais leis “gerais” do Estado que com
à paralisia do sistema legal nacional. A última
elas não sejam compatíveis (aplicáveis a todos
subespécie de FC, a mais comumente utiliza-
aqueles que não integrem o contrato) por um
da, inclusive, estabelece que qualquer lei nova
critério jurídico de prevalência da lei especial so-
que se mostrar inconsistente com as disposições
bre a lei geral (princípio geral de direito). Ainda
contratuais não será oposta ao particular inves-
em algumas hipóteses, tem-se o que podemos
tidor102, dispensando-o de dar cumprimento à
chamar de freezing clause strictu sensu, quando
nova determinação legal.
o Estado hospedeiro verdadeiramente renuncia
ao seu poder soberano de editar novas normas Já quanto ao alcance material103, as FCs podem
posteriormente à assinatura do contrato, com-
prometendo-se a manter intacto o framework
100
Tade Oyewunmi, “Stabilisation and renegotiation clauses”, 278.
101
Exemplo: “... The Sheikh shall not by general or special
jurídico, tal como se apresentava no momento legislation or by administrative measures or by any other act
da sua celebração. A utilização dessa cláusu- whatever annul this agreement except as provided in art 11.
No alteration shall be made in the terms of this Agreement by
la é particularmente incomum, pois restringe
either the Shaikh or the Company except in the event of the
de forma exagerada o poder regulatório do Sheikh and the Company jointly agreeing that it is desirable
in the interest of both parties to make certain alterations,
97
Ao promover a diferenciação das FCs, quanto à forma de deletions or additions to this Agreement’’ (art 17 of the Oil
estabilização, baseamo-nos na classificação utilizada por Concession Agreement between Shaikh of Kuwait and
A.F.M. Maniruzzaman, “The pursuit of stability”, 120-121. American Independent Oil Company (Aminoil)(1982).
98
Exemplo: “This Contract is executed between the Parties 102
Exemplo: “CONTRACTOR and the Operating Company
in accordance with the laws and regulations in force at the shall be subject to all laws and regulations of local application
date of its signing and on the basis of the provisions of said in force in the S.A.R. (Syrian Arab Republic) provided that
laws and regulations, as regards, inter alia, the economic, CONTRACTOR or the Operating Company shall not be
fiscal and financial provisions of this Contract.” (art 36 of the subject to any laws, regulations or modifications thereof
Model Production Sharing Contract (PSC) (2005) of Saharawi which are contrary to or inconsistent with the provisions of
Arab Democratic Republic) this Contract and which are in effect at any time from the
99
Exemplo: “Upon approval by the Parliament of the Azer- Effective Date and throughout the Term of this Contract.” (Art
baijan Republic of this Agreement, this Agreement shall 18.1 of the agreement Dublin Tishrine Development Contract
constitute a law of the Azerbaijan Republic and shall take Dated 2004 For Development and Production Of Petroleum
precedence over any other current or future law, decree or Among The Government Of Syria and Syrian Petroleum Co
administrative order (or part thereof) of the Azerbaijan Re- and Dublin International Petroleum (Damascus) Ltd (Tishrine 17
public which is inconsistent with or conflicts with this Agree- and Sheikh Mansour Fields)
ment except as specifically otherwise provided in this Agree- 103
Ao promover a diferenciação das FCs, quanto ao alcance
ment.” (Azeri Agreement of 1999) material, baseamo-nos na classificação utilizada em Andrea
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ser diferenciadas em totais (full) ou limitadas (li- niente do enquadramento legal e a produção
mited). As primeiras, mais comumente vistas em de efeitos sobre o contrato, cuidando apenas
contratos celebrados por países da África subsa- de “imunizá-lo” contra os impactos econômicos
ariana104, promovem a paralisa tanto de disposi- negativos das possíveis mudanças nas políticas
ções fiscais como de não-fiscais, usualmente du- domésticas do Estado.
rante todo o período do contrato105. Já as segun-
Muitas são as vantagens apontadas pelos estu-
das se limitam a promover o engessamento do
diosos quando comparam a EBS à FC110. Susten-
poder regulatório do Estado somente em rela-
ta-se, primeiramente, que a EBS acerta ao não
ção a uma ou algumas matérias legislativas106-107
pretender desafiar o poder soberano do Estado
(como, por exemplo, direitos trabalhistas, tributa-
hospedeiro (pretensão cuja validade pode ser
ção ou questões ambientais).
facilmente questionada, independentemente
de haver expressa previsão contratual), impon-
2. Economic balance clauses do apenas a neutralização dos efeitos econô-
micos - do exercício desse poder - que possam
A EBC, enquanto mecanismo contratual de esta- recair sobre o contrato de investimento. A EBC
bilização da relação de investimento108, tem por serve apenas como uma garantia, oferecida
objetivo precípuo promover o restabelecimento pelo Estado hospedeiro, de que serão adotadas
da posição financeira do investidor, tal como as medidas necessárias para o restabelecimen-
assegurada na data de celebração do contra- to do equilíbrio econômico do contrato de in-
to, na eventualidade de o Estado hospedeiro vestimento, sem pretender controlar o exercício
adotar qualquer medida, judicial ou administra- do poder soberano. Ademais, a EBC permite a
tiva, que afete negativamente o equilíbrio eco- continuidade do contrato em caso de altera-
nômico do contrato de investimento109. Noutros ção legislativa superveniente que o venha afe-
dizeres, a cláusula revela a assunção “pacífica” tar significativamente111, mediante pagamento
da possibilidade de haver mudança superve- de compensação ao investidor, sem que essa
Shemberg, “The Shemberg Study”, 6. continuidade seja obtida a partir da restrição
104
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign indesejável do exercício dos poderes estatais
investors and host states”, 295. ou da criação de dificuldades de cumprimen-
105
Exemplo: “Specific Juridical Stability: The State guarantees
the Investors and the Recipient Company that this Investment
to - da disposição contratual - por parte da Ad-
Contract, the Project Agreements and the State Institution ministração local (diferentemente do que se dá
Authorizations, in each case in relation to the Investments and na freezing clause, conforme vimos). A EBC se
the Project, shall enjoy absolute legal stability in accordance
with the Legal Framework in Effect. Accordingly, neither the revela mais vantajosa do que a freezing clause
Investment Contract, nor the Project Agreements nor the 110
Em alguns casos, inclusive, a EBC pode ser vista
State Institution Authorizations may be modified unilaterally
juntamente com uma FC; quando acontece, a EBC
by laws or other dispositions from the State of any type that
estabelece os desdobramentos de uma eventual violação
affect them or by changes in the interpretation or application
da SC por parte do Estado hospedeiro, funcionando como
thereof and each thereof in which the State is a party may
um mecanismo adicional de estabilidade contratual ( A.F.M.
only be modified by the mutual written agreement of the
Maniruzzaman, “The pursuit of stability”, 124-125). Existem
Parties that expressly evidences such modifications.” (Latin
autores que defendem também a existência de cláusulas
American infrastructure model agreement 2000s).
híbridas de estabilização, que seriam aquelas que preveem
106
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign a possibilidade de o investidor exigir o aditamento do
investors and host states”, 293. contrato (EBC), prevendo, como meio de restabelecimento
107
Exemplo: “The…Laws and Decrees which may in the future da posição financeira, a possibilidade de descumprimento
impose higher rates or more progressive rates of [tax] or would da nova medida (change of law), que é mecanismo típico
otherwise impose a greater…tax liability than that anticipated do sistema clássico de FCs. (Andrea Shemberg, “The Shemberg
under Section…of the Upstream Project Agreement shall not Study”, 6-8; e Sam Foster Halabi, “Efficient contracting
apply to the Company.” (contrato analisado no “Shemberg between foreign investors and host states”, 293-294).
Study”, p. 6) 111
Em que pese o detalhamento das particularidades das
108
Existem autores que defendem que a EBC não é uma cláusulas de expropriação não estejam compreendido no
SC propriamente ditas (para esses, não há distinção entre escopo do presente trabalho, porque não são, ao menos
SC e FC), mas sim uma cláusula que garante o mesmo em nosso entender, mecanismos de estabilização contratual
nível de segurança assegurado pela SC (M. Sornarajah, The (e sim de descontinuação contratual), cabe aqui um breve
international law on foreign investment, 282). parêntese para dizer que, nesse aspecto, a EBC se mostra
109
É esse tipo de cláusula, inclusive, que faz as SCs serem muito útil também por assegurar a continuidade do contrato
bastante comuns em contratos de investimento no setor mesmo em caso de significativas alterações regulatórias
18 energético, como vimos páginas acima (30 dos 32 contratos supervenientes, que poderiam, na ausência da cláusula,
analisados no “Shemberg Study”, como destacado por conduzir à caracterização da expropriação indireta e,
Sam Foster Halabi em “Efficient contracting between foreign consequentemente, à descontinuação do contrato de
investors and host states”, 294). investimento.
W O R K I N G PA P E R S D E D I R E I TO DA E N E R G I A

também porque evita os prejuízos decorrentes Mas nem por isso a utilização da EBC está a sal-
de uma possível falha de interpretação e apli- vo de dificuldades. Por primeiro ponto, devemos
cação da cláusula, ao extrair do Tribunal arbitral destacar que a obrigação de manter a estabi-
o papel de analisar a legalidade da alteração lidade econômica de um contrato - que, não
legislativa em questão (em contraposição à FC), raras vezes, prolonga-se por trinta ou cinquenta
e deixando-lhe apenas o dever de estabelecer anos (atividades de resultado de longo prazo)
o quantum da compensação que será devida -, eliminando por completo o risco da imprevisi-
ao Investidor112. bilidade, que é inerente a qualquer empreendi-
mento e que, por isso mesmo, deveria recair ao
Com base nessas constatações, podemos afir-
menos em certa medida sobre o investidor, pode
mar inclusive que a EBC se mostra mais bem su-
acabar se mostrando demasiadamente onero-
cedida que a FC no intento de perseguir, pon-
sa para o Estado receptor do investimento. Essa
tual e especificamente, o real objetivo de uma
possibilidade, se for levada à situação extrema
SC, que é, a fundo, no interesse do investidor,
em que o Estado não disponha de riqueza sufi-
assegurar a manutenção dos termos econô-
ciente para lhe permitir dar cumprimento à obri-
micos inicialmente avençados, caso a relação
gação contratual, sem que, para isso, tenha que
contratual venha a ser alterada negativamente
deixar de oferecer os serviços públicos básicos
por força de alguma medida governamental113,
de que necessitam os seus cidadãos, conduzirá
de modo a garantir, com isso, que o investimen-
à absoluta inocuidade da cláusula de estabili-
to trará o retorno financeiro esperado pelo par-
zação, pois nem mesmo uma eventual conde-
ticular quando decidiu realizar o investimento.
nação arbitral será verdadeiramente eficaz em
Evidentemente, o interesse do investidor não é
garantir a satisfação dos interesses do investidor,
o de “controlar” a política do Estado hospedei-
ante a impossibilidade de cumprimento por par-
ro, mas apenas impedir que os riscos políticos
te do Estado hospedeiro. Portanto, a EBC não
deteriorem o seu investimento e frustrem a sua
pode estar desvirtuada da razoabilidade. Outra
expectativa de obter um determinado retorno
questão diz respeito à alteração conjuntural da
financeiro. Para tanto, não é necessário, de fato,
economia global em caso de grave crise finan-
enfraquecer ou restringir o poder soberano do
ceira (como a desencadeada no ano de 2008 e
Estado através da definição prévia do ordena-
que ainda nos dias de hoje afeta severamente
mento jurídico que presidirá a relação contra-
muitas economias nacionais). Nesses casos, em
tual, bastando que o mesmo assuma o com-
que se mostra óbvia a alteração significativa das
promisso de remediar os efeitos que seus atos
circunstâncias existentes na data da celebra-
possam ter sobre o contrato. Por isso, é possível
ção do contrato de investimento, sem que essa
identificar na doutrina autores que, ao sustentar
alteração possa ser atribuída a atos do Estado
que essa cláusula de estabilização é resultado
hospedeiro, parece-nos evidente que o contra-
do avanço das negociações civilizadas entre
to deve ser interpretado em conformidade com
International Oil Companies (lOCs) e Governos
a realidade econômica em que sua execução
hospedeiros114 (atualmente, mais desenvolvidos
está inserida, de forma que o equilíbrio econô-
política e economicamente do que em meados
mico almejado pela EBC não seja mais aquele
do século XX, quando ganhou força a FC), que
que se desenhou quando da celebração do
se intensificaram bastante nas últimas cinco dé-
contrato, quando se arquitetou o investimento
cadas em razão da importância crescente da
sob as balizas de outra realidade, mas sim um
indústria do petróleo, se referem à ECB como
novo parâmetro de equilíbrio que se baseie nas
cláusula moderna ou contemporânea de esta-
novas circunstâncias115. Haverá de prevalecer o
bilização.
princípio da razoabilidade na identificação do

115
“The effect of these clauses, other than as an occasion for
112
Talal A.Q. Al-Emadi, “Stabilization clauses”, 57.
renegotiation, is doubtful--especially in the face of a global
113
“The real issue in designing appropriate risk management and fundamental change such as a massive price increase.
mechanisms is not so much whether the host government The question of the legitimate expectations of the parties at
can change the contractual relationship, but rather what the time of the contract is bound to arise. Is the equilibrium to
is the result and implication of such regulatory action for be ascertained by reference to those expectations or is there
the private investor” (Tade Oyewunmi, “Stabilisation and
19
to be some attempt to construct a new equity of equilibrium
renegotiation clauses”, 281). in the light of unexpected circumstances?” (Andrew W.A.
114
Talal A.Q. Al-Emadi, “Stabilization clauses”, 57. Berkeley, “The changing political environment”, 251)
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patamar econômico ao qual o contrato deverá dendo exigir ou não, quanto a estes pontos, que
ser reconduzido, independentemente do que se haja consenso entre as partes. Um terceiro for-
tenha estabelecido quando da celebração do mato é denominado de negotiated economic
acordo. Impõe-se, nesses casos, uma revisão da balancing clause ou cláusula de renegocia-
expectativa inicial do investidor (a expectativa ção, que, resumidamente, define as condições
do investidor somente será legítima até o pon- em que as partes estarão obrigadas a se reunir
to em que seja compatível com o retorno espe- para negociar o aditamento do contrato119. Essa
rado de qualquer investimento, em um cenário cláusula é ativada quando uma ação governa-
de crise), de forma que os efeitos malévolos da mental altera a posição financeira do investidor,
alteração do panorama econômico global não obrigando as partes a negociarem com o obje-
sejam suportados exclusivamente pelo Estado tivo de atingir um consenso em que os retornos
hospedeiro, mas sim justa e proporcionalmente legitimamente esperados pelo investidor, quan-
absorvidos por ambas as partes contratantes. do da celebração do contrato, sejam mantidos.
Nesses casos, a utilização desproporcional da Esse modelo de EBC, ao menos em tese, parece
EBC terminaria por extrapolar e distorcer a pró- ser a variação de SC que melhor equaciona o
pria finalidade da cláusula, servindo não mais conflito existente entre a estabilidade e previsi-
como um mecanismo de estabilização contra- bilidade almejadas pelo Investidor e a flexibili-
tual com vistas a neutralizar os riscos políticos do dade pretendida pelo Estado hospedeiro para
investimento, mas sim como um seguro irrestrito exercer seu poder de regulação no interesse pú-
e incondicionado para salvaguardar o investi- blico. Contudo, autores chamam atenção para
dor contra quaisquer infortúnios de uma emprei- o fato de que a utilidade dessa cláusula depen-
tada empresarial. de da boa-fé com que, segundo o próprio con-
trato, as partes contratantes deverão conduzir
Tal como as FCs, as EBCs também são utilizadas
as negociações. Por isso, esses mesmos autores
em diferentes formatos116. Citamos, primeira-
advertem para a necessidade de que a cláusu-
mente, a cláusula stipulated economic balan-
la seja clara e cuidadosamente redigida, para
cing, que prevê a aplicação de uma fórmula
que não haja o risco de se mostrar inócua120-121;
predeterminada de reajuste caso se verifique a
ocorrência de alguma circunstância também regulations, or administrative practice, the terms of this Agree-
previamente estabelecida, de modo a resta- ment shall be adjusted to re-establish the economic equili-
brium of the Parties, and if the rights or interests of Contractor
belecer o equilíbrio econômico que as partes ti- have been adversely affected, then SOCAR shall indemnify
nham na data de celebração do contrato117. Já the Contractor (and its assignees) for any disbenefit, dete-
rioration in economic circumstances, loss or damages that
a cláusula non-specified economic balancing ensue therefrom. SOCAR shall within the limits of its authority
estabelece as circunstâncias em que o contrato use its reasonable lawful endeavors to ensure that the appro-
deverá necessária e automaticamente ser adi- priate Governmental Authorities will take appropriate mea-
sures to resolve promptly in accordance with the foregoing
tado, apesar de não especificar previamente principles any conflict or anomaly between all such treaty,
a natureza e os termos do aditamento118 – po- intergovernamental agreement, law, decree or administra-
tive order and this Agreement.” (Agreement dated 19 April
116
Ao promover a diferenciação das EBCs, quanto à forma 1999 on the Exploration Development and Production sha-
de estabilização, baseamo-nos, primordialmente, na classifi- ring for the Block including the Padar Area and the Adjacent
cação utilizada por A.F.M. Maniruzzaman, “The pursuit of stabil- Prospective Structures in the Azerbaijan Republic between
ity”, 125-126). the State Oil Co of Azerbaijan and Kura Valley Development
117
Exemplo: “In case of modifications to the tax regime, in- Co Ltd and Socar Oil Affiliate (Azerbaijan), Barrows (art 24.2)).
cluding the creation of new taxes, or the labor participa-
119
Exemplo: “If any change in or to any Indian law, rule or re-
tion, or its interpretation, that have consequences on the gulation imposed by any central, state or local authority deal-
economics of this Contract, a corresponding factor will be ing with income tax or any other corporate tax, export/import
included in the production share percentages to absorb the tax, customs duty or tax imposed on petroleum or dependent
increase or decrease in the tax burden or in the labor partici- upon the value of petroleum results in a material change to
pation of the previously indicated contractor. This correction the economic benefits accruing to any of the Parties after
factor will be calculated between the Parties and approved the Effective Date, the Parties to this Contract shall consult
by the Ministry of Energy and Mines.” (art 11.7 do Model PSC promptly to make necessary revisions and adjustments to the
of October 2002 for the Exploration of Hydrocarbons & the Contract in order to maintain such expected economic be-
Exploration of Crude Oil - Ecuador) nefits to each of the Parties as of Effective Date.” (art 16.7 of
118
Exemplo: “In the event that any Governmental Authority Indian Model PSC)
invokes any present or future law, treaty, intergovernmental
120
Tade Oyewunmi, “Stabilisation and renegotiation clauses”, 279-
20 agreement, decree or administrative order which contra- 280.
venes the provisions of this Agreement or adversely or posi- 121
Apesar de, em alguns casos, as principais questões serem
tively affects the rights or interests of Contractor hereunder, dispostas de forma vaga no contrato exatamente para con-
including, but not limited to, any changes in tax legislation, ferir maior flexibilidade ao processo de renegociação.
W O R K I N G PA P E R S D E D I R E I TO DA E N E R G I A

se mal redigida, a cláusula pode afinal gerar primento a partir da qual passa a ser devido o
incerteza (em lugar de estabilidade) e eliminar pagamento da compensação126.
a possibilidade de o Estado hospedeiro adotar
Passando ao alcance material, as EBCs podem
medidas soberanas que impactem financeira-
também ser diferenciadas em totais (full) ou li-
mente a relação contratual; pode ainda dar
mitadas (limited)127. Aquelas primeiras protegem
lugar a constantes requerimentos de aditamen-
o investidor contra as implicações financeiras
to, de iniciativa de ambas as partes, gerando
negativas – sobre o contrato - de qualquer al-
aguda instabilidade contratual122. A cláusula de
teração legislativa, de forma incondicionada.
renegociação deve, portanto, estabelecer con-
Dentre as segundas, figuram as cláusulas de limi-
cretamente as alterações de circunstâncias que
tação financeira, que estabelecem um limite a
permitirão a sua ativação (triggers123), o objetivo
partir do qual será obrigatória a renegociação
a ser perseguido na renegociação (reajuste de
do contrato ou devida a compensação por
fórmula de remuneração, pagamento de com-
compliance (trigger), e as cláusulas de limita-
pensação financeira etc.), a solução a ser ado-
ção material, que podem restringir a utilização
tada em caso de insucesso da renegociação
da EBC aos casos em que a alteração legislati-
(arbitragem, resolução contratual etc.). Uma
va subsequente era imprevisível no momento da
quarta subespécie, que pode ser intitulada de
celebração do contrato ou ainda limitar as ma-
cláusula de obrigação de compensação, esti-
térias legislativas a que a cláusula será aplicá-
pula que, sempre quando o Estado hospedeiro
vel128 (tributação, meio-ambiente e regulação
exercer seu poder soberano de legislar e, com
do setor elétrico, por exemplo); podem tam-
isso, modificar as bases econômicas do contra-
bém estabelecer hipóteses em que, apesar de
to, o mesmo deverá preservar os termos original-
o investidor estar obrigado a dar cumprimento
mente pactuados pelas partes, mediante pa-
à nova regulamentação, não lhe será devida
gamento de compensação financeira. Ou seja,
qualquer compensação (como, por exemplo,
o investidor fica obrigado a dar cumprimento
quando a alteração disser respeito a saúde pú-
à nova determinação legal ou regulatória, tal
blica, segurança ou meio-ambiente).
como qualquer outro particular que esteja em
sua posição, mas, em contrapartida, o Estado
hospedeiro fica contratualmente obrigado a
compensá-lo pelo custo de cumprimento124 (a IV. CONCLUSÃO
compensação pode ser financeira/monetária,
mas também através de reajustes tarifários, ex- 126
Sam Foster Halabi, “Efficient contracting between foreign
tensão do período de concessão, atenuação investors and host states”, 293.
fiscal etc.125). É comum que essas cláusulas es-
127
Ao promover a diferenciação das EBCs, quanto ao alcan-
ce material, baseamo-nos na classificação utilizada em An-
tipulem um trigger de ativação correspondente drea Shemberg, “The Shemberg Study”, 7).
a um determinado montante de custos de cum- 128
Exemplo: “Change in Law” shall mean any change in the
Applicable Laws (including the Issuance or promulgation of
122
Miguel Soares Branco, “Product sharing agreements - le-
any Applicable Laws) on or after the fifth Banking Business
gal blessing or curse for developing countries?”, International
Day prior to the date of receipt of the Proposal in accor-
Energy Law Review, 4 (2012) 150.
dance with the Bidding Guidelines, but only to the extent that
123
Raramente as circunstâncias de ativação das EBCs estão such change (a) relates to (i) fiscal matters, (ii) customs mat-
expressamente previstas nos contratos de investimento. São ters, (iii) environmental matters (including any condition or re-
utilizados, normalmente, termos vagos – tais como material quirement, other than the mitigation measures referred to in
change, adversely affected, significantly affect, materially Section 4.12 of the Bidding Guidelines which may be imposed
affect, materially adverse affect, profound changes in circu- by the competent…Governmental Authority for the granting
mstances, ‘material adverse change (MAC) e material ad- of approvals in matters relating to the environmental impact
verse effect (MAE) – que geram conflitos de interpretação assessment of the Project), (iv) labor or job safety matters, (v)
que terminam por relativizar a eficiência da cláusula. ( A.F.M. water consumption of the Power Plant, (vi) changes to the
Maniruzzaman, “The pursuit of stability”, 127-128). Commission Dispatch Procedures or related with the electric
124
O Professor A.F.M. Maniruzzaman faz referência às se- power regulation including extraordinary adjustments (that
guintes hipóteses de exceção em que, mesmo havendo de- exceed the inflation percentage estimated by the…for the
sequilíbrio contratual, o pagamento de compensação não corresponding fiscal year) to the fees applicable to the pow-
será devido: “when the new law or decree, which may even er to be supplied by the Commission during the construction
cause a MAE on the contractor’s fiscal position, is enacted: period and the first start-up, or the sale or transportation of
(i) in response to a breach or lack of compliance by the con- the Base Fuel, or (b) affects the foreign capital power pro-
tractor with any provision of the agreement concerned; or (ii) ducers and the domestic capital power producers in a differ- 21
with the intent of protecting health, safety, environment or ent manner, including changes to the Commission Dispatch
security” (“The pursuit of stability...”, p. 127). Procedures.” (contrato analisado no “The Shemberg Study”,
125
Andrea Shemberg, “The Shemberg Study”, 6. p. 8).
DAEDE | DEPARTAMENTO DE ALTOS ESTUDOS EM DIREITO DA ENERGIA

Com o presente estudo, pudemos demonstrar posição financeira do investidor, tal como asse-
que o direito do investimento estrangeiro, em gurada na data de celebração do contrato, na
que pese tenha a intenção declarada de dis- eventualidade de o Estado hospedeiro adotar
ciplinar o conflito de interesses existente na rela- qualquer medida, judicial ou administrativa, que
ção entre o investidor e o Governo local, serve, afete negativamente o equilíbrio econômico do
em verdade, como um meio para resguardar os contrato de investimento). Num caso ou em ou-
investidores estrangeiros contra os riscos políticos tro, o Estado hospedeiro é sempre o mais preju-
existentes nos países hospedeiros. A aceitação dicado: ou se vê impossibilitado de adotar medi-
das regras do DIE (veladamente impostas pelos das soberanas no interesse público (muitas vezes
países desenvolvidos, através de seu poderia imprescindíveis ao bem estar social) ou termina
econômico e político) serve como formalização por arrombar os cofres públicos para absorver
do compromisso, assumido pelos Estados interes- (por transferência) a elevação dos encargos da
sados em receber investimentos dos países ex- atividade empresarial.
portadores de capital, de conferir segurança ao
Nada obstante, apesar de estarmos evidente-
investidor. Essa segurança é obtida através da
mente alertando para a preponderância dos
juridicização de inúmeras garantias oferecidas
interesses dos particulares investidores em su-
ao investidor, por intermédio dos instrumentos ju-
perposição aos interesses dos Estados investidos,
rídicos de que se vale o DIE (fundamentalmente,
não somos hipócritas, tampouco ingênuos. Não
os contratos, acordos multilaterais e tratados bi-
fechamos os olhos para o fato de que, sem es-
laterais de investimento), as quais, a pretexto de
sas fortes (ou abusivas, como preferimos) garan-
conferir estabilidade à relação durante a exe-
tias asseguradas ao investidor, grande parte dos
cução do contrato, terminam por neutralizar o
investimentos estrangeiros realizados em países
exercício do poder soberano do Estado, blindar
de elevado risco político (que são, exatamente,
o investimento contra infortúnios e assegurar o
os que mais precisam de aportes financeiros de
retorno financeiro esperado pelo investidor.
países mais ricos para se desenvolverem econo-
As garantias conferidas aos investidores estão micamente) nem sequer se materializaria, o que
hoje amplamente difundidas e presentes em representaria um prejuízo ainda maior do que
praticamente todos os contratos de investi- aquele decorrente da observância das regras
mento estrangeiro (em função do fenômeno impostas pelo DIE. Em termos práticos, pouco
de Multilateralização do Direito do Investimento ainda é melhor do que zero.
Internacional), dando corpo a um standard de
Mas, ainda que saibamos ser bem pouco pro-
tratamento que compreende, por exemplo, as
vável que isso venha a acontecer em um futu-
cláusulas de nação mais favorecida, tratamen-
ro breve (e aqui nos valemos do benefício de
to nacional, tratamento justo e equitativo, ga-
o presente estudo ser meramente acadêmico),
rantias relativas à nacionalização e expropria-
o ideal é, realmente, que os países concordem
ção e resolução de conflitos. E essas garantias,
em sentar à mesa de negociações para arqui-
que já favorecem agudamente os investidores,
tetar, num fórum verdadeiramente amplo e
são continuamente alargadas pelos Tribunais ar-
participativo (que não se restrinja aos países ex-
bitrais, fortalecendo ainda mais a posição dos
portadores de capital), um Acordo Multilateral
investidores (oriundos, em regra, de países de-
de Investimento em que se busque um equilíbrio
senvolvidos e mais poderosos) em detrimento
entre os interesses de investidores e Estados in-
dos interesses nacionais. A tal estabilização per-
vestidos, que não fragilize demais os primeiros,
seguida pelo DIE (entenda-se: engessamento
mas que também não restrinja os poderes dos
do poder estatal e “seguro” do interesse privado
segundos a ponto de prejudicar o oferecimento
do investidor) atinge o seu ápice com a inserção
de bens públicos essenciais e a implementação
de stabilisation clauses nos contratos de investi-
de políticas públicas necessárias ao bem estar
mento, sejam elas freezing clauses (que con-
de seus cidadãos. Até lá (e esse “lá”, repetimos,
gelam o poder regulatório do Estado receptor
nos parece mesmo distante no atual cenário ge-
e a sua capacidade de alterar unilateralmente
22 opolítico), já será de grande contribuição se os
o regime do contrato) ou economic balance
Tribunais arbitrais passarem a melhor se utilizar,
clauses (que promovem o restabelecimento da
com a preponderância que se impõe, dos prin-
W O R K I N G PA P E R S D E D I R E I TO DA E N E R G I A

cípios da razoabilidade e da proporcionalidade Ochieze, Chukwuka. “Fiscal stability: to what extent can
no exercício de interpretação e alcance das flexibility mitigate changing circumstances in a
petroleum production tax regime?”. International
cláusulas que conferem garantias aos investido-
Energy Law & Taxation Review, 10 (2006) 252-258.
res estrangeiros, de forma que a “jurisprudência
arbitral”, dotada da imparcialidade e senso de Oyewunmi, Tade. “Stabilisation and renegotiation claus-
justiça que se há de lhe inspirar, sirva como ins- es in production sharing contracts: examining the
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