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21/10/2017 Assassinos da SS com doutorado | Cultura | EL PAÍS Brasil

CULTURA
NAZISMO ›

Assassinos da SS com doutorado


Em estudo monumental, historiador francês Christian Ingrao ressalta o papel decisivo dos
intelectuais na elite da Ordem Negra de Himmler

JACINTO ANTÓN

Barcelona - 22 JUN 2017 - 13:22 BRT

Oficial do SD na Ucrânia, em 1941

A imagem que se tem popularmente de um oficial da SS é a de um indivíduo cruel, chegando ao sadismo,


corrupto, cínico, arrogante, oportunista e não muito culto. Alguém que inspira (além de medo) uma repugnância
instantânea e uma tranquilizadora sensação de que é uma criatura muito diferente, um verdadeiro monstro. O
historiador francês especializado em nazismo Christian Ingrao (Clermont-Ferrand, 1970) oferece-nos um perfil
muito diverso, e inquietante. A ponto de identificar uma alta porcentagem dos comandantes da SS e de seu
serviço de segurança, o temido SD, como verdadeiros “intelectuais comprometidos”.

O termo, que escandalizou o mundo intelectual francês, é arrepiante quando se pensa que
MAIS INFORMAÇÕES
  esses eram os homens que lideravam as unidades de extermínio. Em seu livro Crer e Destruir:
Absurdos que não
deveriam ser ditos Os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista, Ingrao analisa minuciosamente a trajetória
sobre a Segunda e as experiências de oitenta desses indivíduos que eram acadêmicos – juristas, economistas,
Guerra Mundial
filólogos, filósofos e historiadores – e ao mesmo tempo criminosos –, derrubando o senso
Carpinteiro idoso dos comum de que quanto maior o grau de instrução mais uma pessoa estará imune a ideologias
EUA é identificado
como nazista que
extremistas.

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comandou
massacres

Polônia reescreve
sua história da
Segunda Guerra
Mundial

O fotógrafo nazista
que foi tomado por
vítima do Holocausto

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Christian Ingrao, retratado em Barcelona MASSIMILIANO


MINOCRI

Há um forte contraste entre esses personagens e o clichê do oficial da SS: assassinos em massa fardados e com
um doutorado no bolso, como descreve o próprio autor. O que fizeram os “intelectuais comprometidos”, teóricos
e homens de ação, da SS foi terrível. Ingrao cita o caso do jurista e oficial do SD Bruno Müller, à frente de uma das
seções do Einsatzgruppe D, uma das unidades móveis de assassinato no Leste, que na noite de 6 de agosto de
1941
  ao transmitir a seus homens a nova ordem de exterminar todos os judeus da cidade de Tighina, na Ucrânia,
mandou trazer uma mulher e seu bebê e os matou ele mesmo com sua arma para dar o exemplo de qual seria a
tarefa.

“É curioso que Müller e outros como ele, com alto grau de instrução, pudessem se envolver assim na prática
genocida”, diz Ingrao. “Mas o nazismo é um sistema de crenças que gera muito fervor, que cristaliza esperanças e
que funciona como uma droga cultural na psique dos intelectuais.”
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O historiador ressalta que o fato é menos excepcional do que parece. “Na verdade, se examinarmos os massacres
da história recente, veremos que há intelectuais envolvidos. Em Ruanda, por exemplo, os teóricos da supremacia
hutu, os ideólogos do Hutu Power, eram dez geógrafos da Universidade de Louvain (Bélgica). Quase sempre há
intelectuais por trás dos assassinatos em massa”. Mas, não se espera isso dos intelectuais alemães. Ingrao ri
amargamente. “De fato eram os grandes representantes da intelectualidade europeia, mas a geração de
intelectuais de que tratamos experimentou em sua juventude a radicalização política para a extrema direita com
forte ênfase no imaginário biológico e racial que se produziu maciçamente nas universidades alemãs depois da
Primeira Guerra Mundial. E aderiram de maneira generalizada ao nazismo a partir de 1925”. A SS, explica,
diferentemente das ruidosas SA, oferecia aos intelectuais um destino muito mais elitista.

Mas o nazismo não lhes inspirava repugnância moral? “Infelizmente, a moral é uma construção social e política
para esses intelectuais. Já haviam sido marcados pela Primeira Guerra Mundial: embora a maioria fosse muito
jovem para o front, o luto pela morte generalizada de familiares e a sensação de que se travava um combate
defensivo pela sobrevivência da Alemanha, da civilização contra a barbárie, arraigaram-se neles. A invasão da
União Soviética em 1941 significou o retorno a uma guerra total ainda mais radicalizada pelo determinismo racial.
O que até então havia sido uma guerra de vingança a partir de 1941 se transformou em uma grande guerra racial, e
uma cruzada. Era o embate decisivo contra um inimigo eterno que tinha duas faces: a do judeu bolchevique e a do
judeu plutocrata da Bolsa de Londres e Wall Street. Para os intelectuais da SS, não havia diferença entre a
população civil judia que exterminavam à frente dos Einsatzgruppen e os tripulantes dos bombardeiros que
lançavam suas bombas sobre a Alemanha. Em sua lógica, parar os bombardeiros implicava em matar os judeus da
Ucrânia. Se não o fizessem, seria o fim da Alemanha. Esse imperativo construiu a legitimidade do genocídio. Era
ou eles ou nós”.

Assim se explicam casos como o de Müller. “Antes de matar a mulher e a criança falou a seus homens do perigo
mortal que a Alemanha enfrentava. Era um teórico da germanização que trabalhava para criar uma nova
sociedade, o assassinato era uma de suas responsabilidades para criar a utopia. Curiosamente era preciso matar
os judeus para realizar os sonhos nazistas”.

Ingrao diz que os intelectuais da SS não eram oportunistas, mas pessoas ideologicamente muito comprometidas,
ativistas com uma visão de mundo que aliava entusiasmo, angústia e pânico e que, paradoxalmente, abominavam
a crueldade. “A SS era um assunto de militantes. Pessoas muito convictas do que diziam e faziam, e muito
preparadas”. O que é ainda mais preocupante. “É claro. É preciso aceitar a ideia de que o nazismo era atraente e
que atraiu como moscas as elites intelectuais do país”.

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A BASE DE 'AS BENEVOLENTES'


Ingrao e Littell. Qualquer pessoa que ler Crer e Destruir perceberá os paralelismos com o romance de Jonathan Littell
As Benevolentes (2006). Ingrao a descreve como “uma réplica temática em ficção” de seu trabalho, e recorda que este,
que foi sua tese, circulou amplamemente antes da publicação de As Benevolentes.

Max verossímil? Max Aue, o protagonista de As Benevolentes guarda muitas semelhanças com os intelectuais do SD de
Ingrao. “Exceto na homossexualidade e no incesto. Mas, claro, é uma personagem de novela”. Não é demasiado refinado
e esteticista para um SS? “Bem, Heydrich lia muito e tocava violino. E não se esqueça de que Eichmann lia Kant”,
responde.

Também outro nazista tomado por Littell, Leon Degrelle (em seu ensaio O Seco e o Úmido) apresenta paralelos com o
que foi estudado por Ingrao em seu livro Les Chasseurs Noirs: Oskar Dirlewanger. O primeiro era favorito de Hitler e o
segundo, de Himmler.

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