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Jornal do Comércio - Lei de Falências completa cinco anos Page 1 of 4

Lei de Falências completa cinco anos


Lara Ely

JOÃO MATTOS/JC
Lavies e Bonder realizam, em conjunto, plano de recuperação de empresas
Lavies e Bonder realizam, em conjunto, plano de recuperação de empresas

Quando entrou em vigor, em 2005, a nova legislação sobre recuperação e falências gerou
enorme expectativa na classe empresarial, tendo em vista que até então, além da falência,
existia como alternativa apenas a concordata. Ao longo do tempo, tendo-se demonstrado um
instrumento ineficiente, a concordata pré-diagnosticava a doença e predeterminava a solu-
ção. Se a empresa tivesse a sorte de solucionar com a concordata, o caso ficava resolvido.
Além disso, a concordata alcançava apenas os credores quirografários, que no peso do pas-
sivo das empresas de hoje têm pouca relevância.

Na falência, liquidam-se todos os ativos para tentar pagar todo passivo dentro de uma
ordem hierárquica. Já a recuperação serve para dar à empresa em desequilíbrio uma chance
de continuar operando e restabelecer seu equilíbrio entre seu passivo e seu ativo, restabele-
cendo o lucro.

Desde 2005, foram abertos mais de cinco mil processos de recuperação judicial no Brasil,
1.535 dos quais no ano passado. A maioria dos casos está concentrada na Região Sudeste
(38%). Quanto ao número de falências, foram mais de quatro mil desde o início da nova lei.
Só neste ano, os pedidos falimentares chegam quase a 500.

O levantamento foi feito nas corregedorias dos tribunais de Justiça e divulgado pelo desem-
bargador Carlos Henrique Abrão, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

Uma das críticas à lei é quanto à dificuldade de aplicação em regiões longínquas. Outro
aspecto que pode ser reinterpretado pelo Judiciário é o momento da entrega das certidões
negativas de débitos tributários. Entre pontos destacados como positivos está o fato de que
os credores tornaram-se os agentes principais no processo de recuperação. Além disso, a lei
deixa no mercado apenas as empresas viáveis para a recuperação, retirando as inviáveis.

A necessidade de rever aspectos da Lei de Recuperação e Falências é um ponto essencial


para adaptá-la às dificuldades concretas enfrentadas pelos seus operadores. Essa foi uma
das conclusões dos especialistas que debateram o tema no Congresso Internacional de
Direito Empresarial, organizado pelo Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (Inre),
no mês de junho, em São Paulo.

Hoje, a lei inclui tributos, dívidas, entre outros passivos, que antes ficavam de fora da con-
cordata. A partir de 2005, manteve-se a falência, mas se extinguiu a concordata, permane-
cendo apenas as concordatas extintas antes desse período, por direito adquirido. Então
desde lá, existem duas opções: falência ou recuperação. O que chama a atenção foi a
mudança de perspectiva. Na recuperação, é o credor que se identificava, e as soluções são
discutidas entre os credores. Uma vez que foi acertada a solução entre credores e os devedo-
res, o juiz faz concessão do regime.

Mesmo que o contador tenha uma posição importante na prevenção de uma falência, obser-
var sintomas demonstrados pela empresa como sinais de enfraquecimento e indícios de que
ela poderá entrar em fase falimentar pode encurtar o caminho para a recuperação. Muitas
empresas perdem substância anos e anos sem que a administração tome nenhuma medida,
por não enxergar a real situação dos próprios negócios. “Os gestores têm vergonha de admi-
tir a real situação e ninguém gosta de contar a parte negativa. Mas ela existe, e se uma
empresa não está indo muito bem, não significa que ela esteja condenada e mal para o resto
da vida”, afirma o contador Artur João Lavies.

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou um dos principais conflitos
resultantes da Lei 11.101: estabeleceu que a competência para decidir sobre o pagamento de
créditos trabalhistas de empresas em processo de falência ou em recuperação é da justiça
comum, não da trabalhista.

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A decisão teve repercussão geral, ou seja, a vara empresarial é o órgão do Poder Judiciário
competente para decidir a respeito dos pagamentos dos créditos, incluídos os de natureza
trabalhista. Além disso, a Corte declarou a constitucionalidade dos artigos que isentam as
empresas compradoras do patrimônio de uma empresa em recuperação ou falência da res-
ponsabilidade por dívidas trabalhistas.

Lado social do trabalho motiva contadores


Durante processos de recuperação de uma empresa, o contador pode ser peça-chave no
acompanhamento dos balancetes e na manutenção do equilíbrio das contas, passos que
garantem que o plano apresentado seja mesmo executado. Ele pode atuar como perito, ou
mesmo como administrador do plano de recuperação.

Experiente na tarefa de recuperar empresas e evitar falência, o contador Artur João Lavies,
do Escritório Lavies, conta com o suporte do neto e advogado Márcio Lavies Bonder para
atuar nos processos. A formação de uma equipe técnica multidisciplinar é, inclusive, um dos
pressupostos de um plano de recuperação.

Quando um trabalho de recuperação é iniciado, deve ser observado todo o espectro da orga-
nização, e o fato social pode ser uma motivação extra para atingir a meta de recuperar uma
empresa. Para Lavies, o aspecto social é determinante. “Se eu salvar uma empresa, estou
salvando automaticamente o emprego de centenas de pessoas, centenas de empregos indire-
tos, centenas de credores.” Essa gratificação é, na opinião dele, o que mais motiva o admi-
nistrador a fazer um trabalho deste tipo. “Todo contador que inicia uma atividade, seja ela
qual for, vai ser novamente lembrado se ele prestou um bom serviço”, complementa.

Uma análise minuciosa das contas de ativos, passivos, receitas e despesas e, principalmente,
da evolução da empresa nos últimos cinco anos permite diagnosticar a necessidade de falên-
cia ou recuperação. A empresa vai sendo radiografada a partir dos balanços dos últimos
cinco anos. Ou ela está estabilizada, ou ela passa por altos e baixos, e aí o administrador vai
dar máxima atenção ao porquê dessas oscilações.

Tudo que possa gerar anomalia na análise do balanço interessa ao diagnóstico: por que a
empresa perdeu mercado, se vende abaixo do custo, se está mal administrada, se existe
qualquer irregularidade, fraude de natureza contábil. Também se procura saber quem eram
os clientes, se continuam dando voto de confiança, se os fornecedores ainda oferecem cré-
dito, aportam recursos quando necessário etc.

Ele explica que na recuperação a empresa tem um ano para pagar os funcionários, e depois
começa a quitar as dívidas com os outros credores, em até oito anos, por pagamentos anu-
ais. Na concordata, antes se pagava em dois anos. Eram 2/5 no primeiro ano e 3/5 no
segundo. “A recuperação deu mais flexibilidade ao devedor. Esse alargamento do prazo é
uma vantagem muito grande da nova lei”, afirma. A proposta da lei é justamente dar prazo
compatível para que a pessoa cumpra.

Segundo o advogado Márcio Lavies Bonder, do Escritório Lavies, são vários prazos a serem
atendidos pelo administrador, com uma série de responsabilidades e tarefas a serem cum-
pridas. O administrador, em um primeiro momento, é o fiscal da empresa, pois pediu o
benefício da lei. Mas também é um executor, de prestação de contas, faz um acompanha-
mento mensal das finanças da empresa. Um dos pontos negativos destacado por Bonder é
que a lei da recuperação se mistura com a lei das falências, e isso pode gerar confusão. Na
mesma legislação, há certa dificuldade na interpretação, visto que o regramento de ambas é
diferenciado. O síndico ou administrador da falência não é o mesmo da recuperação.

Passivos ficaram de fora da lei


Muito do que se esperava alcançar com o regime recuperatório acabou escapando da lei, por
exemplo, as dívidas tributárias e os principais contratos bancários, como alienação fiduciá-
ria, arrendamento mercantil, cláusula de adiantamento e contrato de câmbio. Quem defende
essa ideia é o procurador de justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Luiz Inácio

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Vigil Neto. Para ele, hoje os principais problemas na lei estão relacionados aos passivos com
encargos sociais, tributos, dívidas bancárias.

Vigil explica que a lei não estabeleceu uma blindagem do devedor durante o regime do pro-
cesso de falência. Entre devedor e credor, pode-se discutir que o máximo que ele fica no
regime recuperatório são vinte anos. O juiz supervisiona os primeiros dois anos, os outros
18 são entre as partes envolvidas.

Neste caso, é natural que se o devedor deixar de cumprir o que se propôs, ocorre a conver-
são da falência. É normal também que, durante esses primeiros dois anos, os credores que
não foram alcançados pela recuperação tenham o direito de pedir a falência, já que não se
consegue aliviar a pressão do credor.

Como as decisões são tomadas em assembleia, são deliberadas, por maioria de votos. E são
contados por crédito, e não por cabeça. Isto significa que, muitas vezes, o poder político de
um credor é decisivo para decretar o resultado. Segundo Vigil, essa é uma visão econômica
de democracia, e não jurídica. “Em termos de direito societário, se vota por maioria de capi-
tal. Mas em uma falência, os credores estão pensando no seu interesse próprio.”

O procurador cita o caso Varig como o grande exemplo de aplicação da Lei 11.101. A sua crise
começou antes de 2005, mas ela não podia pedir concordata, pois empresas de navegação
aérea não tinham este direito. Quando a lei de 2005 autorizou a pedir recuperação, ela já
estava praticamente inviabilizada. Ela conseguiu evitar a decretação da falência. Mas o
plano de recuperação da empresa já não era mais viável, então ela vendeu os ativos. Essa é a
única forma de não pedir falência.

O fato de a lei apresentar alguns equívocos não a inviabiliza. “Ao longo desses anos, temos
alguns avanços devido ao trabalho das cortes de jurisprudência. Mas ainda nos resta a tarefa
de fazer pequenos ajustes, por exemplo, em relação à execução fiscal dos tributos em falên-
cia.”

Revisão ajudaria microempresas


Uma das lacunas na legislação atual é o atendimento às micro e pequenas empresas.
Segundo o conselheiro-diretor do Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (Inre),
Carlos Henrique Abrão, uma emenda à lei já está nas mãos do deputado federal Regis de Oli-
veira (PSC-SP), que deve apresentar as mudanças ao Congresso Nacional.

Segundo ele, as micro e pequenas empresas foram desamparadas na lei. O pior é que justa-
mente elas que deveriam ter mais garantias já que, como constatou pesquisa do Sebrae (Ser-
viço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), 65% delas morrem no primeiro ano de consti-
tuição. Segundo Abrão, o pico das solicitações na área aconteceu durante a crise econômica
mundial. Em 2008, foram 2.225 pedidos e em 2009, 2.940 casos. “A lei tem uma finalidade
social forte, preencheu determinados setores que atravessaram a crise a partir de 2008,
como o setor de agronegócios. Muitos frigoríficos e empresas do setor sucroalcooleiro se
beneficiaram da lei”, disse.

As regras são distintas em cada país. Em casos de insolvência envolvendo mais de uma
nação, é difícil encontrar solução única que atenda aos interesses dos credores locais, já que
cada jurisdição possui uma lei e, na maioria das vezes, ela não é compatível.

O assunto esteve em debate no Congresso Internacional de Direito Empresarial: os cinco


anos da lei de recuperação e falências, que ocorreu em junho em São Paulo, e para prestar
depoimento, representantes dos EUA, Inglaterra, França e Alemanha relataram como a legis-
lação é aplicada em seus países. O modelo norte-americano tem a vantagem de lastrear con-
cordatas e antecipação de créditos e financiamentos.

Apresenta menos conflitos e pouco recurso processual e tem mais êxito na recuperação do
que na quebra de empresas. Já em Londres, a lei inglesa tem natureza mais prática do que
teórica e apresenta menos riscos em relação à contribuição do sistema financeiro para
empresas em crise.

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Em Paris, a lei francesa foi alterada várias vezes e está sob cuidado do Tribunal do Comér-
cio, com pessoal especializado em detectar crise nas empresas. Já o modelo alemão é ágil na
administração e protelação. Se a empresa não for viável, decreta-se a quebra. Dependendo
da situação, tem menor ou maior ingerência do Estado.

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