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Profª. Drª Darcilia M. P. Simões & Vera Fontana de Castro (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro- UERJ)
Abstract: Cohesion and coherence; Peircean’s Semiotics applied to reading. Textual iconicity,
gramatical and semiotic values in verbal texts. Literary and non-literary texts reading upon semiotic and
stylistic dimensions.
Nesta perspectiva, torna-se possível observar cada signo, cada construção (ou sintagma), cada
período, cada parágrafo, etc., como sendo parte de um traçado complexo a que denominamos texto.
A entrada numa era dominada pela cibernética e as dificuldades que envolvem o processo de ensino-
aprendizagem da leitura levam-nos a buscar caminhos alternativos de trabalho, para que a aquisição
sistemática da língua escrita se transforme num exercício de prazer, de ludicidade. Para tanto, é preciso que se
lance mão de outras estratégias de abordagem textual: a que propomos é a dimensão estilístico-semiótica.
Veja-se aqui que a nossa proposta traz a semiótica combinada com um plano de análise da língua
que, a nosso ver, pode apontar, com maior precisão, os requintes da expressividade e da impressividade que se
manifestam nas estruturações lingüísticas: o plano estilístico. Ao lado da semiótica, a estilística se nos mostra
o meio mais eficiente de compreensão de um texto, pelo simples fato de entender-se a gramática do texto
como algo além da gramática normativa.
Propõe-se uma análise complexa, uma vez que a estilística e a semiótica são campos distintos de
observação do signo: esta numa ótica mais ampla e mais filosófica; aquela numa perspectiva mais restrita,
porque exclusivamente lingüística. A união dessas duas óticas complementares nos leva a perceber a produção
textual como um conjunto de sinais heterogêneos em que alguns conseguem atingir o status de signo, e outros
se prestam a uma atuação coadjuvante, na qual restringem-se à condição de meros sinais. O vocábulo, bem
como a pontuação, atinge a posição de signo, prestando-se inclusive a transitar do ícone ao símbolo,
emprestando ao texto funções e valores capazes de conduzir o leitor à mensagem básica, uma vez que geram
verdadeiras trilhas por onde deve o leitor caminhar durante a interpretação. Da mesma forma, os sinais de
pontuação prestam serviços sígnicos quando denunciam, por meio da marcação melódica, as estratégias
impressivas (indiciais), expressivas (icônicas) ou expressivo-impressivas (simbólicas) inscritas no texto a
partir das escolhas e combinações (diagramação paradigmática e sintagmática, respectivamente) praticadas
pelo autor, quando da elaboração de cada enunciado.
Buscando respaldo na teoria da iconicidade (PEIRCE, Collected Papers Apud NÖTH, 1995), vimos
traçando uma metodologia do ensino da língua em que o texto seja abordado em todos os elementos que
integram seu constructo e que, associados ao (cf. ECO, 1980) Interpretante Coletivo (senso comum), possam
viabilizar ao Intérprete (leitor) a compreensão da mensagem básica, por um caminho mais rápido e com
menor margem de extrapolação.
Temos que a estilística analisa os fatos textuais de que a gramática não dá conta por destinar-se à
padronização lingüística; enquanto a estilística avalia o poder de expressão de cada componente textual. É
estilística que nos fornece recursos que marcam o texto de modo a torná-lo único e, efetivamente,
significante, isto é, carregado de significação que possa ser captada (ou mesmo capturada) pelo leitor durante
a perseguição da(s) trilha(s) – sobretudo nos textos literários ou mesmo o publicitários, que são polissêmicos
ou, no mínimo, ambíguos – resultante(s) da marcação presente no texto e materialmente constituída por
palavras, sinais de pontuação, diacríticos, espaços em branco, letras capitulares, diagramas, etc...
Nessa ótica, entendendo que a estilística vem para dar conta do sentimento expresso verbalmente no
texto e captável pelo leitor e que a semiótica vem para alargar nossa visão nos horizontes verbais e não-
verbais do texto, temos buscado adentrar pelos meandros de uma e outra, relendo os teóricos mais
significativos de cada uma delas, no intuito de subsidiar nossas análises e praticá-las com maior e mais
eficiência a cada passo.
Para ilustrar, trazemos a este texto uma breve análise do texto BOM CONSELHO, em que a
mestranda VERA FONTANA DE CASTRO buscou focalizar a trajetória semiótica da expressividade
estilística captável/capturável no poema-letra de Chico Buarque de Holanda.
LEITURA SEMIÓTICA DE BOM CONSELHO
BOM CONSELHO
Espere sentado
Ou você se cansa.
Venha se queimar.
Como a letra BOM CONSELHO caracteriza-se por ser a reunião de pequenos textos
independentes, extraídos da cultura popular, torna-se necessário analisá-los um a um, para construir
a base do estudo do poema musical em tela. Inicialmente, é preciso retomar a forma original de
cada frase, tal como se apresenta na tradição popular.
Normalmente, esta frase é pronunciada por quem não está interessado em ouvir
advertências de pessoas mais experientes. Destaca-se conselho, que corresponde a um signo icônico
em relação ao objeto dinâmico que representa. O ícone evolui para símbolo, no momento em que
conecta a idéia abstrata de conselho a uma experiência particular, gerando um novo signo
interpretante numa relação sígnica triádica signo-objeto-interpretante.
Frase bem corriqueira, mormente entre mães e filhos, com o intuito de que eles não
supervalorizem a sensação de dor. A palavra dor está regularmente associada ao significado de
sofrimento, de aflição e funciona como um legissigno. No entanto, a palavra possibilita nova
significação, dependendo do contexto extralingüístico, como será visto mais adiante.
A repetição do verbo fazer indica uma orientação ambígua, alternada entre o fazer e o não-
fazer. Ao mesmo tempo em que alguém indica a obediência a uma regra de conduta, deixa claro que
a infringe. Neste caso, a conduta do instrutor não serve como exemplo, havendo oposição entre o
que é dito e o que é feito. Por este motivo, a terceira repetição do verbo fazer assume a
característica de um signo desorientador, pois o entendimento do verbo em questão depende da
concretização da ação, que só acontece fora do contexto lingüístico. Pode-se dizer que a semiose
não se completa: o que eu faço seria um modelo ininteligível, logo, inaplicável.
Estes três provérbios estão analisados conjuntamente, pois mostram aspectos comuns. Cada
provérbio apresenta o mesmo esquema estrutural: um período composto por subordinação, no qual a
primeira oração funciona como sujeito da oração principal. A relação de dependência entre as duas
orações de cada período indica que cada período forma uma unidade significativa maior. Esta forma
de iconicidade diagramática de estrutura sintática, aliada à ordem diagramática conceitual de que a
idéia mais importante vem mencionada antes da idéia menos importante, contribui para tornar a
frase um signo maior, correspondendo a outro legissigno: ESPERANÇA (na frase d) e
ADVERTÊNCIA (nas frases e / f). Entretanto, há uma relação de antecedente / conseqüente entre o
primeiro e o segundo verbo de cada frase: espera, brinca, semeia conseqüentemente alcança,
queima, colhe.
Além disso, na frase e, o signo icônico fogo gera outro signo simbólico, no eixo semântico,
significando perigo. A mesma afirmação serve para a frase f, onde vento corresponde a perigo
menos intenso e tempestade corresponde a perigo mais intenso.
Pode-se dizer ainda que o pronome quem faz referência endofórica, apontando para o
agente das ações de alcançar, queimar e colher. Desta forma, o sujeito, termo oracional, na forma
do pronome quem, fica gramaticalmente determinado e semanticamente indefinido, qualquer um
pode ser o agente das ações: esperar, brincar, semear, contudo o texto não o identifica.
Neste caso, repete-se o que já foi comentado anteriormente quanto ao realce dado à palavra,
colocando-a em primeiro plano. Outra observação interessante diz respeito à iconicidade textual
criada a partir da distribuição das palavras no provérbio. Iniciar a frase com devagar e terminar com
longe produz o efeito visual da distância a percorrer. No plano fônico, de-va-gar seria a
representação icônica de distância e lentidão, ao mesmo tempo que a tonicidade oxítona indicia a
chegada em algum ponto ao fim do percurso; e lon-ge seria um ícone do lá (lugar pretendido), ao
mesmo tempo que a tonicidade paroxítona indicia a necessidade de demora para chegar-se até lá.
Todas estas frase pertencem à tradição oral e popular, portanto elas são ouvidas e lidas em
situações bastante variadas, normalmente não vêm agrupadas como neste caso. As questões que
afloram são: a) por que motivo o autor utilizou estas frases para compor uma música? b) Que
relação foi encontrada entre as frases escolhidas?
A resposta encontra-se numa possível uma leitura intertextual das frases e na descoberta de
uma linha interpretativa entre elas.
b) - A “cura” da dor é uma questão de tempo. Basta dormir, enquanto o tempo passa e a dor
desaparece. Evidencia-se uma atitude passiva frente ao problema, configurada apenas na espera da
solução.
c) - Deve haver obediência à ordem dada, independentemente do exemplo prático que se
contrapõe a ela. Isso revela passividade e conformismo.
g) - Também expressa a idéia de cautela e prudência. Agir parece não ser primordial.
h) - Traz a noção de que não se deve ter pressa. Não deixa de ser uma expressão de
prudência, calma e paciência.
Definida a hipótese para a escolha das frases que compõem o poema de Chico Buarque, o
passo seguinte mostra e analisa o texto criado por ele.
Como diz NÖTH (1996: 123,124), a obra literária é, portanto, um signo sem interpretante
final, no sentido que Peirce dá a essa expressão. A obra continuará aberta a interpretações
imprevistas até mesmo por parte de seu autor.
Chico Buarque escreveu BOM CONSELHO a partir da interpretação que fez de provérbios
populares. Por sua vez, o poema dá margem a diferentes leituras.
Espere sentado
ou você se cansa.
Venha se queimar.
Por fim, a última estrofe está marcada pela presença do emissor, que se manifesta na forma
verbal em primeira pessoa, presente do indicativo. Esta forma verbal constitui um recurso
lingüístico de referência exofórica, apontando para (fora do texto) quem pratica a ação do verbo e
quando a pratica. Funciona como a concretização da ação do verbo fazer, apresentado na frase c:
Faça o que eu digo, mas não faça o que faço. Há ainda, na localização espacial “minha cidade”, um
indício de patriotismo. A oração Vou para a rua faz referência às manifestações estudantis que
aconteciam nas ruas centrais das grandes cidades do país.
Considerando o texto Bom Conselho dentro do contexto histórico e social em que foi
escrito, novas inferências emergem, conduzindo para possíveis interpretações. Este poema foi
escrito em 1972, especialmente para o filme Quando o carnaval chegar de Cacá Diegues. Era a
época da ditadura militar, em que as pessoas viviam sobressaltadas com a ameaça constante,
imposta pela repressão à liberdade de manifestação do pensamento. A realidade estava muito difícil,
as pessoas sofriam, tinham perdido a tranqüilidade e a espontaneidade.
O dito Quem espera sempre alcança, que ensina ao povo a necessidade de manter a
esperança para se conseguir o que se deseja, apresenta a mudança do advérbio sempre para nunca.
Esta inversão de sempre para nunca traz a idéia de que se deve lutar, de que as pessoas precisam ser
agentes de seu próprio destino. Desta forma, o poeta aconselha um engajamento político com o
objetivo de combater a ditadura. Não se deve aceitar o domínio dos militares. Compete ao povo
decidir como e quando resgatar a democracia.
Quem brinca com fogo se queima adverte sobre o perigo que o fogo representa e,
simbolicamente, mostra que todo aquele que se aproxima do perigo está sujeito a algum tipo de
risco. No contexto da música, brincar com fogo continua representando um risco, porém,
necessário. As pessoas devem se queimar, devem se expor ao perigo que representa o combate à
ditadura.
Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço revela que as pessoas dão conselhos que as
próprias não seguem. Ao contrário, Chico Buarque ordena que se faça o que ele faz, que todos se
exponham ao perigo e lutem juntos pela reconquista da liberdade. Ele critica as atitudes dos
militares e exige do povo esta consciência crítica da situação vigente.
Pense duas vezes antes de agir ensina que se deve ter cautela antes de executar uma tarefa;
que tudo deve ser bem planejado para evitar danos maiores. Em Aja duas vezes antes de pensar,
com a simples inversão da posição dos verbos pensar e agir na frase, incita as pessoas a agirem
mais. Com isto, o autor mostra que é preciso abandonar as atitudes de passividade e cautela. Não se
pode pensar muito nas conseqüências. Fica claro que não agir constitui um perigo maior. Se as
pessoas não reverterem a situação, as conseqüências serão bem mais danosas.
Quem semeia vento colhe tempestade mostra o seu envolvimento com essa causa e a sua
capacidade de absorver os riscos resultantes de sua ação em nome de um ideal maior. O
envolvimento foi tanto que o autor chegou a ser exilado.
De acordo com Šklovsky (1916), os recursos da arte possuem uma função central de “causar
estranhamento” (ostranenie), produzindo uma renovação da percepção contra o pano de fundo do processo de
automatização pelo qual nós nos acostumamos a ações e percepções cotidianas. (Apud NÖTH, 1996)
Chico Buarque conseguiu driblar a censura à sua música, usando provérbios conhecidos. No entanto,
não deixou de expressar sua tentativa de mostrar ao povo a necessidade de sua participação na retomada do
poder. Ele apenas mudou algumas palavras, usou outras como metáforas verbais, transformando o texto
conhecido, cristalizado pelo uso, em um texto novo, permitindo uma nova concepção naquilo que está sendo
dito.
Referências bibliográficas
ECO, Umberto (1980). Tratado geral de semiótica. Trad.: Antonio de Pádua Danesi e Gilson César C. de
Faria - São Paulo: Perspectiva.
NÖTH, Winfried (1995) Handbook of Semiotics. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press.