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Renato Renato

Geraldo Mendes
Geraldo Mendes

O Processo de
Contratação Pública
O PROCESSO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA
Fases, Etapas e Atos

Fases, Etapas e Atos

Curitiba • 2012
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Copyriht © 2012 Editora Zênite


1ª edição, junho de 2012.

Projeto Gráfico Celso Bock

Revisão Fabia Mariela De Biasi


Mariana Bordignon Strachulski de Souza

Finalização Joelma Staviski Sanchez Gomes

ZÊNITE EDITORA
www.zenite.com.br
editora@zenite.com.br
(41) 2109-8666

MENDES, Renato Geraldo.

O Processo de Contratação Pública  – Fases, etapas e atos /


Renato Geraldo Mendes. Curitiba: Zênite, 2012.

ISBN: 978-85-99369-18-0

1. Licitação Pública. 2. Contrato Administrativo.


3. Administração Pública. 4. Direito Administrativo. I. Título.

Todos os direitos reservados ao autor. É expressamente proibida a repro-


dução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem
prévia autorização do autor (Lei nº 9.610, de 19.02.98, DOU 20.02.98).

Impresso no Brasil
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À Sinara, amor e companheira de todos os momentos. 

Às minhas filhas, Maria Fernanda e Maria Renata.

Ao meu pai, Otacílio, nos seus 93 anos.

À memória de Idalina, a quem devo muito da minha educação.

À memória de minha mãe, Julieta.

À Diretoria da Zênite, Anadricea, Hilda, Ricardo e Regina.

A todos os funcionários da Zênite. 

Às pessoas que me ajudaram a chegar até aqui. 

Por fim, este trabalho é dedicado ao amigo Fábio Tokars, com quem tenho
partilhado importantes momentos de reflexão sobre o Direito e o ensino.
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Apresentação

Sumamente honrado pelo convite para fazer a apresentação


desta obra, não posso deixar de registrar a dificuldade em apresentar
algo que dispensa qualquer apresentação, pois tanto o autor como a
obra são bastante conhecidos por todos quantos, em qualquer condi-
ção, militam na área de licitações e contratos administrativos.

Renato Geraldo Mendes é autor consagrado. Sua portentosa


obra Lei de Licitações e Contratos Anotada, já em sua 8ª edição, é
texto de consulta obrigatória para quem se defronta com a tarefa de
interpretar e aplicar qualquer dispositivo do chamado Estatuto de
Licitações e Contratos Administrativos.

Da mesma forma, a obra apresentada também não é inédita, pois


teve uma primeira edição em 2008, sob a designação de Regime Jurí-
dico da Contratação Pública. Nela não se cuida apenas das licitações
e contratações feitas no regime da Lei nº 8.666/93, mas também das
contratações feitas por meio do pregão, em todas as suas modalida-
des e variações. Porém, conforme esclarece o autor, a presente edição
foi substancialmente aumentada, atualizada e abordou a matéria de
maneira integrada, para fazer jus ao título de O Processo de Contrata-
ção Pública, podendo, sim, ser considerada um novo livro.

Com efeito, o grande mérito desta obra é destacar que a execu-


ção do contrato e a interpretação de suas cláusulas têm uma íntima e
O Processo de Contratação Pública

inseparável relação com o procedimento de seleção do contratante,


o qual, por sua vez, foi escolhido e talhado em função das necessi-
dades a que a Administração Pública visava a atender por meio da
celebração de um contrato administrativo.

Inúmeras controvérsias em matéria de execução contratual


poderiam ser evitadas se tivesse havido um cuidado maior na fase
de seleção da proposta vencedora, com base num adequado plane-
jamento, que permitisse a mais correta identificação do objeto do
futuro contrato, tendo em vista as finalidades almejadas pela Admi-
nistração contratante.

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Essa ideia central está exposta no decálogo que o autor desig-


nou como princípios da contratação, o qual pode ser sumariado em
poucas palavras: definição do objeto da contratação de maneira a
efetivamente atender às necessidades da Administração; preço justo;
observância das exigências orçamentárias e financeiras; regras claras
e objetivas para o julgamento das propostas; efetiva competição entre
os interessados; participação do maior número de interessados, sem
exclusões indevidas; decisões efetivamente motivadas e que possam
ser sustentadas; escolha do vencedor por critérios objetivos; e neces-
sidade de o contrato efetivamente espelhar uma relação de equiva-
lência entre os encargos e a remuneração.

Todos esses assuntos são objeto de análise aprofundada ao


longo do texto, mas sempre com extraordinária objetividade e cla-
reza, sem divagações, com o propósito de apresentar soluções. Para
isso, muito contribuiu a larga experiência do autor, lastreada na riquís-
sima casuística proporcionada por anos de atividade na presidência da
Zênite.

Merece especial destaque o tratamento dado à inexigibilidade


de licitação, especialmente para a contratação de serviços técnicos
profissionais especializados. Entre todas as tormentosas questões que
esse tipo de contratação enseja, o autor enfrenta, com muita firmeza,
o tema da confiança no contratado, salientando que “a confiança não
é subjetiva, do agente que contrata, mas objetiva, pois decorre do
conceito que qualifica o prestador”.

Esse exemplo mostra a relevância da fase preliminar ou prepa-


ratória da licitação para a mais perfeita escolha do contratado, seja
por meio da licitação ou de sua dispensa ou inexigibilidade. Sem
uma definição clara dos objetivos a atingir, é difícil chegar a uma boa
contratação. Sem uma definição objetiva dos critérios de escolha do
contratado, por meio da motivação, é difícil justificar uma contrata-
ção questionada pelos órgãos de controle.

No final do livro, sob a designação de Considerações Finais,


estão enumeradas 77 conclusões, abrangendo todo o processo de
contratação, desde o planejamento, passando pela licitação e che-
gando à execução do contrato, que permitem uma visão de conjunto

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de tudo aquilo que foi objeto de discussão no texto. Nenhuma delas


é gratuita, no sentido de ter sido lançada a esmo, sem reflexão. Muito
ao contrário, elas são o produto da somatória de conhecimento téc-
nico, larga experiência no trato da matéria e invejável competência
didática para expor com simplicidade e fácil compreensão as pautas
para a realização de contratações bem-sucedidas.

Sem dúvida alguma, a obra oferece um caminho firme, seguro


e expedito para quem pretende realizar contratações com o sadio
e verdadeiro propósito de atingir plenamente a satisfação do inte-
resse público, respeitando a legalidade, buscando a economicidade
e, acima de tudo, com inquestionável probidade.

Enfim, o que este livro revela é o amadurecimento tanto do


autor quanto do tratamento das questões abordadas, com largo pro-
veito para o leitor, que poderá captar de plano, imediatamente, tudo
aquilo que demandou muito tempo para ser produzido.

São Paulo, junho de 2012.

Adilson Abreu Dallari


Prof. Titular da PUC/SP
O Processo de Contratação Pública

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Nota do autor

Esta obra é a continuidade das reflexões materializadas em


estudo anterior, lançado pela Zênite em 2008, sob o título O Regime
Jurídico da Contratação Pública. Naquela ocasião, minha intenção
já era intitular o trabalho de O Processo de Contratação Pública. No
entanto, entendi que a obra precisaria ser mais bem estruturada para
merecer um nome tão amplo, o que acontece agora. Assim, além da
revisão geral em todos os capítulos anteriores, a nova obra ganhou 8
novos capítulos. Somados aos 7 anteriores, totalizam-se 15 capítulos,
mais um capítulo final, que reúne algumas das principais conclusões.

O conjunto da obra registra uma nova concepção, uma nova


forma de ver o fenômeno da contratação pública. É preciso evoluir
e enxergar outros horizontes, aceitar novas ideias e repensar o que
fazemos nessa área. A atividade contratual do Estado é fundamental,
pois assegura que os recursos públicos sejam bem empregados e as
necessidades públicas relacionadas à contratação de obras, serviços
e compras sejam satisfeitas.

Nesses últimos anos, houve algumas conquistas, mas ainda há


muito a ser feito. O problema não está na necessidade de mudança
legislativa. Aliás, temos um marco regulatório muito satisfatório,
muito bom. Precisamos entender o fenômeno na sua integralidade
e reconhecer as suas diferentes fases e etapas, bem como saber para
que serve cada uma e como interagem entre si. Atingir esse estágio é
O Processo de Contratação Pública

fundamental para evoluir e obter, cada vez mais, eficiência nas rela-
ções contratuais. Esse é um processo dinâmico.

Com esta edição, tenho a impressão de que a obra ganha muito


em consistência e em maturidade. Só assim poderá auxiliar os agen-
tes públicos na melhor compreensão desse fenômeno, na solução dos
problemas e no atingimento das metas de eficiência, indispensáveis à
adequada e moderna gestão dos recursos públicos.

No final da obra, há vários ciclos que facilitam a visualização


do leitor e constituem fonte importantíssima para a identificação e

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compreensão dos atos que integram as diferentes etapas do processo.


Assim, é possível visualizar e conhecer a sequência e o rito do pro-
cesso de contratação de forma simples, direta e didática.

É preciso ver o processo de contratação como uma realidade


“3D”, formada por três diferentes dimensões: planejamento, seleção
da proposta e contrato. É fundamental ter a clareza de que o planeja-
mento regula e condiciona o sucesso das fases subsequentes. Lamen-
tavelmente, isso ainda não foi reconhecido e incorporado na nossa
atividade cotidiana de gestão da contratação pública.

Esta obra é um esforço e uma contribuição para viabilizar um


novo modelo de gestão da contratação pública no Brasil. A esse
esforço devem se somar outros, pois todos temos a responsabili-
dade de contribuir para um País melhor. No entanto, sem uma ges-
tão eficiente dos recursos públicos, não conseguiremos atingir esse
propósito.

Espero que o leitor encontre aqui orientações e informações


que possam ajudá-lo a planejar, conduzir e gerir melhor a contrata-
ção pública.

Curitiba, junho de 2012.

Renato Geraldo Mendes

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Sumário

Capítulo 1
O PROCESSO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA E OS REGIMES
JURÍDICOS QUE O DISCIPLINAM (LEIS NºS 8.666/93 E 10.520/02)
1. Visão sistêmica do processo da contratação pública................................23
2. A contratação é uma realidade inserida na ideia de processo..................25
3. O que é o processo e por que ele existe?.................................................25
4. Validade dos atos do processo.................................................................27
5. Pressuposto e finalidade do processo......................................................28
6. O processo e suas diferentes fases...........................................................29
7. O processo e a formação do acordo de vontades....................................31
8. O processo é regulado por dois regimes jurídicos...................................32
9. Por que foi editada a Lei nº 10.520/02 (pregão)?......................................33
10. Por que o pregão não é capaz de resolver o nosso principal pro-
blema da contratação?............................................................................35
11. As grandes fases do processo de contratação e suas disciplinas
legais em cada um dos regi mes jurídicos vigentes (Lei nº 8.666/93
e Lei nº 10.520/02)..................................................................................35
11.1. A fase interna (planejamento e edital) da contratação em
cada um dos regimes......................................................................36
11.2. A condução da fase externa (licitação, dispensa e inexi-
gência) em cada regime (análise da pessoa e seleção da proposta).. 36
11.3. A disciplina da fase contratual........................................................37
O Processo de Contratação Pública

12. O que é mais difícil no processo de contratação pública?.......................38


13. Por que dois regimes jurídicos diferenciados para a contratação
pública? Um só não seria suficiente?.......................................................39
14. O regime jurídico da Lei nº 10.520/02 (pregão) é mais moderno
e melhor do que o da Lei nº 8.666/93?....................................................40
15. Os dois regimes jurídicos são complementares?......................................41
16. Por que há tantos problemas na área da contratação pública e por
que eles sempre se repetem de forma cíclica?.........................................41
17. Por que há dificuldades para entender a legislação vigente, a
estrutura e os institutos da licitação e do contrato? Como é pos-
sível superar isso?....................................................................................42

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Capítulo 2
OS PILARES DE SUSTENTAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DA
CONTRATAÇÃO PÚBLICA (LEIS NºS 8.666/93 E 10.520/02) – QUATRO
ASPECTOS FUNDAMENTAIS PARA ENTENDER A CONTRATAÇÃO
1. Considerações iniciais.............................................................................45
2. Existência de uma necessidade a ser satisfeita.........................................46
3. Identificação de uma solução (encargo/objeto) capaz de satis-
fazer a necessidade.................................................................................48
4. Seleção de uma pessoa com condições de viabilizar a solução...............51
5. Melhor equivalência entre o encargo (objeto) a ser cumprido e a
remuneração a ser paga..........................................................................57

Capítulo 3
DEZ PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA
1. O que são princípios jurídicos?...............................................................63
2. Onde estão previstos os princípios que serão apresentados?....................63
3. Quais os princípios da contratação de acordo com a nova con-
cepção?...................................................................................................64
4. Qual é o conteúdo de cada um dos princípios?.......................................65
5. O gestor deve se nortear pelos princípios (mandamentos).......................85

Capítulo 4
O PLANEJAMENTO DA CONTRATAÇÃO
E SUAS ETAPAS
1. A estrutura do processo de contratação em fases e etapas.......................87
2. A fase interna..........................................................................................87
3. As etapas que estruturam a fase interna da contratação...........................89

Capítulo 5
IDENTIFICAÇÃO DA NECESSIDADE
(O PROBLEMA)
1. Considerações iniciais . ..........................................................................93
2. O que se deve entender por necessidade administrativa?........................93
3. Onde surge a necessidade e quem deve identificá-la? Como ela
deve ser formalizada?..............................................................................94
4. Como a necessidade pode ser classificada?.............................................95
5. O que pode acontecer se falharmos na identificação da necessi-
dade?......................................................................................................95
6. O que se deve fazer por ocasião da identificação da necessidade?..........96
7. A necessidade tem uma dimensão?.........................................................96

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8. A identificação da necessidade é feita pelo pessoal interno?...................97


9. Quando a Administração deverá recorrer a terceiros?..............................97
10. A decisão de identificação da necessidade implica responsabili-
dade?......................................................................................................99
11. Qual a importância da identificação da necessidade para os que
exercem os controles interno e externo?..................................................99
12. É possível retificar a necessidade posteriormente?.................................100
13. Qual a importância da necessidade na definição da relação
benefício-custo?....................................................................................101
14. Satisfazer a necessidade é a finalidade do processo de contra-
tação?....................................................................................................102
15. A necessidade pode ser alterada durante a licitação e o contrato?.........103
16. Qual a relação entre fato superveniente e necessidade?........................103
17. Como se formaliza a necessidade?........................................................104
18. Como identificar a necessidade em obras, serviços e compras?.............105

Capítulo 6
FORMALIZAÇÃO DA NECESSIDADE – TERMO DE REFERÊNCIA
1. Considerações iniciais e objetivo .........................................................107
2. Quando surgiu a expressão?..................................................................108
3. Qual regime jurídico configura o termo de referência?..........................108
4. Qual o conteúdo do termo de referência no Decreto nº 3.555/00?........109
5. Qual o conteúdo do termo de referência no Decreto nº 5.450/05?........112
6. Qual o conteúdo do termo de referência na IN MPOG nº 02/08?..........114
7. Qual o conteúdo do termo de referência na IN MPOG nº 04/10?..........119
8. Distinções entre requisição, termo de referência e projeto básico.........119
9. Plano de trabalho .................................................................................123
10. Conclusões............................................................................................125
O Processo de Contratação Pública

11. Formalizada a necessidade, qual o próximo passo?...............................127

Capítulo 7
DEFINIÇÃO DA SOLUÇÃO, OBJETO E DEMAIS OBRIGAÇÕES (ENCARGO)
1. A solução/objeto é condicionada pela necessidade...............................129
2. O que se deve entender por solução?....................................................129
3. A questão da qualidade na definição da solução...................................130
4. O que são encargo e objeto?.................................................................133
5. O fundamento da legalidade das exigências do objeto..........................133
6. O aspecto qualitativo e a dimensão quantitativa do objeto....................134

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Renato Geraldo Mendes

7. A economicidade da solução................................................................136
8. A definição do objeto e a questão da restrição à competição................138
9. Para definir uma solução, é preciso conhecer o mercado......................140
10. A relação transparente com o mercado.................................................140
11. A realização de audiência pública para definir a solução e des-
crever o objeto......................................................................................141
12. A realização de audiência pública para apresentar o plano anual
de contratação .....................................................................................144
13. Por que o objeto precisa ser dividido e quando isso se revela
necessário?............................................................................................144
14. A questão da proibição da indicação de marca.....................................147
15. A questão da especificação exclusiva ...................................................147
16. Exigências insuficientes, desnecessárias e excessivas.............................148
17. A justificativa técnica e econômica das exigências................................150
18. A descrição do objeto e a questão da exclusividade do prestador.........150
19. O objeto e a questão da localização do fornecedor .............................151
20. A configuração da solução (objeto) e a questão estratégica para
evitar a dependência técnica da Administração.....................................152
21. A questão da solução integrada com vários prestadores atuando
simultaneamente – O problema da individualização das respon-
sabilidades ...........................................................................................153
22. A definição da solução e a descrição do objeto feitas pelo próprio
pessoal interno......................................................................................154
23. Como contratar terceiros para definir a solução ou descrever o
objeto?..................................................................................................154
24. A questão do impedimento para o terceiro que define a solução...........156
25. Soluções ou objetos distintos devem ser contratados separada-
mente....................................................................................................157
26. Atividades incompatíveis não devem ser incluídas no mesmo
item ou na mesma descrição do objeto.................................................158
27. O objeto/encargo deve ser integral e completo..................................... 158
28. Todas as vantagens oferecidas pelo mercado e relevantes para a
satisfação da necessidade devem ser contempladas na descrição
do objeto/encargo.................................................................................159
29. É vedado fazer opção por solução tecnologicamente defasada..............160
30. A solução ou o objeto da contratação não pode ser a obtenção de
recursos financeiros...............................................................................160
31. A solução/o objeto deve resolver o problema da Administração,
e não servir de meio para resolver diretamente problemas de ter-
ceiros (benefícios pagos aos empregados do terceirizado, etc.) ............161
32. Definido o objeto, é preciso indicar as parcelas de maior rele-
vância técnica?......................................................................................162
33. A definição do objeto integra o termo de referência?.............................162
34. O que é o projeto básico/executivo para fins de contratação?...............163

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35. O que é o projeto executivo para fins de contratação?..........................164


36. Quando o projeto básico é necessário e quando não? É certo
determinar que todos os serviços tenham projeto básico?......................165
37. A indicação das especificações dos insumos e materiais que irão
compor a planilha descritiva do objeto..................................................166
38. Os mecanismos legais que reduzem a restrição à disputa (os con-
sórcios, a divisão do objeto em lotes e itens e a subcontratação)...........166
39. Todos os serviços e todas as atividades que integram o objeto
devem ser quantificados?......................................................................168
40. A definição do local de execução ou da entrega do objeto ou
encargo.................................................................................................168
41. A definição do prazo de execução ou da entrega do objeto ou
encargo.................................................................................................169
42. A definição do prazo mínimo de garantia do objeto..............................170
43. A exigência de assistência técnica.........................................................170
44. Exigência de amostra.............................................................................171
45. Exigência de o futuro contratado ministrar treinamento do bem
ou produto que será por ele fornecido...................................................172
46. Exigência de suporte técnico.................................................................173
47. Exigência de dispor de recursos materiais (máquinas, equipa-
mentos e ferramentas)...........................................................................174
48. Exigência de dispor de recursos humanos a serem utilizados................175
49. Definição de recursos tecnológicos a serem empregados......................176
50. Definição de condições especiais que demandem necessidade
de adaptação.........................................................................................176
51. Definição de realização de visita técnica..............................................177
52. Definição de realização de despesas extraordinárias (viagens,
hospedagem, etc.).................................................................................178
53. Definição de produtividade mínima a ser respeitada.............................179
54. Exigência de recolhimento de tributos...................................................180
O Processo de Contratação Pública

55. Definição da obrigação de auxiliar na transferência do contrato


para terceiros........................................................................................180
56. Definição de exigência de apresentação de relatórios técnicos,
testes, ensaios, etc.................................................................................182
57. Definição de exigência da cessão de direitos, transferência de
tecnologias, dados e códigos.................................................................183
58. Definição de exigência de apresentação de garantia de execução.........183
59. Definição de exigência de apresentação de garantia de proposta .........186
60. A quem cabe definir a solução/o objeto? . ............................................187
61. Qual a responsabilidade de quem define o objeto/encargo?..................188
62. A necessidade de alterar o encargo depois de definido.........................189
63. Definido o encargo/objeto, qual é o próximo passo no processo?.........191

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Renato Geraldo Mendes

Capítulo 8
OS REGIMES DE EMPREITADA NA LEI Nº 8.666/93
1. Uma dúvida generalizada.....................................................................193
2. Os regimes indicados na Lei..................................................................194
2.1. O que é uma empreitada?.............................................................194
2.2. A definição do encargo.................................................................196
2.3. A remuneração pela execução do encargo....................................197
2.4. A Lei nº 8.666/93 e os referidos regimes.......................................198
2.5. O que são regimes de execução?..................................................200
2.6. Exemplos práticos.........................................................................201
3. Como e quando escolher o regime?......................................................202
3.1. Como é apurado o preço total?.....................................................202
3.2. A impossibilidade da definição da quantidade deve ser abso-
luta...............................................................................................203
3.3. O que aconteceria se em todos os casos fosse adotado o
regime de empreitada por preço global?.......................................204
3.4. Uma forma de evitar distorção na equação econômico-finan-
ceira..............................................................................................205
3.5. Em que momento se forma a equação econômico-financeira?......207
3.6. Em que momento se forma efetivamente a equação eco-
nômico-financeira quando o regime é de empreitada por
preço unitário?..............................................................................207
4. A fiscalização do contrato e os regimes de empreitada..........................209
5. A questão do acréscimo quantitativo e os regimes de empreitada
(EPG e EPU)..........................................................................................211
6. A regra e a exceção...............................................................................213
7. Empreitada integral...............................................................................213
7.1. Quando deve ser adotada a empreitada integral, afinal?................222
8. Tarefa....................................................................................................223

Capítulo 9
DEFINIÇÃO DO PROCEDIMENTO A SER ADOTADO PARA
CONDUZIR A FASE EXTERNA DO PROCESSO DE CONTRATAÇÃO
E INDICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA LICITAÇÃO
1. O que significa definir o procedimento?................................................225
2. A decisão da escolha do procedimento.................................................226
3. O procedimento regra e o procedimento exceção.................................228
4. Os pressupostos da licitação.................................................................230
5. A questão da impossibilidade de definição de critério objetivo de
julgamento............................................................................................232

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6. O significado da palavra “competição” no contexto da contra-


tação pública........................................................................................234
7. A disciplina constitucional da contratação pública................................237
8. Licitação, dispensa e inexigência – Distinção........................................244

Capítulo 10
AS MODALIDADES DE LICITAÇÃO
1. Considerações iniciais...........................................................................249
2. O que é licitação?.................................................................................250
3. O que é modalidade de licitação?.........................................................252
4. Crítica ao critério de escolha das modalidades no regime jurídico
vigente..................................................................................................254
5. Sob o ponto de vista essencial, qual traço distingue o pregão da
concorrência?........................................................................................256
6. Por que a escolha da modalidade se tornou uma das decisões
mais importantes do processo de contratação?......................................261
7. Como definir a modalidade em razão de um objeto específico?............261
7.1. A solução (o objeto) desejada pela Administração é obra ou
serviço de engenharia?..................................................................262
7.2. A solução (o objeto) desejada pela Administração é serviço
intelectual?....................................................................................263
7.3. A solução (o objeto) desejada pela Administração é bem ou
serviço comum?............................................................................264
7.4. O que a Administração deseja é realizar uma alienação?..............265
7.5. A solução (o objeto) desejada pela Administração é comprar
bem imóvel?.................................................................................268
7.6. A solução desejada pela Administração é selecionar tra-
balho técnico, científico ou artístico?............................................268
7.7. A Administração pretende selecionar ofertas para alimentar
o seu Sistema de Registro de Preços?.............................................271
O Processo de Contratação Pública

7.8. A Administração deseja conceder ou permitir a exploração


de serviço ou bem público?..........................................................273
7.9. A Administração deseja que a disputa pelo contrato seja de
âmbito internacional?....................................................................273
8. Como definir a modalidade em razão do valor estimado da con-
tratação?................................................................................................275

Capítulo 11
A QUESTÃO DA DEFINIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS COMUNS NA
LEI Nº 10.520/02 E A PROPOSIÇÃO DE CRITÉRIO TÉCNICO PARA O
CABIMENTO DO PREGÃO..........................................................................277

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Renato Geraldo Mendes

Capítulo 12
O REGIME JURÍDICO DOS PREÇOS NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
1. O preço no contexto da contratação.....................................................291
2. A disciplina jurídica do preço fixada pelo legislador.............................291
3. O padrão monetário dos preços na contratação pública........................293
4. Preços praticados no mercado (preço de mercado, preço vigente
no mercado e preços correntes).............................................................295
5. Preço excessivo, preço superior e preço manifestamente superior.........297
6. Preço máximo.......................................................................................300
6.1. O preço máximo é obrigatório ou facultativo?...............................300
6.2. É obrigatória a fixação de preço máximo no tipo técnica e
preço ou somente no tipo melhor técnica?....................................300
6.3. Preço acima do máximo deve ser eliminado?................................304
6.4. É possível fixar preço máximo apenas para valores unitá-
rios que integram uma planilha de custos e composição de
preços?.........................................................................................307
6.5. Cautela na fixação do preço máximo............................................307
7. Preço estimado (ou orçado)...................................................................308
8. Preço mínimo........................................................................................308
9. Preço de referência (ou referencial).......................................................309
10. Preço unitário........................................................................................309
11. Preço global..........................................................................................310
12. Preço certo............................................................................................310
13. Preço previamente fixado......................................................................310
14. Preços propostos ou oferecidos.............................................................311
15. Preço contratado...................................................................................311
16. Preço reajustado....................................................................................311
17. Preços repactuados...............................................................................312
18. Preços atualizados.................................................................................312
19. Melhor preço........................................................................................312
20. Preços inexequíveis e critério legal de sua aferição nas obras e
nos serviços de engenharia....................................................................312
20.1. Questões prévias sobre os preços inexequíveis.............................313
20.2. O tratamento normativo dado à questão.......................................313
20.3. O cabimento do novo critério fixado.............................................315
20.4. Incompatibilidade real ou aparente entre o conteúdo do § 1º
e o disposto no inc. II, ambos do art. 48 da Lei nº 8.666/93............317
20.5. A disciplina legal da questão e os pressupostos para a apli-
cação do critério adotado.............................................................317
20.6. Critério para aferição do preço inexequível...................................319

18
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20.7. Discordância do licitante quanto à inexequibilidade da sua


proposta........................................................................................321
20.8. Prestação de garantia adicional ....................................................323
20.9. Critério legal para determinar quem prestará garantia adi-
cional............................................................................................323
20.10. Como deve ser apurado o valor da garantia adicional?..................324
20.11. Uma questão de constitucionalidade em torno da garantia
adicional.......................................................................................325
20.12. O valor orçado pela Administração é o preço máximo?................328
20.13. O preço inexequível é um problema do licitante. Não
haveria por que a Administração se preocupar com ele. É
correta essa tese?...........................................................................329
21. Hipóteses de aceitação de preços simbólicos, irrisórios ou de
valor zero..............................................................................................335
22. Preços baseados na oferta dos demais licitantes....................................336

Capítulo 13
A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS
ESPECIALIZADOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1. Considerações iniciais e objetivo...........................................................337
2. A disciplina jurídica da contratação de serviços técnicos......................337
3. Os fundamentos lógicos da contratação pública...................................338
4. A viabilidade da competição como pressuposto da licitação.................340
5. A visão equivocada de que a licitação é a regra....................................341
6. O sentido jurídico da palavra “competição” empregada no caput
do art. 25 da Lei nº 8.666/93.................................................................342
7. Os diferentes tipos de singularidade .....................................................344
O Processo de Contratação Pública

8. Singularidade versus objetividade......................................................... 345


9. O que são serviços técnicos profissionais especializados ou ser-
viços intelectuais?.................................................................................346
10. A singularidade é da pessoa ou do serviço?...........................................348
11. Quando é possível ou não licitar serviços técnicos profissionais
especializados ou intelectuais...............................................................351
12. A descrição objetiva da solução/do objeto e a realização de lici-
tação ....................................................................................................354
13. A questão da redução dos riscos e a garantia da segurança...................355
14. A notória especialização.......................................................................357
15. A relação benefício-custo na contratação pública.................................360

19
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Renato Geraldo Mendes

Capítulo 14
A INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO NA VISÃO DO TCU
1. Evolução histórica e posição adotada pelo TCU....................................363
2. A Súmula nº 39 do TCU........................................................................363
3. Considerações sobre a nova redação da Súmula nº 39 do TCU ............368
4. A Decisão nº 427/1999 do TCU............................................................370
5. A Súmula nº 252 do TCU......................................................................375
6. A questão do rol taxativo do art. 13 da Lei nº 8.666/93.........................376
7. Conclusão.............................................................................................377

Capítulo 15
ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO –
RELAÇÃO ENTRE ENCARGO E REMUNERAÇÃO
1. Considerações iniciais...........................................................................379
2. Onde e como é definido o encargo (“E”)...............................................379
3. Onde e como é definida a remuneração (“R”).......................................381
4. O que refletem o “E” e o “R”?...............................................................382
5. Equação econômico-financeira.............................................................383
6. Formalização do contrato......................................................................385
7. Execução do “E” e cumprimento do “R”................................................390
8. Alterações do “E”..................................................................................391
9. Alterações do “R”..................................................................................395
10. Desequilíbrio da equação e recomposição............................................395
11. Fatos que incidem sobre o “E” e o “R”...................................................398
11.1. Alterações das especificações do “E”............................................400
11.2. Alterações das quantidades do “E”................................................401
11.3. Alterações dos custos dos materiais empregados...........................402
11.4. Alterações dos custos da mão de obra...........................................402
11.5. Alterações dos impostos ou encargos legais (fato do prín-
cipe)..............................................................................................403
11.6. Eventos naturais (caso fortuito)......................................................403
11.7. Eventos humanos (força maior).....................................................404
11.8. Eventos da própria Administração (fato da Administração)............404
12. Revisão, reajuste e repactuação.............................................................404
13. Prazo de duração do contrato e prazo de execução do “E”...................408
14. Inexecução e rescisão do contrato.........................................................411
15. A formalização das alterações contratuais.............................................412

20
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Considerações Finais. ...........................................................................415

Anexos
FIGURA 1....................................................................................................435

FIGURA 2....................................................................................................437

FIGURA 3....................................................................................................439

FIGURA 4....................................................................................................441

FIGURA 5....................................................................................................443

FIGURA 6....................................................................................................445

FIGURA 7....................................................................................................447

FIGURA 8....................................................................................................449

FIGURA 9....................................................................................................451

FIGURA 10..................................................................................................453

FIGURA 11..................................................................................................455

FIGURA 12..................................................................................................457

FIGURA 13..................................................................................................459

FIGURA 14..................................................................................................461

FIGURA 15..................................................................................................463

FIGURA 16..................................................................................................465

FIGURA 17..................................................................................................467
O Processo de Contratação Pública

FIGURA 18..................................................................................................469

FIGURA 19..................................................................................................471

21
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Capítulo 1
O PROCESSO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA E
OS REGIMES JURÍDICOS QUE O DISCIPLINAM
(LEIS NºS 8.666/93 E 10.520/02)

1. Visão sistêmica do processo da contratação pública


1.

A contratação pública é uma realidade jurídica ampla, que


compreende o planejamento do que se quer contratar, a seleção da
melhor proposta1 e, por fim, a execução e gestão do contrato propria-
mente dito.

A expressão “contratação pública” é mais ampla do que o sen-


tido que revela a palavra “contrato”. A realidade do contrato admi-
nistrativo está inserida no contexto do que denominamos contratação
pública. Dito de outra forma, o contrato é uma das fases da contrata-
ção pública; as outras fases são a interna (planejamento e definição
das regras – edital) e a externa (seleção da proposta, que ocorre por
meio da licitação, dispensa ou inexigência).

É equivocado usar a palavra “licitação” para qualificar toda a


realidade da contratação pública, como acontece há décadas, por-
que a licitação é apenas uma das formas de realizar a fase externa do
processo de contratação pública, nada mais do que isso.

A licitação é um fenômeno que existe no processo de contra-


O Processo de Contratação Pública

tação apenas na sua fase externa, ou seja, a partir do momento em


que há publicidade do processo de contratação ou da convocação
dos agentes que atuam no mercado, estendendo-se até a declaração
final do vencedor da disputa.2 O que ocorre antes e depois no pro-
cesso de contratação não é licitação propriamente dita. A licitação

1 A seleção da melhor proposta envolve tanto a escolha de um proponente capaz


como também a melhor relação benefício-custo para o negócio. Ela é feita por meio
de licitação, dispensa ou inexigência.
2 Ou, pode-se dizer, até a adjudicação.

23
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Renato Geraldo Mendes

tem relação direta com a disputa entre os competidores, as ofertas por


eles apresentadas e a análise das suas condições pessoais.

Atualmente, a menor fase do processo e também a mais simples


é justamente a que envolve a licitação, que, no processo de contrata-
ção, visa, basicamente, a analisar as condições pessoais do licitante e
a julgar a sua proposta. Com o pregão, por exemplo, a licitação, em
muitos casos, é iniciada e concluída de forma bastante rápida. Logo,
ela se tornou algo simples e fácil, mas o mesmo não se pode dizer do
processo de contratação pública como um todo. Para chegar à licita-
ção, no entanto, é preciso planejar a contratação e definir o encargo
e todas as regras da disputa (que compõem o edital). Isso não é sim-
ples, nem fácil e nem rápido.

É principalmente na fase de planejamento da contratação que


surgem os grandes problemas e as dificuldades que terão de ser
superados.

Mas por que até hoje a palavra que qualifica toda essa realidade
jurídica tem sido exatamente “licitação”? Falar agora em processo de
contratação pública não seria uma moda que se quer lançar?

As duas questões são simples de ser respondidas.

Historicamente, a contratação pública sempre foi vista à luz da


fase externa (ofertas e disputa entre licitantes). Sempre ignoramos o pla-
nejamento e demos pouca importância para a gestão do contrato.

Não é à toa que não sabemos planejar a contratação nem fis-


calizar o contrato. Para ir mais a fundo, basta ver como a legislação
anterior e a vigente disciplinam, por exemplo, o planejamento da
contratação, que é a fase mais importante e da qual as outras fases
dependem. A constatação será unânime: o legislador fez pouco caso
do planejamento.

Ora, se o legislador ignorou o planejamento,3 por que os aplica-


dores da lei dariam importância para ele? É exatamente por isso que

3 Inclusive no plano constitucional.

24
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toda essa realidade jurídica é chamada de licitação. O que estamos


propondo é apenas colocar a licitação no seu devido lugar. Ou seja,
o planejamento da contratação deve passar de coadjuvante a ator
principal, e a licitação, de atriz principal à coadjuvante. Essa não é
uma mudança fácil, mas necessária.

Portanto, não se trata de um modismo. A proposição aqui é


uma nova forma de ver o fenômeno da contratação pública: na sua
dimensão exata, e não apenas parcial. É preciso esclarecer que isso
não é fruto de um estudo precipitado, mas sim de profunda e longa
reflexão, por nós defendida desde meados dos anos 90 e que ganha,
agora, maior consistência estrutural.

Podemos afirmar, então, que usaremos cada vez menos a palavra


“licitação” e cada vez mais a expressão “contratação pública”. Acredi-
tamos que a lei, no futuro, não mais fixará o regime jurídico das licita-
ções e dos contratos, como ocorre atualmente, mas o regime jurídico
da contratação pública ou do processo de contratação pública.

2. A contratação é uma realidade inserida na ideia de


2.
processo

Falar em contratação pública é falar em processo administra-


tivo. Há uma estreita relação entre os dois. A contratação pública
é uma realidade jurídica inserida na ideia de processo, pois é por
meio dele que ela é estruturada, desenvolvida, aperfeiçoada e atinge
o seu fim. Por isso, usaremos indistintamente as expressões contrata-
ção pública e processo de contratação pública.
O Processo de Contratação Pública

3. O que é o processo e por que ele existe?


3.

Processo de contratação pública é o conjunto de fases, etapas


e atos estruturado de forma lógica para permitir que a Administra-
ção, a partir da identificação precisa da sua necessidade e demanda,
possa definir com precisão o encargo desejado, minimizar seus ris-
cos e selecionar, isonomicamente, se possível, a pessoa capaz de
satisfazer a sua necessidade pela melhor relação benefício-custo.

25
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Renato Geraldo Mendes

A contratação pública visa a atender a determinada necessi-


dade/demanda administrativa. É preciso definir uma solução capaz de
satisfazer à necessidade e selecionar uma pessoa que possa viabilizá-
-la. Esse é o panorama que move qualquer relação contratual entre
pessoas; uma quer resolver um problema (necessidade) e, não tendo
como fazê-lo pessoalmente, precisa encontrar outra (parceiro) capaz
de garantir a solução desejada. Ou seja, é importante viabilizar um
acordo de vontades, isto é, o contrato. Assim, em razão do planeja-
mento, tem a Administração o dever de definir o melhor modelo de
contratação possível, a fim de assegurar a indispensável eficiência.

É necessário perceber que até aqui não há diferença entre a rea-


lidade que envolve a contratação pública e a privada. Nos dois casos
a situação é, fundamentalmente, a mesma. Mas o que diferencia a
realidade pública da privada em relação à formação do acordo de
vontades?

A resposta é a obrigatoriedade de assegurar, em princípio,


mediante possibilidade de competição, tratamento isonômico na
escolha da pessoa que vai viabilizar a solução. Ou seja, se o titu-
lar da necessidade é o Poder Público (ou quem a ele se equipare por
força da ordem jurídica), não tem ele a liberdade de escolher, como
regra, livremente quem será a pessoa que irá viabilizar a solução para
atender à sua necessidade, salvo situações nas quais a competição é
inviável4 ou naquelas excepcionadas pela própria ordem jurídica.5

Então, surge uma questão para ser resolvida. Como selecionar


uma pessoa capaz de atender à necessidade da Administração e, ao
mesmo tempo, garantir tratamento isonômico para todos os interessa-
dos? Depois de muita reflexão, concluiu-se que a melhor forma para
fazer isso seria por meio de um conjunto de fases, etapas e atos, ou
seja, um processo formal.

O que diferencia a formação da relação contratual privada da


pública, sob o seu ponto de vista essencial, é que a primeira pode ser

4 Em capítulo específico, esclareceremos o que se deve entender por competição


inviável.
5 A exceção deve atender a valor propriamente constitucional.

26
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formada sem que seja preciso garantir igualdade, com liberdade para
a seleção, pelo interessado, da pessoa que ele entenda a mais capaz
de viabilizar a solução e pelo preço que ele julgar o melhor, ainda que
viável a competição entre potenciais interessados. Na segunda relação
(pública), não há, em princípio, essa liberdade, pois a seleção deve
respeitar a igualdade, salvo quando configurada a inviabilidade de
competição. Para que essa igualdade seja respeitada, é indispensável
a estruturação de um procedimento formal (a licitação) definido legal-
mente e que permita a escolha de acordo com um critério objetivo.

Essencialmente, o processo da contratação pública, tal como


foi definido pela legislação vigente, justifica-se em razão de a Admi-
nistração ter de satisfazer uma necessidade específica e ter de aten-
der, simultaneamente, a outros valores jurídicos definidos pela pró-
pria Constituição Federal. A característica básica do processo de con-
tratação é revelada por um dos seus procedimentos (a licitação), que
é informado por duas condições básicas: obrigatoriedade de garantir
tratamento isonômico a todos os interessados e de realizar a seleção
do futuro parceiro com base em critérios objetivos previamente defi-
nidos. Salvo exceções definidas em lei, conforme determina a própria
Constituição Federal, a escolha do parceiro deve ser feita de acordo
com as referidas condições. No entanto, o valor mais importante do
processo de contratação pública não é a igualdade, mas a satisfa-
ção e o atendimento da efetiva necessidade/demanda. A igualdade
é o valor mais importante da licitação, enquanto procedimento que
informa o processo. Não se pode confundir o pressuposto do pro-
cesso (que é a necessidade) com o da licitação (que é a igualdade),
nem a finalidade dele com a da licitação, pois são distintas.
O Processo de Contratação Pública

4. Validade dos atos do processo


4.

No processo, cada ato desempenha uma função própria, ou


seja, existe para atender a um propósito específico. Todos os atos
integrantes do processo visam a um único fim: a plena satisfação da
necessidade da Administração.

Sob o ponto de vista legal, por exemplo, o último ato da fase


externa não existirá validamente se os anteriores não forem praticados

27
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Renato Geraldo Mendes

de acordo com os valores materiais que norteiam a ordem jurídica.


A validade do ato final pressupõe a validade dos anteriores. Se um
ato é declarado inválido, os posteriores também serão inválidos, por-
que um depende do outro. Há, portanto, uma relação de conexão e
dependência entre os diversos atos do processo. Tal relação é funda-
mentalmente de natureza material, ou seja, não se declara nulidade
por descumprimento de condição meramente formal.

Então, se o processo é um conjunto de atos e cada um deles


tem relação direta com os demais, é necessário primar para que todos
sejam realizados conforme determina essencialmente a ordem jurí-
dica, sob pena de não ser atingido o resultado final pretendido. Não
estamos falando aqui de descumprimento de mera questão formal,
mas sim de violação de condição de natureza material, cujo funda-
mento último de validade é a efetiva necessidade a ser atendida.

5. Pressuposto e finalidade do processo


5.

É importante não confundir o pressuposto com a finalidade do


processo de contratação, nem o pressuposto da licitação com a sua
finalidade.

Pressuposto é o antecedente necessário, é a razão que motiva e


justifica algo. A finalidade é o que se quer atingir, aonde se quer che-
gar. Assim, os fins devem atender aos meios definidos e respeitar o
pressuposto estabelecido.

O pressuposto do processo é a existência da necessidade


pública, e não necessariamente a garantia da igualdade na seleção de
terceiros. A igualdade é necessariamente pressuposto da licitação,6 e
não do processo de contratação pública. Em regra, o processo é reali-
zado por meio da licitação, o que equivale a dizer que na maior parte
dos casos a fase externa do processo é conduzida de modo a respei-
tar o tratamento isonômico na seleção do terceiro. Dizer que essa é
a regra equivale a dizer que a licitação é o procedimento padrão a
ser observado, mas não que ela é o único caminho para realizar o

6 A licitação é um dos procedimentos que informa o processo.

28
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processo. Com isso, afirmamos que a necessidade pública pode ser


satisfeita por meio da escolha de um parceiro de forma isonômica ou
por outro meio (não isonômico), que se justifica em razão da inviabi-
lidade de competição. A licitação pressupõe igualdade; esta, neces-
sariamente, depende da viabilidade de competição. E também, viabi-
lidade de competição não se confunde com possibilidade de disputa,
pois são diferentes.

A finalidade do processo, por sua vez, é o pleno atendimento da


necessidade/demanda que deflagrou a contratação pública. Assim, a
finalidade não é garantir a igualdade, mas satisfazer integralmente
a própria necessidade da Administração, mesmo que isso tenha de
ocorrer sem que a igualdade seja observada, tal como nos casos de
inexigibilidade. Portanto, a igualdade é pressuposto necessário de um
dos procedimentos do processo – a licitação, não propriamente do
processo, enquanto realidade amplamente considerada.

A finalidade da licitação não é garantir a igualdade, pois esse é


o seu pressuposto. A finalidade dela é a obtenção da melhor relação
benefício-custo, tal como na inexigibilidade. O que difere a licitação
da inexigibilidade é o pressuposto, e não o fim, pois este é essencial-
mente o mesmo: obter o melhor encargo com o menor dispêndio de
recurso financeiro (ou seja, a melhor relação benefício-custo).

No plano jurídico, a igualdade é sempre um valor relativo, e


não absoluto. Ter clareza sobre isso é fundamental para compreender
a distinção entre o cabimento da licitação e o da inexigibilidade, pois
essa diferença traduz a essência do próprio regime jurídico da contra-
O Processo de Contratação Pública

tação pública, conforme veremos melhor adiante.

6. O processo e suas diferentes fases


6.

A nova visão da contratação pública considera esse fenômeno


de forma ampla, integrada e precisa. A contratação passa a ser vista
como um fenômeno estruturado em três fases distintas: interna,

29
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Renato Geraldo Mendes

externa e contratual.7 A fase interna destina-se a realizar o planeja-


mento da contratação, a definir o melhor modelo, a fixar o encargo,
a reduzir possíveis riscos e a formalizar todas as condições no edital.
A fase externa visa a apurar as condições pessoais dos licitantes e a
identificar a melhor relação benefício-custo para a Administração. Na
fase contratual, o encargo é cumprido pelo contratado e a remunera-
ção (preço) é paga pela Administração.

Fundamentalmente, a nova visão de processo está centrada na


ideia de planejamento da contratação. Planejamento num sentido
amplo e preciso. Essa nova visão parte da certeza de que é o plane-
jamento (fase interna) que condiciona todas as demais fases e etapas
do processo e determina ou não o sucesso da contratação. Logo, ela
é a mais importante de todas as três fases, e não a licitação ou o con-
trato, como se imagina em razão da visão tradicional.

Também é preciso dizer que a forma de condução da fase


externa não se restringe à licitação. A fase externa do processo é o
momento em que se verifica a ocorrência tanto do que se chama de
licitação como da sua dispensa ou inexigência. Ela é caracterizada
por dois procedimentos distintos: a licitação e a contratação direta
(dispensa e inexigência). A licitação, por sua vez, admite diferentes
variações procedimentais, que a legislação qualifica como modalida-
des de licitação (concorrência, leilão, pregão, etc.).

Portanto, o processo não é uma realidade uniforme, ou seja,


como um conjunto de fases, etapas e atos, ele não apresenta uma
única estrutura, mas uma conformação que pode variar de acordo
com determinadas condições. Para que exista legalmente um

7 Não é a indicação das três fases (interna, externa e contratual) que diferencia a nova
visão da concepção tradicional, mas como elas são vistas, concebidas e estruturadas.
Tradicionalmente, sempre se falou em fase interna, externa e contratual. Isso não é
novidade. No entanto, tais rótulos eram empregados para qualificar outra realidade e
conteúdo. Portanto, os rótulos são os mesmos, não o sentido e o conteúdo atribuídos a
cada um. Ademais, preferimos manter a denominação de interna, externa e contratual
para qualificar as três fases, mantendo o que está consagrado e evitando inovar onde
não precisa. Talvez o mais indicado até fosse falar em fase de planejamento, seleção
de proposta e de gestão contratual, o que não se descarta que possa vir a ocorrer num
futuro próximo.

30
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procedimento ou uma variação procedimental, é necessária uma


razão lógica capaz de justificá-lo.
No entanto, é importante acentuar que a diferença procedi-
mental que podemos observar no processo de contratação pública
ocorre, fundamentalmente, na sua fase externa.

7. O processo e a formação do acordo de vontades


7.
A nova visão de processo, além de ressaltar a importância
essencial da fase de planejamento, possibilita compreender com
mais facilidade a ideia de contrato como acordo de vontades e a
maneira pela qual ele é formado.
É reconhecido por todos que atuam na área jurídica que o con-
trato traduz um acordo de vontades, e isso está dito no parágrafo
único do art. 2º da Lei nº 8.666/93. Assim, em relação ao contrato
administrativo, é preciso identificar em que momento do processo de
contratação ocorre tal acordo e como ele é constituído.
Não é difícil perceber que a vontade da Administração é inte-
gralmente manifestada no edital. Essa manifestação de vontade,
decorrente do planejamento, é escrita, pois o edital é materializado
em um instrumento e assinado por agente competente da Adminis-
tração e, se tudo isso não bastasse, é ainda publicado. Com a publi-
cação do edital, a Administração manifesta formal e materialmente a
sua vontade, para todos os efeitos jurídicos. Portanto, com o edital,
temos a primeira vontade do futuro acordo.
Com a publicação do edital, deflagra-se a licitação, pois antes
O Processo de Contratação Pública

de tal providência não se fala em licitação. Não se pode confundir o


processo de contratação com a licitação, pois esta é apenas um dos
possíveis procedimentos de uma das suas fases: a externa. Por outro
lado, as propostas apresentadas pelos licitantes durante a licitação
nada mais são do que manifestações de suas vontades. Depois da
devida análise das propostas apresentadas, a Administração escolhe,
de acordo com o critério objetivo, uma delas como a melhor, que é
aceita como a manifestação de vontade que faltava para concretizar o
acordo. Assim, com a aceitação da proposta temos a segunda mani-
festação de vontade.

31
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Renato Geraldo Mendes

Com efeito, é dessa aceitação criteriosa, convencionalmente


chamada de adjudicação, que nasce o contrato, e não apenas a mera
expectativa de direito ao contrato, conforme entendimento ainda
dominante na doutrina e na jurisprudência. Não há, de minha parte,
nenhuma dúvida de que com a adjudicação nasce o contrato, sob os
pontos de vista formal e material. Sob o ponto de vista formal, o acordo
de vontades está formalmente materializado no edital e na proposta
vencedora. Aliás, documentos que se revestem de todas as exigências
legais. Sob o ponto de vista material, o edital traduz o encargo dese-
jado pela Administração para atender à sua necessidade, e a proposta
vencedora expressa a remuneração desejada pelo particular para cum-
prir o encargo. Com isso, temos o conteúdo ou núcleo material do
contrato, ou seja, o encargo e a remuneração. Portanto, o contrato está
firmado, sob os pontos de vista material e formal.

É engano achar que a transposição das condições materiais


contidas nos dois documentos (edital e proposta), para atender a uma
exigência formal (o termo de contrato, por exemplo), faz nascer o
contrato. Isso não é verdade, pois o contrato nasce durante a fase
externa (licitação, dispensa ou inexigência), e não depois dela.

Estamos bem perto de reconhecer que o contrato é concreti-


zado durante a licitação, e não depois dela. O que acontece depois
da licitação é a materialização, em um único instrumento de con-
trato, do que já foi celebrado e está formalizado em dois distintos
instrumentos (o edital e a proposta vencedora). Para concluir, como
realidade jurídica, o contrato não decorre do instrumento contra-
tual assinado pelas partes, mas do ato de adjudicação, pois é ele que
legitima a relação contratual para todos os efeitos legais, ou seja, a
adjudicação faz nascer o negócio jurídico perfeito.

8. O processo é regulado por dois regimes jurídicos


8.

A finalidade de qualquer lei é disciplinar determinada realidade


social, estabelecendo como as coisas devem ser. Para regular a ativi-
dade contratual do Estado, com procedimentos a serem observados e
atos a serem praticados, existem duas leis fundamentais em vigor no
Brasil: a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02.

32
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A Lei nº  8.666 foi editada em 1993 e retrata um modo espe-


cífico de contratar obras, serviços e compras no setor público. A Lei
nº 10.520, de 17 de julho de 2002, expressa outra forma de processar
a fase externa do processo de contratação pública. As duas Leis estão
em vigor e são aplicadas simultaneamente pela Administração Pública.

A Lei nº 8.666/93 tem, em princípio, aplicação para todo tipo


de contratação, isto é, para obras e serviços de engenharia, serviços
técnicos, alienações de bens e compras em geral.

A Lei nº 10.520/02 introduziu a modalidade pregão para todos


os órgãos/entidades da Administração Pública e deve ser utilizada
para a aquisição de bens e serviços comuns.

Em princípio, como a Lei nº 10.520/02 regula apenas o procedi-


mento da modalidade pregão para bens e serviços comuns, os demais
objetos (obras e serviços de engenharia, alienações, serviços não
comuns e aquisições especiais) continuam a ser licitados de acordo
com a Lei nº 8.666/93. Mas há uma tendência de mudança do quadro
atual em relação a essa questão, pois se pretende que o cabimento do
pregão seja definido em função do tipo de licitação menor preço. No
entanto, essa não é a melhor solução para a contratação pública.

Como a Lei nº  8.666/93 tem uma disciplina mais ampla e é


mais bem estruturada do que a Lei nº 10.520/02, o legislador deci-
diu que a Lei nº 8.666/93 seria aplicada de forma subsidiária em rela-
ção à modalidade pregão. Isso significa dizer que sempre que uma
situação não for regulada pela Lei nº  10.520/02, caberá ao aplica-
dor valer-se da Lei nº 8.666/93 para resolver o problema. Por essas e
O Processo de Contratação Pública

outras razões, a Lei nº 8.666/93 passou a ser denominada de lei geral.

9. Por que foi editada a Lei nº 10.520/02 (pregão)?


9.

Permanecer durante décadas conduzindo a licitação para a con-


tratação de fornecimento de água mineral ou de caneta esferográfica
da mesma forma que para a contratação da execução de uma grande
obra de engenharia ou de serviços intelectuais resultou em grande
desgaste. Desgaste esse totalmente desnecessário e que poderia ter

33
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Renato Geraldo Mendes

sido evitado já em 1986, quando da edição do Decreto-lei nº 2.300.


Mas o fato é que não foi.

Com o advento do pregão, passamos a fazer de maneira mais


simples e rápida o que era muito complicado e demorado, ou seja,
agimos de forma mais eficaz. Isso criou a impressão de que antes fazí-
amos tudo errado. Com isso, nasce uma falsa certeza de que é possí-
vel fazer tudo com muita rapidez e reduzindo etapas e atos. Essa, no
entanto, é uma meia verdade. De fato, agíamos errado, mas não em
tudo, apenas em parte. Aliás, fazíamos de forma errada exatamente
o que passamos a fazer certo com a ideia original do pregão – bens
e serviços comuns. Portanto, a sensação serve apenas para um grupo
determinado de bens e serviços, e não para todas as outras soluções
(obras, serviços técnicos, aquisições especiais, etc.).

No entanto, a sensação atual é a de que é possível generalizar


a nova solução (o pregão) para todas as contratações, o que não é
correto. Erramos antes, quando submetemos todas as contratações
ao regime da Lei nº 8.666/93. Erraremos agora se submetermos todas
as contratações ao regime da Lei nº 10.520/02. É certo que não havia
mais sentido continuar a licitar bens e serviços comuns por meio de
um sistema cuja estrutura foi idealizada para contratar obras e servi-
ços de engenharia e serviços intelectuais.

É importante ter a clareza de que não existe um único remédio


para todos os problemas. Assim como a Lei nº 8.666/93 não resolveu
todas as nossas demandas, também o pregão não pode cumprir esse
papel.

Por outro lado, o grande problema da fase externa sempre foi


a existência de apenas uma forma de processar a licitação (isto é, a
prevista na Lei nº 8.666/93). Todas as soluções eram submetidas ao
mesmo esquema de contratação, pouco importando se fosse obra ou
serviços de engenharia, serviços intelectuais ou, ainda, bens e servi-
ços comuns. Isso foi resolvido. O que surge agora é a necessidade de
cuidar para que a solução (o pregão) idealizada para resolver um pro-
blema específico não seja a causa de outro. É preciso ter cautela, pois
há fortes sinais de que isso possa vir a ocorrer.

34
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10. Por que o pregão não é capaz de resolver o nosso


10.
principal problema da contratação?

O pregão foi uma das melhores coisas que aconteceu nos últi-
mos anos em termos de contratação pública. Mas é um equívoco
pensar que ele resolveu o nosso principal problema. E o eventual
equívoco resulta justamente da nossa visão limitada do fenômeno
da contratação pública. Como afirmamos, o pregão nada mais é do
que uma modalidade de licitação, ou seja, com ele, passamos a ter
outra alternativa para processar a fase externa da contratação. A Lei
nº  10.520/02, que regula o pregão, não trouxe nenhuma mudança
significativa para o planejamento da contratação ou mesmo para a
gestão do contrato. Essa Lei, praticamente, regula o processo a partir
da publicação do edital. Assim, voltamos ao problema inicial, que é
como chegar até o edital. Portanto, a questão em torno do planeja-
mento permanece intocada ou disciplinada em termos muito genéri-
cos.8 O que a Lei nº 10.520/02 se dispôs a resolver ela resolveu – o
problema da fase externa. No entanto, há ainda a grande dúvida que
permanece sem solução: como planejar da melhor forma possível a
contratação pública? Essa é a questão que precisa ser entendida por
todos, principalmente por quem legisla. O pregão é uma solução que
proporciona eficiência em relação à segunda fase do processo, mas o
problema maior não está mais nela, e sim no que vem antes – o pla-
nejamento. Não podemos esquecer que a fase externa é condicio-
nada pela interna.

11. As grandes fases do processo de contratação e suas


11.
disciplinas legais em cada um dos regi mes jurídicos
O Processo de Contratação Pública

vigentes (Lei nº 8.666/93 e Lei nº 10.520/02)

Considerando que o processo de contratação pública é estrutu-


rado em três grandes fases (interna, externa e contratual), é possível
avaliar a disciplina de cada regime em relação a elas.

8 Com a Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008, avançamos no planeja-


mento da contratação de serviços. O mesmo se pode dizer em relação à contratação
dos serviços de tecnologia da informação, com a Instrução Normativa nº 04, de 19
de maio de 2008.

35
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Renato Geraldo Mendes

11.1. fase interna (planejamento e edital) da contratação em


11.1. A
cada um dos regimes

É possível dizer que a diferença entre os dois regimes jurídicos


não reside na fase de planejamento da contratação. Aliás, conside-
rando apenas a fase de planejamento, é até válido dizer, com base na
análise das Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02, que não há dois regimes
jurídicos distintos, mas apenas um. Um dos aspectos que torna um
regime jurídico distinto de outro é a estrutura lógica utilizada para a
sua construção, e não pequenas exigências ou rótulos distintos para
qualificar a mesma realidade.

Nesse sentido, é perfeitamente possível afirmar que, sob o ponto


de vista essencial, não há diferença entre as exigências que devem
ser realizadas no planejamento de um pregão e de uma concorrência,
por exemplo. Na verdade, não planejamos uma concorrência ou um
pregão, mas uma contratação. Basicamente, o fato de adotar concor-
rência ou pregão não altera as etapas e os principais atos relativos ao
planejamento. A escolha da modalidade altera a forma de condução
da fase externa, mas não do planejamento.

Claro que a escolha da modalidade, que é uma decisão que


deve ser adotada por ocasião do planejamento, enseja algumas pro-
vidências e decisões peculiares, mas isso não modifica a estrutura das
diversas etapas que integram a fase de planejamento.

11.2. condução da fase externa (licitação, dispensa e inexigência)


11.2. A
em cada regime (análise da pessoa e seleção da proposta)

Se em relação à fase de planejamento não há diferenças essen-


ciais entre os dois regimes jurídicos que disciplinam a contratação
pública, o mesmo não é possível dizer sobre a fase externa do pro-
cesso. Sob o ponto de vista de concepção, estruturação e condução,
há diferença substancial entre a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02,
por exemplo. Portanto, em relação à fase externa, é perfeitamente viá-
vel afirmar que há realmente regimes jurídicos totalmente distintos.

Há diferenças a serem reconhecidas entre o rito da licitação


previsto na Lei nº  8.666/93 e o definido na Lei nº  10.520/02, bem

36
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como entre a licitação e a dispensa e a inexigibilidade, por exemplo.


Dependendo do procedimento a ser adotado na fase externa (lici-
tação ou contratação direta), haverá regimes jurídicos diferentes a
serem observados, mesmo previstos numa mesma lei.9 Da mesma
forma, se o procedimento definido for o da licitação, haverá, basica-
mente, dois regimes distintos (o da Lei nº 8.666/93 e o do pregão).

Em comum nos dois regimes jurídicos da licitação existe o fato


de que a fase externa é estruturada para que seja feita a análise das
condições pessoais do licitante e da sua proposta. No entanto, o que
muda, em termos essenciais, é o momento em que ocorre cada uma
das análises.

É possível dizer que o regime da Lei nº  10.520/02 mantém a


tradição de possibilitar, na fase externa do processo, a promoção da
análise da pessoa e da proposta, tal como ocorre na Lei nº 8.666/93.
A diferença entre os regimes, no entanto, fica por conta da ordem
a ser adotada para a realização de cada análise respectiva. Dessa
forma, na Lei nº 8.666/93, a análise da pessoa do licitante antecede e
condiciona a da proposta, e no pregão, ela é posterior. É por isso que
se fala em inversão das fases (ou, como preferimos, de etapas).

É preciso perceber que a decisão de licitar ou contratar dire-


tamente, bem como a de escolher uma das modalidades da Lei
nº  8.666/93 ou o pregão, que ocorre na fase interna, vai impactar
diretamente na estrutura da fase externa do processo. Logo, há uma
relação direta e determinante entre as duas coisas.

11.3. A disciplina da fase contratual


11.3.
O Processo de Contratação Pública

A terceira e última grande fase da contratação pública é a con-


tratual ou a do contrato propriamente dito. O contrato é o resultado
de tudo o que foi feito nas duas fases anteriores, pois nada mais é do
que uma relação entre o encargo e a remuneração. É na fase contra-
tual que o encargo é cumprido e a remuneração é paga, exatamente
nessa ordem.

9 Não se deve confundir regime jurídico com a lei formal na qual ele está disciplinado.
Em uma mesma lei podem existir um ou mais regimes jurídicos distintos.

37
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Renato Geraldo Mendes

Sob o ponto de vista legal, toda a disciplina relativa ao contrato


está prevista na Lei nº 8.666/93, não havendo normas sobre contratos
na Lei nº 10.520/02.

A explicação para isso é simples. A Lei nº 10.520/02 foi editada


com a missão exclusiva de introduzir uma nova modalidade de lici-
tação, e não instituir um novo processo de contratação. Ela apenas
regulou uma das fases do processo: a externa (ou o procedimento da
licitação). Por esse motivo, o Capítulo III da Lei nº 8.666/93, que se
inicia no art. 54, tem aplicação em todos os casos de contratação,
pouco importando se a licitação que antecedeu a fase contratual foi
processada de acordo com um ou outro regime jurídico, ou seja, se
foi por concorrência ou pregão, bem como dispensa ou inexigência.

12. O que é mais difícil no processo de contratação


12.
pública?

O mais difícil na contratação pública é o seu planejamento.


Aliás, não apenas é, mas sempre foi e sempre será o mais complicado
de realizar. A dificuldade no planejamento está no fato de que seu
objetivo é realizar quatro providências fundamentais: a identifica-
ção da necessidade, a definição integral do encargo, a redução dos
riscos e a fixação adequada das regras de disputa (o edital). O edital,
nesse sentido, é o documento que formaliza o planejamento. Assim,
definir o encargo não é uma coisa simples; muito pelo contrário, é
uma atividade complexa e que exige muita informação e conheci-
mento de quem vai realizá-la.

Ainda não está claro o fato de que é com base no encargo defi-
nido (fase de planejamento) que o licitante fixará a remuneração a ser
cobrada (fase externa). E mais, que a fase contratual se destina a exi-
gir o que foi definido no encargo em decorrência do planejamento e
a pagar a remuneração apurada na fase externa.

Há, portanto, um estreito relacionamento entre as três fases,


mas o que calibra todo o processo de contratação é a necessi-
dade/demanda a ser atendida, da qual decorre o encargo, pois é

38
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com base nele que a remuneração é fixada e a obrigação contratual


do terceiro é cumprida.

13. Por que dois regimes jurídicos diferenciados para a


13.
contratação pública? Um só não seria suficiente?

Um único regime jurídico não é suficiente. Existem realidades


distintas e, para cada qual delas, deve haver um regime próprio de
disciplina. O que é possível é uma única lei regular os distintos regi-
mes, isto é, um único texto normativo. Não podemos confundir lei
com regime jurídico, pois uma só lei pode albergar diversos regimes
jurídicos.

No caso das modalidades de licitação, por exemplo, a necessi-


dade dos dois regimes justifica-se porque existem, em princípio, duas
realidades distintas, e cada qual deve ser regulada diferentemente,
sob pena de uma delas ser sacrificada. Aliás, foi isso que ocorreu no
Brasil até a introdução do pregão. Durante décadas, duas realidades
distintas foram submetidas a um único regime jurídico e, por força
disso, eram contratadas da mesma forma, de acordo com o mesmo
rito e observando as mesmas exigências. Realidades diversas devem
ser resolvidas de forma diferente, essa é a lógica que norteia a natu-
reza de tudo, bem como o Direito como sistema normativo. Por isso,
a par da licitação existe um procedimento distinto para contratar
soluções especiais (dispensa e inexigência).

Mas, em relação às modalidades de licitação, quais são as


O Processo de Contratação Pública

diversas realidades que precisam ser contratadas de modo diferente?


E por quê?

Uma situação é contratar uma solução que deve ser feita sob
encomenda e cuja realização depende da capacidade técnica de
quem vai cumprir a obrigação; outra é desejar uma solução que não
depende de tal capacidade, pois a solução nem sequer será feita por
quem vai entregá-la. Dito de outra forma, desejar contratar uma pes-
soa para viabilizar diretamente a própria solução é diferente de pre-
tender adquirir um bem pronto e acabado.

39
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Renato Geraldo Mendes

A Lei nº 8.666/93 foi estruturada com o objetivo precípuo de


selecionar pessoas, e não coisas. Por sua vez, a Lei nº  10.520/02
(pregão) foi idealizada para selecionar coisas, e não pessoas. Essa
diferença essencial não está sendo percebida pela doutrina especiali-
zada, pelos tribunais de contas e pelo Judiciário. Sem considerar isso,
não será possível aplicar corretamente os dois regimes. É verdade, no
entanto, que tal diferença não é percebida tão facilmente, exigindo
um esforço interpretativo considerável. Esse esforço interpretativo foi
realizado nos diversos capítulos desta obra, com o propósito de auxi-
liar a compreensão desse sutil fenômeno.

A Lei nº 8.666/93 foi idealizada pelo setor da construção civil.


Essa área, evidentemente, estava preocupada em resolver o problema
da contratação de obras e serviços de engenharia, e não de outras
soluções. Obras e serviços de engenharia são soluções feitas sob
encomenda, isto é, dependem de uma pessoa (física ou jurídica) que
possa viabilizá-las pessoalmente. Há uma diferença sutil em relação
a esse tipo de solução se comparada à aquisição de bens e serviços
comuns (veículos, por exemplo). É importante perceber que não se
adquire uma obra de engenharia. Seleciona-se ou contrata-se uma
pessoa para executar um projeto (básico e executivo), cujo resultado
é (ou deve ser) uma obra de engenharia.

Portanto, há realidades distintas e que precisam ser disciplina-


das diferentemente. A argumentação acima sobre o cabimento dos
dois regimes será mais bem exposta nos demais capítulos deste traba-
lho, ocasião em que trataremos das modalidades e faremos também
a distinção entre o regime da licitação e o da contratação direta, pois
os dois fenômenos ensejam regimes jurídicos distintos, como deter-
mina a própria Constituição Federal no inc. XXI do seu art. 37. Reto-
maremos esse assunto adiante.

14. O regime jurídico da Lei nº 10.520/02 (pregão) é mais


14.
moderno e melhor do que o da Lei nº 8.666/93?

Sob o ponto de vista da licitação, é despropositado afirmar que


o regime jurídico da Lei nº 8.666/93 é melhor do que o do pregão ou
vice-versa. Como dissemos, os dois se complementam, destinam-se a

40
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resolver problemas e situações diversas. Seria razoável dizer, apenas


e tão somente, que o regime da Lei nº 10.520/02 é o mais adequado
para contratar bens e serviços comuns do que o da Lei nº 8.666/93.
Da mesma forma, o rito previsto na Lei nº 8.666/93 é mais apropriado
para licitar obras e serviços técnicos. Assim, se o encargo envolve
bens e serviços comuns, a modalidade a ser adotada deve ser o pre-
gão, e não as previstas na Lei nº 8.666/93.

15. Os dois regimes jurídicos são complementares?


15.

Hoje há a sensação de que o pregão veio para substituir as moda-


lidades da Lei nº 8.666/93. Mas isso não irá acontecer, apesar de haver
um esforço nesse sentido, conforme revela a proposta de alteração da
legislação vigente que tramita no Congresso Nacional. Quando afirma-
mos isso, a nossa certeza se assenta na lógica que norteia o sistema da
contratação pública, pois precisamos dos dois regimes jurídicos, e não
de apenas um deles. Os dois regimes não brigam entre si, são comple-
mentares. Ademais, existem realidades distintas que demandam pro-
cedimentos diversos. A mesma coisa ocorre em relação à licitação e à
inexigibilidade, por exemplo. Nesse caso, deve-se reconhecer que, em
determinadas situações, a satisfação da necessidade não pode ocorrer
pela licitação, exigindo outro tipo de procedimento.

16. Por que há tantos problemas na área da contratação


16.
pública e por que eles sempre se repetem de forma cíclica?
O Processo de Contratação Pública

Sempre tivemos grande incapacidade de diagnosticar proble-


mas na área da contratação pública, o que se deve, em grande parte,
à visão equivocada e parcial do fenômeno. Na maior parte dos casos,
o que parece ser um problema de licitação ou do contrato é, na ver-
dade, quase sempre, de planejamento. Dessa forma, apesar de parte
considerável dos problemas nascer na fase interna (durante o plane-
jamento da contratação), a sua repercussão só é percebida nas fases
posteriores do processo (licitação e contrato). Isso cria a sensação de
que o problema nasce na fase em que surge, o que, normalmente,
não é verdade.

41
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Renato Geraldo Mendes

Como não conseguimos identificar com precisão a fonte dos


problemas, ou seja, o inadequado planejamento, as situações tendem
a se repetir de forma cíclica, porque não atuamos de modo a elimi-
nar a sua causa. Quando se elimina a consequência do problema, e
não a sua causa, ele tende a se tornar cíclico, por isso temos tantas
questões que se repetem e se renovam no tempo. Portanto, enquanto
se pensar que o problema está na licitação e no contrato, ele conti-
nuará cíclico e crônico. Não adianta simplesmente determinar, por
exemplo, que o acréscimo quantitativo do objeto deve ser reduzido
de 25% para 10%,10 enquanto o planejamento não for melhorado.
Problema de acréscimo contratual não nasce na execução do con-
trato, mas decorre da incapacidade de planejar a contratação, espe-
cialmente de identificar qual é a necessidade da Administração, ou
seja, a causa do problema não está na terceira fase do processo, e sim
na primeira etapa da primeira fase dele.

17. Por que há dificuldades para entender a legislação


17.
vigente, a estrutura e os institutos da licitação e do
contrato? Como é possível superar isso?

Primeiro, é preciso ter a clareza de que todos os que atuam


na área da contratação, em quaisquer de suas fases e etapas, tomam
decisões. Para decidir nesse campo de atuação, é preciso conhecer a
ordem jurídica, pois é nela que as decisões têm seu fundamento de
validade. Não há nenhum problema na área da contratação pública
que não possa ser resolvido com base na ordem jurídica vigente.

O primeiro grande desafio é interpretar corretamente essa


ordem jurídica, pois sem isso não é possível tomar decisões válidas e
resolver os problemas.

A segunda grande dificuldade para compreender a legislação


vigente está relacionada à visão parcial da própria fase interna do
processo de contratação. É muito comum pensar que planejar uma
contratação é simplesmente elaborar o edital. Há um roteiro para

10 Tal como fez a Lei nº 12.465/11 (LDO/2012) no inc. III do § 6º do seu art. 125.

42
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elaborar o edital (art. 40 da Lei nº 8.666/93), mas não conhecemos


a estrutura do planejamento nem as condições que devem ser obser-
vadas para que ele ocorra da melhor forma possível. Portanto, é fun-
damental superar a ideia de que planejar a contratação se resume a
elaborar o edital; isso é um grande equívoco.

O terceiro grande problema tem relação direta com a própria


visão limitada do fenômeno e reside na forma adotada para ensinar
o tema contratação pública. Aliás, é preferível dizer que, de modo
geral, não se ensina contratação pública (planejamento, licitação e
contrato), mas apenas licitação e contrato. É como se o aprendizado
não tivesse começo, meio e fim, mas apenas meio e fim, mesmo que
o que condiciona o meio e o fim seja o começo. Assim, o ensino do
tema deve ser feito de acordo com a estrutura do processo, pois isso
possibilitará a compreensão de todo o fenômeno, e não apenas de
parte dele.

Ademais, cada agente envolvido deve ter clareza em torno da


finalidade dos institutos relacionados à contratação, isto é, o que é
objeto, regime de execução, modalidade, tipos, o que compreende
o encargo, o que é o preço, o que representa a habilitação, para que
serve a impugnação e o recurso, etc. Sem compreender todos os ins-
titutos relacionados e sem ter a clareza de todas as etapas que devem
ser observadas nas fases interna e externa não é possível entender a
ordem jurídica e o fenômeno da contratação tal como devem ser.

Para superar as dificuldades atuais de aprendizagem e a com-


preensão da legislação vigente, é necessário construir uma nova con-
cepção e um novo modelo de contratação, bem como entender qual
a finalidade de cada ato ou decisão dentro do processo, com base em
O Processo de Contratação Pública

uma nova perspectiva de interpretação da ordem jurídica. Aliás, esse


é o objetivo precípuo desta obra.

43
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Capítulo 2
OS PILARES DE SUSTENTAÇÃO DO
REGIME JURÍDICO DA CONTRATAÇÃO
PÚBLICA (LEIS NºS 8.666/93 E 10.520/02) –
QUATRO ASPECTOS FUNDAMENTAIS
PARA ENTENDER A CONTRATAÇÃO

1. Considerações iniciais
1.

Toda contratação se desenvolve dentro das perspectivas de: a)


existência de uma necessidade a ser satisfeita; b) identificação de
uma solução (encargo/objeto) capaz de satisfazer a necessidade; c)
seleção de uma pessoa com condições de viabilizar a solução; e
d) melhor equivalência entre o encargo (objeto) a ser cumprido e a
remuneração a ser paga.

Essas perspectivas ocorrem em razão de a Administração estar


diante de um problema e precisar resolvê-lo. Para tanto, é necessário
encontrar alguém que possa oferecer a solução desejada e que cobre
por isso um preço justo. A seleção da pessoa que vai oferecer a solu-
ção deve ser feita, em princípio, garantindo-se tratamento isonômico.

Mediante um processo, a Administração avaliará quem reúne


ou não condições de resolver o seu problema. Para que isso seja pos-
sível, a Administração terá de, previamente, definir todas as exigên-
O Processo de Contratação Pública

cias necessárias e divulgá-las, tanto em relação à solução desejada


quanto no tocante às condições pessoais que devem possuir os inte-
ressados em com ela contratar. Resumidamente, o processo de con-
tratação pública tem esse conteúdo e se desenvolve em função dessa
perspectiva.

Esse quadrinômio básico (problema, solução,11 terceiro e rela-


ção benefício-custo) forma os pilares que sustentam e estruturam

11 Encargo (objeto).

45
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Renato Geraldo Mendes

todo o regime jurídico da contratação pública vigente no Brasil,12


seja ele o previsto na Lei nº  8.666/93 ou na Lei nº  10.520/02. Em
decorrência disso, todos os institutos e as exigências legais em maté-
ria de contratação estão relacionados, direta ou indiretamente, com
uma dessas quatro realidades. Portanto, seria perfeitamente possível
dividir o estudo da contratação pública em quatro capítulos, um para
cada realidade indicada.

Vamos conhecer, em linhas gerais, cada um desses quatro


aspectos fundamentais da contratação pública.

2. Existência de uma necessidade a ser satisfeita


2.

A existência de uma necessidade dá início ao processo de con-


tratação pública. A primeira providência da fase interna é identificar
a necessidade da Administração, isto é, conhecer de forma adequada
aquilo que a Administração precisa atender ou satisfazer enquanto
necessidade. Esse é o ponto de partida de tudo. É da apuração da
necessidade que qualquer ação deve começar.

Não se deve confundir a necessidade propriamente dita com


a solução (objeto) capaz de satisfazê-la. São distintas, mas normal-
mente confundidas. Uma é o problema, outra é a sua solução. Não
se pode confundir, portanto, a doença com o remédio. Em matéria de
contratação pública, confundimos essas duas realidades e, mais do
que isso, ignoramos o problema e nos concentramos na solução. Pela
lógica, não há como atingir eficiência e eficácia com a solução sem
conhecer antes, de forma precisa, o problema.

Relegar a um segundo plano a necessidade (problema) que


deve ser atendida é uma constante na Administração Pública bra-
sileira. Esse é o primeiro grande desafio que temos de transpor na
área da contratação pública. E não se trata de um problema que
implica mudança normativa. É preciso voltar a atenção para o plane-
jamento da contratação, ou seja, para a fase interna do processo de

12 E em todos os outros países.

46
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contratação. É lamentável que ainda não tenhamos aprendido a pla-


nejar, por exemplo, uma obra de infraestrutura de médio porte.

Separar a necessidade (problema) do encargo/objeto (solução)


é fundamental para conduzir o planejamento das contratações com
mais eficiência.

Para deixar mais clara a distinção entre as duas realidades apon-


tadas, exemplificaremos. O deslocamento permanente dos agentes
públicos para desempenhar suas atribuições funcionais faz com que
a Administração tenha, como uma de suas necessidades, o transporte
de pessoas. Essa necessidade será satisfeita com um meio de trans-
porte adequado. A escolha desse transporte dependerá das pecu-
liaridades e características que envolvem a necessidade. Assim, o
transporte, que é a necessidade, pode ser realizado pelos seguintes
meios: veículo, avião, bicicleta, moto, trem, barco, navio, helicóp-
tero, cavalo, etc. Se for para transportar um soldado da polícia mon-
tada, o meio de transporte mais indicado será o cavalo. Se for para o
Presidente da República, o meio poderá ser um carro, um helicóp-
tero ou mesmo um avião. Se o deslocamento ocorre em determinadas
regiões da Amazônia, por exemplo, o meio mais adequado será um
barco ou uma lancha.

Outro exemplo é a necessidade de a Administração garantir


segurança para pessoas e bens de seu patrimônio. A necessidade
é a segurança em si mesma considerada. O objeto da futura con-
tratação é a solução para garantir a necessidade (segurança). Após
a devida análise, a Administração poderá escolher um dos meios
capazes de oferecer a necessária segurança. Dessa forma, poderá
O Processo de Contratação Pública

optar por vigilância armada, por serviço apenas de vigia (vigilância


não armada) ou, ainda, por um sistema de controle monitorado ou
mesmo outra solução mais simples. Tudo vai depender das caracte-
rísticas da necessidade.

Importante reiterar que o fundamental é não confundir a neces-


sidade com a solução (objeto). Isso pode dificultar e comprometer
o bom planejamento da contratação (fase interna). Tal comprome-
timento nem sempre é percebido durante a licitação (fase externa),
manifestando-se apenas durante a fase de execução contratual.

47
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Renato Geraldo Mendes

A percepção da confusão entre necessidade e solução ocorre,


normalmente, na fase contratual, porque é nela que o encargo é cum-
prido. É nesse momento que a eventual inadequação da solução em
relação ao efetivo problema fica mais evidente. Quando isso acon-
tece, passamos a ter dois problemas para resolver, quando havia ape-
nas um. O primeiro é a necessidade, e que permanece sem solução.
E o segundo é o que fazer com a inadequada solução decorrente da
contratação.

O erro na identificação da necessidade ocasiona sérios proble-


mas na definição da solução (objeto). É preciso sempre lembrar que
a solução (objeto) deve se ajustar à necessidade, e não o contrário.
Na prática, com alguma frequência, é a necessidade que se ajusta à
solução/ao objeto. Isso ocorre porque começamos, em muitos casos,
o processo de contratação pela descrição do objeto, e não pela iden-
tificação da necessidade.

3. Identificação de uma solução (encargo/objeto) capaz


3.
de satisfazer a necessidade

A necessidade é o problema a ser resolvido, e o encargo/objeto


é a solução para o problema.

Para todo problema deve haver, pelo menos, uma solução,


pouco importando se ela já foi concebida e está disponível no mer-
cado ou deve ser produzida sob encomenda para atender à necessi-
dade. À exceção da morte, não há outro problema que não possa ser
resolvido ou minimizado no mundo real. Mesmo nos casos em que a
necessidade é inusitada ou absolutamente exclusiva, é possível con-
ceber uma solução para ela. Se não existe no mercado fornecedor, o
homem é capaz de projetá-la e viabilizá-la.

A solução (objeto) se expressa na ideia de um encargo que


alguém deverá cumprir como condição para que a necessidade possa
ser satisfeita.

O encargo, por sua vez, é caracterizado por um conjunto de


obrigações, do qual a mais importante é o objeto (obrigação principal).

48
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Toda solução é representada por um encargo, cujo núcleo é o objeto


capaz de satisfazer a necessidade.

Para deixar mais claro, vamos a um exemplo. Em uma compra, o


objeto é o carro propriamente dito, cujo encargo é mais amplo do que
o objeto. Além do objeto, que é o núcleo do encargo, o sujeito deve
cumprir outras obrigações, tais como: transporte, entrega, manuten-
ção, pagamento de impostos e garantia. As demais obrigações exis-
tem em razão do objeto. Dessa forma, cumprir todas as obrigações é
o encargo que a pessoa assume. É verdade que, no sentido mais geral,
solução, encargo e objeto são, em última análise, a mesma coisa ou
manifestações específicas de uma só realidade.

Logo, se o encargo é representado por um conjunto de obri-


gações, não bastará definir apenas as condições relativas ao objeto
(núcleo), mas será preciso também fixar as demais. É aqui que reside
o problema central da contratação pública.

A definição do encargo e do seu núcleo, o objeto, é uma das


providências mais importantes no processo de contratação. Em torno
dela vão gravitar quase todas as demais exigências fixadas na fase do
planejamento, as quais, posteriormente, serão reunidas num docu-
mento que se convencionou chamar de edital. Também, sob o ponto
de vista essencial, a estrutura da fase externa da licitação gira em
torno do objeto.

Vale repetir: definir o encargo/objeto é realizar uma das mais


importantes condições do processo da contratação. A definição do
encargo/objeto tem relação direta com todos os demais institutos da
O Processo de Contratação Pública

contratação. Em função do objeto se define, basicamente, a modali-


dade de licitação, tendo em vista a sua natureza ou o seu valor esti-
mado. Em razão da natureza do objeto se define o tipo de licitação.
Também em função da natureza e da complexidade do objeto são
definidas as exigências de capacidades técnica e econômico-finan-
ceira. Enfim, é possível relacionar os principais institutos da licitação
com a solução/encargo/objeto.

A definição da solução (objeto) é a razão de ser da própria con-


tratação. Portanto, errar na definição da solução (e na descrição do

49
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Renato Geraldo Mendes

objeto) é praticar uma espécie de equívoco imperdoável em matéria


de contratação. Qualquer equívoco na descrição do objeto capaz de
impedir que se atenda plenamente à necessidade da Administração
implicará, potencialmente, o desfazimento da contratação, pois aten-
der a tal necessidade é o seu propósito.

Na descrição do objeto, há um princípio fundamental e que


norteia todo o regime jurídico das exigências a serem feitas nas con-
tratações públicas. Poderíamos chamá-lo de princípio da adequação
das exigências à necessidade ou, simplesmente, princípio da ade-
quação. Tal princípio traduz a ideia de que tudo o que for indispen-
sável para garantir a necessidade pode ser exigido na definição do
encargo/objeto.

Mas não bastará apenas a justificativa da adequação da exigên-


cia à necessidade, também é indispensável que se preserve a econo-
micidade da contratação. Preservar essa economicidade não é sim-
plesmente pagar menos, é, antes de tudo, garantir a adequação téc-
nica do objeto em relação à necessidade e viabilizar um negócio que
possibilite o menor dispêndio de recurso financeiro.

Portanto, como regra, a legalidade de uma exigência do encargo


deverá obedecer a, pelo menos, dois fatores: adequação técnica à
necessidade e economicidade.

Então, é viável concluir que tudo o que for necessário para


garantir a obtenção da solução capaz de satisfazer a necessidade e
preservar a economicidade da contratação é, em princípio, possível
e legal.

De outra parte, tudo o que não estiver relacionado à preserva-


ção da solução capaz de atender à necessidade ou, muito embora
atenda à necessidade, represente excesso ou, ainda, não garanta a
necessária economicidade da contratação é ilegal e não pode ser
admitido.

Esses são dois ingredientes que devem pautar qualquer aná-


lise em torno da legalidade das exigências relacionadas ao objeto.
Claro que existem outros, entre os quais, a própria preservação da

50
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competitividade, que a descrição do objeto pode, imotivadamente,


reduzir. Se isso ocorrer, haverá ilegalidade.

O princípio da adequação não está expresso em nenhuma regra


legal, logo, não pode ser encontrado de forma literal nos textos legais
vigentes. Tal princípio está implícito no sistema jurídico e foi dedu-
zido a partir de um raciocínio lógico. Princípio implícito é aquele
escondido no interior do sistema jurídico e que não permite a todos,
em um primeiro momento, visualizá-lo e dele se valer. Portanto, é
o papel do doutrinador identificar o princípio e colocá-lo à disposi-
ção de quem toma decisões jurídicas. Os princípios implícitos devem
ser garimpados no interior do sistema jurídico, tal como o ouro ou a
esmeralda em leito de rio.

A obtenção do objeto (solução) capaz de satisfazer a necessi-


dade é condição essencial no processo de contratação. A essa con-
dição se incorpora outra: a obtenção do objeto com o menor dispên-
dio de recurso financeiro, traduzindo o princípio da economicidade.
É afirmação perfeita dizer que a licitação objetiva o negócio mais
vantajoso, ou seja, a melhor relação benefício-custo. Aliás, tal finali-
dade é também o objetivo a ser atingido com a inexigibilidade, por
exemplo.

As condições indicadas devem estar reunidas simultaneamente,


isto é, devem “andar de mãos dadas”. De nada adianta obter o objeto
capaz de satisfazer a necessidade da Administração se a economi-
cidade não for preservada ou a competição respeitada. Também de
nada vale obter um negócio econômico ou ampliar a competição
se a solução não atender à necessidade. É preciso, nesse particular,
O Processo de Contratação Pública

encontrar a medida exata (equilíbrio) entre benefício e custo (preço).

4. Seleção de uma pessoa com condições de viabilizar a


4.
solução

Identificada a necessidade (problema) e definido o objeto (solu-


ção), é preciso selecionar uma pessoa capaz de cumprir o encargo e,
consequentemente, viabilizar o atendimento da necessidade.

51
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Renato Geraldo Mendes

A seleção de um terceiro acontece quando a Administração não


tem condições de viabilizar a solução diretamente, por seus próprios
meios. Consequentemente, precisa recorrer a um agente que atua no
mercado, a quem caberá realizar o encargo, executando a solução.
Quando isso ocorre, a execução do encargo é feita de forma indireta.

Na chamada execução indireta, ou seja, que é atribuída a um


terceiro, há um aspecto fundamental e que preside o processo de con-
tratação: como selecionar a pessoa e garantir que a solução a ser por
ela cumprida atenda à necessidade? Como ter a certeza de que um
terceiro conseguirá satisfazer a necessidade, por meio de uma solu-
ção adequada? Em relação a isso, não há certeza absoluta, ainda que
a solução tenha sido muito bem configurada. Toda e qualquer proba-
bilidade de certeza é apenas e tão somente relativa. Sendo assim, é
indispensável reduzir ao máximo a incerteza e, consequentemente,
aumentar o nível de certeza.

Reduzir a incerteza do sucesso da contratação é um dos obje-


tivos a ser perseguido e atingido por quem conduz o planejamento.
O legislador criou todas as condições para que tal objetivo seja atin-
gido; ele fez a sua parte. A quem planeja cabe, por outro lado, cum-
prir a sua. Não é possível dizer que a legislação é omissa, porque ela
não é. Não é possível dizer que o regime jurídico tem brechas, por-
que ele não tem. Todos os instrumentos necessários para viabilizar o
sucesso da contratação e reduzir as incertezas existem e estão dispo-
níveis na ordem jurídica. Não é preciso que nenhuma lei seja apro-
vada para que isso possa ocorrer. Não é preciso mudar nada na legis-
lação. É necessário apenas saber interpretar a ordem jurídica correta-
mente. Esse é o problema mais sério a resolver. E a solução demanda
algum tempo, muita dedicação e uma visão lógica, racional e ade-
quada do regime jurídico vigente.

Enquanto isso não ocorre, podemos reconhecer que a natu-


reza do objeto (solução) tem relação direta com o nível de maior
ou menor certeza de sucesso referente à capacidade técnica do exe-
cutor. Isso é evidente, pois se a solução para atender à necessidade

52
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envolver complexidade técnica e tiver de ser executada diretamente


pelo contratado, haverá dúvida quanto à certeza em torno do cum-
primento do encargo.

Portanto, a dúvida quanto à capacidade da pessoa em cumprir


a obrigação está diretamente relacionada com a complexidade do
objeto ou com a natureza da obrigação. Com efeito, certeza e incer-
teza variam numa relação direta com o tipo de solução. Em alguns
casos, inclusive, a eventual incerteza pode chegar muito próximo de
zero, isto é, ser praticamente inexistente.

Vamos utilizar um gráfico para demonstrar a lógica que estru-


tura os diferentes regimes jurídicos, bem como a questão da certeza
e incerteza em relação à satisfação da necessidade, considerada na
estruturação dos regimes vigentes.

Nesse sentido, o nível de certeza ou incerteza de que alguém


consiga ou não viabilizar a solução pretendida pela Administração
variará, basicamente, em função da natureza e complexidade da pró-
pria obrigação a ser cumprida.

Em relação à complexidade do objeto, o nível de certeza e


incerteza varia de acordo com uma escala. No ponto extremo da
esquerda da escala está o nível mais elevado de incerteza, e no ponto
extremo da direita está o nível mais elevado da certeza. Vejamos a
representação no gráfico abaixo:

Nível de maior Nível de maior


INCERTEZA CERTEZA
O Processo de Contratação Pública

Seguindo a estrutura da escala acima, podemos representar, em


outro gráfico, os objetos (soluções), de acordo com o seu grau de
complexidade. Quanto mais complexo for o objeto, mais próximo

53
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Renato Geraldo Mendes

ele estará do ponto extremo da esquerda e, quanto mais simples, mais


próximo estará do ponto extremo da direita. Vejamos o desenho:

Nível de maior Nível de maior


INCERTEZA CERTEZA

OBJETO MAIS COMPLEXO OBJETO MAIS SIMPLES

Com isso, queremos demonstrar que quanto mais complexo for


o objeto, maior será a incerteza em relação ao cumprimento do con-
trato e, por outro lado, quanto mais simples, maior certeza haverá de
que a obrigação será cumprida.

Portanto, se a obrigação é apenas dar (fornecer) um objeto que


está pronto, acabado e disponível no mercado, o nível de certeza é
muito grande. Nesse caso, é pouco provável que o licitante não con-
siga cumprir a obrigação. Mas, se isso vier a ocorrer, provavelmente
o motivo não estará relacionado com a complexidade do objeto, mas
com outros fatores. Por outro lado, se a obrigação é de fazer, o nível
de incerteza aumenta.

Nível de maior Nível de maior


INCERTEZA CERTEZA

OBRIGAÇÃO DE FAZER OBRIGAÇÃO DE DAR

Dessa forma, a aquisição de bens comuns envolve, basica-


mente, obrigação de dar. Nesse tipo de negócio, o nível de incer-
teza quanto ao cumprimento do objeto é muito pequeno, isto é,
o nível de certeza é muito alto. Se o objeto for obra ou serviço

54
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técnico, o nível de incerteza é bem maior, ficando no lado esquerdo


da escala. Vejamos o gráfico:

Nível de maior Nível de maior


INCERTEZA CERTEZA

OBRAS E SERVIÇOS BENS E SERVIÇOS


DE ENGENHARIA COMUNS

Vamos consolidar todos os gráficos anteriores em um único:

NÍVEL DE CERTEZA
Quanto à obtenção da solução

Nível de maior Nível de maior


INCERTEZA CERTEZA

OBJETO MAIS COMPLEXO OBJETO MAIS SIMPLES


OBRIGAÇÃO DE FAZER OBRIGAÇÃO DE DAR
OBRAS E SERVIÇOS BENS E SERVIÇOS
DE ENGENHARIA COMUNS

Até aqui, é possível concluir:

a) Obras e serviços técnicos apresentam maior grau de risco


O Processo de Contratação Pública

quanto à certeza da viabilidade de execução, ou seja, a


incerteza é maior.

b) Obras e serviços técnicos exigem apurada análise da capaci-


dade técnica de quem vai executar, porque envolvem essen-
cialmente obrigação de fazer: execução de um projeto sob
encomenda ou de prestação de um serviço intelectual.

c) Obras e serviços técnicos são objetos mais complexos se


comparados aos bens e serviços comuns.

55
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d) Bens e serviços comuns apresentam menor grau de risco


Renato Geraldo Mendes

quanto à incerteza da viabilidade de execução, ou seja, a


certeza é maior.

e) Bens comuns não exigem apurada análise da capacidade


técnica de quem vai executar, porque envolvem essencial-
mente obrigação de dar; como regra, estão prontos, acaba-
dos e disponíveis. Em princípio, o objeto que vai atender à
necessidade não é feito por quem vai cumprir o contrato.

f) As obrigações que caracterizam os negócios de bens e ser-


viços comuns são normalmente simples, isto é, desprovi-
das de complexidade no tocante à capacidade técnica de
quem cumprirá o contrato. É preciso não confundir a even-
tual complexidade técnica do objeto com a complexidade
técnica da obrigação que resulta do encargo decorrente da
contratação. Uma coisa é a complexidade do aparelho ele-
trônico que está sendo adquirido por meio do pregão. Outra
é a complexidade da obrigação que terá de ser cumprida
pelo vencedor do pregão. A obrigação do vencedor é, nor-
malmente, simples: deverá adquirir do fabricante e entregar
o aparelho para a Administração. Não há, no caso apontado,
nenhuma complexidade técnica envolvendo a obrigação
do contratado, muito embora o aparelho possa ser de tec-
nologia complexa. Nesse caso, quem deve possuir capaci-
dade técnica é o fabricante, não o participante do pregão.
E, ainda que o fabricante participe do pregão, ele não preci-
sará demonstrar tal capacidade. Essas duas realidades estão
sendo confundidas.

Para resolver o problema da eventual incerteza, foi prevista a


fase externa da contratação. É nela que o nível de certeza deve ser
apurado, e não em outro momento. A construção da fase externa nas
duas Leis (nºs 8.666/93 e 10.520/02) está diretamente relacionada à
natureza do objeto da licitação, sendo estruturada em função dele.
Quando se diz que a estrutura da fase externa da licitação, por exem-
plo, está alinhada à natureza do objeto, afirmamos que ela tem rela-
ção direta com o tipo de solução (objeto) visado pela Administração.

56
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Essa conexão lógica entre a natureza do objeto e a estruturação


da fase externa não havia sido, até aqui, percebida. Mas os tempos
atuais exigem novas reflexões, e com elas surgem novas perspectivas
e inusitadas conclusões, o que permite contribuir para a evolução e o
desenvolvimento do processo de contratação pública.

Uma primeira conclusão diz respeito à fase externa da contra-


tação estar diretamente relacionada à natureza do objeto a ser exe-
cutado. É possível afirmar, então, que a escolha do procedimento
traçado na Lei nº 8.666/93 ou na Lei nº 10.520/02 não é uma opção
meramente subjetiva, mas objetiva. Logo, são as peculiaridades da
solução (objeto) que definem o regime jurídico cabível.

Com base nesse raciocínio, não há um sistema ou regime jurí-


dico melhor do que o outro, em termos absolutos. Não é possível
dizer que o regime jurídico da Lei nº 10.520/02 é melhor do que o da
Lei nº 8.666/93, salvo em face de cada situação concreta, isto é, ape-
nas diante da natureza do objeto.

Se o objeto deve ser feito sob encomenda e tem complexidade


técnica, o regime da Lei nº 8.666/93 é o melhor. Se o objeto, por
exemplo, é padronizado e não será feito diretamente pelo contra-
tado, indiscutivelmente, o melhor regime é o da Lei nº 10.520/02.
O adjetivo “melhor” deve ser empregado de forma relativa, isto é,
de acordo com a natureza do objeto que será licitado. Consequente-
mente, a escolha do procedimento e da modalidade é condição rela-
tiva, uma vez que está diretamente relacionada à natureza do objeto.

5. Melhor equivalência entre o encargo (objeto) a ser


5.
O Processo de Contratação Pública

cumprido e a remuneração a ser paga

Obter a melhor relação benefício-custo é a finalidade da fase


externa do processo de contratação. Isso é o mesmo que afirmar que
a finalidade da licitação ou da contratação direta13 é obter a melhor
relação entre o encargo (benefício visado) e a remuneração (preço a
ser pago). Ainda que se reconheça que a licitação e a inexigibilidade,

13 Dispensa e inexigência.

57
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Renato Geraldo Mendes

por exemplo, não tenham o mesmo pressuposto jurídico,14 elas têm


a mesma finalidade.

Se a Administração deseja selecionar alguém apto a executar


um encargo (objeto) para satisfazer uma necessidade, é natural que
pretenda que isso ocorra com o menor dispêndio de recurso finan-
ceiro, ou seja, gastando menos. Esse é um pressuposto que norteia
qualquer relação comercial, e não seria diferente na contratação
pública.

Assim, basicamente, o critério de escolha do sujeito que execu-


tará o encargo tem fundamento na ideia de melhor relação benefício-
-custo. É preciso obter o melhor benefício (solução) com o menor
dispêndio de recurso financeiro. O desafio permanente de quem
compra é, de forma efetiva, obter um benefício cada vez melhor, gas-
tando cada vez menos. Logo, temos dois valores a considerar em
nossa análise: benefício e preço.

É sempre possível conseguir o melhor benefício com o menor


dispêndio de recursos financeiros? A resposta é não. Nem sempre
isso é possível. Ora, então, qual dos dois valores é o mais importante?
Qual deles deve prevalecer: o benefício (solução capaz de satisfazer
a necessidade) ou o preço (contraprestação pecuniária a ser cobrada
em razão do cumprimento do encargo)? Ter clareza em torno disso
é indispensável para compreender as diversas realidades jurídicas da
contratação pública.

Portanto, se tivermos que eleger, entre os dois valores, o mais


importante, certamente a escolha recairá sobre o benefício, e não
sobre o preço. A opção não é, nesse caso, motivada por uma prefe-
rência pessoal ou meramente subjetiva, mas sim objetiva. E a objeti-
vidade decorre de um raciocínio puramente lógico: a finalidade da
contratação não é pagar menos, mas obter o objeto que atenda ple-
namente à necessidade específica da Administração. Claro que não
afirmamos, aqui, que tal satisfação possa ocorrer a qualquer preço.

14 O pressuposto da licitação é selecionar o terceiro garantindo tratamento isonômico,


o da inexigibilidade não.

58
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Estamos apenas definindo uma ordem de prioridade entre benefício


e preço.

Na fixação da ordem de prioridade, não faria sentido pagar


menos por uma solução (objeto) que não atende à necessidade. Ora,
se o processo de contratação é estruturado e existe para atender a
uma necessidade da Administração, é indispensável eleger esse valor
(benefício/solução) como o mais importante, e não o preço a ser pago
em razão dele.

Dessa forma, na estruturação lógica do regime jurídico da con-


tratação pública, é fundamental reduzir (se possível, eliminar) todos
os fatores que ensejam ou possam ensejar risco à obtenção da solu-
ção capaz de atender à necessidade da Administração. Em razão
disso, vamos entender melhor a estrutura da fase externa da licitação
nos regimes das Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02.

A obtenção da solução capaz de satisfazer plenamente a neces-


sidade da Administração é o valor maior que deve presidir o pensa-
mento e o raciocínio interpretativo nos dois regimes jurídicos (Leis nºs
8.666/93 e 10.520/02). Mas é evidente que o preço, ainda que não
seja o valor maior em comparação com o benefício, tem significa-
tiva importância no contexto normativo. No entanto, é bom que fique
claro que o propósito maior da contratação não é obter o menor
preço. O propósito da licitação é obter uma solução capaz de satis-
fazer a necessidade e que represente o menor desembolso (menor
preço). Solução adequada e preço não devem ser confundidos, pois
isso seria muito danoso ao processo de interpretação.
O Processo de Contratação Pública

Portanto, o preço é um valor relativo. Isso significa, apenas, que


tem relação com outro fator, que não existe de forma independente.
Da mesma maneira, o objeto (solução) é relativo, pois está direta-
mente relacionado à necessidade. Até porque a solução deve resolver
o problema (necessidade), e não simplesmente satisfazer uma ques-
tão financeira. É possível perceber, pois, que há uma relação lógica
de conexão entre um e outro, ou seja, o preço tem relação direta com
o encargo/objeto, e este com a necessidade.

59
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Renato Geraldo Mendes

A relação benefício-custo abre oportunidade para discutir o ins-


tituto do tipo de licitação, realidade prevista na legislação vigente.
Para entender a questão envolvendo os tipos de licitação, é necessá-
rio ter total clareza entre encargo e remuneração, ou seja, entre bene-
fício e custo. Os tipos de licitação foram pensados a partir de uma
lógica simples de ser entendida e difícil de ser percebida.

A opção preferencial pelo tipo menor preço decorre do reco-


nhecimento de que, como regra, é possível garantir a satisfação da
necessidade por meio de uma descrição mínima (padrão mínimo)
para a solução (objeto). Logo, bastaria a Administração definir, de
forma precisa, a solução mínima desejada e fixar, como critério de
escolha, que o vencedor será o licitante que apresentar o menor
preço, desde que a solução mínima definida seja preservada.

É importante ressaltar que o valor que predomina nesse racio-


cínio não é o menor preço, mas sim o benefício (solução), pois se o
licitante não atender à solução, terá a sua proposta desclassificada,
ainda que apresente o menor preço. Pagar menos não é a razão de
ser da contratação; a sua razão de ser é satisfazer uma necessidade.
Contudo, é evidente que, preservado esse valor maior, o critério para
a escolha do vencedor deve basear-se na maior vantagem financeira,
isto é, no menor dispêndio de recursos.

Há, pois, uma relação lógica e cronológica que deve ser per-
cebida: primeiro se avalia a adequação técnica da solução e depois
a vantagem financeira que ela representa. Mesmo quando o tipo é o
menor preço, essa lógica deve ser mantida.

É possível deduzir outro raciocínio lógico a nortear o processo


de interpretação do regime jurídico da contratação pública: a análise
da adequação do objeto proposto em relação ao objeto licitado deve
sempre anteceder a análise do preço. Com efeito, para que alguém
tenha seu preço conhecido e avaliado, é preciso antes demonstrar
que tem uma solução compatível com a licitada ou que é capaz de
cumprir o encargo que a solução representa. Por isso, não é simples-
mente o preço que deve calibrar a escolha da solução, mas a certeza

60
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de que a solução apresentada pelo licitante é capaz de garantir a


satisfação da necessidade.

Outro aspecto a ser considerado em relação à questão do bene-


fício-custo gira em torno do tipo específico de solução capaz de satis-
fazer a necessidade da Administração. Assim, a Administração pode
ou não se satisfazer com uma qualidade mínima. Os diferentes tipos
de licitação nascem motivados por essa questão. Dessa forma, para
compreender os tipos de licitação e saber quando eles podem ser uti-
lizados, é fundamental saber a razão que os inspirou.

Por conta disso, é preciso reconhecer que no tipo menor preço


não há nenhum incentivo para que alguém ofereça uma qualidade
melhor do que a representada pela descrição mínima. Até porque se
o licitante melhora a qualidade, o custo aumenta, e o preço final será
maior, o que faz com que ele possa perder o negócio, visto que este se
baseia no menor preço. Logo, no tipo menor preço, todos os licitantes
procuram apenas e tão somente atender às exigências mínimas, uma
vez que o critério de julgamento estimula exatamente isso. No tipo
menor preço, o raciocínio é o de apenas preservar a solução mínima
e pagar menos, pois a solução resolve o problema (necessidade).

Em outros casos, o objetivo é obter um benefício superior ao


mínimo definido. Haveria aqui uma diferença entre solução mínima
indicada e solução desejada. A solução indicada preserva o mínimo
indispensável, e a solução desejada proporciona maior benefício.
Mas, para obter a solução desejada, é necessário criar um incentivo.
Para tanto, o legislador formatou os tipos técnica e preço e melhor
O Processo de Contratação Pública

técnica.

Nesses dois tipos, o oferecimento de uma qualidade adicio-


nal pelo licitante, a partir da descrição ou qualidade mínima, pre-
cisa ser incentivado e, portanto, recebe uma pontuação por parte da
Administração. Há uma ponderação para o benefício adicional e para
o preço. Dessa forma, licitante deve manter uma relação de equilí-
brio entre o benefício e o preço, pois de nada adianta apresentar um
grande benefício em termos de qualidade se não conseguir manter
um controle sobre o preço. Em tese, vence quem viabilizar o melhor

61
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Renato Geraldo Mendes

equilíbrio entre o benefício e o custo. A fixação de preço máximo nos


tipos indicados é uma forma de limitar o próprio benefício e prever
antecipadamente o desembolso financeiro a ser feito, conforme será
explicado com mais detalhes no capítulo relativo ao regime jurídi-
cos dos preços.

Portanto, a contratação pública deve traduzir sempre a melhor


equivalência entre a solução e o preço, independentemente do tipo
de licitação adotado. Aliás, esse é um postulado que deve nortear a
ação dos agentes envolvidos com a contratação pública.

62
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Capítulo 3
DEZ PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA

1. O que são princípios jurídicos?


1.

Conforme vimos no capítulo anterior, o regime da contrata-


ção pública tem como pilar de sustentação as ideias de: a) existência
de uma necessidade a ser satisfeita; b) identificação de uma solução
(encargo) capaz de satisfazer a necessidade; c) seleção de uma pes-
soa capaz de executar e cumprir o encargo; e d) melhor equivalência
entre encargo e remuneração.

Na nossa visão, essas quatro ideias fundamentais estruturam


a lógica do regime jurídico da contratação pública. A partir delas
se desenvolvem outros alicerces ou princípios que asseguram maior
consistência jurídica e operacional ao processo administrativo cor-
respondente. Esses alicerces, assim como as ideias estruturais acima,
aplicam-se a qualquer contratação, independentemente do regime
jurídico cabível ou de quem a promove, ou seja, pouco importa se o
regime aplicável é o da Lei nº 8.666/93 ou o do pregão, bem como se
é a União, o estado ou o município que objetiva a contratação.

Portanto, princípios são ideias estruturais que traduzem os


valores fundamentais do regime jurídico da contratação pública. Se
O Processo de Contratação Pública

afirmarmos que o regime jurídico é constituído de uma parte fun-


damental e de outra importante, a parte fundamental seria a dos
princípios.

2. Onde estão previstos os princípios que serão


2.
apresentados?

Os princípios referidos não constam de forma expressa do texto


das leis que constituem o regime jurídico da contratação pública.

63
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Renato Geraldo Mendes

Portanto, eles não são visuais, a sua identificação ou percepção na


ordem jurídica não ocorre explicitamente.
Para chegar aos dez princípios que vamos anunciar, é preciso
recorrer à lógica sistêmica, sem a qual não conseguimos abstrair
tais valores. Não adianta o leitor procurar esses valores no plano da
literalidade, pois se frustrará. O que o leitor não pode esquecer, no
entanto, é que o Direito não se reduz nem se confunde com o texto
do enunciado. O texto da lei (a sua parte visual) representa apenas
pequena parte do universo jurídico. A melhor figura que representa o
Direito é um iceberg; uma pequena parte é visual, mas a maior não,
pois está submersa.
Para garimpar esses dez princípios, é indispensável mergulhar
fundo e ir além da literalidade. Eles resumem o espírito do regime
jurídico da contratação, isto é, a essência de tudo o que está dito,
implícita e explicitamente, na legislação vigente (principalmente nas
Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02).
Dessa forma, é possível dizer que esses princípios não estão
previstos em nenhum artigo específico, mas decorrem de todos.

3. Quais os princípios da contratação de acordo com a


3.
nova concepção?

A reflexão produzida para estruturar uma nova concepção da


contratação pública tornou viável apresentar parte dos princípios tra-
dicionais de um novo modo. A essência é a mesma, o que muda é a
embalagem. Não se trata de uma nova moda lançada, mas de uma
forma mais moderna e clara de traduzir o espírito do regime jurídico
que regula a contratação. Em vez de falar em princípios da legali-
dade, da publicidade, da isonomia, da vinculação ao edital ou do
julgamento objetivo, por exemplo, preferimos traduzir a essência da
ordem jurídica de modo mais direto, objetivo e menos fluido.

As ideias nucleares – denominadas princípios – que traduzem o


regime jurídico da contratação pública são:
I) Que a definição do encargo/objeto atenda à efetiva
necessidade da Administração, garanta a indispensável

64
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qualidade, possibilite solução econômica e não restrinja


imotivadamente a disputa;

II) Que o preço a ser pago pelo objeto seja justo e exequível;

III) Que sejam observadas as exigências legais de naturezas


orçamentária e financeira para a realização da despesa;

IV) Que as regras do jogo sejam claras, conhecidas, cum-


pridas e definidas, de modo a assegurar a obtenção do
encargo/objeto desejado e a respeitar a ordem jurídica
vigente;

V) Que haja competição efetiva entre os licitantes e que


todos disponham das mesmas informações;

VI) Que toda e qualquer discriminação adotada seja justifi-


cável por razões de ordem técnica ou jurídica e as exi-
gências definidas sejam indispensáveis para assegurar e
garantir o cumprimento do objeto;

VII) Que nenhum competidor seja eliminado, senão por


motivo de descumprimento de exigência essencial;

VIII) Que todas as decisões adotadas respeitem as exigências


da ordem jurídica, sejam devidamente motivadas e pos-
sam ser discutidas;

IX) Que o vencedor seja definido por critérios objetivos


quando a seleção das propostas for realizada por meio de
licitação;
O Processo de Contratação Pública

X) Que o contrato seja uma relação de equivalência jurídica


entre encargo e remuneração (preço) a ser obrigatoria-
mente respeitada durante toda a execução contratual.

4. Qual é o conteúdo de cada um dos princípios?


4.

Conhecer o conteúdo de cada um dos princípios possibilita


entender melhor o regime jurídico da contratação pública, bem como

65
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Renato Geraldo Mendes

os seus institutos próprios. O domínio desse conteúdo é fundamental,


pois permitirá que qualquer problema jurídico seja resolvido.

Abaixo abordaremos cada um dos princípios indicados.

I - Que a definição do encargo/objeto atenda à efetiva neces-


sidade da Administração, garanta a indispensável qualidade,
possibilite solução econômica e não restrinja imotivadamente
a disputa.

Esse primeiro princípio traduz, diretamente, quatro aspectos


fundamentais para a contratação pública: a) que o encargo/objeto
seja descrito de modo a satisfazer a real necessidade da Adminis-
tração; b) que o encargo/objeto garanta uma qualidade mínima; c)
que a descrição do encargo/objeto possibilite solução econômica; e
d) que a descrição não restrinja imotivadamente a disputa entre os
interessados.

Portanto, preservar tais aspectos é o desafio de quem descreve


a solução (encargo/objeto) capaz de atender à necessidade da Admi-
nistração. Encontrar a medida exata entre essas quatro condições é a
missão que o legislador impôs a quem planeja a contratação.

Os quatro aspectos indicados serão avaliados adiante, quando


tratarmos da definição do encargo/objeto (etapa II da fase I do pro-
cesso de contratação).

II - Que o preço a ser pago pelo objeto seja justo e exequível.

O preço é a contraprestação pecuniária a ser cobrada, pelo


contratado, da Administração pela viabilização da solução (cumpri-
mento do encargo).

Há uma relação fundamental a ser compreendida na contrata-


ção: a ideia de encargo e remuneração. Sem compreender isso, não
é possível entender adequadamente a contratação.

Existem duas realidades indissociáveis em matéria de contrata-


ção pública: o “E” e o “R”.

66
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O “E” representa o encargo definido pela Administração e será


assumido pelo contratado. O “R” representa a remuneração fixada
pelo licitante em função do encargo definido pela Administração.

O preço deve ser justo e exequível. Isso significa que ele deve
refletir o custo e as despesas para executar o “E”, sem deixar de asse-
gurar o lucro pretendido, que é o retorno esperado pela exploração
da atividade econômica. Preço justo é o que decorre da relação entre
esses três aspectos (custo direto, despesas indiretas e lucro).

O esforço do legislador foi no sentido de proibir a prática de


preços injustos, pois estes seriam ilegais. Assim, tratou de formatar
um regime jurídico para o preço. Essencialmente, esse regime jurí-
dico diz que são ilegais, por um lado, os preços inexequíveis (de
valor zero, irrisórios e meramente simbólicos) e, por outro, os preços
excessivos.

Preços inexequíveis são os que não podem ser justificados à luz


dos custos e das despesas para viabilizar a solução tal como exigida.
Nos preços zero, irrisório e simbólico não há, em princípio, adequa-
ção entre o que se cobra e o que se gasta para produzir ou viabilizar
a solução.

Em razão dessa falta de adequação, considera o legislador que


a relação é injusta. Nesse caso, a injustiça, para ser configurada, não
necessita da aceitação do licitante, ou seja, mesmo que o licitante
diga que não está sendo lesado, não poderá a Administração aceitar
o preço. A injustiça, aqui, é uma condição objetiva; pode e deve ser
apurada de forma concreta e real.
O Processo de Contratação Pública

Da mesma forma é injusto o preço excessivo, aquele em que o


particular eleva consideravelmente a sua margem de lucro.

A concepção que norteou a disciplina da apresentação dos pre-


ços na Lei nº 8.666/93 é diferente da utilizada para formatar o regime
da Lei nº 10.520/02.

Na Lei nº  8.666/93, é como se o legislador dissesse para os


licitantes: “apresentem seus preços sem nenhuma ‘gordura’, pois
não terão outra chance de reduzi-los. Apresentem preços finais e os

67
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Renato Geraldo Mendes

menores que puderem”. Se comparássemos os preços a uma arma de


fogo, no sistema da Lei nº 8.666/93, é como se o licitante tivesse ape-
nas uma bala no tambor. O tiro teria de ser certeiro.

A concepção da Lei nº 10.520/02 é outra. O legislador, nesse


caso, diz para os licitantes: “apresentem seus preços, mas saibam que
vocês terão a oportunidade de reduzi-los durante a licitação (na etapa
denominada ‘fase’ de lances)”. Ou seja, se comparada a uma arma
de fogo, é possível dizer que, no pregão, o licitante não tem apenas
o direito de dar um único tiro, como no sistema da Lei nº 8.666/93,
mas pode atirar várias vezes até acertar o alvo.

Cumpre observar apenas que, no pregão, o legislador regulou


o calibre da arma para que o licitante, no primeiro tiro, não atirasse
muito fora do alvo, uma vez que teria muita munição para queimar e
vários outros disparos para fazer. Quis o legislador evitar que o lici-
tante desse o primeiro tiro muito “para o alto”, pois se fosse o único
licitante, por exemplo, poderia se recusar a dar outros tiros ou mesmo
a acertar perto do alvo nos tiros subsequentes. O legislador criou um
mecanismo ou dispositivo com a finalidade de definir quem iria ou
não dar outros tiros.

Esse mecanismo consiste na fixação de um critério de 10%.


Para que o licitante pudesse dar novos tiros (participar da fase de lan-
ces), o seu preço teria de ser, em princípio, igual ou inferior a, no
máximo, 10% do menor preço. Dito de outra forma, o seu tiro não
poderia estar 10% mais longe do que aquele que estiver mais perto
do alvo. Com isso, o legislador quis evitar que o licitante chegasse ati-
rando para cima. O licitante teria de mirar no alvo já no primeiro tiro,
sob pena de não poder mais atirar.

O que aconteceu com o mecanismo dos 10%?

No pregão presencial, que tende a ser cada vez menos utili-


zado, o governo manteve o mecanismo dos 10%, ou seja, disse para
os fornecedores: “não venham atirando para cima, pois vocês podem
voltar para casa com a arma carregada ou o tambor cheio”.

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No pregão eletrônico, que tende a ser a modalidade utilizada


para a maioria absoluta dos casos, o governo eliminou o mecanismo
dos 10%. Figurativamente, o governo disse aos fornecedores: “podem
chegar atirando para cima que não há nenhum problema”. É como se
dissesse: “depois de acertar o teto, vocês miram no alvo”. A elimina-
ção do critério dos 10% no pregão eletrônico não tem fundamento de
validade na ordem jurídica, pois esta determina outra coisa. Ademais,
dependendo da situação, a eliminação do referido critério fragiliza o
sistema adotado e pode fazer com que a Administração pague mais
caro, principalmente quando não existe disputa no certame. É pos-
sível que a exigência de observância do critério dos 10% tenha sido
eliminada no pregão eletrônico para evitar eventual dúvida de sua
utilização para eliminar competidores, sob o argumento de conheci-
mento prévio dos preços por parte dos operadores do sistema. Sem
o critério legal dos 10%, tal possibilidade fica afastada. Não se pode
dizer, por um lado, que a não adoção do critério no pregão eletrô-
nico não tenha sido salutar; mas, por outro, não se consegue afastar a
possibilidade de pagar eventualmente mais caro, visto que o licitante
que apresenta preço elevado não corre o risco de ficar fora da etapa
de lances. A situação exige a necessária cautela.

III - Que sejam observadas as exigências legais de naturezas


orçamentária e financeira para a realização da despesa.

A ideia de contratação está diretamente relacionada à de despesa.

O contrato nada mais é do que a relação entre E (encargo) e R


(remuneração). Quando a Administração dá início a um processo de
O Processo de Contratação Pública

contratação, visa a satisfazer uma necessidade e, para tanto, precisará


definir um encargo a ser executado por alguém (o futuro contratado).
Logo, a Administração quer o encargo, mas para obtê-lo precisará
pagar por ele. Portanto, toda obtenção de um encargo implica a rea-
lização de uma despesa, pois o encargo se traduz, em última análise,
numa despesa.

No atual estágio da sociedade contemporânea, o Poder Público


só pode realizar despesas se estiverem autorizadas. Vale dizer, os
governantes não têm muita margem de liberdade para definir como

69
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Renato Geraldo Mendes

irão utilizar os recursos públicos. A aplicação do recurso público


decorre de previsão legal, ou seja, da Lei Orçamentária Anual (LOA),
do Plano Plurianual (PPA) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Portanto, o orçamento público é típico ato normativo. Prevê a


estimativa da receita e define as despesas a serem realizadas. O orça-
mento moderno tem a importante função de planejar as ações do
governo em razão das necessidades da sociedade.

O Estado assume, por força da Constituição, uma série de


missões e precisa cumpri-las. Para tanto, é indispensável que tenha
recursos financeiros para fazer frente às despesas (encargos).

Para que a Administração Pública possa deflagrar o processo de


contratação, é preciso respeitar as exigências legais de natureza orça-
mentária e financeira definidas na ordem jurídica vigente e que, basi-
camente, decorrem da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de
2000; da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, e das leis orçamen-
tárias propriamente ditas.

Para deflagrar a fase externa do processo de contratação, é


indispensável que os recursos financeiros estejam assegurados em
lei orçamentária. Essa condição deve ser observada em todos os
casos, inclusive se o procedimento se destina ao registro de preços.

IV - Que as regras do jogo sejam claras, conhecidas, cumpridas


e definidas, de modo a assegurar a obtenção do encargo/objeto
desejado e a respeitar a ordem jurídica vigente.

A licitação é uma disputa, um jogo. E todo jogo, para ser bom


para todos os jogadores, deve ter regras claras, conhecidas e cumpri-
das. Uma regra é clara quando não deixa dúvidas e permite que o
seu conteúdo seja o mais cristalino possível, nítido e suficientemente
transparente.

Por outro lado, a regra claramente definida deve ser conhe-


cida por todos, pois não há como cumprir algo que não se conhece.
Todas as condições impostas e que devem ser cumpridas pelos lici-
tantes precisam ser por eles conhecidas. Para isso, é indispensável
que sejam divulgadas. Daí a ideia de que, em regra, o processo não

70
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pode ser secreto ou reservado, salvo quando for indispensável para


garantir o próprio tratamento isonômico (como ocorre em relação ao
conteúdo das propostas) ou para garantir a segurança nacional. As
regras que regulam o procedimento da licitação, no entanto, devem
ser todas reveladas e objetivamente definidas no edital, sob pena de
ilegalidade. Quando for o caso de assegurar o sigilo, em razão da pre-
servação da segurança nacional, por exemplo, não se realizará a lici-
tação, mas a contratação direta.

V - Que haja competição efetiva entre os licitantes e que todos


disponham das mesmas informações.

Um dos pressupostos da licitação é o tratamento isonômico,


que deve ser assegurado, pelo Poder Público, a todos os interessa-
dos que atuam no mercado. O raciocínio é o seguinte: se todos con-
tribuem para a formação da receita estatal, por meio do pagamento
de tributos, e se todos são iguais perante a lei, também devem ser
iguais perante os órgãos e as entidades integrantes da Administração
Pública. Nesse contexto, se o Estado deseja contratar um particular,
terá de observar um processo e assegurar a todos iguais condições de
disputa. A ideia de igualdade dá fundamento ao dever de licitar, e,
assim, é indispensável garantir iguais condições a todos de forma efe-
tiva e concreta, e não apenas aparente.

Para qualificar um procedimento, de fato e de direito, como


licitação, é preciso que a disputa seja efetiva e todos os interessados
tenham, de forma concreta, iguais oportunidades de ser contratados.
O que não se pode aceitar é que alguns interessados sejam apenas
figurantes.
O Processo de Contratação Pública

Quando se diz que todos devem dispor das mesmas informa-


ções, queremos deixar claro que a participação no processo de con-
tratação implica a tomada de uma decisão. Para decidir adequada-
mente qualquer coisa na vida, é necessário ter informação. Assim,
para que o licitante tome a decisão de participar ou não da licitação,
deve dispor de todas as informações sobre o encargo que vai assu-
mir. As informações disponibilizadas para um licitante devem ser as
mesmas para todos os demais. Nisso reside o tratamento isonômico.

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Renato Geraldo Mendes

Uma informação viabilizada a um licitante e ocultada dos


demais pode ensejar a nulidade do processo. Por isso, quem planeja
a solução (o autor dos projetos básico e executivo) não pode parti-
cipar da licitação que visa a selecionar quem vai cumprir o encargo
que ele mesmo definiu.

Entre outras razões, a proibição é balizada pelo acesso privi-


legiado à informação. Quem detém a informação decide com mais
segurança e com privilégios, portanto, mais acertadamente. Em um
concurso público, o candidato que conhece precisamente os temas
que servirão de base para a formulação das questões, ainda que não
conheça exatamente as questões, tem uma informação privilegiada.
Em vez de estudar, por exemplo, cem temas diferentes, irá se concen-
trar apenas nos dez que de fato interessam. Essa informação violou o
plano da igualdade.

Todas as informações que constituem o encargo a ser atendido


pelo licitante e todas as que servirão de base para a tomada de deci-
são devem estar previstas no edital. O edital é o documento que
reúne e concentra todas as informações úteis que o licitante precisa
conhecer. A condição relativa ao encargo que não estiver prevista
no edital não poderá ser exigida pela Administração.

É com base no edital que o licitante formata sua proposta. Logo,


é com fundamento nas informações previstas no edital que o licitante
define a sua remuneração. A relação de equivalência entre encargo
e remuneração é fixada em função das informações indicadas no
edital.

Assim, se a Administração deseja que o objeto seja entregue em


local diverso do da sua sede, deverá fazer constar essa condição no
edital, sob pena de não permitir que o licitante inclua o custo do res-
pectivo transporte. Sem informação não se pode tomar a decisão (no
caso, a decisão é incluir o custo do transporte na remuneração). Ade-
mais, quando não se define que a entrega vai ocorrer em local diverso
do da sede da Administração, a presunção será a de que é na sede
que se deseja receber o objeto, e não em outro lugar.

72
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Nesse sentido, o tratamento isonômico que existe no plano jurí-


dico tem diferentes matizes. Uma delas pode ser traduzida no direito
à informação que deve ser assegurado a todos.

Nos procedimentos competitivos, como na contratação pública,


a garantia da informação é fundamental, e a sua violação ocasionará
a nulidade do próprio certame em razão da quebra da igualdade que
deve ser assegurada. A nulidade é a violação do próprio pressuposto
da licitação: a igualdade.

Por fim, conforme veremos oportunamente, também não haverá


competição efetiva se o critério de julgamento não for objetivo.

VI - Que toda e qualquer discriminação adotada seja justi-


ficável por razões de ordem técnica ou jurídica e as exigên-
cias definidas sejam indispensáveis para assegurar e garantir o
cumprimento do objeto.

Abordamos acima a questão da discriminação, mas agora trata-


remos desse tema de forma específica.

O que é discriminar?

Discriminar é fazer uma distinção. Discriminamos quando


escolhemos uma entre duas ou mais coisas, de modo a apartá-la das
outras. Sendo a discriminação uma distinção, não há quem nunca
praticou um ato que não possa ser rotulado de discriminador. Por-
tanto, a discriminação em si não é algo que deve ser repudiado, pois
praticamos isso diariamente, quase na mesma intensidade com que
O Processo de Contratação Pública

respiramos.

Então, por que a palavra “discriminação” tem um sentido tão


pesado e negativo?

A razão é simples, existem dois tipos de discriminação, a boa e


a ruim. A carga valorativa da discriminação ruim é tão forte que a boa
desapareceu do nosso vocabulário e, como expressão linguística, foi
substituída por outras palavras ou expressões mais amenas.

73
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Renato Geraldo Mendes

A discriminação é boa quando o fator que justifica a separação


é baseado em critério razoável e legítimo.

A discriminação cria duas ordens diferentes de pessoas: a


ordem das excluídas e a das beneficiárias. Por exemplo, quando fixa-
mos um conjunto de obrigações a serem cumpridas por outras pes-
soas, é possível que apenas algumas delas atendam às nossas exigên-
cias, e outras não. Quando isso ocorrer, haverá discriminação, pois
um grupo de pessoas será excluído da disputa, visto que não poderá
atender às obrigações impostas.

Basicamente, o que se faz em um processo de contratação


pública é discriminar, é estabelecer distinções, de modo a dizer
quem pode ou não participar da disputa. E a discriminação começa
no momento em que descrevemos o objeto capaz de atender à neces-
sidade da Administração.

Nesse momento, fixamos a mais importante condição discrimi-


natória, uma vez que somente terão reais chances de obter o contrato
os licitantes do ramo pertinente ao objeto. Quem não demonstrar
condições de cumprir a obrigação será eliminado da disputa. Essa é
a primeira e a mais importante discriminação que fazemos na contra-
tação pública.

Porém, as discriminações não param por aí. Quando exigimos


prova de regularidade perante as Fazendas federal, estadual e muni-
cipal, FGTS e Previdência Social, bem como capacidades técnica e
econômico-financeira, estabelecemos uma condição discriminatória,
pois quem não possuir tais requisitos ou não atender a tais exigências
estará, em princípio, impedido de ser habilitado ou mesmo contra-
tado. A essas condições discriminatórias se somam inúmeras outras.

Em princípio, o fato de uma condição ser discriminatória não


significa que ela é ilegal. Sendo isso verdade, qual o critério ade-
quado para separar as discriminações que podem ser fixadas das que
não podem? Há um critério objetivo que permita tal separação ou a
questão deve ser resolvida no plano puramente subjetivo?

74
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Sim, há um critério objetivo e seguro para separar e dizer se


uma discriminação pode ou não ser feita. Em razão disso, fica afas-
tada a possibilidade de o problema ter de ser resolvido por meio de
critério subjetivo. Aliás, o grande desafio do Direito e dos que dele
extraem interpretações é fixar um critério objetivo para a solução dos
problemas jurídicos e, assim, eliminar o critério subjetivo.

Uma condição discriminatória é aceitável quando fixar exigên-


cia indispensável para salvaguardar a solução capaz de satisfazer
a necessidade da Administração. Consequentemente, será reputada
inaceitável quando não for capaz de se justificar à luz da mencionada
necessidade.

Logo, é o valor necessidade que calibra e separa o aceitável


do inaceitável, em termos de exigência ou discriminação no campo
da contratação pública. Portanto, esse é o critério objetivo que deve
ser utilizado. Diante de cada exigência feita no edital, é possível
questionar a sua condição de validade formulando uma única per-
gunta para todos os casos: essa exigência é necessária para garantir a
necessidade? Se a resposta for sim, ela é legal. Se for negativa, a con-
dição poderá ser ilegal.

Mas é preciso reconhecer que o controle da discriminação


não se faz apenas com base no atendimento da necessidade. O fun-
damento da discriminação pode ser de ordem puramente jurídica.
Quando afirmamos isso, queremos dizer que não está relacionado
à necessidade, mas a algum valor consagrado no ordenamento, tal
como as exigências relacionadas ao aspecto fiscal e as de regulari-
dade trabalhista.
O Processo de Contratação Pública

É por meio de condições discriminatórias que apuramos se o


interessado em contratar com a Administração possui ou não condi-
ções. Porém, não é qualquer condição discriminatória que a ordem
jurídica aceita e tolera. Como regra, a discriminação que a ordem
jurídica considera aceitável é a indispensável para assegurar a satis-
fação da necessidade. As demais, ou seja, as que não tiverem funda-
mento de validade diretamente na necessidade/demanda da Admi-
nistração, exigirão cuidadosa análise por parte de quem planeja a
contratação.

75
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Renato Geraldo Mendes

VII - Que nenhum competidor seja eliminado, senão por


motivo de descumprimento de exigência essencial.

A eliminação de um competidor (licitante) tem de ser crite-


riosa, ou seja, é necessário que a ordem jurídica separe duas situa-
ções distintas:

a) O não atendimento a uma exigência ou condição essencial; e

b) O descumprimento de exigência meramente formal.

Separar esses dois mundos é fundamental para que os agentes


tenham critério adequado para resolver os problemas que envolvem
o não atendimento a exigências do edital.

A inexistência de critérios adequados na legislação vigente tem


proporcionado, principalmente nas últimas duas décadas, a tomada
de inúmeras decisões equivocadas pelos que conduzem as contrata-
ções públicas.

Entretanto, nos últimos anos, em razão do esforço doutrinário e


de algumas decisões judiciais, o problema vem sendo gradativamente
atenuado. Nesse campo, embora muito ainda deva ser feito, é possí-
vel dizer que as coisas estão melhorando. Verifica-se melhor compre-
ensão por parte dos membros de comissões de licitação e pregoeiros,
bem como por parte dos assessores jurídicos e procuradores em rela-
ção à necessidade de separar os dois tipos de faltas que os licitantes
e a própria Administração podem cometer.

A concepção tradicional decorreu da equivocada compreen-


são do princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Por
uma questão de comodismo e, em certos casos, de despreparo dos
operadores do Direito, consagrou-se a tese de que o não atendimento
a qualquer exigência do edital deveria ser sancionado com a elimi-
nação de quem o tivesse praticado, independentemente da natureza
da falha.

Assim, os licitantes e a Administração estariam obrigados a


cumprir, integralmente, todas as condições fixadas no edital. Nesse
sentido, se o descumprimento por parte do licitante fosse relativo a

76
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uma exigência de habilitação, a consequência seria a sua inabilita-


ção. Se o não atendimento fosse relativo à sua proposta, seria ela des-
classificada. Por outro lado, se a violação do edital fosse feita pela
própria Administração, a consequência, a rigor, seria a anulação de
todo o procedimento ou de parte dele.

Muito embora algumas ações positivas viessem ocorrendo, é


possível dizer que o acontecimento mais marcante e que abriu nova
perspectiva para a questão foi a decisão prolatada pelo Superior Tri-
bunal de Justiça no Mandado de Segurança nº 5.418, publicado no
DJ de 01.06.98, na qual ficou registrado que:

o princípio da vinculação ao edital não é absoluto, de tal forma que


impeça o judiciário de interpretar-lhe, buscando-lhe o sentido e a com-
preensão e escoimando-o de cláusulas desnecessárias ou que extrapolem
os ditames da lei de regência e cujo excessivo rigor possa afastar da con-
corrência possíveis proponentes, ou que o transmude de um instrumento
de defesa do interesse público em conjunto de regras prejudiciais ao que,
com ele, objetiva a Administração.

Essa decisão foi importante para respaldar vários argumentos e


interpretações produzidos e defendidos por alguns doutrinadores nos
anos que antecederam a decisão e que, por não terem ainda sido aco-
lhidos pelo Judiciário ou pelos tribunais de contas, eram ignorados
pela própria Administração.

É possível dizer que, tradicionalmente, um dos objetivos das


comissões de licitação era o de punir os licitantes. O afastamento dos
competidores acontecia sem critérios razoáveis. O único critério era
O Processo de Contratação Pública

o fato de o licitante ter descumprido uma exigência. Qual a exigên-


cia ou a sua importância nada significava. Todas tinham igual trata-
mento. Descumprida qualquer condição, independentemente da sua
natureza, estaria o licitante afastado da disputa.

Não havia (e, em muitos casos, ainda não há) a percepção de


que o afastamento do licitante sem uma razão lógica capaz de justifi-
car a medida implica punição muito mais séria para a própria Admi-
nistração Pública, em razão da redução que se produz na disputa e
dos eventuais prejuízos financeiros que a decisão pode acarretar.

77
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Renato Geraldo Mendes

O que deve determinar o afastamento de um competidor não


é simplesmente o descumprimento de uma exigência do edital,
mas sim de uma condição essencial, que impossibilite à Adminis-
tração a apuração da condição pessoal (habilitação) do licitante ou
da viabilidade da sua proposta enquanto solução capaz de atender à
necessidade.

De acordo com o edital, o que importa é saber se a pessoa


reúne condições jurídicas, fiscais, técnicas e financeiras e se a sua
proposta é compatível com a solução prevista e, ainda, se seu preço
é justo e exequível. Se a pessoa (licitante) atende a todas essas exi-
gências, não há razão para o seu afastamento.

Por isso, é indispensável separar as falhas que afetam as exigên-


cias materiais das que representam mera condição formal.

Exigências materiais são justamente as que têm a finalidade


de garantir o cumprimento das condições pessoais e das condições
relativas à proposta consideradas indispensáveis para a satisfação da
necessidade da Administração ou da ordem jurídica.

Exigências meramente formais estão relacionadas à demonstra-


ção das exigências materiais e de outras condições que possam ser
contornadas. O desatendimento de uma exigência formal pode ser
relevado se a condição material for preservada ou se restar demons-
trada de forma diversa daquela exigida.

Na legislação vigente, não há norma que autorize o afasta-


mento de um licitante por descumprimento de exigência meramente
formal. Muito pelo contrário, o afastamento em tal situação constitui
flagrante violação da ordem jurídica, especialmente dos princípios
que informam o regime da licitação, tais como da competitividade e
da economicidade. Afastar licitante com fundamento em exigência
formal é praticar ato contrário à essência da ordem jurídica.

Dessa forma, a eliminação de um competidor somente é cor-


reta, sob o ponto de vista jurídico, quando determinada pelo des-
cumprimento de uma exigência considerada essencial ou material.
Se não for esse o caso, a eliminação deve ser reputada ilegal por

78
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violação da ordem jurídica, especialmente por atentar contra os prin-


cípios da competitividade, da obtenção da proposta mais vantajosa e
da economicidade.

É indispensável reconhecer que, nos últimos tempos, temos um


avanço considerável no sentido de superar vícios meramente formais.
Alguns anos atrás, qualquer argumentação em relação à questão do
saneamento de falhas meramente formais não era bem recebida pelos
integrantes de comissões de licitação e agentes que atuavam na área
da contratação. Atualmente, entretanto, o saneamento tem sido visto
como uma providência necessária.

É oportuno dizer que o saneamento de vício, inclusive de natu-


reza material, sempre foi possível na ordem jurídica, mas apenas
quando comum a todos os licitantes, tal como previsto no § 3º do art.
48 da Lei nº 8.666/93. No entanto, a legislação vigente deu mais um
passo para exigir que a autoridade determine o saneamento sempre
que for possível sanar o vício, conforme prescreve o inc. I do art. 28
da Lei nº 12.462/11 (RDC).

De qualquer forma, é preciso definir critérios adequados para


promover o saneamento da melhor forma possível. E, em relação a
isso, muito pouco tem sido feito. Esse é o desafio a superar. Definir
regras de saneamento é o que falta para tornar ainda melhor os avan-
ços já conquistados em relação à licitação (fase externa).

VIII - Que todas as decisões adotadas respeitem as exigências


da ordem jurídica, sejam devidamente motivadas e possam ser
discutidas.
O Processo de Contratação Pública

Quem atua na área da licitação deve ter a clareza de que a sua


atividade principal é tomar decisões.

No decorrer de uma contratação, são adotadas quase uma cen-


tena de decisões e, como se trata de um processo, cada decisão ou
ato praticado tem significativa importância. O que torna o processo
dinâmico é a tomada de decisão. A marcha processual só ocorre se
decisões forem adotadas.

79
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Renato Geraldo Mendes

Decidir não é simplesmente realizar uma escolha ou praticar


um ato num ou noutro sentido. Decidir é realizar a melhor escolha.

Tais afirmações suscitam algumas questões. Como qualificar


uma decisão como a melhor, quando existe, normalmente, mais de
uma possibilidade? Onde estão as informações necessárias para deci-
dir na área da contratação? O que se deve entender pela expressão
“motivação do ato”? Por que uma decisão pode ser questionada? Não
seria melhor eliminar a discussão no plano administrativo? Tal elimi-
nação não tornaria a condução da licitação mais rápida?

Responder a todas as questões acima é contribuir para melhor


compreender o regime jurídico da contratação. Sem essas respos-
tas, não é possível entender uma série de outras questões que tor-
nam nebulosa a correta interpretação dos valores que norteiam o
sistema normativo. Querer aplicar as normas dos regimes das Leis
nºs 8.666/93 ou 10.520/02 sem compreender todas essas questões é
temerário.

Vamos responder à primeira questão indicada.

Como qualificar uma decisão como a melhor quando existirem


várias possibilidades?

De fato, essa é uma dúvida corrente. Qual é o critério para ele-


ger uma e afastar as demais? O critério é bem mais simples do que
se imagina.

Toda decisão, de uma forma ou de outra, implica a solução de


um problema. O problema, por sua vez, é a situação que precisa ser
contornada ou resolvida para atingir determinados objetivos.

Para deflagrar publicamente uma contratação, é necessário defi-


nir todas as regras da disputa, que deverão ser reunidas em um docu-
mento: o edital. Como realidade jurídica, o edital nada mais é do que
o conjunto de decisões que reflete o encargo decorrente do planeja-
mento. Cada decisão adotada tem, sob o ponto de vista essencial, a
finalidade de garantir a satisfação da necessidade da Administração.

80
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Quando definimos o objeto ou o seu prazo de execução, esta-


mos tomando uma decisão com o propósito único e exclusivo de
assegurar a satisfação da mencionada necessidade. Logo, a melhor
decisão é aquela que preserva essa necessidade e assegura uma con-
tratação eficiente e econômica. Portanto, diante de mais de uma pos-
sibilidade, a opção deve recair sobre aquela que preserva esses valo-
res jurídicos.

A segunda questão é: onde estão as informações necessárias


para decidir na área da licitação?

Essa também é uma questão de fácil resposta. Todas as informa-


ções necessárias para decidir devem ser garimpadas no regime jurí-
dico, não necessariamente apenas no específico (Leis nºs 8.666/93 e
10.520/02), mas também naquele que dá fundamento a ele (Consti-
tuição da República) e nos regimes que com ele interagem (Civil, Tri-
butário, Penal, etc.).

Quando afirmamos que a atividade na área do Direito Adminis-


trativo é vinculada, significa que o fundamento das decisões tem sua
fonte direta na ordem jurídica (na lei). Portanto, são extraídas da lei as
informações para decidir. Decidir é, pois, aplicar a lei. Assim, quem
atua na área da contratação pública precisa conhecer os valores que
constituem o regime jurídico aplicável para deles retirar as informa-
ções capazes de respaldar suas decisões.

Outra questão proposta acima é: o que se deve entender pela


expressão “motivação do ato”?
O Processo de Contratação Pública

Praticar um ato é tomar uma decisão. Mas, como vimos, não


é qualquer decisão que pode ser considerada adequada, apenas a
que preserva a satisfação da necessidade da Administração e respeita
valores definidos na ordem jurídica. Quando se decide, é preciso
deixar claro por que está sendo tomada a decisão, sob dois ângulos
diversos: o fundamento de fato (necessidade) e o de direito (ordem
jurídica). É preciso que se diga qual é o aspecto da necessidade pre-
servado com aquela decisão e qual o fundamento normativo que
autoriza tal ação. Portanto, além de decidir, o agente deve justificar
(motivar) a sua decisão.

81
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Há aqui uma questão interessante. A motivação deve ser ante-


Renato Geraldo Mendes

rior ao questionamento, ou seja, deve ser contemporânea ao pró-


prio ato (decisão). Logo, quando questionada a tomada de alguma
decisão, a justificativa (motivação) já deve estar explicitada. Dito de
outra forma, quando se fizer a pergunta, a resposta já deve ter sido
dada. No sistema democrático de gestão da coisa pública, a resposta
antecede a pergunta.

Por fim, vamos responder às últimas questões, que se relacio-


nam entre si. Por que uma decisão pode ser questionada? Não seria
melhor eliminar a discussão no plano administrativo? Tal eliminação
não tornaria mais rápida a condução da licitação?

A possibilidade jurídica de questionamento de uma decisão,


como prevista na ordem jurídica, revela, desde logo, que o adminis-
trador não tem liberdade de decidir como bem entende, pois se essa
liberdade existisse, não seria possível, juridicamente, tal questiona-
mento. Questionar e querer saber por que um agente público agiu
de uma ou de outra forma é um valor previsto na ordem jurídica, o
qual existe porque vivemos numa República. Se a coisa é pública
(de todos, portanto), é preciso justificar a decisão adotada em favor
de todos, pois os governantes são os gestores da coisa alheia, como
ensina Ruy Cirne Lima.

É evidente que a eliminação da discussão em torno da tomada


de uma decisão tornaria muito mais rápida a condução do processo
de contratação. Porém, o valor que norteia essa questão não é a rapi-
dez que se quer assegurar ao processo, mas outros consagrados na
ordem jurídica.

Até seria possível eliminar a discussão no plano administra-


tivo, mas isso não resolveria o problema, pois a discussão ainda
estaria preservada na esfera judicial. O tempo que se ganharia no
plano administrativo seria perdido na esfera judicial. E a eliminação
total da discussão em torno das decisões administrativas implicaria a
revogação da ideia de Estado Democrático de Direito e o retorno ao
Absolutismo.

82
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Com efeito, não há razão lógica para eliminar a possibilidade


de recurso na via administrativa; o que é possível é concentrar a dis-
cussão no final da fase externa, como ocorre no pregão. Isso possibi-
lita, por um lado, que a fase externa do processo (licitação) seja pro-
cessada com maior rapidez; mas, por outro, exige uma melhoria con-
siderável na atividade de planejamento da contratação e uma asserti-
vidade maior na tomada das decisões, a fim de evitar a repetição dos
atos na hipótese de o recurso ser provido, e a nulidade, declarada.

IX - Que o vencedor seja definido por critérios objetivos quando


a seleção das propostas for realizada por meio de licitação.

Em decorrência do próprio pressuposto da licitação, a regra que


vigora no regime jurídico da contratação pública é que a escolha do
vencedor ocorra por meio de critério objetivo, e não subjetivo. Essa é
a máxima que norteia o regime jurídico da contratação pública e que
deve ser observada na condução das modalidades de licitação. Aliás,
esse é um traço que distingue a contratação pública da decorrente do
regime de direito privado, pois nesta a escolha do particular pode ser
pautada por questão de ordem subjetiva, sem qualquer ilegalidade.

Existem situações, no entanto, em que a ordem jurídica acolhe


o critério subjetivo para a seleção do vencedor do certame, tendo em
vista o que determina o inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal. A
regra extraída da ordem jurídica é a de que o vencedor seja definido
por meio de critério objetivo. No entanto, ela admite exceção, nos
termos do próprio ordenamento.

Porém, não é possível admitir critérios subjetivos travestidos de


O Processo de Contratação Pública

objetivos, tal como na seleção de agências de publicidade para pro-


duzir e executar campanhas de governo. Esse tipo de contratação pre-
cisa ser reestruturado e submetido a um regime jurídico especial. A
Lei nº 12.232/10 não resolveu o problema, embora tenha criado essa
sensação. Não existe licitação se o critério de escolha for subjetivo.

O critério é objetivo quando o resultado do julgamento é sem-


pre o mesmo, independentemente de quem julga. Para saber se o
critério é objetivo ou subjetivo, basta trocar o julgador e observar o
resultado. Se for o mesmo, em princípio, o critério é objetivo. Mas,

83
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Renato Geraldo Mendes

ao contrário, se o resultado for alterado, não haverá dúvida de que o


critério adotado para o julgamento é subjetivo.

Em outras palavras, no critério objetivo, o fator determinante da


decisão (julgamento da licitação) é externo ao julgador e diz respeito à
própria solução ou à sua expressão monetária (preço). Logo, como ele
é externo ao julgador, ainda que se altere cem vezes a pessoa que vai
julgar, o resultado continuará a ser o mesmo. Por isso, o preço, por ser
o critério mais objetivo possível, foi o preferido pelo legislador.

Se tivermos dois preços (R$ 1.000,00 e R$ 1.050,00) e pergun-


tarmos para inúmeras pessoas qual deles é o menor, a resposta será
sempre a mesma. A questão do menor preço, no exemplo dado, não
tem relação direta com a questão da preferência de ordem pessoal,
pois ela é matemática, de ordem objetiva.

No entanto, quando o fator que determina o julgamento do


vencedor reside no plano interno (foro íntimo) de quem julga, esta-
remos diante de critério subjetivo. O julgamento subjetivo é aquele
que se baseia na preferência de ordem pessoal. Se duas pinturas a
óleo forem colocadas diante de dez pessoas, certamente teremos opi-
niões diversas em relação à sua beleza. Nesse caso, a escolha será
pautada em razão de preferência pessoal. No entanto, se as telas tive-
rem tamanhos diferentes e, em vez de questionarmos qual é a mais
bonita, a pergunta for qual é a maior delas, a resposta passará a ser a
mesma, independentemente do julgador. Assim, quando se altera o
julgador, o resultado é alterado se o critério de decisão for subjetivo,
mas permanecerá o mesmo se for objetivo.

No campo da contratação pública, vigora tanto o critério de


escolha objetiva quanto o de natureza subjetiva. Porém, se falamos
em licitação, o único critério aceitável é o objetivo. Essa questão será
abordada novamente quando tratarmos dos pressupostos da licitação
e do regime jurídico da inexigibilidade.

X - Que o contrato seja uma relação de equivalência jurídica


entre encargo e remuneração (preço) a ser obrigatoriamente
respeitada durante toda a execução contratual.

Este princípio será analisado quando tratarmos do contrato.

84
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5. gestor deve se nortear pelos princípios


5. O
(mandamentos)

Todos os que atuam em alguma fase ou momento do processo


de contratação devem dominar os princípios acima enunciados, pois
é com base neles que as decisões serão tomadas, e os problemas,
resolvidos, sob o ponto de vista essencial.

Sem dominar os princípios e conhecer os aspectos fundamen-


tais do regime jurídico da contratação pública, não é possível resolver
os inúmeros problemas que surgirão no transcurso do processo. Ape-
nas alguns deles têm solução direta e objetiva na legislação vigente;
outros não. Dessa forma, para resolver uma considerável parte dos
problemas, a solução deverá ser garimpada na ordem jurídica. Para
tanto, é fundamental conhecer os princípios e valores que orientam a
aplicação do regime jurídico da contratação.

Resolver problemas é uma das atribuições que caberá a quem


for investido na função de gestor da contratação pública, tornando-
-se indispensável dominar a ordem jurídica, principalmente o seu
aspecto essencial.

O Processo de Contratação Pública

85
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Capítulo 4
O PLANEJAMENTO DA CONTRATAÇÃO
E SUAS ETAPAS

1. A estrutura do processo de contratação em fases e


1.
etapas

A divisão do processo de contratação pública em três diferentes


fases (interna, externa e contratual) é essencialmente didática; serve
para facilitar a compreensão por parte do leitor, pois, tecnicamente,
o processo deve ser entendido como uma realidade una e indivisível.
A estruturação do processo em fases e etapas está diretamente rela-
cionada à obtenção de propósitos e finalidades específicos. Portanto,
a lógica que norteia a estruturação de cada uma das fases e suas res-
pectivas etapas é viabilizar que tal propósito específico seja atingido.
Com efeito, a finalidade da fase interna é, fundamentalmente, defi-
nir o encargo e materializá-lo adequadamente no edital. O obje-
tivo das diversas etapas da fase de planejamento é encontrar a mais
apropriada forma de obter a melhor relação benefício-custo na fase
externa, pois essa é a sua finalidade precípua.

2. A fase interna
2.

É na fase interna que a licitação é pensada, planejada e estrutu-


O Processo de Contratação Pública

rada sob o ponto de vista das condições e exigências que serão esta-
belecidas. É também nessa fase que as condições definidas são reu-
nidas em um único documento: o edital. Seria possível, em vez de
falar em fase interna, utilizar simplesmente a expressão “fase de pla-
nejamento”, pois é fundamentalmente para isso que ela se destina.
Seria também possível falar em fase preparatória, como faz o art. 3º
da Lei nº 10.520/02 ao se referir ao pregão, pois justamente se des-
tina a preparar a fase externa da contratação, e o pregão nada mais é
do que uma modalidade de licitação. E a licitação é fenômeno típico
da fase externa.

87
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Renato Geraldo Mendes

Por outro lado, o edital nada mais é do que o ato ou o docu-


mento que reúne e concentra todas as decisões adotadas em decor-
rência do planejamento realizado. Ele instrumentaliza a manifesta-
ção de vontade da Administração, ou seja, traduz um dos pilares do
contrato, que é um acordo de vontades.

O edital, como ato que contempla e reúne todas as decisões


adotadas pela Administração, é o mais importante da fase interna,
pois é com base nele que a fase externa será conduzida. Portanto, a
fase interna prepara e condiciona a externa. Dessa forma, é possível
perceber a dependência que há entre uma fase e outra.

Nesse sentido, se o planejamento da contratação for realizado


sem as devidas cautelas ou de forma improvisada, o edital, que
regerá o certame, padecerá do mesmo defeito. Portanto, se o edital
possuir falhas, dúvidas e omissões, toda a condução da fase externa
estará, potencialmente, comprometida, e o sucesso da contratação
será uma incógnita. Somente com muita sorte se conseguirá atin-
gir o resultado final pretendido: selecionar o parceiro detentor da
melhor proposta.

Como dissemos, a fase interna se destina à definição do encargo.


O encargo é um conjunto de obrigações estabelecido pela Adminis-
tração e que deve ser cumprido pelo futuro contratado. A obrigação
mais importante do encargo é o que chamamos de objeto, pois é ele
que materializa a solução do nosso efetivo problema. Mas a palavra
“encargo” tem sentido mais amplo do que a palavra “objeto”, pois
compreende outras obrigações ou exigências além dele.

Planejar uma contratação nada mais é do que definir um


encargo. Esse encargo será atribuído a um terceiro, e o seu cum-
primento possibilitará que a Administração tenha a sua necessidade
satisfeita. Para isso, é indispensável planejar muito bem o encargo:
definir com exatidão e precisão o que deve ser feito e como deve ser
feito. Esse é o grande desafio.

Seguindo a lógica proposta, é oportuno dizer que o edital


tem de materializar o encargo na sua integralidade. Com base no

88
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encargo, o licitante, na fase externa, definirá sua remuneração, que é


a expressão financeira do encargo. Assim, o licitante assumirá con-
tratualmente o encargo fixado pela Administração no edital, nem
mais, nem menos.

O encargo é a realidade econômica que consta no edital, e não


na cabeça de quem planeja a contratação. Planejar é tirar de dentro
da cabeça o encargo e colocá-lo no papel (edital). Por conta disso, o
planejamento é uma atividade difícil e exige muito dos responsáveis.
Não adianta, na fase contratual, exigir do contratado algo imaginado
na cabeça do planejador, mas que não constou no edital. Aliás, esse
descompasso entre o que se quer e o que se define é fonte de muitos
problemas. E não é difícil perceber que tais problemas surgem apenas
na fase de execução contratual. Por isso, é fácil perceber que não há
exagero quando afirmamos que a fase interna é a mais importante. O
que é difícil é aceitar porque ela é tratada com tanto descaso. É nela
que nasce a maior parte dos problemas, mas também é ela que edi-
fica um dos pilares da relação contratual.

Dessa forma, o sucesso da contratação não pode depender da


sorte de quem conduz a fase externa (licitação), mas da capacidade
de quem a planeja.

3. As etapas que estruturam a fase interna da


3.
contratação

A estrutura da fase de planejamento não é definida na Lei


O Processo de Contratação Pública

nº 8.666/93 nem na Lei nº 10.520/02,15 os dois principais atos legis-


lativos que regulam o processo de contratação no Brasil. É possível
dizer que, a partir de 2008, tivemos alguns importantes avanços no
campo normativo com a edição da IN nº 02/08 e da IN nº 04/10. Com
esses atos, algumas importantes exigências passaram a ser feitas no

15 A legislação estabelece os requisitos do edital (art. 40 da Lei nº 8.666/93). Mas eles


não devem ser confundidos com as etapas do planejamento. Os requisitos do edital
traduzem condições a serem fixadas nas diversas etapas do planejamento, o que é
diferente.

89
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Renato Geraldo Mendes

tocante à fase de planejamento. Mas é plausível dizer também que


muita coisa ainda precisa ser feita e corrigida nesses atos, pois a estru-
tura das etapas ainda não foi adequadamente definida, bem como
ainda existe muita confusão em relação à formalização das duas prin-
cipais etapas do planejamento. Não está clara para os agentes públi-
cos a diferença entre o termo de referência e o projeto básico, por
exemplo, porque os próprios atos semeiam a dúvida e a contradição.
No entanto, organizar tudo isso não é difícil; estamos avançando.

Quando começamos, de forma pioneira, há alguns anos, a


falar em planejamento e a organizar alguns eventos sobre a impor-
tância dessa fase e suas diversas etapas, o desinteresse era quase
total. Porém, estávamos convencidos de que esse seria o caminho a
ser seguido e que precisávamos insistir e manter erguida essa ban-
deira. Hoje, a realidade é outra. O planejamento das contratações
tem recebido cada vez mais a importância que merece. Atualmente,
não há como tratar das contratações públicas sem colocar o planeja-
mento como prioridade. Esse é atualmente um reconhecimento par-
tilhado por muitos agentes.

No entanto, para avançar ainda mais, é fundamental saber que


o planejamento é integrado por diferentes etapas, que cada uma cum-
pre uma função específica e que a soma do resultado de todas elas
proporcionará sucesso à contratação.

Cada etapa corresponde a uma pergunta específica, cuja res-


posta deve ser precisa e adequada. As três primeiras perguntas são:
Qual o problema a ser resolvido? Qual a solução para resolver o
problema? Quanto custa a solução definida para resolver o pro-
blema identificado? Mas o planejamento possui inúmeras outras per-
guntas, que constituirão etapas específicas, e em cada etapa haverá
outros questionamentos. Por isso, temos fases, etapas e atos a reali-
zar. Didaticamente, pode-se dizer que o planejamento é a fase na
qual as perguntas estão à procura de respostas. A missão de quem
planeja é saber fazer a pergunta e, também, encontrar a melhor res-
posta possível.

90
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O planejamento da contratação pode ser estruturado em 14


diferentes etapas, a saber:

Etapa I - Definição da necessidade (problema) e indicação da


possível solução;

Etapa II - Definição da solução, do objeto e das demais obriga-


ções que integram o encargo;

Etapa III - Definição do valor a ser pago pelo encargo;

Etapa IV - Definições orçamentária e financeira;

Etapa V - Aprovação da autoridade competente;

Etapa VI - Definição do procedimento a ser adotado na fase


externa e da modalidade de licitação, se for o caso;

Etapa VII - Definição do regime de execução;

Etapa VIII - Definição do tipo e dos critérios de julgamento da


licitação;

Etapa IX - Definição das condições pessoais de participação;

Etapa X - Definição das condições de apresentação das


propostas;

Etapa XI - Definição das condições específicas de execução do


contrato;
O Processo de Contratação Pública

Etapa XII - Elaboração do edital e de anexos;

Etapa XIII - Elaboração e aprovação do edital pela assessoria


jurídica;

Etapa XIV - Envio do aviso do edital para publicação.

As três primeiras etapas são fundamentais, e a essência de todo


o planejamento depende delas. Ademais, essas etapas (I, II e III) são
interdependentes numa relação de sucessão, ou seja, o erro cometido

91
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Renato Geraldo Mendes

em uma é refletido na outra. Errar na identificação da necessidade


implicará a potencialidade de errar na definição da solução/do
encargo e, também, na definição do valor a ser pago pelo encargo
contratual. Portanto, é preciso muito cuidado e atenção.

As 14 etapas indicadas servem para qualquer tipo de contra-


tação: obras e serviços de engenharia, serviços técnicos, bens e ser-
viços comuns, locação, concessão e permissão de serviços e bens,
etc. Ademais, pouco importa se a fase externa do processo será con-
duzida por contratação direta (dispensa ou inexigência) ou licitação
(concorrência, tomada de preços, convite ou pregão). E ainda, se por
meio de pregão, pouco importará se será eletrônico ou presencial.

As principais etapas indicadas serão analisadas nos capítulos


seguintes.

92
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Capítulo 5
IDENTIFICAÇÃO DA NECESSIDADE16
(O PROBLEMA)

1. Considerações iniciais
1.

O marco zero do processo de contratação é a identificação da


necessidade. É por ela que tudo deve se iniciar. Mas não é isso que
tem ocorrido. Aliás, muito pelo contrário, temos ignorado a necessi-
dade e, em grande parte dos casos, iniciamos o planejamento pela
definição da solução/do objeto. Essa prática administrativa deve ser
repensada, pois é a causa de grande parte dos problemas atuais em
contratação pública.

Este capítulo se destina a tratar da necessidade administrativa.


Ainda que algumas ressalvas possam ser feitas, a expressão “neces-
sidade administrativa” pode ser tomada também como equivalente
a outro rótulo muito comum no campo do Direito Administrativo,
qual seja, o interesse público. No entanto, o interesse público deve
ser reservado para qualificar uma realidade mais ampla. A necessi-
dade administrativa tem sentido mais limitado, pois descreve um inte-
resse peculiar da Administração relacionado à obtenção de bens, ser-
viços, obras, alienações, concessões e permissões, por meio de rela-
ção contratual.
O Processo de Contratação Pública

2. O que se deve entender por necessidade administrativa?


2.

A necessidade é fundamentalmente o problema a ser resol-


vido pela Administração. Identificar a necessidade significa delimi-
tar e precisar o problema ou a demanda a ser resolvida. Portanto, um
dos aspectos essenciais do planejamento da contratação pública é

16 A identificação da necessidade representa a etapa I da fase de planejamento, con-


forme vimos no capítulo anterior e consta do Ciclo incluído nesta obra.

93
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Renato Geraldo Mendes

distinguir, com clareza e precisão, o problema e a solução. Essa dife-


renciação é necessária para obter êxito no processo. Pode parecer
simples e óbvia, mas normalmente não é. Por conta desse pequeno
detalhe há tantos problemas na área da contratação. E veremos que
não há exagero nessa afirmação.

Nesse momento inicial de reflexão, é necessário notar que o


problema pertence à Administração, e a solução, em regra, aos par-
ticulares que atuam no mercado. Ademais, o problema antecede
a solução, ou seja, é com base na necessidade que se viabiliza a
melhor solução. Por isso, é a solução que deve se adequar à neces-
sidade, e não o contrário. A identificação da necessidade deve ser a
providência que inicia o processo de contratação pública, é por ela
que tudo deve começar.

3. nde surge a necessidade e quem deve identificá-la?


3. O
Como ela deve ser formalizada?

A necessidade pode surgir em qualquer área, unidade ou setor


da estrutura da Administração. Em princípio, todos os responsáveis
pelas diferentes áreas podem identificá-la e dar início ao processo.
No entanto, é indispensável que a matéria seja regulada interna-
mente, com disciplina específica a ser observada no âmbito adminis-
trativo de cada órgão e entidade da Administração.

A necessidade é normalmente formalizada por meio de um


documento que se denomina requisição ou termo de referência.
Deve ser preparado e assinado pelo responsável pela área requisi-
tante, isto é, por quem responde pela unidade ou setor administra-
tivo que identifica o problema (demanda). O agente deve realizar
o levantamento da necessidade ou orientar e supervisionar as ativi-
dades relacionadas quando executadas por servidores subordinados.
O responsável pela unidade requisitante tem papel fundamental no
processo de contratação pública, pois a ele cabe configurar uma das
mais importantes providências a serem adotadas no curso do pro-
cesso e que servirá de base e fundamento de validade para as outras
decisões subsequentes, tais como a definição da solução (objeto) e a
estimativa da despesa a ser realizada.

94
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4. Como a necessidade pode ser classificada?


4.
A finalidade de qualquer classificação é separar realidades ou
objetos que apresentem características comuns entre si, de modo a
distingui-los de outros.
Grosso modo, as necessidades podem ser classificadas em
gerais e específicas. As gerais são comuns às diferentes pessoas que
integram a estrutura orgânica da Administração Pública. As específi-
cas revelam problemas peculiares (singulares, pontuais) de determi-
nada entidade ou órgão. Assim, existem problemas comuns e especí-
ficos. Os problemas gerais ou comuns são, normalmente, resolvidos
por meio de solução padronizada, disponível e homogênea. Essa é a
regra, mas existem exceções.

5. O que pode acontecer se falharmos na identificação


5.
da necessidade?

Se houver falha na identificação da necessidade, a consequên-


cia imediata é a impossibilidade de definição adequada da solu-
ção/do encargo ou do objeto. Com isso, há repercussões diretas na
própria fixação das demais obrigações que integrarão o encargo. Se o
encargo não é preciso, não haverá como fixar o valor exato da futura
contratação nem como estimá-lo. Portanto, quando falhamos na iden-
tificação da necessidade, definimos mal o encargo e estimamos ina-
dequadamente o custo daquela contratação. É preciso lembrar que
as três primeiras etapas do processo de contratação servem para res-
ponder também a três perguntas; cada uma delas corresponde a uma
etapa. Qual o problema? Qual a solução para resolver o problema?
O Processo de Contratação Pública

Quanto custa a solução definida? Ora, se a primeira pergunta for res-


pondida de forma incorreta, as respostas às demais ficarão compro-
metidas. Errar a resposta para qualquer uma das três questões implica
administrar um provável problema na fase externa (licitação) ou na
fase contratual ou, ainda, em ambas. O mais comum é que a falha
cometida na fase interna se torne um problema (real e efetivo) ape-
nas na fase contratual. A dimensão desse problema tem relação direta
com o erro cometido. Normalmente, os problemas de contrato têm
origem antes da própria celebração. A fonte dos grandes problemas
de natureza contratual é a identificação da necessidade.

95
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Renato Geraldo Mendes

6. O que se deve fazer por ocasião da identificação da


6.
necessidade?

Muito deve ser feito em termos de planejamento. Para identi-


ficar a necessidade de forma adequada, é preciso, entre outras coi-
sas, ouvir os envolvidos com o problema e que, em regra, serão tam-
bém os beneficiados com a solução. Essa é uma providência sim-
ples e básica, mas comumente relegada a segundo plano ou nem
mesmo realizada. Fundamentalmente, o problema é de comunica-
ção. A importância de ouvir os diretamente interessados na situação
justifica-se porque o problema se traduz necessariamente num fato
(situação) cujas circunstâncias ninguém conhece melhor do que os
próprios envolvidos.

Sem ouvir os interessados, corre-se o risco de ignorar ou omi-


tir determinada condição ou circunstância essencial para a definição
da solução (objeto). Pode parecer absurdo, mas esse é um dos sérios
problemas que conduzem muitas contratações ao fracasso. Uma das
razões que fazem com que os envolvidos com o problema não sejam
ouvidos é a urgência que normalmente preside o “planejamento” das
contratações.

O tempo que se “ganha” por não ouvir os envolvidos é perdido


nas outras fases do processo, quando o problema causado pela má
identificação da necessidade vem à tona. E o tempo que será perdido
na fase contratual, por exemplo, é enorme, e os prejuízos, em mui-
tos casos, são irreparáveis. Vale dizer: essa “economia” de tempo tem
custo financeiro (além de social) muito alto para o País e é insignifi-
cante em comparação ao que se perde.

7. A necessidade tem uma dimensão?


7.

Além das peculiaridades e características próprias, a necessi-


dade (problema) tem dimensão quantitativa a ser estimada, se não for
possível precisá-la. Com base nessa informação, posteriormente, será
dimensionada a solução a ser contratada para atender à demanda
da Administração. A dimensão da necessidade é informação das
mais importantes. Se realizada de forma inadequada, é outro sério

96
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problema, cuja repercussão será percebida na fase contratual. Por


conta disso, temos tantos aditivos contratuais com a finalidade de
aumentar a quantidade do objeto contratado. Esse aumento, normal-
mente, não tem fundamento de validade em fato superveniente, ou
seja, em demanda nova surgida, por exemplo, durante a fase contra-
tual. Como o erro no dimensionamento da necessidade (e do objeto)
é muito considerável, o percentual máximo de 25% de acréscimo
previsto no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 tem se revelado insufi-
ciente. É preciso reconhecer que, diante de todo o avanço técnico e
científico, não se pode mais aceitar um erro com essa proporção. Evi-
dentemente que o erro ocorre não por falta de condições técnicas de
mensurar o problema ou a situação fática, mas porque se trata a iden-
tificação da necessidade com descaso.

8. A identificação da necessidade é feita pelo pessoal


8.
interno?

Sim, a identificação da necessidade deve ser feita pelo pessoal


que integra a estrutura da Administração, isto é, pelos seus próprios
agentes (servidores e empregados). Essa regra deve ser adotada sem-
pre que a necessidade for simples ou, mesmo revestida de complexi-
dade, houver pessoal qualificado ou em condições de atender a essa
demanda. Na hipótese de não haver condições técnicas de realizar a
identificação da necessidade com o próprio pessoal, a Administração
pode recorrer a terceiros. No entanto, em princípio, a necessidade deve
ser identificada pelos próprios agentes públicos, e não por terceiros. O Processo de Contratação Pública

9. Quando a Administração deverá recorrer a terceiros?


9.

O recurso a terceiros pode ocorrer em duas situações: a) quando


não houver pessoal habilitado para desempenhar o referido encargo
e b) quando, mesmo havendo pessoal qualificado e com condi-
ções técnicas, não for possível dele se valer em razão do excesso de
demanda existente. Na segunda hipótese, poderá a Administração,
mediante licitação ou não, contratar empresa ou profissional para
realizar o trabalho.

97
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Renato Geraldo Mendes

Identificar a necessidade é tomar uma decisão? Ao contratar um


terceiro, não se estaria outorgando a ele a decisão de definir a neces-
sidade da Administração?

Não há dúvida de que a identificação da necessidade implica a


tomada de decisão. Aliás, a primeira tomada no processo de contrata-
ção pública e uma das mais importantes. É uma decisão que deve ser
atribuída aos próprios agentes públicos competentes. Devemos sepa-
rar duas situações distintas a fim de bem compreender o problema: o
levantamento de dados e a decisão propriamente dita.

O levantamento de dados é uma questão meramente informa-


tiva. A decisão é uma questão que envolve mérito. Dessa forma, é
perfeitamente possível atribuir ao terceiro o levantamento de dados e
informações técnicas, quando indispensável, bem como reservar ao
agente público a decisão de mérito quando da configuração final da
própria necessidade identificada, de modo a desconsiderar e calibrar
determinadas condições apontadas pelo terceiro. É evidente que a
decisão do agente será baseada na atuação do terceiro, e nem pode-
ria ser diferente, mas isso não significa que não seja possível e reco-
mendável separar os dois momentos de atuação .

Cada situação concreta revelará maior ou menor grau de vincula-


ção e condicionamento da decisão do agente pela atuação do terceiro,
mas isso se justificará por razões de ordem técnica. Quando se con-
trata um terceiro para realizar a identificação da necessidade, é neces-
sário exigir que os levantamentos e as recomendações por ele realiza-
dos sejam devidamente justificados. Ademais, caberá ao terceiro pres-
tar todos os esclarecimentos e sanar as dúvidas do agente responsável
pela decisão final. É importante que o agente perceba que cabe a ele
contraditar o terceiro contratado em relação ao seu trabalho. Portanto,
a prudência e a cautela administrativa exigem atuação criteriosa do
agente. Ele tomará uma decisão que envolve conveniência e oportuni-
dade, ainda que a necessidade tenha sido apurada por um terceiro. Tal
possibilidade é autorizada pela ordem jurídica.

98
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10. A decisão de identificação da necessidade implica


10.
responsabilidade?

Sim, a decisão que envolve a identificação implica responsa-


bilidade para o agente que decide. Aliás, todos os atos (decisões)
praticados no curso do processo implicam responsabilidade para o
agente competente, ou seja, para quem pratica o ato por dever de ofí-
cio. O exercício da função pública representa sempre, no mínimo, o
dever/poder, por um lado, e a responsabilidade, por outro. Dever e
responsabilidade são as duas faces de uma mesma moeda.

11. Qual a importância da identificação da necessidade


11.
para os que exercem os controles interno e externo?

A adequada identificação da necessidade é de natureza funda-


mental, pois os controles interno e externo só podem ser exercidos
corretamente a partir da própria ideia de necessidade. Infelizmente,
parece que isso ainda não foi percebido pelos órgãos encarregados
de exercer o controle da Administração Pública. Em verdade, essa ati-
vidade tem sido realizada com base na definição do objeto e a partir
dele. Ainda não se percebeu que o objeto é a solução, e a necessi-
dade, o problema. É com base neste que o objeto deve ser definido.
A definição do objeto deve atender a alguns critérios: a) adequação
à necessidade; b) economicidade; e c) ampliação da competição,
salvo se não for tecnicamente possível.

Conforme o princípio da adequação, o objeto tem seu fun-


O Processo de Contratação Pública

damento de validade na própria necessidade real, pois é esta que


determina a instauração do processo. Logo, para saber se a solução
(encargo/objeto) é adequada e econômica, é preciso ter, de forma
clara e precisa, a necessidade concreta que a motivou. Com base na
necessidade, deve-se apurar e aferir a ilegalidade que envolve a des-
crição do objeto. A descrição não é uma decisão meramente discri-
cionária do agente e sem fundamento de validade. O fundamento
de validade da descrição do objeto a ser contratado é a necessidade
real e efetiva da Administração. Esse é um ponto essencial e deve
nortear os controles interno e externo. Eles não devem ser exercidos

99
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Renato Geraldo Mendes

a partir da descrição do objeto, mas sim da identificação da necessi-


dade, que se materializa na requisição ou no termo de referência. Por
isso, tais providências precisam ser bem elaboradas. Mas não pode-
mos trocar os pés pelas mãos, como fez, por exemplo, a IN nº 02/08
da SLTI do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, ao con-
fundir termo de referência e projeto básico. O termo de referência
deve ser destinado a identificar a necessidade e, em princípio, a mais
nada. O projeto básico/executivo deve conter a definição do objeto
(solução). É fundamental não confundir as coisas e separá-las bem,
sempre que possível, conforme veremos no próximo capítulo.

Os órgãos de controle precisam se centrar na necessidade; é


com base nela que será possível saber se a descrição do objeto é, sob
os pontos de vista técnico e econômico, a mais adequada para atender
à demanda da Administração. É também a partir da necessidade que o
órgão de controle poderá apurar eventual restrição indevida à disputa.
Hoje, com bastante frequência, discute-se a questão da restrição e da
economicidade com base na definição do objeto, o que não é ade-
quado, parecendo “conversa de loucos”. O fundamento de validade
da descrição do objeto é a necessidade, e não o próprio objeto. Por-
tanto, não há como auditar a legalidade de uma contratação pública
senão com base na identificação da necessidade realizada pela Admi-
nistração, ou seja, para saber se a solução é adequada, é indispensável
conhecer o problema que ela pretendeu resolver. A identificação da
necessidade é o fato (situação) que motiva o nascimento do processo.
Tal fato deve estar devidamente dimensionado e adequadamente mate-
rializado nos autos, sob pena de ilegalidade de tudo o que foi feito até
ali. O processo traduz um conjunto de decisões, cuja premissa funda-
mental e condicionante é a necessidade, e não o objeto.

12. É possível retificar a necessidade posteriormente?


12.

Se houver erro na identificação da necessidade, caberá ao


agente responsável, tão logo apurado o equívoco ou a omissão, pro-
ceder à devida retificação das informações, pouco importando a fase
em que se encontra o processo. Não é tolerável que, mesmo diante
da apuração do equívoco, o agente silencie e não informe o erro ou
a omissão.

100
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É indiscutível que, sob o ponto de vista ideal, a identificação


da necessidade de forma precisa e exata deve ocorrer no momento
apropriado (etapa I do planejamento), e não, por exemplo, depois
que a solução/objeto foi definida (etapa II). Mas não fazer algo no
momento oportuno não significa que não possa ou não deva ser feito
intempestivamente. A obrigatoriedade de informação, mesmo intem-
pestiva, possibilitará providências cabíveis. Em alguns casos, a reti-
ficação não trará prejuízos e poderá ser contornada posteriormente,
inclusive na fase contratual, mediante acréscimo quantitativo ou alte-
ração qualitativa, dentro dos limites percentuais definidos no § 1º do
art. 65 da Lei nº 8.666/93. Em outros casos, pode acontecer que o
erro ou a omissão na identificação da necessidade conduzam à revo-
gação do processo ou até mesmo à rescisão contratual, dependendo
do estágio em que se encontrar o processo. Seja qual for a situação,
é dever do agente retificar informações ou comunicar fatos omitidos
em relação à identificação da necessidade. Portanto, para evitar esse
problema, primar pela identificação da necessidade é indispensável.

13. Qual a importância da necessidade na definição da


13.
relação benefício-custo?

A identificação da necessidade é determinante para a obten-


ção da melhor relação benefício-custo possível em uma contrata-
ção. A compreensão da questão é bem simples. O encargo/objeto é
definido com base na necessidade, e o preço é fixado pelo licitante
de acordo com o encargo a ser suportado na execução do contrato.
Ora, se é assim, o que determina a melhor relação benefício-custo é
O Processo de Contratação Pública

a necessidade. É preciso perceber que a estrutura do processo revela


uma conexão entre diversas coisas que se sucedem no tempo e de
forma lógica. Primeiro, é definido o problema a ser resolvido, depois,
definida a solução para ele. A solução se expressa na forma de um
encargo que alguém deverá suportar e viabilizar. O encargo, por sua
vez, tem dimensão econômica que reflete diretamente na fixação do
preço (expressão financeira do encargo).

Com efeito, se o agente responsável exagera na identifica-


ção da necessidade ou a subestima, haverá um reflexo na relação

101
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Renato Geraldo Mendes

benefício-custo. O reflexo direto no custo é o encargo, mas o indireto


é a necessidade. No entanto, em relação ao encargo, a necessidade
produz reflexo direto.
Um exemplo ajudará a entender melhor a questão. Se o agente
informa que a necessidade é o transporte de servidores para deslo-
camento em estradas vicinais, sem condições adequadas de conser-
vação (barro, lama, pedra, etc.), haverá a necessidade de definir, por
exemplo, um veículo traçado (4X4). Ora, essa característica ou descri-
ção técnica ocasionará uma inevitável restrição à disputa, bem como
tornará a aquisição mais onerosa. A informação prestada irá alterar
a relação benefício-custo, isto é, melhorar o benefício e aumentar a
despesa a ser realizada. Portanto, há uma relação direta entre neces-
sidade, benefício e preço. Essas três realidades são indissociáveis.

14. Satisfazer a necessidade é a finalidade do processo de


14.
contratação?

A finalidade do processo de contratação é satisfazer a necessi-


dade. O processo foi pensado, estruturado e disciplinado com o pro-
pósito de permitir que a necessidade da Administração fosse satis-
feita pela melhor relação benefício-custo, respeitando o tratamento
isonômico. É possível dizer que, fundamentalmente, o processo de
contratação só pode ser considerado um sucesso quando ocorrer o
seguinte: a) referente ao planejamento, a Administração conseguir
definir adequadamente o encargo (benefício) capaz de atender à
sua necessidade e viabilizar a melhor competição possível; b) refe-
rente à fase externa (licitação, dispensa e inexigência), for obtida a
melhor relação benefício-custo possível; e c) referente ao contrato,
for obtido o benefício esperado e satisfeita integralmente a necessi-
dade, sem pagar mais por isso.
A não satisfação da necessidade que determinou a deflagração
do processo possibilita que se rotule de frustrada a atividade adminis-
trativa realizada, mesmo com a necessidade atendida parcialmente.
Importante lembrar que, para satisfazer a necessidade por meio de
contrato, é indispensável, antes de tudo, identificá-la de forma ade-
quada e precisa. Portanto, o fim do processo de contratação pública
é determinado pelo seu início.

102
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15. A necessidade pode ser alterada durante a licitação e


15.
o contrato?

É perfeitamente possível haver alteração da necessidade durante


a licitação ou a execução do contrato, no aspecto quantitativo ou qua-
litativo, desde que observadas certas condições. O aspecto quantitativo
diz respeito à dimensão ou à quantidade do encargo. O qualitativo se
refere às especificações e características técnicas que traduzem a solu-
ção, notadamente em relação ao núcleo do encargo (objeto).

Como a necessidade reflete um conjunto de fatos (concretos,


reais ou potenciais), é natural que possa sofrer alterações. Se os fatos
(circunstâncias) são alterados, a necessidade também poderá sofrer
modificação, tanto durante o planejamento quanto na ocasião da lici-
tação ou da execução do contrato. O que determina a alteração da
necessidade são os fatos que a originam, e estes podem mudar a qual-
quer tempo (em qualquer fase ou etapa do processo).

Assim como a necessidade original, a sua alteração deve ser devi-


damente demonstrada e justificada no processo. A alteração dos fatos
pode proporcionar mudanças na descrição do objeto a ser licitado ou
no objeto do contrato, bem como em outros aspectos da relação con-
tratual. É claro que nem todas as alterações que ensejam mudanças
no objeto, por exemplo, decorrem de alteração da necessidade. Vale
dizer, o objeto definido na fase de planejamento pode ser alterado sem
qualquer modificação na necessidade. Isso ocorre quando a especifi-
cação do objeto sofre alteração em razão de avanço tecnológico, por
exemplo, sem que a necessidade tenha sido modificada.
O Processo de Contratação Pública

A necessidade, então, pode ser alterada por: a) fatos da natu-


reza; b) atos dos agentes da própria Administração; c) atos de tercei-
ros; entre outros motivos.

16. Qual a relação entre fato superveniente e necessidade?


16.

O fato superveniente ocorre depois que a necessidade é identi-


ficada e formalizada. Não é qualquer fato superveniente que interessa
para nós, mas apenas aquele que possa, de forma direta ou indireta,

103
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Renato Geraldo Mendes

alterar a necessidade. Há fatos que têm relação com a necessidade,


e outros, não. Os que têm são capazes de alterar a sua identidade.
Os fatos supervenientes podem alterar a necessidade parcialmente
ou totalmente. Alteram totalmente quando desnaturam a necessi-
dade anteriormente identificada. Por outro lado, a alteração é parcial
quando o fato não for capaz de desnaturar a essência da necessidade,
mas apenas de certas características que a informavam.

Com a finalidade de afastar revogações ilegais, a ordem jurídica


impõe que o desfazimento do processo sob o argumento de conveni-
ência administrativa ou interesse público seja viabilizado apenas se
fundado em fato superveniente. Essa exigência veio com a edição da
Lei nº 8.666/93, pois na época do Decreto-lei nº 2.300/86 era comum
a revogação baseada apenas na chamada conveniência administra-
tiva, sem indicação de motivo específico. Assim, a existência de fato
superveniente, devidamente comprovado, passou a ser condição para
a Administração agir em determinadas situações.

É importante deixar claro que quando a Lei alude a fato super-


veniente não significa apenas os fatos que incidem sobre a necessi-
dade, pois eles podem não se relacionar diretamente com ela, mas
com a solução ou outra exigência definida no planejamento e que
integra o encargo materializado no edital. Assim, é preciso ver o fato
superveniente como o acontecimento capaz de alterar uma decisão
já adotada no processo de contratação.

17. Como se formaliza a necessidade?


17.

A necessidade deve ser formalizada por escrito. No documento


que a materializa, é indispensável a devida individualização do pro-
blema que justifica a deflagração do processo de contratação, bem
como a indicação de todas as peculiaridades e condições que o
caracterizam e os seus objetivos.

No tocante aos elementos e requisitos que devem estar reuni-


dos no documento que materializa a necessidade, remetemos o lei-
tor para o capítulo seguinte. É necessário, ainda, dizer que o docu-
mento que materializa a necessidade pode ser denominado termo

104
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de referência ou requisição. Requisição é a denominação mais tradi-


cional. Mas a expressão “termo de referência”, atualmente, tem sido
mais utilizada pela Administração, principalmente em nível federal.
Particularmente, preferimos a expressão “termo de referência”.

18. Como identificar a necessidade em obras, serviços e


18.
compras?

É preciso cuidado para não confundir duas coisas distintas na


análise de um objeto específico, tal como uma obra de engenharia ou
um serviço técnico, por exemplo. Não se pode confundir o problema
com a solução. A obra ou o serviço é a solução, e não o problema em
si. O problema (necessidade) é a situação fática que precisa ser resol-
vida por meio de uma obra ou serviço. A solução é técnica, o pro-
blema não necessariamente. Assim, não se deve pensar que os estu-
dos preliminares, os levantamentos técnicos, o anteprojeto, o projeto
básico e o executivo são providências relacionadas à identificação da
necessidade (problema). Em verdade, elas se relacionam com a solu-
ção, e não com o problema. É certo que é a partir da necessidade que
referidas providências técnicas serão preparadas.

No entanto, nem sempre é tão fácil e simples separar o pro-


blema da solução. Todos temos uma predisposição para partir logo
para a definição da solução e esquecemos (muitas vezes) de dimen-
sionar adequadamente o problema.17 É fundamental perceber que a
construção de uma estrada, uma ponte, um aeroporto ou um porto é
a solução para um problema que qualificamos de transporte (infraes-
trutura). Ou seja, a necessidade é viabilizar o transporte de pessoas
O Processo de Contratação Pública

ou de coisas (carga, por exemplo), o que vai acontecer por meio de


uma solução técnica, que se denomina obra e serviço de engenharia.

17 Essa distinção fica mais evidente na Medicina. O problema é a doença, e esta precisa
ser diagnosticada. A solução é o remédio (medicamento) que precisa ser prescrito.
Assim, o termo de referência está para o diagnóstico como o projeto básico está para
a receita médica (prognóstico). A identificação do problema (doença) é feita com
base em sintomas e exames. É a partir da identificação da doença e da apuração de
outras informações que se prescreve uma solução (remédio). Se o paciente é hiper-
tenso (informação), caberá ao médico excluir os medicamentos que afetam a pressão
arterial, por exemplo.

105
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Renato Geraldo Mendes

Um mesmo problema pode ser resolvido por diferentes modos,


ou seja, por diversas soluções. Uma solução pode ter também diferen-
tes objetos, igualmente chamados de vários tipos de solução. Assim,
objetos são diferentes tipos de solução ou variações diferenciadas
de solução. O objeto é o núcleo do encargo. Vamos tornar tudo isso
mais simples com um exemplo. Não se deve confundir a via de trans-
porte com o meio de transporte. Uma estrada ou uma ferrovia são
vias de transportes, e não meios de transporte. A via de transporte é
imóvel, o meio de transporte é que se move. As vias de transporte são
soluções viabilizadas por obras e serviços de engenharia, e os meios
destinados ao transporte, normalmente, com uma aquisição (com-
pras). Nesse sentido, o transporte de pessoas pode ser viabilizado
por meio de diferentes soluções: automóvel, moto, avião, navio, heli-
cóptero, etc. Definida a solução (por exemplo: automóvel), é preciso
especificar o objeto. O objeto pode ser um veículo com as caracterís-
ticas X ou Y; pode ser 4X4 ou 4X2, etc.

Não se planeja a contratação de um problema, mas a sua solu-


ção. A solução pertence ao particular, e o problema, à Administra-
ção. Assim, a necessidade é identificada para que se possa definir a
solução.

Se a necessidade é um espaço físico para abrigar a sede da


Administração, será necessário tomar uma decisão sobre a melhor
solução para o problema: se locação ou construção. Se a decisão for
a de construir um bem imóvel, deve-se apurar (dimensionar) quan-
tas pessoas ele irá acomodar; quantos serão os setores e as unida-
des que nele funcionarão; etc. Será preciso levantar todas as infor-
mações capazes de proporcionar o exato dimensionamento do pro-
blema para, na etapa seguinte, definir a solução (objeto). Em termos
de obras e serviços de engenharia, por exemplo, a necessidade deve
ser materializada em documento que se pode rotular de “requisição”
ou “termo de referência”. O objeto da obra ou do serviço deverá ser
obrigatoriamente definido em documentos conhecidos como “pro-
jeto básico” e “projeto executivo”.

106
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Capítulo 6

FORMALIZAÇÃO DA NECESSIDADE –
TERMO DE REFERÊNCIA

1. Considerações iniciais e objetivo


1.

A finalidade deste capítulo é oferecer resposta para algumas


perguntas. O que significa termo de referência? O que ele deve con-
ter? Quando surgiu a expressão? Quais as regras que o regulam, isto
é, qual o seu regime jurídico? Quando ele deve ser elaborado? Quem
deve elaborá-lo? Por que ele é um dos mais importantes instrumen-
tos do planejamento de qualquer contratação? Por que é inadequada
a disciplina prevista na IN nº 02/08 sobre ele? Qual a diferença entre
requisição, termo de referência e projeto básico? O termo de referên-
cia só é necessário quando a modalidade for o pregão?

Fundamentalmente, o processo de comunicação entre as pes-


soas só é possível em razão da linguagem, pois sem ela não podemos
expressar pensamentos e ideias. Ela traduz, no seu sentido amplo, as
diversas formas pelas quais podemos transmitir informações. A lin-
guagem é viabilizada, basicamente, por meio de algo que se con-
vencionou chamar de signo. Os signos representam a conjugação de
O Processo de Contratação Pública

duas coisas: um suporte material e um conteúdo. As palavras de uma


língua, por exemplo, são o que chamamos aqui de suporte mate-
rial. Em verdade, palavras são meros rótulos (sinais) que utilizamos
para vincular conteúdos. As expressões “direito”, “liberdade”, “vida”
ou mesmo “termo de referência” são rótulos aos quais são vincula-
dos significados. Quando utilizamos a palavra “liberdade”, por exem-
plo, estamos nos referindo a um valor que tem um significado. Da
mesma forma, quando falamos em termo de referência, valemo-nos
de um rótulo que necessita de significado, que deve ser, de preferên-
cia, preciso.

107
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Renato Geraldo Mendes

2. Quando surgiu a expressão?


2.

A expressão “termo de referência” é um rótulo novo. Ainda que


possa ter sido empregado em outros momentos, sob o ponto de vista
legal, surge apenas no ano 2000, com a edição do Decreto nº 3.555.
Portanto, deve-se observar que não foi um rótulo criado pelo Poder
Legislativo, mas pelo Poder Executivo, em razão de sua competên-
cia de regulamentar a lei. Assim, nem a Lei nº 8.666/93 nem a Lei
nº 10.520/02 (pregão) utilizam a expressão. Foi no momento de regu-
lamentar o pregão que o “legislador” cunhou o rótulo “termo de
referência”.

A criação de um signo implica a formatação de um rótulo e a


definição de um conteúdo para ele. O rótulo é a expressão “termo de
referência”, e o conteúdo é o que ele significa ou o que ele transmite
em termos de informação. É preciso conhecer qual conteúdo o legis-
lador estabeleceu para ele, sendo necessário, para tanto, analisar o
conjunto de regras que disciplina tal realidade jurídica. Da análise,
será possível saber se há uma definição legal já estabelecida e se ela
é adequada, bem como obter informações capazes de responder a
diversas dúvidas acerca do tema.

3. Qual regime jurídico configura o termo de


3.
referência?

Regime jurídico é uma expressão que designa o conjunto de


regras que disciplina determinada realidade jurídica. Nesse caso,
a realidade é a expressão “termo de referência”. Assim, podemos
dizer que o regime jurídico aplicável é integrado pelos seguintes atos
normativos:
a) Incs. I e II do art. 8º do Decreto nº 3.555/00;
b) Incs. I e II e § 2º do art. 9º do Decreto nº 5.450/05, que regu-
lamenta o pregão eletrônico no âmbito federal; e
c) Arts. 14, 15 e 49 da IN nº 02/08 e, ainda, arts. 17 a 19 da IN
nº 04/10, ambas da Secretaria de Logística e Tecnologia da
Informação do MPOG.

108
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Portanto, é nesse conjunto de regras que iremos diretamente


garimpar as respostas para diversas dúvidas que envolvem o tema.
Ainda que desnecessário, acrescentamos que, além dos atos nor-
mativos apontados, a análise considerará também os termos da Lei
nº  8.666/93 e da Lei nº  10.520/02, pois elas são o fundamento de
validade deles.

4. Qual o conteúdo do termo de referência no Decreto


4.
nº 3.555/00?

A primeira alusão a “termo de referência”, feita no inc. I do art.


8º do Decreto nº  3.555/00, é para dizer que a definição do objeto
deve estar nele refletida, nestes termos: “a definição do objeto deverá
ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por exces-
sivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem ou frustrem a compe-
tição ou a realização do fornecimento, devendo estar refletida no
termo de referência”.

Mas o que significa dizer que uma coisa deve estar “refletida”
em outra? No caso específico, significa que a descrição do objeto tem
por fundamento de validade o termo de referência. Caberá à autori-
dade responsável pela definição do objeto orientar-se pelo termo de
referência para poder defini-lo.

Nesse sentido, é possível destacar uma primeira conclusão:


a descrição do objeto não é uma informação que deve integrar o
termo de referência, pois ela não é parte dele, mas decorre dele.
O Processo de Contratação Pública

Há uma relação de causa e efeito. Logo, o termo de referência é o


antecedente necessário, e a descrição do objeto, o seu consequente
lógico.

Vejamos agora como o inc. II do art. 8º do Decreto nº 3.555/00


define termo de referência: “documento que deverá conter elementos
capazes de propiciar a avaliação do custo pela Administração, diante
de orçamento detalhado, considerando os preços praticados no mer-
cado, a definição dos métodos, a estratégia de suprimento e o prazo
de execução do contrato”.

109
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Renato Geraldo Mendes

A análise do referido inc. II do art. 8º reafirma o que acabamos


de dizer, ou seja, que o termo de referência é documento meramente
informativo (pois deve conter elementos capazes de propiciar algo). A
palavra “elementos”, empregada no citado dispositivo legal, deve ser
entendida como sinônimo de “informações”. Por informações, deve-
mos entender condições, circunstâncias, dados, detalhes, caracterís-
ticas, peculiaridades, etc.

É preciso ter cuidado, no entanto, com o enunciado da defini-


ção legal, pois ele pode conduzir a uma conclusão equivocada. Ao
dizer que o termo de referência “é o documento que deverá conter
elementos capazes de propiciar a avaliação do custo pela Adminis-
tração”, não se deve entender que o objeto deve nele estar indicado
e descrito. Tal equívoco é possível por uma razão simples: para pen-
sar em custo (valor estimado da contratação), o objeto deve ter sido
antes definido.

Mas não é essa a conclusão que devemos garimpar no enun-


ciado. Afinal, com base em que se pode afirmar que não foi isso que
o legislador quis regular? A afirmação se faz com fundamento na alí-
nea “a” do inc. III do art. 8º do próprio Decreto nº  3.555/00, pois
nela foi previsto que é a autoridade competente que deverá definir o
objeto e o seu valor, de acordo com o termo de referência elaborado
pelo agente requisitante.

Com isso, percebemos que a definição do objeto não integra o


termo de referência, mas decorre dele e nele tem seu fundamento de
validade, bem como que o termo de referência deve ser elaborado
pelo agente requisitante, e a descrição do objeto deve ser feita pela
autoridade competente.

Podemos dizer que o termo de referência responde à seguinte


pergunta: qual a necessidade (ou o problema) da Administração? A
descrição do objeto apresentaria resposta para outra pergunta: qual a
solução para o problema? De acordo com a regra prevista no Decreto
nº 3.555/00, as duas questões devem ser respondidas em momentos
distintos e sucessivos e por diferentes agentes. É o princípio da segre-
gação das etapas e das atividades.

110
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Outra distinção importante a ser feita é que, de acordo com a


alínea “b” do inc. III do art. 8º do Decreto nº 3.555/00, caberá à auto-
ridade competente justificar a necessidade de aquisição, ou seja, a
mesma autoridade que define o objeto deve justificar a necessidade de
contratação. Para compreender adequadamente os termos da regra, é
preciso diferenciar a justificativa da necessidade em si da justificativa
da contratação. A justificativa da necessidade (que é o problema a ser
resolvido) é uma atribuição do agente requisitante, pois ele deve justi-
ficar a demanda. Já a justificativa da contratação é da autoridade com-
petente, pois a definição do objeto (e das demais obrigações que dele
decorrerão) implica a tomada de decisão de mérito e prepara o nas-
cimento de uma futura relação jurídica, cuja competência é de quem
pode criar obrigações para a Administração. Cabe reiterar que não se
contrata o problema, mas uma solução para ele.

Em síntese, de acordo com o Decreto nº 3.555/00, o termo de


referência deve conter informações do requisitante que possibilitem à
autoridade competente definir o objeto da contratação.

Uma última ponderação deve ser feita sobre o caput do art. 8º


do Decreto nº 3.555/00, pois dele é possível concluir que o termo de
referência é um documento tipicamente da fase preparatória do pre-
gão. A afirmação não está adequada, pois não existe uma fase prepa-
ratória do pregão, apenas da contratação. A escolha da modalidade
a ser adotada ocorre muito depois da definição da necessidade e da
descrição do objeto. Por conta disso, o termo de referência não pode
ser visto como um documento a ser exigido somente quando a moda-
lidade será o pregão, como dá a entender o art. 8º mencionado, pois
não se deve começar o processo pensando que a sua fase externa
será conduzida de acordo com o rito definido para o pregão ou uma
O Processo de Contratação Pública

concorrência, por exemplo. Cada coisa deve ocorrer ao seu tempo.


Muito embora seja inadequado vincular a exigência do termo de refe-
rência à modalidade pregão, justifica-se em razão de que é essa a
modalidade regulamentada pelo Decreto nº 3.555/00.

O termo de referência é uma providência necessária na fase


preparatória da contratação, independentemente da modalidade
adotada. Ademais, mesmo nos casos de contratação direta, em que
não se fala em modalidade de licitação, o termo de referência é
indispensável.

111
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Renato Geraldo Mendes

5. Qual o conteúdo do termo de referência no Decreto


5.
nº 5.450/05?

O Decreto nº 5.450 foi editado em 31 de maio de 2005, para


disciplinar o pregão eletrônico, ou seja, quase cinco anos após
a publicação do Decreto nº  3.555, que é de 8 de agosto de 2000.
A comparação entre os dois atos normativos revela que o Decreto
nº  5.450/05 introduziu mudanças significativas em relação à disci-
plina do Decreto nº 3.555/00, no tocante ao termo de referência.

Sob o ponto de vista essencial, no § 2º do seu art. 9º, o Decreto


nº 5.450/05 adotou a mesma definição de termo de referência pre-
vista no Decreto nº 3.555/00. A eventual diferença diz respeito mais
à extensão do enunciado do que ao seu conteúdo.

Se a definição de termo de referência prevista do § 2º do art. 9º


do Decreto nº 5.450/05 tem a mesma acepção da fixada no inc. II do
art. 8º do Decreto nº 3.555/00, o mesmo não se pode dizer em rela-
ção ao conteúdo que ele deve ter por conta da regra prevista no inc.
I do seu art. 9º, no qual está dito que na fase preparatória será obser-
vada a “elaboração de termo de referência pelo órgão requisitante
com indicação do objeto de forma precisa”. Há aqui uma diferença
clara em relação aos termos dos dois atos normativos.

Analisando o conteúdo do art. 8º do Decreto nº 3.555/00, tem-


-se que não é atribuição do agente requisitante definir, no termo de
referência, o objeto, mas apenas reunir informação para que a auto-
ridade o faça, de forma precisa. Assim, a competência para definir o
objeto de forma precisa é da autoridade, e não do agente requisitante.
No entanto, no inc. I do art. 9º do Decreto nº 5.450/05 está previsto
que a competência para a definição do objeto é do agente requisi-
tante, e não da autoridade. Não houve segregação das duas ativida-
des, tal como no Decreto nº 3.555/00.

A novidade que consta no inc. I do art. 9º implica a definição


de uma regra de competência, pois ela envolve a fixação de uma
atribuição (dever-poder) para que alguém (agente) pratique um ato
de natureza decisória. Em princípio, só a lei em sentido formal pode

112
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definir competência, decreto não pode fazer isso. Aliás, essa é a con-
dição que orienta toda a ordem jurídica.

Antes de afirmar que o Decreto nº  5.450/05 fez o que não


podia, é preciso apurar se há lei dispondo sobre a competência para
definir o objeto e de quem é tal atribuição. Quando se fala em pre-
gão, presencial ou eletrônico, devemos analisar a Lei nº 10.520/02,
pois é ela que regula essa modalidade e, em princípio, pode ou não
dispor sobre competência. Uma rápida análise da Lei nº 10.520/02
é suficiente para constatar que, de forma clara e direta, ela regulou a
matéria, ao determinar, no inc. I do art. 3º que “a autoridade compe-
tente justificará a necessidade de contratação e definirá o objeto do
certame”. Em razão do referido preceito, é fácil concluir que há uma
ilegalidade que macula o Decreto nº 5.450/05, pois um decreto não
pode contrariar o que diz a lei. Quando isso ocorre, a determinação
prevista no decreto deve ser ignorada, prevalecendo a lei.

Portanto, em face do que dispõe a Lei nº  10.520/02, a dife-


rença de redação e de conteúdo entre o inc. I do art. 9º do Decreto
nº 5.450/05 e o inc. I do art. 8º do Decreto nº 3.555/00 não muda em
nada as conclusões antes lançadas, ou seja, o termo de referência tem
como finalidade definir, de forma precisa, o problema, e não a solu-
ção. Até é possível que o requisitante indique no termo de referência
a solução que entende adequada para resolver o problema, mas isso
não implica que é dele a competência para definir o objeto. São coi-
sas distintas e não podem ser confundidas. O Processo de Contratação Pública

Ademais, ainda que a Lei nº 10.520/02 não fosse tão clara, seria
inaceitável reconhecer que o termo de referência poderia ter certos
requisitos para o processo de contratação por pregão presencial e
outros para quando se utilizar o pregão eletrônico. Logo, a definição
de termo de referência deve ser necessariamente a mesma, não se
alterando em razão da modalidade de licitação a ser adotada ou da
forma que será processada (presencial ou eletrônica), até porque ela
antecede a própria definição da modalidade. Então, as mesmas con-
clusões apresentadas em relação ao Decreto nº 3.555/00 se aplicam
às disposições do Decreto nº 5.450/05, sem nenhuma ressalva.

113
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Renato Geraldo Mendes

6. ual o conteúdo do termo de referência na


6. Q
IN MPOG nº 02/08?

A Instrução Normativa nº 02, da Secretaria de Logística e Tec-


nologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão, de 30 de abril de 2008, disciplina a contratação de ser-
viços por órgãos ou entidades integrantes do Sistema de Serviços
Gerais (SISG). Essa IN foi, em 15.10.09, alterada pela IN nº 03, da
SLTI/MPOG. Mas as mudanças introduzidas não alteraram as disposi-
ções normativas da IN nº 02/08 relacionadas à disciplina do termo de
referência. Assim, é possível ignorar aqui a análise da IN nº 03/09 em
razão do fato de ela não alterar o regime jurídico do termo de referên-
cia já delineado na IN nº 02/08. No entanto, analisaremos os termos
do § 3º do art. 6º da IN nº 02/08, cuja redação foi introduzida pela
IN nº 03/09. No referido preceito está prevista a exigência de que “a
contratação deverá ser precedida e instruída com plano de trabalho
aprovado pela autoridade máxima do órgão ou entidade”. É neces-
sário saber qual o efetivo conteúdo do plano de trabalho e como ele
deve se harmonizar com o termo de referência.

A IN nº 02/08 foi editada com a finalidade de regular um tipo


específico de contratação: serviços. Em princípio, ela não se aplica
para compras e obras. Fundamentalmente, regula a contratação
de serviços e atividades materiais acessórias, instrumentais e com-
plementares, tais como as indicadas no §  1º do art. 1º do Decreto
nº 2.271, de 7 de julho de 1997.

Nesse sentido, seria possível concluir que a disciplina do termo


de referência e a definição para ele adotada na IN nº 02/08 servem
apenas para as contratações de serviços, o que afastaria a sua aplica-
ção para objetos distintos (compras, por exemplo). Muito embora essa
conclusão possa parecer sensata, ela não se afigura como a mais ade-
quada, pelas mesmas razões apontadas para afirmar que não há um
termo de referência para pregão eletrônico e outro para presencial.

A propósito, quando analisamos os Decretos nºs 3.555/00 e


5.450/05, concluímos que o conteúdo do termo de referência é infor-
mativo e tem a finalidade de definir a necessidade (o problema) que
a Administração pretende resolver. Ele não define o objeto, apenas

114
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subsidia a autoridade com todas as informações capazes de possibili-


tar essa definição (e do encargo) de forma precisa.

Então, não há razão para entender viável uma definição de


termo de referência para o serviço e outra para a compra e, ainda,
uma terceira para obra. Fundamentalmente, parece razoável haver
uma definição, independentemente de se tratar deste ou daquele tipo
de objeto, pois o termo de referência disciplina como deve ser confi-
gurado o problema, e não a solução (objeto). Obra, serviço, compra,
locação são soluções para um problema e com ele não se confun-
dem. Cumpre anotar que o fato de se entender que deve existir ape-
nas uma disciplina para o termo de referência, e que ela independe
da natureza do objeto, não significa afirmar que tal disciplina deva
ser a adotada pela IN nº 02/08.

Os dispositivos da IN nº 02/08 que interessam para fins de aná-


lise são os arts. 14 e 15, bem como o item III do Anexo I, pois nele
está definido o termo de referência.

Diz o item III do Anexo I que:

projeto básico ou termo de referência é o documento que deverá conter


os elementos técnicos capazes de propiciar a avaliação do custo, pela
administração, com a contratação e os elementos técnicos necessários e
suficientes, com nível de precisão adequado para caracterizar o serviço a
ser contratado e orientar a execução e fiscalização contratual.

O primeiro aspecto a ser observado é que a expressão “termo


de referência” passa a ser equivalente a “projeto básico”, rótulo tradi-
O Processo de Contratação Pública

cional na área da contratação pública. Num primeiro momento, para


fins da IN nº 02/08, projeto básico é o mesmo que termo de referên-
cia. Vale reiterar: de acordo com o a IN nº 02/08, temos dois rótu-
los para designar um mesmo conteúdo. Os dois rótulos são projeto
básico e termo de referência, e o conteúdo, para a IN nº 02/08, é a
definição constante do item III do seu Anexo I.

A opção feita pela IN nº 02/08 de dizer que projeto básico é


o mesmo que termo de referência é inadequada. O rótulo projeto
básico já tem conteúdo (definição) preciso na ordem jurídica (inc.

115
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Renato Geraldo Mendes

IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93). De acordo com o mencionado pre-


ceito, o projeto básico implica a configuração da solução, ou seja,
ele determina a solução para o problema, e não o problema. Este diz
respeito ao diagnóstico e é anterior à configuração da solução. O
problema condiciona e determina a solução, e não o contrário. Não
pode haver confusão entre as duas realidades.

O inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93 define:

Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com


nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou
complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base
nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabi-
lidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empre-
endimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a defini-
ção dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes
elementos.

O cotejo entre o que está dito no inc. IX do art. 6º da Lei


nº  8.666/93 e o que consta no Decreto nº  3.555/00, por exemplo,
mostra que o legislador da IN nº 02/08 se valeu dos referidos enun-
ciados (textos) para compor a regra do item III do Anexo I, pois a
intenção era, justamente, equiparar o termo de referência ao projeto
básico. A primeira parte do item III do Anexo I foi retirada do inc. II
do art. 8º do Decreto nº 3.555/00, e a segunda parte decorre dos ter-
mos no inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93. Portanto, é dessa junção
que nasceu a definição de termo de referência que consta no item III
do Anexo I da IN nº 02/08.

O art. 14 da IN nº 02/08 dispõe:

a contratação de prestação de serviços será sempre precedida da apre-


sentação do Projeto Básico ou Termo de Referência, que deverá ser pre-
ferencialmente elaborado por técnico com qualificação profissional per-
tinente às especificidades do serviço a ser contratado, devendo o Projeto
ou o Termo ser justificado e aprovado pela autoridade competente.

Do referido dispositivo é oportuno destacar três coisas distintas


sobre o termo de referência: a) ele condiciona a contratação; b) deve

116
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ser elaborado por agente técnico qualificado; e c) deve ser justificado


e aprovado pela autoridade competente.

Ora, quando se diz que um ato deve ser aprovado por um


agente, a conclusão lógica é que quem praticou o ato não é o agente
que vai aprová-lo. Não há sentido em determinar que a competên-
cia para aprovar o ato é de quem o praticou, pois isso seria destituído
de uma razão lógica, além de atentar contra o princípio da econo-
mia processual. A ideia de aprovação pressupõe a de segregação de
funções, ou seja, um agente pratica o ato e outro o aprova (ou desa-
prova). A finalidade da aprovação é confirmar a adequação de um
ato praticado por agente diverso e, normalmente, hierarquicamente
subordinado.

Nesse sentido, o art. 14 da IN nº 02/08 reafirma tudo o que foi


dito acima a propósito dos Decretos nºs 3.555/00 e 5.450/05. Tam-
bém a definição de termo de referência prevista no item III do Anexo
I mantém a mesma linha adotada no Decreto nº 3.555/00.

O problema em relação ao termo de referência na IN nº 02/08,


no entanto, é o conteúdo do seu art. 15. A dificuldade reside no fato
de que esse dispositivo, que determina o real conteúdo do projeto
básico ou termo de referência, ampliou em demasia o rol dos requi-
sitos que devem estar nele contemplados. Assim, haveria uma contra-
dição em termos relacionada ao que está dito no item III do Anexo I e
o que determina o art. 15, bem como entre a IN nº 02/08 e os demais
atos normativos e legais vigentes (Decretos nºs 3.555/00 e 5.450/05
e Lei nº 10.520/02).
O Processo de Contratação Pública

Ainda que se deva elogiar o emissor da IN nº 02/08 pelo esforço


de relacionar as principais exigências a serem observadas para fixar o
encargo que traduz o planejamento da contratação de serviços, o fato
é que as apontadas no art. 15 não fazem parte do termo de referên-
cia, mas do planejamento da contratação. Também aqui temos duas
coisas diferentes e que não podem ser confundidas.

Parece que não houve clareza de que o termo de referência


materializa apenas uma das etapas do planejamento da contrata-
ção, o qual é integrado por 14 delas. Ele materializa a primeira das

117
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Renato Geraldo Mendes

quatorze e, como dissemos, deve identificar a necessidade e estabe-


lecer, de forma ampla e precisa, o que se espera com a contratação.
Ainda que se entendesse que o termo de referência também deve des-
crever o objeto, o rol do art. 15 seria inadequado, não por uma, mas
por várias outras razões.

O rol do art. 15 diz respeito a um conjunto de decisões que


devem ser praticadas por diferentes setores e agentes. Por conta disso,
já se afiguraria inadequado dizer, como faz o item III do Anexo I, que
o termo de referência é o “documento”. É desarrazoado imaginar que
todas as providências (atos) indicadas no art. 15 possam integrar um
único documento a ser elaborado por “técnico com qualificação pro-
fissional”, conforme prevê o art. 14, já consignado.

A relação do art. 15 descreve muito melhor os requisitos do


edital do que do termo de referência, sendo necessário notar que o
edital não é ato que reflete a decisão de um único agente ou setor da
Administração, mas de um conjunto deles (setor requisitante, autori-
dade competente, setor orçamentário e financeiro, setores técnicos
específicos, assessoria jurídica, etc.). Ainda que o edital seja apro-
vado por uma autoridade, existem vários agentes que concorreram
para a sua elaboração, cada qual praticando seus atos e tomando
suas decisões. Por isso, o edital é o documento que materializa todo
o encargo a ser cumprido pelo futuro contratado e expressa a von-
tade da Administração, que é um dos pilares da relação contratual. A
definição do encargo pressupõe um conjunto de decisões e envolve
diversos agentes.

Seria ótimo alguém elaborar o termo de referência de acordo


com o que dispõe o art. 15 da IN nº 02/08, de forma precisa e ade-
quada. De forma inadequada, isso é até possível. Mas, adequada-
mente, não é nem recomendável. O que é certo, no entanto, é que
em dado momento do planejamento da contratação todas as exigên-
cias previstas no art. 15, bem como as dos arts. 16, 17 e 19 da IN
nº 02/08 estarão reunidas em um único documento. Esse documento
é o edital, e não o termo de referência.

118
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7. ual o conteúdo do termo de referência na


7. Q
IN MPOG nº 04/10?

A IN nº  04/10 foi expedida com a finalidade de disciplinar as


contratações de serviços de tecnologia da informação pelos órgãos e
pelas entidades integrantes do Sistema de Administração dos Recursos
de Informação e Informática (SISP). No seu texto, o termo de referência
é regulado nos arts. 17 a 19.

Mesmo o legislador tendo sido, na IN nº  04/10, muito mais


comedido ao fixar os requisitos que deveriam ser atendidos pela
Administração na definição do termo de referência, é possível dizer
que caminhou na mesma direção da IN nº 02/08. No entanto, a prin-
cipal diferença é que ela atribuiu à equipe de planejamento da con-
tração a competência para preparar o termo de referência. Com exce-
ção dessa novidade, tudo o que se disse em relação à IN nº 02/08 tem
aqui também aplicação, ou seja, o legislador foi mais uma vez infeliz
ao confundir o termo de referência com o projeto básico.

8. Distinções entre requisição, termo de referência e


8.
projeto básico

Vamos agora apresentar algumas ponderações sobre três rótu-


los distintos: requisição, termo de referência e projeto básico. Funda-
mentalmente, o problema não é a existência de rótulos distintos, mas
o fato de saber quais são sinônimos, ou seja, têm o mesmo conteúdo
e quais possuem conteúdos diversos. Sem tal distinção, o processo
de comunicação fica prejudicado, pois as pessoas não se entendem.
O Processo de Contratação Pública

Para que a comunicação possa fluir adequadamente, é preciso que


todos os interlocutores tenham clareza sobre o que significa cada um
dos termos. Este tópico tem a finalidade de propor uma distinção para
os três rótulos acima indicados.

A palavra “requisição” é tradicional na praxe administrativa. É


utilizada genericamente para designar a solicitação de contratação
que é feita pelos mais diferentes setores e unidades da Administra-
ção. Muito embora a requisição não tenha um conteúdo preciso e
exato definido na lei, ela tem cumprido a função de designar o ato

119
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Renato Geraldo Mendes

por meio do qual se requer a compra de um bem ou a contratação de


um específico serviço ou obra. No entanto, a requisição tem servido
mais para descrever o objeto do que para apontar a necessidade que
precisa ser atendida, ou seja, ela tem materializado a solução, e não
o problema, conforme deveria.

Nos casos de contratação rotineira, tal como nas aquisições


de materiais de consumo, cuja descrição do objeto é padronizada,
mesmo não sendo o mais indicado para todos os casos, não haverá
problema de proceder dessa forma. O que não se pode é, a partir de
tal realidade, querer generalizar. Lamentavelmente, foi isso que ocor-
reu na história da contratação pública no Brasil.

De qualquer forma, pode-se dizer que a requisição é o “docu-


mento” ou ato que tradicionalmente inicia o processo de contratação
pública. Portanto, até a edição do Decreto nº 3.555/00 não se falava
em termo de referência, mas apenas e tão somente em requisição.

No entanto, a partir do ano de 2000, os agentes que integram a


Administração federal passaram a ter de atender a uma nova exigên-
cia normativa: a elaboração do termo de referência. Isso não significa
que o rótulo “requisição” foi abandonado ou deixou de existir. Requi-
sição e termo de referência ainda são figuras que convivem simulta-
neamente na área da contratação pública.

Como a requisição não cumpria uma função adequada, inclu-


sive por falta de regulamentação, a ideia original do termo de referên-
cia no Decreto nº 3.555/00 foi resolver esse problema, ou seja, deter-
minar que a necessidade administrativa fosse precisa e adequada e
que traduzisse exatamente as peculiaridades e características do pro-
blema a resolver. A clara intenção foi determinar que, antes de defi-
nir ou descrever o objeto, seria necessário realizar um levantamento
exato e preciso da necessidade. E esse levantamento deveria ser mate-
rializado em um documento que iria referenciar a definição da solu-
ção para o problema, calibrar a descrição do objeto, bem como pos-
sibilitar a adequada apuração do custo ou da despesa a ser realizada
pela Administração.

120
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Com isso, seria possível corrigir a inadequada praxe adminis-


trativa de começar o processo pela indicação do objeto, como nas
requisições que instruem os respectivos processos nos arquivos dos
inúmeros órgãos e entidades da Administração espalhados por todo
o País.

Assim, o termo de referência foi idealizado para cumprir uma


importante função no planejamento da contratação, a qual não era
atendida pela requisição. O termo de referência é a versão atua-
lizada da tradicional requisição. Nesse sentido, juntamente com o
projeto básico, ele é um dos mais importantes instrumentos de plane-
jamento da contratação pública. O edital não é um instrumento de
planejamento, mas aquele que materializa o próprio planejamento
da contratação. No entanto, é preciso não radicalizar e achar que no
termo de referência devem ser inseridas todas as condições e exigên-
cias indispensáveis a garantir a contratação pretendida, pois essa fun-
ção não lhe cabe, e sim ao edital. Constatamos que isso está sendo
misturado.

Uma questão deste momento é a seguinte: o termo de referên-


cia deve limitar-se a definir apenas a necessidade (o problema) ou ele
pode também indicar a solução desejada (objeto) e estimar o valor a
ser gasto com a futura contratação?

Antes de responder à questão proposta, é preciso observar


que ela traduz três aspectos distintos que envolvem a contratação
pública: qual é o problema? Qual é a solução para o problema?
Quanto se gastará com a solução definida? Assim, o que a questão
propõe é saber se o termo de referência deve responder às três ques-
O Processo de Contratação Pública

tões ou apenas à primeira delas.

É evidente que o ideal seria que o termo de referência resol-


vesse, a um só tempo, as três questões, de forma precisa e exata,
pois isso possibilitaria um ganho em eficiência. Parece que a melhor
resposta é dizer que quando isso for, indiscutivelmente, possível de
ser assegurado, deve ser feito. Logo, apenas nessa exclusiva hipó-
tese é que se pode aceitar que o termo de referência seja preparado
de modo a responder às três perguntas simultaneamente. Nos casos
em que a solução para o problema se traduz em compras rotineiras

121
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Renato Geraldo Mendes

e serviços destituídos de complexidade, o termo de referência pode


contemplar resposta para as três questões. Porém, não é possível
estender a mesma conclusão para obras, serviços e compras espe-
ciais, por exemplo. É necessário bastante cautela em relação a isso.

Ademais, quando se diz que o processo de contratação pública


é um conjunto de fases, etapas e atos, um dos aspectos que se destaca
é que ele é uma realidade que exige organização e planejamento.
Quando há um problema muito complexo e amplo, como é o caso
da contratação pública, a melhor alternativa é dividi-lo em partes e
resolvê-las separadamente. Quando dividido, um grande problema
se transforma, normalmente, em pequenos problemas. Isso permite
resolvê-lo mais facilmente. Essa é uma das razões pelas quais o pro-
cesso de contratação é dividido em partes (fases, etapas e atos), sendo
necessário respeitar cada uma delas.

Assim, não se deve querer resolver todos os problemas, que


cada etapa ou ato representa, de uma só vez. Essa forma de proceder
causa mais problema do que solução propriamente dita. Na Adminis-
tração Pública, quase sempre isso ocorre sob o argumento de que
a necessidade a ser atendida é urgente, e isso justifica o atropela-
mento de etapas e atos. É preciso perceber que o tempo que se ganha
numa fase (planejamento), perde-se nas outras (licitação e contrato).
A realidade está aí para provar isso.

Em regra, o termo de referência deve se limitar a responder a


apenas uma pergunta: qual a necessidade? É isso que ele pode fazer
bem feito. Identificar adequadamente a necessidade é fundamental
para o sucesso da contratação. Aliás, já demonstramos que a defini-
ção adequada da necessidade é uma das providências mais impor-
tantes da contratação pública, pois ela condiciona todo o processo.

Por fim, resta explicar o que é o projeto básico, principalmente


porque a IN nº 02/08 afirma, textualmente, que ele e o termo de refe-
rência são rótulos com o mesmo conteúdo. Andou mal a IN nº 02/08
nesse particular, pois termo de referência é uma coisa, e projeto
básico é outra.

122
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A expressão “projeto básico” tem conteúdo definido de forma


precisa na Lei (inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93). Não se trata de
uma definição qualquer, mas da mais ampla, precisa e importante de
toda a ordem jurídica que regula a contratação pública. Não há, em
toda a legislação sobre o tema, uma definição mais feliz do que a de
projeto básico.

É preciso respeitar a máxima que diz: “cada macaco no seu


galho”. Assim, o termo de referência existe para responder à per-
gunta: qual a necessidade? O projeto básico responde a: qual a solu-
ção (objeto)? Da mesma forma, a planilha de quantitativos e preços
unitários responde a uma terceira indagação: quanto custa a solução
definida? Cada uma dessas questões traduz uma etapa do planeja-
mento e devem ser materializadas em instrumentos diferentes com
rótulos distintos. Portanto, o conteúdo de cada uma das providências
realizadas em cada etapa do planejamento da contratação deve ter
um rótulo para designá-la, sob pena de não se conseguir viabilizar
uma comunicação adequada.

É razoável aceitar o argumento de que, em determinadas situa-


ções, haverá um ganho em eficiência se o termo de referência, além
de definir a necessidade, também indicar a solução. A propósito, essa
é a nossa opinião. O que não é razoável é aceitar a afirmação de que
termo de referência e projeto básico são a mesma coisa.

9. Plano de trabalho
9.
O Processo de Contratação Pública

O § 3º do art. 6º da IN nº 02/08 teve redação introduzida pela


IN nº 03/09. A disciplina do plano de trabalho não é nova e consta
do art. 2º do Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997, que regula-
menta a contratação de serviços pela Administração Pública federal.
Em verdade, o § 3º do art. 6º da IN nº 02/08, cuja redação foi intro-
duzida pela IN nº 03/09, é uma transcrição do que já consta no refe-
rido Decreto.

Em razão da disciplina prevista no § 3º do art. 6º da IN nº 02/08,


é preciso conhecer a finalidade do plano de trabalho. Trata-se de um

123
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Renato Geraldo Mendes

documento a ser elaborado? Ele deve ser preparado antes do termo


de referência ou depois dele?

Para tornar mais fácil o acompanhamento da análise, vamos


registrar as disposições introduzidas pela IN nº 03/09 que culmina-
ram nos termos do § 3º do art. 6º da IN nº 02/08. Diz o referido § 3º
que:

a contratação deverá ser precedida e instruída com plano de trabalho,


aprovado pela autoridade máxima do órgão ou entidade, ou a quem esta
delegar competência, e conterá, no mínimo: I - justificativa da necessi-
dade dos serviços; II - relação entre a demanda prevista e a quantidade de
serviço a ser contratada; III - demonstrativo de resultados a serem alcan-
çados em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos
recursos humanos, materiais ou financeiros disponíveis.

Com base nos termos do preceito, é fácil concluir, sobre o


plano de trabalho, que: a) é um novo instrumento a integrar o pla-
nejamento da contratação e não se confunde com o termo de refe-
rência nem com o projeto básico; b) deve ser elaborado depois do
termo de referência e do próprio projeto básico, e não antes deles;
c) não deve ser elaborado pela autoridade máxima do órgão ou da
entidade, mas sim por ela aprovado.

O plano de trabalho deve ser preparado com base nas informa-


ções prestadas ou obtidas no termo de referência, no projeto básico
e, também, de acordo com a planilha de formação de preços, ou
com base em orçamentos, se não houver planilha. Vale dizer: o plano
de trabalho é uma análise econômico-financeira18 a ser feita depois
de respondidas as três perguntas “mágicas” da contratação pública
(Qual o problema? Qual a solução para o problema? Quanto custa a
solução definida?).

Referida análise não é simples de ser feita, pois envolve diver-


sas informações e inúmeras variáveis que normalmente não são

18 A análise é econômica porque se refere ao encargo, e é financeira porque o encargo


representará uma despesa ou um dispêndio de recursos financeiros, em face da
remuneração que será cobrada para viabilizá-la.

124
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estimadas ou consideradas no termo de referência ou no projeto


básico, por exemplo. Ainda não temos know-how19 para realizar esse
tipo de atividade a ser materializada no plano de trabalho, pois não
aprendemos sequer a estimar e definir a necessidade. Será necessário
algum tempo para aprendermos a fazer esse tipo de análise econô-
mico-financeira sobre a contratação. O conhecimento e as técnicas
já existem, precisam apenas ser adaptados para dar conta de cumprir
o que dispõe o § 3º do art. 6º da IN nº 02/08.

De toda forma, é elogiável a exigência do plano de trabalho,


pois se trata de uma providência (de cunho oficial) importante para o
desenvolvimento do planejamento das contratações públicas. Ainda
que não seja uma novidade em termos normativos, essa é uma ini-
ciativa do Governo federal, por intermédio do Ministério do Planeja-
mento, Orçamento e Gestão, que merece aplausos.

Ademais, a exigência de elaboração de plano de trabalho não


deve ser restrita às contratações reguladas pela IN nº 02/08, cabendo
a sua adoção também para os demais casos, notadamente serviços
de TI.

10. Conclusões
10.

Com base nos argumentos apresentados, é possível propor as


seguintes conclusões:
a) O termo de referência é o documento que inicia ou inaugura
o processo de contratação pública.
O Processo de Contratação Pública

b) O termo de referência cumpre a mesma função da requisi-


ção e foi idealizado com o propósito de permitir, de forma
precisa e adequada, materializar a identificação da necessi-
dade e o que se espera da contratação.
c) Identificar a necessidade é reunir informações, dados, pecu-
liaridades e características capazes de configurar o exato pro-
blema a ser resolvido. Nesse sentido, o termo de referência

19 No sentido de conhecimento para executar uma tarefa ou uma atividade específica.

125
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Renato Geraldo Mendes

está para a contratação pública como o briefing está para a


campanha publicitária.

d) O responsável pela identificação da necessidade e pela ela-


boração do termo de referência é o setor requisitante. Cabe a
ele ouvir todos os que se beneficiarão com a solução e con-
tar com o auxílio de outros setores e agentes para cumprir
adequadamente seu dever.

e) É com base na necessidade identificada e materializada no


termo de referência que a autoridade competente definirá
a solução para o problema, bem como descreverá precisa-
mente o objeto e estimará o custo a ser pago pelo encargo.

f) A descrição do objeto não é, em princípio, uma informação


que deve integrar o termo de referência, pois ela não é parte
dele, mas decorre dele.

g) O termo de referência é uma providência necessária na fase


preparatória da contratação, independentemente de qual
será a modalidade a ser adotada ou da natureza do objeto a
ser contratado.

h) A opção feita pela IN nº 02/08 de prever que projeto básico é


o mesmo que termo de referência é inadequada. De acordo
com a ordem jurídica vigente, o termo de referência deve
responder à pergunta: qual o problema? O projeto básico
deve indicar: qual a solução?

i) O art. 15 da IN nº 02/08 não diz o que o termo de referên-


cia deve conter, mas sim ao que o encargo e o planejamento
não podem deixar de atender; são coisas diferentes. O dispo-
sitivo deve ser lido com essa ressalva.

j) O termo de referência não é uma providência a ser aten-


dida apenas nos casos em que a escolha do futuro contra-
tado acontece por meio de licitação, mas também quando
ela decorre de dispensa e inexigência. Isso se justifica por
ser o termo de referência uma providência inaugural do pro-
cesso e que deve ser cumprida na fase de planejamento,

126
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antes mesmo da definição do procedimento ou da modali-


dade a ser adotada.
k) Em casos específicos, é possível que o termo de referência,
além de identificar a necessidade, também descreva o objeto
e estime o seu valor, mas isso não pode ser generalizado.
l) O plano de trabalho é um novo instrumento que deve inte-
grar o planejamento da contratação e não se confunde com
o termo de referência nem com o projeto básico.

11. Formalizada a necessidade, qual o próximo passo?


11.

Identificada e devidamente formalizada a necessidade, os pró-


ximos passos são definir a solução, especificar o objeto e fixar todas
as obrigações que integrarão o encargo.

O Processo de Contratação Pública

127
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Capítulo 7
DEFINIÇÃO DA SOLUÇÃO, OBJETO E DEMAIS
OBRIGAÇÕES (ENCARGO)20

1. A solução/objeto é condicionada pela necessidade


1.

A etapa I do planejamento do processo de contratação pública


destina-se, fundamentalmente, a dimensionar o problema, de forma
a fixar os contornos e as características da necessidade que a Admi-
nistração deve atender. Identificada a necessidade, ela passa a bali-
zar a próxima etapa da fase interna do processo, que é justamente a
definição da solução para resolver o problema. Da definição da solu-
ção decorre a descrição do objeto. Há, portanto, uma relação estreita
entre necessidade e solução, bem como entre solução e objeto. Com
base no objeto se configura o encargo, que é a razão de ser do pró-
prio planejamento. Dessa forma, definir o encargo é o objetivo precí-
puo do planejamento da contratação.

A necessidade condiciona a definição da solução. Fundamen-


tando-se na necessidade, a solução será fixada, e o objeto, definido.
Nesse sentido, há uma relação de causa e efeito e também de ade-
quação entre a necessidade e a solução/o objeto. Não se pode definir
a solução/o objeto sem antes identificar e precisar a necessidade.
O Processo de Contratação Pública

2. O que se deve entender por solução?


2.

A solução é a providência capaz de garantir a satisfação ou


o atendimento da necessidade. Por isso, a finalidade da descrição
do objeto, que traduz a essência da solução, em princípio, é garan-
tir compatibilidade entre a solução que ela descreve e a necessi-
dade que pretende garantir ou satisfazer. Para que isso aconteça, é

20 A definição de solução, objeto e encargo representa a etapa II do processo de contra-


tação, conforme Ciclo constante da presente obra.

129
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Renato Geraldo Mendes

indispensável que a real e efetiva identificação da necessidade tenha


sido apurada de forma clara e precisa no processo administrativo.
Aliás, não basta apenas a sua apuração, mas também a demonstra-
ção cabal dos motivos que lhe dão suporte, pois sem eles não será
possível saber se as exigências e especificações que integram a des-
crição são legais. A solução é o meio definido como capaz de resol-
ver o problema (necessidade) da Administração. O objeto é a forma
específica da solução. Assim, uma solução pode ser configurada por
diversos objetos. Objetos são as diferentes formas de especificar ou
traduzir a solução do problema.

3. A questão da qualidade na definição da solução


3.

A descrição do objeto deve garantir a qualidade da solução ide-


alizada para atender à necessidade. Toda definição do objeto deve
preservar um razoável padrão de qualidade na sua descrição. A ques-
tão da qualidade é um aspecto mal compreendido na contratação
pública. Mas por quê? O problema diz respeito a dois valores: o
benefício e o preço. Em razão da obrigatoriedade de adoção do tipo
menor preço, para a maior parte das situações, há a impressão de
que a qualidade tem importância secundária, sendo o preço o mais
importante.

A opção preferencial pelo julgamento baseado no menor preço


não significa que o fator qualidade não deve ser preservado na des-
crição do objeto. Aliás, muito pelo contrário, uma simples análise
dos regimes jurídicos vigentes (Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02) reve-
lará, de forma incontestável, que a determinação é para que a quali-
dade seja muito bem preservada na descrição do objeto, justamente
porque a regra é o julgamento pelo menor preço.

Julgamento pelo menor preço e garantia de qualidade não bri-


gam entre si; ao contrário, são valores que caminham juntos e devem
ser harmonizados. É preciso primeiro definir o padrão de qualidade
que necessitamos. O menor preço será apurado com base nele, e
não o contrário, ou seja, não será apurada a qualidade a partir do
menor preço.

130
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Em contratação pública é possível falar em qualidade mínima e


qualidade adicional. A mínima é a que deve ser preservada em todo e
qualquer caso, independentemente do tipo de licitação. A qualidade
mínima deve ser assegurada na própria descrição do objeto e repre-
senta o padrão mínimo indispensável para preservar a solução capaz
de satisfazer a necessidade. É como se houvesse uma linha de corte,
abaixo da qual o padrão de qualidade deixa de ser mínimo para se
tornar insuficiente ou inadequado. A qualidade adicional supera a
mínima definida, vai além dela. Pode ser obtida de duas formas: a)
espontaneamente ou b) mediante estímulo.

A forma espontânea é a mais difícil de ser obtida, pois depen-


derá, única e exclusivamente, da vontade dos licitantes. Ela até pode
ocorrer, mas não se trata de algo certo e provável. Aliás, é mais pro-
vável que não ocorra. Como o tipo mais comum é o menor preço, o
licitante procurará apenas garantir a qualidade mínima, pois agregar
qualidade adicional implicará elevar o preço, o que poderá significar
a derrota na licitação.

Nesse sentido, não há nenhum estímulo para que o licitante


ofereça qualquer benefício adicional de qualidade, além do mínimo
definido pela própria Administração. Aliás, a escolha do vencedor em
razão do menor preço é um desestímulo para que ele venha a agre-
gar qualquer qualidade adicional, pois ela elevará o preço final e não
poderá sequer ser considerada como critério de desempate.

Uma forma de motivar espontaneamente o licitante para agre-


gar qualidade adicional seria a ordem jurídica permitir o desempate
com base nessa qualidade, e não com base em sorteio. O sorteio é
uma péssima escolha do legislador, pois não beneficia a Administra-
O Processo de Contratação Pública

ção, só o próprio sortudo. Serve apenas para viabilizar uma escolha


(desempate) de forma impessoal, mas sem agregar qualquer benefí-
cio. O mais adequado é que o critério legal de desempate seja impes-
soal (objetivo) e represente benefício sempre que possível. No tipo
menor preço, o sistema não cria incentivo para que algum licitante,
espontaneamente, agregue qualidade à sua oferta.

A segunda forma, mediante estímulo, é a visada quando a lici-


tação é processada de acordo com os tipos melhor técnica e técnica e
preço. O objetivo desses dois tipos é viabilizar o benefício (qualidade)

131
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Renato Geraldo Mendes

adicional, pela atribuição de pontuação para os fatores de qualidade e


outros que são definidos. Dessa forma, é preservado um padrão mínimo
e estimulada a oferta de um benefício adicional. Nos tipos melhor téc-
nica e técnica e preço, a apuração da qualidade adicional ocorre por
ocasião do julgamento da proposta e depende de um estímulo.

No tipo menor preço, o fator qualidade não integra o crité-


rio de julgamento, mas apenas a descrição do objeto. Assim, ou a
qualidade é preservada na descrição do objeto, ou não haverá outro
momento no processo para que ela possa ser garantida. Independen-
temente do tipo de licitação, a garantia de qualidade mínima deve
ser assegurada pela Administração, não podendo depender da boa
vontade dos licitantes.

Quando falamos em qualidade, existe uma relação inevitável


e que se traduz na ideia de que tudo o que for indispensável para
garantir a satisfação da necessidade pode ser exigido no edital. A
fixação de exigências na descrição do objeto não deve ser norteada
por mera preferência pessoal, mas por razões de ordem objetiva.

É possível ir além da preservação da qualidade mínima na des-


crição do objeto? Qual o limite?

Quando se fala em preservação da qualidade do objeto, é possí-


vel reconhecer que existem limites mínimos e máximos. Os mínimos
são, pelo menos em tese, mais fáceis de ser fixados, pois representam
a própria preservação do objeto enquanto solução capaz de resolver
o problema (necessidade). Se a descrição não atender a um padrão
mínimo de qualidade, deve ser reputada insuficiente, uma vez que
não poderá proporcionar o resultado final desejado que justificou a
instauração do próprio processo de contratação. Isso violaria a ideia
de compatibilidade entre solução e necessidade, ou seja, a solução
se revelaria incapaz de resolver o problema.

Se a qualidade mínima da solução se revela suficiente para


atender à necessidade, qual o padrão máximo de qualidade a que
podemos chegar? É preciso perceber que tanto a qualidade mínima
exigida quanto a qualidade máxima garantem, igualmente, a satisfa-
ção da necessidade.

132
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Sendo assim, por que não exigir sempre o máximo de quali-


dade? A resposta é simples: porque haveria restrição à competição e,
principalmente, perda na economicidade.
Logo, a descrição deve primar pela qualidade e ser calibrada
pela economicidade. Dessa maneira, é viável fixar um regime legal
de proibição para eventuais abusos, o qual tem relação direta com a
economicidade.

4. O que são encargo e objeto?


4.

A solução, em sentido amplo, expressa-se na ideia de um encargo


que alguém deverá cumprir como condição para que a necessidade
possa ser satisfeita. O encargo é caracterizado por um conjunto de
obrigações, do qual a mais importante é o objeto (obrigação prin-
cipal). Toda solução é representada por um encargo, cujo núcleo é o
objeto capaz de satisfazer a necessidade. O encargo representa, assim,
o conjunto de obrigações decorrentes do planejamento definido pela
Administração e deve ser cumprido pelo futuro contratado. O encargo
é materializado no edital. Para conhecer o encargo representativo de
determinada contratação, basta analisar os termos do edital. Mas é pos-
sível dizer que o encargo tem uma condição formal, ou seja, só cons-
titui encargo a obrigação constante do edital. Se a Administração pre-
tende que o contratado atenda a determinada condição ou exigência,
deverá incluí-la no edital, sob pena de ela não integrar o encargo con-
tratual.21 Se a Administração desejar que o contratado atenda a uma
condição não prevista no edital ou não integrante do encargo licitado,
deverá promover uma alteração contratual e pagar a referida obrigação
O Processo de Contratação Pública

separadamente. Disso decorre a necessidade de acréscimo ou altera-


ção contratual, tal como prevista no art. 65 da Lei nº 8.666/93.

5. O fundamento da legalidade das exigências do objeto


5.

A legalidade das exigências e especificações constantes da


descrição do objeto tem seu fundamento de validade na própria

21 Dai a ideia de obrigação contratual e extracontratual.

133
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Renato Geraldo Mendes

necessidade. Dessa forma, sem saber qual é a efetiva necessidade,


não será possível validar a legalidade das exigências feitas.

A descrição do objeto não é atividade que se justifique à luz


da pura escolha subjetiva do agente; não é o agente que define, de
acordo com as suas convicções ou preferências pessoais, o que deve
ou não constar da descrição do objeto. O que condiciona a descri-
ção do objeto é a necessidade, e não outro fator. Portanto, falar em
necessidade é reconhecer uma condição objetiva e que pertence ao
mundo dos fatos, isto é, algo que decorre da própria realidade.

A função essencial do regime jurídico da contratação pública


é condicionar todas as decisões administrativas a um fundamento ou
parâmetro objetivo. Reduzir a subjetividade como fundamento das
decisões é o grande desafio no plano do direito público. Essencial-
mente, o problema não está na subjetividade, pois toda decisão será
sempre subjetiva, até porque não há outra forma possível. O que se
rejeita, no entanto, é que o fundamento de validade da decisão seja
determinado por preferência de natureza exclusivamente subjetiva.
Essa é uma diferença sutil e necessária para separar bem as coisas.

Portanto, para descrever o objeto, a necessidade deve ter sido


apurada e previamente motivada. A inexistência de motivo macula a
descrição por retirar o seu fundamento de validade. A configuração
da efetiva necessidade administrativa é o antecedente necessário da
descrição do objeto, e este, o consequente indispensável para viabi-
lizar a solução do problema.

6. O aspecto qualitativo e a dimensão quantitativa do


6.
objeto

O objeto que representa o núcleo do encargo tem um aspecto


qualitativo e uma dimensão quantitativa.22 O aspecto qualitativo do
objeto expressa as suas características e especificações técnicas e

22 Ver § 4º do art. 7º, art. 14, inc. II do § 2º do art. 40 e art. 47, todos da Lei nº 8.666/93.
Ver também art. 3º da Lei nº 10.520/02, bem como art. 8º do Decreto nº 3.555/00 e
art. 9º do Decreto nº 5.450/05.

134
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informa a sua própria natureza, funcionalidade e aptidão. O aspecto


quantitativo revela uma ideia de número, tamanho, dimensão ou
grandeza. Todo objeto reúne os dois aspectos. Mesmo inerentes ao
objeto, os aspectos qualitativo e quantitativo têm seu fundamento de
validade na própria necessidade da Administração.

Quando se descreve o objeto, é indispensável fixar os aspectos


qualitativo e quantitativo, pois eles irão condicionar o processo de
seleção do terceiro e estabelecer a relação benefício-custo. A propó-
sito, a importância dos referidos aspectos será facilmente percebida
quando estudarmos os diferentes regimes de execução, visto que a
diferença entre a empreitada por preço global e a por preço unitário
se explica justamente em razão do quantitativo.

Depois de definido, o objeto pode sofrer alterações, tanto no


seu aspecto qualitativo como no quantitativo. Essas alterações do
objeto podem ser determinadas pela Administração, pelo mercado
ou pela mudança da necessidade.

Se a necessidade sofre alteração, cabe à Administração rever


a solução e o objeto definidos para atendê-la. Mas é possível que a
necessidade se mantenha e, ainda assim, seja necessário rever a solu-
ção (objeto). O objeto poderá, também, ser alterado em razão de uma
mudança promovida pelo próprio mercado, ou seja, pelas pessoas
que nele atuam oferecendo bens e serviços. Não estamos falando
apenas de uma alteração de característica ou especificação de deter-
minado produto, mas nos referindo a uma mudança de ordem geral.
No entanto, o mais comum é a alteração do objeto ser motivada pela
própria Administração.
O Processo de Contratação Pública

A alteração do objeto foi regulada pelo legislador no art. 65


da Lei nº 8.666/93, o qual impôs limites e fixou condições a serem
observadas pela Administração. A disciplina dessa questão no citado
dispositivo legal permite que as alterações qualitativas e as quantita-
tivas sejam ou não promovidas unilateralmente pela Administração.
Porém, as alterações quantitativas possuem um limite máximo a ser
observado em qualquer situação. O limite mínimo é fixado apenas
para a alteração unilateral, não incidindo quando ela é bilateral, ou
seja, quando ela é decorrente de um acordo entre as partes. Como

135
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Renato Geraldo Mendes

regra, o limite de acréscimo e de supressão do objeto é de 25% do


valor inicial atualizado do contrato. Entretanto, o limite máximo da
alteração quantitativa não pode ser considerado absoluto, pois no
Direito nada é absoluto.

Mas, como regra, o referido percentual condiciona e limita a


alteração quantitativa. Há discussão se o percentual de 25% se aplica
também em relação à alteração qualitativa. A tendência da doutrina
é entender que não, mas o TCU sustenta que o limite se aplica aos
dois casos. Apenas para antecipar uma conclusão, entendemos que
a alteração qualitativa não se submete ao limite percentual de 25%,
mas a outro tipo de limite, de natureza material, ou seja, o que con-
diciona a alteração qualitativa é a manutenção da solução definida,
e a não desnaturação do objeto fixado. Assim, se a alteração quali-
tativa for determinada por fato superveniente, a solução definida for
preservada e o objeto não for desnaturado, é lícita a alteração pre-
tendida. Note-se que diferenciamos aqui a solução do objeto para
propor o critério.

7. A economicidade da solução
7.

É indispensável que a descrição do objeto garanta a esperada


economicidade. Mas, que fique claro, tudo que for agregado, além
do mínimo necessário para garantir a satisfação da necessidade,
representará aumento no preço final da solução e poderá ser tido
como ilegal. Há, então, uma relação direta entre qualidade e preço.
Com efeito, o preço é determinado por um padrão de qualidade.
Normalmente, o que determina os diferentes preços são os diversos
padrões de qualidade. Dessa forma, sempre que se ganha em quali-
dade, perde-se em economia.

A melhor descrição de um objeto é a que garante plenamente


a satisfação da necessidade e, simultaneamente, possibilita o menor
dispêndio de recursos financeiros. Essa é a verdadeira “receita” da
contratação pública.

Na descrição do objeto existem, pelo menos, dois ingredientes


fundamentais: qualidade e preço. São esses ingredientes que calibram

136
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a descrição. O preço decorre da qualidade. Existe uma razão direta


entre qualidade e preço. A presunção lógica é de que quanto menor o
preço, pior a qualidade, e quanto maior o preço, melhor a qualidade.
É claro que há exceções. Mas não se pode raciocinar com base nelas,
pois a presunção lógica seria invertida, o que é inadmissível.

Na formulação da descrição, a primeira providência é garantir


a qualidade mínima capaz de atender à necessidade. Para isso, todas
as peculiaridades que envolvem a necessidade devem ser apuradas
antecipadamente. Preservada a necessidade, estará fixada uma espé-
cie de parâmetro ou limite. Avançar contra o limite é, em princípio,
perder na economia, embora existam fatores e condições que autori-
zam a superação do mencionado limite.

Ora, se o padrão mínimo de qualidade definido é suficiente


para garantir a satisfação da necessidade, para investir contra a eco-
nomicidade é indispensável que haja justificativa plausível. Ou seja,
para aumentar o padrão de qualidade da solução, é necessária uma
justificativa aceitável, pois tal aumento implicará a redução da eco-
nomicidade. Será aceitável a justificativa quando o aumento da qua-
lidade for imprescindível para a redução do eventual risco envolvido
em face das peculiaridades do objeto.

Por conta disso, é preciso justificar, de forma muito convincente,


a incorporação de cada exigência adicional de qualidade na descri-
ção do objeto. É fundamental explicitar a razão que motiva a eventual
perda da economicidade, mesmo que isso represente ganho de qua-
lidade. Uma coisa, necessariamente, não justifica a outra. Da mesma
forma, não se pode somente descrever uma qualidade rasteira (mínima)
O Processo de Contratação Pública

apenas porque possibilitará gastar menos ou assegurará o menor preço.


A finalidade da contratação não é e nunca será gastar menos; será
sempre satisfazer a necessidade da Administração. A satisfação da
necessidade poderá representar um gasto maior ou menor, conforme
o padrão de qualidade mínimo indispensável para atender à necessi-
dade. Se o objeto é comum, garantir a especificação de desempenho e
qualidade mínimos definidos e pagar (de preferência) o menor preço
praticado no mercado serão os objetivos. Se o objeto não é comum,
como os serviços intelectuais de natureza singular, não se pode querer
optar simplesmente pelo menor preço cobrado por um profissional

137
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Renato Geraldo Mendes

(qualquer) no mercado. Aqui a ordem é inversa, ou seja, o razoável é


eliminar os menores preços, e não objetivá-los.

Quando o legislador determina, no §  1º do art. 46 da Lei


nº 8.666/93, que seja fixado preço máximo para o tipo melhor téc-
nica, o que ele pretende é conter o eventual excesso da qualidade
a ser ofertada, pois isso representará elevação do custo da solução
e, por consequência, do preço final a ser pago. O fato de se querer
obter, com o tipo melhor técnica, mediante estímulo, uma qualidade
adicional não significa que não se deva ou possa limitá-la. A solu-
ção encontrada pelo legislador para conter a qualidade foi limitar o
preço. É para isso que serve o preço máximo nos tipos melhor técnica
e técnica e preço. Com tal artifício, é possível, por um lado, limitar o
desembolso e preservar a economicidade, e por outro, obter a dese-
jada qualidade adicional.

8. A definição do objeto e a questão da restrição à


8.
competição

Além de atender à necessidade, garantir o padrão mínimo de


qualidade e preservar a necessária economia, é fundamental que a
descrição não imponha restrição imotivada. Para que uma descrição
seja legal, isto é, atenda às exigências da ordem jurídica, é indis-
pensável que todas as condições apontadas sejam atendidas simul-
taneamente. Quem planeja a contratação e quem realiza o controle,
interno ou externo, deve saber disso. A análise do controle de legali-
dade deve ser feita com base nessas condições.

Há dois tipos de restrição: aquelas que se justificam em razão


da necessidade e as que não se justificam em razão dela.

Toda descrição é, em princípio, restritiva. Aliás, como disse-


mos em outra passagem desta obra, a exigência é restritiva quando
cria duas ordens distintas: a dos beneficiários e a dos excluídos. Isso
acontece, portanto, em razão de que uns podem atender às exigên-
cias impostas na descrição, e outros não.

138
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Para os que não podem atender à descrição, ela será restritiva,


pois eles estarão impedidos de obter sucesso na disputa, ainda que
possam dela participar. Logo, a restrição deverá ser justificada, isto é,
será preciso demonstrar por que tal condição (a que restringe) cons-
tou na descrição.

A justificativa implica deixar claro que ela é indispensável em


razão da própria necessidade que a solução visa a atender, ou seja,
sem ela a necessidade não poderia ser atendida adequadamente ou
haveria potencialidade razoável de risco para o seu atendimento.

Importante saber que toda exigência é potencialmente restritiva


e se tornará concreta em relação a cada interessado que não possa
atendê-la. O fato de uma condição ser restritiva não significa que
ela seja ilegal. O que torna uma condição exigida na descrição do
objeto ilegal não é o fato de que ela restringe a participação, mas
a inexistência de fundamento de validade entre o que se exige e a
necessidade que se quer satisfazer, isto é, deve haver nexo causal
entre as duas coisas.

Portanto, a ilegalidade está no fato de que a razão da discrimi-


nação não representa garantia para o atendimento da própria neces-
sidade. Se não produz esse benefício, ela é, em princípio, ilegal,
salvo se houver outro valor jurídico que o Direito quer garantir, como
ocorre com a exigência de regularidade fiscal prevista no art. 29 da
Lei nº 8.666/93.23
O Processo de Contratação Pública

Ao contrário da exigência de capacidade técnica, por exem-


plo, a demonstração da regularidade fiscal não tem relação direta
com a necessidade a ser atendida, mas com o preço praticado pelo
licitante. Nesse caso, a exigência da regularidade fiscal tem como
fundamento de validade o tratamento isonômico, e não a satisfação
da necessidade.

23 Sobre a exigência de regularidade fiscal, ver artigo publicado na Revista Zênite  –


Informativo de Licitações e Contratos (ILC), n. 44, p. 786, out. 1997.

139
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Renato Geraldo Mendes

9. Para definir uma solução, é preciso conhecer o


9.
mercado

A instauração de um processo de contratação visando à esco-


lha de um terceiro pressupõe que a Administração não reúne condi-
ções de viabilizar diretamente a própria solução para o seu problema.
Então, a alternativa que resta é se voltar para o mercado de bens e
serviços a fim de atender à sua demanda. Nessa linha, é fácil consta-
tar que o processo de contratação pressupõe que a necessidade a ser
satisfeita é da Administração, e a solução capaz de atendê-la é, como
regra, de um terceiro que integra o mercado.

Para definir as diversas obrigações que integram o encargo,


bem como descrever o objeto que se pretende contratar, é indispen-
sável que a Administração conheça o mercado, as suas peculiarida-
des, os mais diferentes produtos existentes e as suas especificações,
os preços e as condições de pagamento, as sazonalidades, as novida-
des, as tendências, etc.

Muito embora isso se traduza em uma condição indispensável,


ainda não é uma realidade que caracteriza e move as ações da Admi-
nistração. Sem conhecer adequadamente o mercado, o relaciona-
mento com ele será muito mais difícil e oneroso. Portanto, é preciso
conhecê-lo profundamente. Mesmo já tendo evoluído nesse campo,
ainda temos muito para melhorar. Por outro lado, o conhecimento do
mercado e a relação com ele exigem transparência e conduta ética
por parte dos agentes públicos, o que pode ser obtido com relativa
facilidade, desde que se deseje.

10. A relação transparente com o mercado


10.

A relação da Administração com o mercado (pessoas e agentes


econômicos) deve ser transparente, isenta e ética. O fundamento
de validade da relação se assenta na ideia da obtenção do melhor
benefício que o mercado pode oferecer, pagando-se o menor preço.
No entanto, isso não pode ser calibrado pela deliberada intenção de
querer que determinada empresa ou pessoa seja a beneficiária da
contratação sem que haja uma razão de ordem técnica para isso, ou

140
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seja, uma razão justificável. Como regra,24 a escolha do beneficiá-


rio do futuro contrato exige da Administração uma conduta isenta,
pois ela deve ser viabilizada de acordo com um critério objetivo e
ético a permear as relações daqueles que agem em nome do Poder
Público. É evidente que não basta a existência de um critério obje-
tivo, pois mesmo objetivo ele pode ser ilegal. Na maior parte dos
casos em que se estabelece restrição ilegal e que, por isso, se afas-
tam indevidamente competidores, o critério de julgamento é obje-
tivo. Isso ocorre porque a ilegalidade pode não estar no critério de
julgamento propriamente dito, mas integrar uma condição que é
anterior, capaz de afastar o competidor antes mesmo de o critério
objetivo ser aplicado.

Assim, se por um lado se exige que os agentes públicos tenham


o necessário conhecimento do mercado, o que impõe uma relação
com os que nele atuam; por outro, é indispensável que tal relação se
faça com transparência e ética, o que é perfeitamente possível, desde
que se saiba como agir.

11. A realização de audiência pública para definir a


11.
solução e descrever o objeto

Uma forma de viabilizar a transparência na relação entre a


Administração e as empresas e os agentes que atuam no mercado
é promover a realização de audiência pública em determinadas
situações.

Esse importante instrumento de planejamento da contrata-


O Processo de Contratação Pública

ção ainda não está adequadamente disciplinado na ordem jurídica


vigente, havendo menção a ele no art. 39 da Lei nº  8.666/93. De
acordo com esse preceito, a audiência pública é obrigatória sempre
que a licitação (ou melhor, a contratação) tiver um valor estimado
superior a R$ 150 milhões, o que torna muito limitada a utilização

24 Fala-se em regra, pois nos casos de contratação de serviços intelectuais ou técnicos


profissionais especializados de natureza singular o processo de escolha tem conteúdo
subjetivo, não sendo possível a definição de critério objetivo de julgamento. Por isso, a
licitação é inexigível.

141
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Renato Geraldo Mendes

desse instrumento. No entanto, é preciso analisar o art. 39 e dele


retirar algumas conclusões importantes, enquanto não temos uma
melhor regulamentação do tema.

Nesse sentido, é possível sacar informações e, a partir delas,


produzir outras conclusões que se revelem coerentes com a ordem
jurídica vigente e com os valores que norteiam a contratação pública.

O fato de a audiência pública ser obrigatória quando o valor


estimado da contratação for superior a R$ 150 milhões não significa
que ela não possa ser utilizada, de forma facultativa, quando a con-
tratação envolver valores menores. Essa é uma primeira conclusão
possível.

Quando a Lei determina que o processo de licitação seja ini-


ciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela
autoridade responsável, ela está se referindo à fase externa do pro-
cesso, ou seja, é esta que não deve ser iniciada sem que tenha havido
a audiência pública. Mas quando se inicia o “processo” de licitação,
para os fins do art. 39? A resposta é simples: com a publicação do
edital. Logo, o edital não pode ser publicado sem a audiência pública
prévia. Dessa forma, se a contratação tiver um valor estimado superior
a R$ 150 milhões e se o edital for publicado sem que tenha havido
a audiência pública, caberá a sua impugnação ou mesmo a impetra-
ção de mandado de segurança. A audiência pública, nesse caso, não
implica uma faculdade, mas uma obrigatoriedade, cujo cumprimento
deve ser atendido pela autoridade competente ou responsável. É pre-
ciso perceber que a expressão “processo” é utilizada no seu sentido
restrito, ou seja, como o conjunto de etapas e atos da própria licita-
ção, e não no seu sentido amplo, isto é, como fases, etapas e atos da
contratação pública. Importante lembrar que a licitação é apenas a
forma específica de conduzir uma das fases da contratação.

O sentido de audiência pública que consta no art. 39 da Lei


nº 8.666/93 é restritivo, pois diz respeito a uma de suas possibilida-
des, a de promover uma discussão sobre os termos do edital elabo-
rado e que regerá a contratação, cuja seleção da melhor proposta
será feita mediante licitação.

142
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Mas é necessário ver a audiência pública em sentido mais


amplo, para abarcar também outros aspectos e etapas da fase de pla-
nejamento, a qual é anterior à licitação. Limitar a utilização da audi-
ência pública somente em relação ao edital já pronto e condicioná-la
apenas às contratações cujo valor seja superior a R$ 150 milhões é
restringir a sua utilização de forma inadequada.

Além de diversos outros aspectos, é possível realizar, por exem-


plo, uma audiência pública para definir a melhor solução e descrever
o objeto da futura contratação. Claro que isso deve ser feito em situ-
ações específicas, pois não se pode jamais generalizar a utilização
desse instrumento.

Assim, quando se estiver diante de uma contratação que


envolve complexidade técnica e houver dúvida sobre qual é a melhor
solução para atender à Administração, bem como qual é a forma
mais adequada para preservar a melhor relação benefício-custo, a
audiência pública pode e deve ser utilizada.

A audiência pública deve ser entendida como a reunião reali-


zada pela Administração com a finalidade de discutir aspectos, nota-
damente técnicos, relacionados à contratação que se encontra na fase
de planejamento. A audiência é viabilizada mediante convocação
ampla dos agentes que atuam no mercado para que, em data, local
e hora determinados, contribuam, de forma eficaz e transparente,
com a definição das condições do encargo a ser definido. Para tanto,
caberá à Administração definir os objetivos e propósitos da audiência
e fixar as condições para a sua realização. Na audiência, a Adminis-
tração irá expor a razão que determinou a convocação, apontará as
O Processo de Contratação Pública

questões ou os pontos de dúvidas sobre a melhor forma de contratar


e ouvirá todos os presentes. Ao final, elaborará ata circunstanciada.

Com base nas contribuições apresentadas, caberá à Adminis-


tração definir as exigências e condições que julgar as mais adequa-
das. Para soluções muito complexas ou se a Administração não tiver
pessoal com conhecimento mínimo necessário para conduzir o pla-
nejamento, é recomendável a contratação de uma consultoria para
assessorá-la na condução tanto do próprio planejamento como da
audiência. Portanto, a audiência pública não é um instrumento de

143
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Renato Geraldo Mendes

planejamento que serve apenas para submeter à prova o edital já ela-


borado, mas também para definir aspectos que envolvem o planeja-
mento da contratação e que são anteriores a ele. Quem atuar como
consultor da Administração estará impedido de participar da disputa
no contrato ou de executá-lo, ainda que parcialmente, por força da
vedação prevista no art. 9º da Lei nº 8.666/93.

12. A realização de audiência pública para apresentar o


12.
plano anual de contratação

Sugerimos que a Administração realize, anualmente, no início


do exercício financeiro, uma audiência pública para apresentação do
seu plano anual de contratação. Nela, a Administração demonstraria
o que seria contratado no decorrer do ano e esclareceria aos poten-
ciais fornecedores as diversas condições impostas para se cadastrar,
a forma de receber os editais, os procedimentos para sanar dúvidas e
impugnar o edital, a maneira de apresentar suas propostas, a forma de
comunicação dos atos, as condições de pagamento, etc.

Tal providência pode propiciar maior transparência nas rela-


ções contratuais da Administração e evitar muitos problemas que se
renovam com frequência. No futuro, isso pode se tornar uma reali-
dade. Até porque não é tão difícil viabilizar uma audiência pública
com esse propósito.

13. Por que o objeto precisa ser dividido e quando isso se


13.
revela necessário?

Uma das ideias centrais que norteou a estruturação do regime


jurídico da contratação vigente foi a da necessidade de assegurar
a mais ampla competitividade entre os agentes que atuam no mer-
cado. Isso fez o legislador criar determinados mecanismos capazes
de viabilizar a ampliação da disputa e possibilitar que mais pessoas
participem do certame. Com isso, todos ganhariam: os particulares,
porque poderiam disputar um contrato para o qual estavam, em prin-
cípio, impedidos por não reunirem condições, e a Administração,

144
Mostrar Sumário

porque ampliaria a possibilidade de obter uma melhor relação


benefício-custo.

Ainda que se possam apontar outros, os referidos mecanismos


de ampliação da disputa são, basicamente, três: a) divisão do objeto
em partes (itens e lotes); b) autorização de formação de consórcio;
e c) autorização de subcontratação.

O raciocínio do legislador foi simples e objetivou a amplia-


ção da disputa por dois modos distintos: a) reduzindo o tamanho
do objeto da contratação e b) permitindo a união de duas ou mais
pessoas. Na primeira hipótese, com a redução do objeto, mais pes-
soas passam a poder executá-lo. O legislador foi sábio ao perceber
que a redução poderia ocorrer de duas formas: por meio da divisão
do objeto a ser colocado em disputa ou pela definição de uma par-
cela específica a ser executada por um terceiro. Com isso, não seria
preciso permitir o consórcio, pois bastaria permitir a subcontratação,
ou seja, que o vencedor pudesse contar com a ajuda de um terceiro.
Esses mecanismos de ampliação de disputa serão tratados em outra
oportunidade, cabendo, agora, apenas destacar a divisão do objeto
em itens e lotes.

A divisão do objeto em itens e lotes é um instrumento legal


que visa a propiciar a ampliação à competição e, assim, permitir que
mais pessoas disputem o contrato. Tal determinação decorre do § 1º
do art. 23, que diz textualmente: “as obras, serviços e compras efetu-
adas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas
se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se
à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos dispo-
O Processo de Contratação Pública

níveis no mercado e à ampliação da competitividade, sem perda da


economia de escala”. Além do referido preceito, a obrigatoriedade de
ampliação da competição é reafirmada no § 7º do citado comando.

É possível asseverar que o valor contido na norma impõe o


dever de dividir o objeto sempre que for tecnicamente possível e eco-
nomicamente viável, não se tratando, portanto, de mera faculdade a
ser exercida pela Administração. É evidente, também, que a norma
foi fixada em razão da possibilidade de haver restrição imotivada à
competição. Portanto, a divisão do objeto se justificará sempre que

145
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Renato Geraldo Mendes

houver possibilidade de restrição da disputa e não precisará ocorrer


quando a competição não se revelar comprometida, ainda que tec-
nicamente seja possível a divisão.

Nesse sentido, a interpretação adequada do enunciado legal


exige a articulação de valores distintos e que condicionam a exata
compreensão do teor da norma. Por um lado, o que se deseja é
ampliar a disputa e, para tanto, reconheceu-se que a divisão é uma
das formas possíveis de se obter o desejado resultado. Por outro lado,
a possibilidade de divisão do objeto é condicionada pela viabilidade
técnica e pela garantia de economicidade. O legislador deixou claro
que a ampliação da disputa não pode prejudicar a relação benefício-
-custo, isto é, não pode trazer prejuízo ao benefício que é represen-
tado pelo objeto nem comprometer a economicidade (obtenção do
benefício com o menor dispêndio de recurso financeiro).

Portanto, a ampliação da competição tem condicionantes que


precisam ser analisados pelo agente por ocasião do planejamento,
notadamente do momento de decidir se manterá o objeto tal como
definido ou se irá dividi-lo em partes (itens e lotes).

Com base no que foi dito, é possível afirmar que a divisão do


objeto está diretamente relacionada aos seus aspectos quantitativo
e qualitativo. Ela não pode comprometer o desempenho técnico do
objeto, pois sempre que isso puder ocorrer, a divisão estará proibida.
Assim, a divisão visa, essencialmente, a reduzir o tamanho do objeto,
pois o legislador entendeu que esse é um dos principais motivos que
diminui a competição, mas sem comprometer o desempenho técnico
(aspecto qualitativo).

Há uma relação estreita entre o aspecto qualitativo do objeto e


a questão técnica, e uma relação direta entre a quantidade do objeto
e a questão da economicidade. Não é possível dividir o objeto se a
qualidade da solução definida for comprometida. Da mesma forma,
em princípio, não é viável reduzir a quantidade do objeto se repre-
sentar indiscutível prejuízo à economicidade.

146
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14. A questão da proibição da indicação de marca


14.

A indicação de marca na descrição do objeto implica, em prin-


cípio, uma preferência injustificada. É certo dizer que a proibição de
indicação de marca não é absoluta, mas traduz a regra a ser obser-
vada. Em determinados casos, não só é possível como também neces-
sário indicar a marca do produto/objeto desejado pela Administração.
Mas isso é uma exceção cuja possibilidade deve ser devidamente jus-
tificada. A regra é que a indicação de marca não pode ser feita, salvo
quando figurar como mera referência, isto é, com a indicação clara
de que outros objetos de marcas similares serão aceitos. Nesse caso,
ela cumpre o papel de tornar mais clara a descrição e facilitar a com-
preensão por parte dos licitantes.

A vedação de indicação de marca justifica-se porque ela repre-


senta uma preferência que implica exclusão de outras marcas capa-
zes de, igualmente, atender à necessidade da Administração. Por isso
pode ser indicada como mera referência, cumprindo a função de res-
saltar um produto conhecido sem excluir os que pertencem a outras
marcas. Nesse sentido, o legislador pretendeu que a proibição pre-
vista no § 5º do art. 7º e no inc. I do § 7º do art. 15 da Lei nº 8.666/93
deixasse claro que o objeto deve ser descrito de forma a não discrimi-
nar e a não afastar competidores imotivadamente, pois a indicação de
marca restringe a disputa e cria um beneficiário, sem que exista uma
justificativa técnica para isso.

15. A questão da especificação exclusiva


15.
O Processo de Contratação Pública

A especificação exclusiva de um produto não pode ser adotada


na descrição do objeto, pois isso equivale à própria proibição da indi-
cação de marca. A mesma razão que motiva a proibição de indicação
de marca também serve para afastar a inclusão de uma especificação
ou de uma característica exclusiva de um produto. Por ser exclusiva,
a especificação afasta a aceitação de outros bens, mesmo que eles
possam atender à necessidade da Administração.

No entanto, se a especificação for indispensável, se sem ela a


necessidade não puder ser satisfeita e atendida, a sua indicação passa

147
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Renato Geraldo Mendes

a ser justificada. Com efeito, conforme ressaltamos, a questão não é


a existência de marca ou de especificação exclusiva na descrição do
objeto da contratação, mas o fato de saber se ela é ou não indispen-
sável para atender à necessidade. Se for, será legal. Caso contrário,
deverá ser reputada ilícita. É nessa perspectiva que a questão deve ser
resolvida.

16. Exigências insuficientes, desnecessárias e excessivas


16.

As exigências a serem feitas em uma contratação devem ser


necessárias e suficientes para garantir a obtenção do encargo capaz
de atender à necessidade. Em princípio, nem mais nem menos, é pre-
ciso encontrar o equilíbrio, a medida certa. Se a descrição do objeto
não garantir o mínimo indispensável, a satisfação da necessidade
ficará comprometida.

Por outro lado, se a descrição do objeto for além do mínimo


necessário, a necessidade será bem atendida, mas a Administração
poderá pagar mais para se satisfazer com menos. Encontrar esse equi-
líbrio é o desafio de quem planeja. Muitos editais estabelecem con-
dições ou exigências que não viabilizam esse necessário equilíbrio.
Assim, não garantem o atendimento do interesse público, mas ser-
vem para afastar potenciais competidores e, por força disso, acabam
restringindo a disputa e dificultando a obtenção de propostas mui-
tas vezes vantajosas. Na maior parte dos casos, tais restrições não
são estabelecidas com o propósito deliberado de afastar interessados,
mas acabam proporcionando isso sem intenção.

De forma direta, a descrição do objeto pode ser rotulada de


insuficiente, impertinente, desnecessária ou excessiva. As formas
apontadas revelam irregularidade e podem conduzir à nulidade do
processo de contratação. As exigências impertinentes e excessivas
são as mais graves e constituem ilegalidade por viabilizarem restri-
ções indevidas e antieconômicas, as quais devem ser evitadas e não
podem ser toleradas pelos agentes públicos responsáveis, pela asses-
soria jurídica e pelos órgãos de controle.

148
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A descrição do objeto é insuficiente quando as exigências nela


previstas não garantem a satisfação da necessidade. A solução con-
figurada atende à necessidade, em princípio, apenas parcialmente,
pois certa condição/exigência é ignorada e não exigida quando deve-
ria ser. Existem casos, no entanto, que a insuficiência da descrição
pode representar o desatendimento integral da necessidade, e não
apenas parcial. Ou seja, a exigência ignorada é de tal importância
que a solução pode se revelar totalmente ineficaz. A insuficiência da
descrição do objeto é normalmente corrigida pela Administração na
fase contratual por meio de aditivo ao contrato. Porém, em alguns
casos, a existência de descrição insuficiente pode conduzir à nuli-
dade do edital ou não ser sanável na fase contratual por estar além
dos limites legais previstos em lei.

A definição do objeto, por sua vez, é impertinente quando


determinada condição ou exigência é incluída sem que tenha rela-
ção direta com a própria necessidade que a solução (objeto) des-
creve. A condição é considerada ilegal porque pode produzir restri-
ção indevida para terceiros (licitantes) e não serve para resguardar
nenhum interesse da própria Administração, além de poder tornar
mais onerosa a contratação.

A definição do objeto possui condição desnecessária quando,


mesmo não restringindo a disputa, é capaz de tornar mais oneroso
o preço a ser pago. A exigência agrega algum benefício à solução,
mas ele é desnecessário para o atendimento da necessidade. Assim, a
irregularidade é normalmente de natureza econômica e não restringe
a disputa.
O Processo de Contratação Pública

A exigência desnecessária é diferente da impertinente, pois esta


não agrega nenhum benefício para a Administração e só cumpre a fina-
lidade de restringir a disputa ou mesmo de beneficiar um competi-
dor, bem como onerar a contratação. Ou seja, a desnecessária produz
algum benefício ou utilidade, ao passo que a impertinente não.

Por fim, a exigência excessiva é a que, além de restringir a dis-


puta, torna demasiadamente onerosa a contratação. Ela padece de
dois vícios imperdoáveis: restringe ilegalmente a competição e força
a Administração a pagar mais quando precisava de muito menos. A

149
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Renato Geraldo Mendes

exigência excessiva é a mais grave de todas e, em muitos casos, é


utilizada com o deliberado propósito de beneficiar determinado pro-
duto ou fornecedor.

17. A justificativa técnica e econômica das exigências


17.

É importante notar que o que calibra a descrição do objeto


(encargo) e valida todas as exigências feitas é a necessidade. Por-
tanto, para saber se uma exigência prevista na descrição do objeto
é restritiva ou antieconômica basta analisar a necessidade a que ela
quer atender.

É a necessidade que autoriza ao objeto ter ou não determina-


das características técnicas. A solução técnica traduz um conjunto de
especificações capazes de produzir determinado resultado. O resul-
tado deve ter relação direta e de suficiência com a demanda que a
Administração tem de atender. Mas a solução técnica tem relação
direta também com o preço a ser pago. É assim porque a solução téc-
nica que traduz o encargo tem uma dimensão puramente econômica,
e o preço a ser pago, uma expressão financeira. Dessa forma, é pre-
ciso que cada exigência, especificação ou característica que integra a
descrição do objeto seja justificável sob o ponto de vista técnico, sob
pena de irregularidade. A justificativa é o que se denomina no Direito
Administrativo de motivação, e motivar é explicitar ou demonstrar
por que determinada decisão foi adotada, sob o ponto de vista fático
(necessidade) e jurídico.

18. A descrição do objeto e a questão da exclusividade do


18.
prestador

Em alguns casos, a descrição do objeto pode conduzir a um


único fornecedor ou prestador. Com isso, teremos a restrição total da
disputa ou apenas a sua limitação. Ocorrerá a restrição total da dis-
puta quando, em decorrência da descrição, o produto for comerciali-
zado apenas por uma pessoa, normalmente o próprio fabricante. Por
outro lado, haverá restrição parcial da disputa quando o único produto
que atender à descrição for comercializado por vários fornecedores.

150
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Fala-se em restrição porque somente um produto poderá ser forne-


cido, ainda que existam vários fornecedores. Havendo restrição total
não será possível licitar, pois estará configurada a inexigibilidade. No
entanto, havendo restrição parcial será possível promover a licitação
entre os vários fornecedores do produto desejado.

Ao contrário do que algumas pessoas possam crer, em prin-


cípio, não há ilegalidade no fato de que a descrição do objeto con-
duziu a um único produto. Esse fato em si não representa nenhuma
ilegalidade. Ilegalidade não é isso. Se todas as especificações e carac-
terísticas presentes na descrição do objeto forem justificáveis à luz
da necessidade, haverá legalidade. Do contrário, haverá ilegalidade.

Ora, se para atender à sua necessidade for necessário contar


com determinada especificação ou característica técnica, caberá à
Administração incluí-la na descrição, sem se importar se isso poderá
ou não restringir a disputa. Não há proibição na ordem jurídica
para restringir a disputa, o que a ordem proíbe é que a disputa seja
restringida sem motivo justificável (inc. I do §  1º do art. 3º da Lei
nº 8.666/93). Aliás, a finalidade do planejamento é justamente res-
tringir a disputa, de modo a permitir que só participe quem tenha
condições pessoais e possa cumprir integralmente o encargo.

19. O objeto e a questão da localização do fornecedor


19.

Alguns objetos específicos exigem que o licitante esteja locali-


zado próximo a determinado local. Assim, a localização do prestador
ou da disponibilidade do objeto que ele vai fornecer ou prestar é con-
O Processo de Contratação Pública

dição necessária para que o contrato possa ser executado. Essa é, no


entanto, uma situação excepcional, porque a regra é a localização do
prestador ser irrelevante para o cumprimento da obrigação.

No entanto, se o objeto a ser fornecido é combustível para abas-


tecer veículos, por exemplo, e a Administração usará diretamente a
bomba do fornecedor, a localização do posto no qual o veículo vai
abastecer é condição importante. O posto deverá estar localizado
no raio de distância em que os veículos ficam alocados, sob pena de
se atentar contra a economicidade da contratação. Nesse caso, será

151
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Renato Geraldo Mendes

necessário impor uma condição restritiva: impedir que os interessa-


dos (postos) situados fora do raio de distância determinado possam
vir a ser contratados. A restrição que será imposta no edital se justifica
em razão da economicidade, que é um valor constitucional (art. 70
da CF). Importante observar que o fundamento para a restrição não
é uma questão técnica, mas financeira. O fundamento legal que dá
suporte à fixação da restrição mencionada é a parte final do item I do
§ 1º do art. 3º da Lei nº 8.666/93.

Com efeito, o que a ordem jurídica veda é a existência de dis-


criminações inaceitáveis ou que não sirvam para viabilizar a melhor
solução técnica ou a melhor relação benefício-custo. É claro que o
combustível adquirido de um posto localizado fora do raio definido,
sob o ponto de vista técnico, atenderia à necessidade da Adminis-
tração. Portanto, a questão nada tem a ver com eventual impossibi-
lidade técnica. A restrição à participação de postos situados fora do
raio de distância é determinada por razões de pura economicidade,
e não por questões técnicas. Por isso, quando avaliamos a legalidade
das exigências de um edital, é preciso ter em mente a relação bene-
fício-custo como um todo, pois não se pode justificar o benefício a
qualquer custo (preço). Além do exemplo do combustível, é possível
incluir na relação outros tipos de situações, como a contratação de
hotel e de restaurante, por exemplo.

20. A configuração da solução (objeto) e a questão


20.
estratégica para evitar a dependência técnica da
Administração

A definição da solução e a configuração do objeto representam


decisões muito importantes em termos estratégicos para a Administra-
ção, principalmente em relação a determinadas situações. Uma delas
diz respeito às soluções que envolvem o setor de tecnologia da infor-
mação, cuja importância estratégica é indiscutível, visto que todas as
atividades funcionais e operacionais dela dependem.

No momento de estruturar o objeto da contratação, é indispen-


sável que a Administração planeje tudo com muito cuidado e cau-
tela. A preocupação essencial é reduzir ou eliminar a possibilidade

152
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de criar dependência técnica capaz de fragilizar a Administração e


torná-la a parte fraca da relação. Isso ocorrerá quando a Administra-
ção passar à condição de dependente técnica do contratado, o que
não deve acontecer. Dividir o objeto até quando for possível tecni-
camente, de modo a ter mais de um prestador, é uma possibilidade.
Essa é apenas uma das providências, mas existem diversas outras que
devem ser adotadas no momento de planejar a contratação e definir
o encargo. Para tanto, deve ser estruturado um plano de contingen-
ciamento e de gestão de riscos. Esse plano também é instrumento que
deve ser preparado por ocasião do planejamento, tal como o termo
de referência, o projeto básico, a planilha de quantitativo e preços, o
Acordo de Níveis de Serviço (ANS), etc.

É claro que a fragilidade da dependência técnica não se resolve


apenas em razão da existência de vários prestadores, pois uma coisa
pode, em dadas situações, não ter nada a ver com a outra.

21. A questão da solução integrada com vários


21.
prestadores atuando simultaneamente – O problema da
individualização das responsabilidades

Da mesma forma que a Administração deve reduzir ou elimi-


nar a possibilidade de dependência técnica, também tem de prever
e estruturar como individualizar as responsabilidades quando a exe-
cução envolve a participação de mais de um prestador e a solução
final é integrada e depende da atuação de todos os contratados. Essa
situação é comum na área da tecnologia da informação (TI).
O Processo de Contratação Pública

A individualização das responsabilidades é importante para


apurar os responsáveis e evitar que um prestador transfira para o outro
a responsabilidade do problema. É preciso saber até onde é possível
individualizar a responsabilidade técnica. Quando não for possível
individualizar a responsabilidade e a solução integral for constituída
por soluções técnicas menores e que se articulam numa perspectiva
unitária, ou seja, formam um verdadeiro sistema, será preciso avaliar
as alternativas para eliminar o problema.

153
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Renato Geraldo Mendes

Na hipótese acima descrita, a alternativa será manter o objeto


uno, ainda que integrado por diversas soluções individuais. Nesse
caso, haverá necessária redução da disputa, sendo possível, inclu-
sive, que nenhuma empresa atenda à solução integralmente. Assim,
será necessário permitir a formação de consórcio, o que resolverá o
problema da responsabilidade, que passará a ser solidária entre todas
as empresas consorciadas.

22. A definição da solução e a descrição do objeto feitas


22.
pelo próprio pessoal interno

Em matéria de contratação pública, não será nenhuma novi-


dade afirmar que o planejamento da contratação deve ser realizado
pelo próprio pessoal que integra a Administração, conforme já pon-
deramos. Essa é a regra a ser observada. Como a definição da solu-
ção e a descrição do objeto são atividades típicas do planejamento,
devem ser feitas, em princípio, pelos próprios agentes públicos. Essa
deve ser a praxe, até por questão de economicidade. Ora, não faz
sentido ter servidores pagos pelos cofres públicos e aptos a realizar a
atividade para a qual foram contratados e terceirizar a sua execução.
Obviamente seria ilegal. No entanto, a contratação de terceiros pode
ocorrer licitamente em duas situações básicas: a) quando a Adminis-
tração não dispõe de agentes com condições técnicas ou legais e b)
quando, mesmo possuindo pessoal qualificado, a demanda de ativi-
dade for muito grande. Nos dois casos, é preciso justificar a contrata-
ção de terceiros para realizar o trabalho.

23. Como contratar terceiros para definir a solução ou


23.
descrever o objeto?

A contratação de terceiros para definir a solução ou descrever


o objeto deve ser realizada em estrita observância à ordem jurídica.
Assim, é possível que a contratação se faça por meio de licitação ou
mesmo de dispensa ou inexigência. Em regra, a contratação deverá
ser feita mediante seleção realizada por intermédio de licitação. No
entanto, se o valor estimado da contratação estiver compreendido nas

154
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faixas previstas nos incs. I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93, será pos-


sível a dispensa da licitação. Por outro lado, se o objeto for de natu-
reza singular e para a sua execução se reputar necessário uma pessoa
notoriamente especializada ou se entender, por outra razão, que a
competição é inviável, a ordem jurídica possibilita que a contratação
se faça por inexigência (inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93). Esse é o
panorama básico no qual o tema se insere. Existem outras hipóteses
de dispensa que podem ser avaliadas.

Além da questão da definição do procedimento (licitação, dis-


pensa ou inexigência), o assunto envolve outros aspectos. Adotada
a licitação, será preciso escolher uma das modalidades previstas
no art. 22 da Lei nº  8.666/93 ou mesmo o pregão, previsto na Lei
nº 10.520/02, se for possível classificar o serviço como comum.25

A escolha das modalidades de licitação de acordo com a Lei


nº  8.666/93 é feita por dois critérios básicos: a) valor estimado da
contratação ou b) em razão da natureza do objeto ou obrigação a ser
cumprida. No caso de seleção de um parceiro para executar serviços
técnicos profissionais especializados, por exemplo, o mais comum
é a modalidade de licitação ser determinada em razão do valor esti-
mado da contratação. O pregão tem sido adotado para contratar esse
tipo de serviço, o que entendemos inadequado pelos inúmeros argu-
mentos expostos no capítulo relativo à escolha das modalidades.

Reunidos os pressupostos da licitação, notadamente a escolha


do terceiro por meio de critério objetivo de julgamento, a contrata-
O Processo de Contratação Pública

ção de serviços técnicos profissionais especializados (serviço inte-


lectual) deverá ser realizada pelo tipo de licitação técnica e preço,
e não menor preço, conforme determina o próprio art. 46 da Lei
nº 8.666/93. Mas, para falar em licitação, é indispensável que a com-
petição seja viável, e essa viabilidade de competição não se confunde
com possibilidade real de disputa, conforme será explicado no capí-
tulo relativo à escolha do procedimento da fase externa e anotado no

25 A adoção do pregão para contratar serviços de natureza intelectual é, para nós, abso-
lutamente excepcional.

155
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Renato Geraldo Mendes

capítulo pertinente à contratação de serviços técnicos profissionais


especializados.26

Seja qual for o procedimento adotado ou a modalidade esco-


lhida, caberá à Administração definir com precisão e clareza o
encargo que o contratado deverá executar. É indispensável que todas
as obrigações a serem cumpridas sejam fixadas pela Administração,
pois é com base nelas que o particular definirá a sua remuneração.
Por exemplo, se o objeto diz respeito a obras e serviços de engenha-
ria, será preciso definir que caberá ao particular elaborar o projeto
básico, o executivo, a planilha de quantitativos e preços unitários,
fixar o cronograma de execução, estabelecer as parcelas de maior
relevância técnica e valor significativo, etc. Além de preparar todas
essas peças, será preciso que a Administração defina um conjunto
de outras obrigações, tais como prazo da execução dos trabalhos
e necessidade de o prestador assessorar a Administração durante a
licitação.

24. A questão do impedimento para o terceiro que define


24.
a solução

Quem for contratado para definir a solução ou descrever o


objeto estará impedido de disputar a licitação para a sua execu-
ção. Tal impedimento decorre da vedação prevista no art. 9º da Lei
nº 8.666/93. A ideia que norteia a proibição legal decorrente do refe-
rido art. 9º é a da isenção que se deve assegurar à fase competitiva
do processo, isto é, a licitação. Quem define a solução ou descreve
o objeto tem a possibilidade de impor, de forma proposital, determi-
nadas restrições ou mesmo estabelecer um direcionamento capaz de
beneficiá-lo. Por outro lado, o legislador não ignorou o fato de que
o benefício pode ser obtido diretamente ou indiretamente. É direto

26 Por outro lado, mesmo em face do que dispõe o § 1º do art. 13 da Lei nº 8.666/93,
entendemos ser inadequada a utilização do concurso para realizar a contratação do
tipo de serviços técnicos profissionais especializados do qual estamos falando. A pro-
pósito, o concurso deve ser reservado para um tipo específico de seleção de trabalho
técnico, científico e artístico, não cabendo a sua generalização. Ademais, o concurso
não é, em verdade, modalidade de licitação, mas de inexigibilidade.

156
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quando a própria pessoa que define a solução ou descreve o objeto


obtém as vantagens decorrentes da execução. É indireto quando a
vantagem de quem definiu a solução ou descreveu o objeto é obtida
por intermédio de um terceiro. No caso do benefício indireto, o bene-
ficiário não participa diretamente da relação jurídica contratual. A
proibição do art. 9º veda que não só quem define a solução e des-
creve o objeto possa participar, como também que as pessoas que
tenham relações e vínculos com ele possam se beneficiar do con-
trato. A Lei nomina diversas pessoas (esposa, filhos, sócios), mas o rol
não se limita aos indicados.

O art. 9º possibilita que o responsável pela definição da solu-


ção ou descrição do objeto possa atuar como consultor ou técnico,
nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento a serviço
da Administração.

Evidentemente, a proibição não atinge apenas aqueles que defi-


nem a solução ou descrevem o objeto, ou seja, o autor do projeto,
mas também os que definem as demais condições e obrigações que
integram o encargo. Resumidamente, quem atua no planejamento da
contratação – na fase interna do processo – fica impedido de parti-
cipar da fase externa (licitação, dispensa ou inexigência), podendo
apenas atuar na fase contratual a serviço da Administração. Cumpre
registrar que o fato de um fornecedor ter apresentado orçamento em
razão da solicitação que normalmente é feita pela própria Adminis-
tração não o impede de participar da licitação, pois se fosse possível
seria fácil restringir a disputa propositadamente. O impedimento pre-
visto no art. 9º da Lei nº 8.666/93 tem outro conteúdo e propósito.
O Processo de Contratação Pública

25. Soluções ou objetos distintos devem ser contratados


25.
separadamente

Quando, para satisfazer a necessidade, for indispensável obter


objetos que, pela sua natureza ou configuração, forem distintos, será
necessário separá-los para fins de contratação. A separação é deter-
minada pela ordem jurídica como medida de ampliação da disputa,
e não por outra razão. Se os objetos são distintos, o mais provável é
que os fornecedores ou prestadores também sejam, isto é, o normal é

157
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Renato Geraldo Mendes

que eles possam dispor de um deles, mas não de todos. Essa potencial
restrição fez com que o legislador determinasse a contratação estru-
turada em itens ou lotes, de modo a permitir que cada interessado
dispute o certame ofertando o objeto que possui. A adoção de vários
itens ou lotes é calibrada por critérios técnicos. Quando não for possí-
vel a separação por razões técnicas, ela não deve ser adotada. Vigora
a orientação prevista no § 1º do art. 23 da Lei nº 8.666/93: “as obras,
serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em
tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente
viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveita-
mento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da compe-
titividade, sem perda da economia de escala”. Com efeito, não sendo
possível a divisão ou a separação dos bens ou serviços por razão
de ordem técnica e havendo restrição em razão disso, deverá ser
facultado o consórcio ou mesmo a subcontratação, cabendo, nesse
último caso, indicar o objeto ou serviço ou a parcela que poderá ser
subcontratada. Esses mecanismos (consórcio e subcontratação) pos-
sibilitarão a necessária ampliação da competição no caso indicado.

26. Atividades incompatíveis não devem ser incluídas no


26.
mesmo item ou na mesma descrição do objeto

Pela mesma razão que é necessário separar objetos de natureza


distinta, também não se pode incluir na descrição do objeto uma ati-
vidade ou característica que seja incompatível com a solução definida
ou que não se justifique em razão do resultado que se espera obter com
o objeto. Especificações, características e atividades distintas das que
configuram normalmente o objeto devem ser licitadas ou contratadas
separadamente, a fim de evitar restrição ilegal. Basicamente, a solução
a ser adotada aqui é a mesma indicada no tópico anterior.

27. O objeto/encargo deve ser integral e completo


27.

Condição indispensável para a Administração realizar as demais


etapas do planejamento é o objeto/encargo ser definido de forma
integral e completa. Não é possível realizar a pesquisa de preços sem

158
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antes ter definido integralmente a solução que se deseja contratar.


Dizer que a descrição deve ser completa não significa que ela deva
ser tão minuciosa que restrinja a disputa ou conduza para uma única
marca ou produto. Ela deve ser completa porque deve ser suficiente
e adequada para, por um lado, satisfazer a necessidade da Adminis-
tração e, por outro, permitir que o mercado saiba de forma sucinta e
clara qual o efetivo encargo/objeto pretendido. Se o objeto/encargo
não é descrito de forma completa por ocasião do planejamento, é
muito provável que haja um problema a ser administrado por ocasião
da execução do contrato e que ensejará a necessidade de realização
de alteração do seu objeto, seja ela qualitativa ou quantitativa.

28. Todas as vantagens oferecidas pelo mercado e


28.
relevantes para a satisfação da necessidade devem ser
contempladas na descrição do objeto/encargo

Tanto a definição da solução mais adequada para atender à


necessidade da Administração quanto a descrição do objeto/encargo
capaz de viabilizar tal solução devem ser realizadas de modo a con-
templar as vantagens que o mercado oferece ou pode oferecer. No
caso da contratação pública, na qual o critério predominante de
escolha é o menor preço, esse cuidado deve ser redobrado. Em razão
de o critério de escolha ser o menor preço, é preciso perceber que
todo o benefício esperado pela Administração deve ser exigido e estar
contemplado na descrição do objeto ou assegurado nas demais obri-
gações que integram o encargo. Por outro lado, em matéria de con-
O Processo de Contratação Pública

tratação não se pode nunca perder de vista a melhor relação bene-


fício-custo. As vantagens que as empresas e os profissionais podem
oferecer devem ser exigidas pela Administração, pois, em razão do
menor preço que norteia o critério de escolha, eles não vão espon-
taneamente ofertar nada além do que for exigido. Dessa forma, o
planejamento da contratação, entre outras coisas, pressupõe o pro-
fundo conhecimento do mercado, das características, peculiaridades,
vantagens e da capacidade de negociar, inclusive. Conhecer e domi-
nar as vantagens do mercado são desafios que devem ser assumidos
pelos modernos gestores da contratação pública.

159
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Renato Geraldo Mendes

29. É vedado fazer opção por solução tecnologicamente


29.
defasada

Antes de descrever o objeto, é preciso definir a solução. A defi-


nição da solução precede a descrição do objeto e a fixação de todas
as demais obrigações que integram o encargo. É certo que o avanço
tecnológico produz a superação de determinados objetos e de certas
soluções. O que hoje é moderno amanhã estará superado. Em razão
disso, a escolha da solução deve ter vida útil razoável. O fundamen-
tal na escolha da solução suscetível à superação tecnológica é avaliar
o tempo estimado da sua utilidade e o custo de migração para uma
possível solução futura. Não se trata de prever o futuro, mas de pro-
jetá-lo. O fato de uma solução futura ainda não ter sido viabilizada
ou não estar disponível não significa a impossibilidade de projetá-la
e reconhecer que ela acontecerá. Existem várias formas de chegar a
essa conclusão. Esse é outro desafio que caberá ao gestor superar. O
que não se pode é fazer opção por solução tecnológica já superada
ou em vias de ser superada. Se isso ocorrer, detectado o equívoco,
caberá a revogação do ato durante o planejamento ou na fase externa
da contratação. Se o contrato já estiver celebrado, a eventual resci-
são dependerá de análise adequada. A questão envolve fundamental-
mente a melhor relação benefício-custo, de nada vale pagar pouco
por uma solução se ela não tiver durabilidade ou possibilidade de se
adaptar em razão do avanço tecnológico que envolve outras soluções
que com ela interagem para produzir determinado resultado. Tudo
isso deve ser avaliado no planejamento. Aliás, planejar é, entre outras
coisas, realizar essa avaliação.

30. A solução ou o objeto da contratação não pode ser a


30.
obtenção de recursos financeiros

O § 3º do art. 7º da Lei nº 8.666/93 diz que “é vedado incluir no


objeto da licitação a obtenção de recursos financeiros para sua exe-
cução, qualquer que seja a sua origem, exceto nos casos de empre-
endimentos executados e explorados sob o regime de concessão,
nos termos da legislação específica”. O objeto da contratação deve
ser, então, obra, serviço, compra, locação, alienação, permissão ou

160
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concessão, mas jamais poderá ser a obtenção de recursos financeiros,


pois isso representaria a utilização do processo de contratação para
fim diverso daquele para o qual foi idealizado. Para que a Administra-
ção possa licitar o que deseja para atender à sua necessidade, é pre-
ciso recurso financeiro assegurado no seu orçamento, seja ele decor-
rente de sua atividade fiscal ou proveniente de outra fonte legal. O
que está vedado é a Administração utilizar o processo de contratação
pública para realizar captação financeira ou algo que o valha, salvo
nos casos de concessão, conforme a própria regra indica. A captação
financeira, se autorizada, deve ser feita por outros meios que a pró-
pria ordem jurídica prevê, mas nunca por meio do processo de con-
tratação. Fundamentalmente, a vedação tem a finalidade de inviabi-
lizar a assunção de dívida, o que comprometeria o controle fiscal e
propiciaria o aumento do endividamento público. A vedação do § 3º
do art. 7º da Lei nº 8.666/93 é uma norma de Direito Financeiro e que
se enquadra na ideia geral de responsabilidade fiscal.

31. solução/o objeto deve resolver o problema da


31. A
Administração, e não servir de meio para resolver
diretamente problemas de terceiros (benefícios pagos
aos empregados do terceirizado, etc.)

A solução definida ou o objeto descrito deve resolver direta-


mente uma necessidade própria da Administração ou da sociedade
como um todo, vedada a utilização do processo de contratação para
beneficiar pessoas vinculadas à futura contratada, mesmo sob a ban-
O Processo de Contratação Pública

deira da ação social. Não se pode incluir no encargo a exigência de


que a futura contratada deverá pagar valor superior ao definido na
convenção ou no acordo a título de vale-alimentação, vale-creche
ou qualquer outro benefício. Primeiro, porque isso onera o contrato e
beneficia uma categoria específica de pessoas (a que executa o con-
trato). Segundo, porque o processo de contratação não é o meio ade-
quado para fazer ação social para um grupo específico de pessoas.
Isso configura desvio de finalidade e impõe a responsabilidade do
agente público. Essa é uma conduta típica de quem gosta de acenar
com chapéu alheio.

161
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Renato Geraldo Mendes

32. Definido o objeto, é preciso indicar as parcelas de


32.
maior relevância técnica?

A exigência de capacidade técnica, principalmente nas obras


e nos serviços de engenharia, deve ser feita em relação às parcelas
de maior relevância técnica e valor significativo. Após descrever o
objeto, é preciso definir a parcela de maior relevância técnica, pois
é em relação a ela que caberá ao licitante comprovar a sua apti-
dão técnica, e à Administração conduzir a sua análise. Com efeito,
quem define o objeto tem também a obrigação de destacar a parcela
de maior relevância técnica. Nas contratações de obras e serviços
de engenharia, caberá ao responsável pela elaboração do projeto
básico/executivo proceder à indicação da parcela de maior relevân-
cia técnica e valor significativo.

A não indicação da parcela de maior relevância técnica no


edital, conforme o § 2º do art. 30º da Lei nº 8.666/93, conduzirá a
licitação em direção à nulidade, salvo situações específicas. O dever
de declarar a nulidade decorrerá da ausência de critério objetivo para
apurar a capacidade técnica dos licitantes e a imposição da neces-
sária restrição ao caráter competitivo, pois, sem a parcela definida, a
capacidade técnica terá de ser demonstrada relativamente ao todo do
objeto, o que é, em princípio, vedado pela ordem jurídica. Deve-se
exigir a comprovação de aptidão técnica apenas em relação ao que
é mais relevante, e não em face de todos os aspectos. Portanto, não
pode a Administração, nas obras e nos serviços, deixar de indicar a
parcela de maior relevância técnica e valor significativo, sob pena de
ser declarada nula a licitação. Tal omissão poderá ensejar a responsa-
bilização do agente que deixou de fixar tal condição no edital.

Cabe dizer, também, que a parcela de maior relevância técnica


não pode ser objeto de subcontratação.

33. A definição do objeto integra o termo de referência?


33.

Essa questão foi tratada no capítulo relativo ao termo de refe-


rência, para o qual se remete o leitor. É oportuno reiterar que enten-
demos que, em regra, a definição da solução e a descrição do objeto

162
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não devem integrar o termo de referência, pois este deve se restringir


a identificar e a definir com precisão a necessidade, e não a solução.
Assim, o termo de referência é o documento que formaliza a neces-
sidade (o problema a ser resolvido), e não a solução para o problema.
A solução para o problema deve ser definida no projeto básico/exe-
cutivo ou mesmo em outro instrumento que até pode ser denominado
de “termo de descrição da solução e do objeto”. Não se deve confun-
dir necessidade com solução/objeto. Essas duas providências devem
ser segregadas, o que significa que, em regra, devem ser realizadas
por agentes ou setores distintos na estrutura da Administração. Essa
não é uma sugestão com a finalidade de burocratizar o planejamento,
mas de conferir a ele maior precisão e assertividade. No entanto,
nas situações de contratação que se realizam de forma frequente ou
naquelas de solução padronizada, não há nenhum problema no fato
de o termo de referência indicar a solução (o objeto) a ser contra-
tada. Mas o que não se deve é generalizar essa possibilidade para os
demais casos de obras, serviços e compras que não são padroniza-
dos. Esse é um detalhe muito importante para o processo, e a sua não
observância é a fonte da qual nasce parte dos grandes problemas. A
propósito, problemas que só serão percebidos na fase contratual.

34. O que é o projeto básico/executivo para fins de


34.
contratação?

Projeto básico/executivo é o documento que materializa a


solução (o objeto) a ser contratada. Se o termo de referência ou a
requisição responde à pergunta: qual o problema?, o projeto básico
O Processo de Contratação Pública

responde a outra pergunta: qual a solução?. O termo de referên-


cia ou a requisição indica a necessidade (o problema), e o projeto
básico/executivo, a solução para o problema. Uma coisa decorre da
outra, isto é, tem nela o seu fundamento de validade.

Portanto, é com base no termo de referência ou na requisição


que se elabora o projeto básico. Nos casos de obras e serviços de
engenharia, é comum que, após a formalização do termo de referên-
cia e antes de elaborar o projeto básico/executivo, sejam preparados
outros instrumentos que ajudarão a viabilizar o projeto básico, tais

163
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Renato Geraldo Mendes

como estudos preliminares, avaliações, levantamentos e sondagens.


A finalidade do projeto básico/executivo é descrever, de forma pre-
cisa e exata, a solução integral capaz de atender à necessidade mate-
rializada pela Administração no termo de referência/requisição. Com
efeito, o projeto básico/executivo é uma realidade técnica que tem
relação direta e indissociável com a solução/objeto. Falar em projeto
básico é o mesmo que falar em solução/objeto.

35. O que é o projeto executivo para fins de contratação?


35.

Existem três realidades que precisam ser distinguidas: a) o pro-


jeto básico; b) o projeto executivo; e c) a metodologia de execução.
A forma mais simples de distingui-las é por meio da compreensão da
finalidade a que cada uma delas atende. Essas realidades, portanto,
respondem a perguntas específicas. O projeto básico responde à per-
gunta “o que será executado?”; o projeto executivo à pergunta “com
o que será executado?”; e a metodologia de execução, por sua vez, à
pergunta “como será executado?”.

É importante, no entanto, ter bastante clareza em relação à


distinção entre o projeto executivo e a metodologia de execução.
Essas duas realidades, apesar de distintas, são normalmente confundi-
das. Quando dissemos que o projeto executivo responde à pergunta:
“com o que será executado?”, estamos nos referindo aos insumos,
materiais, equipamentos e bens que serão empregados para fazer o
que deve ser feito. Já a metodologia refere-se à técnica (método cons-
trutivo) que será empregada para executar (fazer) o que deve ser feito
e assim obter o resultado projetado.

As três realidades são indissociáveis e se relacionam com o


objeto.

Cabe advertir que, ao definir o projeto básico no inc. IX do


art. 6º da Lei nº 8.666/93, o legislador optou por um conceito legal
amplo, de modo a abarcar na definição legal não só o que se enten-
dia, tradicionalmente, como sendo projeto básico, mas também o
que se definia como projeto executivo e metodologia de execução.
Assim, a definição legal de projeto básico na Lei nº 8.666/93 abrange

164
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também o projeto executivo e a metodologia de execução. Portanto,


a definição que consta no inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93 res-
ponde às três perguntas indicadas. Por outro lado, é fácil perceber
que a definição de projeto executivo que consta no inc. X do referido
art. 6º cumpre mais a função de impor uma condição técnica, qual
seja, a de que os materiais, os produtos e as especificações observem
os padrões definidos pela ABNT. Aliás, nem seria necessário o inc. X,
pois o que nele consta poderia ter sido incluído, por exemplo, na alí-
nea “c” do inc. IX do próprio art. 6º da Lei nº 8.666/93.

36. uando o projeto básico é necessário e quando não?


36. Q
É certo determinar que todos os serviços tenham
projeto básico?

A obrigatoriedade de elaborar projeto básico, tal como previsto


no inc. IX do art. 6º da Lei nº  8.666/93, existe apenas para deter-
minados objetos, não para todos. O que fundamentalmente impõe
a necessidade de elaborar um projeto básico é o fato de a solução
(o objeto) ser muito detalhada, normalmente complexa, e integrada
por um conjunto amplo de informações de conteúdo técnico. Se o
objeto pode ser descrito completamente de forma simples, direta e
objetiva, não há nenhuma necessidade de se falar em projeto básico.
As obras e os serviços de engenharia exigem projeto básico/execu-
tivo porque, para serem definidos, dependem de um “conjunto de
elementos necessários e suficientes, com nível de precisão, para
O Processo de Contratação Pública

caracterizá-los”. Quanto aos demais serviços, a necessidade de pro-


jeto básico não pode ser imposta genericamente apenas porque o
inc. I do § 2º do art. 7º da Lei nº 8.666/93 diz que obras e serviços
somente poderão ser licitados quando houver projeto básico. Não
é dessa forma que se interpreta um enunciado normativo. Portanto,
não é qualquer serviço que justifica a obrigatoriedade de projeto
básico/executivo, mas apenas aqueles que, para sua definição e des-
crição, exijam detalhamento técnico minucioso como condição para
a adequada configuração.

165
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Renato Geraldo Mendes

37. A indicação das especificações dos insumos e materiais


37.
que irão compor a planilha descritiva do objeto

Para estimar o preço que será gasto com determinadas soluções


(objetos), é indispensável a indicação de todas as especificações que
compõem os insumos e materiais que definem o objeto. Sem isso,
não é possível estimar o preço a ser pago, daí se falar em planilha
de composição de insumos e preços unitários. Quem define o objeto
nesses casos deve ter, entre as suas atribuições, a obrigação de deta-
lhar todos os insumos e materiais que serão utilizados na execução
do objeto. A realização desse detalhamento é comum nas obras e
nos serviços de engenharia nos quais são empregados muitos insu-
mos. Sem esse detalhamento, não será possível, nesse tipo de objeto,
cumprir a próxima etapa do planejamento: a definição do preço a
ser pago. Por outro lado, para os objetos cuja apuração do preço não
se expressa na composição de insumos e materiais diversos, não é
necessário realizar tal detalhamento.

38. Os mecanismos legais que reduzem a restrição à


38.
disputa (os consórcios, a divisão do objeto em lotes e
itens e a subcontratação)

Uma das ideias centrais que norteia o processo de contratação


pública é a de competitividade, ou seja, a de que a disputa deve ser
efetiva e a mais ampla possível. É preciso eliminar todas as possi-
bilidades de restrição que não se justifiquem sob o ponto de vista
técnico ou, em alguns casos, até econômico. A configuração da solu-
ção (do objeto) é, sem dúvida, a que potencialmente mais enseja
restrição, seja em razão da sua especificação de natureza técnica ou
mesmo em função do seu tamanho ou volume. A restrição pode ter
tanto natureza quantitativa quanto qualitativa.

Diante disso, a ordem jurídica previu mecanismos cuja finali-


dade é possibilitar a redução da restrição à disputa: a obrigatorie-
dade de divisão do objeto em partes, o consórcio e a subcontrata-
ção. As três soluções estão à disposição da Administração e devem
ser adotadas para reduzir a restrição sempre que a competitividade

166
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estiver ameaçada. Não se trata, portanto, de simples faculdade a ser


exercida ao bel prazer da Administração, mas de um dever a ser
cumprido sempre que houver potencialidade de restrição em razão
do objeto da disputa.

A obrigatoriedade de dividir o objeto em partes menores deve


ser atendida sempre que não se configurar prejuízo de ordem técnica
ou representar perda na economia de escala, ou seja, sempre que
a divisão não comprometer a melhor solução técnica ou represen-
tar prejuízo à economicidade. Não configurado prejuízo concreto ou
efetiva potencialidade, caberá à Administração proceder à divisão do
objeto em partes, como medida capaz de possibilitar a ampliação da
disputa.

No entanto, caso a Administração entenda que a divisão do


objeto em partes (itens ou lotes) não é possível, restam duas alterna-
tivas que deverão ser avaliadas. A primeira delas é permitir o con-
sórcio, ou seja, a reunião entre duas ou mais pessoas para disputar o
contrato. A ideia do consórcio administrativo é justamente possibilitar
a ampliação da disputa e a redução da restrição competitiva em razão
da configuração do objeto/encargo.

Caso a Administração, na sua análise, entenda que o que res-


tringe a disputa é apenas uma parte específica do objeto, não será
necessário permitir o consórcio, mas apenas autorizar a subcontrata-
ção da parte de natureza específica, que nada mais é do que permitir
O Processo de Contratação Pública

que o futuro contratado repasse a um terceiro uma parte específica do


objeto, ou seja, justamente a parte que restringe a disputa. Autorizar
pessoas consorciadas ou o futuro contratado a subcontratar não é
uma decisão arbitrária do agente, mas discricionária.27 E a discricio-
nariedade é configurada pelo objeto e decorre, entre outras razões,
da impossibilidade de dividir naturalmente o objeto da disputa.

27 O exercício da discricionariedade é calibrado por uma condição objetiva, e não


subjetiva (isto é, ela não depende da vontade e do simples querer do agente).

167
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Renato Geraldo Mendes

39. Todos os serviços e todas as atividades que integram


39.
o objeto devem ser quantificados?

A regra a ser observada é a de que todos os serviços e todas as


atividades que integram o objeto devem ser quantificados, salvo se
não for possível. Tal obrigatoriedade decorre do fato de que, sem a
quantificação precisa do objeto, não é possível definir preço global
para o encargo a ser executado. Se a ideia é exigir preço global para
o encargo definido, será necessário quantificar todos os insumos, os
materiais, as atividades e os serviços, nos exatos termos do art. 47 da
Lei nº 8.666/93. Por outro lado, não sendo possível indicar a quanti-
dade exata do objeto, poderá a Administração fixar uma quantidade
estimada, estabelecida de acordo com parâmetros objetivos, e adotar
o regime de empreitada por preço unitário.

40. A definição do local de execução ou da entrega do


40.
objeto ou encargo

A definição do encargo compreende um conjunto de obrigações,


e a descrição do objeto é apenas uma delas. A par da definição do
objeto, existem várias outras obrigações, como a que exige a definição
do local de execução ou entrega do objeto (obra, serviço ou compra).

A definição do local de execução do objeto tem considerá-


vel importância no planejamento da contratação e na definição do
encargo a ser assumido. Em razão do local e suas características pode
haver a exigência de vistoria técnica, a fim de possibilitar que o lici-
tante melhor dimensione as condições de execução. Também a defi-
nição do local de entrega do objeto, tal como numa compra, possibi-
litará que os licitantes considerem, na formação do seu preço, o custo
relativo ao transporte do bem.

Se não for definido no edital o local de entrega do objeto lici-


tado, a presunção é a de que ele deverá ser entregue na sede do órgão
ou da entidade que licita. Se a Administração deseja que o objeto
ou o serviço seja executado em local distinto do da sua sede, deverá
indicá-lo no edital, de forma inequívoca, sob pena de recebê-lo na
própria sede ou de arcar com o ônus do transporte ao local desejado.

168
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Para que o futuro contratado seja obrigado a entregar em outro local


distinto do da sede, é preciso que tal condição integre o encargo, de
forma clara e objetiva.

41. A definição do prazo de execução ou da entrega do


41.
objeto ou encargo

A definição do prazo de execução é uma das obrigações que


integram o encargo a ser assumido pelo futuro contratado, como exe-
cutar ou entregar o objeto em determinado local. Definir o prazo de
execução é determinar o tempo no qual se deseja que a solução (o
objeto) seja concluída e entregue para a Administração, ou seja, é
definir quando a necessidade deverá estar plenamente satisfeita. Por-
tanto, a fixação do prazo de execução tem relação direta com o pleno
atendimento da necessidade da Administração. Por outro lado, a defi-
nição do prazo de execução ou de entrega tem importância funda-
mental no planejamento da contratação pública, principalmente pelo
fato de que pode alterar a relação benefício-custo; quanto menor for
o prazo de execução e mais complexo ou amplo o objeto/encargo a
ser executado, maior será a necessidade de alocar recursos humanos,
materiais, instrumentais e tecnológicos, consequentemente, maior
será o preço a ser cobrado.

Nesse sentido, falar em prazo de execução implica dimensionar


o cronograma físico de execução do objeto. Há relação direta entre o
preço a ser cobrado e o tempo a ser utilizado para a execução. A fixa-
ção do cronograma de execução física do objeto deve ser feita com
cautela e de modo a compatibilizar a necessidade da Administração e
a quantidade de recursos a ser alocada, bem como outros fatores. É ile-
O Processo de Contratação Pública

gal utilizar o prazo de execução (cronograma físico) para afastar com-


petidores ou elevar os seus preços e, com isso, facilitar que determina-
dos licitantes vençam a disputa. Um licitante que saiba anteriormente
à apresentação da sua proposta que, na fase de execução do contrato,
poderá prorrogar o seu prazo de execução, terá uma facilidade em
relação à fixação do seu preço. Essa informação será determinante para
que ele vença a disputa. Por essa razão, a prorrogação do prazo de
execução deve ser criteriosa, e os órgãos de controles interno e externo
devem avaliar com cuidado redobrado os aditivos contratuais que tem
por objeto a prorrogação de prazo de conclusão ou entrega.

169
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Renato Geraldo Mendes

A fixação de prazo de execução do objeto deve ser justificada


à luz da necessidade da Administração. O licitante que entender que
o prazo de execução não se compatibiliza com o normalmente defi-
nido para contratos similares poderá impugnar o edital e exigir que
a Administração demonstre, cabalmente, que o prazo (incomum)
fixado é justificável. A fixação do prazo de execução, por exemplo,
de uma obra ou de um serviço de engenharia deve ser definida, salvo
determinação em contrário, por quem elaborou o projeto básico/exe-
cutivo. Portanto, quem define o objeto deve, em princípio, também,
fixar o prazo de execução ou o cronograma físico de execução. Mas
essa regra admite exceção, obviamente. Quem define o prazo de exe-
cução é responsável pela sua justificativa.

42. A definição do prazo mínimo de garantia do objeto


42.

O objeto traduz uma obra, um serviço ou uma compra. A


garantia que envolve o objeto dependerá da sua natureza e do seu
tipo ou espécie. Algumas garantias têm prazo mínimo definido por
lei, e outras não. Muitas empresas que atuam no mercado apenas
observam o prazo mínimo, outras o ampliam de modo a possibilitar
um benefício maior para o consumidor. Nas licitações do tipo menor
preço, o que cabe à Administração é apenas definir o prazo mínimo
de garantia, seja ele o que a lei assegura ou que o mercado normal-
mente pratica. No tipo menor preço, não tem a Administração como
“premiar” o licitante que amplie o prazo mínimo de garantia definido
no edital. Por tal razão, geralmente, o licitante se limita ao mínimo.
No tipo técnica e preço, por exemplo, a Administração pode estimu-
lar o licitante a aumentar o prazo mínimo de garantia e, mediante
pontuação técnica, pode premiar o licitante que o amplia.

43. A exigência de assistência técnica


43.

Outra obrigação que a Administração pode incluir no encargo


é a de que o futuro contratado, diretamente ou por intermédio do
fabricante do bem, assegure a necessária assistência técnica se o bem
apresentar defeitos ou problemas, pouco importando se o defeito é

170
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de fabricação ou não. Os defeitos de fabricação deverão ser assegu-


rados durante o prazo da garantia e, normalmente, dizem respeito a
determinados itens que o próprio fabricante indica. Para os demais
problemas, isto é, quando encerrar a garantia ou os não abrangidos
pela garantia, mesmo tendo a Administração de arcar com o valor do
conserto, será necessário viabilizar assistência técnica em determi-
nado local. Ainda que comum a existência de assistência técnica na
própria localidade da sede da Administração, o ideal é avaliar antes
a questão, pois isso pode frustrar a competição e tornar deserta a dis-
puta, caso ela seja exigida na própria localidade e não houver assis-
tência local. Há várias alternativas para contornar o problema.

44. Exigência de amostra


44.

A imposição aos licitantes do dever de apresentar amostra do


bem, produto ou material por ele proposto é uma obrigação que inte-
gra o encargo. Tal exigência deve ser bem avaliada, e a sua imposição
dependerá de algumas condições a serem apuradas por ocasião do
planejamento. A finalidade da amostra é permitir que a Administração,
no julgamento da proposta, possa se certificar de que o bem proposto
pelo licitante atende a todas as condições e especificações técnicas
indicadas na sua descrição, tal como constante no edital. Com a amos-
tra, pretende-se reduzir riscos e possibilitar a quem julga a certeza de
que o objeto proposto atenderá à necessidade da Administração.

A exigência de amostra justifica-se, principalmente, quando


o objeto indicado pelo licitante não é conhecido por quem tem a
função de julgar a proposta. Portanto, não faz sentido que a apre-
O Processo de Contratação Pública

sentação de amostra seja generalizada para todos os que partici-


pam da disputa, independentemente do objeto proposto. Ora, se
um licitante, em sua proposta, assume a obrigação de entregar um
produto conhecido pela Administração, como, por exemplo, caneta
da marca BIC, não é razoável exigir que ele apresente amostra pelo
simples fato de que outros licitantes estão cotando marcas de cane-
tas desconhecidas. O razoável, nesse caso, é pedir amostra apenas
para os licitantes que cotaram produtos de marcas desconhecidas,
pois são estas que precisam ser avaliadas, não a do licitante que
apresentou a da marca BIC.

171
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Renato Geraldo Mendes

Amostras de forma generalizada, ou seja, para todos os licitan-


tes independentemente do tipo de produto cotado, são exigidas sob
o argumento de que, se fosse apenas para uns licitantes, e não para
todos, haveria violação do tratamento isonômico, pois uns teriam de
cumprir a exigência e outros não. É lamentável que ainda não foi
compreendido o conteúdo preciso de igualdade ou tratamento iso-
nômico. A eventual exigência de que a amostra é uma condição que
deve ser atendida por uns e não, necessariamente, por todos não viola
a igualdade, desde que definida no edital. Assim, se a Administra-
ção licita material de consumo e conhece uma grande quantidade de
marcas, tal como a caneta BIC ou Pilot, pode consignar no edital que
os licitantes que cotarem canetas das referidas marcas não precisarão
apresentar amostras, e que os licitantes que cotarem outras marcas
não relacionadas estarão obrigados a fornecer amostras para análise.
Outra solução para evitar ou reduzir a necessidade de apresentação
de amostras e de análise pela Administração é estruturar um processo
prévio de homologação de produtos e suas marcas. Essa providência
preliminar facilitaria muito as contratações da Administração.

45. Exigência de o futuro contratado ministrar


45.
treinamento do bem ou produto que será por ele
fornecido

Outra condição que deve ser avaliada na fase de planejamento


da contratação é impor ao futuro contratado a obrigação de, direta ou
indiretamente, ministrar o devido e necessário treinamento para a uti-
lização do equipamento, produto, ferramenta ou sistema fornecido.
Será preciso avaliar se é o caso ou não de prever tal exigência, pois
ela implica uma obrigação que integrará o encargo. Como tem um
custo, deverá constar do edital. A Administração não poderá apenas
prever a obrigação de forma genérica, mas deverá fixá-la de modo
específico, indicando o número de pessoas a serem treinadas, o local,
quantas turmas devem ser formadas, o horário dos treinamentos, a
carga horária mínima, a necessidade de certificação dos alunos, a
nota mínima para aprovação, etc. É evidente que todas essas ques-
tões deverão ser levantadas e apuradas por ocasião do planejamento,
principalmente quando for identificada a necessidade. A indicação
da necessidade de treinamento deverá constar do próprio termo de

172
Mostrar Sumário

referência, pois é ele que, como o próprio nome diz, referenciará o


planejamento e, de forma específica, a definição do encargo.

46. Exigência de suporte técnico


46.

Uma das avaliações que caberá ao agente responsável pelo pla-


nejamento é a relativa à fixação da exigência de suporte técnico a
ser prestado pelo futuro contratado. O objetivo é viabilizar o apoio
técnico necessário para que futuros usuários que integram a Admi-
nistração possam utilizar a solução (equipamento, sistema, máquina,
software) fornecida pelo contratado. Em decorrência da utilização da
solução, surgirão dúvidas e problemas que precisarão ser contorna-
dos. É por conta disso que se faz necessário o devido suporte técnico,
o qual deverá ser prestado diretamente pelo próprio fornecedor ou por
terceiro, por ele credenciado ou indicado. Em determinados casos, é
possível que o contratado seja mero fornecedor da solução de deter-
minado fabricante e que o suporte técnico seja prestado por um ter-
ceiro, muitas vezes credenciado diretamente pelo próprio fabricante.
Assim, fornecedor e prestador do suporte técnico são, portanto, duas
pessoas jurídicas distintas. Essa é uma realidade de mercado que a
Administração não poderá ignorar no seu planejamento. Se a solução
(o objeto) a ser contratada se insere nesse tipo de mercado, caberá
à Administração, com a finalidade de evitar restrição indevida, pos-
sibilitar a subcontratação ou mesmo o consórcio.28 Nesse caso, não
se recomenda a divisão do objeto em dois lotes distintos, salvo em
casos muito específicos. A melhor solução é permitir subcontratação
ou consórcio, a fim de viabilizar adequada disciplina para a questão.
Para atender à maior parte dos casos, bastará a Administração permi-
O Processo de Contratação Pública

tir a subcontratação, que é a solução jurídica idealizada justamente


para resolver esse tipo de situação.

O suporte técnico constitui prestação de serviços, enquanto


o fornecimento de equipamentos e máquinas, por exemplo, é com-
pra, para fins legais. No entanto, a prestação de serviços é um con-
trato acessório, pois existe em razão do contrato de fornecimento. O

28 A subcontratação é a decisão, em princípio, mais adequada e que se ajusta melhor a


esse tipo de situação.

173
Mostrar Sumário

Renato Geraldo Mendes

suporte técnico é típico contrato de serviço continuado, cuja duração


pode se estender por até 60 meses.

Há diferentes tipos de serviços de suporte a serem prestados, ou


seja, o serviço pode ser prestado dentro da própria Administração ou
externamente. O denominado serviço de help desk poderá ser pres-
tado pessoalmente ou por outros meios (telefone, e-mail, etc.). Os
referidos serviços de suporte técnico são muito comuns para deter-
minados objetos, tais como informática, equipamentos em geral e
utilização de tecnologias.

Caberá ao agente ou setor responsável avaliar se a solução exi-


girá o devido suporte técnico. Caso se conclua pela exigência, será
necessário avaliar qual o melhor modelo de suporte a ser exigido do
futuro contratado. É importante não esquecer que cada modelo de
suporte terá um custo diferenciado, que impactará no preço final da
contratação.

47. xigência de dispor de recursos materiais


47. E
(máquinas, equipamentos e ferramentas)

Conforme o tipo de contratação, será preciso avaliar, por oca-


sião do planejamento, a necessidade de exigir que o licitante dispo-
nha de máquinas, equipamentos e ferramentas que serão indispensá-
veis na execução do objeto. Essas exigências são muito comuns nas
contratações de obras e serviços de engenharia, mas não se restrin-
gem a elas. Em decorrência do planejamento da contratação, caberá
à Administração relacionar as máquinas e os equipamentos necessá-
rios. O licitante, por sua vez, deverá declarar que dispõe de todos os
equipamentos indispensáveis à execução dos projetos básico e exe-
cutivo. A indicação da relação de máquinas e equipamentos pode ser
atribuída a quem elabora esses projetos. Essa indicação tem relação
direta com o tipo de objeto a ser executado. Evidentemente, ela pode
se limitar ao que é essencial ou mais expressivo, cabendo à Admi-
nistração deixar claro que outros bens não relacionados e indispen-
sáveis para a execução são de responsabilidade do licitante, consti-
tuindo seu encargo.

174
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Não é preciso que o equipamento a ser utilizado seja de proprie-


dade do próprio licitante. Assim, é ilegal a exigência de que os equi-
pamentos, máquinas e ferramentas sejam de propriedade dele. Aliás,
tal vedação consta no § 6º do art. 30 da Lei nº 8.666/93, nestes termos:

as exigências mínimas relativas a instalações de canteiros, máquinas,


equipamentos e pessoal técnico especializado, considerados essenciais
para o cumprimento do objeto da licitação, serão atendidas mediante a
apresentação de relação explícita e da declaração formal da sua dispo-
nibilidade, sob as penas cabíveis, vedada as exigências de propriedade e
de localização prévia.

Os referidos recursos estão indicados no art. 30 da Lei nº 8.666/93,


sob o rótulo das exigências de capacidade técnica.

48. Exigência de dispor de recursos humanos a serem


48.
utilizados

Da mesma forma que caberá à Administração exigir que os lici-


tantes declarem dispor de máquinas, equipamentos e ferramentas
necessários para a execução do contrato, também deverá apresentar
relação de disponibilidade de pessoal ou de recursos humanos indis-
pensáveis à adequada execução do objeto. É preciso perceber que,
para a execução, uma obra ou um serviço carece de diversos tipos
de recursos: a) recursos materiais (insumos); b) recursos instrumentais
(veículos, equipamentos, máquinas, ferramentas); c) recursos tecno-
O Processo de Contratação Pública

lógicos; d) recursos humanos; e e) logística. Os recursos humanos


compreendem o conjunto de profissionais que irão utilizar os demais
recursos a fim de obter o resultado projetado (obra, serviço, etc.).
A Administração deve exigir que o licitante disponha dos recursos
necessários e indique-os, ainda que não exaustivamente. Por outro
lado, caberá ao licitante declarar, por ocasião da licitação, que dis-
põe dos exigidos recursos e que irá alocá-los na execução do objeto
contratado, de modo a cumprir os prazos indicados no cronograma
físico. Os referidos recursos, à semelhança dos materiais, também
integram o art. 30 da Lei nº 8.666/93.

175
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Renato Geraldo Mendes

49. Definição de recursos tecnológicos a serem


49.
empregados

Quando a solução definida e a ser contratada exige o emprego


de recursos tecnológicos, eles deverão ser indicados pela Administra-
ção, ainda que de forma genérica. O fundamental é deixar claro para
os interessados que a utilização de recursos tecnológicos é uma obri-
gação que integra o seu encargo e que deve ser estimada no preço
a ser fixado na proposta. Se, em decorrência do planejamento da
contratação, a Administração tiver total domínio dos recursos tecno-
lógicos que devem ser empregados, caberá a ela indicá-los, de forma
clara e precisa. No entanto, se ela conclui apenas que tais recursos
serão necessários, mas não sabe quais serão eles,29 a melhor opção
será apenas atribuir aos interessados a obrigação de utilizar todos os
recursos necessários e disponíveis para que a solução/o objeto possa
ser obtida com a qualidade esperada. Uma alternativa que pode ser
adotada quando não se consegue precisar os recursos tecnológicos a
serem empregados é fixar um padrão de qualidade para o resultado
final, ou seja, para a solução (o objeto). Com isso, em vez de regular o
meio a ser empregado (recurso tecnológico), a alternativa é proteger o
resultado (solução/objeto). Essa técnica pode ser utilizada para outras
situações, desde que devidamente prevista no edital.

50. Definição de condições especiais que demandem


50.
necessidade de adaptação

Existem situações em que já se sabe que a solução (o objeto)


tal como está padronizada ou disponível no mercado não atenderá
plenamente à necessidade da Administração, pois ela é revestida de
certas condições especiais. Será necessário, então, deixar claro que
o contratado deverá realizar as necessárias adaptações do objeto a
ser entregue, de modo a satisfazer as reais necessidades da Adminis-
tração. É evidente que não bastará apenas que a Administração exija
que as devidas adaptações sejam realizadas, mas indicar quais são

29 Até porque, em determinadas situações, os recursos têm relação direta com a própria
solução que será proposta.

176
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elas ou possibilitar que os interessados realizem a necessária visita


técnica para avaliar a dimensão da adaptação e estimar custos, se for
o caso. Cabe à Administração fornecer todas as informações neces-
sárias para que os interessados possam avaliar o encargo que estão
assumindo e, assim, estimar de forma integral o custo que ele repre-
senta. É o que determina o teor do art. 47 da Lei nº  8.666/93. No
caso referido, poderá haver até necessidade de elaboração de projeto
básico descrevendo a adaptação necessária.

51. Definição de realização de visita técnica


51.

A previsão da realização de visita técnica é condição que inte-


gra, sob o ponto de vista legal, as exigências relativas à habilitação.
O que determina a previsão de realização da referida vistoria téc-
nica é o tipo de objeto/encargo que será contratado e as condições
que envolvem o local onde ele será executado. Não são todos os
encargos que demandam a necessidade de que o interessado realize
vistoria técnica para formatar a sua proposta. Portanto, em razão do
planejamento e em função do tipo de encargo que será assumido
pelo futuro contratado, é dever da Administração viabilizar a visita,
salvo se houver razão de ordem técnica que justifique a sua não via-
bilidade. Na hipótese de inviabilidade técnica para permitir a vis-
toria, caberá à Administração disponibilizar todas as informações
necessárias de outra forma. Ou seja, se não for possível permitir que
os interessados tenham acesso físico ao local da execução do futuro
objeto (obra ou serviço), todas as informações deverão ser claramente
definidas e disponibilizadas por escrito, por foto, imagens (gravação),
O Processo de Contratação Pública

etc. Assim, é até possível não permitir acesso ao local, se houver jus-
tificativa técnica; o que não se admite, em nenhuma hipótese, é não
disponibilizar todas as informações necessárias e suficientes para o
integral conhecimento do encargo a ser assumido, por força do que
dispõe o art. 47 da Lei nº 8.666/93. Sem conhecer integralmente o
encargo, o máximo que se consegue é fixar um preço unitário para
ele, isto é, por unidade de medida, e não global.

A exigência de realização de vistoria técnica, entre outros


motivos, permite que os interessados dimensionem, da melhor

177
Mostrar Sumário

Renato Geraldo Mendes

forma possível, o encargo que vão assumir e, inclusive, se for o


caso, contestem (impugnem) as condições exigidas ou propostas
pela Administração.

52. efinição de realização de despesas extraordinárias


52. D
(viagens, hospedagem, etc.)

É possível, entre as obrigações que integram o encargo, exigir


que o futuro contratado realize despesas extraordinárias. Imagine-se
que, para executar serviços específicos, o contratado deva realizar
viagens que não possam ser indicadas pela Administração no edital.
Diante de tal situação, como será possível o licitante estimar tal des-
pesa para fixar o preço do encargo total em sua proposta, sendo o
regime de execução empreitada por preço global?

Para adotar a empreitada por preço global, é necessário que dois


fatores estejam reunidos: o que deve ser feito (aspecto qualitativo) e
quanto deve ser feito (aspecto quantitativo). Não basta apenas indicar
tais condições de forma genérica ou imprecisa, mas de forma precisa e
exata. Aliás, reitera-se, é isso que está dito no art. 47 da Lei nº 8.666/93.

Se no encargo total alguma obrigação não puder ser definida


com precisão nos seus aspectos qualitativo e quantitativo, ela deverá
ser destacada do encargo. Não é possível incluí-la e exigir que o
licitante estime o seu custo financeiro da forma que entender mais
adequada. Vamos imaginar que a Administração esteja contratando
a locação de veículo com motorista, que terá de realizar diversas
viagens e, em razão disso, pernoitará em diferentes cidades. Haverá
custo de diária destinada à sua hospedagem e alimentação. Esse custo
não pode ser estimado de forma precisa, mas variará de acordo com
as viagens que serão realizadas e a quantidade de dias que o moto-
rista permanecerá em cada cidade. Será possível exigir do licitante a
fixação de um preço por km rodado, bem como estabelecer que esse
é o critério de julgamento. Nesse caso, teremos uma empreitada por
preço unitário, visto que o pagamento é feito por km rodado. Seria
por preço global se o pagamento tivesse valor mensal certo, livre de
quilometragem.

178
Mostrar Sumário

Também será necessário deixar claro que todos os demais cus-


tos deverão estar incluídos no preço apresentado, como manutenção
preventiva, corretiva, troca de pneus, combustível, etc. Esses custos
podem ser estimados e considerados no preço final por km rodado ou
no preço certo e total definido pelo licitante. Portanto, independente-
mente do regime de execução, não há nenhuma impossibilidade ou
inconveniência para que isso ocorra.

Entretanto, a hospedagem e a alimentação do motorista não


podem ser incluídas no referido preço. Esses custos deverão ser pagos
separadamente, mediante reembolso das despesas. A Administração
pode definir um valor a título de diária e, assim, fixar um teto máximo
a ser pago. Aliás, não só pode como deve fazer isso, em regra.

A eventual inclusão no encargo da referida obrigação (hospe-


dagem, por exemplo) violaria a ideia da necessária adequação entre
encargo e remuneração, pois seria atribuído um preço a uma obri-
gação sem que se soubesse exatamente a sua quantidade. Se o lici-
tante dimensionar muito o encargo relativo ao transporte, terá um
preço final muito elevado e, certamente, perderá o contrato para um
que subestimou tal encargo. Com isso, fica comprometida a equação
econômico-financeira ou a melhor relação benefício-custo. Esse tipo
de obrigação (hospedagem) não pode ser contratado pelo regime de
empreitada por preço global. Aliás, esse tema foi estudado exaustiva-
mente no capítulo desta obra que trata do regime de execução, para
o qual se remete o leitor.

53. Definição de produtividade mínima a ser respeitada


53.
O Processo de Contratação Pública

Dependendo da natureza do objeto contratado, poderá a Admi-


nistração definir uma produtividade mínima a ser respeitada pelo
licitante na formulação da sua proposta e, é claro, na execução do
contrato.

A produtividade é uma relação entre o resultado e os recursos


(humanos, materiais, instrumentais e outros) utilizados. A produtivi-
dade mínima é comum nas contratações de serviços terceirizados,
tais como serviços de limpeza dos prédios destinados ao uso pela

179
Mostrar Sumário

Renato Geraldo Mendes

Administração. Portanto, a Administração poderá definir uma pro-


dutividade mínima a ser respeitada, ou seja, ela poderá fixar que,
para uma área com certas características, a produtividade será de,
por exemplo, um profissional (servente) para cada 500m² ou 600m²
de área a ser limpa ou outra relação.

A produtividade mínima cumpre duas finalidades básicas: a)


orienta os licitantes e proporciona uma espécie de padrão a ser obser-
vado na formulação dos preços e b) assegura uma melhor relação
benefício-custo para a Administração. O segundo aspecto tem maior
relevância no contexto da contratação, pois a produtividade mínima
representa importante mecanismo para obter a melhor relação
benefício-custo. Aliás, a obtenção de tal relação é a razão de ser da
fase externa (licitação). A questão central em torno da produtividade
mínima, ainda que deva ser avaliada na fase externa, assume grande
relevância durante a execução do contrato, pois é nessa fase que ela
deve ser efetivamente apurada.

54. Exigência de recolhimento de tributos


54.

Constitui uma das obrigações que integra o encargo a ser


assumido pelo futuro contratado o recolhimento de todos os tribu-
tos (impostos, taxas, contribuições) que incidem ou venham a inci-
dir sobre o objeto contratado. O licitante deve saber que no preço
constante na sua proposta deve estar incluída toda a carga tributária
incidente sobre o negócio (obra, serviço ou compra). No entanto,
havendo alteração da carga tributária após a apresentação da pro-
posta, caberá à Administração promover a revisão do contrato. Essa
situação é o que a Lei denomina de fato do príncipe.

55. Definição da obrigação de auxiliar na transferência


55.
do contrato para terceiros

Em algumas situações específicas, caberá à Administração


avaliar e, se for o caso, incluir, entre as obrigações que integrarão o
encargo que será assumido pelo licitante, que, encerrada a relação ou

180
Mostrar Sumário

o ajuste, ele terá de auxiliá-la na transferência do respectivo encargo


decorrente do contrato para um terceiro.

Essa obrigação constitui importante instrumento de redução


dos riscos que envolvem uma transição do encargo contratual para
um terceiro, quando a relação contratual entre a Administração e um
particular chega ao fim. O encerramento da relação ou a rescisão
contratual pode ocorrer por algumas razões básicas: a) pela rescisão
unilateral da Administração; b) pela rescisão bilateral; c) pelo desinte-
resse do contratado em prorrogar o prazo de duração do contrato; d)
porque o prazo de duração do contrato chegou ao seu limite máximo
e não pode mais ser prorrogado, entre outras.

Evidentemente que o auxílio da transição contratual não é


uma condição que deve ser imposta em todos os casos, mas apenas
naquelas situações em que se faça necessário e se justifique tecnica-
mente. É muito comum nos contratos de serviços técnicos profissio-
nais especializados de modo geral; nos contratos que envolvem tec-
nologias específicas e desenvolvimento de software; nas prestações
de serviços de limpeza e vigilância de grandes áreas e muitos postos
de trabalho; nos contratos que envolvem logísticas bem específicas
de execução, bem como em inúmeros outros casos especiais.

Havendo a opção pela imposição de tal obrigação, caberá à


Administração disciplinar como será realizada a referida transição,
como será remunerada e a penalidade para o caso de descumpri-
mento. Caberá à Administração, também, definir a metodologia de
execução do processo de transição contratual, a qual integrará o edi-
O Processo de Contratação Pública

tal como um dos seus anexos, se for o caso. Os licitantes devem ter
acesso à referida metodologia ou ao caderno de obrigações do pro-
cesso de transição contratual e, expressamente, concordar com os
seus termos. Quanto à forma de remuneração, a melhor alternativa é
fixar um montante específico a ser pago por ocasião do processo de
transição, não devendo fazer parte ou ser incluído no preço dos servi-
ços licitados. Existem várias formas para fixar o preço a ser pago pela
prestação dos serviços de transição contratual. Repita-se, salvo situ-
ação especial, ele não deve integrar o preço dos serviços que consti-
tuem as obrigações principais.

181
Mostrar Sumário

Renato Geraldo Mendes

56. Definição de exigência de apresentação de relatórios


56.
técnicos, testes, ensaios, etc.

A exigência de apresentação de relatórios técnicos, testes,


ensaios e outras avaliações de natureza técnica não é condição a ser
imposta apenas a quem já figura como contratado, como pode fazer
crer o art. 75 da Lei nº 8.666/93. É perfeitamente possível impor aos
licitantes, quando for indispensável sob o ponto de vista técnico, a
apresentação de tais avaliações. Em muitos casos, não tem a Adminis-
tração como aferir se o objeto cotado apresenta determinadas carac-
terísticas técnicas (propriedade, durabilidade, resistência, natureza),
exigindo que a análise seja realizada como condição de aceitabili-
dade da proposta.

A adoção dessas exigências deve ser muito criteriosa, sendo


razoável apenas quando for indispensável. É preciso sempre lembrar
que ela onera a apresentação da proposta, pois representa, em alguns
casos, um custo a ser suportado pelos interessados em participar da
licitação. Não resta dúvida de que a apresentação de tais avaliações
técnicas reduz o grau de risco em torno da contratação. No entanto,
se por um lado ela reduz o risco, por outro ela pode desestimular a
participação (restringir a competição) em razão do custo que repre-
senta. Quando esses dois valores (redução do risco e competitivi-
dade) se chocam, a legalidade ou a ilegalidade da exigência será
determinada por justificativas de ordem técnica, isto é, se não houver
razão suficiente para sustentar a exigência feita, ela será conside-
rada ilegal. Portanto, é preciso cautela e muito cuidado no momento
de avaliar essa condição no planejamento. Se possível a sua transfe-
rência para a fase contratual, assim deverá ser feito. Nessa hipótese,
é sempre recomendável que a Administração esclareça que os custos
para a sua viabilização são, exclusivamente, do futuro contratado.
Assim, caberá ao licitante estimar esse custo na sua proposta.

Definido que essa exigência integrará o encargo, caberá à


Administração regular como ela deverá ser cumprida. É possível que
indique os laboratórios e centros de análise técnica aptos a realizar
os testes quando em número reduzido no País. Existindo vários, a

182
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melhor alternativa é exigir que o escolhido pelo licitante seja certi-


ficado, se for o caso. O importante é não esquecer que a escolha é
uma faculdade do licitante ou contratado, o que não impede que a
Administração relacione alguns, sem que isso exclua outros, igual-
mente certificados.

57. Definição de exigência da cessão de direitos,


57.
transferência de tecnologias, dados e códigos

A especificidade do objeto ou a sua natureza podem impor à


Administração a necessidade de exigir dos futuros contratados a obri-
gação de ceder determinados direitos, bem como de transferir tec-
nologias, dados e códigos de programação ou de outra natureza em
razão da relação contratual a ser firmada. É evidente que essas con-
dições devem estar previstas no edital, pois representam encargos a
serem assumidos pelos contratados e direitos a serem usufruídos pela
Administração. A falta de previsão implicará discussões sérias, segu-
ramente com repercussões, inclusive, no Judiciário. Algumas ques-
tões estão pacificadas; outras não, o que enseja todo tipo de cautela
e cuidado para evitar problemas e transtornos operacionais e, o que
é pior, custos financeiros elevados. Se a questão envolve tecnologia,
principalmente desenvolvimento de software, todo cuidado é pouco
e toda cautela pode ser insuficiente. É preciso atender aos termos do
parágrafo único do art. 111 da Lei nº 8.666/93.

58. Definição de exigência de apresentação de garantia de


58.
O Processo de Contratação Pública

execução

Incluímos a exigência de apresentação de garantia de execu-


ção entre as pertinentes ao objeto seguindo a lógica de contemplar,
nessa etapa, tudo o que tenha repercussão direta sobre o preço final
a ser pago, ou seja, tudo o que atinge a etapa seguinte, relativa à
definição do valor estimado da contratação. A exigência de garantia
de execução, se fixada no edital, é um custo que o licitante deverá
contemplar em seu preço final, principalmente em razão da moda-
lidade de garantia que ele escolher, visto que o §  1º do art. 56 da

183
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Renato Geraldo Mendes

Lei nº 8.666/93 atribui ao próprio licitante a escolha entre uma das


quatro formas que estabelece: caução em dinheiro ou em títulos da
dívida pública, bem como seguro-garantia ou fiança bancária.

A garantia de execução é uma decisão que cabe à autoridade


competente durante o planejamento, pois a sua exigência se tra-
duz em faculdade a ser exercida diante de cada situação concreta.
Assim, não se trata de uma condição que deva ser fixada de forma
padrão para todos os casos, mas uma decisão discricionária. É uma
exigência que, para ser estabelecida, dependerá do tipo de objeto ou
obrigação que envolve o encargo. Portanto, não dependerá de livre
escolha do agente, mas de uma condição objetiva, que envolverá a
execução do contrato. De modo geral, para as compras cuja entrega
dos bens se faça de forma imediata e integral, será razoável não exigir
a garantia, ainda que, dependendo da situação, isso possa ser feito.
Por outro lado, nas obras e nos serviços nos quais a execução se
estenda no tempo, o recomendável é sempre fixar a exigência de
garantia de execução.

Há encargos contratuais em que a exigência de garantia é indis-


cutível, como nos casos em que o objeto será pago de acordo com
um cronograma financeiro e a entrega integral do encargo ocorrerá
apenas no final, tendo o pagamento de uma parte considerável já efe-
tuado. É o caso da execução de programas de informática, execução
de serviços de auditória e tantos outros. É por isso que o art. 56 da Lei
nº 8.666/93, ao dispor sobre a competência da autoridade, emprega
a expressão “em cada caso”. Com isso, pretendeu o legislador deixar
claro que se trata de uma decisão de natureza discricionária.

Para exigir do licitante a garantia de execução, é preciso que ela


esteja prevista no edital. Há uma razão bem simples que justifica essa
condição: a exigência de garantia condiciona a previsão no edital. A
razão é que, por constituir uma obrigação do encargo que implica
custo com repercussão diretamente sobre o preço final, é indispensá-
vel que tenha sido fixada no edital, sob pena de não ser considerada no
preço final. A exigência posterior sem previsão no edital imporá ônus
extracontratual. Como regra, se o ônus é extracontratual, haverá dese-
quilíbrio na equação econômico-financeira e dever de revisar o con-
trato. O fato de a garantia não ter sido prevista no edital não significa

184
Mostrar Sumário

que ela não possa ser exigida na fase contratual. Ela poderá sim ser
exigida, mas haverá a necessidade de revisão contratual. Portanto, a
condição do art. 56, que a garantia depende de previsão contratual,
deve ser interpretada em termos relativos, e não como uma vedação
absoluta à sua exigência na hipótese de não previsão em edital.

Outra condição que o legislador fixou é a relativa ao valor


máximo que se pode exigir em termos de garantia contratual. É pos-
sível dizer que há dois percentuais distintos a serem observados, con-
forme o tipo de obrigação ou encargo a ser executado. Há uma regra
a ser seguida e uma exceção que poderá ser adotada. Regra geral, o
percentual de garantia não poderá ser superior a 5% do valor do con-
trato. No entanto, há uma exceção e, por conta dela, é possível elevar
o percentual em até 10% do valor do contrato, desde que o encargo
tenha por objeto obras, serviços e fornecimentos de grande vulto e
envolva alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis.
A elevação do percentual para 10% só pode ocorrer se presentes os
pressupostos indicados no § 3º do art. 56: a) grande vulto, ou seja,
valor igual ou superior a R$ 37.500.000,00; b) encargo que traduza
alta complexidade técnica; e c) riscos financeiros consideráveis. Não
estando reunidos esses pressupostos, o percentual da garantia deverá
se limitar a, no máximo, 5%. A nosso ver, o primeiro pressuposto
não deveria existir, pois apenas os dois outros seriam suficientes. Vale
dizer: não é razoável impor a elevação do percentual para 10% ape-
nas quando diante de grande vulto; é melhor supor que uma contra-
tação com valor elevado, mas inferior a R$ 37.500.000,00, também
poderia exigir uma garantia maior, em razão da complexidade téc-
nica e de riscos financeiros consideráveis. A ideia de garantia está
sempre associada à de risco. É certo dizer que se a contratação é de
O Processo de Contratação Pública

grande vulto, normalmente existirá risco; da mesma forma, é correto


afirmar que mesmo não sendo de grande vulto, o risco poderá existir.

Outro aspecto importante a ser observado é que o percentual é


de, no máximo, 5% ou, se for o caso da exceção, 10%. O enunciado
normativo usa, no § 2º do art. 56 da Lei nº 8.666/93, a forma verbal:
“não excederá” e, no §  3º do mesmo art. 56, a preposição “até”.
Ambas as expressões tem a finalidade de fixar um limite que vai de 0
a 5% ou 10%; tanto é possível não exigir a garantia contratual como
exigir um percentual até o limite. A existência desses limites mínimo

185
Mostrar Sumário

Renato Geraldo Mendes

e máximo insere a decisão dentro de um círculo que envolve opção


de natureza discricionária à semelhança da própria possibilidade de
dispensar a exigência. Aliás, são aspectos de uma mesma realidade,
ou seja, a exigência em si e o limite máximo. Tratando-se de compe-
tência discricionária, é necessário que o agente justifique a fixação de
percentual máximo, e não outro que a margem discricionária possibi-
lita. Vale dizer: a justificativa da exigência não existe apenas quando
se adotar a exceção prevista no § 3º do art. 56 da Lei nº 8.666/93,
consoante o seu próprio enunciado.

59. Definição de exigência de apresentação de garantia de


59.
proposta

Existem dois tipos diferentes de garantia regulados na Lei


nº 8.666/93: a garantia de execução do contrato e a garantia de pro-
posta. A primeira deve ser apresentada na fase contratual, normal-
mente por ocasião da assinatura do termo de contrato, e a última,
na fase externa do processo de contratação, na apresentação da pro-
posta. É importante não confundir os dois tipos de garantias, pois eles
se destinam a finalidades distintas.

Mesmo com previsão em enunciados diferentes e se destinando


a atender a finalidades diversas, os dois tipos de garantia se submetem
aos termos do art. 56 da Lei nº 8.666/93, salvo quanto ao percentual
máximo que se pode exigir. No caso de garantia de proposta, o per-
centual máximo está previsto no inc. III do art. 31 da Lei nº 8.666/93.
Na garantia de execução contratual, tanto a previsão como o percen-
tual máximo estão regulados no art. 56 da citada Lei. Com efeito, na
garantia de proposta, o percentual máximo é de até 1%, e não de 1%.

Da mesma forma que a garantia de execução, a fixação do per-


centual de garantia de proposta envolve uma decisão de cunho dis-
cricionário e, portanto, sujeita à devida justificativa.

No tocante à exigência de garantia de proposta, é preciso dizer


que a doutrina não é unânime em reconhecer a sua constitucionali-
dade, pois não são poucos os autores que a consideram ilegal. Muito
embora a Lei nº 8.666/93 faculte a sua exigência, a Lei nº 10.520/02

186
Mostrar Sumário

veda, de forma expressa no inc. I do seu art. 5º, a possibilidade de


sua fixação. Assim, em relação ao pregão, não se pode exigir garan-
tia de proposta. Se considerarmos a tese doutrinária indicada e o que
dispõe a Lei nº 10.520/02, é possível afirmar que há tendência em
eliminar da ordem jurídica tal possibilidade nos editais, mesmo nas
licitações processadas de acordo com a Lei nº 8.666/93.

Entendemos que a exigência de garantia de proposta não é ile-


gal. Também, que é incoerência a vedação da exigência de garantia
de proposta no pregão. Aliás, seria mais razoável facultar a exigência
dessa garantia e atenuar os termos do art. 7º da Lei nº 10.520/02. Não
parece nem um pouco coerente suspender um licitante por até cinco
anos e não poder fixar uma multa para o caso de desistência do seu
compromisso de fornecer o bem ou o serviço comum. A suspensão
impõe, necessariamente, uma redução no número de potenciais inte-
ressados e atenta contra o princípio da competitividade. Seria mais
razoável viabilizar a garantia de proposta e reduzir o alcance da sus-
pensão do direito de licitar. Por outro lado, também não há sentido
para entender que no pregão há a vedação, e numa concorrência
não. A ordem jurídica não pode padecer desse tipo de contradição,
pois não há razão que justifique a disciplina diversa adotada.

Quando a Administração reduz o universo dos competido-


res, ela pune o particular e também a si mesma. É certo que o art.
7º da Lei nº 10.520/02 tem sido pouco aplicado, e é bom que seja
assim mesmo, sob pena de causar mais prejuízo do que benefício.
A sanção nele prevista deve ser aplicada de forma criteriosa e para
determinadas situações. O ideal seria que os termos do art. 7º da Lei
nº 10.520/02 fossem outros e que a garantia de proposta fosse admi-
O Processo de Contratação Pública

tida, pois é mais razoável impor ao faltoso uma pena pecuniária do


que a sua suspensão.

60. A quem cabe definir a solução/o objeto?


60.

Não há na Lei nº 8.666/93 a indicação precisa de quem, na estru-


tura administrativa, tem competência para definir a solução e descre-
ver o objeto. Aliás, essa Lei não faz referência direta ao ato em si, ao
contrário da Lei nº  10.520/02, que, no inc. I do seu art. 3º, diz que

187
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Renato Geraldo Mendes

cabe à autoridade competente definir o objeto do certame. Ao dispor


sobre a competência para a prática dos mais diferentes atos relativos ao
processo de contratação na Lei nº 8.666/93, o legislador limitou-se a
indicar genericamente a expressão “autoridade competente”, valendo-
-se também apenas da palavra “autoridade”, bem como dos termos
“autoridade superior” e “autoridade responsável”. Preferiu o legislador
não apontar esta ou aquela autoridade, mas deixar que a indicação
da autoridade competente se faça de acordo com as leis internas que
regulam os órgãos e as entidades da Administração. Essa opção é a
mais adequada, por respeitar a realidade de cada pessoa pública.

Nesse sentido, para saber quem tem competência para defi-


nir a solução e descrever o objeto, será preciso consultar as normas
internas que regulam o órgão ou a entidade, nas quais se encontrará
a resposta. É oportuno apenas separar duas realidades distintas em
termos de competência referentes à definição da solução/do objeto.
Uma coisa é definir a solução e descrever o objeto/encargo, e outra
é aprovar o que foi definido. É comum que a definição seja feita por
um agente ou setor, e a sua aprovação, atribuição de uma autoridade
de hierarquia superior.

61. Qual a responsabilidade de quem define o


61.
objeto/encargo?

Definir o objeto/encargo é tomar uma das mais importantes


decisões do processo de contratação pública. A definição do objeto,
além de representar a satisfação da própria necessidade que motivou
o processo, condiciona diretamente a prática dos demais atos que
integram as etapas seguintes do planejamento da contratação: esti-
mativa do valor da contratação; definição do regime de execução;
adoção da modalidade de licitação; escolha do tipo; definição das
exigências de natureza pessoal (habilitação), etc.

A definição equivocada do objeto/encargo, no seu aspecto qua-


litativo ou quantitativo, trará repercussão direta sobre o preço (remu-
neração) a ser fixado pelo licitante, bem como implicará imperiosa
necessidade de realizar alterações contratuais. Dependendo do grau
do equívoco, a satisfação da necessidade da Administração ficará

188
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totalmente prejudicada, pois há limites que devem ser respeitados


para realizar acréscimos e, como tem entendido o TCU, também para
realizar modificações qualitativas. Dependendo do equívoco come-
tido, o prejuízo aos cofres públicos pode ser considerável, o que ense-
jará responsabilizações administrativa, civil e, em alguns casos, até
criminal do agente público, podendo representar a perda do cargo
público em que o agente é titular, bem como o dever de ressarcir os
prejuízos patrimoniais.

É preciso lembrar que o desempenho de cargo ou função


pública propicia, por um lado, o exercício de poder como instru-
mento (meio) para viabilizar o desempenho de um dever e, por outro,
a responsabilidade pelas decisões tomadas no exercício da função. O
exercício de função pública pressupõe o binômio dever/responsabili-
dade ou direito/obrigação.

A definição adequada do objeto de modo a atender à necessi-


dade a que se destina é uma obrigação de ofício imposta a quem, por
dever legal, tenha tal atribuição. Definição legal é aquela que atende
plenamente à necessidade, preserva a indispensável competitividade
e possibilita solução econômica. A ordem jurídica tem tipificado
como infração funcional o descumprimento de obrigação de ofício.
Assim, é possível aludir ao art. 121 e seguintes, bem como ao art. 132,
inc. X, da Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos ser-
vidores públicos civis da União. Também é oportuno mencionar a Lei
nº 8.429/92, que regula os atos de improbidade administrativa e, no
seu art. 11, incs. I e II, prevê as condutas típicas mencionadas.
O Processo de Contratação Pública

62. A necessidade de alterar o encargo depois de definido


62.

Em princípio, não há proibição para alterar o encargo depois


de definido. Evidentemente que, dependendo da fase e respectiva
etapa em que se encontra o processo, a alteração terá consequência
diversa. Vamos avaliar as diversas consequências de acordo com as
três diferentes fases do processo, para que se saiba como proceder em
cada caso específico.

189
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Renato Geraldo Mendes

Se o processo estiver na fase de planejamento e houver a neces-


sidade de alterar o encargo, seja para modificar o objeto ou qual-
quer das condições a ele relacionadas, será possível processá-la sem
maiores problemas. Para tanto, é indispensável rever os atos subse-
quentes que exijam revisão em razão da alteração operada. Alterado
o encargo, deve-se avaliar o impacto da mudança no valor estimado
da contratação. Havendo impacto, será necessário realizar nova pes-
quisa de preços e obter novos orçamentos a fim de instruir o pro-
cesso. Também as demais etapas deverão ser revistas. Se o edital foi
analisado e aprovado pela assessoria jurídica, após realizar a altera-
ção do encargo, será necessário modificar o edital para adaptá-lo às
alterações realizadas. Se havia sido fixado preço máximo e o valor
estimativo do encargo se alterou, esse preço deverá ser revisto, para
mais ou para menos, conforme o caso. Após a revisão do edital, ele
deverá ser remetido à assessoria jurídica para nova análise e aprova-
ção. Caberá ao agente responsável pela elaboração do edital prestar
as devidas informações e as necessárias justificativas.

Se o processo estiver na fase externa (licitação), mas ainda na


etapa de publicidade, deve-se proceder exatamente da mesma forma
acima indicada. Ademais, será necessário realizar nova publicação
dos avisos do edital e devolver integralmente o prazo de publicidade,
salvo se a alteração não afetar a apresentação das propostas e dos
documentos, o que, nesse caso, é muito raro não ocorrer, visto que
envolve o próprio encargo/objeto. A obrigatoriedade da devolução
do prazo está prevista no §  4º do art. 21 da Lei nº  8.666/93. Em
razão da modificação do encargo, há um problema a ser enfrentado.
Se resultar de negligência ou imperícia do agente que o configurou,
poderá haver a sua responsabilização, ou seja, como a nova publi-
cação dos avisos implicará despesas, elas terão de ser suportadas por
ele. Aliás, alguns órgãos de controle externo vêm decidindo nesse
sentido. Assim, reitera-se que o agente responsável pela definição do
objeto/encargo deve ser diligente e cauteloso, sob pena de responder
e reparar prejuízo financeiro que vier a causar aos cofres públicos em
razão da sua atuação.

Por outro lado, se a etapa de publicidade se encerrou e as pro-


postas foram recebidas, seja no sistema presencial ou eletrônico, de
acordo com a Lei nº 8.666/93 ou o pregão, havendo a identificação

190
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da necessidade de alterar o encargo e, por força dele, o edital, é indis-


pensável realizar algumas ponderações antes de revogar ou anular a
licitação. Assim, se a alteração do encargo/objeto puder ser atendida
com base nos termos do art. 65 da Lei nº 8.666/93, o mais indicado é
deixar para a fase contratual a referida alteração. Com isso, evita-se a
revogação da licitação, por exemplo. No entanto, não sendo possível
resolver a necessidade de alteração do encargo na fase contratual,
conforme indicada, a única alternativa será a revogação da licitação
e a realização da alteração exigida, bem como a republicação do
aviso do edital.

Por fim, a derradeira possibilidade é ter de alterar o encargo/objeto


depois de firmado o contrato. Nesse caso, é preciso observar as con-
dições e os limites definidos no art. 65 da Lei nº 8.666/93.

63. Definido o encargo/objeto, qual é o próximo passo


63.
no processo?

Definido o encargo/objeto, o próximo passo é apurar o valor


estimado da contratação, ou seja, saber quanto será gasto para obter
o encargo tal como definido. É oportuno notar que para estimar o
valor, isto é, para a terceira etapa do planejamento, é indispensá-
vel que o encargo tenha sido integralmente definido. Essa condição
constitui um pressuposto necessário para que o agente público rea-
lize a qualificada pesquisa de preços. Não se pode realizar pesquisa
de preços de um encargo/objeto que não esteja precisamente defi-
O Processo de Contratação Pública

nido. Da mesma forma, se houver alteração de alguma característica


ou especificação do objeto ou de quaisquer das demais obrigações
que integram o encargo durante a realização da pesquisa e que possa
repercutir sobre o preço, será necessário reiniciá-la de acordo com
as novas bases. Vale lembrar que a pesquisa de preços que balizará
a definição do valor estimado da contratação norteará a tomada de
decisões tanto na fase de planejamento (fixação de preço máximo,
definição da modalidade, etc.) como também na fase externa (publi-
cidade, aceitabilidade dos preços, etc.), por parte do pregoeiro ou da
comissão de licitação.

191
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Capítulo 8
OS REGIMES DE EMPREITADA NA LEI Nº 8.666/9330

1. Uma dúvida generalizada


1.

Neste capítulo analisaremos, com a profundidade que o tema


exige, os quatro regimes de empreitadas indicados na Lei nº 8.666/93,
quais sejam, empreitada por preço global, empreitada por preço uni-
tário, empreitada integral e tarefa. Mas, por serem os de mais larga
utilização, os regimes de empreitada por preço global (EPG) e emprei-
tada por preço unitário (EPU) receberão mais atenção de nossa parte
neste estudo.

A distinção entre empreitada por preço global e empreitada por


preço unitário, bem como o cabimento de cada uma delas na prática
ensejam inúmeras dúvidas por parte dos que atuam nas contratações,
principalmente na fase de planejamento.

Podemos dizer, sem que se cometa nenhum excesso, que a


dúvida é generalizada e não poupa nem os mais experientes profis-
sionais que militam na área. Ademais, como se trata de uma questão
que surge frequentemente para os que têm de planejar as contrata-
ções e definir as condições do futuro contrato, é indispensável fixar
um critério técnico para a solução do problema.

Muito embora os dois regimes de empreitada referidos acima


O Processo de Contratação Pública

tenham aplicação para outros objetos contratuais, é no campo das


contratações de obras e serviços de engenharia que a sua utilização é
mais comum e os problemas são mais frequentes.

Esperamos que as reflexões aqui realizadas possam contribuir


para a fixação de um critério seguro de distinção entre os diversos
regimes de empreitadas e, assim, auxiliar os profissionais que atuam

30 A definição do regime de execução representa a etapa VII do planejamento da con-


tratação, conforme Ciclo constante desta obra.

193
Mostrar Sumário

Renato Geraldo Mendes

no planejamento e na condução das licitações públicas, bem como


na fiscalização dos contratos.

2. Os regimes indicados na Lei


2.

São quatro os regimes de execução do contrato, de acordo com


o inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93: a) empreitada por preço glo-
bal; b) empreitada por preço unitário; c) empreitada integral; e d)
tarefa.

2.1. O que é uma empreitada?


2.1.

Para entender o que é uma empreitada, é preciso ter clareza


em torno da ideia de necessidade, solução, encargo e remunera-
ção (preço). Com base nesse quadrinômio, estruturaremos nosso
raciocínio.

A necessidade é o problema que a Administração precisa resol-


ver. O objeto (obra ou serviço) é a solução para o problema (neces-
sidade). O encargo é a assunção da obrigação de realizar o objeto,
ou seja, viabilizar a solução e satisfazer a necessidade. E o preço é o
que se cobra para realizar o encargo, a contraprestação financeira ou
pecuniária.

Para resolver o problema (necessidade), a Administração tem,


basicamente, duas possibilidades: a primeira é ela mesma desenvol-
ver a solução (viabilizar o objeto), e a segunda é atribuir esse encargo
a um terceiro (outra pessoa). No primeiro caso, temos o que se pode
chamar de execução direta, isto é, a que é feita pela Administração
pelos seus próprios meios. No segundo caso, temos o que se pode
denominar de execução indireta. É dita indireta porque é feita por um
terceiro, e não pela própria Administração.

Em razão da execução indireta é que falamos em empreitada.


Se toda execução fosse feita pelo próprio sujeito que deseja a solu-
ção para atender à sua própria necessidade, não existiria a figura da
empreitada. É a impossibilidade do sujeito (Administração) em cum-
prir o encargo que faz com que ele recorra a um terceiro. Logo, o

194
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terceiro (empreiteiro) é parceiro de quem deseja a solução, porque


assume o compromisso de resolver o problema, mediante uma remu-
neração. Ambos são partes (parceiros) de uma relação: um quer a
solução, e o outro, o lucro que integra a remuneração.

Portanto, a empreitada é o negócio jurídico por meio do qual


a Administração atribui a um terceiro (empreiteiro) a obrigação de
cumprir o encargo representado pela execução de um objeto que
foi por ela definido como a solução adequada para atender à sua
necessidade.

Na empreitada não há subordinação ou dependência entre a


Administração e o empreiteiro. O que existe é a obrigação do emprei-
teiro de cumprir o encargo e viabilizar a solução, e da Administração
de, além de exigir o cumprimento do encargo que foi assumido pelo
empreiteiro, pagar a remuneração ajustada.

O empreiteiro, por sua vez, para cumprir o encargo, tem duas


possibilidades: pode executar todo o objeto pessoalmente ou contar
com a ajuda de um terceiro (subcontratação). Para transferir parte do
encargo para outra pessoa (subcontratado), precisa ter a concordân-
cia da Administração, o que deve ocorrer na fase de planejamento da
contratação, como regra.

Outro aspecto da empreitada é que o negócio jurídico pode ter


como encargo apenas a mão de obra ou, ainda, a mão de obra e o
fornecimento do material necessário para viabilizar a solução. Uma
obra de engenharia, por exemplo, para ser executada, exige, pelo
O Processo de Contratação Pública

menos, a conjugação da mão de obra e dos materiais. Portanto, uma


obra nada mais é do que o produto final resultante da conjugação
ordenada de mão de obra e materiais, de acordo com um projeto.

Em sentido mais amplo e preciso, no entanto, o correto é dizer


que o produto final de uma obra resulta da reunião de diferentes
recursos: humanos (engenheiros, mestres de obras, pedreiros), instru-
mentais (equipamentos, máquinas), materiais (pedra, cimento, tijolos,
ferro), técnicos, tecnológicos, de logística, de gestão, etc.

195
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Renato Geraldo Mendes

Caberá à Administração definir o efetivo encargo do emprei-


teiro, isto é, se ele apenas reunirá e suportará os recursos humanos,
instrumentais, técnicos, tecnológicos ou se, também, fornecerá os
recursos materiais necessários. Por isso, diz o art. 1.237 do Código
Civil: “o empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela ou só com
o seu trabalho, ou com ele e os materiais”.

2.2. A definição do encargo


2.2.

Para compreender adequadamente os regimes de execução, é


indispensável ter a clareza no tocante à distinção entre duas rela-
ções: encargo e remuneração. Esse binômio traduz a essência do que
chamamos de contrato.

Para que alguém assuma uma obrigação e viabilize uma solu-


ção (objeto), é fundamental que o encargo esteja definido, em prin-
cípio, nos seus aspectos qualitativo e quantitativo. Assim, o futuro
empreiteiro saberá o que terá de fazer e também quanto terá de fazer.
Sem que essas duas coisas estejam definidas e reunidas, não será
possível fixar a remuneração total a ser cobrada pela execução inte-
gral do encargo.

Como regra, o encargo pode, previamente, ser estimado nos


seus aspectos quantitativo e qualitativo. No entanto, existem casos
em que só se pode, antecipadamente, definir o aspecto qualitativo,
não sendo possível fixar a dimensão (quantidade) exata do encargo.
Nesse caso, sabe-se o que, com o que e como deve ser feito, mas não
quanto deve ser feito.

É essencialmente em razão dessa peculiaridade, mas não exclu-


sivamente, que foi idealizado o regime de empreitada por preço uni-
tário. Sem entender a questão acima, não se consegue saber se deve
ser adotada a empreitada global ou a por preço unitário. Isso tem
ensejado muita confusão e utilização equivocada da empreitada por
preço unitário quando deveria ser a por preço global e vice-versa.

196
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2.3. A remuneração pela execução do encargo


2.3.

A remuneração é a contraprestação pecuniária que o emprei-


teiro cobrará da Administração pelo cumprimento da obrigação.

Para determinar a remuneração total a ser cobrada, é preciso


que os aspectos qualitativo e quantitativo do encargo (objeto) este-
jam reunidos e definidos com precisão. Ou seja, é preciso saber o
que deve ser feito e quanto deve ser feito. A finalidade dos projetos
básico e executivo (e da planilha de quantitativos e preços unitários) é
exatamente definir o objeto que será executado, nos seus dois aspec-
tos. Daí o termo “caderno de encargos”, utilizado para expressar a
dita realidade.

No entanto, se for conhecido apenas o que tem de ser feito e


não se souber, antecipadamente, a dimensão do que deve ser feito
(aspecto quantitativo), não será possível definir o preço total do
encargo. Faltará uma informação fundamental para fixar a remune-
ração total.

Diante dessa situação, como resolver o problema?

Em razão da existência do eventual problema e da necessi-


dade de encontrar uma solução para ele, foi idealizado o regime de
empreitada por preço unitário. Esse regime de execução foi criado
para resolver o problema da necessidade de fixar uma remuneração
para o encargo sem que se tivesse, desde logo, a quantidade exata do
encargo a ser executado.

Então, para solucionar o impasse, bastaria eleger uma unidade


O Processo de Contratação Pública

de medida padrão. Seria fixado um preço por unidade de medida e,


depois de concluída a execução do encargo e apurada a quantidade,
bastaria multiplicá-la pelo preço unitário fixado para a referida uni-
dade de medida adotada. As unidades de medidas que podem ser
adotadas são, entre outras, as seguintes: metro quadrado (m²), metro
cúbico (m³), metro linear (m), milheiro (mil), tonelada (t), quilograma
(kg), homem/hora (h/h), hora/máquina (h/m), litro (l).

Dessa forma, estaria resolvido o problema. Se é tão simples


assim, por que existem tantas dúvidas em torno do cabimento dos

197
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Renato Geraldo Mendes

regimes apontados? As razões serão vistas a seguir. Antes disso, é


preciso dizer que as conclusões aqui apresentadas são, de fato, sim-
ples, mas o raciocínio desenvolvido para chegar a tal simplicidade
não, ao contrário, é complexo. Ou seja, a solução é simples, o pro-
blema não.

2.4. A Lei nº 8.666/93 e os referidos regimes


2.4.

A dificuldade de compreender a diferença entre os dois regi-


mes de execução (preço global e unitário) se deve ao fato de o legis-
lador não ter sido claro ao definir cada um deles, principalmente o
de empreitada por preço unitário. Vejamos como eles foram definidos
na Lei nº 8.666/93.

Diz a alínea “a” do inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93 que


a empreitada é por preço global quando se contrata a execução da
obra ou do serviço por preço certo e total.

A empreitada por preço unitário é definida na alínea “b” do


mesmo dispositivo como aquela em que se contrata a execução da
obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas.

Ao definir a empreitada por preço global, o legislador foi muito


claro, pois evidenciou que o indicado regime se traduz naquele em
que há a definição certa e total do preço (remuneração). Logo, em
razão do encargo ter sido definido precisamente nos seus aspectos
quantitativo e qualitativo, caberá ao licitante indicar o preço certo
e total para executar o encargo tal como definido. O preço deve ser
certo porque o encargo está definido e dimensionado. Da mesma
forma, será total porque não depende, para a sua fixação, de nenhuma
condição futura ou variável (no caso, a quantidade).

Na alínea “b”, o legislador diz que, na empreitada por preço


unitário, o preço é certo, mas não diz que ele é total. É, portanto, aqui
que reside a diferença entre os dois regimes.

A eventual dificuldade de compreender o cabimento do regime


de empreitada por preço unitário decorre da deficiência da própria
literalidade da regra prevista na alínea “b” acima indicada.

198
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O problema está na expressão “unidades determinadas”. O


que se deve entender por essa expressão? O que se quis, realmente,
disciplinar?

A palavra “unidade” foi empregada com o propósito de eviden-


ciar parte de um todo maior ou quis o legislador se referir à palavra
“unidade” no sentido de “padrão de medida” (m³ ou m², por exem-
plo). Identificar o sentido exato dessa expressão é fundamental para
entender o que é empreitada por preço unitário.

A doutrina especializada tem entendido a palavra “unidade”


como sinônimo de parte de um todo, parte resultante de uma divisão
ou uma etapa, uma fração. Em um empreendimento de engenharia, a
unidade poderia ser, por exemplo, a fundação, a alvenaria ou o aca-
bamento. Esse é, pois, o entendimento que encontramos em obras
específicas sobre licitações e contratos administrativos.

No nosso entendimento, a palavra unidade não tem, na alínea


“b” do inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93, o sentido de parte ou
etapa de um todo, mas o propósito de evidenciar a ideia de padrão de
medida. Logo, a expressão “unidade determinada”, empregada no
dispositivo citado, quer significar o mesmo que “padrão de medida
determinado”. Determinado onde e por quem? A resposta é: no edi-
tal e pela Administração.

Entendido que a fundação e a alvenaria seriam unidades deter-


minadas, chega-se à conclusão de que na construção de um prédio
de seis pavimentos, por exemplo, seria possível utilizar a empreitada
O Processo de Contratação Pública

por preço unitário para a fundação e para outras etapas relativas à


obra, se assim desejasse a Administração.

A expressão “unidades determinadas” nada tem a ver com uma


etapa ou parcela da obra. No caso do prédio de seis pavimentos, em
princípio, o regime deve ser empreitada por preço global.

Se o termo tivesse sido empregado pelo legislador como sinô-


nimo de etapa ou parte de um todo, não haveria impedimento para
que fosse, à semelhança da empreitada por preço global, utilizada a

199
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Renato Geraldo Mendes

expressão “preço certo e total”. Ora, qual seria a impossibilidade de


exigir que o licitante fixasse preço certo e total para a unidade a ser
executada (por exemplo, a fundação). A resposta é: nenhuma. Não
podemos negar que a própria unidade teria um valor certo e total.
Certo porque é preciso, e total porque representa a remuneração inte-
gral a ser cobrada pela execução da unidade (fundação). Por que a
regra exigiria preço certo, mas não total, se o que deve ser feito e a
sua quantidade estão definidos no projeto? Não haveria uma razão
lógica para justificar tal impossibilidade.

Dessa forma, pela expressão “preço certo de unidades determi-


nadas” deve ser entendido que o preço será fixado em razão da uni-
dade de medida definida, por exemplo, m³ ou m². Ou seja, o preço é
certo, mas não é total, pois para haver um preço total será necessário
antes executar o encargo e fixar a quantidade. Sem cumprir antes o
encargo, não é possível saber o preço total para todo o encargo, visto
que este depende da variante essencial quantidade, que ainda não foi
definida com precisão.

É necessário ter a clareza de que o preço não é incerto, o


preço é certo por unidade de medida. Incerto é o preço total, pois
ele decorrerá da quantidade do encargo executado. A quantidade,
portanto, é que é incerta no momento da licitação, mas deixa de ser
em razão da execução do contrato.

2.5. O que são regimes de execução?


2.5.

É preciso que se diga que os regimes de empreitada por preço


global e por preço unitário não qualificam a execução propriamente
do objeto do contrato como o próprio nome sugere, mas dizem res-
peito ao critério de apuração do valor da remuneração a ser paga em
razão da execução do objeto.

A questão gira em torno da definição de como o particular vai


fixar o valor da sua remuneração, de acordo com o encargo total do
empreendimento ou com base em unidades específicas de medida
em razão do encargo que irá executar.

200
Mostrar Sumário

O regime de empreitada por preço global deve ser adotado sem-


pre que for possível estimar, de antemão e com precisão, o encargo
integral do particular, o que ocorre na maior parte dos casos. Quando
não for possível estimar, com precisão, o encargo a ser executado no
seu aspecto quantitativo, o regime a ser adotado deve ser a emprei-
tada por preço unitário. Nesse sentido, o mais usual é o regime de
empreitada por preço global, porque normalmente é possível preci-
sar, de forma antecipada, o encargo nas suas dimensões qualitativa e
quantitativa.

2.6. Exemplos práticos


2.6.

Alguns exemplos ajudarão a entender o cabimento da emprei-


tada por preço unitário.

Imagine que a Administração deseja perfurar um poço artesiano


(profundo) para obtenção de água para atender a uma necessidade
sua ou da coletividade. Não se sabe com quantos metros de perfura-
ção a água será obtida (se com 100, 150 ou mais). Esse tipo de ser-
viço (empreitada) é cobrado por metro de perfuração realizado, com
base na composição dos custos dos diferentes insumos que compõem
a respectiva planilha do mencionado serviço.

Em outra situação, a Administração deseja realizar uma escava-


ção de grande proporção. Não há como, nesse caso, estabelecer de
forma precisa a quantidade de terra ou o material que será retirado do
terreno onde o encargo será executado.
O Processo de Contratação Pública

Para oferecer mais um exemplo entre outros que poderiam ser


apontados, imagine que a Administração precise remover um aterro
sanitário de um local para outro.

A alternativa em todos os casos é definir uma medida padrão


e, na licitação, identificar o menor preço para a unidade de medida
definida. A medida padrão, no caso do poço artesiano, é o metro
perfurado, e nos dois outros casos pode ser o metro cúbico (m³) ou a
tonelada (t), por exemplo.

201
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Renato Geraldo Mendes

3. Como e quando escolher o regime?


3.

É dever da Administração, na fase interna da licitação, analisar


qual regime de execução será adotado: empreitada por preço global
ou por preço unitário.

A análise deve considerar se é possível definir antecipada-


mente o efetivo encargo do futuro contratado, nos seus aspectos
qualitativo e quantitativo. Se sim, o regime indicado é o de emprei-
tada por preço global. Se não for possível saber antecipadamente a
quantidade do efetivo encargo do contratado, o regime deve ser o de
empreitada por preço unitário.

O próximo passo é fixar como será apurado o montante da


remuneração do futuro contratado. Se a quantidade puder ser previa-
mente definida de forma precisa, caberá à Administração exigir, por
meio dos seus agentes, que o licitante estabeleça preço certo e total
para o encargo a ser executado. Ora, sendo a quantidade precisa, não
há razão para não impor tal condição. Ademais, não se deve esque-
cer que a regra é a de que o montante da remuneração a ser paga pela
Administração, de forma exata e total, seja apurado na fase externa
(licitação).

Não sendo possível indicar a quantidade do encargo com pre-


cisão, a alternativa será definir uma unidade de medida e exigir que
os licitantes estabeleçam um preço para uma unidade de medida
padrão, que pode ser metro perfurado ou tonelada, para aproveitar os
exemplos acima descritos. Esse é o procedimento que deve ser ado-
tado para qualquer situação e essa é a ideia que deve nortear o pla-
nejamento da contratação.

3.1. Como é apurado o preço total?


3.1.

É importante observar que, no regime de empreitada por preço


global, o preço da remuneração é apurado integralmente durante a
licitação. Logo, é na própria licitação que a Administração apura o
preço certo e total da remuneração a ser paga ao empreiteiro pelo
cumprimento do encargo (objeto) que foi licitado.

202
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Diferentemente da empreitada global, na empreitada por preço


unitário o preço final (certo e total) não é apurado exclusivamente
na própria licitação, mas pela conjugação de dois momentos distin-
tos (licitação e execução do contrato).

Na licitação se conhece o preço certo por unidade de medida


adotada, e na execução do contrato, a quantidade da medida ado-
tada. Multiplicando a quantidade (apurada por ocasião do contrato)
pelo preço da unidade de medida (apurada por ocasião da licitação),
temos o preço certo e total.

A regra é que o preço certo e total seja apurado na própria lici-


tação e não dependa da execução do contrato. Mas isso não depende
da vontade do agente (condição subjetiva), e sim de uma condição
objetiva (possibilidade efetiva de definir a quantidade antes da exe-
cução do encargo).

3.2. impossibilidade da definição da quantidade deve ser


3.2. A
absoluta

A opção pela empreitada por preço global ou unitário está vin-


culada a uma condição objetiva.

Só podemos adotar a empreitada por preço unitário quando,


devida e motivadamente, não houver condições técnicas de precisar
a quantidade do objeto. Assim, não se trata de mera opção do agente
ou mesmo de ausência de previsão resultante de desídia da Adminis-
tração. Em princípio, a escolha do regime de empreitada por preço
unitário decorre da impossibilidade absoluta, e não relativa.
O Processo de Contratação Pública

A regra que norteia o regime jurídico da licitação é a de que


o preço certo e total seja definido na licitação, e não por ocasião
do contrato. Logo, a empreitada por preço global é a regra, e a por
preço unitário, a exceção.

É preciso não perder de vista o conteúdo da norma prevista


no inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93. A expressão “nível de pre-
cisão adequado”, prevista no indicado preceito, não implica mera
faculdade a ser exercida ao bel prazer da Administração. Há efetiva

203
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Renato Geraldo Mendes

obrigação de, sempre que possível, definir o objeto com precisão,


podendo não fazê-lo apenas quando isso não for possível, tal como
nos casos já apontados. Por essa razão afirmamos que, como regra, a
empreitada deve ser por preço global e não unitário.

3.3. que aconteceria se em todos os casos fosse adotado o


3.3. O
regime de empreitada por preço global?

Se padronizássemos a empreitada por preço global para todos


os casos e não adotássemos a por preço unitário quando fosse cabí-
vel, teríamos uma séria distorção na equação econômico-financeira.

Para compreender a noção de equação econômico-financeira,


é preciso retomar a ideia de que o contrato é uma relação entre duas
realidades indissociáveis: o “E” e o “R”. O “E” representa o encargo
definido pela Administração e que será assumido pelo contratado.
O “R” representa a remuneração fixada pelo licitante em função do
encargo definido pela Administração. O “E” é definido no edital, e o
“R” é definido na proposta do licitante.

Além de ser fixado na proposta do licitante, o “R” representa a


contraprestação que o licitante deseja para poder executar o “E” e,
assim, garantir a satisfação da necessidade da Administração. Logo, a
fixação do “R” é feita com base no “E”.

Por tudo o que foi dito sobre esse tema, é fácil perceber que há
uma relação indissociável entre o “E” e o “R”, visto que o “R” é for-
matado com base no “E”. Então, é lógico reconhecer que para que o
“R” possa ser certo e total, o “E” deve ser preciso.

A relação “E” e “R” é estabelecida, essencialmente, no momento


da apresentação das propostas, no qual se forma a denominada equa-
ção econômico-financeira. Como regra, essa equação antecede a
execução do próprio contrato.

Nesse sentido, a equação econômico-financeira se traduz na


relação de equivalência entre “E” e “R”.

204
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Ora, se para fixar o “R” é indispensável conhecer, de forma


precisa e exata, a dimensão econômica do “E”, como resolver o pro-
blema da imprecisão do “E”, sob o ponto de vista da sua quantidade?

A única alternativa seria viabilizar um mecanismo de solução


que não dependesse da variável quantidade. Depois de bem refletir,
o legislador definiu que o mecanismo seria a fixação de um preço por
unidade de medida, ou seja, seria atribuído um preço para uma única
unidade de medida e, depois de apurada a quantidade total, bastaria
multiplicar o valor da unidade pela quantidade total do encargo e o
problema seria solucionado. Assim, o legislador afastou a possibili-
dade de atribuir um valor total aleatório ou não real, pois isso criaria
uma distorção na equação econômico-financeira.

3.4.
3.4. Uma forma de evitar distorção na equação
econômico-financeira

Se a Administração, mesmo diante da impossibilidade de pre-


cisar a quantidade do objeto, exigir que o licitante estabeleça preço
certo e total, duas coisas podem ocorrer.

A primeira delas é o licitante, para fixar a sua remuneração, ter


de precisar a quantidade. Ora, tal solução é inaceitável, pois se a pró-
pria Administração se considerou incapaz de precisar a quantidade
pela impossibilidade absoluta, não haveria razão lógica para transfe-
rir essa “missão impossível” para o licitante. O Processo de Contratação Pública

Logo, ainda que o licitante estabelecesse uma quantidade,


não seria certa, mas meramente estimada. Dessa forma, a equação
econômico-financeira deixaria de ser uma relação de equivalência
entre o encargo e a remuneração, tendo em vista a indefinição da
quantidade do encargo. A fixação de um preço certo e total seria
mera ficção. O problema aqui é que o preço certo e total fixado
pelo licitante não implicaria, necessariamente, a contraprestação
pecuniária pela execução de um encargo capaz de possibilitar a
solução desejada pela Administração. Com isso, toda a lógica da
equação fica prejudicada.

205
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Renato Geraldo Mendes

Para melhor ilustrar a questão, vamos retomar o exemplo do


poço artesiano. Se o licitante estimar a obtenção de água com 200m
e, com base em tal quantidade de metro perfurado, fixar a sua remu-
neração, como ficará a situação caso a água não seja obtida quando
se chegar a 200m? Ora, o preço certo e total foi fixado com base
em um encargo determinado (200m). Certamente, para aumentar
o encargo  – nesse caso, perfurar além desse limite (por exemplo,
270m) – seria necessário aumentar, também, a remuneração.

A segunda alternativa seria o licitante, para não enfrentar a situ-


ação narrada acima, superestimar a quantidade, uma vez que na pri-
meira ele a subestimou. Mas há um problema aqui também. Se ele
superestimar, corre o risco de perder a licitação para outro licitante
que, embora com preço mais alto para o metro perfurado, tenha
subestimado a quantidade. Nesse caso, a licitação fica sem parâme-
tro objetivo. Por outro lado, se o licitante superestima a quantidade
(por exemplo, 330m) e, na fase de execução, obtém água com 200m,
estará se locupletando ilicitamente.

Para evitar essas situações e afastar o acaso, que não deve pre-
sidir o julgamento das licitações nem servir de base para a fixação
das remunerações, foi idealizado o regime de empreitada por preço
unitário. Tal regime possibilita a obtenção de uma remuneração justa
e a formação de uma equação econômico-financeira equilibrada
para ambas as partes.

Se em todos os casos fosse adotado o regime de empreitada


por preço global, não seria possível estabelecer, para todas as situ-
ações, uma relação justa de equivalência entre encargo e remune-
ração. Assim, ora a Administração se locupletaria e ora o licitante. A
distorção na equação econômico-financeira implica ilegalidade.

Portanto, o regime de empreitada por preço unitário foi ideali-


zado para viabilizar uma relação econômico-financeira justa, como
deve ser. Sem esse regime, há um problema sem uma solução ade-
quada. A empreitada por preço unitário é a solução adequada para
um problema específico. Por isso ela é exceção à regra, devendo ser
adotada diante da situação específica.

206
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3.5. Em que momento se forma a equação econômico-financeira?


3.5.

Efetivamente, toda equação econômico-financeira se forma no


momento em que o licitante tem a sua proposta considerada vence-
dora. É possível até, sob o ponto de vista cronológico e procedimen-
tal, fixar um momento anterior para a constituição da referida equa-
ção. Esse momento seria a própria apresentação da proposta. Aliás,
em reajuste ou repactuação, deve ser considerada como marco ini-
cial, para fins de contagem do prazo de concessão, a data da apre-
sentação da proposta, e não outro momento. É o que diz o inc. XI do
art. 40 da Lei nº 8.666/93.

No entanto, preferimos adotar o momento em que a proposta é


considerada “aceita” porque, sob o ponto de vista da remuneração –
um dos elementos que constitui a equação –, é com tal aceitação que
se define a efetiva relação (E = R).

É preciso ter a clareza de que, por ocasião da apresentação


da proposta, o valor da remuneração pode ser um (por exemplo, R$
10.000,00) e, em razão da própria fase de lances (pregão) ou eventual
negociação, o valor da remuneração pode ser outro. Com o advento
do pregão, essa passou a ser a regra a ser observada. Portanto, a
equação que vai nortear a execução do contrato é formada apenas
com a apuração do preço final.

3.6.
3.6. Em que momento se forma efetivamente a equação
econômico-financeira quando o regime é de empreitada por
preço unitário?
O Processo de Contratação Pública

A equação econômico-financeira é uma relação entre “E” e


“R”. O “E”, representado pelo encargo, é definido na fase interna da
licitação, ou seja, por ocasião do planejamento da contratação, e é
materializado no edital. Aliás, a função básica do edital é materia-
lizar o encargo e definir os parâmetros objetivos para a fixação da
remuneração.

No regime de empreitada por preço global, não há dúvida de


que a equação econômico-financeira se forma, integralmente, na fase
externa da licitação, pois é nesse momento que a remuneração é

207
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Renato Geraldo Mendes

definida de forma total, com base no encargo certo e definido na fase


interna.

E, no caso da empreitada por preço unitário, em qual momento


se constitui essa equação?

A dúvida se justifica em razão de que, na fase externa, a remu-


neração é apenas “parcial” ou, melhor dizendo, ela é apenas certa
por unidade de padrão de medida, não sendo ainda total. Para ser
total, deverá haver a execução do encargo, o que ocorrerá apenas na
fase contratual. Logo, temos uma situação inusitada, que foge à regra.

Afinal, a equação se forma em função do preço certo por unidade


de padrão de medida, que ocorre na fase externa? Ou no momento
em que se tem o preço total apurado, na execução do contrato?

Em razão da primeira hipótese seria possível dizer que o preço


é formado na própria fase externa. Então, nesse caso, temos a cons-
tituição da equação por ocasião da licitação. Portanto, a equação
não se forma em decorrência da execução do contrato, mas durante
a própria licitação. Com a execução do encargo, o que se consolida
é a remuneração total, e não a equação econômico-financeira, pois
esta já estaria formada. A relação de que E = R, no caso da primeira
situação, seria explicada da seguinte forma: a relação expressaria a
equivalência entre o padrão unitário de medida (por exemplo, m²) e
a remuneração por unidade de medida. Logo, tanto o encargo como
a remuneração seriam unitários.

A segunda hipótese, da equação formada, efetivamente, apenas


na fase de execução do contrato, implicaria reconhecer que a equa-
ção econômico-financeira só se forma com a definição do encargo
total e, consequentemente, da remuneração total, ou seja, antes não
haveria tal equação. Essa conclusão não parece correta, porque com
o edital temos a definição do encargo, e com a proposta vencedora,
a fixação da remuneração. É verdade, por outro lado, que no caso
de licitação para construção de um poço artesiano, por exemplo, o
encargo total dependerá da variável quantidade. Mas isso não sig-
nifica que a equação não tenha sido constituída. Em verdade, foi,

208
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porém, sob o aspecto de uma relação unitária. A equivalência aqui é E


= R, mas sob o aspecto unitário. Isso preserva a essência da equação.

As fases interna e externa da licitação existem para viabilizar a


relação entre encargo e remuneração. O que muda é que a relação de
equivalência entre o encargo total e a remuneração total, em alguns
casos, implica a execução do contrato como condição de existência.

4. A fiscalização do contrato e os regimes de empreitada


4.

Na empreitada por preço unitário, a fiscalização do contrato


deve ser muito bem feita, sob pena de causar prejuízos à Adminis-
tração Pública, tendo em vista que o efetivo encargo (quantidade do
objeto) é apurado em razão da execução, e não previamente (como
na empreitada por preço global).

Na empreitada por preço unitário, o preço apresentado na lici-


tação é para uma unidade de medida determinada. Para chegar ao
preço total, é necessária a determinação da sua quantidade, o que
ocorre apenas em razão da execução do encargo, pois só assim é que
se saberá o total da remuneração a ser paga.

Portanto, existe uma variável – a quantidade do encargo – que


deve ser apurada por ocasião da execução. Isso faz com que a fisca-
lização do contrato tenha contornos muito específicos. Se não hou-
ver uma rígida fiscalização por parte da Administração, o emprei-
teiro pode dimensionar a mais a quantidade do encargo, causando
O Processo de Contratação Pública

prejuízos ao erário. Controlar a variável é a missão do fiscal.

Vejamos os eventuais problemas de fiscalização nos dois tipos


de regimes de empreitada mais utilizados.

No regime de empreitada por preço global, muito embora a


quantidade esteja definida e o valor total da remuneração fixado,
em princípio, poderíamos pensar que o empreiteiro não tem motivos
para aumentar a quantidade do encargo, mas apenas para, eventual-
mente, diminuí-la.

209
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Renato Geraldo Mendes

A pretensão de reduzir a quantidade é evidente, pois seria


ótimo receber a mesma remuneração e ter de executar uma quanti-
dade menor de encargo. Evidentemente, isso é ilegal, pois representa
violação da equação econômico-financeira do contrato, ou seja, a
relação entre encargo e remuneração (E = R). Ora, se o encargo é
reduzido, a remuneração também deverá ser, na mesma proporção,
sob pena de haver enriquecimento sem causa justa.

Por outro lado, pode haver também a pretensão do empreiteiro


em aumentar a quantidade do encargo, mas isso somente ocorrerá na
hipótese de ter ele a certeza de que receberá pela quantidade a maior
que executar. Essa é uma questão que enseja dúvida, pois a tese majo-
ritária que vigora é a de que, em razão de o regime ser o de emprei-
tada global, o empreiteiro não faz jus ao recebimento do que vier a
executar a mais, uma vez que com a celebração do contrato, ele teria
assumido a obrigação de entregar o objeto concluído e em perfeitas
condições de funcionamento. Essa tese tem um grande número de
adeptos. No entanto, entendemos que a Administração não pode se
eximir de pagar pela execução a mais que o contratado tem de rea-
lizar, notadamente quando ela decorre de erros no projeto. O art.
47 impõe à Administração um dever e, por força dele, não pode ela
transferir para o particular as imprecisões do seu planejamento. O
tema exige considerável análise e desenvolvimento de outros argu-
mentos. Vale aqui citar o texto de Joel de Menezes Niebuhr, intitu-
lado Alteração de contratos firmados sob o regime de empreitada por
preço global e as repercussões do art. 127 da Lei nº 12.309/10, no
qual ele afirma que “o entendimento corrente, segundo o qual, em
empreitada por preço global, os erros de dimensionamento havidos
no projeto básico devem ser suportados pelo contratado, não se har-
moniza com o princípio geral de Direito segundo o qual a ninguém é
dado colher benefício de sua própria torpeza”.31

No regime de empreitada por preço global, o fiscal deve ter


muito cuidado com a questão da eventual redução das quantidades
do encargo pelo contratado. A redução do encargo, diga-se de passa-
gem, não envolve apenas uma questão de quantidade, mas, também,

31 Revista Zênite  – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), n. 206, p. 367, abr.


2011.

210
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de qualidade, o que se configurará pelo emprego de materiais de


qualidade inferior àquela definida e preservada nas especificações
do edital.

Quando o regime adotado é o de empreitada por preço uni-


tário, existe o risco de o empreiteiro aumentar a quantidade do
encargo, pois é com base nela que a sua remuneração total será
definida. Esse aumento pode ser real ou simulado. No primeiro caso,
há a execução efetiva do encargo, ou seja, o empreiteiro faz mais do
que precisa para atender à necessidade, visto que vai se remunerar
em função da quantidade executada.

No segundo caso (simulação), não há efetivamente a execu-


ção do encargo, mas uma condição artificial é criada para parecer
que a execução, de fato, ocorreu. Na empreitada por preço unitário,
a intenção do empreiteiro é sempre aumentar a quantidade, pois
quanto maior ela for, maior será a sua remuneração total.

5. A questão do acréscimo quantitativo e os regimes de


5.
empreitada (EPG e EPU)

Qual a relação entre os regimes de empreitada e a possibili-


dade de realizar acréscimo quantitativo do objeto? Os dois regimes
admitem o acréscimo quantitativo ou não? Essas questões até aqui
não foram discutidas pela doutrina especializada. Aliás, o próprio
estudo dos regimes de empreitadas é algo muito incipiente e objeto
de pouca reflexão e contribuição por parte dos estudiosos.
O Processo de Contratação Pública

Vamos começar pela empreitada por preço unitário.

A questão a ser respondida é a seguinte: quando o regime ado-


tado é o da empreitada por preço unitário, é possível realizar acrés-
cimo quantitativo?

Se a nota característica do referido regime é o seu cabimento


quando a quantidade do objeto (encargo) puder ser definida com pre-
cisão, em decorrência da execução não haverá, em princípio, sentido
lógico para admitir acréscimo quantitativo. Ou seja, com a conclusão

211
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Renato Geraldo Mendes

do objeto, a quantidade total estaria definida e não haveria o que acres-


centar, pois tal quantidade é definida em razão da própria execução.
Para falar em acréscimo, é preciso que a quantidade tenha sido, na
fase de planejamento da contratação, definida como certa. No entanto,
na empreitada por preço unitário, a quantidade é incerta. Logo, não
há como acrescer o incerto ou indefinido. Quanto seria, por exem-
plo, 10% sobre um objeto não quantificado? Seria algo impreciso, e o
acréscimo pressupõe, na sua essência, uma quantidade precisa.

Assim, a possibilidade de acréscimo estaria reservada para os


demais regimes, notadamente o da empreitada por preço global.
Mas, a partir do momento que a quantidade se tornasse certa, durante
a fase de execução do contrato, seria possível cogitar, excepcional-
mente, acréscimo na empreitada por preço unitário? Essa é uma pos-
sibilidade que pode ensejar discussão, mas é muito excepcional no
caso da empreitada por preço unitário. Em tese, é possível dizer que
o acréscimo seria admissível em razão de fato superveniente verifi-
cado entre a liquidação da despesa e o pagamento. Não vislumbra-
mos outra possibilidade, mas ela pode até existir.

Se o regime é de empreitada por preço global, não há dúvida


de que o acréscimo é cabível. Aliás, o acréscimo é o aumento que
se realiza sobre a quantidade certa do encargo. Logo, uma das con-
dições para promover o acréscimo é que a quantidade seja certa. Da
mesma forma, só se cogita acréscimo se for necessário à realização
de mais encargo como condição para a conclusão do objeto capaz
de atender à necessidade da Administração.

Então, voltamos a uma questão já enfrentada acima. A remune-


ração do licitante deve se limitar a traduzir a expressão econômica
do encargo definido no edital. O que for necessário, além disso, deve
ser compensado pelo instituto do acréscimo quantitativo, quando o
regime for o de empreitada por preço global. Não há outro meio de
assegurar igualdade e justiça para a contratação pública senão dessa
forma. A garantia da igualdade ocorrerá pela fixação de um parâme-
tro objetivo para que todos os competidores possam fixar suas remu-
nerações. E o sentido de justiça decorre da ideia fundamental de que
encargo e remuneração devem ser equivalentes, sob pena de gerar
enriquecimento sem causa para uma das partes.

212
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6. A regra e a exceção
6.

A empreitada por preço global é a regra, e a por preço unitário


é a exceção. Isso significa que, na maior parte dos casos, a emprei-
tada por preço global é que deve ser adotada, e não a por preço
unitário.32

Se for possível, antecipadamente, precisar a quantidade do


objeto, o regime deve ser a empreitada por preço global. Se não
for possível, o regime deve ser a empreitada por preço unitário. O
regime por preço unitário é aplicável quando a quantidade do objeto
somente é apurada, de forma precisa, na fase de execução, e não na
de planejamento.

É necessário perceber que a quantidade para atender à neces-


sidade é sempre precisa e exata. O problema aqui é o do momento
em que a definição da quantidade do encargo é considerada pre-
cisa. Como regra, o momento é o do planejamento, isto é, o da fase
interna. Como exceção, a apuração da quantidade real será feita por
ocasião da execução do contrato.

Portanto, os dois regimes de empreitadas existem para atender


a situações distintas. Diante de cada uma delas é que se avaliará qual
é o mais indicado. A propósito, a análise deve se nortear pelo critério
definido acima.

7. Empreitada integral
7.
O Processo de Contratação Pública

Os regimes de execução estão relacionados à forma de fixação


do valor da remuneração. Como a remuneração tem relação direta
com o encargo, visto que é fixado em razão dele, há uma rigorosa
ligação entre o regime de empreitada e o encargo a ser executado.

32 É sempre muito delicado determinar a regra e a exceção, porque o que enseja uma
coisa e outra é uma condição fática específica. O mais adequado é dizer que sempre
que não for possível definir a quantidade do objeto por ocasião do planejamento, o
regime deve ser o de empreitada por preço unitário. Logo, nesse caso, a EPU será
sempre a regra. Mas a ideia de regra e exceção é tomada em outro sentido e como
conduta padrão ou comum. Portanto, o mais comum é a EPG, e não a EPU.

213
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Renato Geraldo Mendes

Isso explica a expressão “regime de execução” para qualificar as


mencionadas realidades jurídicas (tipos de empreitadas).

Para facilitar a compreensão do regime de empreitada integral,


é necessário antes entender algumas questões prévias, sem as quais
haverá maior dificuldade para compreender o cabimento do mencio-
nado regime integral. Para evitar tal dificuldade, vamos identificar (de
forma bem resumida) as principais etapas que integram um empreen-
dimento de engenharia, a saber:
a) Identificação da necessidade;
b) Estudos e levantamentos preliminares;
c) Elaboração dos projetos básico e executivo;
d) Elaboração de planilhas de quantitativos e preços unitários;
e) Definição das demais obrigações do encargo e condições;
f) Elaboração e aprovação do edital;
g) Realização da fase externa (licitação);
h) Execução do contrato.

Na fase de execução do contrato, a prestação do particular


é qualificada pela conjugação de diversos recursos, tais como ins-
trumentais, técnicos, tecnológicos, logísticos, materiais e humanos.
Toda obra ou serviço de engenharia é o produto resultante da conju-
gação harmoniosa desses diferentes tipos de recursos. A capacidade
de um empreiteiro se revela pela aptidão para articular, de forma
ordenada, todos os recursos para a produção de um fim específico:
a realização da obra ou do serviço, conforme definido no projeto
básico/executivo. Essencialmente, ninguém licita uma ponte ou a
pavimentação de uma estrada. O que se licita é a seleção de uma
pessoa para executar um projeto. O resultado da execução pode ser a
ponte descrita no projeto ou um monte de ferro envolto em concreto
(que não necessariamente é uma ponte). É assim porque a ponte é um
objeto a ser feito sob encomenda e predisposto a atender a determi-
nada utilidade. Não existe ponte alguma antes da conclusão do cro-
nograma físico.

214
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Mas, com base em uma concepção mais tradicional e singela,


a obra de engenharia é o produto que resulta do encontro entre os
materiais (insumos utilizados) e a mão de obra. O empreiteiro nor-
malmente executa a obra física (a edificação, por exemplo) e, com
a sua conclusão, encerra o seu encargo. Muito embora existam
outras coisas que devem ser feitas ou outros encargos que devem ser
executados.

A solução pretendida pela Administração para atender à sua


necessidade não se resume à execução física, à conjugação de insu-
mos materiais e mão de obra. Encerrada a empreitada pelo seu exe-
cutor, não tem a Administração, ainda, o empreendimento concluído
na sua integralidade ou totalidade, pois faltará realizar outras aqui-
sições (mobiliário, etc.) e equipamentos (ar-condicionado, computa-
dores, central telefônica, geradores, equipamentos específicos, etc.).
Esse conjunto de coisas é que produzirá alguma utilidade.

Portanto, a necessidade da Administração só é efetivamente


satisfeita quando o objeto por ela idealizado estiver integralmente
concluído e acabado de modo a se destinar ao fim para o qual foi
concebido.

Para ficar ainda mais clara a compreensão, identificaremos os


diversos encargos que integram o processo de contratação. Com base
nas etapas indicadas, vamos chamar de:

§§ Encargo (A): identificação da necessidade;

§§ Encargo (B): realização dos estudos e levantamentos


O Processo de Contratação Pública

preliminares;

§§ Encargo (C): elaboração dos projetos básico e executivo;

§§ Encargo (D): elaboração de planilhas de quantitativos e pre-


ços unitários;

§§ Encargo (E): realização da licitação; e

§§ Encargo (F): execução propriamente do contrato.

215
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Renato Geraldo Mendes

A execução do contrato (F) pode ser integrada por variadas


obrigações: (f1) fornecimento de mão de obra; (f2) fornecimento dos
insumos a serem empregados; (f3) fornecimento de equipamentos e
máquinas; (f4) fornecimento de mobiliário e (f5) outros.

Vamos avaliar agora a quem cabe realizar cada um dos encar-


gos que representam as etapas apontadas.

O cumprimento do encargo (A), que é a identificação da neces-


sidade, deve ser realizado pela própria Administração. Ela não deve
transferir para um particular a sua definição, pois é seu dever fixar
e dimensionar o problema que pretende resolver. Por meio de seus
próprios agentes, deve identificar a sua necessidade. Essa é a regra a
ser observada. Apenas em situações específicas e de maior comple-
xidade, devidamente justificadas, pode recorrer a terceiros para cum-
prir esse encargo. De qualquer forma, seja qual for a situação, a deci-
são final sobre a configuração da necessidade será da própria Admi-
nistração, isto é, com ou sem auxílio de terceiro. Isso foi explicado
anteriormente.

O encargo (B), ou seja, a realização dos estudos e levantamentos


preliminares, tanto pode ser executado pela Administração como por
um terceiro, o prestador de serviços. Se a Administração tem estrutura
de pessoal e condições técnicas, pode ela própria realizar os estudos
preliminares. No entanto, normalmente ela não possui tal estrutura,
assim, a alternativa é recorrer a um terceiro. O encargo do terceiro
é realizar todos os estudos, as avaliações e as sondagens necessárias
para, em seguida, preparar os projetos, o que poderá ser feito por ele
mesmo ou por outra pessoa, conforme definir a Administração.

O encargo (C) é a elaboração dos projetos básico e execu-


tivo, a qual pode ser feita tanto pela Administração como por um
terceiro. Normalmente, a Administração não está aparelhada e não
possui corpo técnico qualificado para cumprir esse encargo. Assim,
com base na necessidade identificada e nos estudos preliminares, é
contratada uma pessoa, física ou jurídica, para executar o referido
encargo. Tal encargo se traduz na obrigação de se dizer, dentro de
padrões técnicos: a) o que deve ser feito, b) com o que deve ser feito
e c) como deve ser feito.

216
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O encargo (D), elaboração das planilhas de quantitativos e


preços unitários, deve ser atribuído a quem elaborar o encargo (C),
pois está intimamente ligado a ele. Quem elaborar os projetos deve
preparar as planilhas. Porém, não haverá nenhum problema se tais
encargos forem atribuídos a pessoas distintas. É possível, mas não é
conveniente.

O ideal é que os encargos (B), (C) e (D) sejam atribuídos a uma


mesma pessoa, em razão da estreita relação que há entre eles. Tais
encargos servem para responder, de forma objetiva e precisa, a qua-
tro perguntas diferentes: O que deve ser feito? Com o que deve ser
feito? Como deve ser feito? Quanto custará aos cofres públicos o que
deve ser feito na forma pela qual deve ser feito? Sob o ponto de vista
operacional, entendemos que o melhor é fazer as quatro perguntas
a uma única pessoa.

O encargo (E), isto é, a realização da licitação, deve ser cum-


prido pela própria Administração. Aliás, isso ocorre em 100% dos
casos. Não há notícia de que a Administração tenha, em alguma situ-
ação, transferido para particulares a execução desse encargo. O que
a Administração pode e tem feito, em determinadas situações que
envolvem maior complexidade, é atribuir a um terceiro a elabora-
ção/formalização do edital de licitação. Mas a aprovação do edital,
o processamento do certame e o seu julgamento têm sido realizados,
de forma exclusiva, pelos próprios agentes públicos. Não é que isso
não possa ser feito, uma vez que não há nenhum impedimento abso-
luto para tanto. O que afirmamos é que o regime atual reserva esse
encargo para a Administração.
O Processo de Contratação Pública

A execução do contrato (F) tem sido, na grande maioria dos


casos, atribuída a um terceiro (empreiteiro). Mas a execução do con-
trato (F) pode se desdobrar em diversas obrigações, ou seja, (f1) forne-
cimento de mão de obra; (f2) fornecimento dos materiais e insumos a
serem empregados; (f3) fornecimento de equipamentos e máquinas;
(f4) fornecimento de mobiliário e (f5) outros.

Existem outras obrigações adicionais que integram o encargo


da execução, mas que não serão indicadas para não tornar muito
exaustiva a exposição.

217
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Renato Geraldo Mendes

Assim, é possível contratar um empreiteiro apenas para execu-


tar um serviço (mão de obra), sem fornecer insumos, equipamentos,
máquinas e mobiliário, bem como é possível atribuir a ele todas essas
obrigações ou apenas parte delas.

Não é razoável a Administração, em razão da sua eventual


incapacidade de planejar a contratação, transferir para um terceiro
(empreiteiro) a missão de definir os projetos, o custo e todas as demais
condições pertinentes ao planejamento da contratação e, ainda, atri-
buir a ele a própria execução do que ele mesmo definiu, como está
sendo feito em relação às obras de infraestrutura necessárias à reali-
zação da Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas, em face do
Regime Jurídico Diferenciado (RDC) instituído pela Lei nº 12.462/11.
As funções de planejar o que será realizado e a de executar o que foi
definido devem ser segregadas e não podem ser atribuídas à mesma
pessoa. Essa segregação pode ser ignorada em alguns empreendi-
mentos específicos, como nas concessões e em determinadas parce-
rias com o setor privado. Se o recurso que vai suportar a execução
é do orçamento ou é garantido pelo Estado, não é possível atribuir
a uma mesma pessoa o planejamento e a execução. Não é esse tipo
de empreitada integral que abordaremos. Trataremos do regime de
empreitada integral que envolve apenas a execução do encargo con-
tratual, e não o planejamento da contratação.

Em comparação à empreitada por preço global, a empreitada


integral tem um encargo mais amplo. Por isso, a adoção da emprei-
tada integral enseja a obrigatoriedade de um prazo maior de publi-
cidade do edital, pelo simples fato de que, em razão da amplitude e
complexidade do encargo, o licitante terá maior dificuldade para pre-
parar sua proposta e estimar sua remuneração.

Normalmente, a Administração repassa para o empreiteiro o


encargo integrado pelas obrigações (f1) fornecimento de mão de obra
e (f2) fornecimento dos insumos a serem empregados, bem como de
todos os recursos materiais, instrumentais e tecnológicos necessários.
Em razão disso, tem como resultado final, por exemplo, uma edifi-
cação (um prédio de seis pavimentos para a sua sede ou um ginásio
de esporte). Em face do encargo indicado, o regime de execução é
a empreitada por preço global. Ela é global apenas em relação aos

218
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encargos (f1 + f2), visto que existirão outros encargos que não fazem
parte do contrato, como a aquisição de equipamentos e mobiliário.

Diferentemente da empreitada global, na empreitada inte-


gral temos uma situação especial. É integral porque a Administração
transfere para o empreiteiro o encargo total, no exemplo acima, a
obrigação de realizar (f1 + f2 + f3 + f4 + f5).

Concluída a obrigação pelo empreiteiro, a Administração terá


o empreendimento integralmente finalizado e pronto para entrar em
funcionamento ou operação. O encargo total do empreiteiro coin-
cide com a viabilização operacional do empreendimento ou solu-
ção final visada pela Administração. Com a execução do encargo, a
necessidade pode ser satisfeita imediatamente.

O regime de empreitada integral é também conhecido como


turn key, que na sua tradução quer dizer girar a chave ou com a chave
na mão. O empreiteiro, então, assume a obrigação de deixar tudo em
ordem para funcionar integralmente.

Além das obrigações relacionadas à execução do contrato (f1


+ f2 + f3 + f4 + f5), é possível atribuir outros encargos ao empreiteiro
como, por exemplo, a elaboração dos projetos (básico e executivo) e
preparação de planilhas?

Como vimos acima, no regime da contratação pública, vigora


o princípio da separação entre o encargo de planejar e o de executar.
Quem planejar a licitação, como regra, não poderá participar dela,
muito menos executar o contrato respectivo. Aliás, a vedação de par-
O Processo de Contratação Pública

ticipar da licitação decorre da proibição genérica de poder executar,


ou seja, como não poderá executar o contrato, não há porque permi-
tir a participação na licitação. A participação na licitação deve, em
princípio, preservar um caráter de utilidade.

Portanto, quem for contratado para elaborar o projeto básico


não poderá depois disputar o contrato para executar o que ele mesmo
definiu como a solução para atender à necessidade da Administra-
ção. São duas situações, em princípio, incompatíveis. A incompati-
bilidade não é absoluta, não significa que quem planejou a obra não

219
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Renato Geraldo Mendes

tem condições técnicas de executá-la. É até possível que tenha con-


dições técnicas. Portanto, a incompatibilidade é meramente relativa,
está relacionada a uma questão ética e moral e a outros princípios.

Foi o raciocínio do legislador: se quem planeja pudesse, tam-


bém, disputar o contrato para executar o objeto, haveria prejuízo no
plano da isonomia.

Em primeiro lugar, porque quem planejou teria informações pri-


vilegiadas, o que causaria prejuízos potenciais à igualdade. O exem-
plo pode ser um tanto quanto exagerado, mas é como se alguém pre-
parasse a prova de um concurso em que vai disputar a única vaga
existente.

Em segundo lugar, porque haveria uma tendência do planeja-


dor em aumentar o custo do empreendimento, o que ensejaria uma
remuneração maior, caso fosse o vencedor. Aliás, foi com base nesse
raciocínio que o legislador vetou o regime de administração contra-
tada, pois nele a remuneração do empreiteiro decorre do custo direto
da obra. Logo, quanto maior for o custo, maior é a remuneração.

Para responder à indagação acima de forma mais organizada,


é melhor separar os argumentos em duas partes: uma para o pro-
jeto básico e outra para o executivo. Avaliaremos primeiro o projeto
básico, para saber se é possível atribuir, ao empreiteiro que vai exe-
cutar o contrato, o encargo de elaborar o projeto básico.

O projeto básico não pode ser definido por quem vai executar
o contrato, o que não significa que um terceiro não possa elaborá-
-lo. É preciso separar bem as duas coisas para que não haja confusão.
Não é possível transferir para a pessoa que vai executar o encargo a
atribuição de definir o próprio encargo que vai executar. Um define
o encargo e outro o executa, ou seja, tais atribuições não podem
ser realizadas pela mesma pessoa nem por pessoas que mantenham
entre si relações empresariais, profissionais ou qualquer vínculo.

Ora, salvo situações excepcionais, sem a definição do objeto


não haverá como deflagrar a licitação propriamente dita (disputa),
pois os particulares não saberão qual o objeto (solução) pretendido

220
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pela Administração, o que impossibilita a elaboração da proposta e


a definição da remuneração.33 Sem que o encargo esteja definido
e dimensionado, não há como alguém definir um preço para a sua
execução.

Feita a análise do projeto básico, avaliaremos a questão da pos-


sibilidade de transferir para o empreiteiro a elaboração do projeto
executivo.

A análise do regime jurídico da licitação vai revelar que o legis-


lador, no § 2º do art. 9º da Lei nº 8.666/93, permite que a Adminis-
tração inclua a elaboração de projeto executivo como encargo do
contratado.

A aplicação desse dispositivo legal pode ser adotada em qual-


quer caso? Teria o legislador configurado uma regra de aplicação geral
ou ela tem aplicação excepcional? Não só por razão de legalidade,
mas também de lógica, é viável entender que a possibilidade de atri-
buir ao empreiteiro a elaboração do projeto executivo é excepcio-
nal, e não uma faculdade a ser utilizada diante de qualquer caso
concreto.

Como regra, quando o empreiteiro começa a executar o con-


trato, tanto o projeto básico como o executivo já devem estar pron-
tos e disponíveis. Dito de outra forma, a execução do objeto é ativi-
dade totalmente vinculada aos projetos básico e executivo, não ape-
nas ao básico, salvo se este contemplar todas as informações sob esse
rótulo.
O Processo de Contratação Pública

A regra indicada foi formatada para atender a determinadas


situações especiais, nas quais a Administração, muito embora defina
o que vai ser feito, não consegue, antecipadamente, estabelecer com
o que será feito ou como deve ser feito. E por que não consegue defi-
nir? A resposta é a seguinte: existem casos em que a forma de execu-
ção estará vinculada ao próprio objeto cotado pelo licitante.

33 É evidente que não nos referimos à possibilidade de licitação para a elaboração do


próprio projeto.

221
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Renato Geraldo Mendes

Explicando melhor. Imaginemos que o problema da Adminis-


tração é “X”. O problema “X” pode ser resolvido por meio de dife-
rentes soluções técnicas, por exemplo: solução “a”, “b” ou “c”, todas
disponíveis no mercado e pertencentes a diferentes pessoas. E cada
uma das soluções apontadas possui uma forma própria e muito espe-
cífica de execução.

Se a Administração indicar, desde logo, a solução executiva,


restringirá a disputa e a licitação será dirigida, uma vez que um forne-
cedor não tem como executar a solução do outro, apenas a sua pró-
pria. Logo, somente é possível dizer como a solução será executada
depois de saber qual o objeto cotado pelo vencedor da licitação. Por-
tanto, ao vencedor caberá definir o projeto executivo. A regra indi-
cada no § 2º do art. 9º da Lei nº 8.666/93 deve se restringir a esse tipo
de situação. Jamais deve ser adotada como regra geral.

Então, como regra, não é possível atribuir ao empreiteiro res-


ponsável pela execução do contrato o encargo de executar o projeto
básico nem o executivo. Apenas excepcionalmente.

7.1. Quando deve ser adotada a empreitada integral, afinal?


7.1.

A principal característica da empreitada integral é envolver


um encargo mais amplo e complexo do que o da empreitada por
preço global ou unitário. Em alguns casos, inclusive, o empreiteiro
tem de recorrer a terceiros para atender ao encargo total e cumpri-lo.

A empreitada integral pode ser utilizada quando a solução final


for complexa e sistêmica. Poderá ser adotada quando o objeto total a
ser executado for integrado por várias partes ou encargos autônomos
e independentes, mas que deverão produzir uma solução unitária.

Com efeito, não podemos adotar o regime de empreitada inte-


gral em qualquer situação, até porque não é cabível em qualquer caso,
mas em situações específicas. Da mesma forma, a empreitada por
preço unitário também não deve ser utilizada de forma generalizada.

222
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Portanto, da mesma forma que o tipo mais usual é o menor


preço, o regime de execução mais comum é o de empreitada por
preço global.

É preciso realizar uma análise cuidadosa diante de cada


demanda específica, para o fim de adotar este ou aquele regime de
execução. A generalização, nesse caso, não é adequada, como tam-
bém não seria se adotássemos o tipo menor preço em todas as situa-
ções. Se fosse possível generalizar um único tipo, uma única moda-
lidade de licitação ou um único regime de execução, não haveria
razão lógica para a existência dos demais.

Uma coisa é seguir a regra quando ela for aplicável; a outra


é ignorar a exceção quando ela tiver cabimento. Adotar a regra
quando a situação concreta impuser a exceção é, sem dúvida, prati-
car ilegalidade. Vamos a um exemplo. Viola a ordem jurídica a auto-
ridade que, por apego ao dever de licitar, não autoriza a contratação
imediata por emergência para a compra de medicamentos indispen-
sáveis ao atendimento de uma epidemia ou mesmo a execução de
uma obra urgente. Aplicar corretamente a lei é ter a clareza que o
Direito é feito de regra e exceção. As duas devem ser respeitadas, sob
pena de violação ao sistema jurídico.

8. Tarefa
8.

A tarefa foi definida na alínea “d” do inc. VIII do art. 6º da Lei


nº 8.666/93 como o regime de empreitada em que a mão de obra é
ajustada para pequenos trabalhos por preço certo, com ou sem forne-
O Processo de Contratação Pública

cimento de materiais.

É possível afirmar, então, que não há diferença substancial entre


a tarefa e a empreitada por preço global; o que distingue uma da
outra é apenas a dimensão e a complexidade do encargo a ser execu-
tado. Na tarefa, há um pequeno encargo, e na empreitada por preço
global temos, normalmente, um encargo de maior monta ou expres-
são. Tanto num regime como no outro, é possível contratar apenas
a mão de obra (o serviço propriamente dito), bem como fornecer os
insumos e materiais a serem empregados, ou conjugar as duas coisas.

223
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Renato Geraldo Mendes

Não é possível contratar apenas o fornecimento, porque aí não


se poderá mais falar em obra ou serviço de engenharia, por exemplo.
Se o ajuste envolver apenas o fornecimento de bens, estaremos diante
de compra. Logo, o encargo será representado por uma obrigação de
dar, e não de fazer, como é o caso da obra de engenharia.

A tarefa é uma atividade ou trabalho que envolve um encargo


simples e de execução rápida e pontual. Normalmente, é utilizada
para atividades destituídas de complexidade técnica e que compre-
endem serviços técnicos comuns, tais como serviço de pintura e res-
tauração de reboco de uma parede. Como o material a ser empre-
gado pode ser fornecido pela Administração ou pelo próprio emprei-
teiro, deverá a Administração definir o que compreenderá o encargo
para que o interessado defina a sua remuneração.

224
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Capítulo 9

DEFINIÇÃO DO PROCEDIMENTO A SER


ADOTADO PARA CONDUZIR A FASE EXTERNA
DO PROCESSO DE CONTRATAÇÃO E INDICAÇÃO
DOS PRESSUPOSTOS DA LICITAÇÃO

1. O que significa definir o procedimento?


1.

Neste capítulo, veremos a definição do procedimento a ser ado-


tado para conduzir a fase externa do processo de contratação. A fase
externa tem natureza preponderantemente competitiva, pois é nela
que se define a melhor relação benefício-custo e se avaliam as con-
dições pessoais e a proposta dos licitantes, ou seja, é nela que o par-
ceiro da Administração é selecionado.

Definir o procedimento a ser observado na fase externa é dizer


como ela será conduzida, se de acordo com o rito da licitação ou
o indicado para dispensa ou inexigência. Fundamentalmente, a fase
externa do processo de contratação é realizada conforme a estrutura
do art. 43 da Lei nº 8.666/93, do art. 4º da Lei nº 10.520/0234 ou do
art. 26 da Lei nº 8.666/93.
O Processo de Contratação Pública

O mais comum é que a fase externa observe o procedimento


da licitação, seja o definido para o pregão ou para uma das moda-
lidades previstas no art. 22 da Lei nº 8.666/93. Com efeito, a licita-
ção é o procedimento a ser observado em regra para conduzir a fase
externa do processo, e o pregão é a modalidade específica que deve,
preferencialmente, ser adotada quando o objeto for bens e serviços
comuns. Se o objeto for obras e serviços de engenharia ou serviços

34 Art. 11 do Decreto nº 3.555/00 ou arts. 17 a 29 do Decreto nº 5.450/05.

225
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Renato Geraldo Mendes

intelectuais, a modalidade preferencial será a concorrência, isto é, o


rito fixado no art. 43 da Lei nº 8.666/93.35

Por um lado, o legislador determinou que a fase externa do pro-


cesso de contratação pública teria a estrutura estabelecida em lei (art.
43 da Lei nº 8.666/93 ou art. 4º da Lei nº 10.520/02). No entanto, por
outro, autorizou a realização com a não observância daqueles ritos
em determinadas hipóteses arroladas taxativa ou exemplificativa-
mente. Por força disso, foram configuradas as hipóteses dos arts. 17,
24 e 25 da Lei nº 8.666/93. Elas autorizam a Administração a aban-
donar o rito da licitação e adotar outro, que está definido de forma
muito incipiente no art. 26 da Lei nº 8.666/93.

Portanto, definir o procedimento da fase externa é fixar como


serão avaliadas as condições pessoais dos interessados, como será
apurada a melhor relação benefício-custo da desejada contratação e
qual regime jurídico disciplinará a sua condução.

2. A decisão da escolha do procedimento


2.

A escolha do procedimento a ser observado na fase externa é


uma decisão, tal qual a que define a necessidade, o objeto e todas
as demais condições que integram o encargo, o regime de execução
ou o tipo de licitação a ser adotado. Trata-se de decisão criteriosa e
que deve ser adotada de acordo com as condições definidas em lei,
e não por eventual escolha de natureza pessoal do agente. Portanto,
a definição do procedimento a ser observado na fase externa decorre
de um critério normativo.

É dever do agente público, no momento oportuno, decidir se


o rito da fase externa do processo será o previsto para a licitação ou
se o da dispensa/inexigência. O que irá determinar isso é a situação
fática real e concreta a ser atendida com a contratação. Por exemplo,

35 A afirmação feita reflete entendimento próprio do autor. Cumpre anotar que o enten-
dimento do TCU é diverso, bem como de parte significativa da doutrina, pois admi-
tem a adoção do pregão, por exemplo, para a contratação de bens e serviços de
engenharia.

226
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a necessidade da Administração poderá determinar o regime jurídico


aplicável e o rito da fase externa. Se o atendimento da necessidade
da Administração for urgente, como nos casos de emergência e cala-
midade pública, estará autorizado o afastamento do rito da licitação.
Tal afastamento altera a forma de seleção do terceiro que irá viabi-
lizar a solução (objeto) desejada pela Administração para satisfazer
sua necessidade. Nos casos em que o atendimento da necessidade
(que o legislador qualificou de “situação” no inc. IV do art. 24 da
Lei nº 8.666/93) deva ocorrer de forma urgente, o rito definido para
a licitação é inadequado e impróprio.

A inadequação resulta da incompatibilidade entre o atendi-


mento dos prazos fixados para a realização da licitação e a rapidez
a ser observada para a seleção do terceiro, bem como para a satis-
fação da necessidade. Diante da situação, se realizada a licitação,
haveria prejuízo irreparável para a necessidade administrativa, ou
seja, dano ao interesse público. Mas é necessário observar que não é
a solução (objeto) para atender à necessidade que mudará, pois esta é
normalmente definida pela Administração e invariável, independen-
temente do procedimento a ser adotado. No exemplo citado, o que
mudará é a forma de seleção do terceiro. Apesar de, normalmente, a
solução (o objeto) definida pela Administração ser invariável, eventu-
almente existem algumas situações especiais que podem alterar essa
conclusão.

A escolha do procedimento a ser adotado na fase externa é


decisão importantíssima para a Administração, pois poderá garantir o
melhor resultado contratual e será determinante para a configuração
da melhor relação benefício-custo a ser obtida em razão da neces-
O Processo de Contratação Pública

sidade a ser satisfeita. No entanto, o que torna tal decisão legal ou


ilegal é a adequada configuração fática da hipótese que autoriza um
procedimento e afasta outro. Todas essas questões se entrelaçam e
devem ser avaliadas de forma sistêmica.

A definição de qual será o procedimento adotado na fase


externa do processo dependerá da resposta a ser dada para a seguinte
pergunta: os pressupostos da licitação podem ser atendidos diante
da situação concreta? Se a resposta for negativa, estará o agente
autorizado a considerar inexigível a licitação. Mas, se a resposta for

227
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Renato Geraldo Mendes

positiva, caberá ao agente verificar se a situação concreta está des-


crita no art. 24 da Lei nº 8.666/93 como caso típico de dispensa. Se
estiver, a licitação poderá ser dispensada. Caso contrário, a licitação
será obrigatória. Para entender a razão que possibilitou estruturar o
critério indicado, é necessário proceder à leitura dos tópicos seguin-
tes, pois adotaremos uma classificação distinta da tradicionalmente
empregada pela doutrina especializada.

É importante destacar que as perguntas e as respostas apresen-


tadas determinam exatamente a ordem lógica e legal que deve ser
observada pelo agente para definir o procedimento da fase externa.
A sistemática proposta tem como premissa a resposta para uma ques-
tão fundamental: qual o pressuposto legal para a licitação ser consi-
derada obrigatória? Essa questão será enfrentada logo após o próximo
tópico.

3. O procedimento regra e o procedimento exceção


3.

Afirma-se com frequência que a licitação é o procedimento


regra, e a dispensa e a inexigência são as suas exceções. A adequa-
ção dessa afirmação deve ser vista em termos, de forma relativa, e
não como algo absoluto.

A licitação tanto é regra a ser seguida como exceção a ser


observada. Da mesma forma, a inexigência também pode ser uma
exceção ou a regra a ser adotada. Em face da urgência de atendi-
mento de situação emergencial ou calamitosa, por exemplo, a regra
a ser cumprida é o afastamento da licitação. Nesse caso, a licitação
passa à condição de exceção (ou mais do que isso, é proibida). Na
ordem jurídica, toda condição pode ser considerada regra e exceção,
pois o que define uma e outra é a situação fática envolvida. Uma
necessidade revestida de urgência tornará a licitação sempre uma
exceção. No entanto, a mesma necessidade revestida de normali-
dade tornará a licitação a regra, e o seu afastamento, a exceção. Essa
é uma característica que informa a ordem normativa e não pode ser
ignorada, muito embora isso aconteça com frequência.

228
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Não é adequado entender que, diante de uma hipótese típica


de inexigência, o agente público poderia, por exemplo, escolher
livremente se faz a licitação ou não. Em dadas situações, mesmo que
o agente desejasse realizar a licitação, ele estaria impedido (proibido)
de fazê-la. A proibição é da própria ordem jurídica. Não é conce-
bível realizar a licitação sob o argumento de que se deseja privile-
giar em todas as contratações o tratamento isonômico. Não é essa a
essência da ordem jurídica. Se fosse possível assegurar sempre o tra-
tamento isonômico, não haveria sentido para o constituinte empre-
gar, no enunciado do inc. XXI do art. 37 da CF, a expressão “ressalva-
dos os casos”. Vale dizer, se a igualdade tivesse de ser respeitada em
todas as contratações, não faria sentido as hipóteses de inexigência,
por exemplo. O atendimento da isonomia não é um valor jurídico
que depende da vontade arbitrária do agente público, mas de condi-
ção objetiva (fática).

Não pode um agente político, por exemplo, um prefeito, sob o


argumento de que deseja prestigiar a mais absoluta moralidade e o
respeito ao tratamento isonômico, determinar que, no município em
que exerce seu mandato, não será mais possível contratar com funda-
mento nos arts. 17, 24 ou 25 da Lei nº 8.666/93 e que todas as contra-
tações serão, obrigatoriamente, precedidas de licitação. Pela mesma
razão que se deve condenar a dispensa ou a inexigibilidade de uma
contratação quando a Lei impõe a obrigatoriedade da licitação, tam-
bém se deve considerar ilegal o seu não afastamento quando os pres-
supostos não estiverem presentes. Ora, não se pode deixar de adquirir
com rapidez medicamentos ou vacinas para atender a uma situação
de urgência sob o argumento de que é preciso realizar licitação na
modalidade de pregão ou concorrência.
O Processo de Contratação Pública

A legalidade não está em licitar sempre, mas apenas nos casos


indicados na ordem jurídica, isto é, quando reunidos os pressupos-
tos. Da mesma forma, não se pode realizar a dispensa ou a inexigên-
cia com sentimento de culpa, como se estivesse fazendo algo ilegal.
Portanto, a adoção da licitação em caso de inexigência é tão ilegal
como a sua não realização quando cabível. A inexigência é a regra
quando ausentes os pressupostos que determinam a licitação, bem
como a sua dispensa poderá ocorrer quando, mesmo presentes os

229
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Renato Geraldo Mendes

seus pressupostos, houver autorização legal para o seu afastamento.


A ideia de regra e exceção na ordem jurídica é um valor relativo.

O atendimento do interesse público acontece por meio de um


procedimento regra ou por intermédio de sua exceção. As duas rea-
lidades integram a ordem jurídica e são indispensáveis para o pleno
atendimento da necessidade administrativa. Procedimento regra é
aquele que deve ser observado em razão de uma situação idealizada
pelo legislador e que possibilita o cumprimento de determinadas
condições ou pressupostos definidos legalmente. Ao contrário, o rito
excepcional pressupõe essencialmente a inaplicação de tais condi-
ções ou pressupostos ou a existência de outros valores que devam ser
considerados juridicamente. Ambas as realidades têm igual importân-
cia para a ordem jurídica, pois representam dois caminhos que con-
duzem ao mesmo destino.

4. Os pressupostos da licitação
4.

A definição do procedimento a ser adotado na condução da


fase externa do processo de contratação implica decisão que se tra-
duz em dupla possibilidade: a realização da licitação ou o seu afas-
tamento. Portanto, ou a licitação é exigível, ou não é.36 Será exigível
se os seus pressupostos estiverem reunidos; não estando, a licitação
será simplesmente inexigível.

Mas quando a licitação é obrigatória e quando ela não deve ser


realizada? Qual é a fronteira que separa esses dois mundos?

A licitação será obrigatória sempre que presente o seu pressu-


posto fundamental, qual seja, o tratamento isonômico. Se for pos-
sível assegurar o devido tratamento igualitário na seleção do futuro
beneficiário do contrato, a licitação deverá ser realizada. É preciso
indagar, então, em que casos não se pode assegurar o atendimento da

36 A palavra “exigível” é utilizada no seu sentido amplo.

230
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isonomia, de modo a justificar o afastamento da licitação e a adoção


de outro rito. A licitação não deve ser realizada quando:

a) A isonomia não puder ser assegurada em razão de uma con-


dição de exclusividade, tal como nas hipóteses do inc. I do
art. 25 e do inc. X do art. 24 da Lei nº 8.666/93;

b) Não for possível definir um critério objetivo para escolher o


terceiro em razão das peculiaridades especiais que caracte-
rizam o objeto e inviabilizam a competição jurídica, como
nas hipóteses descritas no caput e nos incs. II e III do art. 25
e no inc. XIII, parte inicial, e no inc. XV do art. 24 da Lei
nº 8.666/93;

c) Não for possível o atendimento dos prazos relativos ao rito


próprio da licitação em razão da urgência de atendimento
da necessidade, a exemplo dos casos previstos nos incs. III,
IV, V e XII do art. 24 da Lei nº 8.666/93;

d) Houver, na estrutura orgânica da Administração Pública, uma


pessoa capaz e com disponibilidade para diretamente satis-
fazer a necessidade que motivou a contratação, tal como nas
hipóteses previstas nos incs. VIII, XVI, XXIII e XXVI do art. 24
da Lei nº 8.666/93;

e) Revela-se antieconômica em razão do encargo integral neces-


sário à plena satisfação da necessidade da Administração,
como nos casos dos incs. I, II e VI do art. 24 da Lei nº 8.666/93;

f) A igualdade puder ser garantida a todos os interessados inde-


O Processo de Contratação Pública

pendentemente de processo competitivo, a exemplo do cre-


denciamento, cujo fundamento é o caput do art. 25 da Lei
nº 8.666/93;

g) A igualdade já tiver sido assegurada em regular processo com-


petitivo, como nos incs. VII e XI do art. 24 da Lei nº 8.666/93;

h) A escolha do beneficiário do contrato for norteada por polí-


tica que visa à inclusão social de classes ou grupos de pes-
soas em condição desfavorável ou de entidades que prestem

231
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Renato Geraldo Mendes

serviços de interesse social, como descrito na parte final dos


incs. XIII, XX, XXIV e XXVII do art. 24 da Lei nº 8.666/93.

O rol acima traduz os principais casos que impõem o afasta-


mento da licitação e justificam as hipóteses de dispensa e inexigência
previstas nos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/93. Seria possível ampliá-lo
para justificar outras hipóteses dos referidos preceitos, no entanto, evi-
tamos uma relação muito extensa. Ademais, os casos não contempla-
dos são de reduzida aplicação.

Por outro lado, a licitação torna-se obrigatória quando for pos-


sível realizar a escolha do terceiro de forma a garantir a isonomia e
por meio de critério objetivo, atendendo aos prazos legais definidos
para o seu rito procedimental.

5. A questão da impossibilidade de definição de critério


5.
objetivo de julgamento

Cumpre destacar a hipótese do item “b” da classificação indi-


cada no tópico anterior e que impõe o afastamento da licitação
quando não for possível a definição de um critério objetivo para jul-
gamento da proposta e seleção do vencedor. Não se pode exigir a
realização de licitação sob o argumento de que é necessário assegu-
rar tratamento isonômico se não há como definir um critério objetivo
para a escolha do terceiro. Dessa forma, sempre que houver possibi-
lidade real de disputa e não for possível definir um critério objetivo
de julgamento para selecionar a melhor relação benefício-custo em
razão das peculiaridades especiais que caracterizam o objeto e tor-
nam inviável a competição, a licitação não será exigível, ou seja, ela
não deve ser realizada. O que justifica e impõe a licitação não é ape-
nas a ideia de igualdade, mas também a obrigatoriedade de seleção
objetiva dos competidores.

Portanto, não se fala em tratamento isonômico se inviável rea-


lizar uma escolha objetiva. O tratamento isonômico não é um valor
que deve ser assegurado apenas em determinada etapa da contra-
tação, mas do primeiro ao último ato do processo. Ainda que se

232
Mostrar Sumário

demonstre que em todos os atos anteriores foi assegurado tratamento


isonômico, haverá violação da igualdade se a escolha do terceiro for
feita por critérios subjetivos. Vale dizer, se não for possível fixar cri-
tério objetivo de escolha do detentor da melhor proposta, a licitação
não é cabível. Sem entender isso, não se compreende a hipótese pre-
vista, por exemplo, no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93.

Por outro lado, não estamos reconhecendo que o critério subje-


tivo para a escolha de terceiros está vetado no processo de contrata-
ção pública. Referido critério pode e deve ser adotado em determina-
das situações. No entanto, o critério subjetivo não pode ser adotado
quando o procedimento é o da licitação, porque ela deve respeitar
a igualdade, e não haverá tratamento isonômico se o critério não
for objetivo. Como consequência, não é possível dizer que o que se
qualifica como modalidade concurso é licitação nem que o procedi-
mento previsto na Lei nº 12.232/10 é de natureza licitacional. Para
rotular um procedimento como dessa natureza, é preciso observar o
tratamento isonômico e que a escolha do vencedor se faça de forma
objetiva, necessária e simultânea.

A legalidade reside tanto na licitação como no seu afastamento


(dispensa e inexigência). As duas realidades têm fundamento consti-
tucional, ou seja, a própria Constituição consagra ambas ao enunciar:
“ressalvamos os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licita-
ção”. Vale dizer, a licitação será exigida se não for o caso de afastá-
-la por força de condição ou situação especificada na legislação. Por-
tanto, a análise da definição do procedimento não deve iniciar com a
O Processo de Contratação Pública

pergunta “a licitação é obrigatória?”, mas, ao contrário, com a inda-


gação “a licitação está afastada?”.

No entanto, se não afastada, é dever do agente realizar a lici-


tação e escolher, entre as modalidades definidas na Lei, a que será
utilizada para selecionar o terceiro, de acordo com os critérios defi-
nidos na ordem jurídica vigente. Definido que o procedimento será
o da licitação e adotada a modalidade cabível, é dever do agente
garantir a necessária competição, que se traduz, essencialmente, no
tratamento isonômico entre os potenciais competidores e na seleção

233
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Renato Geraldo Mendes

mediante critério de julgamento objetivo. Todas as condições que


restrinjam a disputa ou a participação somente serão consideradas
válidas se forem justificadas à luz da necessidade administrativa,
cuja satisfação é a razão de ser da própria contratação.

É preciso perceber que não há apenas dever de realizar a lici-


tação, mas também de não realizá-la. A inexigibilidade não é even-
tual faculdade que se exerce em razão de um dever (a licitação), mas
expressa uma condição jurídica que tem vida própria e não é simples
apêndice da licitação ou algo secundário em relação a ela. Na con-
tratação pública, a inexigibilidade ocupa a mesma posição hierár-
quica da licitação.

6. O significado da palavra “competição” no contexto


6.
da contratação pública

Diz o legislador, no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93, que é


inexigível a licitação “quando houver inviabilidade de competição”.
Com base em tal enunciação prescritiva, é possível afirmar que a
ideia de competição aparta os dois mundos: o da licitação e o do seu
afastamento.

No entanto, para definir com exatidão essa fronteira, é indis-


pensável fixar um conteúdo preciso para a palavra “competição”.

A licitação pressupõe possibilidade de competição, pois, sem


ela, não há porque assegurar tratamento isonômico. Também é cor-
reto afirmar que a inexigibilidade decorre da ideia de inviabilidade
de competição. Mas inviabilidade não significa, necessariamente,
impossibilidade de disputa real entre competidores. Pode haver
inviabilidade de competição mesmo existindo uma pluralidade de
pessoas em condições de atender à Administração, ou seja, de dis-
putar o contrato.

A ideia de inviabilidade de competição é associada à de


impossibilidade de disputa efetiva entre competidores, mas tal con-
dição representa apenas uma das hipóteses capazes de justificar a

234
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inexigibilidade: a descrita no inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Por-


tanto, não se pode reduzir ou condicionar o gênero (inexigibilidade)
em razão da característica de uma de suas espécies (exclusividade
de fornecedor). Em razão dessa concepção, é possível encontrar jul-
gados reconhecendo a irregularidade da inexigibilidade com funda-
mento no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, porque havia mais de
um fornecedor no mercado detentor de notória especialização, em
condições de ser contratado, como se isso fosse requisito indispen-
sável e único para conferir legalidade ao referido processo.

A inexistência de efetiva disputa entre fornecedores no mer-


cado é condição apenas para validar uma das hipóteses legais de
inexigibilidade de licitação, e não todas as outras existentes, que são
muitas e vão além das expressamente mencionadas no art. 25 da Lei
nº  8.666/93. Ademais, uma parte das hipóteses de inexigibilidade
está classificada equivocadamente no art. 24 e outras nem foram
elencadas na Lei nº 8.666/93.

Com base nos pressupostos da licitação, é possível dizer, basi-


camente, que o que torna legal a inviabilidade de competição é o fato
de não ser possível realizar a escolha do terceiro de forma a garantir
a isonomia, bem como realizar referida escolha por meio de critério
objetivo.

Portanto, inviável é o atendimento dos pressupostos da licita-


ção, e não necessariamente a competição no sentido de possibili-
dade real de disputa. Sob o ponto de vista jurídico, a palavra “com-
petição” tem sentido próprio e traduz a disputa na qual a escolha é
O Processo de Contratação Pública

feita garantindo-se igualdade e objetividade no critério de seleção


do terceiro. Juridicamente, não há competição se não houver tra-
tamento isonômico e critério objetivo para a escolha do vencedor,
bem como a observância dos prazos definidos para o procedimento.
Poderá haver até disputa, mas não haverá competição.

A ideia de licitação pressupõe competição, e esta decorre de


tratamento isonômico e critério objetivo de julgamento. O fato de
ter havido disputa não significa que houve licitação. Não se deve

235
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Renato Geraldo Mendes

confundir disputa com competição. Pode existir disputa entre lici-


tantes e não competição, por ser a licitação dirigida para que um
competidor vença ou porque o critério de julgamento é subjetivo,
por exemplo.

Quando se reconhece que a inexigibilidade decorre de invia-


bilidade, cabe esclarecer que inviável não é necessariamente a dis-
puta, mas inviáveis são os pressupostos da licitação. Na inexigibili-
dade, não se consegue viabilizar a igualdade e o critério objetivo
para a seleção do vencedor, por isso a licitação não pode ser exigida
(é, pois, inexigível).

A existência de vários fornecedores ou prestadores de serviços


atuando no mercado não significa que existirá competição, ainda que
potencialmente possa haver disputa entre eles. Para a disputa, basta
que dois deles se disponham a participar da licitação e desejem o
contrato. Para a efetiva competição, será preciso tratamento isonô-
mico e critério objetivo de escolha da melhor proposta. Quando o
critério de escolha for subjetivo, até será possível afirmar que houve
disputa, mas não que houve competição. O que a pluralidade de
fornecedores viabiliza é a disputa, não a existência de efetiva com-
petição. A possibilidade de disputa depende do mercado, e a efe-
tiva competição, de outros fatores e condições, inclusive da pró-
pria Administração. Assim, disputa e competição são duas realidades
diferentes e não devem ser confundidas.

A palavra “competição” tem sentido próprio e conteúdo pre-


ciso no regime jurídico da contratação, nos termos enunciados no
caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Portanto, o sentido empregado
no preceito não é o atribuído pelos dicionaristas. Aliás, nesse caso,
ao empregar a definição dada pelos dicionários, não se consegue
entender a essência do regime jurídico da contratação. A propósito,
isso explica por que temos tanta dificuldade em decodificar o art. 25
e, especialmente, o seu inc. II. Portanto, o sentido da palavra “com-
petição” é jurídico e próprio e, mais do que isso, é fundamental para
aplicar adequadamente a ordem jurídica vigente.

236
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7. A disciplina constitucional da contratação pública


7.

Conforme bem observou o Ministro Carlos Ayres Britto,37 a con-


tratação pública tem perfil constitucional, ou seja, é a Constituição
que dá os precisos contornos a serem observados pelo legislador na
estruturação do regime jurídico ordinário. Nesse sentido, a Constitui-
ção emoldura, no inc. XXI do seu art. 37, a realidade e a dimensão da
contratação pública nos seguintes termos:

ressalvamos os casos especificados na legislação, as obras, serviços e


compras serão contratados mediante processo de licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas
que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efe-
tivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigên-
cias de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do
cumprimento das obrigações.

O legislador constituinte foi preciso ao enunciar que o regime


jurídico da contratação pública seria integrado por um procedimento
no qual seria assegurada a igualdade de tratamento a todos os com-
petidores e por outro distinto. Essa conclusão é possível em razão da
parte inicial do inc. XXI do art. 37 da CF: “ressalvados os casos espe-
cificados na legislação”.

Com a referida ressalva, quis o constituinte esclarecer, entre


outras coisas, que: a) a seleção do parceiro da Administração não
é feita apenas por meio da licitação; b) existem situações nas quais
não se poderá assegurar tratamento isonômico e critério objetivo
de julgamento (ou seja, competição), ainda que se desejasse; c)
O Processo de Contratação Pública

em determinados casos, mesmo se possível garantir a competição,


outros valores constitucionais podem determinar o afastamento da
obrigatoriedade da licitação;38 d) as situações que afastam a lici-
tação serão definidas em lei, de forma taxativa ou exemplificativa;
e) havendo possibilidade de competição (isonomia e critério obje-
tivo de seleção), o afastamento da licitação deve ter fundamento

37 BRITTO, Carlos Ayres. O perfil constitucional da licitação. Curitiba: Zênite, 1997.


38 São os casos de dispensa.

237
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Renato Geraldo Mendes

em valor garantido constitucionalmente, e a referida situação deve


ser indicada taxativamente pelo legislador ordinário; f) não havendo
possibilidade de competição (por serem inviáveis os pressupostos da
licitação), não é necessária a indicação taxativa das hipóteses que
irão determinar o afastamento da licitação, bastando relação mera-
mente exemplificativa; g) quando possível a competição e não hou-
ver hipótese prevista em lei, o agente não poderá afastar a licitação,
ela será obrigatória; h) por outro lado, se não for possível assegurar
a competição (tratamento isonômico e critério de julgamento obje-
tivo), a licitação não deve ser realizada.39 Todas essas conclusões
decorrem da parte inicial do inc. XXI do art. 37 da Constituição.40

Portanto, a definição do procedimento a ser utilizado na fase


externa do processo não é uma decisão livre do agente, mas decorre
da ordem jurídica. É possível afirmar, com base no inc. XXI do art. 37
da Constituição, que o constituinte fixou a regra a ser observada pela
Administração na seleção de terceiros, ou melhor, impôs que tal sele-
ção deve assegurar igualdade de condições a todos os competidores.
Ademais, deu a esse procedimento um nome próprio: licitação. Dizer
que a licitação é a regra equivale a dizer que a seleção deve assegu-
rar tratamento isonômico a todos. O que caracteriza essa regra é a
efetiva possibilidade de assegurar tratamento isonômico na definição
do beneficiário do contrato a ser celebrado, tendo por objeto a satis-
fação de uma necessidade pública. Esse é o traço fundamental e dis-
tintivo da licitação.

Conforme acentuamos em outra oportunidade,41 a igualdade


é pressuposto, e não fim a ser atingido. A propósito, dissemos que
a finalidade da licitação não é garantir, ao final da fase externa, a
igualdade de todos, mas justamente desigualar os competidores. Se a
finalidade fosse assegurar a igualdade, haveria empate, e, nesse caso,
o procedimento (ou a licitação) não teria servido para nada, ape-
nas para confirmar o próprio pressuposto, a igualdade. No entanto, a

39 Para não dizer vedada.


40 Parte considerável da ordem jurídica não está escrita, mas subentendida. Saber ler o
que não está escrito, mas está subentendido, é a missão precípua do intérprete.
41 MENDES, Renato Geraldo. O regime jurídico da contratação pública. Curitiba:
Zênite, 2008.

238
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desigualdade dos competidores deve ser feita, obrigatoriamente, por


meio de um critério objetivo de julgamento. Se o critério de escolha
do vencedor não for objetivo, não se poderá falar em igualdade e,
por consequência, também não se poderá falar em licitação. A igual-
dade não se expressa apenas em assegurar a todos as mesmas opor-
tunidades de acesso à disputa e de apresentação de suas propostas,
mas também em escolher o vencedor por critério fundado em fator
de seleção objetivo, isto é, que não seja baseado em convicção ou
impressão de foro íntimo do agente que julga. Se reconhecido que a
única forma de garantir a plena satisfação da necessidade da Admi-
nistração é por meio de avaliação (julgamento) de cunho subjetivo,
a licitação será inexigível. Essa é a racionalidade do sistema e deve
presidir todo o processo de interpretação do regime jurídico da con-
tratação pública, especialmente o da Lei nº 8.666/93.

Da mesma forma, para, de maneira isonômica, desigualar os


supostamente iguais, é preciso estruturar um adequado e criterioso
procedimento. Deve-se observar que a igualdade não é um valor que
norteia as decisões dos agentes públicos apenas na fase externa, mas
também, e principalmente, na fase de planejamento (interna), ainda
que nela não haja competição. Para definir e materializar o encargo,
bem como estabelecer as condições pessoais dos competidores e o
critério de apuração da melhor relação benefício-custo, deve-se res-
peitar e observar a ideia de igualdade, de modo a não fixar nenhuma
condição cuja finalidade vise apenas ao afastamento de competido-
res, e não ao atendimento da necessidade. Vale dizer: a igualdade
que se garante na fase externa é assegurada na fase interna, durante
o planejamento.
O Processo de Contratação Pública

Há uma questão essencial que precisa ser avaliada em relação


ao presente tema. Como saber se a hipótese que autoriza o afasta-
mento da licitação e a torna inexigível ou dispensada é constitucional?

Sob o ponto de vista constitucional, a igualdade é a matéria-


-prima básica com a qual o constituinte idealizou e caracterizou
a licitação. Por isso ele disse que a licitação é o processo (leia-se:
procedimento) que “assegura igualdade de condições a todos os
competidores”.

239
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Renato Geraldo Mendes

A igualdade é valor material, e não meramente formal. Sempre


que for possível respeitar a igualdade sob o ponto de vista material,
será obrigatório, como regra, realizar a seleção do terceiro mediante
licitação. Salvo situações pontuais decorrentes de outros valores
constitucionais, a licitação é obrigatória sempre que se puder garantir
a igualdade de tratamento. E, como dissemos, a igualdade se traduz
também na possibilidade de realizar a seleção da melhor proposta
por meio de critério objetivo. Ao dizer que a igualdade não é valor
meramente formal, afirmamos que não basta denominar ou rotular o
procedimento de licitação para que ele seja de fato e de direito uma
licitação. Somente será licitação, sob o ponto de vista material, se
o tratamento isonômico estiver garantido e o critério de julgamento
for objetivo. Se essas duas condições não estiverem reunidas, apenas
se pode afirmar que o referido procedimento é uma licitação sob o
ponto de vista formal. Porém, o constituinte definiu a licitação como
valor material, e não formal. Desse modo, se o procedimento ado-
tado respeitar a igualdade entre todos os interessados e o critério de
julgamento for objetivo, ainda que se denomine o procedimento de
dispensa ou inexigência, ele será uma licitação. Sob o ponto de vista
formal, o referido procedimento é dispensa ou inexigência, mas, sob
o ponto de vista material, é licitação. Portanto, não se pode confundir
essas duas realidades. Não se mistura forma com conteúdo.

O afastamento da licitação como procedimento pré-contratual


tem seu fundamento de validade na ideia de que o atendimento da
necessidade tem primazia sobre a própria ideia de igualdade. Tanto
o atendimento da necessidade quanto o tratamento isonômico são
valores de conteúdo material. Sempre que o atendimento da necessi-
dade puder ser viabilizado por meio de tratamento isonômico, a lici-
tação será, em princípio, obrigatória. Por outro lado, sempre que não
for possível garantir o atendimento da necessidade e, simultanea-
mente, assegurar tratamento isonômico, a licitação deve ser afastada.
Diante disso, o atendimento da necessidade tem prevalência sobre a
própria ideia de tratamento isonômico na estruturação da lógica que
norteia o regime jurídico da contratação pública. Portanto, é razoá-
vel afirmar que o maior de todos os valores norteadores da contrata-
ção pública é o atendimento ou a satisfação da necessidade pública.
A satisfação da necessidade condiciona a própria ideia de igualdade.

240
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Nesse sentido, a Constituição deveria ter consagrado explicitamente


que a necessidade condiciona a igualdade e que é ela que constitui
a matéria-prima e o ingrediente a serem utilizados para construir o
regime jurídico da exceção ao dever de licitar, expressa na enuncia-
ção constitucional: “ressalvados os casos previstos na legislação”.

O atendimento da necessidade e o tratamento isonômico são


condições materiais. Elas criam uma condição formal, qual seja, a
realização da licitação. A licitação é uma exigência formal decorrente
de duas condições materiais básicas. Como conjunto de etapas e atos,
a licitação é exigência formal que existe justamente como condição
para que possam ser atendidos valores materiais.42 Para falar em pro-
cesso de contratação pública, algo é indispensável: a existência de
uma necessidade a ser satisfeita. Mas é possível falar em processo de
contratação mesmo quando não se garanta tratamento isonômico. A
necessidade é pressuposto essencial do processo de contratação, mas
a igualdade não. Será pressuposto necessário quando o processo for
realizado na sua fase externa por meio da licitação.

Por um lado, temos de satisfazer a necessidade e, por outro,


garantir tratamento isonômico. Esses dois valores são, em princípio,
harmônicos e não conflitantes. São harmônicos porque a licitação
assenta-se justamente na ideia de que a escolha do terceiro para satis-
fazer a necessidade ocorra por meio de um procedimento isonômico,
pois normalmente isso é possível. Daí a ideia de regra a ser obser-
vada. No entanto, os referidos valores tornam-se conflitantes quando
entra em cena determinado fator, como, por exemplo, o tempo. Ou
seja, a observância dos prazos (tempo) exigidos em relação a todas
as condições e etapas da licitação colocaria em risco o atendimento
O Processo de Contratação Pública

da necessidade (condição material). Portanto, se, para a satisfação da


necessidade pública, for indispensável agir com rapidez, a licitação
não deve ser realizada. Não pode haver incompatibilidade entre o

42 O procedimento formal existe em razão da necessidade de atendimento de condi-


ções materiais. Por isso, o conteúdo deve sempre prevalecer sobre a forma, e não o
contrário, pois um é meio para que o outro possa ocorrer, ou seja, um (o procedi-
mento) existe em razão do outro (a isonomia). Essencialmente, não haverá ilegali-
dade se o valor material (igualdade) for respeitado, ainda que a forma definida não
seja observada. Por outro lado, haverá ilegalidade se a forma for observada, e o valor
material, não.

241
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Renato Geraldo Mendes

tempo exigido para o atendimento da necessidade e o definido para


a realização da licitação. Havendo incompatibilidade, a opção deve
ser pela satisfação da necessidade, sem a realização da licitação. A
licitação é meio, e o atendimento da necessidade é fim. Sempre que
o emprego do meio for capaz de inviabilizar o fim, ele não deve ser
adotado; deve-se sempre prestigiar o fim. Esse é o primeiro aspecto
a ser considerado na análise do inc. XXI do art. 37 da Constituição e
que levou o constituinte a dizer: “ressalvados os casos especificados
na legislação”.

Por força disso, o constituinte credenciou o legislador ordiná-


rio a afastar a obrigatoriedade da licitação sempre que a Adminis-
tração estivesse diante de uma situação que exigisse ação urgente,
por exemplo. Daí a hipótese dos incs. III, IV e V do art. 24 da Lei
nº 8.666/93. No entanto, é claro que o tempo é apenas um dos fato-
res capaz de afastar a licitação; outros se somam a ele e estão consa-
grados no próprio art. 24 da Lei nº 8.666/93.

Se o tempo é fator que permitiu ao constituinte autorizar o


legislador ordinário a afastar o tratamento isonômico e, consequen-
temente, a licitação, bem como a configurar algumas das hipóteses
do art. 24, qual teria sido a condição que determinou as hipóteses de
inexigibilidade previstas no art. 25 da Lei nº 8.666/93?

É possível afirmar que o que inspirou as hipóteses de inexigi-


bilidade da licitação previstas no art. 25 da citada Lei foram duas
coisas distintas e interdependentes. A hipótese específica prevista no
inc. I do art. 25 decorre da própria impossibilidade real de garantir
o exigido tratamento isonômico. Os casos previstos nos incs. II e III
do referido art. 25 existem em razão da impossibilidade de assegu-
rar critério objetivo para a seleção de terceiros, ainda que haja duas
ou mais pessoas em condições de atender à necessidade da Adminis-
tração. Se o inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93 existe em razão da
impossibilidade real de viabilizar a desejada igualdade, os incs. II e
III assentam-se na ideia de que, sem a existência de critério objetivo,
a igualdade também não pode ser viabilizada, mesmo diante da plu-
ralidade de pessoas em condições de serem escolhidas. Na verdade,
em todas as hipóteses indicadas no mencionado art. 25, não é possí-
vel assegurar a igualdade, quer por absoluta impossibilidade real de

242
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disputa ou por absoluta impossibilidade de fixação de critério obje-


tivo de escolha do terceiro.

A ideia de objetividade tem previsão implícita no inc. XXI do


art. 37 da Constituição, pois decorre da noção de tratamento isonô-
mico, ou seja, não há como assegurar igualdade sem que o critério de
julgamento seja objetivo. A ausência de critério objetivo inviabiliza
a licitação da mesma forma que a inexistência real de, pelo menos,
dois competidores. Mesmo constituindo causas aparentemente dife-
rentes, as duas situações conduzem à mesma consequência: o afas-
tamento da licitação, pois decorrem da mesma essência – a impossi-
bilidade de viabilizar a igualdade.

Sem esgotar a análise e a indicação dos demais fatores que tam-


bém podem ser apontados nos diversos incisos que integram os arts.
24 e 25 da Lei nº 8.666/93, as situações neles definidas ensejaram a
necessidade da idealização de um procedimento (rito) diferenciado
ao da licitação para a seleção do parceiro da Administração. Esse pro-
cedimento especial tem seu fundamento de validade no próprio inc.
XXI do art. 37 da Constituição, ou seja, a semelhança da licitação tem
fundamento constitucional.

Por um lado, se no inc. XXI do art. 37 da Constituição, o cons-


tituinte fixou o procedimento padrão a ser observado, isto é, a lici-
tação, também no referido enunciado ele deixou claro que haveria
outra forma de realizar a seleção de terceiros, a ser fixada pelo legis-
lador ordinário. O constituinte deixou para o legislador ordinário o
O Processo de Contratação Pública

poder de reduzir e calibrar o procedimento padrão (a licitação). Con-


forme ponderamos em texto anterior,43 a delegação feita pelo consti-
tuinte não é um cheque assinado em branco, a ser preenchido ao bel
prazer do legislador ordinário; mas, ao contrário, é exercício de um
poder cujo limite está fixado, de forma implícita e explícita, no pró-
prio inc. XXI do art. 37 da Constituição.

43 MENDES, Renato Geraldo. A licitação é regra ou exceção: repensando a contratação


direta. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite,
n. 88, p. 438, jun. 2001.

243
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Renato Geraldo Mendes

Nos termos do inc. XXI do art. 37 da Constituição, o que dife-


rencia a licitação de outro procedimento capaz de atender à sentença
“ressalvados os casos especificados na legislação” é o tratamento iso-
nômico, fundamentalmente. Portanto, o que autoriza a existência de
hipóteses capazes de afastar a licitação é, essencialmente, a impos-
sibilidade de assegurar igualdade na seleção do terceiro a ser contra-
tado. Mas não se pode ignorar que, além da impossibilidade de via-
bilizar a igualdade, há também a inconveniência de assegurá-la, tal
como nos casos em que o custo de realização da licitação se revela
incompatível com o valor a ser contratado. Aliás, essa situação justi-
fica as hipóteses previstas nos incs. I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93,
pois, do contrário, elas seriam inconstitucionais. No entanto, o afasta-
mento da licitação em razão de valor tem de ser visto com muita cau-
tela. Nesse sentido, o legislador ordinário tem um limite a observar
e não pode dele se afastar, sob pena de incorrer em inconstituciona-
lidade. A “delegação” que decorre do inc. XXI do art. 37 representa
mandato com poderes específicos e pontuais, e não amplos.

8. Licitação, dispensa e inexigência – Distinção


8.

Basicamente, há duas possibilidades: realizar a licitação ou não


realizá-la. A não realização da licitação é normalmente denominada
de dispensa ou de inexigência. Afinal, por que temos esses dois rótu-
los para qualificar o afastamento da licitação?

A razão que justifica a existência de rótulos distintos é o reco-


nhecimento de que eles traduzem diferentes realidades. É preciso
rotulá-los diferentemente para deixar claro que são distintos, de modo
a evitar confusões e permitir a comunicação adequada.

A diferença entre licitação e inexigibilidade é o tratamento iso-


nômico, na licitação ele é obrigatório e pode ser assegurado e, na
inexigência, ele não pode ser viabilizado. Mas qual a distinção entre
dispensa e inexigência?

Se o que aparta a licitação da inexigência é o tratamento isonô-


mico, de modo que na inexigência não é possível garantir a igualdade

244
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ainda que se deseje, na dispensa também não é possível assegurar o


tratamento isonômico, tal como na inexigência?

Se a questão que separa o regime da obrigatoriedade e o do


afastamento da licitação é a ideia de igualdade, a existência das hipó-
teses de dispensa deve se justificar em face de uma ou outra circuns-
tância, isto é, ou os casos de dispensa possibilitam o tratamento iso-
nômico, ou não, salvo se houver uma terceira possibilidade, que não
foi identificada. Descartamos essa terceira via. É preciso situar a dis-
pensa como uma possibilidade jurídica na qual o tratamento isonô-
mico é possível ou não. Se não for, não há sentido para a existência
de um rótulo distinto, visto que tais situações deveriam ser considera-
das como hipóteses de inexigência, mantendo-se, assim, um sistema
do tipo dual (licitação e inexigência), e não tripartite (licitação, dis-
pensa e inexigência).

Após cuidadosa análise das hipóteses previstas nos arts. 24 e


25, devem ser consideradas como de dispensa aquelas em que, ao
contrário da inexigência, seria possível garantir tratamento isonô-
mico. No entanto, por outras razões, o legislador entendeu por bem,
mesmo se possível o tratamento isonômico, afastar a obrigatoriedade
da licitação. Dessa forma, os casos de dispensa estão mais próximos
da licitação do que propriamente da inexigência.

Nessa perspectiva, não é possível simplesmente afirmar que as


hipóteses de dispensa estão previstas no art. 24 da Lei nº 8.666/93, e
as de inexigência, no seu art. 25, pois nem todas as situações arrola-
das no art. 24 são de dispensa, ou seja, parte significativa delas cons-
titui caso típico de inexigência. Se o que separa a inexigência da lici-
O Processo de Contratação Pública

tação e também da dispensa é a impossibilidade de assegurar trata-


mento isonômico para a primeira e a possibilidade de garantir para as
duas últimas, será fácil reclassificar as hipóteses previstas no art. 24
da Lei nº 8.666/93, de modo a dizer o que é caso de dispensa real-
mente e o que é situação de inexigência classificada equivocada-
mente no art. 24.

Mas, para aplicar adequadamente o critério proposto, é preciso


aceitar que a inviabilidade de competição não se reduz à ideia de
possibilidade de disputa, isto é, não é o fato de haver possibilidade

245
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Renato Geraldo Mendes

real de disputa que torna a licitação obrigatória. Portanto, a existên-


cia de mais de um possível fornecedor ou prestador não significa que
a inexigência não possa ocorrer. A inviabilidade de competição, além
de traduzir uma impossibilidade absoluta de disputa real, representa
também uma possibilidade jurídica ditada por outros fatores e outras
condições. Em princípio, os casos tipicamente de dispensa enunciam
situações nas quais o tratamento isonômico seria possível em razão
da viabilidade de competição. Então, é possível realizar a competição
real em face da presença no mercado de mais de um agente em con-
dições de oferecer à Administração o que ela deseja e considerando
que não há o reconhecimento de outro valor jurídico que afaste a dis-
pensa e a converta em caso típico de inexigência. Em outras hipóte-
ses de dispensa, o dever de promover a licitação é afastado pelo sim-
ples fato de que a igualdade já foi observada, como nos casos dos
incs. VII e XII do art. 24 da Lei nº 8.666/93. No inc. V do citado art.
24, apesar de a igualdade ter sido assegurada, a situação traduz hipó-
tese de inexigibilidade, em razão da urgência que passa a qualificar a
contratação, pois, do contrário, haveria prejuízo irreparável.

Dessa forma, as hipóteses previstas nos incs. III, IV, V, VI, VIII,
IX, X, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XXV, XXVI e XXVIII do art. 24 da Lei
nº 8.666/93 constituem situações típicas de inexigibilidade, e não de
dispensa propriamente, em razão do critério aqui adotado. Somente
as situações enunciadas nos incs. I, II, VII, XI, XII, XIX, XX, XXI, XXII,
XXIII, XXVII, XXIX, XXX e XXXI do citado art. 24 são realmente de
dispensa, pois, nesses casos, é possível garantir juridicamente trata-
mento isonômico e definir critério objetivo de julgamento.

Na relação acima não foram incluídas as hipóteses previstas


nos incs. XIII e XXIV do art. 24 da Lei nº 8.666/93, pois decidimos
refletir melhor sobre os dois casos a fim de classificá-los adequada-
mente. A dúvida em relação ao citado inc. XIII reside na sua parte
inicial, pois ela sugere algo mais próximo de inexigibilidade, depen-
dendo da natureza do objeto contratual. Na segunda hipótese desse
dispositivo (instituição dedicada à recuperação do preso), a situação
é típica de dispensa.

Os casos de dispensa somente serão válidos se atenderem a


determinados valores jurídicos consagrados na própria Constituição.

246
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Os de inexigibilidade, por exemplo, fundados em impossibilidade


real de disputa e de definição de critério objetivo de julgamento,
nem precisariam ser enunciados, uma vez que constituem realidade
extranormativa,44 ou seja, não é necessário que a lei os preveja para
serem adotados. É por isso que se diz que os casos de inexigência são
exemplificativos. As hipóteses tipicamente de dispensa somente são
válidas se previstas em lei e desde que possam ser justificadas à luz
de algum valor constitucional. Por exemplo, aquelas dos incs. I e II do
art. 24 têm fundamento no art. 70 (economicidade) da Constituição.

Portanto, se não for possível viabilizar a competição no seu sen-


tido jurídico, por exemplo, em razão da impossibilidade de assegu-
rar tratamento isonômico e definir critério objetivo de julgamento,
estaremos diante de inexigibilidade. Por outro lado, sendo possível
observar a exigida isonomia, a fase externa do processo de contrata-
ção deverá ser conduzida de acordo com a licitação, salvo se houver
hipótese de dispensa prevista legalmente.

O Processo de Contratação Pública

44 Expressão empregada por Marçal Justen Filho para qualificar o fenômeno. Ver: JUSTEN
FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos. 12. ed. São Paulo: Dialética.

247
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Capítulo 10

AS MODALIDADES DE LICITAÇÃO

1. Considerações iniciais
1.

O planejamento da licitação compreende a definição de todas


as condições necessárias para viabilizar a melhor contratação possí-
vel, bem como o estabelecimento, de forma completa, de todas as
exigências que integram o encargo e que serão depois reunidas no
edital. Uma das providências necessárias é a definição do procedi-
mento a ser seguido na fase externa, ou seja, é preciso saber se, diante
da situação concreta, é cabível a licitação ou se, por força da ordem
jurídica, o procedimento será o da sua dispensa ou inexigência.

A definição do procedimento a ser observado na fase externa


da contratação pública é uma decisão tomada na fase interna. Se o
procedimento a ser seguido é o da licitação, a fase externa terá con-
figuração e estrutura determinadas, ainda que se admita a existência
de variações procedimentais em razão da modalidade ou do tipo de
licitação adotados. Mas se a contratação estiver baseada em qual-
quer das hipóteses do art. 24 ou 25 da Lei nº 8.666/93, a fase externa
terá outra configuração, que é bem diferenciada e mais simples, sob
o ponto de vista da sua estrutura.
O Processo de Contratação Pública

Tanto a licitação quanto a dispensa e a inexigência são formas


específicas de realizar a fase externa do processo de contratação.
É preciso observar que não é a licitação, a dispensa ou a inexigên-
cia que possui fase interna, mas sim o processo de contratação.45 O
que se pode dizer apenas é que a fase externa do processo recebe um
nome específico (licitação, dispensa ou inexigência), de acordo com
um critério definido pela ordem jurídica.

45 Aliás, é inadequada a afirmação constante no art. 4º da Lei nº 10.520/02 de que o


pregão tem fase externa, e não o processo.

249
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Renato Geraldo Mendes

Falar sobre licitação nada mais é do que falar sobre modalida-


des, pois tais realidades constituem temas indissociáveis. Aliás, a lici-
tação se expressa por meio de uma modalidade. Definido que o pro-
cedimento a ser observado é o da licitação, o próximo passo é esco-
lher a modalidade adequada em razão da contratação que se pre-
tende realizar ou, para estar mais afinado com a tradição, escolhê-la
em função dos critérios definidos na ordem jurídica vigente.

2. O que é licitação?
2.

Como sabemos, a contratação pública é uma realidade jurídica


integrada por três fases, e a fase externa é uma delas. A forma mais
comum de realização da fase externa é por meio da licitação, por
força mesmo de determinação constitucional. Pois bem, além da fase
externa (licitação), a contratação possui uma fase de planejamento,
que antecede a externa e a contratual. Portanto, a licitação é reali-
dade intermediária entre o planejamento e a execução do contrato.

Cada fase da contratação é, por sua vez, integrada por diferen-


tes etapas, e cada etapa, constituída por diversos atos. Assim como
cada fase tem uma finalidade, cada etapa que a integra também
possui propósitos específicos, pois, sem que eles sejam atingidos, a
finalidade de cada fase não será alcançada. A contratação pública
depende da realização das fases, e estas, das etapas e dos atos que
lhes são próprios. Há uma relação de dependência entre uma e outra,
e isso não pode ser esquecido, pois a nossa realidade é sistêmica.
A ideia de sistema impõe como condição o dever de não esquecer
nenhum detalhe importante, sob pena de colocar em risco a solução
final desejada. Por isso, o planejamento deve ser realizado com muito
cuidado e de forma estruturada, de modo que cada condição neces-
sária seja fixada e adequadamente prevista no edital.

Nesse contexto, a licitação é um conjunto de etapas e atos que


visa a apurar as condições pessoais dos interessados e a viabilizar a
disputa isonômica entre os licitantes, a fim de saber quem propõe o
melhor negócio, ou seja, quem é o titular da melhor relação bene-
fício-custo. Portanto, a licitação pressupõe competição, disputa por
um negócio jurídico. Para falar em licitação, basicamente, é preciso

250
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que alguém deseje uma solução (encargo) e duas ou mais pessoas


possam viabilizá-la. A licitação tem como pressuposto necessário a
viabilidade de competição, pois, se ela for inviável, a licitação não
deverá ser realizada, conforme demonstramos no capítulo anterior.

A ideia de licitação, no entanto, está fortemente associada à


possibilidade de disputa, um traço característico desse instituto. É
assim, em parte, porque a efetiva disputa no processo de contratação
é concentrada justamente na fase externa (licitação), por isso tal fase
é marcadamente competitiva, em razão da potencialidade de disputa
entre os agentes do mercado de bens e serviços. A palavra “licitante”
indica exatamente aquele que faz uma oferta e disputa um negócio.

Por outro lado, na fase interna (planejamento) não há disputa


entre interessados, da mesma forma, ela inexiste na fase contratual.
A licitação caracteriza o momento do processo em que ocorre a efe-
tiva disputa entre os terceiros interessados. É oportuno anotar que a
disputa entre os competidores não existe em razão do desejo de via-
bilizar a solução ou cumprir o encargo, mas em função da possibili-
dade de obtenção de lucro, que é o que move o terceiro (empresário).
A licitação tem um aspecto essencialmente econômico-financeiro.46

A licitação destina-se, fundamentalmente, a identificar quem


possui condições pessoais de viabilizar o encargo pretendido pela
Administração e a apurar a melhor relação benefício-custo,47 expres-
são que temos reiterado sempre que possível, pois revela a razão de
ser de toda a fase competitiva ou fase externa.

A análise das condições pessoais é a etapa da licitação denomi-


nada de habilitação, e a apuração da melhor relação benefício-custo
O Processo de Contratação Pública

é a etapa conhecida como classificação (análise e julgamento da pro-


posta). Além dessas etapas, a licitação possui outras, a de publici-
dade, que é anterior às duas indicadas, bem como a recursal e a de
controle, que são posteriores.

46 O aspecto econômico é traduzido pelo encargo definido pela Administração e mate-


rializado no edital, e o aspecto financeiro é revelado pelo preço da proposta elabo-
rada pelo particular. Daí a expressão “equação econômico-financeira”.
47 É importante ter a clareza de que a igualdade não é um fim, mas o pressuposto da
licitação.

251
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Renato Geraldo Mendes

Pela expressão “melhor relação benefício-custo” não se deve


entender apenas o menor preço. Aliás, o menor preço é consequên-
cia, e não pressuposto da dita relação, ou seja, o propósito principal
não é obter o menor preço. O objetivo é, primeiramente, assegurar
o benefício e, somente depois, escolher o menor preço. Assim, é o
benefício que condiciona o preço, e não o contrário. O ideal é falar
sempre em melhor preço, pois o que o calibra é o benefício.

Para que o preço seja aceito, é preciso antes demonstrar que o


benefício foi garantido. Tal condição deve ser observada tanto numa
concorrência quanto no pregão. O menor preço é critério de esco-
lha de quem possui uma solução aceitável, e não finalidade da lici-
tação. A finalidade da licitação é obter a melhor relação benefício-
-preço, na respectiva ordem, ou seja, primeiro se garante o benefício
e depois se aceita o preço.

É preciso acrescentar que a ideia de benefício envolve também


a de condição pessoal do licitante, principalmente de natureza téc-
nica. Em muitos casos, a obtenção do benefício é condicionada pela
capacidade de o sujeito (licitante) produzir e viabilizar a solução (o
objeto) desejada. Neles, a análise da capacidade técnica (que envolve
ou possibilita a obtenção do benefício) deve condicionar o preço.

3. O que é modalidade de licitação?


3.

É possível responder à pergunta de modo bem direto e simples:


modalidade é a forma específica de realizar a licitação, a fim de via-
bilizar a sua finalidade.48 A modalidade está para a licitação como o
procedimento está para o processo.

Se a fase externa traduz um conjunto de etapas e atos cuja fina-


lidade é dizer quem reúne condições pessoais de cumprir o encargo
e, ainda, quem é o titular da melhor relação benefício-custo, a moda-
lidade é a forma específica e peculiar de realizar esse conjunto de
etapas e atos e atingir a finalidade pretendida. A escolha da modali-
dade deve ser realizada em vista da obtenção do fim visado pela lici-
tação, sendo esse o seu fundamento de validade, e não outro.

48 A melhor relação benefício-custo.

252
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Quando se diz que existem seis modalidades de licitação (con-


corrência, tomada de preços, convite, concurso,49 leilão e pregão), o
que se pretende é ressaltar que há seis modos distintos de conduzir a
disputa entre os licitantes, muito embora todas elas tenham a mesma
finalidade: a seleção de uma pessoa para viabilizar a solução dese-
jada pela Administração, pela melhor relação benefício-custo.

Então, modalidades são variações legais do procedimento da


licitação ou, ainda, variações na condução da forma de processar a
fase externa da contratação pública, quando a licitação é o procedi-
mento adotado.

Essas variações podem ser substanciais ou apenas pontuais.


Variações substanciais são as que implicam alterações significati-
vas no modo de conduzir o processo. As pontuais são as que alte-
ram aspectos apenas específicos e de pouca relevância na condu-
ção da licitação. Na primeira, há uma alteração estrutural, e na
segunda, não.

Assim, por exemplo, a diferença entre a concorrência e o pre-


gão é de natureza substancial, seja em razão da inversão das etapas
de habilitação e julgamento das propostas ou em função da sistemá-
tica recursal adotada ou do mecanismo de redução dos preços ini-
cialmente apresentados. Apesar de o recurso e a redução dos preços
terem sido indicados como diferenças substanciais, o que distingue
fundamentalmente as duas modalidades é a inversão das etapas de
habilitação e propostas.50

A diferença entre a concorrência, a tomada de preços e o con-


vite é apenas pontual. Aliás, essas três modalidades são consideradas
O Processo de Contratação Pública

49 Não consideramos o concurso como modalidade de licitação, mas de inexigibilidade.


50 Na nossa concepção de contratação, não existe inversão de fases, mas inversão de
duas das etapas da fase externa processada por meio da licitação. Assim, podemos
dizer que a fase é a licitação, e ela possui, entre outras, duas etapas: a habilitação
e a proposta. A inversão envolve as duas referidas etapas e ocorre dentro da fase de
licitação. Na nossa visão, o processo de contratação pública possui três fases: a de
planejamento, a externa (licitação) e a contratual. Em cada uma delas, há diversas
etapas, como também, nas diversas etapas, muitos atos. Por exemplo, a fase de pla-
nejamento tem 14 diferentes etapas, e a fase externa, quando é adotada a licitação de
acordo com o rito da Lei nº 8.666/93, tem seis etapas diversas; a habilitação e a pro-
posta são as duas estruturais. Se a modalidade é o pregão (rito da Lei nº 10.520/02),
são cinco as etapas que estruturam a licitação.

253
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Renato Geraldo Mendes

comuns não apenas porque tradicionalmente sempre foram as mais


utilizadas, mas porque possuem muito mais semelhanças no seu rito
procedimental do que diferenças.

Há uma forte tendência de, cada vez mais, haver redução nos
traços que diferenciam as atuais modalidades comuns (concorrência,
TP, convite) e o pregão, principalmente em razão de o projeto de lei
que atualmente tramita no Congresso Nacional pretender estender às
modalidades previstas na Lei nº  8.666/93 a possibilidade da inver-
são das etapas, a forma eletrônica e a concentração da etapa recur-
sal. Se isso ocorrer, o que diferenciará um pregão de uma concorrên-
cia, basicamente, serão os prazos de publicidade e a existência da
fase de lances. Aliás, essa última condição tende a ser também supe-
rada, pois não há, em princípio, impedimento para isso acontecer nas
modalidades previstas na Lei nº 8.666/93. A viabilização de uma fase
de lances na concorrência, por exemplo, não exigiria nem mesmo
mudança legislativa, poderia ser adotada sem necessidade de mudar
nada na atual Lei nº 8.666/93.

Tudo indica que, num futuro não tão distante, haverá uma
reforma legislativa com a finalidade de reduzir o número de moda-
lidades atuais, pois não se justifica a existência de tantas para cum-
prir a mesma função. Pensamos que o ideal é ter duas modalida-
des básicas: a concorrência e o pregão. Além delas, é o caso de
manter o leilão, que é procedimento especial. Convite e tomada de
preços estão com os seus prazos de validade vencidos. Para que a
tomada de preços sobreviva, se for esse o caso, será preciso tratar
o sistema de registro cadastral de forma adequada, o que até hoje
não ocorreu.

4. Crítica ao critério de escolha das modalidades no


4.
regime jurídico vigente

No tradicional regime jurídico da Lei nº  8.666/93, as cinco


modalidades previstas são definidas em razão de dois critérios bási-
cos: a) valor estimado da contratação e b) natureza do objeto ou da
obrigação a ser cumprida.

254
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Na Lei nº 10.520/02, o pregão, que é a única modalidade ali


prevista, é adotado exclusivamente em função da natureza do objeto,
ou seja, bens e serviços comuns.

Até o advento do pregão, é certo afirmar que o critério predo-


minante no Brasil para determinar a modalidade era o do valor esti-
mado da contratação, ou seja, a escolha da concorrência, da tomada
de preço ou do convite era determinada em função do montante do
valor estimado da contratação a ser realizada, conforme previsto no
art. 23 da Lei nº  8.666/93. Com o pregão, o critério predominante
passa a ser o da natureza do objeto ou da obrigação (bens e serviços
comuns), visto que o pregão se tornou a modalidade de mais larga utili-
zação, pelo menos no âmbito da Administração federal e dos estados.51

A escolha da modalidade baseada no valor estimado da contra-


tação é equivocada e decorre de uma condição histórica superada no
tempo. O único critério razoável, sob o ponto de vista lógico, é o que
se baseia na natureza do objeto ou da obrigação a ser cumprida pelo
futuro contratado. Nesse sentido, não só o pregão foi uma inovação
elogiável, como também corrigiu o vício histórico relativo ao critério
de escolha da modalidade.

Para entender o descabimento do critério baseado no valor esti-


mado, é preciso antes ter a clareza de que existem apenas dois regimes
vigentes regulando a fase externa do processo: o da Lei nº 8.666/93
e o da Lei nº  10.520/02. Ao fazer essa afirmação, dizemos que há
duas formas básicas de processar a fase externa do processo de con-
tratação pública quando se adota a licitação, pelo menos no âmbito
federal.
O Processo de Contratação Pública

Na Lei nº  10.520/02 está disciplinada apenas e tão somente


uma modalidade: o pregão. Portanto, nessa Lei existe apenas um
modo específico de conduzir a licitação, e ele é definido com base na
natureza do encargo ou da obrigação: bens e serviços comuns. Vale
dizer, o pregão não admite nenhuma variação procedimental, isto é,
existe apenas um único modo ou rito de condução e processo. O que

51 Em relação aos municípios, não temos dados para fazer essa afirmação, mas é certo
que isso ocorrerá com o tempo, se ainda não ocorreu.

255
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Renato Geraldo Mendes

o pregão admite é o processamento por meio eletrônico ou presen-


cial, mas isso não altera a estrutura lógica do procedimento definido.
Os pregões eletrônico e presencial não constituem modalidades dis-
tintas de licitação, mas duas formas diferentes de realizar a mesma
licitação e atender ao mesmo rito.

Na Lei nº  8.666/93 existem cinco modalidades de licitação:


duas (concurso e leilão) são específicas e três (concorrência, tomada
de preços e convite) são consideradas comuns, pois se destinam à
contratação de obras, bens e serviços, comuns ou não. Ocorre, no
entanto, que o rito procedimental a ser adotado nas três modalida-
des comuns é o mesmo, ou seja, aquele definido no art. 43 da Lei
nº  8.666/93. Ademais, no referido preceito legal, não há nenhuma
variação procedimental, mas apenas e tão somente um único rito ou
modo possível a ser adotado.

O que diferencia essas três modalidades comuns (concorrência,


tomada de preços e convite) não é o rito de processamento de cada
uma delas, mas outras exigências, como prazo de publicidade, prazo
para interposição e processamento do recurso. Sob o ponto de vista
estrutural ou mesmo lógico, as três modalidades não mais se justifi-
cam. Não há sentido para a manutenção delas. Uma é suficiente, a
concorrência. Aliás, manter as três modalidades referidas é compli-
car o que deveria ser simples.

Em face do que dispõem a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02,


essencialmente, há dois procedimentos distintos e duas modalida-
des: o pregão e a concorrência. Por isso não há sentido na existência
de tantas modalidades, bem como no critério baseado no valor esti-
mado da contratação. Essa é uma mudança legislativa importante e
que deve ser realizada.

5. Sob o ponto de vista essencial, qual traço distingue o


5.
pregão da concorrência?

Vamos refletir agora sobre a diferença essencial entre a Lei


nº 10.520/02 e a Lei nº 8.666/93 no tocante à forma com que a fase
externa do processo é disciplinada e entender um pouco melhor

256
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porque o critério de escolha baseado no valor estimado da contrata-


ção é inadequado.

Apenas com o propósito de ampliar os horizontes das nossas


reflexões, cumpre dizer que a Lei nº 10.520/02 praticamente se limi-
tou a regular a fase externa do processo, não teve como foco o plane-
jamento e o contrato. Basta uma análise rápida do texto da Lei para
perceber que não dispõe sobre a matéria contratual e faz pouco caso
do planejamento (fase interna). A preocupação quase exclusiva foi
com a fase externa, com a criação de uma nova modalidade (uma
nova forma específica de realizar a licitação).52

Fundamentalmente, a diferença entre pregão e concorrência,


ou a diferença entre o regime jurídico da Lei nº 10.520/02 e a dis-
ciplina da fase externa do processo de contratação dada pela Lei
nº 8.666/93, é a inversão das etapas. A existência de uma etapa de
lances e a concentração da de recurso não são diferenças essenciais
capazes de distinguir as duas realidades. A possibilidade de recurso
administrativo existe nos dois regimes (Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02),
ainda que em um tenha sido prevista de forma concentrada. Da
mesma forma, a mutabilidade do preço da proposta é medida tam-
bém contemplada nos dois sistemas, até porque a ideia de negocia-
ção dos preços ou a sua mutabilidade está consagrada também na Lei
nº 8.666/93.53 Ademais, a finalidade de obter a melhor relação bene-
fício-custo norteia os dois regimes jurídicos, pois em ambos vigora o
princípio da obtenção do negócio mais vantajoso.

O que torna o pregão uma modalidade distinta da concorrên-


cia, por exemplo, é a ordem na qual se realiza a análise das propos-
O Processo de Contratação Pública

tas e das condições pessoais. Cumpre observar que, tanto na concor-


rência como no pregão, as duas etapas mais importantes que estru-
turam a licitação são a análise das condições pessoais e a análise da
proposta. Nesse ponto, o sistema tradicional de estruturar a licitação

52 O pregão não resolveu o grande problema da contratação pública, mas apenas um


dos que existem na fase externa do processo de contratação.
53 Ver art. 46, § 2º, inc. II, por exemplo. A possibilidade de redução do preço proposto e
de negociação insere-se na ideia que norteia a própria contratação pública – a obten-
ção da proposta mais vantajosa, conforme previsto no art. 2º da Lei nº 8.666/93.

257
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Renato Geraldo Mendes

para permitir a análise da habilitação e da proposta foi mantido na Lei


nº 10.520/02. O que mudou foi a ordem da análise de cada uma das
etapas, ou seja, houve inversão.

É muito importante entender o motivo da inversão das etapas


de habilitação e propostas. Na estrutura prevista no art. 43 da Lei
nº  8.666/93, primeiro é realizada a análise das condições pessoais
dos licitantes (habilitação) e somente depois são avaliadas as pro-
postas dos habilitados, e no pregão há a inversão dessa ordem. É
um equívoco pensar que a inversão das etapas no pregão traduz o
reconhecimento de que erramos ao estruturar o rito previsto na Lei
nº 8.666/93 e agora corrigimos o erro na Lei nº 10.520/02.

Não há nenhum erro na estrutura da Lei nº  8.666/93, muito


pelo contrário, ela é e continuará a ser absolutamente necessária e
adequada. Portanto, esse equívoco não foi corrigido com a inversão
adotada na Lei nº 10.520/02. O grande problema enfrentado na fase
externa sempre foi o da existência de apenas uma forma de proces-
sar a licitação (isto é, a prevista na Lei nº 8.666/93). Todas as soluções
eram submetidas ao mesmo esquema de contratação, pouco impor-
tando se fosse obra ou serviço de engenharia, serviços intelectuais
ou, ainda, bens e serviços comuns.

A inversão não ocorreu porque havia muita discussão em rela-


ção à etapa de habilitação e iniciar o procedimento pela proposta
reduziria esse debate. É certo dizer que há sempre muita discussão
quando se inicia pela habilitação em razão de os licitantes ainda não
conhecerem os preços dos demais competidores. Também é certo
dizer que quando se inicia pela proposta de preços, as discussões em
torno da habilitação são reduzidas. Tudo isso está correto. Mas não
é certo dizer que o pregão foi criado para reduzir a discussão que
havia na etapa de habilitação. As premissas são verdadeiras, mas a
conclusão é falsa. E é falsa porque o pregão foi idealizado para resol-
ver outro problema, ainda que, de forma reflexiva, tenha atenuado
também as discussões relativas à habilitação que o sistema da Lei
nº  8.666/93 propicia. A verdadeira razão é, no entanto, outra, até
porque se fosse a indicada, o mais razoável seria a revogação da Lei

258
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nº 8.666/93 e a eliminação do rito previsto no seu art. 43. Mas, como


todos sabem, isso não ocorreu e nem ocorrerá.

Em muitos casos (obras e serviços técnicos), iniciar a análise


pelas condições pessoais (habilitação) não se trata de uma opção,
mas de uma necessidade, salvo se essa análise puder ser feita prelimi-
narmente por meio de pré-qualificação ou mesmo de registro cadas-
tral. Aliás, essa é a melhor opção, e pode ser realizada desde que
um sistema eficiente seja estruturado. Tal sistema possibilitaria que
a licitação avaliasse apenas a proposta, ou seja, haveria apenas uma
etapa54 – a de classificação das propostas. A etapa destinada à habili-
tação seria eliminada do processo e realizada preliminarmente.

Assim, o pregão foi instituído para corrigir um vício histórico


da fase externa e representou avanço considerável nas contratações
públicas. Até o advento do pregão, havia um único regime jurídico
(o da Lei nº 8.666/93) e uma única forma de conduzir a fase externa
do processo de contratação (a prevista no seu art. 43). Com o pregão,
surge uma segunda forma de processar a licitação.

É preciso lembrar que o sistema da Lei nº  8.666/93 foi pen-


sado e estruturado para licitar obras e serviços de engenharia e ser-
viços intelectuais, e não outras soluções, como, por exemplo, bens
e serviços comuns. No entanto, apesar de ser incompatível para lici-
tar bens e serviços comuns, o sistema da Lei nº 8.666/93 foi utilizado
por muitos anos para esse fim. Aliás, o regime anterior (Decreto-lei
nº 2.300/86) adota idêntica sistemática.

A estrutura da Lei nº 8.666/93 pressupõe dois aspectos indis-


O Processo de Contratação Pública

sociáveis: a) a solução deve ser complexa e b) realizada diretamente


pelo próprio contratado. É indevida a utilização da Lei nº 8.666/93
para licitar, por exemplo, bens e serviços comuns. Da mesma forma,
é inadequado utilizar a Lei nº  10.520/02 para licitar obras e servi-
ços de engenharia e serviços intelectuais, pois são soluções com-
plexas e precisam ser feitas sob encomenda, por quem tem capaci-
dade técnica. Essa peculiaridade faz toda a diferença no momento

54 Obviamente, além das demais indicadas (publicidade, recurso e controle).

259
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Renato Geraldo Mendes

de estruturar o planejamento e de escolher o regime a ser adotado na


fase externa da contratação.

A fase externa, nos dois regimes, destina-se à análise da pes-


soa do licitante e da sua proposta, a diferença está no momento em
que cada uma ocorre. De acordo com a Lei nº 8.666/93, a análise da
pessoa precede a da proposta; no pregão, ela é posterior. Por isso, na
ordem jurídica vigente, há dois sistemas distintos: o primeiro adota
o modelo de avaliação do tipo capacidade-preço, e o segundo consi-
dera a condição preço-capacidade.55

O primeiro modelo exige que o preço seja, necessariamente,


condicionado pela capacidade técnica do licitante, isto é, só é possí-
vel aceitar o preço se antes ele demonstrar que tem capacidade téc-
nica de viabilizar o encargo (objeto) e garantir o benefício desejado.
Há uma relação direta entre preço e capacidade. A lógica aqui é sim-
ples de ser explicada. O preço tem relação direta com a capacidade
técnica do sujeito que vai viabilizar a solução. Quanto mais com-
plexa for a solução (o objeto), maior será a necessidade de o sujeito
possuir capacidade técnica especial. Em razão disso, quanto mais
capacidade ele possuir, mais elevado será o seu preço. Logo, ao esco-
lher primeiro o menor preço, para depois apurar a capacidade téc-
nica, faremos um belo gol contra, isto é, escolheremos, pelo menos
em tese, o pior para fazer o mais difícil, eliminando possivelmente
o melhor.56 É possível argumentar que tal conceito é relativo, porque
aquele que tem o menor preço não é necessariamente o pior, que não
possui capacidade. É evidente que não ignoramos isso, apenas apre-
sentamos a lógica que deve nortear o raciocínio e a estruturação de
um sistema jurídico. A eventual exceção não pode ser tomada como
sendo a regra a ser seguida.

Se o encargo envolve solução complexa, que deve ser viabili-


zada diretamente pelo próprio contratado, e, para tanto, é exigido
dele capacidade técnica, o sistema a ser adotado é do tipo capaci-
dade-preço. Nesse sentido, primeiro é preciso apurar a capacidade
técnica (habilitação) para somente depois conhecer o preço. Se o

55 Ou proposta-habilitação ou mesmo habilitação-proposta.


56 De preferência, o melhor deve ser priorizado, e não relegado a um segundo plano.

260
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encargo envolve bens e serviços comuns, o sistema é do tipo preço-


-capacidade, ou seja, a capacidade é apurada com base no preço.

O pregão é incompatível com as soluções que exigem o sis-


tema do tipo capacidade-preço, mas é indiscutivelmente a melhor
forma de contratar quando o sistema é do tipo preço-capacidade.
O sistema preço-capacidade é o que reconhece que o preço é fator
relevante para a escolha do parceiro e que a capacidade técnica, por
exemplo, tem pequena importância em razão do tipo do encargo a
ser executado.

6. Por que a escolha da modalidade se tornou uma


6.
das decisões mais importantes do processo de
contratação?

Porque atualmente escolher a modalidade é definir o regime


jurídico que será adotado para conduzir a fase externa (licitação). E
definir o regime jurídico (Lei nº 8.666/93 ou Lei nº 10.520/02) é esta-
belecer o rito a ser observado na fase externa, como será avaliado o
futuro contratado e como será julgada a sua proposta. A finalidade
da fase externa é, essencialmente, apurar a melhor relação benefício-
-custo para a Administração. Quando aprendermos a planejar ade-
quadamente o encargo e a apurar de forma suficiente a melhor rela-
ção benefício-custo, os principais problemas enfrentados na fase con-
tratual desaparecerão.

A escolha da modalidade, segundo essa visão, é norteada pelo


princípio da eficiência, inscrito no caput do art. 37 da Constituição.
O Processo de Contratação Pública

7. Como definir a modalidade em razão de um objeto


7.
específico?

Para definir a modalidade, é preciso, primeiro, avaliar a natu-


reza do objeto e, somente depois, considerar o critério do valor
estimado da contratação. Essa é a ordem lógica que deve nortear o
agente responsável pela definição da modalidade cabível.

261
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Renato Geraldo Mendes

Vamos estruturar um esquema bem objetivo para identificar a


modalidade cabível para cada situação concreta. Assim, para saber
qual das mencionadas modalidades deve ser adotada diante de cada
situação específica, um método simples e direto é formular as seguin-
tes perguntas:

7.1. solução (o objeto) desejada pela Administração é obra ou


7.1. A
serviço de engenharia?

Se a resposta for afirmativa, a regra a ser observada é a da escolha


de uma das modalidades comuns previstas na Lei nº 8.666/93, isto é,
concorrência, tomada de preços ou convite. Para escolher uma delas,
será necessário considerar o critério do valor estimado da contratação.
Em razão do valor estimado e de acordo com as faixas de variações
definidas no art. 23 da Lei nº 8.666/93, o agente responsável deverá
escolher uma das modalidades indicadas. Se o valor estimado da obra
ou do serviço de engenharia for de até R$ 150.000,00, poderá ser ado-
tado o convite, sem prejuízo de escolher a tomada de preços ou a con-
corrência, por força da possibilidade prevista no § 4º do art. 22 da Lei
nº 8.666/93. Se o valor da obra ou do serviço de engenharia for esti-
mado entre R$ 150.000,00 e R$ 1.500.000,00, a modalidade a ser ado-
tada deverá ser a tomada de preços, salvo se houver opção pela adoção
da concorrência, por força do citado § 4º do art. 22 da Lei nº 8.666/93.
Por fim, se o valor estimado for acima de R$ 1.500.000,00, a modali-
dade deverá ser a concorrência, obrigatoriamente.

Em regra, não é cabível a adoção do pregão para licitar obras e


serviços de engenharia em razão de todos os argumentos consigna-
dos neste trabalho e em outro que já publicamos.57 No entanto, cum-
pre reiterar que o entendimento do TCU e de parte expressiva da dou-
trina é outro: o pregão pode ser adotado também nas licitações em
que o objeto/encargo for obras e serviços de engenharia; pelo menos
é nessa direção que as opiniões vêm convergindo.

57 A questão da definição de bens e serviços comuns na Lei nº 10.520/02 e a proposi-


ção de critério técnico para o cabimento do pregão, Revista Zênite – Informativo de
Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 193, p. 268-274, mar. 2010.

262
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Até seria admissível a adoção do pregão de forma mais gene-


ralizada para contratar obras e serviços de engenharia, desde que
possível inverter as atuais etapas que estruturam o pregão, ou seja,
primeiro seria realizada a habilitação e somente depois seriam aber-
tas e analisadas as propostas. Assim, além de condicionar o preço à
capacidade técnica – que é fundamental, seria viável também pro-
mover uma fase de lances para obter preço melhor. No entanto, isso
desnaturaria o pregão.

Uma alternativa é manter, para a contratação de obras e servi-


ços de engenharia, o sistema previsto na Lei nº 8.666/93 e determinar
a adoção de uma fase de lances, tal como no pregão. Aliás, a ado-
ção da fase de lances em concorrência, tomada de preços e convite é
possível e não depende de mudança na Lei, basta prevê-la no edital,
pois a Lei nº 8.666/93 possibilita isso. É claro que essa possibilidade
não é decorrente da literalidade de um dos seus enunciados, mas
da sua essência. Afinal, a finalidade precípua da licitação é a obten-
ção da proposta mais vantajosa, isto é, a apuração da melhor relação
benefício-custo.

A última opção seria estruturar um sistema de pré-qualificação


ou de cadastramento preliminar dos licitantes, o que resolveria o pro-
blema. Essa é a melhor de todas as alternativas, mas tem um custo de
gestão a ser considerado.

Temos vários caminhos, o único pouco razoável é licitar obras


e serviços de engenharia por pregão, de modo a condicionar a capa-
cidade técnica ao preço.
O Processo de Contratação Pública

7.2. solução (o objeto) desejada pela Administração é serviço


7.2. A
intelectual?

Se a solução desejada se expressa por meio de um serviço de


natureza intelectual, a regra é realizar a contratação por inexigên-
cia, e não por licitação. A eventual realização de licitação é condi-
cionada à possibilidade de definição objetiva do critério de escolha
das propostas, sob pena de desnaturar o pressuposto da licitação, ou
seja, o julgamento objetivo.

263
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Renato Geraldo Mendes

Na Lei nº 8.666/93, os serviços intelectuais aparecem indicados


no seu art. 46. É preciso observar, no entanto, que esse artigo diz que
“os tipos de licitação melhor técnica ou técnica e preço serão utili-
zados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente
intelectual”, e não que os serviços intelectuais devem ser contrata-
dos obrigatoriamente por licitação. Assim, é determinado que, se
possível licitar os serviços intelectuais, deve ser por melhor técnica
ou técnica e preço, e não por menor preço. Mas há uma condição a
ser observada para que tais serviços sejam licitados: que possam ser
definidos e julgados de forma objetiva, o que, em muitos casos, não
é possível.

Deve-se ponderar apenas que, ao contrário das obras e dos ser-


viços, o entendimento da doutrina e do TCU tem sido de que os ser-
viços intelectuais não devem ser licitados, em princípio, por meio do
pregão. A propósito, isso já é um avanço.

Para deixar bem explícito, a ordem jurídica vigente estabe-


lece que, de maneira geral, os serviços intelectuais não devem ser
licitados, salvo nos casos de possibilidade de definição objetiva do
encargo/da solução e do estabelecimento de critério objetivo para a
escolha do vencedor. Porém, se possível e viável a licitação, ela deve
ser realizada pelo tipo melhor técnica ou por técnica e preço. Se for
o caso de licitar, jamais a modalidade poderá ser o pregão.58

Portanto, se necessário licitar os serviços intelectuais, a modali-


dade deverá ser definida em razão do valor estimado da contratação,
conforme previsto no art. 23 da Lei nº 8.666/93.

7.3. solução (o objeto) desejada pela Administração é bem ou


7.3. A
serviço comum?

Quando for possível considerar a natureza da solução (do


objeto) como comum, a modalidade deverá ser obrigatoriamente
o pregão, não cabendo adotar as modalidades previstas no art. 22
da Lei nº 8.666/93 em razão do que dispõe a ordem jurídica atual,

58 E não é porque o pregão deve ser por menor preço, pois o tipo técnica e preço tam-
bém pode ser adotado no pregão.

264
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notadamente para a esfera federal. Para a contratação de bens e ser-


viços comuns, a ordem jurídica consagra uma regra e uma exceção.
A regra é a adoção do pregão, e a exceção é a utilização de concor-
rência, tomada de preços ou convite. No entanto, para que não se
adote a regra (o pregão), será necessária justificativa plausível.

Deve-se adotar o pregão porque ele tem a estrutura mais ade-


quada para licitar bens e serviços comuns. Adotar a estrutura defi-
nida no art. 43 da Lei nº 8.666/93 é reiterar o vício histórico que o
pregão veio para corrigir. O problema não é o indiscutível cabimento
do pregão para essa contratação, mas o que se deve entender por
bens e serviços comuns.

7.4. O que a Administração deseja é realizar uma alienação?


7.4.

A necessidade da Administração pode ser resolvida por meio de


obra, serviço, compra ou mesmo alienação. Ou seja, a Administração
tanto pode querer adquirir algo como alienar um bem de sua proprie-
dade, esteja ele integrado ao seu patrimônio efetivo ou constituindo
seu ativo circulante. Em decorrência de compra, obra ou contrata-
ção de um serviço, a Administração tem um desembolso de recurso
financeiro; em razão de uma alienação na forma de venda, ela passa
a contar com um ingresso de receita.

A alienação de bens da Administração pode ser realizada por


meio de licitação e também sem observar esse procedimento. A alie-
nação sem a observância da licitação está prevista no art. 17 da Lei
nº 8.666/93 e é denominada de licitação dispensada. Não sendo a
hipótese de dispensar a licitação, será preciso definir uma modali-
O Processo de Contratação Pública

dade entre as que estão indicadas no art. 22 da Lei nº 8.666/93, pois


é incabível pensar no pregão para esse fim.

Entre as modalidades previstas no art. 22 da Lei nº 8.666/93,


há duas que podem ser utilizadas pelo agente público para alienar
bens: a concorrência e o leilão. Portanto, não se pode pensar em alie-
nar bens por meio de pregão, tomada de preços, convite e concurso.

Se possível aplicar as duas modalidades apontadas para alienar


bens da Administração, quando devemos empregar a concorrência e

265
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Renato Geraldo Mendes

quando é cabível o leilão? Qual das duas modalidades é a mais van-


tajosa em se tratando de alienação?

Para responder à primeira indagação, é preciso reunir as regras


previstas na Lei nº 8.666/93 que regulam a questão e delas extrair o seu
conteúdo. São elas o § 3º do art. 23, que diz quando a concorrência é
cabível; o § 5º do art. 22, que define o leilão; o § 6º do art. 17, que dis-
ciplina o valor estimado para fins de cabimento do leilão; e o art. 19,
que dispõe sobre a alienação de bens imóveis cuja aquisição haja deri-
vado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento.

Como resultado da análise desses enunciados, é possível afir-


mar que:

a) A alienação de bens imóveis que pertençam à Administração


e integrem o seu ativo permanente deve ocorrer por meio de
concorrência.

b) A alienação de bens imóveis que pertençam ao ativo circu-


lante da Administração pode ser realizada por meio de leilão
ou concorrência. A escolha entre a concorrência e o leilão
caberá ao agente competente, constituindo o que se deno-
mina de decisão discricionária. Mas não se trata de escolha
a ser feita segundo um critério meramente pessoal. Ela deve
recair sobre a modalidade capaz de proporcionar a obten-
ção da proposta mais vantajosa, pois é essa a finalidade pre-
cípua da venda. No caso da alienação, a proposta mais van-
tajosa é a de maior preço. Assim, o sistema que melhor via-
biliza a mutabilidade dos preços, ou seja, faz com que os
preços iniciais possam ser elevados, é o leilão. Como regra,
a modalidade a ser utilizada para alienar os referidos bens
deverá ser o leilão, e não a concorrência. Com o advento da
Lei nº 10.520/02, a orientação deve ser no sentido de privi-
legiar o sistema que permita a mutabilidade dos preços, para
baixo (no caso de compra) ou para cima (no caso da venda).
No entanto, existem outros fatores que precisam ser levados

266
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em conta na decisão. Um deles é o eventual interesse do


mercado em relação ao que será vendido.

c) A alienação de bens móveis inservíveis para a Administra-


ção ou de produtos legalmente apreendidos ou empenha-
dos deve ser feita por meio de leilão. O § 6º do art. 17 da
Lei nº 8.666/93, introduzido pela Lei nº 8.883/94, diz que
“para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou global-
mente, em quantia não superior ao limite previsto no art.
23, inciso II, alínea “b” desta Lei, a Administração poderá
permitir o leilão”. Para não ter que dizer que esse preceito
é de uma impropriedade ímpar, o mais razoável é concluir
apenas que o seu conteúdo serve para fixar um limite para
a utilização do leilão, ou seja, só poderá ser utilizado se os
bens avaliados, isolada ou globalmente, tiverem um valor
estimado de até R$ 650.000,00. Seguindo essa prescrição,
se o valor estimado for superior ao indicado, a modalidade
a ser utilizada para alienar os bens móveis deverá ser a con-
corrência. Em que pese a prescrição que o enunciado pos-
sibilita, entendo que impor a adoção da concorrência para
alienar bens móveis é, salvo engano, um despropósito. A
modalidade cabível deve ser o leilão. A fim de que não
seja necessário reiterar que o leilão deve ser utilizado para
alienar bens móveis sempre que houver potencialidade de
grande disputa, o melhor a fazer é desejar que o §  6º do
art. 17 da Lei nº 8.666/93 seja revogado. A concorrência só
poderá ser considerada a mais adequada se for o caso de
bens cujo nível de competição será muito pequeno, possi-
O Processo de Contratação Pública

bilitando prever que não haverá disputa (ou só haverá um


provável licitante). A vantagem da concorrência nesse caso
é a seguinte: como o único licitante (ou os poucos licitan-
tes) imagina que poderá haver muita disputa, a tendência
é que apresente uma proposta escrita com preço mais ele-
vado, visto que ele é imutável. À exceção dessa hipótese, a
tendência é que o leilão seja sempre mais vantajoso. A pro-
pósito, a escolha da modalidade deve ser sempre norteada
pela possibilidade de obter a melhor proposta (a melhor
relação benefício-custo).

267
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Renato Geraldo Mendes

7.5. solução (o objeto) desejada pela Administração é comprar


7.5. A
bem imóvel?

Se a solução para atender à necessidade da Administração for


a aquisição de bem imóvel, haverá duas possibilidades: a) realizar
a compra por dispensa com fundamento no inc. X do art. 24 da Lei
nº 8.666/93 ou b) realizar a licitação. A possibilidade de lançar mão
da compra direta dependerá do atendimento das condições objeti-
vas definidas no inc. X do art. 24. Se não for o caso de dispensa,59 a
licitação se impõe. Nessa hipótese, a modalidade adequada para a
compra de bem imóvel é necessariamente a concorrência, ou seja,
não é possível se valer de qualquer outra prevista no art. 22 da Lei
nº 8.666/93 ou mesmo do pregão.

7.6. solução desejada pela Administração é selecionar trabalho


7.6. A
técnico, científico ou artístico?

Para atender a determinadas demandas, é possível que o objeto


desejado pela Administração se traduza na seleção de trabalho téc-
nico, científico ou artístico. Como os referidos objetos são conside-
rados serviços técnicos profissionais especializados ou intelectuais,
o legislador consagrou na ordem jurídica duas possibilidades para
que a contratação se efetive. A primeira delas ocorrerá quando o ser-
viço for considerado singular e se julgar necessário que o encargo
seja executado por um prestador considerado notoriamente especia-
lizado. Nesse caso, reunidas as duas condições legais60 (singulari-
dade do objeto e notória especialização da pessoa a ser contratada),
estará configurada a hipótese de inexigibilidade (inc. II do art. 25 da
Lei nº 8.666/93). Ademais, além da hipótese do inc. II do citado art.
25, há a possibilidade genérica prevista no caput do próprio art. 25,
mas uma hipótese não exclui a outra.

59 A propósito, não é caso de dispensa, mas de inexigibilidade, pois a competição é


inviável, pela impossibilidade real de disputa.
60 O TCU definiu os requisitos do inc. II do art. 25 na Súmula nº 252. Nela foram indi-
cados três, ou seja, os dois apontados mais a previsão do serviço entre as atividades
indicadas no art. 13 da Lei nº 8.666/93. Não entendemos como necessária a enume-
ração do serviço no rol do citado art. 13.

268
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Outra possibilidade que permitiria a contratação é a dispensa


em virtude do valor, seja em razão do inc. I ou do inc. II do art. 24
da citada Lei. Diferentes hipóteses do art. 24 podem ser avaliadas de
forma mais excepcional. Portanto, não será obrigatória a realização
da licitação nesses casos, ainda que a competição seja possível.

Não configuradas as hipóteses acima, caberá à Administração


realizar a seleção do futuro contratado por meio de licitação.

De acordo com a ordem jurídica vigente, a seleção de trabalho


técnico, científico e artístico deve ser realizada por meio da modali-
dade de licitação denominada concurso, prevista no inc. IV do art. 22
da Lei nº 8.666/93 e definida no seu § 4º, em que se pode ler:

concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a


escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição
de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constan-
tes do edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de
45 (quarenta e cinco) dias.

No entanto, entendemos atualmente que o concurso não é


modalidade de licitação, mas de inexigibilidade, pois a licitação pres-
supõe a necessária viabilidade de competição e, na seleção de traba-
lhos técnicos, científicos e artísticos, ela é inviável, não em razão da
impossibilidade de disputa, mas por força da incapacidade de defi-
nir critério objetivo para realizar a escolha. Essa incapacidade torna
a licitação inexigível, porque, sem tal critério, não se pode assegurar
tratamento isonômico, ou seja, não se consegue viabilizar o próprio
pressuposto da licitação.
O Processo de Contratação Pública

Portanto, a seleção de trabalho técnico, científico ou artístico


somente poderá ser licitada se for possível definir objetivamente a
solução (o objeto) pretendida e fixar critério, também objetivo, para a
escolha do vencedor, sob pena de a contratação ter de ser realizada
necessariamente por inexigibilidade.

Mantendo a visão tradicional de entender o concurso como


modalidade de licitação, a questão que se coloca é a seguinte: se
a Administração decidir que deverá realizar a licitação, a única

269
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Renato Geraldo Mendes

modalidade possível é o concurso ou seria cabível a adoção de uma


das modalidades comuns previstas no art. 22 da Lei nº 8.666/93 ou
mesmo do pregão?

A interpretação literal e conjunta do §  4º do art. 22 da Lei


nº 8.666/93 com o § 1º do seu art. 13 poderia conduzir à conclusão
de que somente seria possível a adoção do concurso para a seleção
de trabalhos técnicos, científicos e artísticos. Mas, dependendo das
características da solução pretendida, é possível compreender dife-
rente, isto é, para a seleção de tais objetos, é possível utilizar concor-
rência, tomada de preços e convite. O que não parece adequado é
utilizar o pregão.

Quando o legislador destina o concurso para atender a essa


espécie de demanda, tem em vista um tipo específico de trabalho
técnico, científico ou artístico. Há trabalhos que possuem natureza
distinta e que dificilmente poderão ser contratados por meio do con-
curso. Não se pode esquecer que no concurso a solução final (traba-
lho técnico, científico ou artístico) deve ser apresentada na própria
licitação, pois é ela que será julgada pela comissão especial de lici-
tação. Não se trata, então, de uma contratação de serviços técnicos,
científicos ou artísticos que deverá ser executada pelo vencedor do
certame, mas da escolha de um produto final. Tem-se aqui uma dife-
rença essencial e que aparta duas situações, servindo como parâ-
metro (ou matéria-prima) para a construção de um critério jurídico.
Com efeito, não se pode generalizar a adoção do concurso em face
do objeto (trabalho técnico, científico ou artístico), mas construir um
critério que privilegie a natureza da obrigação ou do encargo a ser
realizado.

O concurso se destina à seleção de trabalho executado, isto


é, pronto e acabado. Pouco importa se o trabalho já estava pronto
quando o edital foi publicado ou se ele foi produzido durante o prazo
de publicidade do concurso, o que interessa é que ele atenda às exi-
gências do edital de concurso, inclusive no quesito ineditismo, se
esse for o caso. Uma coisa é escolher um trabalho que está pronto, e
outra é selecionar alguém para realizar algo que terá de ser feito sob
encomenda. Essa é uma distinção crucial para responder, de forma
adequada, à indagação acima.

270
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É oportuno avaliar qual é a melhor solução para o caso con-


creto, ou seja, exigir o trabalho pronto e selecionar o vencedor
mediante concurso ou contratar a prestação do serviço de execu-
ção. Não se trata, entretanto, apenas de mera decisão a cargo da
Administração. A utilização do concurso será adequada para deter-
minados tipos de trabalhos, mas não para outros. A inadequação
muitas vezes resulta do fato de que os interessados têm de produzir
o trabalho e concorrer com muitos outros competidores, o que faz
com que não se disponham a despender tempo (e dinheiro, muitas
vezes) para um resultado tão incerto. Ademais, os profissionais mais
especializados normalmente não se dispõem a participar de dispu-
tas dessa ordem, em razão da incerteza quanto a retorno financeiro e
eventual perda para a sua imagem, em caso de rejeição do seu traba-
lho. Assim, o concurso frequentemente atrai profissionais mais jovens
e que veem nele uma oportunidade para melhorar seu currículo pro-
fissional. Isso não significa que, por meio do concurso, não se possa
obter um excelente trabalho.

Como dito, é preciso ponderar se a escolha do concurso é a


melhor alternativa. Se sim, deve ser adotada. Caso contrário, enten-
dendo a Administração que o objeto desejado carece da contrata-
ção de um prestador de serviço, será possível valer-se da inexigibili-
dade ou de uma das modalidades comuns previstas no art. 22 da Lei
nº 8.666/93, se a escolha objetiva puder ser viabilizada. Aliás, essa
última alternativa é a que tem sido adotada na prática, justamente
pelas razões apontadas.

7.7. Administração pretende selecionar ofertas para alimentar o


7.7. A
seu Sistema de Registro de Preços?
O Processo de Contratação Pública

Se a decisão for pela adoção do Sistema de Registro de Preços


(SRP), a escolha da modalidade deverá recair, obrigatoriamente, sobre
a concorrência ou o pregão. Até o advento do pregão, por força do inc.
I do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666/93, a única modalidade admitida
para a seleção das propostas para o registro de preços era a concor-
rência, independentemente do valor estimado da contratação. A ado-
ção do registro de preços alterava a regra geral de que nas compras a
modalidade seria definida em razão do valor estimado da contratação,

271
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Renato Geraldo Mendes

conforme previa o inc. III do art. 23 da Lei nº 8.666/93, visto que a


modalidade teria de ser obrigatoriamente a concorrência, independen-
temente do valor estimado da contratação. Essa é a única alteração sig-
nificativa que o registro de preços criou em relação ao regime jurídico,
pois todas as demais condições legais a serem observadas são exata-
mente as mesmas aplicáveis às contratações comuns.

No entanto, com a conversão da MP nº  2182-18 na Lei


nº 10.520, em 17 de julho de 2002, o pregão passou a ser admitido
também como modalidade para a seleção de propostas para a via-
bilização do registro de preços se os bens e serviços licitados forem
considerados comuns. Assim, para registro de preços, é possível ado-
tar duas modalidades de licitação: a concorrência ou o pregão. Mas
quando adotar uma e outra?

A resposta que ofereço para essa questão é sempre a mesma.


A escolha entre a concorrência e o pregão, ou seja, entre o sistema
de seleção adotado na Lei nº  8.666/93 e o da Lei nº  10.520/02,
diz respeito ao tipo de objeto a ser selecionado. O sistema da Lei
nº 8.666/93 pressupõe um tipo de negócio no qual a capacidade do
futuro contratado deve ser avaliada antes da sua proposta, e o sis-
tema da Lei nº 10.520/02 pressupõe justamente o contrário. Assim,
se o objeto possuir complexidade técnica e tiver de ser produzido
diretamente pelo próprio contratado, a modalidade será necessaria-
mente a concorrência, salvo se houver pré-qualificação anterior ins-
tituída para analisar a capacidade técnica dos concorrentes. Mas se
o objeto, mesmo revestido de complexidade, não tiver de ser feito,
produzido ou viabilizado (tecnicamente) pelo próprio contratado, a
modalidade deverá ser o pregão, conforme explicamos.

No entanto, caso a escolha da modalidade recaia sobre o


pregão, será preciso definir se a forma adotada será a presencial
ou a eletrônica. Como regra, preferencialmente, adota-se a eletrô-
nica. Assim, tratando-se de registro de preços e se a seleção envol-
ver bens e serviços comuns, a modalidade adotada deverá ser o
pregão na sua forma eletrônica, preferencialmente. No entanto,
diante da seleção de propostas para a execução de serviços técni-
cos, a modalidade preferencial deverá ser a concorrência, e o tipo

272
Mostrar Sumário

de licitação, o de técnica e preço, desde que seja possível realizar


a seleção por meio de critérios objetivos.61

7.8. Administração deseja conceder ou permitir a exploração de


7.8. A
serviço ou bem público?

Quando a Administração deseja selecionar um parceiro em


vista da concessão ou permissão de determinado serviço ou bem
público, a modalidade adequada é a concorrência.

O § 3º do art. 23 da Lei nº 8.666/93 diz que a concorrência é


a modalidade de licitação cabível nas concessões de direito real de
uso. Os incs. I e II do art. 2º da Lei nº 8.987/95 dizem que a con-
cessão de serviço público, precedida ou não de execução de obra
pública, será realizada mediante licitação na modalidade de concor-
rência. No tocante à concessão de bens públicos, a Lei nº 8.666/93
não define expressamente qual a modalidade. No entanto, é unânime
o entendimento de que a mais cabível é a concorrência, e nem pode-
ria ser diferente.

7.9. Administração deseja que a disputa pelo contrato seja de


7.9. A
âmbito internacional?

Se a licitação é de âmbito nacional, dela podem participar


apenas pessoas jurídicas e físicas sediadas ou residentes no Brasil.
No entanto, dizer que uma licitação é internacional significa que
dela podem participar tanto as pessoas que atuam regularmente no
País quanto as que têm sede em países estrangeiros. O objetivo da
O Processo de Contratação Pública

licitação internacional é permitir que pessoas estrangeiras possam


participar de um certame licitatório que, não sendo internacional,
abarcaria somente as pessoas que aqui atuam. Fundamentalmente,
é o mesmo que ocorre em relação ao consórcio. Assim como só
podem participar consórcios de pessoas nas licitações se for per-
mitido expressamente, também para participar de uma licitação é

61 Sobre a definição de bens e serviços comuns, sugiro a leitura de texto de minha auto-
ria publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), n. 193,
p. 268-274, mar. 2010.

273
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Renato Geraldo Mendes

preciso que a pessoa estrangeira, não tendo sede no Brasil, seja


autorizada. Para que uma pessoa estrangeira, constituída de acordo
com a legislação do seu país de origem, possa atuar no território
nacional, é necessária uma autorização do Governo brasileiro.
Nesse sentido, a licitação internacional nada mais é do que uma
autorização especial para se relacionar com o Poder Público tendo
em vista um negócio específico. Para tanto, a pessoa estrangeira
precisará ter um representante no território nacional, para todos os
efeitos legais (§ 4º do art. 32 da Lei nº 8.666/93).

Diz o § 3º do art. 23 da Lei nº 8.666/93 que a concorrência é


a modalidade cabível para as licitações internacionais. No entanto,
possibilita também que a Administração utilize a tomada de preços,
quando dispuser de cadastro internacional de fornecedores, e o con-
vite, quando não houver fornecedor do bem ou serviço no Brasil.
Mesmo diante da possibilidade de utilizar a tomada de preços e o
convite, o comum é a adoção da concorrência.

A Lei nº  10.520/02, que regula o pregão, não traz previsão


expressa sobre a possibilidade da utilização do pregão internacio-
nal, o que não significa que isso não possa acontecer. A previsão
do pregão internacional no regime jurídico que o regula se encontra
no Decreto nº 3.555/00 e também no Decreto nº 5.450/05, que dis-
ciplina o pregão eletrônico. O art. 16 do Decreto nº  3.555/00 diz:
“quando permitida a participação de empresas estrangeiras na lici-
tação, as exigências de habilitação serão atendidas mediante docu-
mentos equivalentes, autenticados pelos respectivos consulados e tra-
duzidos por tradutor juramentado”.

E o seu parágrafo único impõe que a empresa estrangeira, para


poder participar, deverá “ter procurador residente e domiciliado no
País, com poderes para receber citação, intimação e responder admi-
nistrativa e judicialmente por seus atos, juntando os instrumentos de
mandato com os documentos de habilitação”.

A mesma regra é reproduzida no art. 16, inc. VI e no art. 17, inc.


VII, ambos do Decreto nº 5.450/05.

274
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Portanto, é possível adotar nas licitações internacionais a con-


corrência, o pregão, a tomada de preços ou o convite. Se o objeto
for bem ou serviço comum, o pregão deve ser utilizado preferen-
cialmente. Nos demais casos e pelas razões expostas, sugerimos que
seja adotada a concorrência, sem prejuízo das demais modalidades
comuns mencionadas, desde que respeitadas as condições previstas
no § 3º do art. 23 da Lei nº 8.666/93.

8. Como definir a modalidade em razão do valor


8.
estimado da contratação?

A definição do valor estimado da contratação exige cuidado


especial. É indispensável que o encargo tenha sido integralmente
definido. Dessa forma, definido todo o encargo é que se poderá partir
para a pesquisa de preços ou para a elaboração da planilha de quan-
titativos e preços. Sem que o encargo tenha sido definido totalmente,
não será possível estimar quanto será gasto com a contratação. Por-
tanto, não basta apenas a definição do objeto, mas de todas as obri-
gações que integram o encargo, pois o objeto é apenas uma delas,
podendo haver inúmeras outras.

Nessa linha, a escolha da modalidade (concorrência, tomada de


preços e convite) deve ser feita com base no valor estimado para todo
o encargo, e não apenas para o objeto, que é o núcleo do encargo,
sob pena de haver ilegalidade.

O art. 23 da Lei nº 8.666/93, que prevê o critério de escolha da


modalidade em razão do valor, emprega a expressão “valor estimado
O Processo de Contratação Pública

da contratação”. O mais razoável é entender que o conteúdo da


expressão é calibrado pelo valor efetivo do contrato, e não simples-
mente pelo estimado durante o planejamento. Dito de outra forma, o
que validará a estimativa de preços apurada na fase interna (planeja-
mento) para escolher a modalidade é o preço final a ser apurado na
fase externa (licitação), pois é ele que expressa o real e efetivo custo
do contrato. Evidentemente, o legislador não poderia ter determinado
que a modalidade de licitação fosse definida de acordo com o valor
do contrato, visto que ela é delimitada na fase interna, e o valor do

275
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Renato Geraldo Mendes

contrato, apurado na fase externa do processo, ou seja, em momento


posterior à escolha da modalidade. O que se dimensiona antes da
escolha da modalidade é a estimativa do preço em razão da pesquisa
realizada pela Administração. Não pode a Administração justificar a
legalidade da escolha da modalidade apenas com base no valor esti-
mado por ela em virtude de uma pesquisa, ainda mais se for mal con-
duzida e o valor não expressar o montante a ser despendido com a
contratação. Portanto, não se pode estimar o valor da contratação de
um equipamento, por exemplo, em R$ 75.000,00 e, por força disso,
adotar a modalidade convite, para depois firmar um contrato por R$
90.000,00, o que ensejaria a tomada de preços.

Apesar das ponderações acima, cumpre dizer que o critério


da escolha da modalidade em razão do valor estimado da contra-
tação é inadequado. Esse entendimento parte do pressuposto, antes
apontado, de que não faz mais sentido a existência de concorrência,
tomada de preços e convite, pois bastaria a primeira delas para resol-
ver o problema, juntamente ao pregão.

O critério do valor estimado da contratação tem servido mais


para criar problemas para os agentes públicos do que para oferecer
algum tipo de solução útil. A propósito, quantos servidores públi-
cos já responderam processos administrativos porque escolheram o
convite quando era exigível, em face do art. 23 da Lei nº 8.666/93,
a tomada de preços ou esta quando era o caso da concorrência? É
certo dizer que foram centenas deles. Problemas e questões desse
tipo podem ser evitados nos tempos atuais.

276
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Capítulo 11
A QUESTÃO DA DEFINIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS
COMUNS NA LEI Nº 10.520/02 E A PROPOSIÇÃO
DE CRITÉRIO TÉCNICO PARA O CABIMENTO DO
PREGÃO

A finalidade do presente capítulo é analisar a definição de


bens e serviços comuns prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei
nº 10.520/02. A relevância de tal definição está no fato de que o pre-
gão, a mais utilizada modalidade de licitação da atualidade, é cabí-
vel quando a solução para atender à necessidade da Administração
for bens e serviços comuns. Assim, em princípio, há um critério legal
definido para adotar o pregão.

Nesse sentido, a pretensão deste texto é responder, pelo menos,


às seguintes questões: é adequado o conceito de bens e serviços
comuns definido na Lei nº  10.520/02? Por que há tanta discussão
em torno dessa definição? Qual critério deve ser adotado para definir
o cabimento do pregão na hipótese de se considerar inadequada a
definição prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02?

Estou convencido de que o conceito adotado pelo legislador


para bens e serviços comuns no parágrafo único do art. 1º da Lei
nº 10.520/02 é inadequado e, em razão disso, não pode ser adotado.
Conceituar é dizer o que uma coisa é de modo a distingui-la das
O Processo de Contratação Pública

demais. Se o conceito não cumpre essa função básica, ele não serve
e deve ser reputado inútil, ainda que seja um conceito legal. Não há
no Direito nada que possa ser considerado absoluto, nem mesmo
a seguinte máxima: “a lei não tem palavras inúteis”. A lei tem, sim,
palavras inúteis, e o conceito de bens e serviços comuns é um bom
exemplo de inutilidade.

Não se pode considerar adequada uma definição apenas por-


que ela é legal. Uma coisa é ser legal, e outra é ser adequada. Quando
digo que o conceito de bens e serviços comuns deve ser ignorado,

277
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Renato Geraldo Mendes

quero dizer que ele é inadequado, não havendo razão para a sua
manutenção. Antes de apontar as razões que me levam a fazer essa
afirmação, é preciso dizer que só faria sentido falar de bens e serviços
comuns se reconhecermos que existem outros bens e serviços que
não são comuns; do contrário, todos os bens e serviços seriam neces-
sariamente comuns, e qualquer definição não faria nenhum sentido,
pois a definição tem a finalidade de rotular justamente para distinguir.
Quando damos nomes às pessoas, às ruas, às coisas, às atividades e
aos fenômenos, o propósito é, antes de tudo, diferenciá-los de outros
da mesma espécie a fim de evitar confusão e facilitar o processo de
comunicação. Então, falar em bens e serviços comuns pressupõe
existir um conjunto de bens e serviços que sejam incomuns. Essa é
uma premissa fundamental para entender e também justificar o pro-
cesso de interpretação do conceito de bens e serviços comuns.

Enfim, vamos ao conceito.

O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02 dispõe: “con-


sideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo,
aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser obje-
tivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no
mercado”.

Portanto, essencialmente, está dito no referido preceito que


bens e serviços comuns são aqueles que a) têm um padrão de desem-
penho e qualidade; b) tal padrão de desempenho e qualidade pode
ser objetivamente definido no edital; e c) tal objetividade resulta de
especificações usuais no mercado.

Assim, salvo engano, o que está dito no parágrafo único do


art. 1º da Lei nº 10.520/02 não tem nenhuma serventia, ou seja, tem
algum conteúdo semântico, mas não tem o conteúdo jurídico que
deveria ter, isto é, a referida definição não serve como critério capaz
de determinar o cabimento do pregão. As razões que me levam a
afirmar que a definição de bens e serviços comuns é, sob o ponto de
vista jurídico, inútil serão expostas a seguir.

Em primeiro lugar, qualquer solução definida pela Administra-


ção como indispensável para satisfazer as suas necessidades deverá

278
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ter, obrigatoriamente, um padrão de desempenho e qualidade. Isso


ocorrerá em qualquer situação, inclusive nos casos em que o padrão
preserva desempenho e qualidade mínimos. Logo, não é essa carac-
terística que singulariza os bens e serviços comuns, pois os “inco-
muns” também deverão ter um padrão de desempenho e de quali-
dade mínimos, sob pena de não garantirem a solução do problema
(necessidade). Não seria possível contratar uma solução sem saber se
ela é realmente uma solução, ou seja, a providência que resolverá o
problema (necessidade).

Aliás, uma situação como essa tornaria inviável (ou impossível)


a competição, pois as pessoas nem saberiam o que está em disputa.
Não seria possível alguém apresentar preço para uma solução que
não tem, pelo menos, padrões de desempenho e de qualidade míni-
mos. Logo, nem se poderia falar em licitação. Para licitar, é preciso
ter uma solução definida, e ela deve ter padrões de desempenho e de
qualidade, sob pena de não ser uma solução. Portanto, ter um padrão
de desempenho e de qualidade é algo fundamental para licitar, mas
não para definir o que seja comum. O bom senso, então, recomenda
que se ignore a primeira parte do conceito de bens e serviços comuns.

Em segundo lugar, se padrões de desempenho e qualidade


mínimos são condição indispensável para licitar, eles necessitam ser
objetivamente definidos no edital, sob pena de a sua inexistência
inviabilizar a licitação, da mesma forma que a condição anterior-
mente apontada. Isto é, ou ele está no edital ou ele não existe como
condição objetiva. Logo, não é possível haver um padrão de quali-
dade mínimo, por exemplo, que não seja objetivo. Da mesma forma,
não existe uma condição objetiva se ela não estiver prevista no edital.
O Processo de Contratação Pública

Assim, a existência de padrões de desempenho e qualidade objetivos


no edital é condição indispensável para que se possa licitar, mas não
para definir o pregão como a modalidade a ser adotada. O bom senso
manda, também, ignorar a segunda parte do conceito legal de bens e
serviços comuns.

Resta analisar a última parte da definição legal. É certo dizer que,


em face da inconsistência dos dois primeiros enunciados, a última
parte seria insuficiente para sustentar por si só a definição de bens e
serviços comuns, pois se ela bastasse para viabilizar a definição seria

279
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Renato Geraldo Mendes

o caso de concluir que os dois primeiros enunciados seriam desne-


cessários e nem deveriam integrar o dispositivo legal. De qualquer
forma, vamos à última parte.

Em terceiro lugar, resta a última condição apontada: a de que


a especificação que traduzirá objetivamente os padrões de desempe-
nho e de qualidade seja usual no mercado. Da mesma forma, essa
condição ou característica da definição legal não é determinante para
o fim a que se destina, pois as coisas que são “incomuns” também
têm especificação usual no mercado. Logo, essa também não é uma
característica que permite separar um conjunto de bens e serviços sob
a denominação específica de comuns. Igualmente, a terceira parte do
conceito de bens e serviços comuns deve ser ignorada.

Com base nos raciocínios expostos, é possível concluir que o


legislador foi impreciso ao definir o cabimento do pregão, ou seja,
não deveria ter condicionado a sua adoção em razão do rótulo bens
e serviços comuns, tal como definido no parágrafo único do art. 1º
da Lei nº 10.520/02. Logo, ou tudo que se possa imaginar é comum e
poderia ser licitado obrigatoriamente por meio do pregão ou o crité-
rio deveria ter sido outro (ou deve ser outro). O problema não está no
cabimento do pregão, mas na definição de bens e serviços comuns
que condiciona o cabimento.

Portanto, a adoção do pregão não deve se basear na litera-


lidade da definição prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei
nº 10.520/02, porque ela não se presta para o fim a que se destina,
qual seja, o de servir de critério para a escolha do pregão.

Também não se pode chegar à conclusão de que é cabível o


pregão para todas as contratações de bens e serviços cujos padrões
de desempenho e de qualidade possam ser objetivamente definidos
pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado, pois isso
implicaria reconhecer que só existe uma forma de processar a lici-
tação: o pregão. Isso significaria, por exemplo, que o art. 22 da Lei
nº  8.666/93 teria sido revogado tacitamente pela Lei nº  10.520/02,
muito embora continuasse a produzir efeitos práticos, uma vez que
concorrências, tomadas de preços e convites continuam a ser promovi-
dos todos os dias, inclusive pela União. Claro que isso não procede. E

280
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não procede porque a interpretação a ser adotada não é (e não deve ser)
a literal. Vale dizer, o cabimento do pregão não pode ser definido em
razão do enunciado do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02,
mas por conta de outro critério, que será exposto abaixo.

Uma questão que surge em face das ponderações acima é a


seguinte: o reconhecimento da inutilidade da definição legal do pará-
grafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02 não tornaria ilegal a utili-
zação do pregão, uma vez que ele pressupõe a definição de bens e
serviços para ser adotado?

A resposta é negativa. Uma coisa é reconhecer que a definição


do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02 é inútil e não serve
como critério para definir quando o pregão é cabível; outra coisa é,
em razão dessa conclusão, entender que não existem mais bens e
serviços comuns, o que seria um absurdo. A existência, no mundo
real, de um conjunto de bens e serviços que se possa qualificar de
comuns não está condicionada à existência, no mundo jurídico, de
uma definição legal. Uma coisa não pressupõe a outra. O legislador
não precisaria ter definido bens e serviços comuns para viabilizar o
pregão, mesmo sendo o pregão reservado para a contratação de bens
e serviços comuns.

A definição de bens e serviços comuns foi uma infeliz iniciativa


do legislador, por duas razões básicas: (a) pela dificuldade (ou mesmo
impossibilidade) que a definição em si representa e (b) pelos proble-
mas e dificuldades que uma definição inadequada pode criar (aliás,
O Processo de Contratação Pública

não só pode como tem criado). Assim, mesmo diante do reconheci-


mento de que a definição legal deve ser ignorada, o pregão será cabí-
vel para a contratação de um tipo específico de solução que o legisla-
dor rotulou de bens e serviços comuns. Dizer que o pregão é cabível
para atender a um rótulo específico não implica reconhecer como
adequado o conceito que se adotou para qualificar o rótulo. Aliás,
situação idêntica ocorre com a concorrência, por exemplo, cujo con-
ceito (art. 22, § 1º, da Lei nº 8.666/93) é também inadequado. Não
se pode, por isso, afirmar que a modalidade concorrência não tem
existência legal.

281
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Renato Geraldo Mendes

Muito bem, se a definição de bens e serviços constante do


parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02 não serve para defi-
nir adequadamente o pregão, qual é o critério que deve ser adotado
para a escolha da referida modalidade?

O critério a ser adotado é separar as diversas soluções segundo


a natureza dos problemas. Penso que o legislador deveria ter expres-
samente reservado a estrutura da fase externa prevista no art. 43 da
Lei nº 8.666/93 para as contratações que reúnam duas características:
a) soluções tecnicamente complexas e b) que devam ser feitas sob
encomenda diretamente por quem será contratado. Por outro lado,
para os demais casos, seria indicada a estrutura da Lei nº 10.520/02
(pregão). Uma análise cuidadosa e profunda do regime jurídico
vigente nos autoriza a dizer que o legislador fez exatamente isso. O
que o legislador não fez foi dizer exatamente isso com todas as letras.
É nesse ponto que reside um dos grandes problemas do Direito, pois
nele nem tudo o que está dito está necessariamente escrito. Portanto,
é um erro gravíssimo em matéria de hermenêutica reduzir o conteúdo
da norma à dimensão literal de um enunciado prescritivo.

Em razão da afirmação acima de que o sistema da Lei


nº 8.666/93 deve ser reservado para objetos complexos e que devem
ser feitos pelo próprio contratado, é oportuno esclarecer que não
estou dizendo que o pregão não pode ser adotado para a contratação
de objetos complexos. Ainda que o objeto seja complexo, o pregão
pode ser adotado, desde que a solução não tenha de ser construída,
feita, fabricada ou produzida diretamente pelo próprio contratado.

Para entender a afirmação acima, é preciso perceber que existe


uma diferença entre complexidade do objeto e complexidade da obri-
gação a ser cumprida em razão da execução do contrato. Essa dife-
rença é fundamental para definir e entender o cabimento do pregão.
Aliás, é necessário afirmar que a referida diferenciação é mais impor-
tante do que a própria definição legal de bens e serviços comuns.

A complexidade da solução pode ter ou não relação com a da


obrigação. É preciso saber separar bem esses dois mundos, pois eles
têm sido confundidos, o que tem dificultado a compreensão do que
se deve entender por bens e serviços comuns e, por consequência,
quando deverá ser adotado o pregão.

282
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A maior parte das soluções (bens e serviços) desejadas pela


Administração não é feita diretamente por quem cumpre o contrato,
ou seja, quem cumpre o contrato é simplesmente um intermediário
entre o fabricante e a Administração. Num contrato de compra e
venda, ainda que o objeto possa ser complexo (por exemplo, forneci-
mento de equipamento de informática altamente sofisticado), a obri-
gação de quem cumpre o contrato é destituída de complexidade téc-
nica, isto é, ela (obrigação) não é contaminada pela complexidade do
equipamento. Quem precisa ter capacidade técnica para viabilizar a
solução é o fabricante do equipamento, e não quem o vendeu para
a Administração. Aliás, ele nem participa da relação jurídica contra-
tual, só entrará em cena se houver necessidade de acionar a garantia
do bem. Fora essa hipótese, não há nenhuma relação entre ele e a
Administração. Portanto, uma coisa é a complexidade do objeto, e
outra é a da obrigação a ser cumprida pelo contratado.

Diferentemente, nos negócios que envolvem objetos a serem


executados sob encomenda, em que tais objetos são tecnicamente
complexos, não é possível raciocinar da mesma forma que em uma
simples compra, na qual o fornecedor não precisa possuir capaci-
dade técnica, pois é somente um intermediário. Numa obra de enge-
nharia, no desenvolvimento de um serviço intelectual (um projeto,
um parecer jurídico, um sistema de TI) não há intermediário, não há
solução (objeto) pronta e acabada, mas a ser viabilizada. Nesse caso,
a solução deve ser feita sob encomenda, e o ingrediente principal
para a sua obtenção é a capacidade técnica do contratado. Aliás,
já dissemos noutra oportunidade que a Administração, por exemplo,
não contrata uma obra de engenharia, mas a execução de um projeto
O Processo de Contratação Pública

básico (solução) cujo resultado pode ser ou não uma obra.

A distinção entre a complexidade da solução e a da obriga-


ção a ser cumprida é essencial, pois é em face dela que se saberá o
regime ou sistema jurídico a ser adotado: se o da Lei nº 8.666/93 ou
o do pregão, uma vez que, sob o ponto de vista da condução da fase
externa do processo de contratação pública, são dois sistemas distin-
tos. E a distinção reside, fundamentalmente, na inversão das etapas
de habilitação e propostas.

283
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Renato Geraldo Mendes

Por conta da diferenciação acima é que temos, atualmente, dois


regimes jurídicos distintos: o da Lei nº  8.666/93 e o do pregão. A
existência dos dois regimes é necessária porque existem dois tipos
de problemas diferentes, e eles exigem soluções distintas, pois uma
coisa é a execução de um objeto revestido de complexidade técnica
e que deva ser viabilizado diretamente pelo próprio contratado, e
outra coisa é, por exemplo, o fornecimento de bens comuns. É opor-
tuno repetir que a percepção da diferença é fundamental para enten-
der porque temos dois regimes jurídicos vigentes e quando cada um
deles pode ser utilizado e quando não deve. Essa distinção é absolu-
tamente necessária para determinar ou não o cabimento do pregão.

O grande problema que tínhamos na fase externa do processo


de contratação era o da existência de apenas uma forma de processar
a licitação (isto é, a prevista na Lei nº 8.666/93). Todas as soluções
eram submetidas ao mesmo esquema de contratação, pouco impor-
tando se fossem obras ou serviços de engenharia, serviços intelectu-
ais ou, ainda, bens e serviços comuns. Com o pregão, esse problema
foi resolvido. Aliás, esse é o grande mérito do pregão. Por incrível
que pareça, o desafio que surge agora é cuidar para que a solução (o
pregão) idealizada para resolver o nosso grande problema não seja a
causa de outro. Nesse sentido, não se pode deixar de perceber que o
pregão foi instituído justamente para corrigir o vício histórico da fase
externa do processo e representou um avanço considerável nas con-
tratações públicas. O pregão não foi criado para pôr fim à concorrên-
cia, por exemplo, nem a Lei nº 10.520/02 foi editada para revogar a
Lei nº 8.666/93.

O sistema da Lei nº 8.666/93 foi pensado para atender a um tipo


específico de contratação, ou seja, justamente aquela que envolve
objetos revestidos de complexidade e que devem ser viabilizados
diretamente por quem será contratado. Portanto, a sua estrutura tem
o propósito de reduzir o risco em torno da não obtenção do men-
cionado resultado. Por conta disso, o sistema da Lei nº 8.666/93 foi
estruturado de forma a permitir primeiro a avaliação da capacidade
técnica (habilitação), ao contrário do pregão. É importante dizer que
o sistema da Lei nº  8.666/93, que condiciona a aceitação da pro-
posta em razão da capacidade técnica, não elimina a incerteza, ape-
nas a reduz (ou seja, aumenta a certeza de que o resultado pode ser

284
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obtido). A redução tem relação direta com o nível de exigência na


fase de habilitação, ela oscilará de acordo com a complexidade da
obrigação a ser cumprida pelo futuro contratado, e não em razão da
complexidade do objeto em si. Por isso, distinguimos a complexidade
do objeto da complexidade da obrigação. Ora, se a solução (objeto)
é complexa e a pessoa tem de executá-la diretamente, deverá possuir
capacidade técnica, sob pena de haver risco quanto ao resultado final
da solução. Essa é a lógica que norteia a ordem jurídica vigente. Esse
tema já foi por mim tratado de forma exaustiva na obra O Regime
Jurídico da Contratação Pública, Zênite, 2008.

Então, qual é o critério que se pode adotar para escolher a


modalidade de licitação, especialmente o pregão? A solução que
proponho é a seguinte: no momento da escolha da modalidade de
licitação, o agente deve fazer duas perguntas. Repita-se: apenas duas
perguntas. Em razão das respostas ele escolherá a modalidade de
licitação. A primeira pergunta a ser feita é: o objeto licitado é com-
plexo? Depois, uma segunda: o objeto deverá ser “feito” pelo pró-
prio contratado?

Se a resposta for afirmativa para as duas questões, o pregão não


deve ser adotado. Caso contrário, se qualquer das respostas for nega-
tiva, é cabível o pregão. Vale dizer: também é cabível o pregão se a pri-
meira resposta for afirmativa e a segunda negativa, ou seja, se o objeto
for complexo e o futuro contratado for mero intermediário, conforme
ponderamos anteriormente. A solução seria direta e eficiente.

Os sistemas da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 10.520/02 foram pen-


sados e estruturados a partir de uma lógica que pressupõe resposta
O Processo de Contratação Pública

para essas duas perguntas. Fundamentalmente, se a contratação


envolve obras e serviços de engenharia e serviços intelectuais, não
é possível adotar o pregão. Mas existem outros serviços que não são
intelectuais e não são de engenharia e que, igualmente, não devem
ser licitados por pregão, muito embora isso esteja acontecendo.

Há muita divergência nas decisões dos tribunais de contas


sobre o critério de cabimento do pregão. É necessário que elas sejam
resolvidas para que se possa fixar um critério que possibilite maior
segurança para quem tem de definir a modalidade de licitação. Não

285
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Renato Geraldo Mendes

parece razoável que nos dias atuais não se tenha um parâmetro obje-
tivo para definir uma coisa tão básica quanto essa. É até aceitável que
um agente público tenha dúvida sobre outros institutos ou outras exi-
gências da ordem jurídica, mas não sobre a escolha da modalidade
que deve adotar.

Para tanto, a primeira coisa que precisa ser superada, tanto


por parte da doutrina como dos órgãos de controle, é o esforço de
se querer definir o cabimento do pregão com base na definição de
bens e serviços comuns prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei
nº 10.520/02. Esse esforço não se justifica, pois é desnecessário. Con-
forme já acentuamos, o cabimento do pregão não depende de uma
definição para bens e serviços comuns.

Outra coisa que se deve evitar é dizer que o pregão é cabível se os


bens e serviços forem comuns e que estes são aqueles cujos “padrões
de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo
edital, por meio de especificações usuais no mercado”, como tem sido
reiterado nos acórdãos e nas decisões dos órgãos de controle e também
em âmbito judicial, pois isso não resolve o problema.

De minha parte, entendo que não é possível fixar um critério


para a definição do pregão agindo dessa forma, mas a partir da reflexão
sobre algumas indagações necessárias, tais como: por que o pregão
foi instituído? O pregão veio para substituir as modalidades previstas
na Lei nº 8.666/93? Se afirmativa, por que então a Lei nº 10.520/02
não revogou pelo menos parte do art. 22 da Lei nº  8.666/93? Por
que houve a inversão das etapas de habilitação e proposta? A res-
posta a essas questões possibilitará a compreensão da nova ordem
jurídica vigente instaurada com a edição da Lei nº 10.520/02, bem
como a convicção de que é adequado o critério que estamos pro-
pondo para a definição do regime a ser adotado (Lei nº 10.520/02 e
Lei nº 8.666/93) para conduzir a licitação (fase externa do processo
de contratação).

É preciso dizer que a discussão em torno da definição de bens


e serviços comuns já passou por alguns estágios. No princípio, havia
uma confusão entre comum e complexo, de modo a sustentar que o
que era complexo não poderia ser comum. Assim, se um objeto ou

286
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serviço fosse revestido de complexidade, estaria afastada a adoção do


pregão. Posteriormente, houve a superação desse estágio inicial. Com
isso, um objeto ou serviço complexo pode também ser licitado por
meio de pregão. No entanto, isso ocorreu sem que se explicasse por
que antes não podia e depois passou a poder. A resposta para a pos-
sibilidade está na diferenciação que fizemos acima entre complexi-
dade do objeto e da obrigação a ser cumprida pelo futuro contratado.

Em momento posterior, entendeu-se também que os serviços


técnicos poderiam ser considerados comuns, desde que pudessem
ser definidos por meio de especificações usuais. Assim, como não
há nenhuma dificuldade para definir, por exemplo, os serviços de
engenharia por meio de especificações usuais, eles passaram a ser
licitados por pregão. O mesmo ocorreu com os serviços intelectuais,
notadamente na área de TI.

Creio que é equivocada a ideia acima, pois o critério para


definir o pregão não pode ser baseado na possibilidade de definir o
objeto por meio de especificações usuais. Salvo raríssimas exceções,
será sempre possível definir a solução (objeto) por meio de especi-
ficações técnicas usuais, e nem por isso será cabível o pregão. O
problema não é a definição ou a especificação técnica do objeto a
ser contratado, mas a garantia de que o futuro contratado conseguirá
produzir a solução desejada. É em razão dessa dificuldade que se
deve condicionar a escolha do futuro contratado, em virtude da sua
capacidade técnica, e não do preço por ele cobrado. O sistema do
pregão é aquele que condiciona a capacidade pelo preço. O sistema
da Lei nº 8.666/93 é o que define o preço em razão da capacidade do
futuro contratado de viabilizar a solução. É isso que precisa ser enten-
O Processo de Contratação Pública

dido, sob pena de não resolvermos esse grande impasse.

Enquanto continuarmos a afirmar que o pregão é cabível para


todas as contratações em que for possível definir no edital, de forma
objetiva, os padrões de desempenho e qualidade do objeto, por meio
de especificações usuais de mercado, perpetuaremos o problema e
continuaremos sem um critério uniforme, daí a razão de existir tanta
divergência. Assim, ora se entende que um objeto pode ser licitado
por meio de pregão e, posteriormente, entende-se que não pode e
vice-versa. Isso vem acontecendo de forma muito frequente com a

287
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Renato Geraldo Mendes

contratação de obras e serviços de engenharia e serviços de TI. Temos


visto inúmeros serviços intelectuais de TI serem contratados por meio
de pregão quando não deveriam. Temos tido mais sorte do que juízo.

Em conclusão, é possível dizer que o pregão é a modalidade


de licitação cabível para a seleção de cocontratante nos casos em
que a capacidade técnica do futuro contratado não é determinante
para a obtenção da solução capaz de satisfazer a necessidade que
determinou a deflagração do processo de contratação pública e que
constitui o objeto do contrato. Portanto, em todos os casos em que a
capacidade técnica do futuro contratado for determinante, o pregão
não poderá ser adotado. Isso ocorre por uma simples razão: nesses
casos, a capacidade técnica deverá condicionar o preço, e não o con-
trário. E é preciso que se diga que, em razão da sua estrutura invertida
entre proposta e habilitação, o pregão não permite que a capacidade
seja condicionante do preço, mas por ele condicionada. Vale reafir-
mar aqui o que já dissemos: se o objeto é revestido de complexidade
técnica e tem de ser viabilizado diretamente pelo próprio contratado,
não caberá o pregão, justamente pela inversão das etapas de habili-
tação e proposta, ou seja, em razão do seu próprio sistema estrutural
que pressupõe que o preço condicionará a capacidade técnica, e não
o contrário.

É certo que o fato de termos durante décadas conduzido a licita-


ção para a contratação de fornecimento de água mineral ou de caneta
esferográfica da mesma forma que para a contratação da execução
de uma grande obra de engenharia ou de serviços intelectuais criou
um grande desgaste. Esse desgaste poderia ter sido evitado em 1986,
quando da edição do Decreto-lei nº 2.300. Mas o fato é que não foi.

Com o advento do pregão, tornamo-nos mais eficientes e pas-


samos a fazer de uma forma mais simples e rápida o que antes era
muito complicado e demorado. Isso criou uma nova percepção: a de
que estávamos errados. Com isso, passamos a ter a certeza de que é
possível fazer tudo com muita rapidez e reduzindo etapas e atos, o
que não é verdade. De fato, fazíamos errado, mas não tudo, apenas
uma parte. Aliás, fazíamos de forma errada exatamente o que deve-
ríamos passar a fazer certo com a ideia original do pregão – bens e

288
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serviços comuns. Portanto, a sensação serve apenas para um grupo


determinado de bens e serviços, e não para todas as soluções.

No entanto, a sensação atual é a de que é possível generalizar


a nova solução (o pregão) para todas as contratações, o que não é
correto. Erramos antes, quando submetemos todas as contratações
ao regime da Lei nº 8.666/93. Erraremos agora, se submetermos
todas as contratações ao regime da Lei nº  10.520/02. É certo que
não havia mais sentido em continuar a licitar bens e serviços comuns
por meio de um sistema cuja estrutura foi idealizada para contratar
obras e serviços de engenharia e serviços intelectuais.

É importante ter a clareza de que não existe um único remédio


para todos os males (problemas). Assim como a Lei nº 8.666/93 não
resolveu todas as nossas demandas, também o pregão não pode cum-
prir esse papel.

O Processo de Contratação Pública

289
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Capítulo 12

O REGIME JURÍDICO DOS PREÇOS NAS


CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

1. O preço no contexto da contratação


1.

Sob o ponto de vista essencial, o contrato nada mais é do que a


relação entre duas grandezas: o encargo e a remuneração. O encargo
é a dimensão econômica da relação contratual, e a remuneração,
a sua expressão financeira. Dessa forma, a Administração deseja o
encargo para satisfazer a sua necessidade, e o contratado, a remune-
ração, pois ela traduz os custos e despesas realizados para a sua via-
bilização, bem como o lucro, que é a parcela mais importante para
quem explora a atividade econômica.

Então, a remuneração nada mais é do que o preço a ser cobrado


pelo contratado pela viabilização do encargo necessário à satisfação
da necessidade da Administração. O regime jurídico utiliza tanto a
palavra “remuneração” como o termo “preço” para qualificar a con-
traprestação pecuniária a que faz jus o contratado pelo cumprimento
do encargo. No entanto, a palavra “preço” foi a preferida do legisla-
dor ou a que ele empregou com mais frequência. Sendo assim, vamos
utilizar preço como sinônimo de remuneração, apenas para manter
harmonia com a opção do próprio legislador.
O Processo de Contratação Pública

2. A disciplina jurídica do preço fixada pelo legislador


2.

Quando utilizamos a expressão “regime jurídico do preço”,


queremos nos referir ao conjunto de regras definidas na ordem jurí-
dica com o propósito de disciplinar os preços a serem propostos
pelos licitantes e a serem aceitos ou praticados pela Administração
na contratação pública.

291
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Renato Geraldo Mendes

Ao tratar dos princípios que norteiam a contratação pública,


afirmamos que os preços devem ser justos e exequíveis. Na oportu-
nidade, esclarecemos o significado dessa expressão, cabendo agora
aprofundar o seu conteúdo, visto que o regime jurídico vigente nada
mais faz do que reafirmar e normatizar tal princípio.

O regime jurídico dos preços, tal como definido na Lei


nº  8.666/93 e na Lei nº  10.520/02, tem como finalidade precípua
regular a contraprestação pecuniária que o licitante ou o contratado
pretende obter pela execução do encargo. Essa regulação tem os
mais diversos contornos, ou seja, compreende tanto o controle dos
preços excessivos quanto o dos preços inexequíveis. Mas o regime
jurídico da contratação pública, ao tratar do tema, utiliza vários ter-
mos e expressões para qualificar a realidade dos preços, tais como
preço excessivo; preço superior; preço manifestamente superior;
preço inexequível; preço manifestamente inexequível; preços sim-
bólicos; preços irrisórios; preço de valor zero; preços praticados no
mercado; preço de mercado; preço vigente no mercado; preços cor-
rentes; preço máximo; preço mínimo; preço estimado; preço referên-
cia; preço unitário; preço global; preço certo; preço certo de unida-
des determinadas; preço previamente fixado; preços praticados no
âmbito dos órgãos e entidades da Administração; preço contratado;
preço do dia; preço compatível; preço em moeda nacional; preço em
moeda estrangeira; preços propostos; preços oferecidos; preços atua-
lizados; preços reajustados; preços repactuados; justo preço; melhor
preço; maior preço e proposta de preços.

É nesse contexto de expressões variadas que o aplicador das


normas que integram o regime deve extrair o sentido exato e preciso
dessa realidade jurídica. Evidentemente, há muitos outros termos e
expressões que poderiam ser indicados, não em face de uma referên-
cia expressa da Lei, mas em razão da estreita relação com o regime
dos preços. No entanto, isso tornaria o rol muito amplo.

O objetivo é apresentar o panorama geral da disciplina dos pre-


ços tal como definido na ordem jurídica e, a partir dele, contribuir
para facilitar a compreensão por parte dos que têm de planejar, con-
duzir as contratações e fiscalizar a execução dos contratos.

292
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Para tratar do tema, vamos agrupar os termos e as expressões


pela sua sinonímia ou equivalência, sem que isso represente uma
rigorosa classificação para elas.

3. O padrão monetário dos preços na contratação


3.
pública

Diz o art. 5º da Lei nº 8.666/93 que: “todos os valores, preços


e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a
moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei”.
A moeda corrente nacional é o real. Logo, todos os preços a serem
praticados na contratação pública devem ser expressos em real, e não
em outra moeda, salvo se a situação for aquela descrita no art. 42 da
Lei nº 8.666/93.

Em linhas gerais, o regime jurídico vigente admite que os preços


sejam oferecidos em moeda nacional (real) ou em moeda estrangeira
(dólar, euro, etc.). Portanto, do conteúdo do art. 5º da Lei nº 8.666/93
se retiram a regra a ser observada e a sua exceção.

A regra é a que deve ser aplicada para a maior parte dos casos
e regula as situações comuns, normais. A exceção existe para acomo-
dar as situações especiais, aquelas que não se ajustam ao padrão de
normalidade. O Direito é construído de forma a acomodar sempre as
duas situações: as comuns e as especiais. As comuns são submetidas
a uma disciplina ordinária, e as especiais, a uma disciplina diferen-
ciada. Essa técnica se aplica a todas as áreas e especializações do
O Processo de Contratação Pública

Direito, e a contratação pública não é exceção.

Como regra, a disputa nas contratações públicas é limitada ou


circunscrita às empresas e aos profissionais que atuam regularmente
no território nacional. Para que uma empresa estrangeira participe
de uma contratação de âmbito nacional, ela precisará ter atuação no
território nacional, isto é, estar autorizada a explorar atividade eco-
nômica no Brasil, o que ocorre por ato específico do Chefe do Poder
Executivo Federal ou de quem possa em nome dele agir.

293
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Renato Geraldo Mendes

O art. 42 da Lei nº  8.666/93 disciplina, por sua vez, as con-


tratações de âmbito internacional, ou seja, os negócios nos quais o
Poder Público permite que empresas ou profissionais estrangeiros
participem.

Portanto, se o edital não for explícito no sentido de que o cer-


tame é de âmbito internacional, a conclusão é de que ele é nacional,
ou seja, que somente poderão participar empresas e profissionais que
atuem no território nacional e aqui exerçam, regularmente, suas ati-
vidades. Nesse caso, fica vedada a participação de empresas e pro-
fissionais estrangeiros que não estejam autorizados a atuar no âmbito
nacional.

Em princípio, não há razão para permitir genericamente que


empresas estrangeiras venham disputar os negócios visados pelo
Poder Público nacional. Mas há duas situações excepcionais que
podem determinar a realização de licitações de âmbito internacio-
nal: a) quando o recurso utilizado para pagar o encargo a ser exe-
cutado for proveniente de empréstimo ou financiamento internacio-
nal e essa condição for imposta para a concessão do recurso e b)
quando o Poder Público reconhecer que, em razão da especificidade
do encargo ou da solução (objeto), haverá restrição da disputa em
função do reduzido número de empresas e profissionais que atuam
no mercado nacional ou mesmo que a melhor ou única solução para
satisfazer a sua necessidade somente poderá ser viabilizada por pes-
soas estrangeiras que não atuam no mercado nacional.

Diante das exceções, caberá à Administração definir uma das


condições do negócio: o padrão monetário admitido para a cotação
da remuneração (preço a ser cobrado pelo futuro contratado). No
primeiro caso, a autorização da cotação de preço em moeda estran-
geira normalmente é uma condição para a concessão do empréstimo
ou financiamento. No segundo, a permissão da cotação de preço em
moeda estrangeira ocorre como forma de estimular as pessoas estran-
geiras a participar do certame.

No certame internacional, tanto as empresas estrangeiras como


as nacionais podem participar da disputa. Permitida a cotação em
moeda estrangeira, os licitantes nacionais e estrangeiros poderão

294
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cotar suas propostas em quaisquer das moedas ou padrões mone-


tários admitidos no edital. A diferença é que a empresa estrangeira
receberá a sua remuneração por meio de carta de crédito, ou seja,
lá fora e na própria moeda cotada; e as empresas e os profissionais
nacionais receberão a sua remuneração aqui no Brasil e em moeda
nacional (real), apenas convertida da moeda estrangeira para o real,
com base na taxa de câmbio do dia útil imediatamente anterior à data
do efetivo pagamento. Isso é assim porque a regra é que os pagamen-
tos feitos no território nacional devem ser realizados em moeda cor-
rente (real), e não em moeda estrangeira.

4. Preços praticados no mercado (preço de mercado,


4.
preço vigente no mercado e preços correntes)

Antes de tratar dos outros rótulos que qualificam os preços


no regime jurídico da contratação pública, é necessário abordar os
denominados preços de mercado, pois é a partir deles que a análise
dos outros termos ou expressões deverá ocorrer.

Uma das formas de saber se um preço é excessivo ou inexequí-


vel é conhecer os preços de mercado (praticados, vigentes ou cor-
rentes no mercado). Aliás, o critério adotado no § 1º do art. 48 para
apurar os preços inexequíveis se baseia nessa ideia, ou seja, toma os
preços praticados pelos licitantes para definir o exequível e o inexe-
quível. Cabe apenas ponderar, nesse ponto, que o critério legal não
adota o preço propriamente praticado no mercado, mas o preço pro-
posto na licitação, o que pode ou não coincidir.
O Processo de Contratação Pública

Normalmente não é a Administração que define o preço, mas


sim o encargo. No entanto, existem situações (raras) em que a Admi-
nistração até pode definir o preço, como no concurso e na hipótese
do § 2º do art. 9º da Lei nº 8.666/93. O que a Administração faz (e
deve fazer) é definir o critério de aceitabilidade dos preços, mas não
os preços em si. Mesmo quando há a fixação de um preço máximo,
não podemos dizer que é a Administração quem fixa o preço, ela
apenas define o seu teto máximo.

295
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Renato Geraldo Mendes

O mercado ou as empresas e os profissionais de bens e servi-


ços que nele atuam determinam o montante da remuneração que
será cobrada pelo encargo definido pela Administração. Sem ter de
aprofundar o tema em relação à formação dos preços no mercado,
o regime jurídico vigente está centrado na ideia de oferta e procura,
ou seja, é o mercado quem determina o preço, segundo as leis que
o regulam. Isso não significa que qualquer preço possa ser aceito.
Vamos raciocinar considerando a normalidade com a qual o mer-
cado tem operado desde 1994.

Para compor o regime jurídico vigente, o legislador partiu da


ideia de que há um preço praticado no mercado. É com base nele
que devemos apurar a compatibilidade do preço proposto na contra-
tação. Portanto, é a prática de mercado que dirá se o preço cotado é
ou não compatível e se é ou não corrente e aceitável. Preço corrente
é o que se revela comum, normal, aceito nas relações de mercado,
balizando e regulando os negócios em geral.

Essa é uma conclusão a que podemos chegar com certa faci-


lidade, pois bastará recorrer à própria literalidade do ordenamento
jurídico, visto que não são poucos os dispositivos legais em que o
legislador enuncia a sua opção. Verificando o que está no art. 24,
incs. VII, VIII, X, XII, XX e XXIII, é possível constatar o critério que
orientou o legislador, pois em todos os dispositivos há indicação
explícita da expressão “preço compatível com o praticado no mer-
cado” ou “preço do dia”. Para não dizer, eventualmente, que todos os
dispositivos apontados se referem à dispensa de licitação, é oportuno
fazer menção expressa ao inc. IV do art. 43 da Lei nº 8.666/93, pois
nele a referência é diretamente a licitação.

Assim, na contratação direta e na licitação, o preço praticado


no mercado calibra a aceitabilidade das propostas apresentadas pelos
licitantes. É com base nesse preço que se julga a proposta. Portanto,
ele é a bússola que orienta o julgamento das propostas apresentadas
nas licitações, tanto nos procedimentos regidos pela Lei nº 8.666/93
quanto pela Lei nº 10.520/02.

296
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5. Preço excessivo, preço superior e preço manifestamente


5.
superior

Em regra, é com base nos preços de mercado que saberemos


se o preço é ou não excessivo. Em termos coloquiais, o preço exces-
sivo está acima dos praticados no mercado, revelando-se superior aos
preços de empresas e profissionais que nele atuam. A existência de
preços acima da média de mercado, por exemplo, é um indício de
que aquele preço pode ser excessivo, mas não uma certeza. O que
determina a excessividade do preço não é o seu valor (montante) em
si, mas o encargo/objeto que o preço expressa. Para afirmar que um
preço é excessivo, é preciso estar diante de objetos padronizados ou
que apresentem configurações uniformes. Não é possível, por exem-
plo, comparar um veículo do tipo popular a uma Mercedes de alto
padrão e afirmar que o preço desta é excessivo. Para ser avaliado, sob
o ponto de vista da sua excessividade, é preciso saber o preço que
outros fornecedores cobram pela Mercedes do mesmo tipo e padrão.
Aí saberemos se ela tem um preço de mercado ou se o seu preço é
excessivo.

Normalmente, o preço excessivo possui na sua composição


um lucro demasiado, ou seja, descontados os custos e as despesas
(comuns a todos os agentes do mercado), o que sobra (lucro) é muito
acima dos percentuais normalmente praticados no mercado para
aquele tipo de solução (objeto). Para compreensão dessa realidade, é
preciso distinguir o preço compatível do excessivo e, ainda, do mani-
festamente excessivo ou superior.
O Processo de Contratação Pública

Preço compatível é aquele que está afinado com os demais


preços praticados no mercado. Por exemplo, se o objeto é um veí-
culo “X” e, na média, as concessionárias o vendem pelo preço de R$
40.000,00, uma proposta que apresente um preço de R$ 41.000,00
deve ser considerada compatível com os preços de mercado, ainda
que superior à média. Se a proposta consigna, para o veículo com as
mesmas características, um preço de R$ 65.000,00, deve ser conside-
rada manifestamente excessiva ou superior. Por outro lado, se o preço
apresentado for R$ 44.000,00, pode ser rotulado de excessivo, mas
não manifestamente excessivo.

297
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Renato Geraldo Mendes

Ao tratar da questão dos preços no inc. II do art. 48 e no § 1º


do mesmo artigo, o legislador foi, no mínimo, infeliz, pois não sepa-
rou adequadamente as diversas situações ou rótulos que envolvem
os preços; é preciso distinguir o preço que apresenta indício de ser
excessivo do preço manifestamente excessivo. Da mesma forma e
com muito mais razão, é fundamental separar o preço que apresenta
indício de ser inexequível daquele que é manifestamente inexequí-
vel. Preço manifestamente inexequível é um preço facilmente iden-
tificado, deve saltar aos olhos ou ser, sem maiores dificuldades, apu-
rado. O preço eventualmente inexequível, mas não manifestamente,
apresenta considerável dificuldade para ser apurado.

Apesar disso, o legislador utiliza, no inc. II do art. 48 e no seu


§ 1º, a expressão “manifestamente inexequível” e define uma reali-
dade que pode ser a do preço manifestamente inexequível ou a do
preço com indício de inexequibilidade. Tanto isso é verdade que, em
razão da aplicação do critério previsto no § 1º do art. 48, se o lici-
tante tiver o seu preço rotulado como manifestamente inexequível
e, posteriormente, vier a demonstrar a exequibilidade do seu preço,
não poderá ser afastado do certame. Aliás, essa é a tese hoje domi-
nante entre os especialistas e no próprio TCU.

Como o preço manifestamente excessivo salta aos olhos, basta


conhecer números e contar com o sentido da visão para identificá-
-lo. Os preços excessivos exigem outro método de identificação. Para
apurar a sua excessividade, deve-se demonstrar a incompatibilidade
do preço proposto com os praticados no mercado para objeto de
idêntica configuração ou mesmo do preço proposto pelo licitante
com os preços por ele praticados para outros consumidores. Uma
forma simples e eficiente é solicitar do licitante cópias de nota fiscal
de outros bens idênticos vendidos por ele. Esse é um recurso pouco
utilizado, mas que pode resolver o problema, confirmando o elevado
preço proposto na licitação ou a sua compatibilidade.

O fato de o licitante demonstrar que vendeu, por aquele preço,


para outras pessoas não significa que a Administração deva sim-
plesmente dar por encerrada a questão e declará-lo vencedor. Será

298
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necessário saber por que o levantamento de preços realizado na fase


de planejamento indicou que o preço médio era de R$ 40.000,00.62
Para chegar a esse valor, é provável que alguns fornecedores tenham
informado que venderiam por preço inferior à média, inclusive.
Várias razões podem ter determinado essa situação, e elas podem ser
atribuídas ao mercado, à Administração ou ao próprio licitante, o que
é mais comum.

No procedimento da Lei nº 8.666/93, modalidade concorrên-


cia, tomada de preços ou convite, a apresentação de preço manifes-
tamente excessivo implicará a desclassificação da proposta do lici-
tante.63 Os preços considerados meramente excessivos ensejarão a
necessidade de realização de diligências; a Administração deve opor-
tunizar ao licitante demonstrar que o seu preço é compatível com o
de mercado, antes de desclassificar a proposta. Caso a demonstração
não seja convincente, caberá a desclassificação da sua proposta ou,
se convincente, a sua classificação.

Por outro lado, se a modalidade adotada é o pregão, a análise


do preço excessivo ou manifestamente excessivo deve ser feita ape-
nas após o encerramento da fase de lances. Não há sentido lógico
para afastar, de plano e antes da fase de lances, os preços excessivos,
pois há uma fase no procedimento justamente destinada à redução
dos preços. Ela deve ser utilizada para produzir o resultado para o
qual foi idealizada. Assim, após o encerramento da fase de lances
O Processo de Contratação Pública

é que se deve proceder à análise para saber se o preço é ou não


excessivo. Permanecendo ainda excessivo, restará a negociação. Se
infrutífera e não houver dúvidas da excessividade do preço, caberá a
desclassificação da proposta. Afastar licitante antes do encerramento
dessa fase de lances sob o argumento de que o preço é excessivo cria
um incidente procedimental sem sentido.

62 Para aproveitar o preço do exemplo ilustrativo apresentado acima para o veículo.


63 Em razão de os preços serem imutáveis, o que impede que eles sejam, em princípio,
reduzidos até o plano da exequibilidade. No pregão, a situação é outra.

299
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Renato Geraldo Mendes

6. Preço máximo
6.

Preço máximo é o preço limite que a Administração impõe ao


mercado fornecedor. Trata-se, na verdade, de um expediente que a
Administração pode lançar mão para inviabilizar o preço excessivo
e, consequentemente, o manifestamente excessivo. Por meio da fixa-
ção do preço máximo, é definido um teto acima do qual o preço é
considerado inaceitável. Quando a Administração “lança” um edital
no qual foi fixado um preço máximo, é como se ela dissesse: “qual-
quer preço acima do máximo definido não será aceito ou será rejei-
tado”. O preço máximo facilita o julgamento das propostas e elimina
a grande dificuldade que as comissões e os pregoeiros têm para jus-
tificar a excessividade em torno do preço. Ademais, o preço máximo
possibilita que a Administração ajuste a despesa a ser feita com o
orçamento disponível, desde que respeite determinadas condições. É
um excelente expediente que deve ser utilizado com mais frequência.
No Paraná, por exemplo, a fixação de preço máximo é uma condição
obrigatória a ser adotada por órgãos e entidades da Administração
Pública do Estado e dos municípios, por força do inc. XXI do art. 27
da Constituição estadual, que determina: “além dos requisitos men-
cionados no inciso anterior, o órgão licitante deverá, nos processos
licitatórios, estabelecer preço máximo das obras, serviços, compras e
alienações a serem contratados”.

6.1. O preço máximo é obrigatório ou facultativo?


6.1.

Em regra, a adoção de preço máximo é uma faculdade, tal como


prevista no inc. X do art. 40 da Lei nº 8.666/93. Não é uma condi-
ção que deve ser adotada de forma obrigatória quando a licitação é
do tipo menor preço. No entanto, se a licitação for do tipo melhor
técnica, a fixação do preço máximo torna-se obrigatória por força do
que dispõe o § 1º do art. 46 da citada Lei.

6.2. obrigatória a fixação de preço máximo no tipo técnica e


6.2. É
preço ou somente no tipo melhor técnica?

Na técnica e preço, a Lei nº 8.666/93 não deixa claro se a fixa-


ção de preço máximo é obrigatória ou facultativa, pois quando o § 1º
do art. 46 se refere ao preço máximo, ele disciplina o tipo melhor

300
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técnica. É natural que haja dúvidas em torno da referida obrigatorie-


dade para o tipo técnica e preço.

Para uma resposta satisfatória, cabem algumas ponderações


e deve-se saber a função que efetivamente desempenha o preço
máximo. É preciso, também, verificar se tal função é a mesma inde-
pendentemente do tipo de licitação ou se é possível vislumbrar fun-
ção distinta em razão do tipo adotado.

O preço máximo cumpre funções distintas, conforme o tipo de


licitação. Se o tipo é o menor preço, a função básica do preço máximo
é manter o preço do licitante muito próximo do valor orçado, aquele
que a Administração reconhece como o mais justo e compatível com
os preços de mercado. No menor preço, a tendência do licitante é
manter o padrão de qualidade do objeto tal como definido no edital
(que não deixa de ser mínimo) e apresentar um preço que possa ser,
para ele, o maior possível. A tendência é a qualidade não melhorar
e o preço subir. Logo, é preciso conter o preço. Essa é a lógica que
norteia o sistema do menor preço.

No caso do tipo melhor técnica, a função do preço máximo tem


uma sutileza bem específica.

Atualmente, o tipo melhor técnica foi totalmente desvirtuado


em relação à concepção original. A ideia era exclusivamente esco-
lher a melhor solução. A Administração adotaria o tipo melhor téc-
nica quando precisasse obter a melhor solução possível no mercado.
O vencedor seria o licitante que pudesse viabilizar essa solução. Mas
como regular o preço sem sair do controle da Administração e da sua
O Processo de Contratação Pública

capacidade orçamentária?

Surgiu, então, a ideia de limitar o preço, e não a qualidade.


Claro que limitar o preço é, de forma indireta, limitar a qualidade,
mas isso não caberia à Administração, e sim ao licitante. Se a Admi-
nistração limita a qualidade, ela o faz para todos, mas se limita o
preço não, pois cada um dos licitantes tem uma realidade diferente,
isto é, cada qual consegue viabilizar uma relação custo-benefício
diferente. Essa foi a solução lógica encontrada e que norteou a for-
matação do tipo melhor técnica.

301
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Renato Geraldo Mendes

Após a edição da Lei nº 8.883/94 e as mudanças que ela pro-


moveu no regime jurídico da contratação, a concepção original foi
quase totalmente desvirtuada, pois o vencedor não mais seria defi-
nido, necessariamente, em razão de possuir a melhor técnica, mas
sim por viabilizar uma técnica aceitável. Não era mais possível a
denominação de tipo melhor técnica, mas simplesmente técnica
aceitável.

Isso ocorre porque, após apurar a qualidade da proposta e fixar


a ordem de classificação em razão dela, é necessário iniciar uma fase
de negociação de preços com o primeiro da ordem de classificação,
tendo como referência o menor preço apresentado pelos que inte-
gram a referida ordem. Normalmente, o vencedor passa a ser quem
propôs a técnica aceitável, e não necessariamente a melhor técnica.
Para que o titular da melhor técnica fosse o vencedor, ele teria que se
dispor a reduzir o seu preço, o que nem sempre ocorrerá.

Com efeito, no tipo melhor técnica, a tendência é, dependendo


da estrutura da contratação, o licitante querer aumentar a qualidade
para receber a maior pontuação técnica, que o colocará em primeiro
lugar. A forma de conter a pretensão do licitante é por meio da fixa-
ção de preço máximo ou da limitação da pontuação máxima para os
fatores técnicos de julgamento. Com a mudança ocorrida na estru-
turação lógica do tipo melhor técnica, a fixação do preço máximo
perdeu muito do seu sentido original, pois de nada mais vale o lici-
tante apresentar a melhor técnica possível se ela passa a ser um “tiro
no seu próprio pé”. Dessa forma, a finalidade do preço máximo, que
era conter o excesso de qualidade, deixa de ter sentido, pelo menos
em tese.

Resta agora saber qual função o preço máximo poderia desem-


penhar no tipo técnica e preço. A partir disso será possível dizer se
ele deve ser fixado de forma obrigatória ou não.

No tipo melhor técnica, a ordem de classificação era definida,


exclusivamente, em função da qualidade da proposta técnica. Ou
seja, o preço não era fator considerado para fins de estabelecer a
ordem de classificação dos licitantes. Com a Lei nº 8.883/94, a dis-
ciplina do tipo melhor técnica sofreu uma alteração, o que mudou o

302
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panorama original. Agora o preço passa a ser decisivo na fixação da


ordem de classificação desse tipo, da mesma forma que na técnica e
preço.

No tipo técnica e preço, a ordem de classificação dos propo-


nentes “far-se-á de acordo com a média ponderada das valorizações
das propostas técnicas e de preço, de acordo com os pesos pré-esta-
belecidos no instrumento convocatório”.

Importante esclarecer que no regime original de julgamento das


licitações, segundo os tipos legais adotados, eram previstos três sis-
temas diferentes: a) o que primava apenas por considerar o preço
(menor preço), b) o que primava apenas pela técnica (melhor técnica)
e, por fim, c) o que conjugava as duas coisas (técnica e preço). Essa
era a lógica do sistema de julgamento das licitações no Brasil até
1994. Atualmente, essa lógica foi alterada, pois já não temos mais o
tipo melhor técnica tal como se concebeu inicialmente.

No tipo técnica e preço, o licitante deve encontrar um equi-


líbrio perfeito entre a qualidade proposta e o preço ofertado para a
qualidade indicada, de acordo com o peso a ser considerado para
cada um dos fatores. A fixação de preço máximo no tipo técnica e
preço não atende, em princípio, ao mesmo propósito para o qual foi
fixado no tipo melhor técnica. Talvez por isso a Lei nº 8.666/93 não
se reportou diretamente a ele quando disciplinou o tema no seu art.
46, mas apenas ao tipo melhor técnica. Ora, se na técnica e preço
o preço máximo não tem o propósito de limitar a qualidade nem
o preço, pois caberá ao próprio licitante encontrar a melhor rela-
ção, parece não haver, a princípio, muito sentido em utilizar tal expe-
O Processo de Contratação Pública

diente no tipo referido.

No sistema atual, com as alterações legais introduzidas, o


preço máximo é uma medida adequada e necessária quando se trata
do tipo menor preço. Nos demais, a sua aplicação não cumpre uma
finalidade tão precisa. De qualquer forma, permanece a exigência do
§ 1º do art. 46 da Lei nº 8.666/93: fixar preço máximo quando o tipo
for melhor técnica. Se for técnica e preço, será possível adotar preço
máximo se a Administração desejar limitar o seu desembolso. Não
há impedimento para adotar preço máximo no tipo técnica e preço,

303
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Renato Geraldo Mendes

como também não há obrigatoriedade. Trata-se, pois, de uma facul-


dade a ser exercida em razão de um propósito específico.

6.3. Preço acima do máximo deve ser eliminado?


6.3.

Cabe agora avaliar outra questão de grande repercussão prática.


Fixado preço máximo no edital, se o licitante apresentar proposta que
contempla preço superior a ele, a desclassificação é obrigatória ou
não?

Avaliaremos primeiro a hipótese de procedimento regido pela


Lei nº 8.666/93 e, em seguida, apreciaremos a questão em face do
pregão para saber se é o caso de adotar idêntica solução ou se é pos-
sível vislumbrar solução diversa.

A fixação de preço máximo é uma condição própria da con-


tratação e tem natureza material. Uma das características da condi-
ção material é que ela não pode ser desrespeitada ou desconsiderada
pela Administração no curso do processo de contratação, notadamente
após a publicação do edital. Se a Administração desejar revê-la, poderá
desde que altere o edital e devolva integralmente o prazo de publici-
dade, conforme prevê o § 4º do art. 21 da Lei nº 8.666/93.

Portanto, se o preço máximo é uma condição material, ele con-


diciona a própria aceitabilidade final da proposta. Vale dizer, para
que a proposta possa ser aceita, ela deverá respeitar essa condição, à
semelhança das demais fixadas no edital.

Como regra, o descumprimento de uma condição material pelo


licitante impõe a desclassificação de sua proposta. Da mesma forma,
o descumprimento de uma condição material por parte da Adminis-
tração implica a nulidade do certame.

A existência de vício material em uma proposta não implica,


necessária e imediatamente, a sua desclassificação, tal como ocor-
reu em tempos passados. O princípio que deve nortear a questão é
o do saneamento do vício (ou da proposta viciada), isto é, antes de
decretar a invalidação da proposta, é preciso verificar se há condi-
ções técnicas de proceder à correção do vício, ainda que de natureza

304
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material. É fundamental ter em mente que a desclassificação da pro-


posta é um prejuízo maior para a Administração do que propriamente
para o licitante, pois a exclusão da proposta pode representar a elimi-
nação da melhor relação custo-benefício, ou seja, do melhor negócio
ou mesmo da única proposta apresentada.

O regime jurídico vigente prevê, no §  3º do art. 48 da Lei


nº 8.666/93, a possibilidade de saneamento de vício material se for
comum a todos os competidores, ou seja, há um pressuposto para o
saneamento do vício quando ele for de natureza material: a ideia de
igualdade. Assim, não importa que se trate de descumprimento de
condições materiais diversas, o fundamental é que todos os docu-
mentos ou todas as propostas padeçam de, pelo menos, um vício
material para facultar o saneamento. O saneamento também é pos-
sível na hipótese de o vício atingir apenas o único proponente, pois
nesse caso não haverá violação ao tratamento isonômico, pelo menos
em princípio. Fala-se em princípio porque seria inadmissível permitir
a superação de uma exigência material do edital que possibilitou ao
licitante ser o único competidor. Isso ocorre quando a condição não
é atendida pelos potenciais interessados e, por força disso, deixam de
comparecer.

Outra possibilidade é o edital prever, desde logo, regras claras


de saneamento de vício material. A previsão no próprio edital cria
uma condição isonômica, pois será aplicada de forma impessoal. Por
exemplo, a ausência de assinatura da proposta ou de determinado
documento pode ser suprida se o representante legal do licitante esti-
ver presente. Isso poderia ocorrer ainda que não houvesse previsão
no edital, mas esta afasta discussão em torno de eventual favoreci-
O Processo de Contratação Pública

mento, visto que tal possibilidade não constituía uma condição a ser
exercida por todos.

Há, por fim, uma terceira possibilidade a ser avaliada. Se não


há regras definidas para o saneamento de vícios materiais no edital e
não é o caso do § 3º do art. 48 da Lei nº 8.666/93, é preciso verificar
se, em razão do procedimento legal adotado, o vício material pode
ser corrigido. Em caso afirmativo, deve-se oportunizar ao licitante fal-
toso a possibilidade de realizar a correção na sua manifestação de

305
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Renato Geraldo Mendes

vontade, de modo a ajustá-la às exigências fixadas no edital (manifes-


tação de vontade da Administração).

Se o procedimento for regido pela Lei nº 8.666/93, não haverá


como corrigir o vício material relativo à apresentação de preço
acima do máximo fixado. A impossibilidade decorre de que, na Lei
nº 8.666/93, o preço é, em princípio, imutável. Vale dizer, o procedi-
mento em si não contempla uma fase apropriada para a sua eventual
redução, como no pregão com a fase de lances.

Se a modalidade é o pregão, mesmo diante da apresentação


de uma proposta com preço acima do máximo fixado, não se deve
desclassificá-la de imediato. Caberá ao pregoeiro conduzir o titular
da referida proposta para a fase de lances e permitir que ele reduza
o seu preço, compatibilizando-o com o limite definido no edital.
O grande beneficiário dessa solução é a Administração, que contará
com mais uma proposta, além das demais. A finalidade da licitação
não é eliminar propostas, mas viabilizá-las, respeitando a ordem jurí-
dica. Por sua vez, a ordem consagra a ideia do saneamento, e não a
da eliminação pura e simples. Defender o contrário é ignorar a essên-
cia da própria ordem jurídica.

Por outro lado, é necessário reconhecer que a adoção do pro-


cedimento indicado ainda conta com muita resistência por parte
dos que conduzem as contratações (pregoeiros, comissões, asses-
sores jurídicos, etc.) e de doutrinadores e profissionais ligados aos
controles externo e interno. Isso é perfeitamente normal, pois passa-
mos décadas e décadas eliminando licitantes por mero vício formal
e aplicando erroneamente o regime jurídico. Querer agora que a
superação de vício material seja aceita sem traumas não é algo que
se deva ter como certo. É evidente que, em um primeiro momento,
haverá resistência e até sentimento de indignação. Mas o tempo e a
melhor compreensão da verdadeira essência do regime jurídico con-
tribuirão para dar um passo adiante e colocar a contratação pública
em um novo estágio de evolução. Importantes conquistas foram obti-
das nesses últimos anos.

306
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6.4. possível fixar preço máximo apenas para valores unitários


6.4. É
que integram uma planilha de custos e composição de
preços?

Não há impedimento legal para que isso ocorra. Muito pelo


contrário, a fixação de preço máximo é algo previsto na própria
ordem jurídica. Quando o inc. X do art. 40 da Lei nº 8.666/93 per-
mite, como critério de aceitabilidade dos preços, a fixação de um
limite máximo, não está limitando ou restringindo tal possibilidade
ao chamado preço global. Pelo menos aparentemente, não há uma
razão lógica para entender diferente, ou seja, o preço máximo é um
expediente que deve ser utilizado com o propósito de conter o preço
do licitante. Assim, tanto é possível fixar preço máximo global como
unitário em uma contratação. O que vai determinar o cabimento não
é o fato de o preço ser global ou unitário, mas o propósito de limitar
a remuneração do licitante.

A fixação de preço máximo unitário ocorre nos casos em que


a Administração deseja impedir fraude à contratação, tais como em
obras e serviços de engenharia, em que pode haver o chamado jogo
de planilhas. Claro que o jogo de planilhas não se reduz à mera indi-
cação do preço unitário, envolvendo outras sutilezas e técnicas.

6.5. Cautela na fixação do preço máximo


6.5.

A fixação do preço máximo deve ser feita com muito cuidado.


Se houver erro na sua determinação, caberá, em princípio, a anula-
ção do certame. A fixação do preço máximo deve ser precedida de
cuidado e ampla pesquisa de preços no mercado. Historicamente, a
O Processo de Contratação Pública

pouca utilização de preço máximo resulta, justamente, da incerteza


em relação à pesquisa de preços realizada. Como não se tem certeza
do preço apurado em razão da pesquisa, principalmente para certos
objetos, há a preferência por não fixar preço máximo, muito embora
a legislação conte com essa previsão há mais de uma década.

Se a Administração fixar como preço máximo um valor muito


abaixo dos preços praticados no mercado, não poderá, no curso do
processo, simplesmente ignorá-lo. Se isso ocorrer, deverá anular o
certame e reiniciá-lo após a correção do vício.

307
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Renato Geraldo Mendes

7. Preço estimado (ou orçado)


7.

Preço estimado é aquele definido pela Administração a partir


do valor que o mercado se dispõe a cobrar para viabilizar o encargo
(solução) que deseja para atender à sua necessidade. O preço esti-
mado resulta da pesquisa de preço realizada pela Administração no
mercado fornecedor de bens e serviços. Com base na pesquisa, a
Administração apura diversos preços nos diferentes fornecedores pes-
quisados e, após proceder às suas análises, define um montante e o
considera como estimado. Então, estimado é o preço que a Admi-
nistração considera que o mercado vai praticar. A estimativa é feita
com base em um levantamento realizado junto ao próprio mercado
fornecedor.

O preço máximo é fixado a partir do preço estimado. Para defi-


nir os preços máximo e estimado, antes, deve-se realizar a pesquisa
de preços. A materialização da pesquisa é feita por meio de orçamen-
tos obtidos dos fornecedores, consultas a tabelas de preços, bancos
de dados, anúncios publicitários em jornais, revistas, sites, registros
de preços, etc.

O preço estimado tem fundamental importância para a con-


tratação, pois é a partir dele que: a) será fixado o preço máximo; b)
serão analisadas e julgadas as propostas; e c) será aplicado o critério
de aferição do preço inexequível previsto no § 1º do art. 48 da Lei
nº 8.666/93.

8. Preço mínimo
8.

Quando a Lei nº  8.666/93, no §  1º do art. 53, se reporta à


expressão “preço mínimo” quer se referir aos negócios que envolvem
a venda de bens. Sempre que a Administração realizar a alienação de
um bem, móvel ou imóvel, deverá previamente avaliá-lo para fixar
um preço mínimo. O preço mínimo tem a mesma finalidade que o
preço máximo, pois o seu propósito é conter as ofertas (preços) ofe-
recidas pelos interessados. A diferença é que o preço máximo serve
para a Administração comprar, e o preço mínimo, para vender. Nos
dois casos, a Administração visa a obter o melhor negócio, que pode

308
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estar representado tanto no menor preço (desembolso de recursos)


quanto no maior preço (encaixe de recursos).

Portanto, a vedação de preço mínimo, prevista no inc. X do art.


40 da Lei nº 8.666/93, deve ser observada apenas quando a Adminis-
tração compra ou contrata serviços, e não quando vende. Quando
vender seus bens, a fixação de preço mínimo deixa de ser proibida e
passa a ser obrigatória.

9. Preço de referência (ou referencial)


9.

Preço de referência é o que baliza a oferta dos licitantes. Ele


deve ser indicado pela Administração e utilizado pelos licitantes para
formatar suas propostas. Por isso, quando a Administração prevê, no
edital, que o vencedor será o que oferecer, para o produto licitado,
o maior desconto sobre o preço constante na tabela de preços prati-
cada pelo fabricante do produto, ela adota o chamado preço de refe-
rência. Nesse caso, a tabela (referência) é a forma mais simples para
obter o negócio mais vantajoso, ou, em determinados casos, a única.

O inc. II do § 1º do art. 46 da Lei nº 8.666/93 utiliza a expressão


“preço de referência” para balizar a negociação que a Administra-
ção deverá realizar com o licitante mais bem classificado, quando o
tipo adotado for melhor técnica. A referência, nesse caso, é o menor
preço praticado na licitação. O Processo de Contratação Pública

10. Preço unitário


10.

Preço unitário é aquele que expressa uma unidade do objeto


ou de determinado insumo que constitui ou integra a composição do
preço total do objeto. Para os insumos, seria possível, inclusive, não
falar em preços unitários, mas em custos unitários, pois os preços são
formados com base nos custos unitários. De qualquer forma, o legis-
lador utilizou o termo “unitário” para se referir tanto aos preços como
aos custos que formam os preços.

309
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Renato Geraldo Mendes

11. Preço global


11.

Global é o preço final que considera a quantia total do objeto


licitado. É o preço a ser pago pelo total do objeto, e não apenas por
uma unidade dele. Para fixar um preço e considerá-lo global, o objeto
deve ser certo e definido na sua totalidade. Portanto, o preço global
expressa o preço a ser pago pela Administração pela totalidade do
objeto, tal como licitado. Também é possível falar em preço global
como aquele que expressa o somatório da planilha de composição
dos vários preços específicos dos diferentes insumos que a integram.

12. Preço certo


12.

Preço certo é o que foi fixado em razão do parâmetro definido


pela Administração. Preço certo não é, necessariamente, o mesmo
que preço final ou total. Para definir o preço total, é indispensável que
duas coisas estejam determinadas: a) o padrão de qualidade e espe-
cificação do objeto e b) a quantidade do objeto. Sem a quantidade,
o preço pode ser certo, mas não será total. Nesse caso, a certeza será
meramente unitária ou para uma unidade de medida determinada.

Dessa forma, preço certo é o que foi definido para a totalidade


da remuneração ou para uma unidade de medida que multiplicada
pela quantidade revelará a remuneração total.

Para entender melhor os preços unitário, global e certo, sugeri-


mos a leitura do capítulo relativo aos regimes de execução, ou seja,
empreitada por preço unitário (EPU) e empreitada por preço global
(EPG).

13. Preço previamente fixado


13.

É o preço definido como exato pela Administração, caberá ao


licitante simplesmente aderir ou recusá-lo. Isto é, o licitante não tem
a possibilidade de alterá-lo para fixar um valor distinto daquele defi-
nido pela própria Administração. Normalmente, a Administração
define o encargo, e o preço é uma atribuição do particular (licitante).

310
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No entanto, é possível em determinadas situações que a própria


Administração defina o encargo e também quanto irá pagar pela sua
execução. O legislador lançou mão do expediente do “preço pre-
viamente fixado” no § 2º do art. 9º da Lei nº 8.666/93 ao se referir à
possibilidade de impor ao contratado o encargo de elaborar o projeto
básico, bem como no § 4º do art. 22 da referida Lei. A possibilidade,
entretanto, não se restringe a esses casos.

14. Preços propostos ou oferecidos


14.

Preços propostos ou oferecidos são apresentados pelos licitan-


tes e constam de suas propostas. Expressam a remuneração inicial-
mente pretendida pelo licitante em razão do encargo definido pela
Administração. A ideia que norteia o regime jurídico vigente é a de
que a Administração deve procurar reduzir tais preços, de modo a
obter maior vantagem financeira ou menor dispêndio de recursos
financeiros. A fase de lances no pregão, bem como as indicações
normativas de negociação com o propósito de obter negócio mais
vantajoso são exemplos legais de esforços no sentido de convencer
os licitantes a reduzir os preços inicialmente propostos ou oferecidos
e obter negócios mais vantajosos.

15. Preço contratado


15.

Preço contratado é aquele que expressa a remuneração a ser


paga pela Administração ao beneficiário do negócio por ela visado.
Resulta do processo de redução e negociação levado a termo pela
O Processo de Contratação Pública

Administração. É o preço ou a remuneração que vai nortear a relação


contratual.

16. Preço reajustado


16.

É o preço contratado que foi recomposto em razão do processo


inflacionário, de acordo com as regras definidas no próprio contrato.
O reajustamento ocorre por índice setorial ou geral.

311
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Renato Geraldo Mendes

17. Preços repactuados


17.

É o preço contratado que foi recomposto em razão do processo


inflacionário, de acordo com as regras definidas no próprio contrato.
A repactuação, ao contrário do preço reajustado, acontece por meio
de planilha de composição de custos e preços unitários.

18. Preços atualizados


18.

É o preço contratado que foi recomposto em razão do atraso no


pagamento da remuneração pela Administração. Por exemplo, se a
data de pagamento é o dia 10 de cada mês, e a Administração apenas
efetua no dia 15, há o dever de atualizar o valor em razão do atraso no
cumprimento da sua obrigação, conforme a alínea “c” do inc. XIV do
art. 40 da Lei nº 8.666/93. Nos termos da legislação específica, preço
atualizado não é sinônimo de preço reajustado ou repactuado. A atua-
lização é uma espécie de sanção imposta à Administração em razão do
descumprimento de uma condição contratual que ela mesma definiu e
que decorre do atraso da remuneração devida ao contratado.

19. Melhor preço


19.

É o preço que reflete a melhor relação benefício-custo. Na con-


tratação pública, o melhor preço tanto pode indicar o menor preço
(quando a Administração é a compradora) quanto o maior preço
(quando ela é a vendedora). Melhor preço é, então, o que revela o
melhor negócio para a Administração. O que torna um preço melhor
ou pior é a qualidade do benefício a ser aferido pela Administração,
e não o preço individualmente considerado. Portanto, o melhor preço
é uma condição relativa.

20. Preços inexequíveis e critério legal de sua aferição nas


20.
obras e nos serviços de engenharia

O objetivo, aqui, é materializar as reflexões e as conclusões a


que chegamos sobre o critério de aferição dos preços inexequíveis, de

312
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acordo com a sistemática prevista na Lei nº 8.666/93. Este tópico do


capítulo foi escrito e publicado em 1998, logo após a edição da Lei
nº 9.648/98, que alterou o texto da Lei nº 8.666/93, e, salvo engano,
foi o primeiro texto publicado no Brasil sobre o cálculo para a aferi-
ção dos preços inexequíveis de acordo com os critérios definidos nos
§§ 1º e 2º do art. 48 da Lei nº 8.666/93.

20.1. Questões prévias sobre os preços inexequíveis


20.1.

O julgamento das licitações sempre ensejou, entre outros, um


problema muito particular relacionado à aceitabilidade dos preços
propostos pelos licitantes: o dos preços inexequíveis. Em relação a
eles, a expressão evidencia, a grosso modo, uma situação de impos-
sibilidade real ou presumida. São inexequíveis os preços que não se
revelam capazes de possibilitar a alguém uma retribuição financeira
mínima (ou compatível) em relação aos encargos que terá de assumir
contratualmente.

A exploração da atividade econômica pressupõe que quem a


ela se dedica obtenha, além do ressarcimento dos gastos relacionados
com os insumos diretos da produção do bem ou com a prestação dos
serviços e recolhimentos de encargos sociais e impostos, lucro, que
pode ser entendido como a diferença entre a receita (faturamento) e
os custos totais (compreendendo os custos fixos e variáveis).

Em razão desse conjunto de coisas, é possível avaliar, de forma


objetiva, se um preço é ou não inexequível. Embora essa aferição
possa realizar-se concretamente, existem situações que ensejam difi-
O Processo de Contratação Pública

culdades e discussões de toda ordem. Isso é inquietante e descon-


fortável para os que têm a função de julgar as licitações, sejam eles
agentes integrantes de comissões de licitações ou que exerçam a fun-
ção de pregoeiros.

20.2. O tratamento normativo dado à questão


20.2.

A questão dos preços inexequíveis sempre exigiu a necessidade


de critérios legais adequados, o que nunca ocorreu.

313
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Renato Geraldo Mendes

O Decreto-lei nº 2.300/86 limitava-se a determinar a desclassi-


ficação da proposta manifestamente inexequível (art. 38, inc. II), sem
estabelecer parâmetros objetivos capazes de aferir a inconsistência
do preço.

No mesmo sentido foi a redação dada ao art. 48, inc. II, da Lei
nº 8.666, texto original de 21 de junho de 1993.

Entretanto, com a edição da Lei nº  8.883/94, que introduziu


alterações na Lei nº  8.666/93, a situação ganhou novos contornos,
pois, além de impor a desclassificação da proposta, conforme os regi-
mes anteriores, o legislador fixou parâmetros para a aferição do que
se poderia considerar preço “inexequível”. Definiu a expressão nes-
tes termos:

preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que


não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documenta-
ção que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de
mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a
execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente espe-
cificadas no ato convocatório da licitação.

Não obstante o critério legal fixado, ainda permaneceu o pro-


blema em relação à identificação dos preços que não deveriam ser
aceitos pela sua inconsistência. Isso ocorreu em função de ser impra-
ticável a regra traçada. Ora, o critério proposto impõe à Administra-
ção Pública a avaliação de fatores de difícil apuração, na medida
em que determina a demonstração, pelos licitantes, dos custos dos
insumos e coeficientes de produtividade. O critério não logrou êxito,
conforme era possível imaginar.

Em 27 de maio de 1998, foi editada a Lei nº 9.648. Além de


outros dispositivos, ela introduziu significativa alteração no art. 48,
cuja redação integral passou a ser a seguinte:

Art. 48. Serão desclassificadas:


I - as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório da
licitação;

314
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II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com


preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que
não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documenta-
ção que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de
mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a
execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente espe-
cificadas no ato convocatório da licitação.
§ 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo, consideram-se
manifestamente inexequíveis, no caso de licitações de menor preço para
obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferio-
res a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores:
a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cin-
quenta por cento) do valor orçado pela Administração, ou
b) valor orçado pela Administração.
§ 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor
global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor
a que se referem as alíneas “a” e “b” do parágrafo 1º, será exigida, para a
assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modali-
dades previstas no parágrafo 1º do art. 56, igual à diferença entre o valor
resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.
§ 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propos-
tas forem desclassificadas, a Administração poderá fixar aos licitantes o
prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou
de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facul-
tada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis.

20.3. O cabimento do novo critério fixado


20.3.

Em termos práticos, o critério fixado pela Lei nº 9.648/98, ao


O Processo de Contratação Pública

contrário do proposto pela Lei nº  8.883/94, significou um avanço


no sentido de tentar solucionar a questão, visto que o anterior se
revelava inaplicável. O problema, no entanto, é que o critério legal
foi fixado com reservas, na medida em que não se aplica a todos
os objetos licitados, ou seja, é inaplicável nos casos de compras e
serviços em geral, pois, nos termos do § 1º do art. 48, será utilizado
apenas quando o objeto for obra e serviço de engenharia e o tipo da
licitação for o menor preço. Isso revela que o critério foi proposto
pelo segmento da construção civil. Até aqui tudo bem, pois não se
pode condenar esse tipo de iniciativa. O que se pode e deve criticar é

315
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Renato Geraldo Mendes

o legislador ter recebido a proposição e acatado literalmente os seus


termos, sem ter efetuado as alterações que se faziam necessárias.

Portanto, o critério de aferição dos preços inexequíveis, nos


termos dos §§ 1º e 2º do art. 48 da Lei nº 8.666/93, aplica-se, exclu-
sivamente, às licitações cujo objeto seja obra e serviço de engenharia
e do tipo o menor preço.

Apesar da conclusão acima, nossa inclinação é no sentido de


entender admissível a possibilidade da adoção de um critério seme-
lhante ao previsto nos §§ 1º e 2º do art. 48 para os demais objetos,
isto é, compras e serviços em geral. O fato de o § 1º do art. 48 aludir a
obras e serviços de engenharia não significa que isso tenha sido feito
com o propósito específico de excluir os demais objetos.64 Essa não é
uma conclusão baseada apenas no aspecto literal do dispositivo, ou
seja, pelo fato de as compras e os serviços em geral não terem sido
incluídos na enunciação do dispositivo. Seria preciso muito mais do
que isso. Seria necessário avaliar se há alguma razão lógica capaz
de justificar a não aplicação do critério para compras e serviços em
geral. Não parece que haja uma exigência de ordem lógica para jus-
tificar a exclusão, o que fragiliza o argumento de que o critério é ina-
plicável para os citados objetos.

Por outro lado, ainda que por um apego à questão literal se


reconheça a impossibilidade de aplicação do critério previsto no § 1º
do art. 48 para compras e serviços em geral, a adoção de um critério
idêntico pode, legalmente, ser justificada nos incs. X e XXVII do art.
40 da Lei nº 8.666/93. Para tanto, bastaria que a fórmula fosse pre-
vista no edital, ato que regerá o certame.

Nesse sentido, não haveria nenhuma ilegalidade; ao contrário,


negar a possibilidade, sim, ensejaria ilegalidade, sem falar do trata-
mento desigual conferido pelo legislador à disciplina sistêmica, pois
regulou uma realidade jurídica (obras e serviços de engenharia) e

64 Situação semelhante é a do registro de preços, pois ele foi introduzido para atender,
em princípio, apenas às compras, e hoje é aplicável também aos serviços (e igual-
mente para determinadas obras). Tal possibilidade ocorreu em razão de nova inter-
pretação dada ao instituto, sem que a ordem jurídica “positiva”, no entanto, tenha
sido alterada. O enunciado prescritivo é o mesmo; a sua interpretação mudou.

316
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ignorou as outras (compras e serviços em geral), sem que houvesse


razões de ordem técnica e lógica para tanto.

Não há impedimento legal para adotar o critério de aferição


dos preços inexequíveis para compras e serviços em geral se houver a
constatação de que ele tem alguma utilidade prática. A sua não ado-
ção até pode ocorrer motivada pela eventual inutilidade, mas não por
falta de fundamento jurídico.

20.4.
20.4. Incompatibilidade real ou aparente entre o conteúdo do § 1º
e o disposto no inc. II, ambos do art. 48 da Lei nº 8.666/93

O § 1º do art. 48, segundo os seus próprios termos, diz: “para


os efeitos do disposto no inciso II deste artigo”. Isso significa que o
critério de identificação dos preços inexequíveis, fixado no § 1º, tem
relação direta com a definição constante no inc. II, pelo menos por
força do que diz a Lei. Entretanto, sob o ponto de vista lógico, a con-
clusão é outra, pois a enunciação da regra do inc. II fala em custo
dos insumos e em coeficiente de produtividade. Ora, o critério de
aferição previsto no § 1º nada tem a ver com esses fatores, não os
considera para fins de determinação da inexequibilidade, e sim toma
os preços propostos na licitação como parâmetros de avaliação. Há
uma absoluta incoerência normativa, sob o ponto de vista da questão
enfocada, entre o conteúdo do § 1º e do inc. II do art. 48, o que revela
uma inaceitável falha no processo de produção legislativa.

20.5. disciplina legal da questão e os pressupostos para a


20.5. A
aplicação do critério adotado
O Processo de Contratação Pública

A disciplina do critério tem a seguinte redação:

Art. 48. (...)

II - (...)

§ 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo, consideram-se


manifestamente inexequíveis, no caso de licitações de menor preço para

317
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Renato Geraldo Mendes

obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferio-


res a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores:
a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cin-
quenta por cento) do valor orçado pela Administração, ou
b) valor orçado pela Administração.
§ 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor
global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor
a que se referem as alíneas “a” e “b” do parágrafo 1º, será exigida, para a
assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modali-
dades previstas no parágrafo 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor
resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.

Com base nas regras apontadas, são três os pressupostos que


devem estar reunidos para aplicar o critério previsto no § 1º do art.
48 da Lei nº 8.666/93:

a) Que o objeto da licitação seja obra e serviço de engenharia;

b) Que a licitação seja do tipo menor preço;

c) Que tenha sido fixado pela Administração um valor (orçado).

Esses três pressupostos devem estar reunidos, sob pena de não


ser possível a adoção do critério estabelecido na Lei. O último pres-
suposto (c) possibilitará a aplicação dos critérios contidos nas alíneas
“a” e “b” do § 1º. Sem a fixação de um valor orçado, a Administração
não terá como proceder à identificação do preço inexequível. Esse
valor orçado deve resultar de um levantamento cuidadoso, refletindo
o custo da obra ou do serviço de engenharia.

Há um quarto pressuposto que não foi expressamente indicado


na norma, mas que não pode ser omitido pela Administração Pública.
Ele diz respeito à necessidade de fixação de um preço máximo. A
importância para a aplicação do critério de aferição dos preços ine-
xequíveis é que ele impede eventual distorção na apuração da média
aritmética das propostas superiores a 50% do valor orçado, que é
o parâmetro predominante do critério de aplicação. Sem a fixação
de um preço máximo, seria possível a apresentação de propostas
com preços excessivos apenas com o propósito de elevar a média
dos preços e afastar preços exequíveis sob o argumento de serem

318
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inexequíveis. Para evitar esse tipo de situação ou manipulação, é


indispensável a fixação de preço máximo quando o objeto da con-
tratação é obra e serviço de engenharia. Aliás, tal pressuposto deve-
ria ter sido indicado expressamente no § 1º do art. 48. Como não foi
indicado na Lei, deve ser no edital.

20.6. Critério para aferição do preço inexequível


20.6.

Nos termos da Lei, serão consideradas inexequíveis as propos-


tas com preços inferiores a 70% do valor orçado pela Administração
(alínea “b” do § 1º do art. 48) ou 70% da média aritmética dos valores
das propostas superiores a 50% do valor orçado pela Administração
(alínea “a” do § 1º do art. 48).

Vamos supor que o valor orçado pela Administração, para uma


obra de engenharia, seja R$ 100.000,00. Na licitação, foram propos-
tos os seguintes preços:

Empresa 1 – R$ 90.000,00

Empresa 2 – R$ 96.000,00

Empresa 3 – R$ 80.000,00

Empresa 4 – R$ 55.000,00

Empresa 5 – R$ 50.000,00

Empresa 6 – R$ 45.000,00


O Processo de Contratação Pública

Determinado o valor orçado, ou seja, R$ 100.000,00, e revela-


dos os valores das diversas propostas dos licitantes, o primeiro passo
a ser dado por quem irá julgar é verificar se a proposta atende às
demais condições do edital.

Se não atender às condições materiais impostas, deverá ser des-


classificada por essa razão. Sendo desclassificada, essa proposta não
será avaliada para fins de aferição da exequibilidade do seu preço.
Atendendo às demais condições exigidas no edital, será considerada
consoante determina o § 1º do art. 48.

319
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Renato Geraldo Mendes

O segundo passo é verificar quais propostas têm preço inferior a


50% do valor orçado, pois somente as com preço superior a 50% do
valor orçado entrarão no cálculo da média aritmética.

No exemplo acima, as propostas das Empresas 5 e 6 não aten-


dem a essa condição. A Empresa 6 cotou seu preço em R$ 45.000,00,
e a Empresa 5, em R$ 50.000,00, esse último preço é igual, e não
superior a 50% do valor orçado. Portanto, essas duas propostas não
entram no cálculo da média aritmética.

A média aritmética, critério previsto na alínea “a”, será determi-


nada entre as propostas 1 a 4. Somando-se os preços dessas propos-
tas (R$ 90.000,00 + R$ 96.000,00 + R$ 80.000,00 + R$ 55.000,00),
tem-se como resultado R$ 321.000,00. Como se trata de média arit-
mética, esse valor deverá ser dividido por 4, isto é, o número de pro-
postas que foram somadas. Da divisão, tem-se o seguinte resultado:
R$ 80.250,00.

A média aritmética dos valores das propostas superiores a


50% do valor orçado pela Administração é, no presente caso, R$
80.250,00. Portanto, está determinado o critério da alínea “a” do § 1º
do art. 48.

Em seguida, é preciso determinar o valor correspondente ao cri-


tério da alínea “b” do § 1º do art. 48. Esse é fácil, pois é exatamente o
valor orçado pela Administração, ou seja, R$ 100.000,00.

A parte final do disposto no § 1º do art. 48 diz que a proposta


será considerada inexequível se o seu valor for inferior a 70% do
menor valor obtido entre os critérios previstos nas alíneas “a” e “b”.
O menor valor obtido é o da média aritmética, ou seja, R$ 80.250,00,
visto que o outro valor (orçado) é R$ 100.000,00. Dessa forma, o
valor da alínea “b” será desprezado doravante.

Toda a operação até aqui realizada teve o objetivo de determi-


nar o parâmetro para o cálculo dos 70%, que irá identificar as pro-
postas inexequíveis. Portanto, os 70% vão incidir sobre o menor valor
apurado das alíneas “a” e “b”. O critério da alínea “a” é o que revela
o menor valor.

320
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O próximo passo é determinar o valor que revelará o preço ine-


xequível e o preço exequível. Para tanto, basta calcular 70% de R$
80.250,00. O resultado é R$ 56.175,00.

Portanto, será inexequível a proposta com valor inferior a R$


56.175,00.

No exemplo acima, as propostas das Empresas 4, 5 e 6 serão


consideradas inexequíveis, pois são inferiores a R$ 56.175,00, e,
assim, serão desclassificadas.

Entre as propostas que remanesceram, isto é, das Empresas 1, 2


e 3, será classificada em primeiro lugar e, consequentemente, será a
vencedora a proposta da Empresa 3, cujo valor é R$ 80.000,00.

Determinados o preço inexequível e a proposta vencedora,


caberá à comissão apurar se a Empresa 3 deverá ou não oferecer
garantia adicional e qual o seu valor em reais.

Antes da garantia adicional, é preciso avaliar uma última ques-


tão relativa ao preço inexequível, que diz respeito a eventual oposi-
ção oferecida por licitante no tocante à desclassificação de sua pro-
posta em razão da aplicação do critério definido no § 1º do art. 48.

20.7.
20.7. Discordância do licitante quanto à inexequibilidade da sua
proposta

Após a aplicação do critério previsto no § 1º do art. 48, é pos-


sível que, em relação às propostas consideradas inexequíveis, a) o
licitante concorde com a inexequibilidade da sua proposta, o que
O Processo de Contratação Pública

ensejará o seu afastamento do certame ou b) o licitante discorde da


apuração realizada, sob o argumento de que a sua proposta é exequí-
vel. Diante da hipótese (b), como deverá proceder a comissão de lici-
tação? Para responder satisfatoriamente à questão, é preciso ponderar
alguns aspectos que envolvem o critério previsto no § 1º do art. 48.

Basicamente, um preço pode ser considerado inexequível por


duas razões: a) quando comparado com outros preços e b) em razão
da incompatibilidade entre o custo dos insumos e das despesas e o
preço atribuído ao próprio objeto pelo licitante.

321
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Renato Geraldo Mendes

Na hipótese (b), a inexequibilidade independe de outras variá-


veis senão a dos custos e das despesas do próprio objeto. A inconsis-
tência do preço resulta de um ato do próprio licitante, isto é, o preço
por ele atribuído ao objeto. Logo, a inexequibilidade é ato imputável
ao próprio licitante, e a mais ninguém.

Na hipótese (a), a inexequibilidade foge ao controle do próprio


licitante, pois é fundada em ato de terceiro. O preço atribuído pelos
demais licitantes aos seus objetos é que pode tornar o preço inexe-
quível, pouco importando se, de fato, a inexequibilidade é efetiva ou
não. O que ponderamos é que na hipótese (a), a inexequibilidade é
produzida por ato de terceiro. Pelo menos em princípio, o critério
que resultar da hipótese (a) deve ser visto com muita cautela, pois
viola a lógica e a razoabilidade. O natural é que a pessoa seja punida
pelo seu próprio ato, e não por ato de terceiro. O critério previsto no
§ 1º do art. 48 foi estruturado com base na hipótese (a), devendo ser
visto com reservas.

Afirmar que não é razoável reconhecer a inexequibilidade de


uma proposta em razão dos preços de propostas de terceiros é dei-
xar claro que a inconsistência de um preço tem de decorrer da sua
própria composição, e não da composição de outros preços. Isso é
no mínimo lógico. O critério previsto no § 1º do art. 48 é uma ficção
jurídica, não decorre do mundo real.

Dessa forma, surgirá um problema quando o licitante que teve


o seu preço considerado inexequível alegar que ele é exequível. E o
problema se tornará sério quando, além de afirmar que o preço não
é inexequível, ele demonstrar, por A + B, que o preço é exequível.
Diante desse quadro, não é possível a desclassificação da proposta.

Ora, se a proposta não pode ser desclassificada mesmo diante


da indicação de que o preço é inexequível em razão do critério legal,
para que ele existe, então?

O critério existe para apontar apenas o indício de que é pos-


sível que o preço possa ser inexequível, mas não que ele é, de fato,
inexequível. Quando, em razão da aplicação do critério previsto no
§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.666/93, um preço se revelar inexequível,

322
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caberá à comissão (ou ao pregoeiro, se for o caso) dar a oportunidade


ao licitante de demonstrar que o seu preço é exequível, caso ele não
concorde com o resultado da aplicação do critério legal. Somente
após isso é que se deve julgar a proposta para o fim de considerá-la
classificada ou desclassificada. A prudência assim recomenda.

20.8. Prestação de garantia adicional


20.8.

A Lei determinou que “dos licitantes classificados na forma do


parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% do
menor valor a que se referem as alíneas “a” e “b” do § 1º, será exi-
gida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional”.

Para afastar, de plano, a possibilidade de equívoco, não será


exigida dos licitantes classificados a garantia adicional, mas do ven-
cedor, que é um dos licitantes classificados. Só é exigível garantia,
ordinária ou adicional, de quem vai ser contratado, e não de quem foi
classificado. Portanto, a expressão “licitantes classificados”, utilizada
pelo legislador, é equivocada.

20.9.
20.9. Critério legal para determinar quem prestará garantia
adicional

A garantia adicional, sem prejuízo da garantia ordinária, será


exigida do licitante vencedor na hipótese de a sua proposta ter valor
global inferior a 80% do menor valor apurado nas alíneas “a” e “b”
do §  1º. No exemplo anterior, dois valores foram apurados: a) R$
80.250,00, com base na alínea “a”, e b) R$ 100.000,00, com base na
O Processo de Contratação Pública

alínea “b”.

Ora, o menor valor é o apurado na alínea “a”, ou seja, R$


80.250,00. Assim, para saber se o vencedor deverá prestar garan-
tia adicional, basta calcular 80% do valor acima. O resultado é R$
64.200,00.

Como a proposta do licitante classificado em primeiro lugar


é superior ao valor acima apurado, pois o preço vencedor é de R$
80.000,00, não haverá necessidade de oferecer garantia adicional.

323
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Renato Geraldo Mendes

20.10. Como deve ser apurado o valor da garantia adicional?

O § 2º do art. 48 da Lei nº 8.666/93, que disciplina a forma de


determinação do valor da garantia adicional, tem redação confusa.
É preciso deixar muito clara essa questão para que não se cometam
equívocos na determinação do referido valor.

A confusa redação decorre da expressão “igual a diferença entre


o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente
proposta”. Ou seja, o valor adicional da garantia será determinado
em função do critério indicado. No tocante ao valor da proposta, não
há dúvidas, pois o legislador está se referindo à proposta vencedora.
O problema reside na expressão “valor resultante do parágrafo ante-
rior”, uma vez que o parágrafo anterior referido, além da enunciação
geral, tem duas alíneas que o integram.

A operação envolvendo o § 1º revela dois valores distintos. O


primeiro resulta dos critérios das alíneas, ou seja, antes de aplicar os
70% que indicam o preço inexequível, e o segundo valor apurado é
resultante, justamente, do cálculo dos 70%.

No exemplo dado, o critério resultante da alínea “a”, isto é, da


média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% do valor
orçado, indicou R$ 80.250,00. O valor determinante do preço inexe-
quível foi de R$ 56.175,00.

Mas o que se deve entender por “valor resultante do parágrafo


anterior”, expressão utilizada na parte final do § 2º do art. 48?

Para fins de fixação da garantia adicional, entende-se como


“valor resultante do parágrafo anterior” aquele apurado em decor-
rência da aplicação dos critérios indicados nas alíneas “a” ou “b”,
sem o cálculo dos 70% referidos no contexto do parágrafo. No
exemplo, o valor a ser considerado é R$ 80.250,00.

Justifica-se a assertiva em função de um simples raciocínio


lógico. Quanto menor o valor da proposta vencedora, maior será o
valor da garantia adicional, e não o contrário. Ora, se adotarmos o
valor resultante da aplicação dos 70% sobre o menor valor apurado
nas alíneas “a” e “b”, teremos uma situação inversa à desejada.

324
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A aplicação do critério da alínea “b” produziu como resultado


o valor de R$ 80.250,00, e a aplicação dos 70% identificou o valor de
R$ 56.175,00. Como o valor da proposta vencedora é R$ 80.000,00,
não haveria necessidade do oferecimento de garantia adicional,
somente haveria se a proposta vencedora tivesse um valor inferior a
R$ 64.200,00.

Entretanto, se o valor da proposta vencedora fosse R$ 60.000,00,


ela seria exequível, na medida em que é superior a R$ 56.175,00,
mas haveria a necessidade de o vencedor oferecer garantia, pois é
inferior a R$ 64.200,00. O valor da garantia seria o resultado da dife-
rença entre os R$ 80.250,00 e R$ 60.000,00, ou seja, R$ 20.250,00.

Façamos o cálculo agora considerando o valor de R$ 56.175,00,


que resulta da aplicação dos 70% sobre o valor apurado na alínea “a”.
Então, teríamos R$ 60.000,00 - R$ 56.175,00, ou seja, R$ 3.825,00.
Ora, quanto maior fosse o valor da proposta, maior seria a garantia.
Se o valor da proposta fosse R$ 64.000,00, a garantia seria maior
(64.000,00 - R$ 56.175,00), isto é, R$ 7.825,00. Se a proposta ven-
cedora fosse R$ 56.176,00, a proposta seria exequível, e a garantia
seria de apenas R$ 1,00. Essa parece ser a lógica do sistema ideali-
zado. E foi essa a lógica que deduzimos do critério previsto na parte
final do § 2º do art. 48, indicada em 1998, dias após a edição da Lei
nº 9.648/98.

Cabe ressaltar que esse critério proposto para a apuração


da garantia adicional foi adotado integralmente por Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, na obra Temas polêmicos sobre licitações e con-
tratos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 233-243.
O Processo de Contratação Pública

20.11. Uma questão de constitucionalidade em torno da garantia


adicional

Resta avaliar se a exigência de garantia adicional pode, sob o


ponto de vista constitucional, ser admitida como prevista no § 2º do
art. 48 da Lei nº 8.666/93.

Contrato administrativo nada mais é do que a relação entre


encargo e remuneração. O encargo é definido pela Administração na

325
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Renato Geraldo Mendes

fase interna da contratação, e a remuneração é definida na fase da lici-


tação propriamente dita (fase externa). A remuneração é fixada com
base no encargo definido no edital e instrumentalizada na proposta
do licitante. Com a apresentação da proposta, forma-se a chamada
equação econômico-financeira, que nada mais é do que a relação
de equivalência entre encargo e remuneração. No inc. XXI do art.
37 da Constituição da República, o constituinte garantiu respeito às
condições efetivas da proposta, ou seja, assegurou que a relação de
equivalência entre encargo e remuneração seria observada durante
a execução do contrato.

Em decorrência disso, ficou definido também que, após a apre-


sentação da proposta, qualquer condição que alterasse a equação
econômico-financeira ensejaria a sua revisão. É o que dispõe a alí-
nea “c” do inc. II do art. 65 da Lei nº 8.666/93:

para restabelecer a relação que as parte pactuaram inicialmente entre


os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa
remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manuten-
ção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese
de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequên-
cias incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado,
ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, con-
figurando área econômica extraordinária e extracontratual.

O preceito legal acima fala em relação inicial e remuneração


justa. Isso significa que as partes pactuaram uma relação inicial, que
se traduz no encontro entre edital e proposta e ocorre com a apre-
sentação desta. Essa relação decorre do encargo definido no edital
e dimensionado financeiramente na proposta apresentada pelo lici-
tante. Por outro lado, a remuneração deve ser reputada justa porque
reflete o encargo definido no edital e foi aceita pela Administração,
após a devida análise e julgamento. Dessa forma, o contrato expressa
a relação equilibrada entre duas grandezas: o encargo e a remunera-
ção, sendo recomposta sempre que houver uma condição que dese-
quilibre a equação. Basicamente, a equação será reequilibrada de
duas formas: a) em razão do advento das condições já previstas no
contrato e que ensejam o reajuste e a repactuação ou b) mediante
revisão. A revisão tem cabimento na “hipótese de sobrevirem fatos

326
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imprevisíveis, ou previsíveis de consequências incalculáveis, retar-


dadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso
de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área
econômica extraordinária e extracontratual”.

Nesse contexto, a garantia adicional é um encargo que o lici-


tante tem de suportar e que surge após a apresentação da proposta.
Apresentada a sua proposta, a única garantia que ele consegue esti-
mar é a garantia comum ou ordinária, que decorre do § 1º do art. 56
da Lei nº 8.666/93, pois ela está prevista no edital. O custo da garan-
tia adicional não há como estimar, porque ele teria de conhecer o
preço dos demais licitantes e isso é impossível; se possível, é conluio
(crime).

Quando o licitante apresenta a sua proposta, ele não tem como


definir quanto pagará a título de garantia adicional e se, de fato, terá
de pagar, pois o recolhimento dessa garantia pode ser considerado
“um fato imprevisível ou mesmo previsível de consequência incalcu-
lável”, tendo em vista que não se sabe se ocorrerá e, ainda que hou-
vesse certeza, não se saberia qual o seu montante, uma vez que seria
necessário conhecer a proposta dos demais.

Diante desse panorama, o licitante não tem como estimar o


custo da garantia adicional, que tanto pode ser pequeno como pode
ser considerável, inclusive maior do que a própria garantia ordiná-
ria em alguns casos. Dessa forma, se ele não estima a garantia, terá
de arcar com um ônus estranho ao contrato (relação entre encargo
e remuneração). Se inclui tal garantia, eleva a sua remuneração e
O Processo de Contratação Pública

corre o risco de perder o certame para um licitante que não esti-


mou a garantia. Logo, o licitante que arriscou e não a estimou foi
beneficiado.

Como se pode ver, a garantia adicional tem um problema de


ordem constitucional. Ou se considera que ela é inconstitucional e
não deve ser exigida, ou se revisa o contrato, caso seja exigida. Jogar
simplesmente para o licitante a solução desse problema é violar a
ordem jurídica.

327
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Renato Geraldo Mendes

20.12. O valor orçado pela Administração é o preço máximo?

A aplicação do critério constante no § 1º pressupõe, necessaria-


mente, além do valor orçado, a fixação de um preço máximo. Ora, se
o valor orçado fosse sinônimo de preço máximo, qualquer preço pro-
posto superior ao valor orçado teria de ser, obrigatoriamente, rejei-
tado. Caso contrário, admitiríamos que propostas com preços supe-
riores ao indicado como preço máximo podem ser formuladas, sem
que isso enseje a sua rejeição.

Logo, uma coisa é o preço máximo, e a outra é o valor orçado.


São, portanto, duas realidades diferentes. Em alguns casos, um
mesmo valor pode expressar as duas realidades. Isso ocorre quando a
Administração, no edital, indica um valor como orçado e, simultane-
amente, diz que o valor orçado é também o preço máximo que ela se
dispõe a pagar. Quando adota a solução de estabelecer um só valor
para as duas realidades, inviabiliza a aplicação da alínea “b” do § 1º
do art. 48, o que não chega a ser nenhum sério problema.

É preciso observar que são dois os parâmetros a serem conside-


rados no § 1º do art. 48. Serão inexequíveis as propostas cujos pre-
ços sejam inferiores a 70% do menor dos seguintes valores: a) média
aritmética dos valores superiores a 50% do valor orçado ou b) o pró-
prio valor orçado. Para que o parâmetro previsto na alínea “b” (valor
orçado pela Administração) seja aplicável, é indispensável reconhe-
cer a necessidade de que, pelo menos, uma parte das propostas seja
superior ao próprio valor orçado pela Administração.

Ao fixar o parâmetro da alínea “b”, quis o legislador, ao que


tudo indica, vê-lo aplicado também, pois, caso contrário, não teria
sentido indicá-lo. Como a única forma para isso é a existência de
preços superiores ao valor orçado na licitação, parece que o legis-
lador admitiu a possibilidade de que o preço máximo pudesse ser
superior ao valor orçado. Quando a Administração considera que o
valor orçado é também o preço máximo, ela inviabiliza a alínea “b”,
mas não a aplicação do critério de aferição, cujo balizamento será
feito, nesse caso, exclusivamente, pelo parâmetro definido na alínea
“a”. No contexto da norma, o fundamental é que o critério de aferi-
ção possa ser aplicado. Por esse motivo, não há ilegalidade no fato de
atribuir um mesmo valor para o preço máximo e para o valor orçado,
o que não significa que isso deva ocorrer sempre.

328
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20.13. O preço inexequível é um problema do licitante. Não haveria


por que a Administração se preocupar com ele. É correta essa
tese?

Basicamente, a ordem jurídica tem duas possibilidades para


regular os preços inexequíveis. A primeira delas é o legislador enten-
der que o preço inexequível é um problema do licitante e o que inte-
ressa é que ele cumpra o contrato, ainda que o preço apresentado
por ele na licitação seja manifestamente impossível de revelar uma
compatibilidade lógica entre o que ele se dispõe a receber e o que irá
gastar para cumprir o contrato.

A segunda possibilidade é o legislador fazer a opção em consi-


derar que o preço inexequível não é um problema do licitante, mas
um problema jurídico. Nesse caso, o legislador simplesmente deter-
mina que se o preço for inexequível, ele deve ser rejeitado. Ainda que
a Administração tivesse, por um lado, a possibilidade de satisfazer
plenamente a sua necessidade e, por outro, de pagar um preço insig-
nificante para a solução, o negócio não poderia ser realizado.

A ordem jurídica tem a possibilidade de consagrar uma das


duas teses.

Sem que isso represente generalização, as pessoas têm certa


tendência a querer sempre levar vantagem em tudo, satisfazendo a
sua necessidade com o dispêndio do menor recurso financeiro. Esse
desejo pode ser traduzido na máxima popular imortalizada na frase
utilizada por um jogador de futebol da seleção de 70 em comercial de
televisão: “eu gosto de levar vantagem em tudo. Certo?”. É com base
no “princípio da otimização da vantagem pessoal” que se desenvolve
O Processo de Contratação Pública

e se viabiliza, por exemplo, o mundo da pirataria.

Ao regular a questão dos preços inexequíveis, o legislador teve


de sopesar certos valores para poder formatar a norma que regularia
as relações entre a Administração e os particulares.

Afinal, qual das duas teses acima indicadas o legislador adotou


ao formatar o regime jurídico da contratação pública (tanto na Lei
nº 8.666/93 quanto na Lei nº 10.520/02)? A única forma de obter essa
resposta é conhecer o conteúdo do próprio regime jurídico.

329
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Renato Geraldo Mendes

Para tanto, não será preciso reunir muitos dispositivos da Lei


nº 8.666/93, apenas dois deles. Com base em tais preceitos, é pos-
sível, salvo engano, identificar a real opção feita pelo legislador ao
definir o norte em relação à aceitabilidade de preços inexequíveis.
Os dispositivos que consideramos suficientes para a análise são o § 3º
do art. 44 e o inc. II do art. 48.

Art. 44 (...)
§ 3º Não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários
simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos
insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos,
ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites
mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de pro-
priedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à
totalidade da remuneração.
(...)
Art. 48 (...)
II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com
preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que
não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documenta-
ção que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de
mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a
execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente espe-
cificadas no ato convocatório da licitação.

O legislador inicia o §  3º do art. 44 utilizando-se do verbo


“admitir” para vedar uma conduta. A norma impõe ao próprio admi-
nistrador público (e a mais ninguém) o dever de não admitir pro-
posta que apresente preços simbólicos, irrisórios ou de valor zero, ou
seja, de admitir preços inexequíveis. Nos termos da norma, eles são
inadmissíveis por serem “incompatíveis com os preços dos insumos
e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda
que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites
mínimos”.

Logo, o legislador diz que um dos “critérios de aceitabilidade dos


preços (inc. X do art. 40)” é que eles sejam compatíveis com os pre-
ços dos insumos utilizados (aí incluídos os custos dos materiais, salá-
rios, carga tributária, lucro). Portanto, preços incompatíveis com esses

330
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insumos não podem ser admitidos, isto é, devem ser rejeitados, o que
se faz por meio da desclassificação das propostas. O legislador foi tão
enfático na proibição de aceitação de preços inexequíveis que deter-
minou a sua rejeição ainda que o edital não tivesse fixado um preço
mínimo, como se tal fixação fosse possível. No inc. X do art. 40, o pró-
prio legislador tratou de vedar a fixação de preço mínimo. Não se deve
ver nisso uma contradição, mas a reafirmação de que a proibição não
admite exceção. Além do que, não é um eventual preço mínimo que
afastaria a proposta, mas a incompatibilidade do preço com os insu-
mos. Com efeito, a inexequibilidade não deve ser definida em razão de
uma condição fixada por terceiros, mas em razão da incompatibilidade
dos preços com os custos dos próprios insumos que o formam. A inexe-
quibilidade é uma questão matemática, acima de tudo.

Na parte final do §  3º do art. 44, o legislador tratou de fixar


uma ressalva. Disse ele que o licitante pode apresentar preço irrisó-
rio, simbólico ou de valor zero desde que para materiais e instalações
de sua propriedade, dos quais ele renuncie a parcela ou a totalidade
da remuneração.

O legislador facultou ao licitante a não inclusão no seu preço


do custo de certos insumos (materiais e equipamentos) necessários
à execução do encargo definido no edital, desde que tais insumos
fossem de sua propriedade. Ele regulou expediente de que o licitante
pode se valer para formatar preço mais vantajoso. Ora, por que o
legislador faria isso se o licitante tem a eventual liberdade de, inclu-
sive, praticar preços inexequíveis, conforme entendem alguns juris-
tas? Parece que não haveria sentido lógico para impor uma proibição
dessa ordem se o licitante pudesse praticar preços inexequíveis nas
O Processo de Contratação Pública

contratações públicas.

Na verdade, o legislador regulou a possibilidade de o licitante


desconsiderar, na composição do seu preço global, alguns custos de
insumos (materiais e equipamentos) de sua propriedade. O licitante
poderia, então, renunciar uma parte da remuneração do insumo ou
a sua totalidade, desde que devidamente fundamentado, pois isso
implicaria o oferecimento de preço zero, irrisório ou simbólico. Não
se trata de renúncia da remuneração global para o cumprimento do
encargo, mas apenas da remuneração de um custo unitário ou do

331
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Renato Geraldo Mendes

custo de um insumo (materiais e equipamentos) que integra o encargo.


É preciso não confundir essas distintas realidades. Se o licitante vai
utilizar um equipamento de sua propriedade e cujo custo foi por ele,
com base em outros contratos, totalmente amortizado, poderá se
valer disso. Havendo necessidade, caberá ao licitante demonstrar tal
condição juntamente com a apresentação da proposta ou, posterior-
mente, por meio de diligência. Esse é um exemplo de vantagem com-
petitiva e que o legislador entendeu por bem regular, pois propicia a
obtenção de uma melhor relação benefício-custo.

É possível sintetizar o conteúdo do § 3º do art. 44 da seguinte


maneira:
a) Não se admite, na contratação pública, a apresentação de
proposta com preço global simbólico, irrisório ou de valor
zero. Se a remuneração global for simbólica, irrisória ou de
valor zero, a proposta que a expressa deverá ser, em princí-
pio, desclassificada. Diz-se em princípio porque existe uma
situação, a ser avaliada no próximo tópico, que possibilita
remuneração zero, irrisória ou simbólica a ser cobrada da
Administração. A regra, no entanto, é a impossibilidade.
b) Não se admitirá proposta que apresente preço unitário sim-
bólico, irrisório ou de valor zero, salvo para insumos especí-
ficos (materiais e equipamentos) de propriedade do licitante.
Nesse caso, o licitante poderá renunciar a remuneração dos
insumos, parcialmente ou totalmente. A apresentação de
preço irrisório, simbólico ou de valor zero para a remune-
ração do insumo faz com que o licitante deva demonstrar
que a renúncia se operou nos termos do § 3º do art. 44 da
Lei nº 8.666/93, sob pena de desclassificação. A regra a ser
observada é a da vedação, e não a da possibilidade.

Resta avaliar, por fim, o conteúdo do inc. II do art. 48, pois, da


mesma forma que o § 3º do art. 44, trata dos preços inexequíveis.

O art. 48 da Lei nº 8.666/93 elenca hipóteses de desclassificação


das propostas, ou seja, diz quando uma proposta deve ser rejeitada
pela Administração. Com efeito, uma proposta deve ser desclassifi-
cada quando: a) não atender às exigências relacionadas ao encargo

332
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definido e b) quando o preço for superior ao máximo definido no edi-


tal ou, ainda, for inexequível.

Vamos avaliar as duas situações.

Na primeira (a), o legislador simplesmente diz que se o licitante


não demonstrar, na forma exigida, que tem condições de cumprir o
encargo tal como definido no edital, terá a sua proposta rejeitada,
pouco importando se o seu preço é vantajoso ou não. É assim por-
que a análise da vantajosidade em torno do preço, no sistema da Lei
nº 8.666/93, é realizada após a demonstração de que o encargo que
o licitante se dispõe a realizar é o licitado. Logo, o preço só passa
a ter qualquer relevância depois de superada essa premissa legal. A
fixação da ordem de apreciação da análise entre encargo e remune-
ração não é uma questão meramente doutrinária, mas legal, porque
é lógica. A preferência do legislador pela ordem (lógica) pode ser
constatada não só nos incs. I e II do art. 48, mas também no inc. IV
do art. 43, bem como no § 8º do art. 30 e nos incs. II e IV do art. 46.

A mesma lógica é adotada na estruturação da Lei nº 10.520/02


(pregão). No pregão também é necessário primeiro certificar-se de
que o encargo/objeto atende às exigências fixadas no edital, para
somente depois conhecer e analisar o preço. No entanto, é possível
manter essa lógica em outra perspectiva. A ordem jurídica poderá optar
pelo reconhecimento prévio do pleno atendimento do encargo e redu-
zir a condução do pregão à análise dos preços. Isso somente será possí-
vel se o pressuposto do pleno atendimento for fixado. É claro que o fato
de haver o pressuposto não significa que, em todos os casos, o objeto
não possa ser rejeitado. Pode e deve sempre que desatender ao edital.
O Processo de Contratação Pública

Como no pregão o que se licita são bens e serviços comuns, a adoção


desse sistema é possível, mas não para os demais objetos.

Bens e serviços comuns são objetos padronizados que não serão


produzidos por quem vai fornecê-los. Por esse motivo, o risco de o
pressuposto indicado não se verificar é muito baixo, o que indica
que ele pode ser fixado, pois o benefício (a rapidez a ser obtida) é
muitas vezes maior do que o risco. O risco é quase desprezível. Sem-
pre que a grande certeza do benefício for acompanhada de pequena
probabilidade de risco, ela deve ser a opção. Reduzir o procedimento

333
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Renato Geraldo Mendes

do pregão à discussão em torno do preço é adotar solução de baixo


risco e grande eficácia, salvo se a Administração não conseguir defi-
nir com clareza no edital o que está contratando.

Na hipótese (b), o legislador alude apenas ao preço. É como se


ele dissesse: “se o licitante atende ao encargo, é preciso saber, em
seguida, se não está querendo cobrar pela execução preço acima
do limite máximo definido no edital ou preço inexequível”. Como o
valor global superior ao limite estabelecido é o preço máximo defi-
nido pela Administração no próprio edital, ensejaria dúvidas apenas
o considerado como preço inexequível, visto que não poderia ser
definido no edital, tal como em relação ao preço máximo. E não
poderia por opção do próprio legislador, pois ele vedou a fixação de
preço mínimo (inc. X do art. 40 da Lei nº 8.666/93). Assim, para que
fosse definido um preço certo como sendo inexequível, seria indis-
pensável definir um preço mínimo, como ocorreu no Brasil até 1993.

Para eliminar eventual dúvida, tratou o legislador de definir o


preço inexequível. Aliás, o certo é falar em redefinição, porque o preço
inexequível já está definido no § 3º do art. 44. De qualquer forma, quis
o legislador deixar registrado, com todas as letras, que a definição con-
signada é a de preço inexequível, pois, no § 3º do art. 44, essa conclu-
são não é literal, exigindo um pouco de esforço interpretativo.

Diz o legislador, no inc. II do art. 48, que “preços manifesta-


mente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a
ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que com-
prove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado
e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a exe-
cução do objeto do contrato, condições estas necessariamente espe-
cificadas no ato convocatório da licitação”. A definição legal, como
um todo, não serve para muita coisa. O conceito acima indicado não
é tão útil, mas é possível dele destacar uma virtude: reafirmar que
o fator determinante para a identificação do preço inexequível é o
custo dos insumos, como dito no § 3º do art. 44. Logo, é esse parâme-
tro que o legislador definiu para apurar a inexequibilidade, e não o
preço proposto pelos licitantes, tal como definido no § 1º do próprio
art. 48. Por isso, o § 1º do art. 48 não guarda sincronia com o que está
no inc. II do mesmo preceito.

334
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21. Hipóteses de aceitação de preços simbólicos, irrisórios


21.
ou de valor zero

A regra é a de que a Administração não pode aceitar preços


simbólicos, irrisórios ou de valor zero nas licitações. Se o licitante
apresentar, por exemplo, preço zero, terá a sua proposta rejeitada, o
que implicará o seu afastamento do certame. É isso que deve aconte-
cer na quase totalidade das situações, ou seja, nas contratações cujas
soluções sejam obras e serviços de engenharia, bem como nas com-
pras e nos serviços em geral.

No entanto, existe um tipo específico de negócio que admite


que o licitante proponha preço zero na licitação ou mesmo preço
negativo, como já ocorreu (e ainda ocorre em alguns casos) no Brasil.

Esses negócios traduzem as situações em que a necessidade da


Administração é atendida por meio de atividade de intermediação.
Há três partes envolvidas: a Administração, o prestador do serviço e o
intermediário do serviço a ser prestado. Quem participa da licitação é
o intermediário, e não o prestador de serviço propriamente dito. Esses
negócios envolvem os casos de “fornecimento” de vale-refeição ou
cartão-refeição, passagens aéreas, vale-combustível e outros negó-
cios de idêntica natureza.

Normalmente, o intermediário pratica preço zero, ou seja, é


como se ele não cobrasse nada para prestar o serviço de interme-
diação. Quando os primeiros licitantes começaram a apresentar pro-
postas de valor zero no Brasil, vivíamos em plenos anos 80. Naquela
ocasião, houve muita discussão se seria juridicamente possível tal
O Processo de Contratação Pública

proposta, pois, a exemplo do que ocorre atualmente, o então § 3º do


art. 36 do extinto Decreto-lei nº 2.300/86 já proibia a cotação de preço
zero. Em regra, isso implicaria desclassificação da proposta. Naquela
oportunidade, em um primeiro momento, as propostas foram, de fato,
desclassificadas. Isso gerou inúmeros recursos e medidas por parte dos
licitantes que se sentiram prejudicados. Essa questão foi, inclusive, dis-
cutida no Tribunal de Contas da União, que proferiu uma decisão de
excelente conteúdo jurídico. O TCU entendeu pela possibilidade da
apresentação de preço zero, pois o licitante (intermediário) não tem
como única forma de remuneração a cobrança de um valor (preço) da

335
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Renato Geraldo Mendes

Administração; ele pode se remunerar, também, diretamente da rede


de prestadores de serviços. No caso em discussão, a rede era formada
pelos restaurantes credenciados pelo próprio intermediário. Com isso,
a questão foi pacificada, e o preço zero passou a ser admitido, exclu-
sivamente, nos tipos de negócio em que há intermediação. Há, nesses
casos, uma razão lógica capaz de justificar a admissão de preço zero,
irrisório e simbólico. Em situações de natureza diversa, não é possível
admitir tais práticas. Dessa forma, a ordem jurídica consagra a regra e
a exceção, e essa última coube ao intérprete (TCU) fixar, com base na
própria lógica que estrutura a ordem jurídica.

22. Preços baseados na oferta dos demais licitantes


22.

O § 2º do art. 44 prescreve que “não se considerará qualquer


oferta de vantagem não prevista no edital ou no convite, inclusive
financiamentos subsidiados ou a fundo perdido, nem preço ou vanta-
gem baseada nas ofertas dos demais licitantes”.

A ordem jurídica veda que um licitante formate a sua remunera-


ção a partir dos preços propostos pelos demais. A razão que motivou
a vedação da parte final do § 2º do art. 44 é interessante e curiosa,
além de revelar um ardiloso artifício para vencer qualquer licitação.
À semelhança do caso anteriormente avaliado, a situação que ins-
pirou o citado preceito também ocorreu nos anos 80, só que antes
da edição do Decreto-lei nº 2.300/86, ou seja, ainda na vigência do
Decreto-lei nº 200/67. Um licitante, com o objetivo de vencer todas
as licitações de que participaria, inventou um artifício “maquiavé-
lico”. Na sua proposta, após descrever o objeto e atender às demais
exigências solicitadas, consignava o seguinte: Preço  – 1% de des-
conto sobre o menor preço apresentado na licitação. Esse fato ins-
pirou o legislador, quando da edição do Decreto-lei nº 2.300/86, a
vedar oferta de preço baseada na dos demais concorrentes.

336
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Capítulo 13
A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS
PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS NA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. Considerações iniciais e objetivo


1.

O presente texto materializa parte das conclusões que resulta-


ram de reflexões realizadas sobre a contratação de serviços técnicos
profissionais especializados, especialmente em razão do que dispõe
o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 e de outros preceitos que regu-
lam e se relacionam com o tema. Ademais, a outra parte das referidas
conclusões constitui objeto do capítulo seguinte.

Essas reflexões formam um conjunto de informações capaz de


permitir a construção de um caminho mais seguro para a compreen-
são da norma que decorre do citado inc. II do art. 25, bem como do
cabimento ou não da licitação para a contratação dos denominados
serviços intelectuais.

2. A disciplina jurídica da contratação de serviços técnicos


2.

Serviços técnicos profissionais especializados traduzem ativi-


dades que integram o rótulo genérico de serviços de natureza pre-
O Processo de Contratação Pública

dominantemente intelectual. Falar em serviços técnicos é o mesmo


que falar em serviços intelectuais, não havendo diferença em rela-
ção à natureza ou ao regime jurídico aplicável no campo da contra-
tação pública. O que se pode ponderar é que todo serviço técnico
profissional especializado é de natureza intelectual, mas nem todo
serviço intelectual é de natureza técnica. Com efeito, serviços inte-
lectuais configuram um rótulo genérico do qual o serviço técnico é
espécie. Um exemplo ajudará na compreensão. Um trabalho artístico
(pintura, escultura) é atividade intelectual, mas não necessariamente
serviço técnico no sentido empregado na ordem jurídica.

337
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Renato Geraldo Mendes

A contratação de serviços técnicos profissionais especializados


e intelectuais no âmbito da Administração Pública é disciplinada de
forma específica na Lei nº 8.666/93. Por um lado, a Lei exige, no seu
art. 46, que os serviços de natureza predominantemente intelectual,
quando for o caso, sejam contratados por licitação do tipo técnica e
preço ou melhor técnica. Por outro lado, no inc. II do art. 25 da Lei
nº 8.666/93, o legislador determina que os serviços técnicos profis-
sionais especializados, de natureza singular, não podem ser contrata-
dos por licitação, por reconhecer que ela é inexigível.

Ademais, é possível, ainda, admitir uma terceira possibilidade


de contratação dos referidos serviços técnicos em face do que dis-
põem os incs. I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93. Eles preveem hipó-
teses tipicamente de dispensa de licitação, o que não impede que
possam ser contratados dentro dos valores indicados. Haveria outras
possibilidades contempladas no referido art. 24 que poderiam propi-
ciar a contratação desses serviços, como é o caso da hipótese prevista
no inc. XIII, mas não vamos considerá-las neste estudo.

Portanto, os serviços técnicos profissionais e os intelectuais


na Lei nº 8.666/93 podem ser contratados por licitação, inexigibi-
lidade ou dispensa. É preciso uma adequada análise jurídica para
saber quando a licitação é necessária e quando ela deve ser afastada.
O “deve” se refere à inexigência (art. 25).

3. Os fundamentos lógicos da contratação pública


3.

A contratação pública assenta-se na ideia de que a Administra-


ção tem uma necessidade específica para resolver e, não dispondo
de condições próprias, precisa selecionar um terceiro para atender
plenamente à sua demanda pela melhor relação benefício-custo. A
solução desejada, no presente caso, é representada pela execução de
um serviço.

A Administração tem o problema, e o terceiro, a solução para


ele. Além disso, ela quer obter o melhor benefício possível e pagar
menos por ele, e o particular pretende, por sua vez, no mínimo, a
remuneração adequada e que lhe possibilita garantir o lucro esperado

338
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pela exploração da atividade econômica. Dessa perspectiva decorre


a ideia de contratação.

Para que a Administração selecione o terceiro, deve definir com


clareza a solução específica que deseja, isto é, o objeto de que neces-
sita para atender à sua demanda, sob pena de vir a contratar uma
solução que não irá satisfazer sua necessidade. Ademais, para que
os agentes econômicos (terceiros) possam fazer ofertas e assumir
um encargo, é indispensável que saibam, de forma precisa, o que
a Administração pretende contratar. Essa é a condição básica a ser
atendida pela Administração, sob pena de não poder licitar.

Portanto, a Administração precisará definir, de modo preciso,


certo e determinado, o objeto a ser contratado, sob pena de não
poder colocá-lo em disputa. Todas as condições e exigências a serem
contempladas na definição do objeto (da solução) devem ter funda-
mento de validade na própria necessidade que determina e deflagra
o processo de contratação. Antes de definir o objeto a ser contratado,
cabe à Administração identificar e dimensionar todas as peculiarida-
des que caracterizam a sua necessidade. Uma coisa decorre da outra
e, mais do que isso, tem nela o seu fundamento de validade.

Em razão da lógica proposta, a ordem jurídica impõe que a


Administração defina, de forma objetiva, a solução capaz de atender
à sua necessidade, caso contrário, não terá como preservar o benefí-
cio que deseja obter nem selecionar, de forma isonômica, o terceiro.
Por um lado, é preciso garantir o que se deseja obter, por outro, é
necessário oportunizar igualdade a todos os agentes que atuam no
mercado. A propósito, o raciocínio que estruturou o regime jurídico
O Processo de Contratação Pública

da contratação pública segue essa exata ordem lógica. Primeiro se


deve garantir a satisfação da necessidade e, somente após isso, pode-
-se pensar em garantia da isonomia. A possibilidade de assegurar tra-
tamento isonômico é condicionada pela satisfação da necessidade, e
não o contrário. As peculiaridades que envolvem a necessidade deter-
minarão a natureza do procedimento a ser adotado na fase externa
do processo (licitação ou a sua inexigência) para selecionar o ter-
ceiro (parceiro), pois dirão se a competição é ou não viável, ou seja,
se haverá ou não possibilidade de licitar. Ademais, a ideia de viabili-
dade ou não de competição aparta o procedimento a ser adotado na

339
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Renato Geraldo Mendes

fase externa do processo de contratação e determinará o cabimento


da licitação ou da inexigência.

A lógica fundamental que norteia toda a estruturação do


regime jurídico da contratação pública é a acima exposta. Há situa-
ções, no entanto, que impedem que a Administração reduza a solu-
ção desejada a um padrão objetivo. Quando não for possível definir
e estabelecer um padrão de objetividade preciso para o que se quer
contratar, não se poderá garantir tratamento isonômico entre os
agentes que atuam no mercado, em razão da incerteza do próprio
resultado a ser obtido ou em função da impossibilidade de realizar
julgamento objetivo e comparação das próprias propostas que serão
apresentadas. As peculiaridades que envolvem esse tipo de contra-
tação tornam a licitação um caminho pavimentado com muita inse-
gurança e elevado grau de risco, que não pode ser aceito, nem o
próprio legislador aceitou.

A ordem jurídica contempla a contratação em que é possível


garantir tratamento isonômico em razão do padrão de objetividade
que a solução desejada possui, bem como a que não possibilita o
cumprimento dessa condição. Essas duas possibilidades são absolu-
tamente legais e têm igual importância no ordenamento vigente.

4. A viabilidade da competição como pressuposto da


4.
licitação

A licitação está associada diretamente à ideia de tratamento iso-


nômico, isto é, a licitação existe enquanto valor jurídico se for possí-
vel garantir seleção isonômica. Para garanti-la, é indispensável, além
da possibilidade real de disputa, que haja possibilidade de realizar a
escolha do parceiro (terceiro) por meio de critério objetivo de julga-
mento. Por meio desses critérios objetivos se garante o esperado trata-
mento isonômico e, consequentemente, viabiliza-se a competição.65
A ideia de licitação, portanto, está diretamente associada à de via-
bilidade de competição. E, se não for possível assegurá-la, uma vez

65 É certo também que a possibilidade de competição não depende somente de critério


objetivo, mas também da possibilidade real de disputa.

340
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que ela é pressuposto da licitação, estaremos diante da possibilidade


jurídica denominada de inexigibilidade, conforme já vimos em capí-
tulo precedente.

A fronteira que separa o dever de licitar e o afastamento da lici-


tação é, fundamentalmente, a ideia de competição. Portanto, com-
preender o significado do substantivo “competição” em matéria de
contratação pública é essencial. Aliás, não é possível atuar com segu-
rança na área da contratação pública sem saber o que é competição.

5. A visão equivocada de que a licitação é a regra


5.

É equivocada a afirmação de que a licitação é a regra, e a ine-


xigibilidade é a exceção. A licitação será a regra se a competição for
viável. Por outro lado, se a competição for inviável, a regra será a ine-
xigência. Portanto, a ideia de regra e de exceção é relativa, pois é
determinada em razão da possibilidade de competição.

Cumpre notar, no entanto, que, diante da inviabilidade de


competição, a licitação é vedada, ou seja, não tem o agente público
discricionariedade para escolher entre afastá-la ou realizá-la. Confi-
gurada essa inviabilidade, a única alternativa legal é tornar a licita-
ção inexigível. Assim, a inexigibilidade pode ser entendida também
como a proibição de realizar a licitação quando a competição se
revela inviável. O Processo de Contratação Pública

Proibir a licitação quando inviável a competição é proteger o


interesse público, de modo a afastar a potencialidade de risco irre-
parável que a licitação poderia produzir em razão das características
que envolvem a pretendida contratação, como no caso de contrata-
ção de serviços de natureza singular. Da mesma forma que se deve
censurar a contratação por inexigibilidade quando não estiver pre-
sente o seu pressuposto, também se pode considerar ilegal a con-
tratação por licitação quando a competição não for viável. Essa é a
essência do regime jurídico da contratação que decorre do próprio
inc. XXI do art. 37 da CF.

341
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Renato Geraldo Mendes

6. O sentido jurídico da palavra “competição”


6.
empregada no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93

A palavra “competição” empregada no caput do art. 25 da Lei


nº 8.666/93 tem sentido e conteúdo propriamente jurídicos, ou seja,
não pode ser tomada no sentido em que normalmente é utilizada
pelos dicionaristas, pois isso deturparia o seu verdadeiro significado
no contexto do citado art. 25. Essa palavra comporta significações
distintas e, inclusive, antagônicas entre si. Por isso é difícil compreen-
der o cabimento dessa hipótese de inexigibilidade.

A dificuldade apontada resulta do fato de que se tem dado à


palavra “competição” um sentido único: o de disputa. Aliás, essa é
uma das acepções que os dicionaristas atribuem ao termo. Esse sen-
tido é até correto, sob o ponto de vista jurídico, mas apenas para fins
de interpretação do inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93, e não para
interpretar o inc. II do referido preceito. De fato, o inc. I expressa a
noção de inviabilidade de competição em razão da impossibilidade
de disputa, mas, repita-se, não o inc. II.

A ideia da existência de fornecedor ou prestador exclusivo, de


fato e de direito, torna a disputa impossível e a competição inviável.
Para fins do inc. I do art. 25, inviabilidade de competição é exata-
mente o mesmo que impossibilidade de disputa. Nesse sentido, se
há mais de uma pessoa66 capaz de fornecer o que a Administração
deseja e definiu objetivamente, é inaplicável a hipótese prevista no
inc. I do art. 25, pois, nesse caso, a disputa (competição) é viável.

Por outro lado, para fins do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93,


a palavra “competição” nada tem a ver com disputa, mas sim com a
impossibilidade de definir parâmetro ou critério objetivo para esco-
lher a melhor solução em razão das peculiaridades que revestem e
caracterizam o serviço (objeto). Não se trata de eventual incompe-
tência ou inaptidão do agente público responsável em definir objeti-
vamente a solução (o objeto), mas da própria incapacidade humana

66 Fala-se em pessoa, e não em objeto, pois se houver mais de um objeto capaz de aten-
der à Administração e somente puderem ser fornecidos por uma única pessoa, haverá
igualmente impossibilidade de disputa.

342
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de reduzir condições abstratas a um padrão concreto e objetivo


para escolher a que melhor atenderá à sua necessidade. Há uma
diferença entre incompetência e incapacidade. No sentido empre-
gado, a incompetência revelaria a inaptidão ou imperícia de algumas
pessoas, ao passo que a incapacidade é de todos, e não apenas de
alguns. Portanto, o problema descrito é de incapacidade humana, e
não de inaptidão do agente A ou B.

A finalidade da contratação é fundamentalmente garantir a


satisfação da necessidade.67 Tal satisfação deve ser alcançada, pre-
ferencialmente, por meio de uma seleção que assegure igualdade
a todos os potenciais interessados no negócio. É nisso que se tra-
duz o princípio da igualdade, e dele decorre a ideia de licitação.
No entanto, existem situações em que o legislador reconheceu que a
igualdade não deve ser assegurada nos termos expostos, pois, se isso
ocorresse, haveria potencialidade de causar prejuízo à própria satis-
fação da necessidade, ou seja, ao interesse público. Cabe lembrar
que a satisfação da necessidade representa valor jurídico com supre-
macia sobre a própria garantia da igualdade, ou seja, sempre que o
tratamento isonômico puder causar dano à satisfação da necessi-
dade, esta deve ser atendida sem que a igualdade seja assegurada. É
a lógica que preside o regime jurídico constitucional da contratação
pública e que decorre do próprio inc. XXI do art. 37 da CF.

Com efeito, a inviabilidade especial de competição que o legis-


lador descreveu no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 tem sentido
de “impossibilidade de assegurar tratamento isonômico” na seleção
do terceiro que irá atender à demanda da Administração. Ela resulta
da impossibilidade de definir qual é a solução adequada, notada-
O Processo de Contratação Pública

mente sob o seu aspecto qualitativo, capaz de atender plenamente


à necessidade da Administração e de escolher quem irá viabilizá-
-la por meio de critério objetivo, de acordo com um procedimento
isento de subjetividade.

Em vista da complexidade ou peculiaridade presente em


determinados tipos de serviços, no máximo, consegue-se descrever

67 Não se deve confundir a finalidade da contratação com a da licitação, que é obter a


melhor relação benefício-custo.

343
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Renato Geraldo Mendes

genericamente o serviço desejado e definir, em linhas gerais, o que


se quer, sem garantir a obtenção do melhor benefício capaz de asse-
gurar a plena satisfação da necessidade. Quando o objeto a ser exe-
cutado é revestido de características peculiares, a sua simples indica-
ção genérica não possibilitará a obtenção da melhor relação benefí-
cio-custo, que é a finalidade da fase externa do processo de contra-
tação, conforme já explicamos. A imprecisão em torno da solução e
a incerteza quanto à obtenção da plena satisfação da necessidade
autorizam a escolha do contratado por meio de procedimento pró-
prio e que não se confunde com o da licitação.

O meio legal (procedimento pré-contratual) não pode ser ine-


ficaz para assegurar a obtenção do fim desejado (plena satisfação da
necessidade). A licitação, como meio, é ineficaz para atender à con-
tratação de serviços intelectuais de um modo em geral. Aliás, foi isso
que o legislador determinou. A propósito, essa questão foi muito bem
sintetizada na Súmula nº 39 do TCU, cuja análise é feita no capítulo
seguinte.

7. Os diferentes tipos de singularidade


7.

No contexto da contratação pública, é possível atribuir à pala-


vra “singular” os seguintes sentidos: a) a solução (o objeto) é singu-
lar quando ela é única, ou seja, não existe outra opção a ser con-
siderada em comparação a ela como um equivalente perfeito; o
objeto é singular por ser único, como nos incs. X e XV do art. 24
da Lei nº 8.666/93; b) há também a singularidade em relação à pes-
soa quando houver apenas um único fornecedor em condições de
viabilizar o objeto que a Administração deseja para atender à sua
necessidade, a exemplo da singularidade de fornecedor descrita no
inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93; c) também é possível dizer que
uma pessoa é singular quando reúne determinadas características
que a individualizam dos demais profissionais atuantes na mesma
atividade, como na hipótese do inc. III do art. 25 da Lei nº 8.666/93;
d) outro tipo de singularidade envolve a impossibilidade de reduzir
a solução desejada a um padrão objetivo capaz de permitir a esco-
lha por critérios objetivos.

344
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O tipo de singularidade de que trata o inc. II do art. 25 da Lei


nº 8.666/93 é o descrito no item (d). Ao aludir aos serviços técnicos
profissionais especializados, de natureza singular, o legislador pre-
tendeu se referir aos serviços que não podem ser reduzidos a um
padrão objetivo de descrição e julgamento, permitindo que a Admi-
nistração tenha sua necessidade plenamente satisfeita.

Com isso se reconhece que existem dois tipos de serviços: os


que podem ser reduzidos a um padrão de objetividade e os que não
podem. E os que não podem são tidos como singulares. Portanto, sin-
gularidade é sinônimo de ausência de objetividade. Mas se trata de
uma objetividade eficaz, ou seja, que permite obter a plena satisfação
da necessidade.

É indispensável, então, fixar um parâmetro de distinção entre,


pelo menos, dois tipos de serviços técnicos profissionais especializa-
dos: um que é singular e outro que não é. Afinal, qual traço os distin-
gue? Qual condição permite dizer que um tipo de serviço é singular
e o outro não? Tais questões serão respondidas abaixo.

8. Singularidade versus objetividade


8.

Nos exatos termos do inc. II do art. 25 da Lei nº  8.666/93, o


que torna um serviço singular é a impossibilidade de realizar a sele-
ção e a escolha de quem vai executá-lo mediante critério objetivo. É
a impossibilidade de fixar uma configuração objetiva para definir pre-
cisamente o que se quer, além de um critério de julgamento fundado
O Processo de Contratação Pública

em fatores de ordem objetiva. É isso que faz com que o serviço téc-
nico profissional especializado seja singular.

A questão toda está relacionada com o processo de escolha do


terceiro, isto é, do parceiro que será contratado para viabilizar a solu-
ção para o problema. A Administração sabe qual o problema (neces-
sidade) que deve ser resolvido e qual o tipo de solução (genérica) que
deve ser adotado para resolver o problema. No entanto, não conse-
gue definir, de forma objetiva, a solução específica capaz de atender
plenamente à sua necessidade. Por conta disso, não pode viabilizar

345
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Renato Geraldo Mendes

uma seleção isonômica para escolher o terceiro competente para


executar a desejada solução.

E não consegue porque se trata de um serviço que apresenta


complexidade técnica e deve ser feito sob encomenda por um ter-
ceiro, devendo este reunir um conjunto de atributos que não podem
ser mensurados por critérios objetivos. A razão disso é simples: a
ciência ainda não consegue medir determinados atributos que apre-
sentam configuração abstrata decorrentes da capacidade intelectual
humana.

A singularidade que caracteriza os serviços técnicos profissio-


nais especializados (e os intelectuais, obviamente) não pode ser defi-
nida objetivamente, pois os ingredientes (elementos) que a caracteri-
zam não podem ser reduzidos a um padrão objetivo, mensurável. Tais
elementos, fatores ou condições são de natureza subjetiva, ou seja,
somente podem ser avaliados por um padrão não mensurável objeti-
vamente, mas apenas subjetivamente. Essa impossibilidade pertence
ao mundo do “ser”, e não do “dever ser”. Não adianta a ordem jurí-
dica exigir critério objetivo de julgamento para mensurar tal singulari-
dade, porque ela continuará a ser incomensurável objetivamente.

A objetividade de que se fala é específica. Não basta a fixa-


ção de uma descrição generalista ou de quaisquer fatores objetivos,
deve haver padrão objetivo capaz de assegurar a plena satisfação da
necessidade. Portanto, não é suficiente que a Administração opte
por determinadas condições objetivas se elas não forem capazes de
garantir o cumprimento do encargo desejado. A eleição das caracte-
rísticas, descrição ou fatores objetivos deve ser eficiente e eficaz para
assegurar o resultado esperado, sob pena de serem impertinentes.

9. O que são serviços técnicos profissionais


9.
especializados ou serviços intelectuais?

A Lei nº 8.666/93, no seu art. 13, relaciona um conjunto de ati-


vidades e dá a ele o rótulo de serviços técnicos profissionais espe-
cializados. Não há dúvida de que as atividades indicadas no refe-
rido preceito constituem de fato serviços técnicos. O problema é

346
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saber se o rol de atividades nele indicado é taxativo ou exemplifi-


cativo, ou seja, se, sob o ponto de vista jurídico, devem ser consi-
deradas como serviços técnicos profissionais especializados apenas
as atividades enunciadas expressamente no referido preceito ou se
outras atividades tidas como técnicas também podem ser admitidas,
mesmo não relacionadas entre as que integram o referido rol. No
próximo capítulo expressaremos entendimento de que o rol do art.
13 da Lei nº 8.666/93 é meramente exemplificativo, e não taxativo.
Neste momento, cabe apenas afirmar que a ordem jurídica não diz o
que são tais serviços técnicos, apenas arrola algumas atividades que
devem ser assim consideradas.

Em vez de fazer a mesma opção do legislador, de apenas rela-


cionar algumas atividades, seguiremos outro caminho. Tentaremos ir
um pouco mais além e indicar algumas características que devem
estar presentes nesses serviços. Serviços técnicos profissionais espe-
cializados constituem um conjunto específico de atividades carac-
terizadas por determinados traços e peculiaridades que as distin-
guem de outras atividades humanas. Ainda que de difícil definição
em termos diretos e precisos, é possível reunir as propriedades que
os caracterizam.

O serviço técnico profissional especializado (atividade intelec-


tual) depende da conjugação articulada de alguns ingredientes:

a) Conhecimento teórico e prático;


b) Experiência com situações de idêntico grau de complexidade;
c) Capacidade de compreender e dimensionar o problema a
O Processo de Contratação Pública

ser resolvido;
d) Capacidade para idealizar e construir a solução para o
problema;
e) Aptidão para excepcionar situações não compreendidas na
solução a ser proposta ou apresentada;
f) Capacidade didática para comunicar a solução idealizada;
g) Raciocínio sistêmico e facilidade de manipular valores
diversos e por vezes contraditórios;

347
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h) Aptidão para articular ideias e estratégias em concatenação


Renato Geraldo Mendes

lógica;
i) Capacidade de produzir convencimento e estimar riscos
envolvidos;
j) Capacidade de inovar;
k) Criatividade e talento para contornar problemas difíceis e
produzir uma solução plenamente satisfatória.

Esses ingredientes precisam estar reunidos e ser aplicados em


perspectiva unitária (sistêmica). Uma pessoa pode dispor de um
ou mais dos ingredientes e mesmo assim não conseguir produzir o
resultado esperado com qualidade. É preciso capacidade de arti-
cular simultaneamente todos os fatores indicados. Se os serviços
técnicos fossem comparados a uma receita culinária, seria possí-
vel indicar os ingredientes necessários, mas não o modo de pre-
paro para produzir o resultado esperado. Fundamentalmente, ser-
viço singular é aquele cujo resultado final não se consegue mensu-
rar e precisar, mas apenas os ingredientes que devem estar reuni-
dos para que esse resultado seja obtido. Até seria possível falar em
objetividade no tocante ao meio, mas não em relação ao resultado
final. Mesmo assim, a objetividade em relação ao meio é mais de
aparência (rótulo) do que de conteúdo, pois não se consegue definir
e precisar, por exemplo, o que é criatividade, mesmo que se reco-
nheça que ela é necessária em determinada situação.

10. A singularidade é da pessoa ou do serviço?


10.

Essa é uma questão das mais difíceis. Sob o ponto de vista mera-
mente literal, a singularidade é do serviço, e não da pessoa que irá
executá-lo, pois o inc. II do art. 25 da Lei nº  8.666/93 diz textual-
mente: “para a contratação de serviços técnicos enumerados no art.
13 desta Lei, de natureza singular”. No entanto, serviços técnicos não
crescem em árvores, eles são o resultado da atuação pessoal de um
ser humano, operando isoladamente ou em organização (empresa,
entidade, etc.). Logo, para que o serviço técnico possa ser singular, a
pessoa que o produz deve ser singular.

348
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Na medida em que o serviço é o produto final de uma atuação


profissional, somente será singular se quem o produz for sabidamente
e antecipadamente singular. Há vinculação direta e necessária entre a
singularidade do serviço e a da pessoa, que se revela na ideia de notó-
ria especialização. Mas é possível também reconhecer que há uma sin-
gularidade que envolve a solução desejada (que se traduz no serviço a
ser executado). Tal solução pode ser dissociada da pessoa que irá via-
bilizá-la futuramente. Com base na necessidade ou no problema a ser
resolvido, pode-se concluir que a solução (objeto) capaz de atender à
demanda da Administração possui características peculiares que a tor-
nam singular. Por isso é difícil precisar se a singularidade é da pessoa
ou do serviço, o que não impede um esforço nessa direção.

A primeira coisa a ser compreendida é a ideia de necessidade


ou de problema. Portanto, a Administração tem um problema e pre-
cisa resolvê-lo. A segunda é avaliar o grau de complexidade do pro-
blema. E a terceira é verificar o tipo de solução para ele, em razão das
peculiaridades que o envolvem. Se a solução para o problema for um
serviço técnico profissional, o próximo passo é avaliar o grau de com-
plexidade para executar o serviço, bem como definir, de forma obje-
tiva, o que se deseja contratar. Essa objetividade tem relação direta
com o nível de precisão e exatidão, não pode ser imprecisa, em vir-
tude do grau de complexidade do problema e pelo fato de que ser-
viço é atividade de resultado, isto é, só se saberá se é plenamente
satisfatório ou não depois de executado. A questão aqui é reduzir ris-
cos para obter o plenamente satisfatório.

Diante de complexidade técnica sem poder68 definir a solu-


ção (objeto) desejada de forma objetiva, a alternativa é considerá-la
O Processo de Contratação Pública

como singular; isso exigirá, em princípio, um profissional notoria-


mente especializado.

A complexidade do problema determinará o nível de especiali-


zação da pessoa, pois o serviço é apenas o resultado da sua atuação,
ou seja, o resultado não pode ser avaliado, pois não existe pronto e
acabado como um objeto tangível (computador, máquina, veículo,

68 Não é que não se quer, não é possível mesmo.

349
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Renato Geraldo Mendes

etc.), precisará ser executado e somente após é que poderá ser ava-
liado. Serviço técnico a ser feito sob encomenda é tipicamente ati-
vidade de resultado.

Dessa forma, com base no grau de complexidade do problema


será definido o nível de especialidade da pessoa a ser contratada. Se
o problema a ser resolvido é simples, de reduzido grau de comple-
xidade técnica, bastará contratar uma pessoa com nível básico de
conhecimento técnico e alguma experiência. Se o problema possui
grau de complexidade mais elevado, será necessário contratar um
profissional mais bem qualificado. A definição do grau de complexi-
dade, aliada à impossibilidade de definição objetiva, determinará o
nível de qualificação do profissional ou da empresa a ser contratada.
E a avaliação do nível técnico da pessoa será realizada em razão dos
diferentes ingredientes que ela precisará possuir. Tudo isso é subjeti-
vo.69 No entanto, ao tratar da notória especialização, veremos que há
um esforço no sentido de reduzir a subjetividade.

Contudo, se houver a necessidade de deter e manipular os ingre-


dientes apontados e, além disso, de razoável dosagem de criatividade
e talento para produzir a solução, não restará nenhuma dúvida de
que a pessoa a ser contratada deve ser singular.70 Caso contrário, o
serviço – que é o resultado da sua atuação – provavelmente não será.
É preciso lembrar sempre que o planejamento de uma contratação
envolve, entre outras coisas, a redução do risco de não atender ple-
namente à necessidade da Administração.

As peculiaridades que revestem o problema (a necessidade) é


que exigem uma solução singular para ele, e esta somente pode ser
obtida por meio de pessoa notoriamente especializada. Nesse sentido,
a singularidade da solução é determinada pela necessidade que con-
diciona a escolha de um profissional notoriamente especializado. Em
face de tal raciocínio fica mais fácil entender por que o legislador utili-
zou o adjetivo “singular” para qualificar o serviço, e não o profissional,
mesmo tendo este também que possuir singularidade.

69 É importante ter a clareza de que avaliação subjetiva não é algo proibido na ordem jurí-
dica. O julgamento subjetivo só está proibido quando o objetivo puder ser realizado.
70 Singular aqui é sinônimo de notória especialização.

350
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11. Quando é possível ou não licitar serviços técnicos


11.
profissionais especializados ou intelectuais

Em princípio, o legislador deveria ter determinado expressa-


mente (com todas as letras) que todos os problemas ou situações que
fossem revestidos de complexidade técnica e que não pudessem ser
definidos e avaliados por parâmetros ou critérios objetivos de julga-
mento teriam de ser contratados por inexigibilidade, ou seja, a licita-
ção não deveria ser realizada. Mas o fato de não ter se valido de todas
as letras para a exigência não significa que não seja exatamente isso
que a ordem jurídica determina.71

O art. 46 diz que os serviços técnicos profissionais especiali-


zados devem ser contratados por licitação do tipo melhor técnica ou
técnica e preço. Tal determinação deve ser vista com a devida cau-
tela que a natureza do objeto referido exige. A licitação tem como
pressupostos fundamentais a garantia de igualdade e, por decorrên-
cia dela, a definição do vencedor por critério objetivo de julgamento,
pois, se não reunidas essas condições, não há como exigir a licitação,
ela será inexigível. Logo, a conclusão lógica é que somente é possí-
vel licitar um serviço intelectual quando ele puder ser definido de
forma objetiva, de modo a permitir, inclusive, julgamento por crité-
rios objetivos.

É preciso dar ao art. 46 da Lei nº 8.666/93 uma interpretação


restritiva, e não ampliativa. A interpretação ampliativa é mais do que
ilegal, é inconstitucional, por ferir frontalmente o conteúdo essen-
O Processo de Contratação Pública

cial do inc. XXI do art. 37 da CF e por afrontar o princípio da eficiên-


cia. Portanto, a contratação de profissional ou empresa para execu-
tar serviços técnicos profissionais especializados ou serviços intelec-
tuais por licitação somente pode ser realizada quando for possível
defini-los objetivamente. Se não for possível reduzi-los a um padrão
de objetividade de modo a fixar critério objetivo de julgamento, a
licitação não pode ser realizada.

71 Na ordem jurídica, é preciso separar o que está escrito daquilo que está dito. Esse é
um dos problemas centrais da interpretação jurídica.

351
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Renato Geraldo Mendes

Por outro lado, o § 1º do art. 13 da Lei nº 8.666/93 determina


que, ressalvados os casos de inexigência de licitação, os contratos
para a prestação dos serviços técnicos profissionais especializados
deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização
de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração. O
concurso é indicado no art. 22 da Lei nº 8.666/93 como modalidade
de licitação.

No entanto, o concurso pode ser qualquer outra coisa, menos


uma modalidade de licitação.72 Tal afirmação assenta-se na ideia de
que, como dissemos e reiteramos, a licitação tem como pressuposto,
além da igualdade, a obrigatoriedade de assegurar critério objetivo de
julgamento. E não é possível julgar um trabalho técnico, científico
ou artístico por meio de critério objetivo. A ciência ainda não atin-
giu esse estágio e é provável que não o atinja nos próximos 100 anos.

O caput do art. 25 diz, de forma direta, que é inexigível a


licitação quando houver inviabilidade de competição. A inviabi-
lidade de competição ocorre, fundamentalmente, quando não é
possível garantir os pressupostos da licitação, ou seja, a isonomia
e o critério objetivo de julgamento. A propósito, o critério objetivo
de julgamento traduz  – de forma peculiar  – a própria isonomia,
pois, se o julgamento for subjetivo, não haverá igualdade no sen-
tido material, ainda que ela possa existir no seu sentido formal. O
critério objetivo de julgamento possibilitará que a isonomia seja
realmente garantida.

O inc. II do art. 25 determina que é inexigível a licitação para


a contratação de serviços técnicos profissionais especializados, de
natureza singular, com profissional ou empresa de notória especia-
lização. No entanto, é inegável que há um fundamento genérico de
inexigibilidade previsto no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93, que é

72 Entendemos atualmente que o concurso não é modalidade de licitação, mas de ine-


xigibilidade, pois a licitação pressupõe a necessária viabilidade de competição e,
na seleção de trabalhos técnicos, científicos e artísticos, é inviável a competição,
não em razão da impossibilidade de disputa, mas por não ser possível definir crité-
rio objetivo para realizar a escolha. A impossibilidade de fixação de critério objetivo
torna a licitação inexigível, porque, sem ele, não se pode assegurar tratamento isonô-
mico, ou seja, não se consegue viabilizar o próprio pressuposto da licitação.

352
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independente da previsão específica disposta no seu inc. II, ou seja,


a contratação de serviços técnicos profissionais especializados não é
regulada apenas pelo inc. II do referido art. 25.

Com isso, a contratação de serviços técnicos profissionais espe-


cializados ou serviços intelectuais, de natureza singular,73 pode ser
feita com fundamento na previsão genérica do caput do art. 25 da Lei
nº 8.666/93 ou no seu inc. II. Isso não pode causar qualquer espanto,
pois se reconhece que é o conteúdo do caput que condiciona o inc.
II, e não o contrário, sob pena de produzir – como conclusão – uma
verdadeira aberração jurídica. Aliás, referida independência entre o
caput e o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 já é reconhecida pela
doutrina especializada.

A interpretação conjunta do art. 46, do § 1º do art. 13, do caput


e inc. II do art. 25, todos da Lei nº 8.666/93, possibilita o reconheci-
mento das seguintes conclusões:

a) Os serviços técnicos profissionais especializados ou intelec-


tuais devem ser contratados, em regra, sem licitação, o que
implica dizer: por inexigibilidade.

b) A contratação por inexigibilidade pode ser feita tanto com


base no caput como no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93.

c) O concurso é procedimento que se afina mais com a inexi-


gibilidade do que com a licitação. Devemos reservar o con-
curso para determinadas situações em que se reconhece a
O Processo de Contratação Pública

inviabilidade de competição pela impossibilidade de fixação


de critério objetivo de julgamento. No entanto, a adoção do
concurso deve ser guardada para soluções bem peculiares e
específicas, pois ele pressupõe que o objeto (serviço técnico,
científico ou artístico) seja previamente elaborado para ser
submetido a julgamento, o que não se confunde com o tipo
de contratação de que estamos tratando.

73 E é singular porque não pode ser definido em termos absolutos ou não possibilita jul-
gamento por parâmetros objetivos.

353
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d) A contratação dos serviços técnicos profissionais especiali-


Renato Geraldo Mendes

zados ou intelectuais deve ser realizada por meio de lici-


tação apenas quando for possível definir um critério obje-
tivo de julgamento. Se viável definir precisamente o objeto
e o consequente critério objetivo de julgamento, a licitação
deve ser realizada obrigatoriamente pelo tipo melhor técnica
ou técnica e preço. O tipo menor preço não deve ser, em
princípio, adotado.

e) O art. 46 da Lei nº 8.666/93 prevê que “os tipos de licitação


melhor técnica ou técnica e preço serão utilizados exclusi-
vamente para serviços de natureza predominantemente inte-
lectual”, e não que os serviços intelectuais devem ser contra-
tados obrigatoriamente por licitação. Esse artigo determina
que, se é possível licitar os serviços intelectuais, que seja por
melhor técnica e técnica e preço, e não por menor preço.
Mas há uma condição a ser observada para a licitação desses
serviços: possibilidade de definição objetiva e julgamento
pela mesma forma.

12. A descrição objetiva da solução/do objeto e a


12.
realização de licitação

Para licitar, é preciso que a solução (objeto) seja definida de


forma precisa, clara, específica. Não basta uma indicação genérica;
é indispensável definir de forma precisa, sob pena de não conse-
guir resguardar a satisfação da própria necessidade da Administra-
ção e de não possibilitar que os agentes que atuam no mercado sai-
bam exatamente o que se deseja contratar. Ademais, se não se sabe
o que se quer, qualquer coisa serve. E é evidente que isso não pode
ser aceito.

É dever da Administração identificar com precisão sua neces-


sidade, isto é, o seu problema. A necessidade antecede a definição
da solução e a condiciona. Depois de identificar exatamente o pro-
blema, o próximo passo é definir a solução/o objeto. Nesse momento,
duas coisas podem ocorrer.

354
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A primeira delas é a Administração não conseguir estabelecer


objetivamente a solução/o objeto de forma a garantir a plena satisfação
da sua necessidade. A impossibilidade da definição do referido padrão
objetivo não pode decorrer de pura incapacidade técnica do agente
responsável, mas de uma impossibilidade humana e que afeta qual-
quer pessoa, por mais qualificada que seja. Diante dessa situação, a
contratação deverá ser feita por inexigência, e não por licitação.

A segunda possibilidade é conseguir traduzir objetivamente a


solução/o objeto de forma a garantir a plena satisfação da sua necessi-
dade. Diante dessa possibilidade, mais duas situações podem ocorrer.

A primeira é a Administração reconhecer que, mesmo a solu-


ção tendo sido definida ou reduzida a um padrão objetivo, é necessá-
rio contratar alguém muito qualificado, pois é preciso reduzir os ris-
cos que envolvem o resultado da contratação. Nesse caso, deve ser
realizada a licitação por técnica e preço ou melhor técnica.

Na segunda hipótese, seria até admissível o tipo menor preço,


desde que todo o risco fosse reduzido exclusivamente por conta da
descrição do objeto, e a qualificação da pessoa a ser contratada, apu-
rada no regular processo de habilitação. Apesar de parecer desneces-
sário, é adequado afirmar que não se pode adotar o pregão, mesmo
se o tipo for menor preço. A razão é simples: a análise da habilitação
deve preceder e condicionar a dos preços se o objeto da licitação é
serviço técnico profissional, e não o contrário.74 Mas, de qualquer
forma, cabe reiterar que a utilização do tipo menor preço deve ser
vista com muita restrição.
O Processo de Contratação Pública

13. A questão da redução dos riscos e a garantia da


13.
segurança

Essencialmente, ninguém contrata serviço técnico profissional


especializado que precisa ser realizado sob encomenda. O que faze-
mos é contratar uma pessoa (física ou jurídica) para executar uma

74 Essa questão já foi tratada em aprofundado estudo publicado na Revista Zênite  –


Informativo de Licitações e Contratos (ILC), n. 193, mar. 2010, p. 268.

355
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Renato Geraldo Mendes

atividade intelectual, cujo resultado é o serviço técnico. Da mesma


forma, ninguém contrata uma obra de engenharia, pois contratamos
uma pessoa (empreiteira) que reúne um conjunto de recursos (técni-
cos, humanos, instrumentais, materiais, tecnológicos, de logística, de
gestão, etc.) para executar um projeto, e em razão disso é que pode-
remos ter uma obra, ou não. Ademais, o projeto (solução) é (ou deve
ser) a medida exata da necessidade (problema).

Os serviços que envolvem atividade intelectual e cujo problema


é revestido de complexidade exigem um cuidado muito especial por
parte da Administração. O cuidado justifica-se em razão do elevado
risco que esse tipo de encargo envolve.

Assim, quando o procedimento a ser adotado for o da licitação,


além da obrigatoriedade de assegurar o adequado tratamento isonô-
mico e o necessário julgamento objetivo, é indispensável a redução
de todos os riscos possíveis que o tipo de contratação pode repre-
sentar. Fala-se em redução, e não em eliminação, pois é impossível a
eliminação dos riscos, visto que não se consegue controlar todas as
variáveis, pois muitas delas são episódicas ou desconhecidas. O que
podemos e devemos fazer é reduzir os riscos que são identificados
por ocasião do planejamento.

O grau de risco das contratações tem relação direta com qua-


tro variáveis básicas: a) complexidade do problema a ser resolvido;
b) possibilidade de definição precisa da solução (objeto) a ser rea-
lizada pelo terceiro; c) nível de exigência de capacidade técnica do
terceiro; e d) necessidade de que a solução para o problema seja
produzida diretamente pelo próprio terceiro.

Se o problema apresenta elevado grau de complexidade, e a


solução deve ser viabilizada diretamente pelo próprio contratado,
pessoa física ou jurídica, ele deverá deter considerável grau de espe-
cialização para atender plenamente à demanda, como condição
necessária para reduzir o risco no tocante ao resultado final. Todo o
esforço em relação à garantia da segurança para a contratação deve
objetivar o compromisso da plena satisfação da necessidade, a razão
de ser da própria contratação pública.

356
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No entanto, se o problema apresenta razoável grau de com-


plexidade e não se consegue definir a solução em termos objetivos,
o cenário não é animador. Ele se agrava ainda mais quando a solu-
ção, que não se sabe ainda qual é (em termos específicos), tem de
ser feita por uma pessoa que deve deter capacidade técnica, e essa
capacidade é, de certa forma, também difícil de ser apurada ou men-
surada em termos objetivos. Diante desse cenário, o legislador fez o
que qualquer ser razoavelmente inteligente faria: impôs que se con-
tratasse pessoa notoriamente especializada. A decisão foi no sentido
de reduzir ao máximo o risco em face da complexidade e da singu-
laridade que o serviço75 envolve. Se alguém pode minimizar o risco
potencial, é o notoriamente especializado, e mais ninguém. Esse foi
o raciocínio lógico que norteou a decisão do legislador de exigir que
serviços técnicos profissionais de natureza singular sejam contratados
com profissionais e empresas de notória especialização.

A contratação de serviços técnicos profissionais especializa-


dos ou serviços que se revestem de intelectualidade apresenta o grau
mais elevado de risco para a Administração. Esse grau pode variar.
Assim, a complexidade do que deve ser feito, o grau de risco envol-
vido, aliado à impossibilidade de definir com precisão e objetividade
o objeto que atenderá plenamente à necessidade da Administração,
bem como a incapacidade humana de aferi-la criam uma situação
peculiar para o afastamento da licitação. Mais do que isso, criam uma
proibição legal, qual seja, a de que a licitação está proibida e não
pode ser realizada. Parece um pouco radical a afirmação em torno da
proibição, mas não é. O Processo de Contratação Pública

14. A notória especialização


14.

Se o serviço, pela sua conformação, característica ou mesmo


seu nível de complexidade técnica, não pode ser definido e julgado
objetivamente, deve ser considerado singular, para os fins do inc. II
do art. 25 da Lei nº 8.666/93.

75 Cumpre apenas dizer que não têm o mesmo sentido as expressões “serviço singular”
e “serviço complexo”, pois os serviços singulares são complexos, mas nem todos os
serviços complexos são singulares.

357
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Renato Geraldo Mendes

Se ele não pode ser definido de forma objetiva, porque é impos-


sível precisar a solução, como resolver o problema da incerteza em
relação ao resultado a ser produzido? Como reduzir o risco e aumen-
tar a segurança da contratação? Como não é possível eliminar o risco,
mas sim reduzi-lo, a forma encontrada pelo legislador para isso foi
determinar que a contratação fosse feita diretamente com quem tem
notória especialização.

Ao definir notória especialização no §  1º do art. 25 da Lei


nº 8.666/93, o legislador enuncia:

considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo


conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho
anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelha-
mento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas
atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivel-
mente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

A análise dos termos do transcrito preceito revela que o legis-


lador fez um esforço para dar o sentido mais objetivo possível para a
notória especialização, de modo a atenuar a impossibilidade de redu-
zir o serviço a um padrão objetivo, em razão das suas características e
peculiaridades. Vale dizer, houve uma espécie de compensação, isto
é, a apuração objetiva, que normalmente caracteriza o objeto (no
caso, serviço), foi deslocada para o futuro prestador (profissional ou
empresa notoriamente especializada), até porque o serviço é justa-
mente o resultado da sua atuação pessoal. Essa opção legislativa foi
necessária por conta das peculiaridades que envolvem os serviços téc-
nicos e impedem que se proceda, por exemplo, tal como em uma aqui-
sição de bens comuns, na qual é possível fixar uma definição objetiva
para o que se deseja adquirir e estabelecer um critério, também obje-
tivo, para escolher a melhor relação benefício-custo.

Nos termos do §  1º do art. 25 da Lei nº  8.666/93, a notória


especialização do profissional ou da empresa permite apurar que o
serviço a ser realizado é o mais adequado para a plena satisfação
da necessidade da Administração (necessidade que se expressa no
objeto do contrato). É preciso lembrar que o objeto deve ser a medida
exata da solução para satisfazer a necessidade.

358
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Por sua vez, notória especialização é o conceito do qual algu-


mas pessoas (físicas ou jurídicas) gozam em determinada área técnica
em razão da sua reiterada atuação profissional e dos resultados obti-
dos e percebidos pelos que nela operam de forma especializada. Tal
reconhecimento ocorre com base em desempenho anterior, ou seja,
é necessário que a atuação se faça em campo específico do conheci-
mento (auditoria contábil, consultoria no campo da engenharia civil,
naval, consultoria jurídica na área do direito societário, contratação
pública, etc.). Em princípio, a atuação não pode ser generalista. Além
de a atuação ser especializada, deve evidenciar uma experiência rei-
terada e que imprima uma marca pessoal, própria, singular na sua
atividade. É preciso que o profissional ou a empresa seja uma refe-
rência positiva na sua área de atuação e de amplitude nacional. Com
efeito, em regra, essas são algumas das características que devem reu-
nir os notoriamente especializados.

O legislador fez um esforço para conferir objetividade a esse


conceito ao dizer que ele decorre de desempenho anterior, estudos,
experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe téc-
nica ou de outros requisitos relacionados às suas atividades. Mas é
preciso perceber que a notória especialização é fruto de um conjunto
de fatores e condições, e não apenas de uma condição única e espe-
cífica. Por exemplo, o desempenho anterior, isto é, a execução de
outros serviços com as mesmas características e complexidade téc-
nica, é um fator tal como o desenvolvimento de estudos, a realização
de publicações, a organização, o aparelhamento material e tecnoló-
gico e a equipe técnica. Trata-se de uma condição articulada e sistê-
mica, não se reduz apenas a uma condição particular.
O Processo de Contratação Pública

Sobre as condições que configuram a notória especialização, o


legislador adotou relação meramente exemplificativa, na medida em
que admite “outros requisitos relacionados com suas atividades”. É
importante reconhecer que esses outros requisitos, embora relacio-
nados às suas atividades, para ser sopesados, devem ser justificados
em face das peculiaridades do serviço a ser executado, sob pena de
não poder ser considerados. Ou seja, o que valida tal condição não é
a relação com as atividades da pessoa, mas a sua adequação ao ser-
viço que constitui o objeto do contrato.

359
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Renato Geraldo Mendes

O legislador adotou como critério de escolha do profissional


ou da empresa notoriamente especializada o que se pode chamar
de confiança. No entanto, não se trata de uma confiança subjetiva,
que decorre de mera preferência pessoal de quem decide sobre a
contratação, mas de confiança objetiva, que tem seu fundamento de
validade no próprio § 1º do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Assim como
existe uma boa-fé objetiva, também temos uma confiança objetiva.

Por fim, é preciso reconhecer que os contratos firmados com


fundamento no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 são contratos tipi-
camente personalíssimos, ao contrário dos demais, que, como regra,
são impessoais. A notória especialização fundada nos incs. II e III do
art. 25 constitui exceção ao princípio do art. 37 da CF, que deter-
mina tratamento impessoal nas relações da Administração. A impes-
soalidade colocaria em risco a plena satisfação da necessidade. O
choque entre esses dois valores ou princípios, isto é, entre o dever
de garantir a impessoalidade e o de satisfazer plenamente a necessi-
dade, deve ser resolvido em favor desse último, e a razão é simples: a
finalidade da contratação não é garantir impessoalidade, mas satis-
fazer a necessidade. O que não significa que não se deva fazer isso
garantindo-se impessoalidade, mas apenas quando ela não colocar
em risco o valor maior. Assim, a interpretação jurídica exige esse tipo
de ponderação, sob pena de não se garantir a melhor solução.

15. A relação benefício-custo na contratação pública


15.

A finalidade precípua da contratação pública é satisfazer ple-


namente a necessidade da Administração e, para isso, deve despen-
der a menor76 quantia possível de recursos públicos.77 A satisfação
da necessidade representa, para a Administração, a obtenção de um
benefício. Para obtê-lo, deve pagar por ele. Há, portanto, uma relação
entre o benefício e o custo, e ela norteia a fase externa da contratação
pública. Mas é preciso lembrar que essa relação é regulada na fase
interna, isto é, durante o planejamento da contratação.

76 O adjetivo “menor” deve sempre ser visto como algo relativo, e não absoluto, ou
seja, o menor preço depende do benefício e é por ele condicionado.
77 Esse é o conteúdo jurídico da ideia de economicidade prevista no art. 70 da CF.

360
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Ademais, falar em fase externa é o mesmo que falar em licita-


ção ou inexigência, pois é nela que tais procedimentos ocorrem. Mas
a relação benefício-custo não é padrão, ou seja, na licitação ela será
diferente da relação da inexigência, por exemplo. Da mesma forma,
de acordo com o tipo de licitação, a relação também se altera.

Na licitação do tipo menor preço, define-se objetivamente o que


se deseja e se estimula a disputa entre um grande número de compe-
tidores. Ao final, deve-se contratar aquele que se dispõe a entregar o
objeto tal como definido e a cobrar por isso o menor preço. Essa é a
lógica que regula o tipo menor preço.

Na licitação do tipo técnica e preço, define-se um padrão de


qualidade mínimo capaz de atender à necessidade da Administra-
ção e estimula-se, por meio de pontuação, uma qualidade superior
à mínima definida. O vencedor é o que apresenta a melhor rela-
ção entre benefício (qualidade técnica) e custo (preço definido para
a qualidade proposta). Tal relação é apurada em uma equação por
meio de média ponderada.

Um estudo comparativo entre os tipos menor preço e téc-


nica e preço revela que o ponto comum que os identifica é a quali-
dade mínima definida e preservada, capaz de atender à necessidade
mínima da Administração.

No entanto, quando há viabilidade de competição e se reco-


nhece a necessidade de ampliar ou melhorar a qualidade mínima
definida, deve-se adotar, por exemplo, o tipo técnica e preço, pois
somente assim será possível potencializar o benefício esperado. No
tipo menor preço, pretende-se pagar menos, pois a definição mínima
O Processo de Contratação Pública

do objeto é capaz de satisfazer plenamente a necessidade da Admi-


nistração; o que se potencializa é o menor preço, e não o benefí-
cio, pois este já está assegurado. No tipo técnica e preço, pretende-
-se potencializar o benefício, e não o menor preço,78 pois aquele
ainda não está plenamente garantido, mas apenas minimamente. O
adjetivo “plenamente” tem conteúdo muito significativo no campo da
contratação pública.

78 Por isso se deve definir preço máximo, pois é ele que calibra a capacidade de desem-
bolso da Administração.

361
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A hipótese de inexigibilidade prevista no caput e no inc. II do art.


Renato Geraldo Mendes

25 da Lei nº 8.666/93 potencializa (muito) o benefício a ser obtido, e


não o preço a ser pago por ele, em razão da complexidade e da sin-
gularidade que caracterizam o próprio objeto e pelo fato de que ele
somente poderá ser executado por uma pessoa com elevada qualifi-
cação técnica. Se fosse visado o menor preço, haveria prejuízo irre-
parável ao atendimento do interesse público. Isso não significa que é
possível admitir a contratação de serviços técnicos profissionais espe-
cializados a qualquer custo. Com a finalidade de regular essa questão,
o legislador determinou, no § 2º do art. 25, que o eventual superfatu-
ramento dos preços implicaria responsabilização jurídica dos agentes
públicos e respectivos prestadores dos serviços.

Assim, há casos, como em compras e serviços comuns, em que


se deve potencializar a obtenção de menores preços, desde que a
qualidade mínima seja preservada. Na contratação de serviços téc-
nicos profissionais especializados ou de natureza intelectual, o que
se deve preservar é a qualidade do benefício a ser obtido, e não o
preço a ser pago. Essa é a lógica que preside tanto as contratações
que decorrem de licitação por técnica e preço como as que resul-
tam de inexigibilidade fundada no caput e no inc. II do art. 25. Uma
diferença entre ambas é a questão envolvendo a objetividade do que
se deseja, pois em uma é possível definir tal objetividade, e na outra
(inexigibilidade) não.

No entanto, independentemente do procedimento a ser ado-


tado, a finalidade da fase externa é obter a melhor relação benefí-
cio-custo, e o benefício condiciona sempre o preço, por isso utiliza-
mos o binômio na ordem invertida, e não como tradicionalmente é
utilizado (custo-benefício).

362
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Capítulo 14

A INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO
NA VISÃO DO TCU

1. Evolução histórica e posição adotada pelo TCU


1.

O objetivo do presente capítulo é analisar como o Tribunal


de Contas da União (TCU), a mais importante instituição de con-
trole externo do País, tem interpretado uma das mais significativas
hipóteses de inexigibilidade de licitação: o inc. II do art. 25 da Lei
nº 8.666/93. Pretende-se fazer ponderações acerca da evolução do
processo de interpretação que tem norteado o TCU, bem como regis-
trar nosso entendimento sobre esse fundamental tema da contratação
pública.

2. A Súmula nº 39 do TCU79


2.

Em relação à inexigibilidade, o entendimento que norteou as


decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) por muitos anos e
que foi fixado ainda na vigência do Decreto-lei nº 200/67 está sinteti-
zado atualmente na Súmula nº 39, cuja redação é a seguinte:

79 É oportuno explicar ao leitor que ele se deparará com duas súmulas com o nº 39. Elas
O Processo de Contratação Pública

têm enunciados diferentes, mas não conteúdos diferentes. A primeira delas foi edi-
tada nos anos 70, e a última foi editada pelo TCU em 03 de junho de 2011, por meio
do Acórdão nº 1.437. A nova redação da Súmula nº 39 foi inicialmente publicada sob
o nº 264. No entanto, como se tratava de mera atualização das referências utilizadas
na Súmula nº 39 editada nos anos 70, o TCU retificou a numeração da nova redação.
Assim, manteve o nº 39 para a nova redação aprovada e tornou sem efeito o nº 264
para individualizar a Súmula. Com isso, não existe mais a Súmula nº 264, apenas a
nº 39. Em vez de retificar, como fez, teria sido mais simples o TCU manter a Súmula
nº 264, tal como tinha sido aprovada, pois não havia razão para a retificação reali-
zada. Aliás, pode-se dizer aqui que esse é o típico exemplo de que a emenda ficou
pior do que o soneto. De toda forma, não se fala mais na Súmula nº 264, apenas na
Súmula nº 39.

363
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Renato Geraldo Mendes

a inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com


pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível
quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na sele-
ção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser
medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de
licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93.

A Súmula sintetiza com muita propriedade, e até mesmo sabe-


doria, as verdadeiras razões que justificaram a determinação de que
serviços técnicos profissionais especializados não podem ser licita-
dos e devem ser contratados por inexigibilidade. Tais razões podem
ser assim apresentadas:
a) Grau de subjetividade em relação à avaliação do serviço, em
razão de suas peculiaridades especiais e que impedem a ado-
ção de critérios objetivos para a sua adequada mensuração;
b) Necessidade de reduzir o risco do insucesso da contra-
tação por meio de profissional ou empresa de notória
especialização;
c) Escolha do contratado por critério subjetivo baseado no grau
de confiança que a notória especialização propicia; e
d) Inviabilidade de contratar serviços singulares por meio de
licitação, pela impossibilidade de definir e mensurar crité-
rios objetivos para a seleção da melhor proposta.

Começaremos pela enunciação prevista na letra (c). Cumpre


assentar, desde logo, que a ideia de confiança não é um predicado
que resulta da mera consideração de cunho subjetivo (pessoal) de
quem decide, mas condição objetiva decorrente do conceito que
envolve a notória especialização da pessoa contratada. Portanto, a
palavra “confiança” significa segurança que se revela na potencia-
lidade de obter o melhor serviço em face de sua complexidade e
suas peculiaridades especiais, em razão da notória especialidade que
caracteriza o prestador. É a notória especialização que confere con-
fiabilidade à contratação, e não a preferência de cunho exclusiva-
mente pessoal. Nos termos do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93,
somente poderá haver confiança se houver notória especialização. A
notória especialização do profissional ou da empresa é a condição

364
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que confere objetividade para o que se denomina de confiança. Em


razão do que acabamos de afirmar, é possível entender melhor por
que o § 1º do art. 25 da Lei nº 8.666/93 diz que:

considera-se de notória especialização o profissional ou a empresa cujo


conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho
anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelha-
mento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas
atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivel-
mente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

A parte grifada indica os fatores objetivos a serem considerados


para apurar a notória especialização, visto que são eles que possibi-
litaram o destacado conceito do profissional ou da empresa no seu
campo de especialidade. Por outro lado, a ideia de confiança encon-
tra-se implícita na última parte do enunciado e decorre da seguinte
sentença: “permite inferir que o seu trabalho é (...) o mais adequado
à plena satisfação do objeto do contrato”.

Assim, em face do item (a) indicado, o que se quis assentar no


enunciado da Súmula nº 39 do TCU é que o grau de subjetividade
em relação à avaliação do serviço, em razão de suas peculiaridades
especiais e que impedem a adoção de critérios objetivos para a sua
adequada mensuração, exige que o agente público escolha alguém
com notória especialização, pois somente assim será possível obter
a melhor contratação. Portanto, a confiança é em relação a quem
vai executar o serviço, por conta do seu conceito profissional. É esse
conceito que confere confiança, ainda que o agente público nunca
tenha antes ouvido falar no prestador, mesmo ele gozando de noto-
O Processo de Contratação Pública

riedade no seu campo de atuação. Portanto, a confiança não é subje-


tiva do agente que contrata, mas objetiva, pois decorre do conceito
que qualifica o prestador. Assim como existe um conceito objetivo de
boa-fé e de culpa, também existe um conceito objetivo de confiança.

Dessa forma, não há nenhum sentido para argumentar que


a ideia de confiança no profissional ou na empresa não pode ser
invocada para sustentar a contratação decorrente do inc. II do art.
25 da Lei nº 8.666/93, pois isso representaria conferir ao agente
total liberdade para contratar quem ele desejasse. Esse argumento

365
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Renato Geraldo Mendes

somente faz sentido quando não se compreende a definição jurídica


de confiança. Portanto, o agente não tem total liberdade para esco-
lher qualquer um que desejar. Ele tem a liberdade de escolher um
entre os notoriamente especializados, o que não afasta a devida e
necessária justificativa.

Um aspecto muito importante apontado no teor da Súmula


nº 39 do TCU é aquele que revela que a licitação exige obrigatoria-
mente julgamento por critérios objetivos, sob pena de não se poder
exigi-la. Ao empregar a expressão “insuscetível de ser medido pelos
critérios objetivos (...) inerentes ao processo de licitação”, a Súmula
revela que não há possibilidade de tratamento isonômico se não
houver critério objetivo de julgamento para nortear a escolha.

Na esteira do próprio entendimento que decorre da Súmula


nº 39, o legislador da Lei nº 8.666/93 determinou que se o objeto,
em face das suas peculiaridades especiais, não permite fixar um cri-
tério objetivo de julgamento para a escolha do futuro contratado, tal
objetividade deve ser descolada para a notória especialização, e é
esta que deve, fundamentalmente, nortear a contratação dos servi-
ços técnicos profissionais especializados.

É indispensável advertir que a contratação que envolve a hipó-


tese descrita no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 confere a ela um
caráter tipicamente pessoal, ao contrário dos negócios decorrentes
de licitação. A contratação de serviço singular exige escolha perso-
nalíssima, cujo fundamento repousa na notória especialização do
contratado.

Portanto, enquanto a licitação é norteada pelo princípio da


impessoalidade, a inexigibilidade é marcadamente informada pelo
da pessoalidade.

Com efeito, a razão que motivou o legislador a exigir que a


contratação fosse feita com profissional ou empresa notoriamente
especializado tem relação direta com o grau de risco envolvido na
contratação. Ou seja, o legislador pretendeu reduzir o risco da não
obtenção de um serviço satisfatório, por ser ele intelectual e de natu-
reza singular. É necessário observar que estamos falando em reduzir

366
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risco, e não em eliminá-lo. A determinação de que a contratação


recaia sobre quem é notoriamente especializado tem o justo propó-
sito de evidenciar que essa é a única alternativa de que dispõe a
Administração para obter um serviço capaz de satisfazer a sua neces-
sidade, isto é, resolver o seu problema, o que envolve também a redu-
ção do risco de que isso não venha a ocorrer.

Com base nessa ordem de ideias, até seria possível cogitar que
contratar serviço intelectual de natureza singular por inexigibilidade
com fundamento no caput ou no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93
não é uma opção, mas obrigação, constituindo ato reprovável a sua
não realização quando configurada.

O princípio constitucional da eficiência exige que a Adminis-


tração planeje corretamente suas contratações, isso implica adotar
medidas adequadas para reduzir os seus riscos, evitando pagar por
um serviço que não será plenamente satisfatório. Com efeito, atender
ao interesse público não tem a ver com realizar sempre licitação,
mas realizá-la quando for cabível. E, em princípio, não será cabível
para contratar serviços técnicos profissionais especializados de natu-
reza singular.

Um último aspecto enunciado na Súmula nº  39 e que exige


ponderação diz respeito à expressa referência de que a inexigência
só tem cabimento se o serviço for singular.80 Assim, é preciso atri-
buir ao adjetivo “singular” um sentido preciso e compatível com a
ideia central que norteia a inexigibilidade: a inviabilidade jurídica de
competição.
O Processo de Contratação Pública

Serviço singular é aquele que, para ser produzido, exige que


o prestador reúna muito mais do que apenas conhecimento técnico.
Assim, conforme registramos no capítulo anterior, é necessário que
o profissional ou a empresa detenha um conjunto de predicados ou
ingredientes especiais, tais como conhecimento teórico e prático;
experiência com situações de idêntico grau de complexidade; capa-
cidade de compreender e dimensionar o problema a ser resolvido;

80 Na Súmula nº 39 editada na década de 70 pelo TCU, o substantivo “serviço” não era
qualificado pelo adjetivo “singular”, mas sim pelos adjetivos “inédito e incomum”.

367
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Renato Geraldo Mendes

capacidade para idealizar e construir a solução para o problema; apti-


dão para excepcionar situações não compreendidas na solução a ser
proposta ou apresentada; capacidade didática para comunicar a solu-
ção idealizada; raciocínio sistêmico; facilidade de manipular valo-
res diversos e por vezes contraditórios; aptidão para articular ideias e
estratégias em concatenação lógica; capacidade de produzir conven-
cimento, estimar riscos envolvidos; e criatividade e talento para con-
tornar problemas difíceis e produzir uma solução plenamente satis-
fatória. Todos esses predicados não podem ser mensurados objetiva-
mente, o que torna impossível a realização da licitação para a sele-
ção de profissional ou empresa capaz de executar um serviço sin-
gular, justamente porque ela pressupõe objetividade. Portanto, ser-
viço singular é o que não pode ser definido ou julgado por critérios
objetivos e, em razão disso, impõe a contratação de profissional ou
empresa que reúna um conjunto de atributos incomensuráveis,81 que
precisam ser articulados em perspectiva unitária, de modo a produzir
uma solução especial ou inédita e incomum (para aproveitar os adje-
tivos utilizados na redação original da Súmula nº 39).

A Súmula nº 39 é suficiente para fixar uma orientação adequada e


precisa sobre a questão, desde que os seus termos sejam bem interpre-
tados e compreendidos. Em que pese tal consideração, cumpre obser-
var que o TCU tem feito outras incursões nesse fantástico mundo que é
o da interpretação do conteúdo do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93.
Tem priorizado a identificação dos requisitos legais que devem ser
observados para a perfeita caracterização da referida hipótese de inexi-
gibilidade, conforme se afere no julgado abaixo.

3. Considerações sobre a nova redação da Súmula nº 39


3.
do TCU

Por meio do Acórdão nº 1.437, publicado em 03 de junho de


2011, o TCU aprovou a nova redação da Súmula nº  39, conforme
explicamos na nota de rodapé no início deste capítulo. A nova Súmula
tem o seguinte teor:

81 Por critérios objetivos.

368
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a inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com


pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível
quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na sele-
ção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser
medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de
licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93.

A Súmula nº 39 alterou a Súmula de igual numeração editada


na década de 70, que tinha esta redação:

a dispensa de licitação para a contratação de serviços com profissionais ou


firmas de notória especialização, de acordo com a alínea “d” do art. 126,
§ 2º, do Decreto-lei nº 200, de 25/02/67, só tem lugar quando se trate de
serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na seleção do executor de
confiança, um grau de subjetividade, insuscetível de ser medido pelos cri-
térios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.

O propósito do TCU foi preservar a orientação essencial prevista


na Súmula nº 39, adaptando apenas os seus termos à nova redação
legal decorrente dos atos legislativos posteriores. Aliás, cumpre reite-
rar que Súmula nº 39 foi editada na vigência do art. 126 do Decreto-
-lei nº 200/67, revogado com a edição do Decreto-lei nº 2.300/86, e
este, posteriormente, com a aprovação da Lei nº 8.666/93. Assim, em
vez de referências ao art. 126 do Decreto-lei nº 200/67 da Súmula
nº  39, agora há referências aos termos do inc. II do art. 25 da Lei
nº 8.666/93.

O TCU, além de indicar o novo fundamento legal (o inc. II do


art. 25 da Lei nº 8.666/93), fez alterações na redação original cons-
O Processo de Contratação Pública

tante da Súmula nº 39, notadamente para: a) acrescer ao substantivo


“serviços” o adjetivo “técnico” e b) para substituir a expressão “ser-
viço inédito e incomum” por “serviço singular”. As alterações produ-
zidas, no entanto, foram de natureza meramente formal.

O acréscimo do adjetivo “técnico” ao substantivo “serviço” foi


realizado para atender aos termos da atual redação do próprio inc. II
do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Ademais, o mencionado inc. II existe
para atender justamente a contratações de serviços técnicos, pois se
o serviço não for técnico, e sim artístico, por exemplo, o fundamento

369
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Renato Geraldo Mendes

seria o inc. III. É possível ponderar outra categoria de serviços, de


natureza científica, até porque o próprio legislador, ao formatar a
regra prevista no § 4º do art. 22, alude a três categorias distintas de
serviços (trabalhos): técnico, científico ou artístico. No entanto, os
serviços científicos podem ser enquadrados no inc. II do art. 25 da
Lei nº 8.666/93 ou, se assim não se entender, seria possível contratá-
-lo com fundamento no caput do art. 25. De uma forma ou de outra,
o problema do enquadramento seria resolvido.

Por outro lado, a substituição da expressão “serviço inédito e


incomum” que constava na Súmula nº 39 pelo termo “serviço singu-
lar” também não representa nenhuma mudança de conteúdo capaz
de alterar a orientação até então fixada. A expressão “serviço singu-
lar” foi adotada em razão do que consta no inc. II do art. 25 da Lei
nº 8.666/93. Como a ideia que norteou a edição de nova súmula foi a
de adaptar a orientação às novas referências legais, utilizar a expres-
são “serviço singular” é, no mínimo, atender a esse propósito.

Evidentemente, a substituição das referidas expressões não


resolve o problema que se arrasta no tempo, apenas muda os termos
da indagação, ou seja, durante a vigência do Decreto-lei nº 200/67 a
dúvida era: o que é serviço inédito e incomum capaz de autorizar a
contratação de que trata a alínea “d” do § 2º do art. 126 do Decreto-lei
nº 200/67? No regime atual, a dúvida é: o que é serviço singular para
os fins do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93? Essa é a questão central
que envolve a principal hipótese específica de inexigibilidade de licita-
ção para a qual oferecemos resposta neste e no capítulo anterior.

4. A Decisão nº 427/1999 do TCU


4.

A Decisão que analisaremos abaixo foi proferida no último ano


da década de 90 e teve como Relator o aposentado Ministro Marcos
Vilaça. O teor do Voto da Decisão é:

5. No campo jurisprudencial desta Corte, são emblemáticas, acerca


da inexigibilidade de licitação, as Decisões Plenárias nºs 494/94 (TC-
019.893/93-0, Ata nº 36/94); 613/96 (TC-004.948/95-5, Ata nº 38/96); e
906/97 (TC-016.921/96-8, Ata nº 53/97) que tiveram grande importância

370
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no sentido de firmar o entendimento do Tribunal acerca da correta inter-


pretação a ser dada ao inciso II do artigo 25 da Lei de Licitações, espe-
cialmente no que concerne à obrigatoriedade de preenchimento cumu-
lativo de todos os requisitos ali estabelecidos para a inexigibilidade da
licitação, a saber: ser o objeto serviço técnico, conforme estatuído no art.
13, possuir natureza singular e, ao mesmo tempo, deter o profissional
ou empresa a ser contratado notória especialização no ramo do serviço.
6. Nenhuma dessas deliberações, entretanto enfrentou o dilema ora tra-
tado: quando, apesar de preenchidos os requisitos do inciso II do artigo
25, restar demonstrada a viabilidade de competição, vulnerando, assim,
o disposto no caput do mesmo artigo. (TCU, Decisão nº 427/1999, Plená-
rio, Rel. Min. Marcos Vilaça, DOU de 19.07.1999, veiculada na Revista
Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n.
73, p. 254, mar. 2000, seção Tribunais de Contas.)

Ao final, firmou-se o seguinte entendimento:

8.2. firmar o entendimento de que a inexigibilidade de licitação pre-


vista no inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 sujeita-se à fundamentada
demonstração de que a singularidade do objeto  – ante as característi-
cas peculiaridades das necessidades da Administração, aliadas ao caráter
técnico profissional especializado dos serviços e à condição de notória
especialização do prestador – inviabiliza a competição no caso concreto,
não sendo possível a contratação direta por inexigibilidade de licitação
sem a observância do caput do art. 25 da Lei 8.666/93.

Ao iniciar a materialização do teor do seu Voto, o Relator deixa


claro que o TCU tem encontrado dificuldade para fixar orientação
precisa em relação à hipótese de inexigibilidade prevista no inc. II
do art. 25 da Lei nº  8.666/93, citando, inclusive, decisões proferi-
das no decorrer da década de 90 e que foram por ele consideradas
O Processo de Contratação Pública

emblemáticas.

Em seguida, estabelece que o TCU firmou o entendimento de


que, para a correta aplicação do inc. II do art. 25, é preciso observar
os seguintes requisitos: a) ser o objeto serviço técnico, conforme pre-
visto no art. 13; b) possuir o serviço natureza singular; e c) deter o
profissional ou a empresa a ser contratado notória especialização no
ramo do serviço. Ademais, registra, ainda, que os referidos requisitos
devem ser cumulativos, ou seja, todos devem estar reunidos de forma
simultânea para tornar inexigível a licitação.

371
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Renato Geraldo Mendes

Por outro lado, no entanto, o Relator pondera que, apesar de


ter fixado os requisitos a serem observados, o TCU não havia enfren-
tado o problema suscitado pelo processo que resultou na Decisão
nº  427/1999, isto é, a situação na qual “apesar de preenchidos os
requisitos do inciso II do artigo 25, restar demonstrada a viabilidade
de competição, vulnerando, assim, o disposto no caput do mesmo
artigo”. Quis afirmar, basicamente, que os requisitos fixados pelo TCU
não são suficientes para justificar a inexigibilidade fundada no inc. II
do art. 25 se for viável a competição, ainda que sejam cumulativos.

A afirmação acima revela principalmente que não havia clareza


até então, e ainda convivemos com o problema, em relação a três
aspectos fundamentais e indispensáveis para fixar a correta interpre-
tação do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, quais sejam: a) o que é
competição; b) o que torna a competição inviável; e c) o que é ser-
viço singular. Sem ter a mais profunda clareza sobre essas realidades
e a relação entre elas, não será possível compreender o exato sentido
do referido inciso.

Em duas passagens anteriores, afirmamos que não se pode con-


fundir inviabilidade de competição com impossibilidade de dis-
puta. Da mesma forma, é preciso ter a compreensão de que singu-
lar é o serviço que não pode ser avaliado por um critério objetivo de
julgamento, exigindo a contratação de profissional ou empresa de
notória especialização, nos termos definidos no inc. II do art. 25 da
Lei nº 8.666/93. Ora, por força do que afirmamos até aqui, não faz
nenhum sentido, sob o ponto de vista jurídico, a questão suscitada no
relatório que integra a Decisão nº 427/1999, ou seja, a de que seria
possível que os requisitos para a aplicação do citado inc. II do art. 25
estejam reunidos e mesmo assim haver viabilidade de competição.

Não faz nenhum sentido porque isso é simplesmente, sob o


ponto de vista jurídico, impossível. Trata-se de contradição absoluta,
com a qual a lógica não convive. No entanto, a questão é muito
interessante sob o aspecto da interpretação. Se tais requisitos estive-
rem reunidos, a competição será necessariamente inviável. Por outro
lado, se a competição for viável, é porque um dos requisitos indica-
dos pelo TCU (singularidade do serviço) não está configurado.

372
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Mas o que tornou sem sentido a afirmação constante da Deci-


são nº  427/1999? O problema está na confusão entre competição
e disputa. O fato de haver cinco ou seis profissionais ou empresas
notoriamente especializados não significa que será possível a com-
petição, sob o ponto de vista jurídico. Seria possível apenas a dis-
puta. Por isso, o legislador diz que “é inexigível a licitação quando
houver inviabilidade de competição”, e não que é inexigível a licita-
ção quando houver inviabilidade de disputa.

Porém, ao ler a palavra “competição”, nós a compreendemos


como sinônimo de disputa, porque a tomamos no sentido atribuído
pelos dicionaristas e pelo próprio inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93,
justamente a primeira hipótese especial indicada. Mas a palavra
“competição” tem sentido muito mais amplo e também diverso.
Dessa forma, nos termos do caput do art. 25, competição não signi-
fica unicamente disputa, não é somente sinônimo de disputa, esse é
apenas um dos sentidos que se pode atribuir a ela.

A inviabilidade de competição ocorre quando não se pode


assegurar tratamento isonômico, porque, se for possível, a licitação
deve ser realizada, salvo se houver hipótese tipicamente de dispensa.
E não se consegue garantir tratamento isonômico, para os fins da con-
figuração da inexigibilidade, em três situações básicas: a) quando só
existe um único fornecedor (exclusividade prevista no inc. I do art.
25); b) quando não se consegue escolher o futuro contratado por cri-
térios objetivos de julgamento (singularidade do objeto); e c) quando
não se consegue atender aos prazos definidos para o rito formal da
licitação. Nos três casos indicados, não é viável assegurar tratamento
isonômico, que é o pressuposto da licitação, por isso ela deve ser
afastada. Ou seja, a licitação é inexigível.
O Processo de Contratação Pública

Com efeito, no caso do inc. I do art. 25, não existe possibili-


dade de competição, porque é impossível a disputa. E ela é impos-
sível por estarmos diante da exclusividade do fornecedor ou mesmo
do prestador, incluindo também o serviço no inc. I do art. 25. Se
somente uma pessoa pode satisfazer a necessidade da Administração,
não há razão lógica para assegurar qualquer igualdade, pela ausência
real de disputa. A hipótese descrita no inc. I do art. 25 é a única, entre
as três, que dá à palavra “competição” o sentido próprio de impossi-
bilidade real de disputa.

373
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Renato Geraldo Mendes

No caso do inc. II do art. 25, não existe viabilidade de compe-


tição, mas até poderia haver possibilidade real de disputa (ou seja,
dois ou mais potenciais competidores), pois o mais provável é que,
em cada campo de especialidade técnica, existam dois ou mais pro-
fissionais notoriamente especializados. Afirmar que, na hipótese do
inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, até seria possível a disputa não
significa que existe competição, visto que disputa e competição são
coisas distintas para os fins do referido preceito. E a inviabilidade
de competição que decorre do mencionado inciso se fundamenta
na impossibilidade de definição objetiva para viabilizar a solução
(serviço) que atenderá plenamente à necessidade da Administração.
Ainda que existam várias pessoas notoriamente especializadas (pos-
sibilidade real de disputa), não se pode fixar critério objetivo de
escolha para definir entre A ou B. Logo, só há um tipo de escolha –
a subjetiva. Assim, o reconhecimento dessa condição única fez com
que o legislador, em vez de admitir uma escolha subjetiva fundada
em preferência puramente pessoal do agente que decide, criasse uma
condição de seleção baseada em confiança objetiva que decorre da
notória especialização. Tal escolha é subjetiva, mas determinada por
uma condição objetiva, isto é, uma condição que não é mera opção
pessoal, mas externa a quem julga.

Alguém que não tenha entendido a sutileza do critério exposto


poderia sustentar que a existência de várias pessoas notoriamente
especializadas justificaria a realização de licitação, por exemplo, por
técnica e preço. Aliás, tal possibilidade eliminaria, inclusive, a pró-
pria existência da hipótese do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93.
Ora, então por que o legislador não fez isso? A resposta é bem sim-
ples e direta, porque a licitação de técnica e preço tem um pressu-
posto necessário, isto é, ela exige critério objetivo de julgamento, e
os serviços singulares não podem ser reduzidos a um padrão obje-
tivo, pois, se isso fosse possível, eles deixariam de ser singulares. Por
tal motivo, o legislador determinou que a Administração escolhesse
profissional ou empresa de notória especialização. Se ele exigisse
a licitação para contratar serviços singulares, esta seria uma grande
farsa, por ser impossível assegurar a isonomia, seu pressuposto fun-
damental. Além de poder se tornar uma farsa, haveria fragilidade ou

374
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incerteza maior para a (estimada e presumida)82 plena satisfação da


necessidade que a notória especialização sugere.

Portanto, a existência de mais de um profissional ou empresa


de notória especialização não desnatura a inviabilidade de compe-
tição, pois esta resulta da impossibilidade de assegurar um dos pres-
supostos da licitação (o critério objetivo de julgamento) relacionado
ao objeto, e não à quantidade de pessoas que atuam no mercado. A
inviabilidade de competição significa a impossibilidade de assegu-
rar os pressupostos da licitação, e isso não tem necessariamente rela-
ção direta com a ideia de possibilidade de eventual disputa. O fato
de existirem vários profissionais notoriamente especializados não
afasta a inviabilidade jurídica de competição.

Por conta de tudo isso, acreditamos que, felizmente, o próprio Ple-


nário do TCU não afastou a aplicação do art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/93
na situação descrita na Decisão nº 427/1999, com base na existência de
mais de uma empresa notoriamente especializada, uma vez que, inexis-
tindo critérios objetivos que assegurem o julgamento isonômico, o sim-
ples fato de haver mais de um profissional ou empresa de notória espe-
cialização não desnatura a inviabilidade de competição.

5. A Súmula nº 252 do TCU


5.

Em decorrência de inúmeras decisões proferidas posterior-


mente à Decisão nº 427/1999, em 13 de abril de 2010, o TCU editou
a Súmula nº 252, cujo teor é o seguinte:
O Processo de Contratação Pública

a inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos,


a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da pre-
sença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre
os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e
notória especialização do contratado.

82 A questão aqui nada tem a ver com absoluta certeza, mas com provável possibili-
dade. Essa foi a opção do legislador, visto que ele não tinha outra.

375
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Renato Geraldo Mendes

É louvável que o TCU tenha sumulado o seu entendimento


acerca dos requisitos que devem estar reunidos para a aplicação do
inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, pois assim deixa evidente, para os
jurisdicionados, o que considera importante para a configuração da
hipótese legal, muito embora se possa até dizer que a referida Súmula
não prima pela inovação, pois enuncia o que está literalmente indi-
cado no próprio inc. II do art. 25.

No entanto, há um aspecto positivo em relação à Súmula


nº 252. Ela parece revelar que o TCU abandonou a ideia de condicio-
nar os requisitos indicados no texto à possibilidade de disputa, con-
forme havia sugerido o Ministro Marcos Vilaça no processo que resul-
tou na Decisão nº 427/1999. Essa conclusão decorre do fato de não
ter incluído tal condição no teor da Súmula, pois não haveria sentido
para não fazê-lo se fosse esse o entendimento que norteia a Corte.

Quando sugerimos que a Súmula nº 252 ajuda pouco, quere-


mos dizer que o problema central envolvendo o inc. II do art. 25 da
Lei nº 8.666/93 são as definições de “inviabilidade de competição” e
de “serviço de natureza singular”, e não quais são os requisitos para a
aplicação do referido preceito, pois isso está dito com todas as letras.
O tema que o TCU deveria eventualmente sumular, antes dos requi-
sitos do inc. II do art. 25, ou, na pior das hipóteses, juntamente a ele,
é qual o seu entendimento sobre singularidade, pois é dessa informa-
ção que necessitamos para desempenhar bem nossas atividades e,
se for o caso, ajustá-las à sua orientação. Aliás, é isso que os agentes
públicos desejariam que ocorresse.

6. A questão do rol taxativo do art. 13 da Lei


6.
nº 8.666/93

A Súmula nº 252 indica como um dos requisitos, na esteira da


literalidade do próprio inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, “serviço
técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida
lei”. Tal condição sugere que o cabimento da hipótese do inciso está
diretamente condicionado pelos termos do art. 13 da Lei nº 8.666/93,
com o que não concordamos.

376
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Por várias razões, não parece adequado dizer que os servi-


ços técnicos profissionais especializados que podem ser contrata-
dos por inexigibilidade com fundamento no inc. II do art. 25 da Lei
nº 8.666/93 são apenas os arrolados textualmente no art. 13.

Um dos motivos é que o art. 13 não pode condicionar o ins-


tituto da inexigibilidade de licitação, porque ela não decorre dele,
mas da própria inviabilidade de competição, cujo fundamento de
validade é o inc. XXI do art. 37 da Constituição. Ademais, a hipótese
do inc. II do art. 25 descreve um caso especial cujo fundamento de
validade é o caput do art. 25. No entanto, a existência de hipótese
especial não afasta a eventual possibilidade de invocar a inviabili-
dade genérica que decorre da cabeça do art. 25, o que torna total-
mente sem sentido a tese de que os serviços técnicos profissionais
especializados são apenas os enumerados no art. 13. Assim, outros
serviços técnicos profissionais especializados, de natureza singu-
lar, podem ser também contratados por inexigibilidade, ainda que
não indicados expressamente no art. 13 da Lei nº 8.666/93. E se não
podem ser contratados com fulcro no inc. II do art. 25, serão com
base no caput do mesmo artigo, sob pena de termos de reconhecer
que é o inc. II que condiciona o caput do art. 25, e não o contrário.
Isso, em interpretação jurídica, seria uma absurda contradição.

7. Conclusão
7.

É inegável que a ideia genérica de inexigibilidade e a hipó-


tese especial prevista no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 consti-
tuem, seguramente, se não o mais, um dos mais importantes temas
O Processo de Contratação Pública

que envolvem a contratação pública, pela sua larga utilidade prática


para a Administração Pública. A propósito, toda hipótese que implica
exceção a uma “regra” constitucional deve ser clara, e sua aplica-
ção, a mais segura possível. Portanto, é inadmissível não saber o que
é, para os fins legais, um serviço singular ou o que seja competição.
Esse cenário precisa mudar.

No entanto, temos de reconhecer que a conjugação dos


conteúdos extraídos das Súmulas nºs 252 e 39 pode resolver o pro-
blema atual, e, com base principalmente no teor da Súmula nº 39, é

377
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Renato Geraldo Mendes

possível fixar uma definição clara em torno do que é serviço singular


ou o que se deve entender por singularidade para fins de aplicação
do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93.

É preciso reiterar que se a competição é viável, a licitação é


obrigatória, mas se é inviável, não, e a inexigibilidade passa a ser
obrigatória. Nessa linha de raciocínio, é equivocado dizer que a lici-
tação é a regra, e a inexigibilidade é a exceção, pois o que define a
regra e a exceção é a viabilidade de competição ou não. E tal viabili-
dade ou inviabilidade de competição é, normalmente, uma condição
que decorre da natureza das coisas, dos acontecimentos, das situa-
ções, do mercado, etc.

Por fim, a singularidade que caracteriza o inc. II do art. 25 da


Lei nº 8.666/93 decorre da impossibilidade de fixação de uma con-
dição objetiva capaz de permitir a viabilidade da competição, con-
forme ponderamos neste e no capítulo anterior.

378
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Capítulo 15

ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO CONTRATO


ADMINISTRATIVO – RELAÇÃO ENTRE ENCARGO E
REMUNERAÇÃO

1. Considerações iniciais
1.

Para entender a figura jurídica do contrato administrativo, é


necessário compreender que o contrato é uma relação não só entre
duas ou mais pessoas, mas entre duas realidades indissociáveis: o “E”
e o “R”.

O “E” representa o encargo definido pela Administração e


que será assumido pelo contratado. E o “R” representa a remune-
ração fixada pelo interessado em função do encargo definido pela
Administração.

A forma mais fácil de entender o contrato é compreender a sua


essência, sabendo como a relação que o caracteriza é constituída.

A análise do contrato pode ser feita a partir dos dois elementos


essenciais (“E” e “R”). Para entender o contrato administrativo, é pos-
sível tanto estabelecer uma análise relacional entre esses dois termos
O Processo de Contratação Pública

como também realizar uma análise isolada de cada um. Em razão


dessas possibilidades, faremos análise individual e, quando for possí-
vel, relacional entre “E” e “R”.

2. Onde e como é definido o encargo (“E”)


2.

O “E” é definido no edital. Representa o que a Administra-


ção estimou para satisfazer a sua necessidade, que foi identificada

379
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Renato Geraldo Mendes

e requisitada ou referenciada83 por uma das suas unidades. Decorre


do planejamento da contratação, o qual é realizado na fase interna.

O “E” não se confunde com a própria necessidade. A necessi-


dade é o problema que precisa ser resolvido, o “E” é a solução para
o problema.

Se a necessidade é o transporte de pessoas, o “E” é o meio de


transporte definido, bem como as demais obrigações que decorrem
de tal definição. No caso do transporte, o “E” é traduzido na figura de
um carro, uma ambulância, um ônibus, uma motocicleta ou mesmo
um avião. Se a necessidade é a segurança de pessoas, o “E” pode
ser o monitoramento eletrônico, a vigilância armada ou, ainda, as
duas ou até uma terceira solução. O “E” não se reduz ao objeto, mas
abrange também as demais obrigações que se relacionam com ele.

Muito embora a necessidade seja objetiva, a definição do “E”,


pelo agente responsável, tem uma dimensão de subjetividade, ainda
que o caráter predominante para tal definição seja o elemento obje-
tivo que norteou a configuração da necessidade, daí a relação de ade-
quação entre o “E” e a necessidade. Entretanto, é preciso reconhecer
que existe um campo de liberdade para o agente em relação à confi-
guração da definição do “E”, não sendo possível reduzi-la totalmente
a um padrão objetivo. Isso não significa que tal liberdade não esteja
condicionada pela ordem jurídica, de forma implícita ou explícita.

Assim, a função básica do edital é materializar o “E” que foi


estabelecido no planejamento. O “E” deve ser definido de forma clara
e precisa, e o fundamental é garantir a satisfação da necessidade da
Administração. O “E” tem de preservar o mínimo indispensável para
satisfazer a necessidade, mas a ele não precisa se limitar.

Também, o “E” não se confunde com o que se denomina tradi-


cionalmente de objeto da contratação, é mais amplo que ele (objeto).
O objeto é o núcleo do encargo (E) e traduz a solução específica
para resolver o problema (necessidade). No caso do transporte, o
objeto seria o veículo, e o “E” compreenderia, além dele, inúmeras

83 Daí a expressão “termo de referência” ou “termo de requisição”.

380
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outras providências relacionadas, tais como as exigências de eventu-


ais adaptações, a entrega em certo local, tributos e encargos a serem
pagos em razão do negócio, garantias a serem asseguradas, assistên-
cia técnica e custos operacionais diversos.

Da mesma forma, um contrato de terceirização de serviços não


se reduz à alocação de pessoas para realizar, por exemplo, a limpeza
de um edifício, pois compreende também o fornecimento do pro-
duto de limpeza a ser utilizado, o transporte das pessoas, o forneci-
mento de equipamentos, o pagamento de impostos, o recolhimento
dos encargos legais, etc.

O “E” variará em cada caso e resulta de um minucioso planeja-


mento que deve ser realizado pela Administração a partir da identifi-
cação da necessidade. O planejamento é a etapa mais importante da
contratação, pois determina seu sucesso.

A maior parte dos problemas nas contratações nasce no


momento da identificação da necessidade e da definição do “E”. A
dificuldade está em dimensionar o problema e identificar o melhor e
mais econômico benefício a ser obtido com a solução.

Definido e divulgado o “E” pela Administração, qualquer modi-


ficação nas suas especificações ou quantidades implica uma altera-
ção. Tal mudança repercutirá na formatação do “R”.

O edital que define o “E” tem, preponderantemente, uma


dimensão econômica, e a proposta do licitante que expressa a remu-
neração tem, por sua vez, uma dimensão financeira.
O Processo de Contratação Pública

3. Onde e como é definida a remuneração (“R”)


3.

O “R” é fixado na proposta do licitante e representa o que ele


precisa para executar o “E”.

Portanto, a fixação do “R” é feita com base no “E”.

Há mais liberdade para a definição do “E” do que para a fixa-


ção do “R”. O ideal é que a liberdade na configuração do “R” seja

381
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Renato Geraldo Mendes

mínima. Atualmente, as licitações que mais reduzem a liberdade na


fixação do “R” são as de terceirização de serviços (limpeza, vigilân-
cia, etc.) e as de execução de obras e serviços de engenharia, em
razão da existência de planilhas de formação de preços.84

A fixação do “R” é realizada em função:

a) Da própria definição do “E”;

b) Das condições do mercado;

c) Da ordem jurídica;

d) Da estrutura empresarial adotada pelo próprio licitante; e

e) Da expectativa de retorno do licitante (lucro).

Os fatores acima indicados dependem da vontade da própria


Administração que contrata, do Estado, do licitante e de terceiros. O
fator (a) é definido pela Administração. O fator (b) depende de tercei-
ros. O fator (c), do Estado (legislador). E os fatores (d) e (e) dependem
do próprio particular (licitante).

O “R” não é disciplinado no edital de modo preciso e fechado,85


o que não afasta a possibilidade de haver uma cláusula impondo o
seu limite máximo. Por outro lado, a fixação de um limite mínimo é
vedada em termos meramente monetários. Ou seja, a proibição da
fixação de preço mínimo nos editais é relativa, e não absoluta, tanto
é verdade que a ordem jurídica rejeita o preço inexequível.

4. O que refletem o “E” e o “R”?


4.

O “E” representa o que a Administração precisa para satisfazer


a sua necessidade. O “R” representa o que o contratado precisa para

84 O chamado jogo de planilhas é um mecanismo que tem por finalidade dar flexibili-
dade para melhorar o “R” durante a execução do contrato. Ele ocorre efetivamente
na fase contratual. No entanto, os atos preparatórios são realizados na fase externa.
85 Isso só ocorrerá em situação muito específica.

382
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cumprir o compromisso assumido e, ainda, viabilizar o indispensável


retorno financeiro pela exploração da atividade econômica.

Então, a dimensão econômica do “E” equivale à expressão


monetária do “R”. O “R” traduz (financeiramente) a dimensão eco-
nômica do “E”.

Assim, o “R” deve refletir o custo e as despesas para executar


o “E”, sem deixar de assegurar o lucro pretendido, que é o retorno
esperado pela exploração da atividade econômica. Sem a existência
do lucro, todo o sistema econômico corre risco, principalmente o
setor público, que viabiliza suas receitas em razão da exploração da
atividade econômica pelas empresas e pelos profissionais do setor
privado, mediante arrecadação tributária.

5. Equação econômico-financeira
5.

Por tudo o que tratamos até aqui, é fácil perceber que há uma
relação indissociável entre o “E” e o “R”, visto que o “R” é, essen-
cialmente, formatado com base no “E”.

A relação “E” e “R” é estabelecida no momento da apresenta-


ção das propostas, conforme considera a própria ordem jurídica.86
Nesse momento, forma-se a denominada equação econômico-finan-
ceira. A equação antecede, em princípio, a própria formalização do
contrato.
O Processo de Contratação Pública

Equação econômico-financeira é a relação de equivalência


entre “E” e “R”, pois “E” é igual a “R”.

No momento da apresentação da proposta, é formada uma


equação econômico-financeira em relação a cada proposta apre-
sentada. Em princípio, em uma licitação, pode-se formar uma, duas,
várias ou nenhuma relação desse tipo. Mas apenas uma delas será

86 É possível sustentar, no entanto, que a equação econômico-financeira é constituída, em


termos mais precisos, com a definição da ordem de classificação final das propostas.

383
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fundamental para a Administração – a que traduzir a melhor relação


benefício-custo.

Quando analisamos e julgamos a proposta, avaliamos se o “E”


ali previsto equivale ao “E” definido no edital e, também, se o “R” é
ou não aceitável, sob o ponto de vista da ordem jurídica e das condi-
ções do edital. Portanto, a proposta traduz a dimensão econômica do
“E” e a sua expressão financeira (que é o “R”). É preciso que a solu-
ção (E) proposta seja, sob o ponto de vista técnico, compatível com
a solução (E) definida pela Administração no edital, bem como que o
preço seja exequível e justo.

Cada vez mais a proposta se resumirá ao aspecto preço, ou


seja, se limitará a expressar o “R”. A propósito, essa tendência fica
mais evidente com o pregão eletrônico. Acreditamos que em um
curto espaço de tempo, para um conjunto de bens padronizados, não
se avaliará mais a conformação do objeto proposto com o objeto
licitado. A análise do preço terá como pressuposto tal conformação
ou compatibilidade. Portanto, a responsabilidade pela adequação do
objeto proposto com o licitado será transferida para a fase de execu-
ção e será de inteira responsabilidade do licitante. A tendência é que
a proposta se limite a indicar o “R”. É importante, no entanto, escla-
recer que essa possibilidade somente poderá ser adotada para a con-
tratação de bens e serviços comuns, isto é, para o pregão. E, é claro,
desde que também se utilize o pregão de forma adequada, não como
ocorre atualmente em muitos casos, inadequadamente. Se o objeto é
bem e serviço comum, o ideal é a análise das propostas se limitar ao
“R”, isto é, ao preço do licitante. Aliás, a tendência é que isso ocorra
também em relação aos documentos de habilitação no pregão, desde
que o sistema de registro cadastral seja utilizado adequadamente.
Com isso, a licitação (pregão) seria reduzida à definição do “R”.

Atualmente, quando desclassificamos uma proposta, reconhe-


cemos que o “E” nela previsto não foi atendido, total ou parcialmente,
ou, se atendido, o “R” é inaceitável.

Nos termos da legislação vigente, o “R” é inaceitável quando


não revela uma adequada relação de equivalência com o “E”. Tal equi-
valência tem conteúdo, predominantemente, objetivo. É admissível

384
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uma pequena variação na representação monetária, para mais ou


menos, desde que justificável. Normalmente, a variação ocorre: a)
em razão da qualidade do benefício definido; b) da margem do lucro
que cada licitante define; e c) do potencial de risco que a contratação
envolve. É possível fazer uma análise econômico-financeira dos três
requisitos indicados e compreender como eles interagem na forma-
ção dos preços, ou seja, na fixação do “R”.

Essencialmente, o negócio mais vantajoso pode ser traduzido


como a melhor equação econômico-financeira obtida na contrata-
ção, de acordo com o tipo de licitação adotado. E a proposta ven-
cedora é aquela que revela o negócio mais vantajoso e respeita as
regras do jogo.

A aceitação da equivalência entre “E” e “R” gera um equilíbrio


que deve ser assegurado enquanto durar a relação contratual. Afirmar
que a equação econômico-financeira é intangível é dizer que sempre
que ela for alterada, violada ou desrespeitada, deverá ser recomposta.
O problema central aqui não é se a equação pode ou não ser alterada
ou modificada pela Administração, pois não há dúvida que isso possa
ocorrer. A questão diz respeito ao dever (obrigação) de a Administra-
ção recompor (reequilibrar) a equação sempre que ela for alterada
em decorrência de ato da própria Administração, fundamentalmente.
A manutenção da equação original (formada com a apresentação da
proposta) é um valor garantido constitucionalmente.

Portanto, o fato de a relação econômico-financeira ser intan-


gível não significa que a Administração não possa alterar o “E” nem
O Processo de Contratação Pública

que o licitante ou o contratado não possa reduzir o “R”. As alterações


podem ser feitas, mas dentro dos limites legais.

6. Formalização do contrato
6.

Contrato administrativo é, basicamente, o negócio jurídico


representado por um encargo (“E”) e uma remuneração (“R”)
equivalentes.

385
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Renato Geraldo Mendes

Esse negócio é materializado em um instrumento. Nele cons-


tam, de forma organizada, o encargo e a remuneração, bem como a
quem caberá cumprir cada qual deles. Esse instrumento recebe vários
nomes legais, como termo de contrato, nota de empenho, carta-con-
trato, autorização de compra e ordem de execução de serviços.

Na prática, o termo de contrato é o instrumento mais completo


entre os apontados e se destina a materializar os negócios de maior
vulto e os que implicam obrigações futuras, a exemplo da terceiri-
zação de serviços e da execução de obras de engenharia e serviços
técnicos.

Formalizar um contrato é simplesmente realizar o encontro


entre o “E” e o “R”. É unir em um mesmo documento o que já está
formalizado em outros: edital e proposta vencedora. Se não fosse
por uma questão de organização administrativa, nem seria necessário
formalizar o termo de contrato, pois, em razão do conteúdo do edital
e da proposta vencedora, ele já está formalizado.

Se o contrato é um acordo de vontades com a finalidade de


criar obrigações recíprocas, com o edital e a proposta vencedora
estão definidos o acordo de vontades e as obrigações recíprocas
(E + R).

A formação do acordo de vontades nas relações contratuais


de que participa o Poder Público é distinta da que, normalmente,
ocorre no setor privado. No setor público toda a definição do “E” é
instrumentalizada no edital. Ou seja, primeiro o Poder Público diz o
que quer (de forma escrita e completa). Com base nisso, o particular
diz quanto cobrará para cumprir o que foi definido.

A inexistência de um termo de contrato escrito não autoriza-


ria a afirmação de que não há contrato. Também não autorizaria a
alegação de que não há contrato escrito. Ora, contrato é acordo de
vontades. Assim, o edital mais a proposta vencedora atendem à exi-
gência do acordo de vontades. Tanto o edital como a proposta vence-
dora são instrumentos escritos. Logo, tem-se um acordo de vontades
por escrito.

386
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Não queremos dizer que não se deva materializar o acordo em


um único documento (termo de contrato), pois isso facilita a organi-
zação e o controle. Mas se isso não ocorrer, não podemos dizer que
não há contrato nem que ele não é escrito. Até se pode querer punir
o agente por ter deixado de cumprir uma obrigação de ofício (unir as
vontades que formam o acordo em um único documento), mas não é
lógico afirmar que não há contrato. Alegar isso é desconhecer a ver-
dadeira essência do Direito.

Para sintetizar:

Contrato = E + R

Ou melhor:

Contrato = edital + proposta vencedora

Ademais, a instrumentalização de termo de contrato tem um


limite material a ser observado, ou seja, em princípio, não se pode
inovar na relação contratual. Não é possível, por exemplo, ampliar
o “E” nem reduzir o “R”, porque isso equivaleria a uma alteração do
próprio contrato.

Qualquer mudança que represente alteração nas condições


previstas no edital ou na proposta vencedora é inovação contratual,
pois o contrato é firmado durante a própria licitação, e não quando
da instrumentalização do seu termo. As mudanças, porventura neces-
sárias, devem observar as condições próprias para a alteração do con-
trato, conforme previsto na Lei nº 8.666/93.
O Processo de Contratação Pública

Como é uma afirmação original na área da contratação


pública, vale reiterar: o contrato é, em verdade, firmado durante
a própria licitação,87 e não depois dela. Depois que a licitação se
encerra, ocorre a formalização ou instrumentalização do contrato fir-
mado durante a licitação, e não a celebração do próprio contrato (o

87 O mais adequado é dizer que ele se forma durante a fase externa do processo de
contratação, visto que a licitação não é a única forma de realizar referida fase. No
entanto, dizer que ele se forma durante a licitação é mais fácil de entender (não de
aceitar).

387
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Renato Geraldo Mendes

acordo de vontades). Essas duas coisas, como muitas outras, estão


sendo confundidas no seu sentido essencial.

Não é verdadeira a máxima de que a licitação é o antecedente


necessário do contrato, e este o seu consequente. Não é razoável a
afirmação de que o contrato, enquanto acordo de vontades que cria
obrigações recíprocas, é constituído após o encerramento da licita-
ção. É equivocado pensar que para que o contrato nasça, é preciso
que a licitação tenha o seu fim, pois o contrato nasce e se concretiza
durante a licitação, e não depois dela.

Para entender bem a figura do contrato, é fundamental distin-


guir o seu conteúdo material da sua dimensão formal. Todo contrato
possui as duas dimensões, ou seja, a de natureza material (conteúdo
do “E” e do “R”) e a de natureza formal (formalização ou instrumen-
talização do “E” e do “R”). Na contratação pública, tanto o aspecto
material quanto o formal são atendidos plenamente, ao contrário do
que ocorre com frequência no campo privado.88 Os contratos públi-
cos tendem a ser muito melhores do que os privados, e se não são,
não é por falta de marco regulatório.

Como o contrato é um acordo de vontades, importante iden-


tificar em que momento do processo de contratação ele ocorre e
como é formado. A vontade da Administração é integralmente mani-
festada no edital. Logo, ele traduz a vontade completa da Adminis-
tração. Tal manifestação é escrita, pois o edital é assinado por agente
competente da Administração. Além de tudo isso, a manifestação de
vontade é publicada na imprensa oficial e, em muitos casos, tam-
bém em jornal privado de grande circulação. Pela importância do
ato de manifestação de vontade, a lógica conduz à conclusão de
que é a autoridade superior que deve assinar o edital, e não outro
agente (presidente da comissão ou pregoeiro, por exemplo), salvo
situação de delegação. Portanto, com o edital, a Administração
explicita a sua manifestação de vontade. E só quem pode fazer isso

88 No campo privado, é comum a não formalização das condições que envolvem o “E”
e o “R”, daí a ideia em torno da boa-fé objetiva para tentar resolver o problema, que
é um princípio que norteia a contratação.

388
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é quem tem competência ou poder para vincular a Administração


contratualmente.

As propostas apresentadas pelos licitantes nada mais são do


que manifestações de vontades. Depois da devida análise das pro-
postas, a Administração escolhe, de acordo com o critério objetivo,
uma, que é aceita como a manifestação de vontade que faltava para
concretizar o acordo. Essa aceitação ocorre por meio da adjudica-
ção. Nesse momento nasce o contrato, ou seja, o acordo de von-
tades. Portanto, o contrato nasce com a adjudicação, e não com o
termo de contrato.

Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência reiteram que o


adjudicatário tem apenas mera expectativa em relação ao contrato.
Isso significa que o adjudicatário ainda não tem garantia do con-
trato, mas apenas mera expectativa. Esse é um equívoco que precisa
ser repensado, pois com a adjudicação o contrato se torna um negó-
cio perfeito e, em princípio, válido. A Administração não precisa
firmar nenhum contrato, pois ele já está firmado. Ela pode materia-
lizar, em um único instrumento, o contrato que foi firmado, o que é
bem diferente. Não se deve confundir coisas distintas.

A única expectativa que pode surgir com a adjudicação é


em relação ao início da execução do encargo, e nenhuma outra.
E se houver outra, será em relação ao recebimento da remuneração
(preço), após o cumprimento do encargo. Com a adjudicação, está
firmado o ajuste, acordo, negócio. Isso não impede a Administração
O Processo de Contratação Pública

de rescindi-lo, como poderia em qualquer outra situação, desde que


haja motivo suficiente para justificar tal rescisão. É importante obser-
var que falamos em rescisão, e não em revogação. Revoga-se o ato e
rescinde-se o negócio (contrato).

É possível sustentar que o contrato, mesmo perfeito e válido,


não é eficaz, pois isso dependeria de publicação do seu extrato na
imprensa oficial. Ainda que se possa contrapor o argumento, a refe-
rência que se faz aqui é em relação à perfeição e validade.

389
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Renato Geraldo Mendes

7. Execução do “E” e cumprimento do “R”


7.

Após a formalização do “contrato”, cabe à Administração exigir


que o contratado execute o “E” tal como definido no edital. Cumprido
rigorosamente o “E”, a Administração deve pagar o “R”, de acordo
com o que foi previsto na proposta. Há cumprimento do contrato
quando cada uma das partes realiza o que foi acordado.

A Administração terá um representante para acompanhar a


execução do “E”, e o contratado, um preposto para zelar pela sua
realização.

O representante da Administração deve anotar todas as ocor-


rências em registro próprio (livro ou outro meio). Se necessário, o
representante pode ser assistido por um terceiro.

Como o contratado deve executar fielmente o “E”, cabe ao


representante da Administração determinar a regularização das falhas
ou defeitos constatados. O representante (fiscal) não pode alterar
o “E”, deve se limitar a exigir o seu cumprimento, tal como cons-
tante do contrato. A alteração do “E” somente pode ser determinada
pela autoridade competente para contratar, pois representa alteração
contratual.

O contratado é obrigado a reparar, corrigir, remover, reconstruir


ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o encargo (“E”)
quando forem verificados vícios, defeitos ou incorreções resultantes
da execução ou dos materiais empregados.

O contratado somente pode repassar a terceiros a execução


de parte do “E”, se permitido pela Administração. A permissão e o
seu limite devem constar do edital, não podendo ser autorizada na
fase contratual quando não admitida no edital, exceto em situações
excepcionais.

A Administração deve receber o “E”. O “E” será recebido inte-


gralmente ou parcialmente, conforme definido no edital, em razão do
planejamento. O recebimento importará na aceitação ou rejeição do
“E”, que podem ser total ou parcial.

390
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Executado o “E”, deve ser pago o “R”, de acordo com as regras


previstas no edital. O pagamento do “R” pode ser feito de uma só vez
ou em partes, à medida que o “E” é executado. O princípio que nor-
teia essa questão, no entanto, é o de que, para que o “R” seja pago,
é preciso antes cumprir o “E”. Essa é uma norma de Direito Finan-
ceiro. Existem exceções que podem ser admitidas, em face de certas
condições especiais ou peculiaridades que informam as práticas de
mercado.

8. Alterações do “E”
8.

O “E” não é imutável e pode, por várias razões, sofrer altera-


ções durante a execução do contrato.

Somente a Administração pode alterar unilateralmente o “E”,


o contratado não.

A alteração do “E” pode ser unilateral ou por acordo. Tanto


uma como a outra têm limites a serem observados.

As alterações unilaterais envolvem, basicamente, o objeto


e representam modificações nas suas especificações (qualitativa) e
dimensões (quantitativa).

O limite para a alteração unilateral quantitativa do “E” é,


como regra, de até 25%. O limite para a alteração qualitativa é a
não desnaturação da solução e do objeto definidos. Não haveria,
em princípio, um limite percentual fixo, mas o limite seria a preser-
O Processo de Contratação Pública

vação da solução (“E”) identificada para resolver o problema (neces-


sidade). Assim, haveria extrapolação do limite sempre que a altera-
ção implicasse nova solução e, por decorrência, novo objeto. Entre-
tanto, para o TCU o limite é de até 25%, conforme consta da Decisão
nº 215/1999 – Plenário.

A alteração contratual unilateral deve ser devidamente justifi-


cada, e os fundamentos são, basicamente, dois: a) mudança super-
veniente ocorrida em relação à necessidade da Administração que
ensejou o processo de contratação ou b) necessidade de alteração do

391
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Renato Geraldo Mendes

próprio “E”. Em outras palavras, ou é o problema (necessidade) que


se alterou, ou é a solução para o problema (“E”) que precisa mudar.

No primeiro caso (a), pode acontecer que, em razão de uma


situação fática superveniente, haja uma alteração na configuração da
necessidade, ou seja, o problema se altera e, por força disso, a solu-
ção definida para resolver o problema se torna inadequada nos ter-
mos inicialmente fixados. Portanto, é preciso alterar o encargo “para
melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os
direitos do contratado”, utilizando os exatos termos do inc. I do art.
58 da Lei nº 8.666/93.

No segundo caso (b), a necessidade permanece a mesma, ou


seja, o problema não se altera, apenas a solução definida para o pro-
blema é alterada. Quem sofrerá alteração é o “E”.

A alteração do “E” pode ocorrer, basicamente, por duas razões:


a) a solução tal como definida se revelou inadequada ou b) novas
condições de mercado tornaram inaplicável ou desvantajosa a manu-
tenção da solução contratada. Seja qual for o motivo, a alteração não
pode desnaturar a solução (“E”), sob pena de ser reputada ilegal. Na
hipótese (a), pode haver a responsabilização do agente que definiu a
solução.

O limite de até 25% para cima (aumento) do “E” é, em princí-


pio, vedado, e para baixo (redução) é apenas relativo, pois, havendo
concordância do contratado, a redução além do limite fixado torna-
-se possível. O fato de haver uma vedação para o acréscimo acima do
limite de 25% não significa que ele seja absoluto.89

Os percentuais de acréscimos e supressões previstos no §  1º


do art. 65 da Lei nº 8.666/93 aplicam-se a todos os contratos firma-
dos pela Administração, independentemente se resultaram de lici-
tação ou não. O fato de o procedimento pré-contratual ter seguido
o rito da licitação, ou ter observado as exigências determinadas para

89 Na edição anterior, utilizamos a palavra “absoluto” para qualificar a vedação. Por


isso nos penitenciamos nesta nova edição. Aliás, essa é uma das razões que justifi-
cam as edições subsequentes: para confessar os nossos erros, se necessário.

392
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a dispensa ou inexigência, não é capaz de afastar a incidência do


regime jurídico contratual previsto na Lei nº 8.666/93. Não é certo
imaginar que os percentuais legais de acréscimo ou supressão devem
ser observados apenas nos casos em que o contrato decorreu de lici-
tação. Em princípio, todas as disposições previstas na Lei nº 8.666/93
relativas aos contratos administrativos aplicam-se a todos os negócios
jurídicos firmados pela Administração, independentemente de serem
decorrentes de licitação, dispensa e inexigência.

Uma das condições legais previstas na ordem jurídica e que


condiciona a ação dos agentes públicos é a que fixa limite máximo
para a realização de acréscimo quantitativo no objeto do contrato.
A fixação do limite previsto no §  1º do art. 65 da Lei nº  8.666/93
impõe, entre outras exigências, que a Administração prime pelo pla-
nejamento adequado da contratação, sob pena de a necessidade
administrativa não ser plenamente atendida pelos termos originais do
contrato. No entanto, não parece razoável afirmar que a ordem jurí-
dica não permite realizar um acréscimo contratual além do limite
previsto no §  1º do art. 65 da Lei nº  8.666/93. Esse comando não
pode ser interpretado em sentido absoluto, mas apenas relativo. Tam-
bém não se pode pensar que a vedação prevista no § 1º do art. 65
pode ser simplesmente ignorada. O que se pretende é dar aos termos
do referido preceito uma interpretação adequada, pois em determi-
nadas situações não será possível simplesmente dizer que o limite é
intransponível e constitui condição absoluta.

Nenhuma condição prevista na ordem jurídica pode ser con-


siderada absoluta, nem mesmo quando o texto preveja proibição
literal. A evolução em torno da interpretação jurídica possibilitou
O Processo de Contratação Pública

compreender que não se pode confundir o enunciado prescritivo


(texto) com a norma que dele pode ser extraída. Aliás, nem mesmo a
vida – que é o valor mais importante da ordem jurídica – é conside-
rado como absoluto, basta ver que o Código Penal acolhe a legítima
defesa, o exercício geral de direito e o estado de necessidade.

Mas apenas como pano de fundo, vamos imaginar que o limite


do acréscimo contratual previsto no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93
encerrasse uma condição absoluta. Sendo assim, como resolver
a situação na qual, para obter a solução desejada para atender à

393
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Renato Geraldo Mendes

integral necessidade da Administração, fosse necessário realizar um


acréscimo cujo percentual é superior ao do limite definido no refe-
rido preceito? E mais, que se reconheça que não é possível ter outro
prestador ou contratado para executar a quantia que excede o limite,
pois se trata de uma solução de caráter personalíssimo ou de natu-
reza integrada, que deve ser feita pelo próprio contratado, ou, ainda,
que a contratação de um terceiro tornaria oneroso demais o negócio.
Ora, se o limite fosse absoluto, não haveria como resolver o pro-
blema, não haveria meios de satisfazer a necessidade da Administra-
ção, que é a razão que justifica a própria contratação. Porém, não se
pode reconhecer simplesmente que o acréscimo não poderá exceder
o limite. A finalidade desse limite é impedir outras coisas, e não que
a necessidade seja satisfeita. Aliás, a plena satisfação da necessidade
é o valor mais importante do regime jurídico da contratação pública.
Mais importante do que o próprio princípio da igualdade. Esse não
é um entendimento de mero foro íntimo, mas de uma condição do
próprio inc. XXI do art. 37 da CF.

Por outro lado, se a necessidade que ensejou o acréscimo além


do limite decorrer de falha ou inadequado planejamento de deter-
minado agente público, é ele que deve ser responsabilizado, e não o
interesse público. Reconhecer que o limite é absoluto é punir o inte-
resse público. Em situações excepcionais, é possível sim extrapolar
os limites previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, sem pre-
juízo da responsabilização do agente faltoso. Idêntica solução deve
ser adotada em relação à contratação por emergência com funda-
mento no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666/93, ainda que resulte de
desídia ou falta de planejamento. No referido caso, é lícito realizar
a contratação emergencial, bem como é indispensável responsabi-
lizar quem deveria ter promovido a licitação no prazo adequado e
não o fez, pois uma coisa não impede a outra. A desídia do agente
público não obsta a contratação direta por emergência, mas possi-
bilita a sua própria responsabilização. Evidentemente, todas as jus-
tificativas devem ser devidamente apresentadas e materializadas no
processo, a fim de que os órgãos incumbidos da fiscalização possam
apreciá-las. Nos casos indicados, extrapolar o limite não é ilegal; a
eventual ilegalidade estará em não extrapolá-lo e deixar a necessi-
dade da Administração sem pleno atendimento.

394
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Portanto, cumpre reafirmar que o contratado não pode alterar


unilateralmente o “E”. Somente a Administração pode fazê-lo. Essa é
uma possibilidade que traduz o que se denomina de cláusula exor-
bitante em favor da Administração. A alteração unilateral do “E” pelo
contratado configura descumprimento contratual e enseja a devida
punição.

9. Alterações do “R”
9.

É vedado à Administração, de forma unilateral, alterar o “R”.

A alteração do “R” pela Administração é apenas reflexiva, no


sentido de que a alteração do “E” modifica o “R”, por consequência.
Sem alteração do “E”, não é possível que a Administração modifique
o “R”.

Também, de forma unilateral, o contratado não poderá aumen-


tar o “R”, mas poderá reduzi-lo. A alteração do “R” pelo contratado
pode ser unilateral (para reduzir) ou por acordo (para aumentar ou
reduzir).

A alteração do “R” é determinada, em princípio, em razão da


alteração do “E”. Existem casos, no entanto, em que o “E” perma-
nece o mesmo, e o “R” é modificado. Também é possível que o “E”
seja alterado e o “R” permaneça igual.

A alteração do “E” e do “R” é sempre motivada por fatores ou


razões de ordem objetiva. A redução do “R” pode ser fundada em
O Processo de Contratação Pública

razões subjetivas (hipótese de redução do “R” pelo próprio contra-


tado), sem causa objetiva, mas isso é excepcional.

10. Desequilíbrio da equação e recomposição


10.

Uma das questões jurídicas mais tormentosas para a doutrina


e os tribunais diz respeito à recomposição da equação econômico-
-financeira dos contratos. A questão central é saber quando há

395
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Renato Geraldo Mendes

desequilíbrio na equação e, em razão dele, quando haverá necessi-


dade de sua recomposição.

“E” é igual a “R”. Ora, se é assim e se o “E” tem um conteúdo


econômico, e “R” financeiro, deve haver uma relação de equivalên-
cia entre ambos, em função da qual repousa a ideia de equilíbrio e
recomposição.

Então, diante dessa equivalência, é preciso saber se qualquer


situação ou fato que provoque seu rompimento (causando desequilí-
brio) ensejará a necessidade de sua recomposição ou se esta somente
ocorrerá frente a certos pressupostos.

A ordem jurídica vigente protege o equilíbrio entre “E” e “R”.

Essa proteção é dada, em princípio, pelo inc. XXI do art. 37


da Constituição da República, quando revela que a licitação deve
assegurar o pagamento pela execução do “E” e, ainda, que as condi-
ções efetivas da proposta do licitante vencedor devem ser mantidas.
A condição mais importante da proposta é a definição do “R”. Então,
diz a Constituição que o “R” deve ser mantido, isto é, deve ser preser-
vado na relação de equivalência com o “E”, durante todo o contrato.

A par da disciplina constitucional, a Lei nº  8.666/93 também


regula a manutenção da relação entre “E” e “R” na alínea “d” do inc.
II do art. 65, nestes termos:

Art. 65 (...)

II - (...)

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre


os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa
remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manuten-
ção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese
de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequên-
cias incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado,
ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, con-
figurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

396
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Diz o texto legal que existem situações que podem configu-


rar “álea econômica extraordinária e extracontratual” e que ela pode
causar desequilíbrio à relação. E, mais, que tal desequilíbrio deve ser
corrigido por acordo das partes (inc. II do art. 65).

A palavra “álea” provém de aleatório e significa, segundo o


Dicionário Aurélio, o que “depende de fatores incertos, sujeitos ao
acaso; casual, fortuito, acidental”. Portanto, álea é um risco, algo
incerto, que não se pode precisar se acontecerá ou não.

Quando fixamos o “E”, definimos aquilo que será realizado


pelo contratado. Para que o contratado estime o “R”, ele deve saber o
que terá de executar, pois é com base nisso que dimensionará a sua
remuneração (“R”).

Quando definimos o que ele irá executar, fixamos para o futuro


contratado o que podemos chamar de álea econômica ordinária e
contratual. É álea porque representa o risco (encargo) que o contra-
tado irá assumir. É ordinária porque é normal, é usual, é habitual e
decorre da própria atividade econômica que o contratado explora.
Quem explora uma atividade econômica corre risco, que deve ser,
em razão do seu caráter comum, devidamente previsto. É contratual
porque está prevista, foi incluída no contrato, é parte daquilo que o
contratado considerou ou deveria ter considerado quando estimou o
“R”. Por isso, a exata previsão do “E” no edital é fundamental para
precisar o que é ou não contratual.

A álea extraordinária e extracontratual é o risco incomum, anor-


mal, não usual, não habitual e que não foi previsto no contrato por
O Processo de Contratação Pública

não integrar o “E”.

Essa álea extraordinária não foi considerada porque o era total-


mente imprevisível ou, ainda que possível sua previsão, não havia
razão lógica para a sua inclusão no “E”, pois incerta a sua ocorrên-
cia. Sob esse rótulo, incluem-se também as situações previsíveis cujas
consequências são incalculáveis.

Em princípio, o contrato deve ser revisto sempre que houver


desequilíbrio da relação entre “E” e “R” ocasionado por situações e

397
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Renato Geraldo Mendes

fatos extraordinários e extracontratuais. Nos demais casos não há de


se falar em revisão, mas em reajuste ou repactuação.

O reajuste e a repactuação são, salvo exceções, situações pre-


vistas no contrato. Logo, não podem ser consideradas extracontratu-
ais, mas próprias do contrato.

Por outro lado, é necessário esclarecer que a equação envolve


dois binômios ou dois termos: “E” e “R”. Então, o desequilíbrio pode
ser causado por situações que atingem diretamente o “E” ou o “R”.
Para facilitar a compreensão do problema, avaliaremos as principais
situações e fatos que podem incidir sobre o “E” e sobre o “R”.

11. Fatos que incidem sobre o “E” e o “R”


11.

Com base na afirmação de que “E” é igual a “R” e que tal rela-
ção pode ser representada com uma balança de dois pratos, no prato
da esquerda colocaremos o “E”, e no da direita, o “R”.

Quando o edital é publicado, o prato da esquerda (do “E”) fica


na posição inferior e, com a proposta vencedora, o prato da direita
(do “R”) desce até atingir a mais exata posição horizontal. Nesse
momento, há o equilíbrio perfeito, que deve ser assegurado em toda
a duração do contrato.

No entanto, em determinado momento da licitação, inicia-se o


que poderíamos chamar de “pesagem” do “R”, que é o julgamento
das propostas.

Ao julgar as propostas, é como se colocássemos cada uma delas


no prato da direita e observássemos o que ocorre. Quando o prato da
direita descer muito além da linha horizontal, é provável que o “R”
seja excessivo.

Por outro lado, se o prato da direita fica muito próximo à sua


posição inicial, significa que estamos (provavelmente) diante de um
“R” inexequível.

A posição ideal é a horizontal.

398
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A ideia de equivalência horizontal não revela uma igualdade


absoluta, isto é, não existe uma equivalência exatamente métrica
entre o “E” e o “R”, mas apenas jurídica.

De qualquer forma, quando decidimos qual é a proposta vence-


dora, constituímos uma situação de equivalência jurídica, que deverá
ser respeitada. Também, quando desclassificamos todas as propostas
por preço excessivo, rejeitamos o “R” e, igualmente, afirmamos que
aquela equivalência não pode ser aceita.

Quando, diante da desclassificação de todas as propostas, fixa-


mos prazo para que novas propostas sejam apresentadas, proporcio-
namos nova oportunidade para viabilizar a equivalência jurídica.

Há fatos que incidem sobre o “E” e sobre o “R”, ocasionando


o rompimento da equação ou do equilíbrio formado. Portanto, é pre-
ciso identificar todas essas situações que comprometam a equivalên-
cia jurídica e analisá-las.

Com efeito, podem causar o desequilíbrio na equação e ensejar


a necessidade de recomposição:

a) Alterações qualitativas (especificações) do “E”;

b) Alterações das quantidades do “E”;

c) Alterações dos custos dos materiais empregados;

d) Alterações dos custos da mão de obra;

e) Alterações dos impostos ou encargos legais (fato do príncipe);


O Processo de Contratação Pública

f) Eventos naturais (caso fortuito);

g) Eventos humanos (força maior); e

h) Eventos da própria Administração (fato da Administração).

Importante lembrar que os pratos da balança tanto podem subir


como descer. Com isso, o rompimento do equilíbrio tanto pode ser para
aumentar o “R” como para reduzi-lo. A recomposição é uma via de
mão dupla. A situação deve ser analisada à luz de cada caso concreto.

399
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Renato Geraldo Mendes

11.1. Alterações das especificações do “E”


11.1.

Em razão do princípio da supremacia do interesse público, que


ainda vigora sem algumas necessárias restrições, a Administração
pode alterar, de forma unilateral, o “E” para melhor adequação às
suas finalidades. Em outras palavras, a Administração, independente-
mente da concordância do contratado, pode alterar a solução identi-
ficada para resolver o seu problema.

O raciocínio é: se o que determina a deflagração do processo


de contratação é a necessidade administrativa e, com base nela, é
definido o “E”, havendo alteração na necessidade, deverá haver, por
conseguinte, a alteração do “E”. Por isso, se a necessidade é o pro-
blema, e o “E” a solução, alterada a necessidade, é preciso proceder,
quando for o caso, à alteração da solução. Em algumas situações, é
possível que a alteração no “E” não tenha fundamento direto na alte-
ração da necessidade. Nesse caso, a alteração seria da própria solu-
ção identificada.

O fundamental aqui é reconhecer que se houver alteração nas


especificações do “E”, será preciso também alterar o “R”, salvo em
situações específicas. O “R” tanto poderá ser aumentado como redu-
zido. Cada situação concreta determinará o que ocorrerá com o “R”,
isto é, se ele aumentará ou se será reduzido.

Desse modo, se o “E” aumenta, o “R” também aumentará na


mesma proporção, de modo a preservar o equilíbrio, que nada mais
é do que a equivalência inicial. Há casos em que a alteração do “E”
não importa em alteração no “R”, isso ocorre quando a alteração no
“E” equivale a trocar “seis por meia dúzia”. Ou seja, há alteração,
mas não desequilíbrio, pois o que foi excluído equivale ao que foi
incluído. Houve alteração do “E”, mas ela não proporcionou dese-
quilíbrio ao “R”.

Extrai-se disso uma importante conclusão: nem todas as altera-


ções implicam desequilíbrio. Somente haverá recomposição quando
houver desequilíbrio, tendo ou não havido alteração no “E”.

400
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Em princípio, não há um limite legal definido de forma clara e


inquestionável para a denominada alteração qualitativa. A rigor, está
vedada a desnaturação do “E”. Assim, é viável realizar alterações nas
especificações, desde que não haja a descaracterização do “E”. A
título de exemplo, não é possível licitar vigilância eletrônica e alterar
para vigilância armada. A ideia de desnaturação está mais ligada ao
núcleo do “E”, que é o seu objeto, do que às demais obrigações; mas
em relação a elas, em determinadas situações, também pode haver
desnaturação da solução.

Como se trata de uma alteração que pode agregar novas condi-


ções ao “E”, poderá ocorrer discussão em torno do novo valor a ser
acrescido ao “R”. A solução deve, preferencialmente, ser a consen-
sual. Para chegar a um acordo, é preciso recorrer aos preços pratica-
dos no mercado e, com base neles, fixar o novo valor do “R”. Sem
consenso, a discussão será, infelizmente, travada na via judicial.

11.2. Alterações das quantidades do “E”


11.2.

Em razão do princípio da supremacia, pode a Administração


aumentar ou reduzir a quantidade do “E”.

Uma coisa é a alteração qualitativa, a outra é a alteração quan-


titativa. Em função da primeira, são alteradas as especificações técni-
cas do “E”; na segunda, as especificações são mantidas, sendo alte-
rada, em princípio, apenas a sua quantidade. O “E” é mantido na sua
essência e conteúdo, mas aumentado no seu volume e dimensão.
O Processo de Contratação Pública

Se a Administração aumenta a quantidade do “E”, deve aumen-


tar o “R”, sob pena de violar o equilíbrio. Por exemplo, se o contra-
tado devia limpar uma área de 2.500m² e, em razão do acréscimo,
passará a limpar 3.000m², deverá ser recompensado por isso.

É possível existir alteração qualitativa e quantitativa em um


mesmo contrato, simultaneamente ou não. A alteração poderá envol-
ver as duas coisas e isso poderá acontecer ao mesmo tempo ou em
momentos distintos, bem como mais de uma vez durante o contrato,
desde que respeitados os limites legais, salvo situações excepcionais.

401
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Renato Geraldo Mendes

11.3. Alterações dos custos dos materiais empregados


11.3.

Em princípio, a alteração dos custos dos materiais empregados


não integra o rol das situações extraordinárias e extracontratuais que
ensejam a revisão dos contratos administrativos, por ser ordinária e
contratual. Então, o que temos é simplesmente a aplicação de uma
cláusula contratual, descartada a hipótese de algo extracontratual.

Em verdade, no caso de alteração dos custos dos materiais


empregados, há o que se denomina de reajuste e repactuação. O
reajuste e a repactuação são mecanismos idealizados com o objetivo
de corrigir o desequilíbrio, que, já se sabe, ocorrerá com o tempo,
em razão do processo inflacionário. Por isso, eles são utilizados em
contratos de execução prolongada no tempo, como nos serviços de
terceirização, que podem chegar a até 60 meses, ou na execução de
obras e serviços de engenharia.

Os mecanismos de reajuste e repactuação atuam no sentido


de devolver o poder de compra do “R”, que com o tempo vai dimi-
nuindo. Antes de 1994, esses mecanismos eram utilizados mensal-
mente para recompor as perdas em razão da inflação. Com o controle
da inflação a partir de 1994, o reajuste e a repactuação passaram a
ser anuais, ou seja, realizados a cada período de doze meses, a contar
da data da apresentação das propostas.

11.4. Alterações dos custos da mão de obra


11.4.

À semelhança dos materiais, as alterações dos custos da mão


de obra também desequilibram o “R”, pois os salários e benefícios a
serem pagos sofrem modificações ao longo do período de execução
do contrato. A periodicidade é anual, assim como a dos materiais. A
diferença é que a mão de obra tem periodicidade distinta, pois segue
a data-base da categoria profissional alocada no contrato, conforme
legislação específica.

Então, haverá repactuação para a mão de obra um ano após o


acordo, convenção ou dissídio anterior e que serviu de base para a
fixação do “R”. Nesse caso, a periodicidade nada tem a ver com a

402
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data da apresentação da proposta ou da celebração do contrato, mas


com a data do acordo, da convenção ou do dissídio.

11.5. Alterações dos impostos ou encargos legais (fato do príncipe)


11.5.

A alteração dos impostos ou encargos legais enseja a revisão do


“R” sempre que sobre ele incidirem diretamente, agravando a situa-
ção do contratado. Se ao formatar o “R”, o licitante considerou uma
alíquota de 3% de imposto e esta aumentar para 5%, será devida a
recomposição. Caberá a revisão (e não o reajuste ou a repactuação)
porque o fato é, em princípio, extraordinário e extracontratual.

Aumento de tributo é o que se denomina de fato do príncipe,


e ele é uma situação geral que repercute sobre o contrato, causando
desequilíbrio.

11.6. Eventos naturais (caso fortuito)


11.6.

Caso fortuito é o evento da natureza que agrava, onera ou


impede a execução do contrato. O impedimento pode ser absoluto
ou relativo.

O impedimento absoluto enseja, obrigatoriamente, a rescisão


do contrato, e o relativo, não necessariamente. Principalmente, no
caso dos impedimentos relativos, o cumprimento do contrato pode
onerar o contratado, pela diminuição do “R”. Para cumprir o contrato,
o contratado terá de despender mais do que teria se não houvesse o
evento natural. Por evento natural, podemos considerar um vendaval,
uma inundação, um ciclone, a queda de uma ponte, a destruição de
O Processo de Contratação Pública

uma estrada e tantas outras situações.

Durante a execução do contrato, poderão acontecer eventos da


natureza que tornem mais onerosa a execução do “E”. Quando alguma
situação imprevisível ou mesmo previsível, mas de consequências
incalculáveis, tornar mais onerosa a execução do contrato e não inte-
grar a modalidade do risco ordinário, a revisão será devida.

É importante ter a clareza, no entanto, que pode haver um


evento natural e não haver desequilíbrio na relação contratual. Então,

403
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Renato Geraldo Mendes

não é todo evento natural que enseja revisão, mas somente aquele
que viola, de forma efetiva e comprovada, o equilíbrio do contrato.

11.7. Eventos humanos (força maior)


11.7.

Os eventos humanos se equiparam aos da natureza, têm a


mesma dimensão jurídica e assim devem ser considerados. Tudo o
que afirmamos sobre os eventos da natureza se aplica para os eventos
humanos.

11.8. Eventos da própria Administração (fato da Administração)


11.8.

Fato da Administração é a situação criada pela própria Admi-


nistração e que agrava, impede ou onera o contrato. Isto é, por ação
ou omissão da própria contratante, o contratado precisará despender
mais recursos financeiros para cumprir o “E”.

Comprovado o desequilíbrio, caberá a recomposição.

12. Revisão, reajuste e repactuação


12.

Importante ter clareza quanto à distinção entre recomposição,


revisão, reajuste e repactuação. São quatro figuras distintas e não
devem ser confundidas, muito embora normalmente isso aconteça.

Não há, na doutrina, unanimidade quanto ao conteúdo das


quatro figuras apontadas (recomposição, revisão, reajuste e repac-
tuação). Isso cria uma espécie de Torre de Babel, onde ninguém se
entende.

Toda palavra tem a finalidade de identificar algo a fim de distin-


gui-lo dos demais, podendo ser uma realidade, um fenômeno, uma
pessoa, um objeto. Toda palavra tem um conteúdo, e é ele que viabi-
liza o processo de comunicação. Assim, é necessário deixar claro o
conteúdo das palavras, sob pena de comprometer o entendimento e
não viabilizar a comunicação entre as pessoas.

404
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Então, vamos começar esclarecendo o que é recomposição.

Recomposição é uma expressão genérica que designa todo e


qualquer reequilíbrio da equação econômico-financeira, por força
de revisão, reajuste ou repactuação. Sempre que for rompido o equi-
líbrio entre “E” e “R”, será necessário promover a recomposição,
independentemente do rótulo que se atribua ao fato que ensejou o
rompimento.

Portanto, recomposição é o gênero do qual são espécies a revi-


são, o reajuste e a recomposição.

Revisão é, por sua vez, a recomposição do “R” em razão de


desequilíbrio extraordinário e extracontratual.

Ocorrendo o desequilíbrio e não havendo mecanismo previsto


no contrato para promover o equilíbrio da relação, pois os fatos que
romperam a equivalência entre “E” e “R” não foram previstos ou eram
imprevisíveis ou, ainda, eram previsíveis, porém de consequências
incalculáveis, a recomposição será realizada mediante revisão.

Dessa forma, na revisão, admitiremos que o equilíbrio do “R”


em relação ao “E” foi rompido por um fato estranho à álea ordinária
e contratual. Quando não houver um mecanismo no próprio contrato
para recompor o “R”, estaremos diante da figura da revisão.

O reajuste e a repactuação, basicamente, são formas de recom-


posição do “R” em razão de desequilíbrio ordinário e contratual,
ocasionado pelo processo inflacionário. O reajuste e a repactuação
O Processo de Contratação Pública

recompõem a perda inflacionária relativamente ao material e à mão


de obra que integram o “E”. O desequilíbrio é ordinário e contratual
porque é normal e previsível.

O “R” é indispensável para que o “E” seja executado de forma


regular. Em um contrato de terceirização, por exemplo, integram o
“E” a mão de obra e o material a ser empregado (insumo). De acordo
com as regras vigentes, anualmente, os custos da mão de obra e
dos materiais empregados serão recompostos mediante reajuste ou
repactuação.

405
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Renato Geraldo Mendes

Reajustar é devolver para o contratado o poder de compra do


“R”. Com o passar do tempo, é necessário mais dinheiro para remu-
nerar a mesma mão de obra e adquirir os mesmos materiais. Então, é
como se o “R” fosse, aos poucos, sofrendo um desgaste e, portanto,
periodicamente, é preciso corrigir (recompor) esse desgaste.

A periodicidade definida na Lei nº 10.192/01 é a anual. Exis-


tem duas formas de resolver o problema do desgaste do “R” em razão
da inflação. A primeira é dizer aos interessados que eles não terão
reajuste dos materiais e da mão de obra. Assim, eles terão de jogar
uma gordura no seu “R” quando elaborarem as propostas, para fazer
frente a eventual perda. A outra forma é deixar claro que, de acordo
com certas condições e em periodicidade determinada, haverá rea-
juste. Essa foi a opção do legislador e o modelo que deve ser seguido.
Deixar de prever o reajuste e a repactuação, quando cabíveis, é vio-
lar a ordem jurídica, e as consequências deverão ser assumidas pelo
agente responsável por tal decisão.

O fato de não conhecer o índice da inflação em dado período


não impede a previsão do mecanismo para a recomposição. Uma
coisa nada tem a ver com a outra. Com efeito, se previsto no contrato
o reconhecimento prévio do desequilíbrio da relação entre “E” e “R”
em razão da inflação e, ainda, se determinada a forma de recomposi-
ção, estaremos diante de reajuste ou repactuação.

O que diferencia o reajuste da repactuação é simplesmente o


fato de que no reajuste, a recomposição do “R” é feita por meio de
um índice geral ou específico. Na repactuação, a recomposição é
realizada com base na variação dos custos dos insumos previstos em
uma planilha de composição de preços.

O reajuste opera-se com base na variação de determinado


índice, que foi adotado por ocasião do planejamento da contratação
e divulgado no edital ou na minuta do contrato (parte integrante do
edital).

Na repactuação, não se utiliza um índice, mas uma plani-


lha. A planilha é o mecanismo mais eficiente e justo para promover

406
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a recomposição, pois, por meio dela, a manutenção do equilíbrio


acontece de forma mais exata e precisa.

Ora, se o “R-1” é apurado com base em planilha específica, a


forma mais justa de apurar o eventual desequilíbrio (“R-2”) é verificar
a variação dos custos da referida planilha.

Após um ano da apresentação da proposta ou do orçamento a


que a proposta se referir, analisa-se novamente a planilha para saber
se houve ou não desequilíbrio e, ainda, se ele representará aumento
ou redução do “R”.

A revisão não tem prazo ou data-base para ocorrer, o reajuste


e a repactuação têm data e prazos definidos.

Portanto, o desequilíbrio é determinado pela variação dos cus-


tos dos materiais ou da mão de obra e, se foi previsto mecanismo
para a sua correção, a recomposição é denominada de reajuste ou
repactuação.

A mão de obra deve ser reajustada ou repactuada, observada a


periodicidade de um ano do dissídio, do acordo ou da convenção,
sempre na data-base da categoria. O material que integra o “E” deve
ser reajustado ou repactuado, observada a periodicidade anual, a
contar da data da apresentação da proposta. São, portanto, dois even-
tos distintos e que ocorrem em datas normalmente não coincidentes.

A recomposição, por meio de reajuste ou repactuação, deve


ocorrer em dois momentos distintos, isto é, para recompor a mão
de obra e para atender aos materiais, salvo se ocorrerem na mesma
O Processo de Contratação Pública

data, o que é raro. A mão de obra deve ser recomposta na data do


dissídio; os materiais devem ser recompostos doze meses a contar da
apresentação das propostas.

Por outro lado, se há desequilíbrio no “R” e o fato que o enseja


não é a inflação relativa à mão de obra ou ao material empregado,
não há de se falar em reajuste ou repactuação, mas em revisão.

Então, se o que desequilibra o “R” é o aumento da alíquota de


um imposto ou de encargos sociais, bem como fatos imprevisíveis ou

407
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Renato Geraldo Mendes

previsíveis, porém de consequências incalculáveis ou mesmo fatos da


Administração, a recomposição será realizada por meio de revisão.

Além dessas características, o que diferencia a revisão do rea-


juste e da repactuação é que a revisão pode acontecer a qualquer
momento, não havendo para ela uma periodicidade certa e definida.
A única condição é o fato que enseja a revisão ser posterior à data
da apresentação da proposta ou, não sendo posterior, o seu conheci-
mento deverá ser. Assim, o fato que desequilibra o “R” deve ser des-
conhecido quando da elaboração da proposta.

Ademais, um contrato pode ser revisado várias vezes no mesmo


ano, não há norma que impeça isso. O que determinará a revisão é a
ocorrência de fato ou condição que lhe dê fundamento de validade.

Da mesma forma, um contrato poderá ser reajustado ou repac-


tuado mais de uma vez no mesmo período de um ano, desde que não
pelo mesmo motivo. Não há nenhum fundamento de validade para
afirmar que o contrato somente pode ser reajustado ou repactuado
uma única vez por ano. Isso é um despropósito, cujo fundamento
legal não existe. É perfeitamente possível repactuar o contrato de ter-
ceirização em razão do dissídio em março, e em julho repactuar os
custos dos materiais. Da mesma forma, se o contrato de prestação
de serviços é integrado por três categorias diferentes e cada qual tem
uma data-base distinta, em cada uma dessas datas-base deverá ocor-
rer a repactuação. Conceder a repactuação para a primeira categoria
e negar para as duas últimas, sob o argumento de que a ordem jurí-
dica só admite uma única repactuação por contrato, é lamentável.

13. Prazo de duração do contrato e prazo de execução


13.
do “E”

Existe uma diferença entre prazo de duração do contrato e


prazo de execução do “E”.

Normalmente, o prazo de duração do contrato é maior do que


o de execução do “E”, pois, após cumprir o “E”, a Administração deve
receber, conferir e aceitar o encargo e, depois, realizar o pagamento

408
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do “R”, total ou a parcela remanescente. O prazo de execução, então,


compreende o tempo necessário para executar o “E”, e o prazo do
contrato, o tempo correspondente à execução do “E” mais o necessá-
rio para cumprir o “R”.

Como regra, nos contratos de que participa a Administração


Pública, para receber o “R”, é preciso antes cumprir o “E”.

O “E” não se resume ao objeto, pois, além dele, compreende


outras obrigações e condições. O objeto é a essência do “dar” e do
“fazer”, basicamente.

Temos obrigação de dar nos negócios que envolvem forneci-


mento de bens, tais como compra e venda de veículos, equipamentos
e materiais. É exemplo de obrigação de fazer os negócios que envol-
vem a prestação de serviços, como elaboração de projetos, emissão
de pareceres jurídicos, limpeza, vigilância e execução de obras.

Há dois tipos básicos de necessidades da Administração: (a)


aquela que é continuada, isto é, nunca cessa e representa necessi-
dade permanente da Administração; e (b) aquela que cessa em razão
da execução do “E” pelo contratado.

Por isso, se um contrato é celebrado porque tem por objeto a


solução (“E”) para um problema (necessidade) da Administração, a
sua duração deve estar ajustada, em princípio, a essa realidade.

Não haveria sentido lógico determinar que o prazo máximo de


um contrato de obra de engenharia é de dez meses, se ao final a obra
não estiver concluída. Ou ainda, fixar que o prazo máximo para a
O Processo de Contratação Pública

conclusão de um programa de informática é de, no máximo, dois


anos, se ao final a solução não estiver concluída. Nesses exemplos,
a solução indispensável para atender à necessidade está diretamente
vinculada ao que se chama de escopo, ou seja, o que interessa é
obter a conclusão, e não apenas observar um prazo.

Não estamos dizendo que, nesses casos, o prazo de execução


não tem nenhuma importância. Ele tem importância sim, apenas não
é fundamental em razão de certos tipos de negócios. Também, não
afirmamos que se o contratado assume a obrigação de executar o

409
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Renato Geraldo Mendes

“E” em determinado prazo e não o faz, não haverá nenhuma con-


sequência. Até porque se ele não observa o prazo de execução do
“E”, deverá ser punido, nos termos previstos no edital, salvo se o fato
que originou o descumprimento não puder ser a ele imputado.

No momento do planejamento da contratação, é preciso consi-


derar que os contratos por prazo e os por escopo têm natureza distinta
e devem se submeter a regime jurídico diverso. Se isso não ocorrer, é
provável que haja sérios problemas para resolver na fase contratual.
O que acontece nessa fase é o resultado do encargo (“E”) que defi-
nimos na fase interna (planejamento). Por considerar, especialmente,
que os contratos por escopo têm uma natureza distinta, o § 1º do art.
57 da Lei nº 8.666/93 possibilita a prorrogação do prazo de conclu-
são, mediante o cumprimento de certas condições.

As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância,


transporte rotineiro, recepção, manutenção, etc. são necessidades
permanentes, continuadas. Como regra, o escopo não se exaure, tal
como ocorre em uma obra de engenharia. Portanto, esses contratos
não podem ser por escopo, mas por prazo, sob pena de serem eterni-
zados. Por essa razão, esses negócios devem ser firmados por prazo
determinado. É possível cogitar a existência de um contrato de lim-
peza ou transporte por escopo, porém, só de forma excepcional.

Em suma: existem negócios cuja duração tem relação direta


com o cumprimento de um prazo certo, e outros que estão vincula-
dos à conclusão da solução (objeto). No primeiro caso, a necessidade
da Administração não se exaure ao término do prazo de duração do
contrato. No segundo caso, com a entrega da solução, a necessidade
é satisfeita.

A Lei estabeleceu um limite máximo para o dimensionamento do


contrato por prazo, que é de 60 meses. O dimensionamento do prazo
inicial pode ser feito pelo prazo de 60 meses ou por prazo menor.

Portanto, uma coisa é o prazo em que o contratado deve cum-


prir a sua obrigação (encargo), e outra é o prazo do contrato, no
qual as duas partes devem cumprir as suas obrigações (encargo e
remuneração).

410
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14. Inexecução e rescisão do contrato


14.

A inexecução dos contratos pode estar relacionada ao não cum-


primento do “E” ou do “R”. O “E” é definido pela Administração para
ser cumprido pelo contratado (particular). O “R” é estabelecido pelo
contratado, na sua proposta, para ser cumprido pela Administração.
Portanto, de um lado a Administração deve cumprir o “R” e, de outro,
o contratado deve executar o “E”.

A inexecução do “E” pode ser culpa do contratado, da Adminis-


tração, por ato de terceiros ou em decorrência de eventos da natureza.

A inexecução do “E” pode ser total ou parcial. A inexecução


total conduz à rescisão do contrato. A inexecução parcial não produz
necessariamente a rescisão, mas impõe consequências para quem
deixa de cumprir as suas obrigações contratuais.

As consequências para a inexecução total ou parcial são as san-


ções previstas no contrato e que constam da Lei nº 8.666/93 ou da Lei
nº 10.520/02, conforme o regime jurídico aplicável. No caso de ine-
xecução total do “E”, caberá rescisão do contrato e, ainda, conforme
o caso, a aplicação de uma das sanções previstas legalmente. Assim,
é possível a suspensão do direito de licitar e contratar e aplicação de
multa compensatória. Na inexecução parcial, é preciso dimensionar
a gravidade da falta e, de acordo com ela, poderá ser aplicada multa
moratória ou simplesmente advertência.

Nos contratos bilaterais privados, quando uma parte não paga


O Processo de Contratação Pública

o “R”, a outra pode deixar de cumprir, total ou parcialmente, o “E”.


No contrato administrativo, em princípio, o não cumprimento do “R”
pela Administração não possibilita que o contratado deixe de cumprir
o “E”, pelo menos pelo prazo de 90 dias. Essa condição é passível de
questionamento, mas não será analisada nesta ocasião.

O art. 78 da Lei nº 8.666/93 indica os motivos que podem con-


duzir à rescisão do contrato. Configurada uma das hipóteses do art.
78, isso não significa, necessariamente, que o contrato deverá ser
rescindido. A rescisão dependerá das peculiaridades de cada caso.

411
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Renato Geraldo Mendes

15. A formalização das alterações contratuais


15.

O contrato é um acordo de vontades que cria obrigações recí-


procas. Ele se expressa por meio da relação existente entre “E” e “R”.
Logo, o contratado deve cumprir o “E” tal como foi definido no con-
trato, e a Administração deve pagar o “R” da mesma forma. Em prin-
cípio, o acordo deve ser cumprido como definido, ou seja, sem que
haja alteração.

No decorrer do contrato, podem surgir fatos que determinem


mudanças tanto em relação ao “E” como em relação ao “R”. Esses
fatos já foram analisados acima. Uma alteração referente ao “E” ou
ao “R” não significa inovação contratual, ou seja, modificação das
bases contratuais.

Em tese, o “R” pode ser alterado e o contrato continuar exata-


mente o mesmo. Um exemplo de modificação que não expressa alte-
ração é a descrita no § 8º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, nestes termos:

a variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços pre-


visto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penaliza-
ções financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previs-
tas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até
o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo,
podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração
de aditamento.

Em síntese, diz o dispositivo que a alteração do “R” decorrente


de aplicação de cláusula prevista no próprio contrato não ensejará a
elaboração de termo aditivo, mas será formalizada por meio de sim-
ples apostilamento. Apostilar é registrar nos autos do processo que
originou a contratação ou em livro ou termo à parte.

Sob o ponto de vista material, há duas situações a considerar:


as que implicam modificações na base contratual e as que não pro-
duzem alteração material.

Entende-se por alteração material a mudança que se processa


nas condições originais do “E” ou do “R”. As mudanças que produzem

412
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alteração material devem ser formalizadas mediante termo aditivo, e


as que não produzem tal alteração, por simples apostilamento. Assim,
o termo aditivo é o documento que expressa uma alteração material
no “E” ou no “R”, ou em ambos.

A regra diz que quando o acordo de vontades for modificado


na sua essência, será necessário termo aditivo, pois as bases contra-
tuais foram alteradas. Por outro lado, quando houver simples altera-
ção nominal do “R” decorrente de condição já prevista no próprio
“contrato”, não haverá necessidade de firmar termo aditivo, pois nada
foi alterado. Nesse caso, bastará um simples registro dando conta do
motivo da alteração nominal. Nada mais do que isso.

O Processo de Contratação Pública

413
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Considerações Finais

O fenômeno da contratação pública é “3D”

1. A contratação pública é considerada tradicionalmente um fenô-


meno do tipo “2D”, ou seja, é pensada com apenas duas dimen-
sões: a licitação e o contrato. No entanto, de acordo com o que
vem sendo defendido pela Zênite na última década, a contrata-
ção é, na verdade, um fenômeno do tipo “3D”, estruturada em
três diferentes dimensões: planejamento (fase interna), seleção
da proposta (fase externa) e fase contratual. A dimensão mais
importante é a do planejamento, que, pelo modelo tradicio-
nal, é relegada a um terceiro plano, pois a preocupação é vol-
tada para a realização da licitação e execução do contrato. Na
visão tradicional, a finalidade da fase interna é a elaboração do
edital, e não o planejamento da contratação. E o planejamento
resulta da elaboração do edital, quando é este que deve ser o
resultado final do planejamento.

2. A nova concepção defendida se diferencia do modelo tradicio-


nal, entre outras, pelas seguintes razões:

a) Ampliação da visão em torno da dimensão do fenômeno da


contratação;

b) Ênfase atribuída ao planejamento da contratação;

c) Organização e definição clara das etapas que integram o


O Processo de Contratação Pública

planejamento e finalidade de cada uma delas;

d) Foco no encargo a ser fixado;

e) Definição clara e sistêmica da relação entre as três fases do


processo;

f) Importância da definição adequada do procedimento e da


modalidade a serem utilizados na fase externa a fim de obter
a melhor relação benefício-custo e reduzir riscos contratuais;

415
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g) Indicação precisa da formação do contrato administrativo; e


Renato Geraldo Mendes

h) Clareza sobre a fonte dos problemas e como eles podem ser


evitados.

A definição de processo de contratação pública

3. De acordo com a nova visão, o processo de contratação é


definido como o conjunto de fases, etapas e atos estruturado
de forma lógica para permitir que a Administração, a partir
da identificação da sua necessidade, planeje com precisão o
encargo desejado e minimize seus riscos, bem como selecione,
em princípio, de forma isonômica, a pessoa capaz de satisfazer
a sua necessidade pela melhor relação benefício-custo.

As três dimensões do processo

4. O processo de contratação pública é estruturado em três fases


distintas, mas estritamente relacionadas: interna (na qual se
desenvolve o planejamento), externa (em que ocorre a seleção
da proposta) e contratual.

5. A fase interna (planejamento) se destina à identificação da


necessidade, à definição do encargo, à análise e redução dos
riscos envolvidos na contratação e à definição das regras de
disputa  – edital. É a fase mais importante do processo, a do
planejamento, pois é nela que toda a contratação é pensada,
definida e formalizada. O erro no planejamento contaminará
as fases subsequentes e exigirá possível contingenciamento
de problema futuro. Fundamentalmente, a finalidade do pla-
nejamento da contratação é definir o encargo (E). O encargo
expressa a vontade contratual da Administração e é materiali-
zado no edital.

6. A fase externa viabiliza a análise das condições pessoais dos


interessados e a seleção da melhor proposta, não necessaria-
mente nessa ordem. É nela que será apurada a remuneração (R)
a ser paga pela obtenção do encargo. A sua finalidade é apurar
a melhor relação benefício-custo. Mas, em razão das análises

416
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feitas nas suas principais etapas, proporciona também a redução


dos riscos que envolvem a contratação dimensionados na fase
de planejamento. Daí a relação de interdependência entre elas.

7. É na fase externa que a licitação ocorre, bem como a dispensa e


a inexigência. Portanto, é caracterizada por dois procedimentos
básicos: a licitação e a contratação direta (dispensa e inexigên-
cia). Os dois procedimentos decorrem diretamente do inc. XXI
do art. 37 da Constituição Federal: “ressalvados os casos especi-
ficados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações
serão contratados mediante processo de licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”.

8. Por fim, a fase contratual expressa o encontro entre encargo90 e


remuneração.91 Durante a execução contratual, o encargo deve
ser cumprido, e a remuneração, paga. A finalidade do contrato
é, em princípio, atender plenamente à satisfação da necessi-
dade identificada pela Administração e que motivou a instaura-
ção do processo de contratação.

As fases são estruturadas por diferentes etapas

9. Cada uma das fases é constituída por etapas, e estas, por inú-
meros atos.

10. A fase de planejamento (interna), por exemplo, em nossa con-


cepção, é integrada por 14 diferentes etapas.

11. O número de etapas da fase externa será determinado de


O Processo de Contratação Pública

acordo com o procedimento adotado (licitação ou contratação


direta). Se o procedimento for o da licitação, a quantidade de
etapas variará de acordo com a modalidade e o tipo de licitação
adotado. De modo geral, o pregão tem 5 etapas, e a concorrên-
cia, por exemplo, tem 6.

12. A fase contratual também tem suas etapas específicas.

90 Definido na fase interna.


91 Apurada na fase externa.

417
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Renato Geraldo Mendes

As 14 etapas do planejamento da contratação

13. O planejamento é um conjunto estruturado de ações (em etapas)


cuja finalidade é fundamentalmente definir o futuro encargo
contratual e elaborar o edital, de modo a regular a fase externa.
Para conhecer todas as etapas que o constituem, ver figura na
forma de ciclo, ao final da obra.

14. O planejamento não é atividade fácil, pois exige estruturação,


organização e trabalho em equipe. A equipe deve ser multidis-
ciplinar. A estrutura do planejamento proposta no ciclo serve
para qualquer contratação: obras e serviços de engenharia, ser-
viços técnicos em geral, bens e serviços comuns, etc.

As três primeiras etapas do planejamento

15. O marco zero do planejamento é a identificação da necessi-


dade. Ele se inicia pela identificação do problema, não pela
definição da solução, salvo em situações específicas. É preciso
não confundir o problema com a solução.

16. As três primeiras etapas do planejamento respondem a três dife-


rentes perguntas: a) qual o problema? b) qual a solução para o
problema? e c) quanto custará a solução definida? As três per-
guntas devem ser respondidas separadamente e materializadas
em diferentes documentos, respectivamente: a) termo de refe-
rência; b) projeto básico/executivo; e c) planilha de quantita-
tivos e preços unitários. Também devem ser respondidas por
ordem, em relação de sucessão, isto é, uma após a outra, de
modo a observar o princípio da segregação. Responder à pri-
meira e à segunda questão ao mesmo tempo acarretará, nor-
malmente, confusão e um problema futuro para resolver.

17. Ao realizar as três primeiras etapas, é preciso lembrar que a


solução deve se adequar ao problema, e não o problema se
adaptar à solução. Não se pode confundir solução, objeto e
encargo. O encargo é um conjunto de obrigações, cujo núcleo
é o objeto. A necessidade condiciona a solução, e é esta que
condiciona o objeto e as demais obrigações que integram o

418
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encargo. Toda solução (objeto) deve preservar uma qualidade


mínima, pois sem ela não será possível satisfazer a necessidade.
Por outro lado, sempre que aumentamos a qualidade da solu-
ção, o preço a ser pago tende a ser maior. A relação é direta-
mente proporcional. Assim, a descrição do objeto deve primar
pela qualidade e ser calibrada pela economicidade.

18. Na descrição do objeto, existem dois ingredientes básicos: quali-


dade e preço. É a qualidade (descrição) que condiciona o preço,
e não o inverso. Isso vale para qualquer tipo de contratação,
inclusive para as que decorrem de pregão. Definir o encargo é,
além de satisfazer plenamente a necessidade, também diminuir
os riscos com a contratação. Diminuir riscos representa impor
restrições. E impor restrição é potencialmente reduzir a disputa, a
competição. A ordem jurídica possibilita a restrição, mas impõe
condições a serem observadas, sob pena de ilegalidade. Tudo o
que for necessário para satisfazer a necessidade pode ser exi-
gido e constar do objeto/encargo. Essa é a ideia essencial que
norteia o regime jurídico da contratação. Portanto, além de aten-
der à necessidade, garantir o padrão mínimo de qualidade e pre-
servar a necessária economicidade, é fundamental também que
a descrição não imponha restrição imotivada.

19. Além das três perguntas acima, existem inúmeras outras que
devem ser respondidas em razão do planejamento. Nessa fase
do processo de contratação, as perguntas estão atrás das res-
postas. Assim, planejar a contratação é responder a perguntas
de forma adequada e justificada.
O Processo de Contratação Pública

As etapas são estruturadas por atos específicos

20. Cada uma das etapas é constituída por um conjunto de atos ou


providências que lhe dão a necessária identidade e viabilizam
a sua finalidade. O número de atos, em cada uma das etapas,
poderá variar em razão de diferentes fatores e condições. Para
conhecer os atos das principais modalidades de licitação que
informam a fase externa do processo, por exemplo, basta con-
sultar o ciclo no final desta obra.

419
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Renato Geraldo Mendes

O grande desafio
21. Na visão tradicional, a fase interna destina-se a elaborar o edital
e não possui relevância maior, pois o fundamental é realizar a
licitação. De acordo com a nova ideia da contratação pública,
a relevância se desloca da licitação para o planejamento da
contratação; a licitação, portanto, passa a ter um papel secun-
dário. Essa nova visão muda completamente os propósitos, as
estratégias, as perspectivas e os objetivos dos gestores do pro-
cesso de contratação no âmbito da Administração.
22. Em razão da nova concepção, é fácil perceber que a mais sim-
ples das três fases é a externa, na qual se realiza a licitação. As
mais difíceis são a do planejamento (interna) e a da gestão do
contrato propriamente dito. Portanto, o grande desafio em rela-
ção à contratação pública é melhorar (e muito) o planejamento,
pois é nele que nascem os problemas enfrentados nas fases sub-
sequentes, bem como aprimorar a gestão dos contratos. Para
isso, é preciso ver o fenômeno da contratação integralmente
(três fases), e não sob uma perspectiva limitada (duas fases  –
licitação e contrato), como tem sido até hoje.

Os quatro pilares da contratação pública


23. O processo de contratação se sustenta em quatro pilares ou
ideias fundamentais:
a) Existência de uma necessidade a ser satisfeita;
b) Identificação de uma solução (encargo/objeto) capaz de
satisfazer a necessidade;
c) Seleção de uma pessoa com condições de viabilizar o
encargo; e
d) Melhor equivalência entre o encargo a ser cumprido e a
remuneração a ser paga.
24. Identificados e reconhecidos os pilares que sustentam o regime
jurídico, devemos ter a clareza de que eles se relacionam numa
perspectiva unitária, ou seja, constituem um verdadeiro sis-
tema, organizado e lógico.

420
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25. O valor (pilar) mais importante da contratação pública é a


identificação da necessidade, em torno do qual vão girar
todas as demais exigências, principalmente a definição do
encargo/objeto.

26. Assim, o fundamento de validade de todas as exigências a serem


feitas nas contratações é a necessidade da Administração, que
é condição objetiva. A legalidade deve ser aferida a partir dela,
tanto pelos controles interno e externo quanto pelo Judiciário.

O perfil constitucional da contratação pública

27. O regime jurídico da contratação pública é fixado (construído)


a partir do texto constitucional. Sua fonte de validade são
essencialmente os valores constantes da Constituição, especial-
mente o seu inc. XXI do art. 37, que determina: “ressalvados os
casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras
e alienações serão contratados mediante processo de licitação
pública que assegure igualdade de condições a todos os con-
correntes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de paga-
mento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos
da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação
técnica e econômica indispensável à garantia do cumprimento
das obrigações”. Com base no enunciado do inc. XXI do art. 37
da CF, é possível extrair a matéria-prima que deverá ser utili-
zada para edificar o regime jurídico infraconstitucional. Como
condição de validade, a legislação ordinária deve estar afinada
com os seguintes valores e condições constitucionais:
O Processo de Contratação Pública

a) A seleção do parceiro da Administração não é feita apenas


por meio da licitação;
b) A licitação tem como pressuposto o tratamento isonômico;
c) Não há possibilidade de tratamento isonômico se o critério
de julgamento não for objetivo;
d) Existem situações nas quais não se poderá definir critério
objetivo de julgamento e, por consequência, tratamento iso-
nômico, mesmo que se desejasse;

421
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e) Se não for possível garantir critério objetivo de julgamento, a


Renato Geraldo Mendes

competição deve ser considerada inviável;


f) É a viabilidade ou a inviabilidade de competição que deter-
mina, fundamentalmente, o procedimento da fase externa
do processo de contratação pública;
g) Sempre que a competição for inviável, a licitação não poderá
ser realizada;
h) As hipóteses verdadeiramente de dispensa possibilitam a
competição, mas a licitação é afastada por outros critérios;
i) O que pode dar fundamento de validade para uma hipótese
de dispensa de licitação é outro valor de natureza constitu-
cional, e não apenas pura e simples decisão legislativa no
plano ordinário;
j) Sempre que a competição for viável, a licitação deverá ser
realizada obrigatoriamente, salvo se houver hipótese legal
de dispensa;
k) A inexigibilidade traduz as hipóteses nas quais a competição
é inviável, assim, elas não podem ser confundidas com as de
dispensa, que tratam de situações nas quais a competição é
viável, mas a licitação não é exigida por outras razões;
l) Se viável a competição, o afastamento da licitação deve ser
indicado taxativamente pelo legislador ordinário;
m) Se inviável a competição, não é necessária a indicação taxa-
tiva das hipóteses que irão determinar o afastamento da lici-
tação, bastando relação meramente exemplificativa;
n) Fundamentalmente, o que é inviável são os pressupostos da
licitação, e não necessariamente a disputa entre possíveis
competidores;
o) A ideia em torno da viabilidade de competição é a condi-
ção mais importante para o regime jurídico da contratação
pública, pois é ela que determina se a competição é ou não
viável, se a licitação é ou não obrigatória;
p) Não é certo dizer que a licitação é a regra, e a inexigibili-
dade, a exceção. Se a competição for viável, a licitação é a

422
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regra, mas se inviável, a regra é a inexigibilidade. Portanto,


ser regra ou exceção é questão relativa;
q) A licitação é apenas o meio legal para obter a proposta mais
vantajosa a partir de um pressuposto jurídico: o tratamento
isonômico;
r) O valor mais importante da contratação pública não é o da
igualdade, mas sim o da plena satisfação da necessidade.
Esse foi o raciocínio que norteou a norma definida no inc.
XXI do art. 37 da Constituição Federal. Se possível satisfa-
zer plenamente a necessidade e, simultaneamente, garantir
a igualdade na escolha do terceiro, a licitação é obrigatória,
salvo hipóteses de dispensa. Caso contrário, a licitação deve
ser afastada (ou seja, ela não deve ser exigida).

O regime jurídico da contratação pública

28. Por regime jurídico, entende-se o conjunto de normas que fixa


as exigências, as condições e os limites para a realização das
diversas fases, etapas e atos do processo e que deve ser obser-
vado para viabilizar o planejamento da contratação, a condu-
ção da fase externa e a gestão do contrato.

29. O processo de contratação pública tem seu fundamento e sua


disciplina no regime jurídico vigente. Para que o processo seja
conduzido, é preciso aplicar o conjunto de normas que decor-
rem de atos legislativos e normativos.

30. A partir do inc. XXI do art. 37 da CF, foram editadas as Leis


O Processo de Contratação Pública

nºs 8.666/93 e 10.520/02,92 que basicamente estruturam o pro-


cesso de contratação pública. Desses atos decorrem inúmeros
outros (decretos, resoluções, portarias), que, na sua totalidade,
formam o regime jurídico.

92 Propositalmente, excluímos os demais atos legislativos que também regulam a con-


tratação pública: Leis nº  8.987/95 (concessão), nº  11.079/04 (PPP), nº  12.232/10
(publicidade) e nº 12.462/11 (RDC). A exclusão se deve ao fato de que tais Leis não
foram objeto de análise no presente trabalho. No entanto, o que consta nesta obra
tem plena aplicação no âmbito de incidência das referidas Leis.

423
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Renato Geraldo Mendes

31. Para aplicar o regime jurídico da contratação pública, deve-se


saber interpretá-lo a partir de uma perspectiva sistêmica e uni-
tária. Para interpretá-lo adequadamente, é necessário conhe-
cer seus pilares de sustentação, princípios, valores essenciais
e principais institutos, bem como a finalidade de suas fases e
etapas e o propósito específico de cada ato a ser praticado. A
interpretação da ordem jurídica é a atividade mais difícil e com-
plexa imposta aos que fazem do regime jurídico seu rotineiro
instrumento de trabalho.

32. É preciso também reconhecer que o regime da Lei nº 8.666/93 e


o da Lei nº 10.520/02 são necessários e devem coexistir simul-
taneamente, pois se destinam à seleção de soluções distintas
para atender às necessidades da Administração.

33. A Lei nº 10.520/02 (pregão) veio para corrigir um vício histórico


do ordenamento jurídico brasileiro e tornar o sistema de con-
tratação mais eficiente. Esse papel ela cumpriu muito bem, mas
não se deve esperar dela o que ela não pode dar. O vício his-
tórico era a existência de apenas uma forma de conduzir a lici-
tação, independentemente do tipo de solução/objeto desejado,
ou seja, compravam-se canetas da mesma forma que se contra-
tava a execução de grandes obras e serviços técnicos especiali-
zados. O pregão foi idealizado para resolver esse problema, de
modo a viabilizar uma solução eficiente para a contratação de
bens e serviços comuns.

34. Basicamente, a Lei nº  8.666/93 regula a fase externa e a fase


contratual, e a Lei nº 10.520/02 (pregão), a fase externa, visto
que ela foi editada para instituir nova modalidade, que é um
fenômeno típico dessa fase. Nenhum dos dois atos dá ao pla-
nejamento da contratação a importância que ele merece. A Lei
nº 8.666/93, fundamentalmente, define os requisitos do edital
(art. 40) e fixa algumas vedações e condições relativas à defi-
nição do objeto, mas de forma assistemática e incipiente, tal
como a Lei nº 10.520/02. Portanto, o planejamento da contrata-
ção ainda não foi objeto de estrutura e organização sob o ponto
de vista legal.

424
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35. A distinção entre o regime jurídico da Lei nº 8.666/93 e o da Lei


nº 10.520/02 é a estrutura da fase externa (licitação), e não as
demais fases do processo.

36. Dessa forma, é aceitável dizer que o que diferencia a licitação


no regime da Lei nº 8.666/93 daquele da Lei nº 10.520/02 (pre-
gão) é a inversão das etapas de habilitação e proposta. A inver-
são é, de acordo com a nossa visão, de duas etapas, e não de
duas fases. Os dois regimes indicados não se excluem; ao con-
trário, complementam-se. É preciso saber aplicá-los adequada-
mente, de modo o obter a maior eficiência possível, cumprindo
o princípio fixado no caput do art. 37 da CF.

A definição do procedimento da fase externa

37. É na fase interna do processo de contratação que se define o


procedimento a ser adotado na sua fase externa, e tal defini-
ção ocorre mediante critério legal, cujo delineamento é traçado
pelo inc. XXI do art. 37 da Constituição.

38. A fase externa do processo de contratação é conduzida de


acordo com o rito da licitação ou da sua dispensa ou inexi-
gência e processada conforme a estrutura do art. 43 da Lei
nº 8.666/93, do art. 4º da Lei nº 10.520/02 ou do art. 26 da Lei
nº 8.666/93.

39. A licitação tanto é uma regra a ser seguida como uma exceção a
ser observada. Diante de uma situação de inexigência, não tem
o agente público a faculdade de decidir se tornará ou não ine-
O Processo de Contratação Pública

xigível a licitação. Essa faculdade existirá apenas nos casos tipi-


camente de dispensa. Muitas das hipóteses de dispensa indica-
das no art. 24 da Lei nº 8.666/93 são, na verdade, casos típicos
de inexigibilidade. Há mais casos de inexigibilidade indicados
na Lei nº 8.666/93 do que propriamente de dispensa. Essa con-
clusão se forma em razão do critério de classificação adotado e
proposto neste estudo.

40. A licitação será obrigatória quando for possível realizar a esco-


lha do terceiro para garantir a isonomia, por meio de critério

425
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Renato Geraldo Mendes

objetivo e de modo a atender aos prazos legais definidos para


o seu rito procedimental. Não é possível falar em tratamento
isonômico se não for viável realizar uma escolha baseada em
critério objetivo. Se o critério for subjetivo, a licitação será ine-
xigível em razão da impossibilidade de assegurar o tratamento
isonômico. Somente se poderá falar em igualdade quando
garantida uma escolha objetiva. No regime jurídico da contra-
tação pública, a igualdade pressupõe possibilidade de escolha
objetiva.

41. Nos termos do caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93, o que é invi-


ável é fundamentalmente o atendimento dos pressupostos da
licitação.

42. O próprio constituinte reconheceu e enunciou que existem situa-


ções nas quais não se poderá garantir tratamento isonômico; elas
seriam indicadas pelo legislador ordinário e tornariam a licitação
uma condição não exigível para a seleção do terceiro. Por sua
vez, o legislador ordinário foi muito preciso e, captando a deter-
minação constitucional, prescreveu que não se deve exigir lici-
tação quando não for possível garantir a necessária competição.
Sem competição, não poderá haver igualdade e, também, sem
critério objetivo de julgamento, não haverá escolha isonômica.

43. O afastamento da licitação, sob o ponto de vista constitucio-


nal, tem como fundamento de validade a ideia de que o atendi-
mento da necessidade tem primazia sobre a igualdade. O trata-
mento isonômico não pode comprometer a plena satisfação da
necessidade pública. A licitação será exigível (obrigatória) sem-
pre que, simultaneamente, for possível atender à satisfação da
necessidade e garantir o tratamento isonômico.

44. Não sendo possível assegurar tratamento isonômico e definir


critério objetivo de julgamento, estaremos diante de inexigibi-
lidade. Se presente a exigida isonomia, a fase externa do pro-
cesso de contratação deverá ser conduzida de acordo com a
licitação, salvo se houver hipótese de dispensa prevista legal-
mente. Esse é o panorama no qual se insere a escolha do proce-
dimento a ser adotado na fase externa do processo de contrata-
ção de acordo com a ordem jurídica vigente.

426
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A licitação e a escolha da modalidade

45. A contratação pública é uma realidade jurídica integrada por


três fases; a fase externa é uma delas. E a licitação é uma das
formas específicas de realizar a fase externa do processo de
contratação.

46. Cada fase da contratação é, por sua vez, integrada por diferen-
tes etapas, e cada etapa, constituída por diversos atos. Nesse
contexto, a licitação é um conjunto de etapas e atos que visa a
apurar as condições pessoais dos interessados e a viabilizar a
disputa entre os licitantes, a fim de saber quem propõe o melhor
negócio, ou seja, quem é o titular da melhor relação benefício-
-custo. A finalidade da licitação é obter a melhor relação bene-
fício-preço (ou custo), na respectiva ordem, ou seja, primeiro se
garante o benefício e depois se aceita o preço.

47. Falar sobre licitação nada mais é do que falar sobre modalida-
des, pois tais realidades constituem temas indissociáveis. A lici-
tação se expressa por meio de uma modalidade, que é a forma
específica de realizar a licitação, a fim de viabilizar a sua fina-
lidade (melhor relação benefício-custo).

48. No tradicional regime jurídico da Lei nº  8.666/93, existem


cinco modalidades previstas, as quais são definidas em razão
de dois critérios básicos: a) valor estimado da contratação e
b) natureza do objeto ou da obrigação a ser cumprida. Na Lei
nº 10.520/02, o pregão, que é a única modalidade ali prevista,
é adotado exclusivamente em função da natureza do objeto, ou
O Processo de Contratação Pública

seja, bens e serviços comuns.

49. A escolha da modalidade baseada no valor estimado da contra-


tação é equivocada. O único critério razoável, sob o ponto de
vista lógico, é o que se fundamenta na natureza do objeto ou da
obrigação a ser cumprida pelo futuro contratado.

50. Em face do que dispõem a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02,


há dois procedimentos distintos e duas modalidades: o pregão e
a concorrência. Fundamentalmente, a diferença entre o pregão

427
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Renato Geraldo Mendes

e uma concorrência é a inversão das etapas. De acordo com a


Lei nº 8.666/93, a análise da pessoa precede a da proposta; no
pregão, ela é posterior.

51. Na ordem jurídica vigente, existem dois sistemas distintos: o pri-


meiro adota o modelo de avaliação do tipo capacidade-preço,
e o segundo considera a condição preço-capacidade. O pri-
meiro modelo exige que o preço seja, necessariamente, condi-
cionado pela capacidade técnica do licitante, isto é, só é possí-
vel aceitar o preço se antes ele demonstrar que tem capacidade
técnica de viabilizar o encargo (objeto) e garantir o benefício
desejado. Há uma relação direta entre preço e capacidade. Por
outro lado, se o encargo envolve bens e serviços comuns, o sis-
tema é do tipo preço-capacidade, ou seja, a capacidade é apu-
rada com base no preço.

52. Então, é a natureza da obrigação a ser cumprida pelo licitante que


determina a escolha da modalidade de licitação. Assim, é preciso
distinguir duas coisas: a complexidade do objeto e a complexi-
dade da obrigação a ser cumprida pelo futuro contratado.

53. Escolher a modalidade é definir o regime jurídico e o rito que


será adotado para conduzir a fase externa (licitação), ou seja,
para definir a melhor relação benefício-custo. A obtenção de tal
condição dependerá da modalidade de licitação adotada. Essa
é a razão pela qual temos condenado a utilização generalizada
do pregão e, principalmente, a sua adoção para obras e serviços
intelectuais, sem a existência de uma pré-qualificação anterior
dos licitantes.

54. Se o objeto/encargo envolve complexidade técnica e tem de


ser feito sob encomenda por quem é contratado, o sistema a
ser adotado deve ser do tipo capacidade-preço, ou seja, é a
capacidade técnica que condiciona o preço, e não o contrário.
Caso o objeto seja revestido de complexidade, mas o contra-
tado é mero intermediário, isto é, alguém que não precisa pos-
suir capacidade técnica para viabilizar diretamente a própria
solução (objeto), o melhor sistema a ser adotado é o do tipo
preço-capacidade.

428
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55. Uma solução que se propõe para a definição da modalidade é:


no momento da escolha da modalidade de licitação, o agente
deve fazer duas perguntas; em razão das respostas, será reali-
zada a escolha da modalidade. A primeira pergunta é: o objeto
licitado é complexo? Depois, uma segunda: o objeto deverá ser
feito pelo próprio contratado?

56. Se a resposta for afirmativa para as duas perguntas, a contrata-


ção deve seguir o sistema capacidade-preço, ou seja, a moda-
lidade pregão não deve ser adotada. Caso contrário, se a res-
posta for negativa para as duas perguntas, o pregão se revelará o
modelo de contratação mais adequado. Mas o pregão será cabí-
vel também se a primeira resposta for afirmativa, e a segunda,
negativa, isto é, se o objeto for complexo e o futuro contratado
for mero intermediário. A solução seria direta e eficiente.

57. A Lei nº 8.666/93 foi pensada e estruturada para selecionar pes-


soas, por isso prioriza a habilitação (análise das condições pes-
soais dos licitantes). E a Lei nº  10.520/02 (pregão), para sele-
cionar objetos comuns, por isso prioriza o preço. Quando a
solução (o objeto) desejada pela Administração é obra ou ser-
viço técnico, a regra é que a escolha deve recair sobre uma das
modalidades comuns definidas pela Lei nº 8.666/93, ou seja, o
sistema a ser adotado deve ser do tipo capacidade-preço. Nos
demais casos, a modalidade deve ser o pregão, de preferência
processado na sua forma eletrônica.

A definição do regime de execução


O Processo de Contratação Pública

58. Estabelecer o regime de execução é responder à pergunta:


como será definido o preço a ser pago pela execução do
objeto/encargo?

59. Os regimes de empreitada indicados na Lei nº 8.666/93 são: a)


empreitada por preço global; b) empreitada por preço unitário;
c) empreitada integral; e d) tarefa. Entende-se por empreitada o
negócio jurídico por meio do qual a Administração atribui a um
terceiro (empreiteiro) a obrigação de cumprir o encargo repre-
sentado pela solução adequada para atender à sua necessidade.

429
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Renato Geraldo Mendes

60. Os regimes de execução de empreitada por preço global e por


preço unitário dizem respeito ao critério de apuração do valor
da remuneração a ser paga em razão da execução do objeto
(encargo).

61. Para entender os regimes de empreitada, é preciso ter clareza


no tocante à distinção entre duas realidades: encargo e remu-
neração. Para que a remuneração total possa ser definida, é pre-
ciso que o encargo seja preciso no seu aspecto qualitativo e
também quantitativo. Existem casos em que o aspecto quan-
titativo não pode ser fixado, de forma precisa, antecipada-
mente, mas apenas em razão da própria execução do contrato,
tal como no caso de perfuração de poços artesianos, terraple-
nagem ou fornecimentos de bens que dependam de demanda
incerta. O regime de empreitada por preço unitário foi ideali-
zado para resolver o problema da impossibilidade de fixação
de preço certo e total para o caso de não ser possível definir, de
forma antecipada, a quantidade do encargo.

62. Na prática, a dificuldade para entender o cabimento e a distin-


ção entre empreitada por preço global e empreitada por preço
unitário decorre da inadequada redação dada à alínea “b” do
inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93, pois a regra alude a “por
preço certo de unidades determinadas”. A palavra “unidade”
não tem, na alínea “b” do inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93,
o sentido de parte ou etapa de um objeto, mas o propósito de
evidenciar a ideia de padrão de medida. Logo, a expressão
“unidade determinada”, empregada no dispositivo citado, sig-
nifica o mesmo que “padrão ou unidade de medida determi-
nado”. As unidades de medidas que podem ser adotadas são,
entre outras, as seguintes: metro quadrado (m²), metro cúbico
(m³), metro linear (m), milheiro (mil), tonelada (t), quilograma
(kg), homem/hora (h/h), hora/máquina (h/m), litro (l), etc.

63. O regime que deve ser adotado como regra é o de empreitada


por preço global, pois, na maior parte dos casos, é possível fixar,
na própria fase de planejamento, o encargo nos seus aspectos
qualitativo e quantitativo. No regime de empreitada por preço

430
Mostrar Sumário

unitário, o valor total da remuneração é definido em função da


execução do contrato, por isso a fiscalização deve ser rigorosa.

64. A escolha de um ou outro regime de empreitada é norteada por


critérios objetivos, e não por uma questão de mera opção pes-
soal do agente público, pois o que determina o regime é a pos-
sibilidade ou não de definir, de forma antecipada, o encargo
total (aspectos qualitativo e quantitativo).

65. A empreitada por preço unitário, nos casos indicados, evita dis-
torção da equação econômico-financeira, o que afasta eventual
ilegalidade. Portanto, é fundamental saber escolher o regime de
execução.

A formalização do edital

66. O edital é o instrumento que materializa o planejamento da


contratação e expressa uma das vontades do futuro contrato – a
da Administração. O que não estiver materializado nesse instru-
mento não é parte do encargo e, portanto, não poderá ser exi-
gido do licitante (e do contratado).

67. Planejar é tirar de dentro da cabeça e pôr no papel, ou seja, no


edital. Não existe edital bom se o planejamento é ruim. E o pla-
nejamento não começa pela elaboração do edital, mas deve ser
encerrado nele. É a necessidade que dá fundamento (fático) de
validade para o edital.

68. A sua finalidade precípua é definir o encargo a ser exigido do


O Processo de Contratação Pública

contratado, a fim de viabilizar a satisfação da necessidade da


Administração. Ele restringe a disputa de modo a permitir que
apenas os que possuem condição de atender à Administração
possam participar. Portanto, é da natureza do edital restringir a
disputa, desde que justificadamente.

69. Planejar é discriminar e restringir a disputa justificadamente.


A ampliação da competição/disputa termina quando começa a
necessária restrição. Restringir a disputa não é ilegal; a ilegali-
dade está na restrição imotivada.

431
Mostrar Sumário

Renato Geraldo Mendes

70. O planejamento se submete a, pelo menos, dois grandes con-


troles de legalidade: um na fase interna e outro na externa. O
da fase interna é o da análise e aprovação do edital pela asses-
soria jurídica, e o da fase externa é o da impugnação do edital.

71. O sucesso da contratação não pode depender da sorte de quem


conduz a fase externa (licitação), mas da capacidade de quem
a planeja.

O contrato
72. O contrato é o resultado do que ocorre nas fases interna (plane-
jamento) e externa (seleção da proposta). Expressa uma relação
entre encargo (E) e remuneração (R). O “E” é definido no edital
e o “R” na proposta vencedora.

73. O contrato é acordo de vontades entre a Administração e um


particular (o vencedor do certame). A vontade da Administração
é materializada, por escrito, no edital, e a declaração de von-
tade do particular é expressa, de forma também escrita, na sua
proposta. O contrato resulta, então, do encontro de duas von-
tades, que, sob os pontos de vista material e formal, estão con-
substanciadas no edital e na proposta do vencedor. Com a adju-
dicação, a relação é constituída, e o negócio jurídico torna-se
perfeito, para os devidos fins jurídicos.

74. Nesse sentido, o contrato é acordo de vontades firmado durante


a licitação, e não depois dela, como tem sido proclamado.

75. A relação entre “E” e “R” é de equivalência jurídica. Ela deve


ser mantida durante toda a execução do contrato. Sempre que a
equivalência for rompida, será necessário reequilibrá-la.

76. O reequilíbrio da equação é feito pela recomposição, expressa


por meio de revisão, reajuste ou repactuação.

77. Pela execução do contrato obtém-se a satisfação da necessi-


dade que motivou a contratação. Cumprido o encargo, é dever
da Administração realizar o pagamento da remuneração. Por-
tanto, é nesse ponto que o ciclo da contratação se fecha.

432
ANEXOS
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Regimes Jurídicos

Planejamento

Lei nº 8.666/93
Processo de
Contratação Fases Seleção da Proposta
Pública

Lei nº 10.520/02
Etapas
Contrato

O Processo de Contratação Pública


Atos

Figura 1
Demonstra que o processo de contratação pública é estruturado a partir dos regimes jurídicos vigentes (Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02) e
constituído por fases, etapas e atos. As fases do processo são planejamento, seleção da proposta e contrato. A fase de seleção da proposta
deve ser entendida em sentido amplo, pois ela compreende as análises das condições pessoais do interessado e a apuração da melhor
relação benefício-custo. A licitação, por sua vez, é um dos procedimentos legais que visa à seleção da proposta, tal como a dispensa e a
inexigibilidade.

435
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Necessidade

Estrutura Lógica do
Preço Regime Jurídico da Solução
(relação benefício-custo) Contratação Pública (encargo)

(Os 4 pilares)

O Processo de Contratação Pública


Pessoa

Figura 2
Destaca os quatro pilares que estruturam os regimes jurídicos das Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02. O processo de contratação foi pensado
e estruturado para que a Administração possa selecionar uma pessoa capaz de viabilizar uma solução para satisfazer uma necessidade
pública pela melhor relação benefício-custo. Por benefício-custo devemos entender a relação entre a solução (encargo) visada e o preço a
ser pago por ela.

437
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VISÃO TRADICIONAL

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(II)

I TA Ç Ã O (I)
Processo de

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Contratação

NT
Pública

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(2 Fases)

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FA

SI
SE
F

O Processo de Contratação Pública


FASE I FASE II

Licitação Contrato

Figura 3
Traduz a visão tradicional da contratação pública. Evidencia a concepção de que o processo tem apenas duas dimensões ou duas fases (licitação
e contrato), enquanto ele, na verdade, tem três dimensões, ou seja, três fases (planejamento, seleção da proposta e contrato). A licitação deve ser
vista como um dos procedimentos que viabiliza a seleção da proposta e é fenômeno típico da fase externa.

439
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NOVA VISÃO

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Processo de

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Pública
(3 Fases)

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FASE I FASE II FASE III

O Processo de Contratação Pública


Planejamento Seleção da Proposta Contrato

Licitação

Dispensa

Inexigência

Figura 4
Retrata a moderna visão da contratação pública expressada nesta obra. A fase que se destina à seleção da proposta pode ser viabilizada,
conforme demostra a representação, tanto por meio de licitação como de dispensa e inexigibilidade. Pode-se perceber também que não é a
licitação que tem uma fase interna (planejamento), mas o processo de contratação.

441
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FA
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IN
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AM

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CONTR
Processo de

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Contratação

O (I)
Pública
(3 Fases)
Edital

I)
LE
SE

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O D
A PR OP OS

O Processo de Contratação Pública


Figura 5
Evidencia que o edital materializa o planejamento e condiciona as duas etapas seguintes do processo. Por isso, o planejamento é
considerado a atividade mais importante para a contratação pública. É lamentável que ele seja relegado a terceiro plano, como ocorre
atualmente.

443
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Contratação
Pública
(3 Fases)

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O Processo de Contratação Pública


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P r o p o st a
Figura 6
Mostra como o contrato administrativo (relação jurídica) é formado. Ele é o resultado do encargo que se define na fase de planejamento e
da remuneração (preço) que se apura na fase externa. O contrato (C) tem duas dimensões: o encargo (E) e a remuneração (R). Portanto, é
possível representar essa relação da seguinte forma: C = E + R. O encargo (E) expressa o aspecto econômico do contrato, e a remuneração
(R), o seu aspecto financeiro. Daí falar em equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

445
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Formalização

Etapas da Fase
Pagamento Execução
do Contrato

O Processo de Contratação Pública


Recebimento

Figura 7
Destaca as principais etapas estruturais (macro) da fase do contrato. A fase do contrato é o momento do processo no qual o encargo é
cumprido e a remuneração equivalente é paga. Nas próximas edições desta obra, iremos detalhar a constituição analítica dos atos que
integram as diferentes etapas acima indicadas.

447
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Que o contrato seja uma relação de equivalência


jurídica entre encargo e remuneração (preço) Que a definição do objeto atenda à efetiva necessidade da
a ser obrigatoriamente respeitada durante Administração, garanta a indispensável qualidade, possibilite
toda a execução contratual X I solução econômica e não restrinja imotivadamente a disputa

Que o vencedor seja definido


por critérios objetivos quando Que o preço a ser pago pelo
a seleção das propostas for realizada II objeto seja justo e exequível
por meio de licitação IX

A Essência do
Que todas as decisões adotadas Regime Jurídico da Que sejam observadas as exigências
respeitem as exigências da ordem
jurídica, sejam devidamente Contratação III
legais de naturezas orçamentária e
financeira para a realização da despesa
motivadas e possam ser discutidas VIII
(10 Princípios)
Que as regras do jogo sejam claras,
Que nenhum competidor seja conhecidas, cumpridas e definidas,
eliminado, senão por motivo de de modo a assegurar a obtenção do objeto
descumprimento de exigência essencial VII IV desejado e a respeitar a ordem jurídica vigente

O Processo de Contratação Pública


VI V
Que toda e qualquer discriminação adotada seja
justificável por razões de ordem técnica ou jurídica Que haja competição efetiva entre
e as exigências definidas sejam indispensáveis os licitantes e que todos disponham
para assegurar e garantir o cumprimento do objeto das mesmas informações

Figura 8
Traduz em dez mandamentos essenciais todas as exigências e condições previstas nas Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02. É como se o regime
jurídico vigente fosse resumido em dez ideias fundamentais. Os dez princípios acima podem ser entendidos também como dez condições
necessárias a serem observadas em toda e qualquer contratação. O descumprimento de qualquer das condições acima impede que se
possa considerar legal a respectiva contratação.

449
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ETAPA XIV ETAPA I


Envio do aviso do edital para publicação Definição da necessidade (problema) e
indicação da possível solução
ETAPA XIII ETAPA II
Elaboração e aprovação do edital pela Definição da solução, do objeto e das
assessoria jurídica demais obrigações que integram o encargo

ETAPA XII ETAPA III


Elaboração do edital e de anexos Definição do valor a ser pago pelo encargo
14 Etapas da Fase
ETAPA XI de Planejamento ETAPA IV
Definição das condições específicas Definições orçamentária e financeira
de execução do contrato da Contratação
ETAPA X (Fase Interna) ETAPA V
Definição das condições de Aprovação da autoridade competente
apresentação das propostas

O Processo de Contratação Pública


ETAPA IX ETAPA VI
Definição das condições pessoais de participação Definição do procedimento a ser adotado na fase
externa e da modalidade de licitação, se for o caso
ETAPA VIII ETAPA VII
Definição do tipo e dos critérios de Definição do regime de execução
julgamento da licitação

Figura 9
Indica as principais etapas da fase de planejamento da contratação pública. O objetivo do planejamento é possibilitar que a
Administração, de forma adequada e eficiente, defina o encargo e, em decorrência disso, elabore o edital. O edital é o documento que
materializa o planejamento e expressa a vontade contratual da Administração por meio do encargo a ser assumido pelo terceiro. As etapas
II e XI serão mais bem detalhadas em duas outras figuras complementares, por isso elas aparecem em destaque.

451
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COMPLEMENTO DA ETAPA II DO PLANEJAMENTO


Definição da produtividade
a ser respeitada Definição do local de
execução ou entrega
Exigências de recolhimento
de tributos, contribuições, taxas, Definição do prazo de
tarifas e outros custos que tenham execução ou entrega
relação com o encargo a ser cumprido

Definição da obrigação Definição da exigência de


de auxiliar na transição do garantia do fabricante
contrato para um terceiro

Definição de exigência de Definição das Demais Definição da exigência de


cessão de direitos, transferências de garantia de execução do contrato
tecnologias, dados e códigos, etc. Obrigações e Condições
Definição de exigências de
apresentação de amostras, relatórios
que Integram o Encargo
Definição da exigência
técnicos, testes, ensaios ou avaliações de suporte técnico
durante a licitação ou no
curso da execução do contrato
da Contratação
Definição da necessidade Definição da exigência

O Processo de Contratação Pública


de realização de viagens de treinamento
e deslocamentos

Definição de realização Definição dos recursos materiais


de visita técnica (máquinas e equipamentos) a serem
utilizados na execução do encargo
Definição dos recursos tecnológicos a serem Definição dos recursos humanos a serem
empregados na execução do encargo utilizados na execução do encargo
Figura 10
Apresenta as principais providências que devem ser adotadas na etapa II do planejamento da contratação de acordo com a natureza do negócio
a ser planejado. A referida etapa envolve a definição das demais obrigações que integram o encargo. Ao empregar o pronome “demais”,
pretende-se dizer que tais providências devem ser adotadas além da definição do objeto, que é o núcleo do encargo. Somente após a definição
das referidas condições será possível estimar o valor da futura contratação. Todas as condições acima indicadas têm repercussão direta sobre o
preço ou a remuneração da proposta a ser apresentada pelos licitantes. Portanto, elas devem ser definidas antes da realização da pesquisa de
preços. As diversas obrigações e condições foram tratadas no Capítulo 7 desta obra.

453
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COMPLEMENTO DA ETAPA XI DO PLANEJAMENTO


Definição das Previsão da figura do gestor
condições e dos prazos do contrato e necessidade de o
para o recebimento do objeto contratado indicar um preposto

Definição da
possibilidade de prorrogação Troca de informações entre as partes e
do prazo de vigência do contrato como ocorrerá a definição

Definição do prazo Definição das Fixação de obrigações específicas


de vigência do contrato das partes (deveres e disciplina)
Condições
Específicas de
Definição da possibilidade Execução do Forma e critério de
de reajuste ou repactuação,
se for o caso Contrato apuração da qualidade do objeto

O Processo de Contratação Pública


Definição de data, forma Forma e critério de
e condições de pagamento apuração da quantidade do objeto

Definição das sanções para o caso de Definição do


descumprimento das obrigações cronograma físico-financeiro

Figura 11
Aponta as principais providências a serem adotadas no planejamento e que se relacionam diretamente com a fase de execução do
contrato. As condições indicadas serão exigidas de acordo com o objeto.

455
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Etapa VI • Controle
Etapa I • Publicidade e Preparação

Controle
{ Legalidade
Conveniência
Publicidade
Impugnação

{
Reunião, organização e preparação
Homologação dos documentos pelos licitantes
Decisão Anulação Cumprimento de condições especiais
(cadastramento, por exemplo)
Revogação
Preparação e elaboração das
propostas
Adjudicação
Entrega dos envelopes
Publicidade Recebimento dos envelopes

Etapa V • Recurso Etapa II • Habilitação


Etapas da
Abertura do envelope (sessão pública)
Interposição
Impugnação
Licitação Conferência dos documentos
Análise e julgamento (Lei nº 8.666/93) Análise dos documentos
Decisão Julgamento
Publicação Decisão
Publicidade da decisão
Recurso

O Processo de Contratação Pública


Etapa IV • Proposta Etapa III • Recurso

Abertura do envelope (sessão pública) Interposição


Conferência dos envelopes Impugnação
Análise das propostas Análise e julgamento
Julgamento Decisão
Decisão Publicação
Publicidade
Recurso
Figura 12
Destaca as etapas que integram a fase da licitação do processo de contratação. A estrutura das etapas retrata o regime jurídico da Lei nº
8.666/93. Para conhecer melhor os atos relativos às diversas etapas, veja o ciclo detalhado no final deste livro. As setas indicam a ordem
cronológica dos atos de acordo com o processo legal. Segundo o entendimento adotado nesta obra, adjudicação é o ato subsequente ao
de homologação e deve ser praticado, necessariamente, por autoridade que tenha poder de vincular a Administração contratualmente. As
etapas III e V somente serão processadas se houver interposição de recurso.

457
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Etapa V • Controle Etapa I • Publicidade e Preparação

{
Publicidade
Legalidade Impugnação
Controle
Conveniência Reunião, organização e preparação

{
dos documentos pelos licitantes
Homologação Cumprimento de condições especiais
Decisão Anulação (cadastramento, por exemplo)
Revogação Preparação e elaboração das
Etapas do propostas
Entrega dos envelopes
Adjudicação
Pregão Recebimento dos envelopes
Publicidade
Presencial
(Lei nº 10.520/02 e
Decreto nº 3.555/00)
Etapa IV • Recurso
Etapa II • Proposta
Interposição
Impugnação Abertura do envelope (sessão pública)

Análise e julgamento Análise da aceitabilidade do objeto

Decisão Fase de lances

Publicação Análise da aceitabilidade do preço


Decisão
Etapa III • Habilitação

Abertura do envelope

O Processo de Contratação Pública


Conferência dos documentos
Análise dos documentos
Decisão
Declaração do vencedor
Recurso

Figura 13
Destaca as etapas que integram a licitação processada de acordo com o regime jurídico da Lei nº 10.520/02 (pregão presencial). Para
conhecer melhor os atos relativos às diversas etapas, veja o ciclo detalhado no final deste livro. As setas indicam a ordem cronológica de
acordo com o processo legal, exceto o ato de adjudicação. O ato de adjudicação (etapa V) aparece após a homologação, e não antes dela.
Segundo a Lei nº 10.520/02, a adjudicação antecede a homologação (ordem cronológica). Portanto, adotamos aqui o critério lógico, e não
cronológico, a fim de manter coerência com a concepção que adotamos neste trabalho e a natureza que atribuimos à adjudicação. No
entanto, conforme o critério definido pela Lei nº 10.520/02, a adjudicação é ato que antecede a homologação e deve ser praticado, em
princípio, pelo pregoeiro. Entendo como equivocada essa opção normativa. A etapa IV somente será processada se houver a interposição
de recurso.

459
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Publicidade e Publicidade e
Preparação Preparação

Etapa I
Etapa I
Controle Habilitação
I

Et
aV

ap
Etap

a II

Eta
Controle Proposta
6 Etapas da

V
5 Etapas da

Etapa

pa II
Licitação
Licitação do
(Lei nº 8.666/93)
Pregão
TIPO MENOR PREÇO
Eta

I
a II (Lei nº 10.520/02)
pa

ap

Recurso Recurso
V

Et

ap
aI

O Processo de Contratação Pública


Et

II
E ta p a I V aI p
V Eta

Recurso Habilitação
Proposta

Figura 14
Mostra, de forma comparativa, a estrutura da licitação de acordo com a Lei nº 8.666/93 e o pregão, tipo menor preço. O que diferencia
os dois procedimentos, sob o ponto de vista estrutural, é a inversão das etapas de habilitação e proposta e a concentração da etapa de
recursos no pregão.

461
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Gestor da
Contratação

A Contratação
Como Realidade
Multidisciplinar

O Processo de Contratação Pública


Figura 15
Indica que o processo de contratação é uma atividade (missão) que deve ser cumprida por diversas áreas e agentes da Administração
Pública. É preciso que as ações de planejar, selecionar a melhor proposta e gerir o contrato sejam realizadas de forma articulada e
estrategicamente coordenada, sob pena de não se obter o melhor resultado possível. O gestor da contratação (em destaque) não pode ser
confundido nem com o fiscal, nem com o gestor do contrato. O gestor da contratação (ou do processo de contratação) atua em todas as
fases e coordena as ações em todas as etapas. No entanto, ele ainda não é uma realidade no cenário da contratação pública brasileira. É
preciso começar a preparar os gestores da contratação pública do futuro, pois eles serão indispensáveis para viabilizar dois importantes
princípios constitucionais: o da eficiência e o da economicidade na gestão dos recursos públicos.

463
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Publicação do aviso do edital

Fase de impugnação e esclarecimentos sobre o edital


Entrega e recebimento dos envelopes de habilitação e propostas
Formalização do instrumento do contrato
Convocação para formalização do contrato
Realização da sessão pública
Publicidade da homologação e adjudicação
Conferência e separação dos envelopes recebidos
Homologação e adjudicação
Credenciamento dos representantes dos licitantes
Processamento, julgamento e publicidade do resultado da fase de recurso
Entrega de documento que comprova a condição de ME ou EPP, quando
Eventual desistência de recurso por todos os licitantes for o caso, nos termos da LC nº 123/06 e da IN DNRC nº 103/07
Fase de recurso Vistas para conferência dos envelopes pelos licitantes e rubricas
Publicidade da decisão de julgamento das propostas e da regularização
Abertura dos envelopes de habilitação
dos documentos de regularidade fiscal pela vencedora (ME ou EPP)

Em caso de não regularização da restrição fiscal pela vencedora, Conferência dos documentos pela comissão
convocação da licitante remanescente, na ordem de classificação,
Franqueamento dos documentos aos licitantes
para assinatura do contrato, nos termos do § 2º do art. 43 da LC nº 123/06
presentes para conferência, análise e rubrica
Decisão sobre a regularização dos documentos fiscais pela vencedora Ciclo Integral dos Análise dos documentos pela comissão e identificação
de eventual restrição fiscal da ME ou EPP
Comprovação da regularização dos documentos fiscais pela vencedora

Elaboração da ata e encerramento da sessão


Atos da Licitação Julgamento da habilitação

(Lei nº 8.666/93)
Concessão do prazo de dois dias úteis para que a Intimação da decisão do julgamento da habilitação
vencedora (ME ou EPP) possa regularizar eventual restrição fiscal na própria sessão, se todos os licitantes estiverem presentes

Definição da nova ordem de classificação, em razão do Eventual desistência de recurso por todos os licitantes
exercício do direito de preferência
Elaboração da ata e encerramento da sessão
Se a beneficiária da ordem não exercer o seu direito de preferência,
deve ser convocada outra ME ou EPP em condição de empate Publicidade do resultado da habilitação
para o exercício do direito de que trata o inc. II do art. 45 da LC nº 123/06
Fase de recurso da habilitação
Em caso de empate, será convocada a pequena empresa
para exercer seu direito de preferência, Processamento, julgamento e publicidade
de acordo com o disposto no inc. I do art. 45 da LC nº 123/06 do resultado da fase de recurso

Se a ME ou EPP não for a primeira na ordem de classificação, apurar a existência Devolução dos envelopes de propostas aos inabilitados,

O Processo de Contratação Pública


Fa
de empate, nos termos do § 1º do art. 44 da LC nº 123/06 observadas as exigências legais

a
Verificação se a proposta mais bem classificada é de ME ou EPP

Estabelecimento da ordem de classificação


se Extern Realização da sessão pública

Credenciamento dos representantes dos licitantes, se for o caso


Julgamento das propostas
Franqueamento dos envelopes de propostas aos licitantes
Análise das propostas pela comissão Abertura dos envelopes de propostas
Análise e rubrica das propostas pelos licitantes Rubrica das propostas pela comissão

Figura 16

465
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Publicação do edital
Formalização do instrumento do contrato
Fase de impugnação e
Convocação para formalização do contrato esclarecimentos do edital

Sessão pública (abertura)


Publicidade

Adjudicação e homologação Recebimento dos envelopes de


propostas e habilitação
Fase de recurso

Decisão sobre a regularização Credenciamento dos interessados


dos documentos fiscais pela vencedora

Comprovação da regularização dos


documentos fiscais pela vencedora
Ciclo Integral dos Comprovação da condição de ME ou EPP,
quando for o caso

Atos da Licitação no
Declaração de cumprimento
Concessão do prazo de dois dias úteis
para que a vencedora (ME ou EPP)
Pregão Presencial das condições habilitatórias

possa regularizar eventual restrição fiscal


(Lei nº 10.520/02 e Abertura do envelope
de propostas
Declaração do vencedor
Decreto nº 3.555/00)
Análise preliminar de
aceitabilidade das propostas
Análise dos documentos
de habilitação
Fase de lances

a
Abertura do envelope
de habilitação r n
t e Análise preliminar da exequibilidade da

x
proposta mais bem classificada

O Processo de Contratação Pública


Análise da aceitabilidade final
da proposta e negociação Fase E Definição da ordem
de classificação

Definição da nova ordem Verificação de empate nos termos


de classificação, em razão do exercício do art. 45 da LC nº 123/06
do direito de preferência
Exercício do direito de
preferência pela ME ou EPP

Figura 17

467
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Publicação do edital
Formalização do instrumento do contrato
Cadastramento no SICAF
Convocação para formalização do contrato

Credenciamento no sistema eletrônico

Publicidade
Acesso ao sistema eletrônico para o envio da
Adjudicação e homologação proposta e declaração de cumprimento
das condições habilitatórias

Fase de recurso
Fase de impugnação
e esclarecimentos do edital
Decisão sobre a regularização
dos documentos fiscais pela vencedora

Ciclo Integral dos Acesso ao sistema eletrônico

Comprovação da regularização
dos documentos fiscais pela vencedora Atos da Licitação no Sessão pública (abertura)

Pregão Eletrônico Análise das propostas


Concessão do prazo de dois dias úteis
para que a vencedora (ME ou EPP) possa (Lei nº 10.520/02 e
regularizar eventual restrição fiscal Fase de lances
Decreto nº 5.450/05)
Declaração do vencedor Análise preliminar da exequibilidade da
proposta mais bem classificada

Definição da ordem

a
n
Fase de habilitação
de classificação

e r
t

O Processo de Contratação Pública


x Comprovação da condição

Fase E
Análise da aceitabilidade final
da proposta e negociação de ME ou EPP, quando for o caso

Definição da nova ordem Verificação de empate nos


de classificação, em razão do exercício termos do art. 45 da LC nº 123/06
do direito de preferência
Exercício do direito de
preferência pela ME ou EPP

Figura 18

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Mostrar Sumário

Formalização do instrumento do contrato


Publicação do edital e início do prazo para sua impugnação e
Convocação para formalização do contrato solicitação de esclarecimentos

Acesso ao sistema eletrônico para o envio da proposta e


declaração de cumprimento das condições habilitatórias,
Publicidade de enquadramento como ME/EPP e de preenchimento
das condições previstas no art. 5º do Decreto nº 7.174/10,
se for o caso
Adjudicação e homologação

Sessão pública (abertura)


Fase de recurso

Análise das propostas quanto ao objeto


Decisão sobre a regularização
dos documentos fiscais pela vencedora, Ciclo Integral
Fase de lances
dos Atos da
se for o caso

Comprovação da regularização
dos documentos fiscais pela vencedora,
se for o caso
Licitação no Pregão Análise preliminar da exequibilidade da
proposta mais bem classificada

Eletrônico Estabelecimento da ordem de classificação ao


final da fase de lances (art 8º, caput, do
Concessão do prazo de dois dias úteis para Decreto nº 7.174/10)
que a vencedora (ME ou EPP) possa Aplicação dos direitos de
regularizar eventual restrição fiscal
preferência previstos na Lei Aplicação do direito de preferência das MEs e
EPPs* (art. 45 da LC nº 123/06) e estabelecimento
Complementar nº 123/06 e na da nova ordem de classificação, se for o caso
Declaração do vencedor (art. 8º, inc. I, do Decreto nº 7.174/10)
Lei nº 8.248/91, de acordo
Fase de habilitação com o Decreto nº Classificação das licitantes com preços até 10%
superiores do menor até então obtido para exercício
7.174/10 da preferência prevista no art. 3º da Lei nº 8.248/91
(art. 8º, inc. II, do Decreto nº 7.174/10)

a
Análise da aceitabilidade final
da proposta e negociação
r n
t e Convocação das licitantes classificadas, observada a ordem de

x
Caso nenhuma empresa exerça o direito de preferência classificação, que tenham declarado** ter cotado produto
da Lei Complementar nº 123/06 e/ou da Lei nº 8.248/91,
prevalecerá o resultado da licitação inicialmente obtido
(art. 8º, inc. V, do Decreto nº 7.174/10) Fase E desenvolvido com tecnologia nacional e produzido de acordo com
o PPB para oferecer novo lance igual ou inferior ao menor obtido
(art. 8º, inc. III, do Decreto nº 7.174/10)***

O Processo de Contratação Pública


Não exercido o direito de preferência na etapa anterior, convocação das licitantes Não exercido o direito de preferência na etapa anterior, convocação das licitantes
classificadas, observada a ordem de classificação, que tenham declarado** ter classificadas, observada a ordem de classificação, que tenham declarado** ter
cotado produto produzido de acordo com o PPB para oferecer novo lance igual cotado produto desenvolvido com tecnologia nacional para oferecer novo lance
ou inferior ao menor obtido (art. 8º, inc. IV, do Decreto nº 7.174/10) igual ou inferior ao menor obtido (art. 8º, inc. IV, do Decreto nº 7.174/10)***

Figura 19

Figura adaptada para a licitação de tecnologia da informação por Ricardo Alexandre Sampaio, Diretor de Produtos da Zênite e Professor na área de contratação pública.
* Na licitação pela modalidade pregão, ao entregar/apresentar suas propostas, as licitantes deverão declarar se estão enquadradas como ME ou EPP, na forma do art. 3º da Lei Complementar nº 123/06.
** Na licitação pela modalidade pregão, as licitantes deverão declarar, no momento da entrega/apresentação de suas propostas, se o produto cotado se enquadra no incs. I, II ou III do art. 5º do Decreto nº
7.174/10, para posterior exercício da preferência prevista no art. 3º da Lei nº 8.248/91.
*** Havendo licitantes MEs ou EPPs e licitantes médias/grandes empresas enquadradas nessa condição, as MEs e EPPs terão prioridade, independentemente da ordem de classificação, no exercício da preferência.

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