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Estou preparado para ver essa explicação ser alvo de ataques, sob a alegação de ser

arbitrária ou artificial. O que, poderão perguntar, teria acontecido se o Professor Gärtner e sua
esposa de aparência florescente não tivessem vindo ao nosso encontro, ou se a paciente sobre a
qual falávamos se chamasse Anna em vez de Flora? A resposta é simples. Se essas cadeias de
pensamento tivessem estado ausentes, outras, sem dúvida, teriam sido escolhidas. É bastante
fácil construir tais cadeias, como demonstram os trocadilhos e as charadas que as pessoas fazem
todos os dias para seu divertimento. O reino dos chistes não conhece fronteiras. Ou, indo um
passo além, se não tivesse havido nenhuma possibilidade de forjar elos intermediários suficientes
entre as duas impressões, o sonho simplesmente teria sido diferente. Outra impressão irrelevante
do mesmo dia - pois torrentes dessas impressões penetram em nossa mente e são depois
esquecidas - teria tomado o lugar da “monografia” no sonho, estabelecido um elo com o assunto
da conversa e servido para representá-lo no conteúdo do sonho. Visto que a monografia, e não
qualquer outra idéia, foi na verdade escolhida para servir a essa função, devemos supor que ela
era a mais adequada à ligação. Não é necessário seguirmos o exemplo de Hänschen Schlau, de
Lessing, e nos surpreendermos ante o fato de que “somente os ricos são os que têm mais
dinheiro.”
Um processo biológico pelo qual, segundo nossa exposição, as experiências irrelevantes
tomam o lugar das psiquicamente significativas, não pode deixar de despertar suspeita e espanto.
Será nossa tarefa, num capítulo posterior [Capítulo VI, Seção B, em [1] e segs.] tornar mais
inteligíveis as peculiaridades dessa operação aparentemente irracional. Nesse momento, estamos
apenas interessados nos efeitos de um processo cuja realidade vi-me compelido a presumir
mediante observações inumeráveis e regularmente recorrentes feitas na análise dos sonhos. O
que ocorre seria algo da natureza de um “deslocamento” - de ênfase psíquica, talvez? - por meio
de elos intermediários; desse modo, representações que originalmente só tinham uma carga fraca
de intensidade recebem a carga de representações que eram originalmente mais intensamente
“catexizadas”, e acabam por adquirir força suficiente para lhes permitir forçar entrada na
consciência. Tais deslocamentos não constituem nenhuma surpresa para nós quando se trata de
lidar com quantidades de afeto ou com as atividades motoras em geral. Quando uma solteirona
solitária transfere sua afeição para os animais, ou um solteirão se torna um entusiástico
colecionador, quando um soldado defende um pedaço se torna um entusiástico colecionador,
quando um soldado defende um pedaço de pano colorido - uma bandeira - com o sangue de suas
veias, quando alguns segundos de pressão extra num aperto de mão significam a bem-
aventurança para o enamorado, ou quando, em Otelo, um lenço perdido desencadeia uma
explosão de cólera - todos esses são exemplos de deslocamento psíquicos aos quais não fazemos
nenhuma objeção. Mas, quando ouvimos dizer que uma decisão quanto ao que alcançará nossa
consciência e ao que será mantido fora dela - o que pensaremos, em suma - foi tomada da mesma
forma e com base nos mesmo princípios, ficamos com a impressão de um evento patológico; e
quando essas coisas acontecem na vida de vigília, nós as classificamos de erros de pensamento.

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