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depois de proferidas, no caso de um pronunciamento oral, mas de antemão, caso ele pretenda

fazê-lo num texto impresso. O escritor tem de estar precavido contra a censura e, por causa dela,
precisa atenuar e distorcer a expressão de sua opinião. Conforme o rigor e a sensibilidade da
censura, ele se vê compelido a simplesmente abster-se de certas formas de ataque ou a falar por
meio de alusões em vez de referências diretas, ou tem que ocultar seu pronunciamento objetável
sob algum disfarce aparentemente inocente: por exemplo, pode descrever uma contenda entre
dois mandarins do Império do Meio [na China], quando as pessoas que de fato tem em mente são
autoridades de seu próprio país. Quanto mais rigorosa a censura, mais amplo será o disfarce e
mais engenhoso também será o meio empregado para pôr o leitor no rastro do verdadeiro sentido.

O fato de os fenômenos da censura e da distorção onírica corresponderem uns aos


outros nos mínimos detalhes justifica nossa pressuposição de que sejam similarmente
determinados. Podemos, portanto, supor que os sonhos recebem sua forma em cada ser humano
mediante a ação de duas forças psíquicas (ou podemos descrevê-las como correntes ou sistemas)
e que uma dessas forças constrói o desejo que é expresso pelo sonho, enquanto a outra exerce
uma censura sobre esse desejo onírico e, pelo emprego dessa censura, acarreta forçosamente
uma distorção na expressão do desejo. Resta indagar sobre a natureza do poder desfrutado por
sua segunda instância, que lhe permite exercer sua censura. Quando temos em mente que os
pensamentos oníricos latentes não são conscientes antes de se proceder a uma análise, ao passo
que o conteúdo manifesto do sonho é conscientemente lembrado, parece plausível supor que o
privilégio fruído pela segunda instância seja o de permitir que os pensamentos penetrem na
consciência. Nada, ao que parece, pode atingir a consciência a partir do primeiro sistema sem
passar pela segunda instância; e a segunda instância não permite que passe coisa alguma sem
exercer seus direitos e fazer as modificações que julgue adequadas no pensamento que busca
acesso à consciência. A propósito, isso nos permite formar um quadro bem definido da “natureza
essencial” da consciência: vemos o processo de conscientização de algo como um ato psíquico
específico, distinto e independente do processo de formação de uma representação ou idéia; e
encaramos a consciência como um órgão sensorial que percebe dados surgidos em outros
lugares. É possível demonstrar que esses pressupostos básicos são absolutamente indispensáveis
à psicopatologia. Devemos, porém, adiar nossas maiores considerações sobre eles para um
estágio posterior. [Ver Capítulo VII, particularmente a Seção F, em [1]]
Aceitando-se esse quadro das duas instâncias psíquicas e de sua relação com a
consciência, há uma completa analogia, na vida política, com a extraordinária afeição que senti em
meu sonho por meu amigo R., que foi tratado com tanto desprezo durante a interpretação do
sonho. Imaginemos uma sociedade em que esteja havendo uma luta entre um governante cioso de
seu poder e uma opinião pública alerta. O povo está revoltado contra uma autoridade impopular e
exige sua demissão. Mas o autocrata, para mostrar que não precisa levar em conta o desejo
popular, escolhe esse momento para conferir uma alta honraria à citada autoridade, embora não

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