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ÓRION e os

EVENTOS FINAIS
NA ESCATOLOGIA ADVENTISTA
ANDRÉ REIS, Ph.D.

A
nebulosa de Órion ocupa um
lugar especial no coração
Adventista. Desde 1848, quando
Ellen White mencionou Órion no livro
Primeiros Escritos, os Adventistas têm
ansiosamente focado seus olhos,
binóculos e telescópios para esse lugar no
céu em busca de sinais e evidências da
Segunda Vinda. A passagem em questão
diz: “Nuvens negras e densas subiam e
chocavam-se entre si. A atmosfera abriu-se
e recuou; pudemos então olhar através do
espaço aberto em Órion, donde vinha a
voz de Deus. A santa cidade descerá por
aquele espaço aberto” (Primeiros Escritos,
41).
Abaixo, analisaremos alguns aspectos
dessa citação.

Pano de Fundo Histórico


Entre 1846 e 1848, Ellen White teve
Nebulosa de Órion fotografada pelo telescópio VLT Survery Telescope.
três visões que mostraram eventos no céu.
A primeira ocorreu em novembro de 1846
em Topsham, Maine, na qual ela descreveu uma viagem pelo que havia interessado Bates há alguns meses. Segundo ele, a
cosmos onde viu planetas com suas luas. Presente ali estava o descrição de Ellen White desses “céus que se abrem” era a mais
capitão milerita e astrônomo amador, José Bates. Embora incrível que ele já tinha ouvido, especialmente porque ela lhe
nenhum relato oficial exista sobre aquele episódio, sabemos havia dito que nunca sequer havia consultado um livro de
através do relato de John Loughborough1 e Ella Robinson2 astronomia e não sabia nada do assunto.4 Bates concluiu: “Isso
(neta de Ellen White) que foi Bates quem descreveu o que é obra de Deus!”5 Como resultado, Bates passou a crer no
Ellen White viu em 1846. Quando ela mencionou um ministério de Ellen White. Parece claro que a visão tinha um
planeta com 4 luas, Bates disse, “Ela está vendo Júpiter!” propósito específico: levar Bates a tomar uma decisão. Bates
Quando ela vê um planeta com 7 luas, Bates exclama: “Ela tornou-se um dos grandes pioneiros que introduziu a verdade
está vendo Saturno!”3 Após isso, Ellen White descreve algo do sábado para Ellen e Tiago White.6
que se assemelha aos “céus que se abrem”, o mesmo fenômeno
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É importante ressaltar que em é bastante similar à que estamos
maio do mesmo ano, ou seja, seis estudando porém, sem a
meses antes da visão sobre menção a Órion: “Nuvens
“astronomia”, Bates havia negras e pesadas se acumularam
publicado um panfleto intitulado e se chocavam umas contra as
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“Os Céus Que Se Abrem” no outras. Mas havia um espaço
qual ele analisou a relação entre claro de glória indescritível, de
astronomia e a Bíblia e procurou onde veio a voz de Deus como
determinar exatamente onde de muitas águas, a qual fez
estava o “paraíso de Deus e a estremecer os céus e a Terra” (p.
Nova Jerusalém”. O panfleto foi 34). A terceira visão, cuja
fruto de várias noites de descrição contém a menção de
observação da nebulosa de Órion Órion, foi recebida em Rocky
na casa de um amigo que havia Hill, Connecticut no dia 16 de
comprado um telescópio dezembro de 1848. Vamos agora
recentemente. Em seu folheto, analisar algumas das
Bates se baseou em menções implicações da menção de
dessa “abertura” em Órion Órion por Ellen White ao
descoberta por outros astrônomos interpretar essas visões.
Nebulosa de Órion (M42) fotografada pelo telescópio Hubble. O
tais como Parsons, Huygens and
sistema solar inteiro caberia dentro desse espaço aproximadamente 20 Dados da Astronomia
Ferguson. Mais de cem anos
milhões de vezes. Não é difícil imaginar porque
antes, Huygens havia descrito
Para fazer um tour de Órion clique http://hubblesite.org/gallery/tours/tour-orion/ os astrônomos do passado se
Órion como abrindo-se para
outra “região mais iluminada.” 8 maravilharam com Órion; suas
Em 19 de abril de 1845, um artigo na revista Illustrated cores e brilho continuam a atrair astrônomos. Junte essa
London News descrevia as descobertas feitas por Parsons com curiosidade com conhecimento de teologia, e não é difícil
seu novo telescópio de 72 polegadas, citado por Bates no seu entender porque Bates concluiu mais apressadamente que
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panfleto de maio de 1846. Bates equipara o “céu aberto” de Órion era a porta do céu. Durante a segunda parte do século
João 1:51 à nebulosa de Órion e como o ponto ao leste onde 19, avanços em astronomia começaram a elucidar o que
“o mundo logo verá o que o crente no Segundo Advento tem realmente existe em Órion. Desde 1990, quando o telescópio
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ansiosamente aguardado.” Ele finaliza o panfleto dizendo espacial Hubble (diga-se RÃ-bôl) entrou em órbita, suas
que a “Nova Jerusalém... o Paraíso de Deus ... está agora imagens de alta definição revelaram mais nitidamente o que
prestes a descer do ‘terceiro céu’, através da porta aberta ... de outros já haviam suspeitado: não existe um “espaço aberto” na
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Órion.” Tudo indica então que, embora Ellen White não constelação de Órion. Ela é formada de estrelas, gases e poeira
tenha citado Órion especificamente na visão dos planetas em cósmica que aos olhos de astrônomos do passado com seus
novembro de 1846, Bates concluiu que ela tinha visto os telescópios limitados, parecia a entrada para um lugar ainda
mesmo “céus que se abrem” em Órion, expressão que ele mais luminoso. Órion, embora seja uma das constelações
mesmo havia usado várias vezes. Mais tarde em sua mais próximas da Terra, está a 1.500 anos-luz de distância, o
autobiografia (1864), Bates estava ainda mais seguro da que equivale a aproximadamente 14 quatrilhões de
relação entre Órion e o céu quando concluiu que: “Essa kilômetros (Um ano-luz é a distância percorrida pela luz
abertura no céu é sem dúvida a mesma mencionada nas durante 1 ano na velocidade de 300.000 kilômetros/segundo =
Escrituras. João 1:51; Apo. 19:11. O centro dessa constelação 9.460.800.000.000 de kilômetros). Isso significa que a imagem
(Órion) está no centro do céu, entre os polos.” 12 que nos chega de Órion hoje saiu dela 1.500 anos atrás! Se
Aparentemente, essa certeza expressa em 1864 pode ter se Órion desaparecesse hoje, levaria 1.500 anos para que nos
fundamentado na conclusão de que Ellen White viu Órion déssemos conta disso. Nosso sistema solar inteiro poderia
em 1846, algo que, em realidade, nunca foi confirmado por caber dentro da extensão da nebulosa de Órion no mínimo
ela. 20.000.000 de vezes! A estrela Betelgeuse em Órion, por
A segunda visão de Ellen White ocorreu em dia 3 de april exemplo, é de 400–1.000 vezes maior do que o Sol.
de 1847 também em Topsham, Maine e tratou da Segunda Quando consideramos esses fatos, cabe perguntar: Seria
Vinda (Veja Primeiros Escritos, p. 32–35). A descrição da visão possível observar a olho nu alguma coisa passando através de
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Órion? Vejamos: a Cidade Santa necessidade de um ponto físico de
segundo Apocalipse 21:16 tem o acesso entre o a Terra e o Céu através do
comprimento de 12.000 estádios. Cosmos (que, consequentemente
Vamos considerar esse número como estaria limitado por distâncias), não faria
literal para efeito de ilustração, o que mais sentido então que esse ponto
equivale a 2.200 kilômetros. Assim, estivesse a uma distância mais
considerando-se que Órion tem 100 “acessível” da Terra e não em uma
trilhões de kilômetros de área, se Jesus constelação remota, a 1.500 anos luz de
com seus anjos ocupassem uma área distância? (2) Por outro lado, se o Céu
como a Nova Jerusalém, seria depende mesmo do Cosmos em termos
impossível vê-los passando através de de ponto de acesso ou localização, não
Órion, mesmo com os mais potentes faria mais sentido que esse corredor de
telescópios hoje. Seria mais fácil acesso estivesse num ponto que sinalize
alguém num Boeing 747 a 10 km de o fim do universo conhecido e o início
altura achar uma agulha no meio da do Céu, já que haveria a necessidade de
Amazônia a olho nu. Além disso, para um ponto de “separação” entre os dois?
que Jesus e seus anjos pudessem Nesse caso, Órion não qualificaria como
fisicamente atravessar Órion e chegar José Bates, pioneiro Adventista que descreveu Órion como sendo ponto extremo do universo, já que o
até a Terra, eles teriam que viajar à “sem sombra de dúvida” a porta do Céu. telescópio Hubble foi capaz de captar a
velocidade de no mínimo 14 luz de galáxias a 13 bilhões de anos-luz
quatrilhões de km/hr, ou seja, 14 de distância.
milhões de vezes acima da A conclusão a que chegamos nesse
velocidade da luz! A essa velocidade, ponto do estudo é que o conhecimento
seria impossível ver o evento em atual de astronomia descarta a
Órion, já que a luz da imagem estaria relevância de uma estrutura cósmica
atrasada milhões de vezes. Note: não localizada a 1.500 anos-luz de distância
estamos questionando se os anjos nos eventos finais. Segundo a Bíblia, o
podem ou não alcançar tais abalo das “potestades do céu” deve
velocidades, nem tampouco impactar somente a esfera terrestre (sol,
querendo substituir a fé pela ciência. lua, estrelas cadentes e a atmosfera
A pergunta na verdade deveria ser, terrestre).
Por quê seres celestiais se limitariam Mas a pergunta continua, por que
a percorrer tal distância? Ellen White se referiu a Órion então?
Eu gostaria de sugerir que o Céu Vejamos.
está em uma “dimensão paralela” à Nebulosa de Órion vista em 1741 (desenho de A. Long).
nossa que, por conseguinte, está Relendo a Visão
sujeita a outros parâmetros de Na década de 1840, Bates e o casal
espaço e tempo que não White passaram muito tempo juntos
conhecemos. A complexidade dessa como pioneiros adventistas. Como
idéia é expressa por Paulo em 2 Cor astrônomo amador, Bates já havia
12:2: “Conheço um homem em mostrado seu entusiasmo pelo
Cristo que há catorze anos (se no assunto mostrando onde estavam os
corpo não sei, se fora do corpo não corpos celestes para seus irmãos
sei; Deus o sabe) foi arrebatado até mileritas.13 É muito provável então
o terceiro céu.” Paulo não tinha que Bates tenha compartilhado com
Nebulosa de Órion fotografada em 1883.
certeza como havia chegado ao Ellen White os seus estudos de
Céu, obviamente porque o Céu está em outra dimensão astronomia e sua convicção de que Órion era de fato os “céus
incompreensível para meros mortais. que se abrem” da Bíblia e da sua visão. Esse detalhe
Duas perguntas adicionais exemplificam os problemas provavelmente explica porque dois anos depois, em 1848 ela
lógicos com a idéia de Órion ser a porta do Céu: (1) Se há interpreta a visão do “espaço aberto” no céu durante a vinda
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de Cristo como sendo Órion. Digno de nota também é o fato descreve a mesma cena novamente sem a menção de Órion:
de que Ellen White frequentemente prefere a expressão “Nuvens negras e pesadas sobem e chocam-se umas nas
“opening heavens” segundo José Bates para descrever o que outras. Em meio dos céus agitados, acha-se um espaço claro
na Bíblia, na versão King James, é “heaven open” (cf. João de glória indescritível, donde vem a voz de Deus como o som
1:51). de muitas águas, dizendo: “Está feito.” Apoc. 16:17.” (GC
Um pouco mais do pano de fundo histórico confirma que 636).
após 1844, alguns mileritas ensinavam que o abalo das Ellen White poderia ter incluído Órion na descrição do
potestades do céu não se referia ao nosso céu literal, mas Grande Conflito mas não o fez, obviamente porque o suposto
simbolizavam as nações da Europa. O editor da revista “espaço aberto” que em 1848 ela entendeu como Órion por
milerita Day Star desafia os leitores: “Por que fitais os olhos influência de José Bates, agora deu lugar ao “espaço claro de
ao céu; podeis discernir de onde Jesus está voltando?” Em glória indescritível”. Note a diferença entre espaço “aberto” e
parte, Bates escreveu seu panfleto sobre o “espaço aberto” em espaço “claro” o que parece criar uma distinção entre sua
Órion para refutá-los.14 É interessante que Ellen White se une interpretação anterior do “espaço aberto” de Órion.
a Bates contra esse erro confirmando que o que ela viu em Torna-se, portanto, evidente que a influência dos estudos de
visão acontece literalmente na atmosfera terrestre: “Nuvens José Bates sobre a relação entre teologia e astronomia oferece
negras e densas subiam e chocavam-se entre si. A atmosfera a explicação mais plausível para a menção de Órion na
abriu-se e recuou.” Descrevendo a mesma cena em 1847, ela interpretação da visão do “espaço aberto” em 1848. Vários
substitui “atmosfera” por “céus agitados”. Portanto, tudo estudiosos adventistas têm chegado à mesma conclusão.
indica que a referência a Órion em 1848 fazia parte da Kheon Yigu realizou uma pesquisa pela Universidade
interpretação da visão e não a visão em si. Essa é uma distinção Adventista Sahmyook em que analisou o desenvolvimento da
crucial para se entender a revelação profética. Geralmente, o relevância de Órion para os Adventistas e também conclui
profeta recebe uma visão e só às vezes recebe ajuda para que a menção posterior do “espaço claro” no Grande Conflito
interpretá-la, como no caso de João (Apoc 17) e Daniel (Dan deve substituir Órion.16 Martin Carey cita o fato de que já em
8). Na maioria dos casos, porém, a interpretação fica por conta 1864, o astrônomo Huggins focalizou seu telescópio para
do profeta ou dos leitores/ouvintes. Nesse caso, tudo indica Órion e descobriu que a suposta “abertura” não passava de
que Deus não revelou a Ellen White de maneira específica e gases e poeira cósmica.17 Os Drs. M. Sprengel e D. Martz,
literal de que o “espaço aberto” por onde Jesus passa era a ambos professores de ciências no Pacific Union College
nebulosa de Órion, já que ela descreve a mesma cena outras analisam numa série de 3 artigos na Revista Adventista18
vezes sem mencionar Órion, como, por exemplo, na visão da (Review and Herald) a menção de Órion e o gradual
mesma cena de 1847.15 Além disso, a menção da Cidade entendimento do que acontece ali pelos astrônomos. Eles
Santa na descrição da visão é um parêntese na fala e confirma concluem que a comparação do “espaço aberto” com Órion
que Ellen White está em realidade interpretando a visão, haja é fruto da influência de José Bates.
vista que, enquanto a visão em si trata dos eventos durante a
Segunda Vinda de Cristo, a Cidade Santa só descerá após o A Dinâmica da Revelação
Milênio (Apoc 21) e não poderia estar descendo durante a Em um artigo que analisa o entendimento gradual por
vinda de Cristo. Ellen White das suas visões, os depositários do White Estate
Como vimos acima, Bates foi o primeiro a concluir que a concluem:
constelação de Órion era a porta do Céu e que a Cidade Santa
desceria por ali. Há, portanto, fortes evidências de que isso A jovem Ellen, aparentemente não entendeu completamente
influenciou Ellen White naquele momento da sua todas as implicações das suas primeiras visões. Ela teve que
experiência. No entanto, o entendimento da visão aumentou operar dentro da mentalidade do seu tempo, bem como dentro
com o tempo, ajudado por outras visões semelhantes, razão da capacidade mental de uma adolescente. Dessa forma,
pela qual Ellen White citou Órion uma única vez e não o fez assimilar tudo o que compunha suas primeiras visões levaria
posteriormente. Ao descrever a mesma cena no livro Spiritual tempo para a jovem Ellen, assim como levou tempo para seus
Gifts (vol. 1, p. 205) publicado em 1858, Ellen White retira contemporâneos.19
Órion da interpretação e repete termos que usou em 1847
para descrever a vinda de Cristo por um “espaço claro de Nas palavras da própria Ellen White:
glória.” A mesma terminologia é usada no livro O Grande
Conflito (edições de 1888 e 1911), considerado o relato final Com freqüência me são dadas representações que a princípio eu
e autoritativo por Ellen White dos eventos finais, onde ela não compreendo, mas depois de algum tempo elas se tornam
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claras pela reiterada apresentação dessas coisas que a princípio de fato o ponto no céu por onde Cristo passará, de onde vinha
eu não entendi, e de certas maneiras que fazem com que o seu voz de Deus e por onde a Cidade Santa vai descer após o
significado seja claro e inconfundível (Carta 329, 1904; Milênio. Essa suposta “abertura” que eles pensavam existir na
Mensagens Escolhidas, 3:56). época era o melhor exemplo de uma entrada para o Céu onde
Deus e Seus anjos estão. Esse era o entendimento que ela
Essa progressão do entendimento da revelação faz parte de tivera da visão em seu contexto e em suas limitações na época,
um princípio articulado por Ellen White ao dizer que Deus haja vista que não temos evidência que Deus revelou-lhe que
revelou-se aos seres humanos levando em conta seu contexto o espaço aberto era Órion especificamente. Órion era
e o momento de sua experiência: “via apropriada ocasião para relevante para eles naquele momento; hoje sabemos que essa
impressionar o homem nos vários tempos e diversos lugares ... suposta “abertura” em Órion para um espaço além não existe,
a fim de chegar aos homens onde eles se encontram... na ela não se abre para nehuma região mais iluminada do
linguagem dos homens” (Mensagens Escolhidas, 1:19, 20). cosmos, como se fosse a porta do Céu. Órion é uma nebulosa
Isso significa que Deus leva em consideração a capacidade como qualquer outra, cheia de gases, estrelas e poeira
do profeta de assimilar o que está sendo revelando enquanto cósmica. Por outro lado, a título de consistência, insistir no
permite conceitos e pressuposições locais do profeta como “espaço aberto” literal em Órion implica defender não só que
elementos periféricos para “emoldurar”, por assim dizer, Júpiter só tem 4 luas, mas que a Terra tem quatro cantos e que
verdades mais profundas. A moldura é um detalhe somente, a as estrelas cairão do céu!
verdade revelada é axiomática e absoluta. O teólogo adventista Vale a pena também relembrar que um dos princípios de
Alden Thompson descreve esse princípio revelatório assim: interpretação dos seus escritos articulado por Ellen White é
“Os limites de tempo e circunstâncias, cultura e levar em conta o “tempo e lugar” dos textos: “Quanto aos
conhecimento humano, estabelecem os marcos dentro dos testemunhos ... o tempo e o lugar, porém, têm que ser
quais a revelação pode ser eficaz. ... O bom ensino sempre considerados.”23 Sem dúvida o “tempo e lugar” da visão de 1848
envolve ilustrações eficazes, que são concretas, justificaram o uso de Órion, algo que foi substituído
compreensíveis, adaptadas para as necessidades do estudante. posteriormente pela expressão genérica “espaço claro” que em
Elas apontam para a verdade mas não devem ser confundidas nada diminui o sentido da visão, já que o espaço em si não é o
com a verdade.”20 centro da visão, e sim a descrição do retorno de Jesus.
Como vemos esse princípio na Bíblia? Por exemplo, Finalmente, o uso de fontes e a influência de outros autores
Moisés classificou o coelho como um animal ruminante (Lev nos escritos de Ellen White em questões não-essenciais como
11:6), hoje sabemos que ele não é. Isaías disse que a Terra história e astronomia são exemplificados no processo pelo
tinha “quatro cantos” (Isa 11:12);21 João, além de citar os qual passou a primeira edição do livro O Grande Conflito
mesmos quatro cantos (Apoc 7:1), descreve a Nova Jerusalém (1888). Na sua segunda edição em 1911, o livro passou por
cercada de um muro e portas, algo que reflete a estrutura da uma revisão para corrigir algumas discrepâncias históricas.
Jerusalém que ele conhecia no primeiro século. Jesus disse Esse processo foi liderado e impulsionado pela própria Ellen
que, como sinal da proximidade da Sua Vinda, “as estrelas White: “Quando me chegou a atenção que o livro O Grande
cairão do céu” (Mar. 13:25); hoje sabemos que não é possível Conflito deveria ser reimpresso, decidi que teríamos que
uma estrela cair para a Terra, ele só poderia estar se referindo examinar tudo minuciosamente a fim de estabelecer se as
ao que conhecemos hoje como meteoritos e não a estrelas de verdades ali contidas foram expressas na melhor maneira
verdade. possível e para convencer aqueles que não são da nossa fé que
Como vemos esse princípio na menção de Órion por Ellen o Senhor me guiou e susteve ao escrever essas páginas.”24 (O
White ao interpretar a visão de 1848? Se Deus realmente referido artigo do White Estate explica as revisões).
mostrou a ela que Júpiter tinha 4 luas (conhecimento corrente Fica evidente então o fato já delineado anteriormente que
da época) hoje sabemos que Júpiter tem 63 luas! Se ela viu Ellen White não recebeu inspiração verbal. Ela teve visões em
mesmo Saturno com 7 luas—conhecimento da época—hoje estilo de imagens estáticas rápidas25 e precisou interpretá-las e
sabemos que Saturno tem 60 luas. É claro que Bates não descrevê-las em sua própria linguagem como as havia entendido
acreditaria nela se ela dissesse que Saturno na verdade tinha naquele momento. Em muitos casos ela também se valeu da
60 luas.22 No livro Educação, Ellen White diz que as estrelas linguagem de outros autores da época para expressar os pontos
refletem a luz solar (p. 14); hoje sabemos que estrelas possuem essenciais das visões. Com o passar dos anos, o Espírito Santo
luz própria. Não é difícil entender porque Ellen White estava a fez entender essa visão (bem como outras visões) de maneira
convencida de que o “espaço aberto” em Órion—que José diferente, através de repetidas representações, o que
Bates defendia pela Bíblia como sendo a porta do céu— era
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posteriormente ela descreveu sem citar Órion no livro um prato cheio para alguns em nosso meio que tendem ao
Spiritual Gifts em 1858 e O Grande Conflito em 1888. sensacionalismo. Sem dúvida o anseio pela vinda de Jesus é
louvável. Porém, lembremo-nos que Jesus virá pela Segunda
Conclusão Vez porque Ele prometeu. Nossa fé não deve depender de
Ellen White interpretou o “espaço aberto” no céu como cataclismas, abalos, supostos eventos no cosmos, problemas
Órion somente em 1848 porque isso era o melhor que ela com o meio ambiente, crises políticas ou religiosas mas sim
(através dos estudos de astronomia e teologia de José Bates) da crença firme na promessa de Jesus: “Virei outra vez”. No
conhecia sobre a relação entre astronomia e a Bíblia. Ao dizer de Pedro: “Mas nós, segundo a sua promessa,
descrever a mesma cena no livro Spiritual Gifts, 1:205 (1858), aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça”
Ellen White substitui Órion por termos que usou em 1847 (2 Pe 3:13).
para descrever a vinda de Cristo por um “espaço claro de
glória indescritível” mesma terminologia usada na primeira
edição do Grande Conflito em 1888. Para todos os efeitos,
Órion deixou de ter relevância para os eventos finais na
interpretação de Ellen White já em 1858.
O presente estudo evidencia a necessidade de entendermos
a dinâmica da revelação nos escritos de Ellen White e André Reis, Ph.D., cursou Teologia no Unasp-2 de 92-95, durante esse
aplicarmos princípios corretos de interpretação dos seus período foi tradutor e assistente de pesquisas no Centro White. Cursou
escritos a fim de evitar interpretações extremas e equivocadas. Mestrado em Divindade na Andrews University, e Mestrado em Música pela
Muitas especulações têm surgido através dos anos sobre o que Longy School of Music. Formou-se com um Ph.D. em Novo Testamento pela
Universidade Adventista de Avondale.
estaria acontecendo em Órion, desde sons de trombetas, luzes
inexplicáveis, sons de cavalos marchando ou até que as Três
Marias estão se afastando para dar lugar à vinda de Cristo.
Nada disso tem base em fatos concretos; são meras lendas
urbanas Adventistas.26 Infelizmente, essa passagem tem sido

Referências 16
Kheon Yigu, “Issues of the ‘Open Space in Orion’ Presented in SDA Literature (1846-1994)”, Sahmyook
1
John Loughborough, The Rise and Progress of Seventh-day Adventists (Battle Creek, MI: General University.
Conference of Seventh-Day Adventists, 1892), 125–127. 17
Martin Carey, “The Opening Orion”, publicado online em
2
Ella Robinson, Histórias de Minha Avó (São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1960), 40–42. http://lifeassuranceministries.org/proclamation/2009/3/openingorion.html
3
Tiago White comentando a visão baseia-se em Bates para dizer que ela viu “Júpiter, Saturno e um outro 18
Merton Sprengel e Dowell Martz, “Orion Revisited”, Review and Herald (25/3/1976), 4–7; “How Open
planeta” (cf. A Word to the Little Flock [Brunswick, ME: 1847], 22). is Orion's Open Space?”, Review and Herald (01/04/1976), 9–11; “Does the Open Space Exist Today?”
4
Veja Vida e Ensinos, 88. Review and Herald (08/04/1976), 6–8.
5
John Loughborough, The Rise and Progress of Seventh-day Adventists, 125–127. 19
“Ellen White’s Growth in Understanding Her Own Visions”, disponível no site www.ellenwhite.com,
6
Veja Francis Nichols, Ellen White and her Critics (Takoma Park, MD: Review and Herald, 1951), 91–101. Appendix G.
7
Joseph Bates, The Opening Heavens (New Bedford, CT: Press of Benjamin Lindsey, 1846), 8, 27. O título 20
Alden Thompson, Inspiration: Hard Questions, Honest Answers (Hagerstown, MD: Review and Herald,
todo é longo: “Os Céus Que Se Abrem, ou uma Opinião Relacionada do Testemunho dos Profetas e 1991), 297.
Apóstolos a Respeito dos Céus Que Se Abrem Comparada a Observações Astronômicas em Relação à 21
A palavra hebraica para canto significa literalmente “extremidade”. A interpretação de “pontos cardeais”
Presente e Futura Localização da Nova Jerusalém, o Paraíso de Deus”. Disponível em portanto, não prospera. A Terra, sendo redonda, nunca terá um ponto “extremo”.
http://www.gutenberg.org/files/57330/57330-h/57330-h.htm. 22
Veja Herbert Douglass, Mensageira do Senhor (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1998), 113.
8
Agnes Clerke, A Popular History of Astronomy During the 19th Century, 4th edition (London: Adam and 23
Mensagens Escolhidas, 1:57.
Charles Black, 1902), 22. 24
White Estate, “The 1911 Edition of ‘The Great Controversy’: An Explanation of the Involvements of the
9
Bates, The Opening Heavens, 2. 1911 Revision”, disponível no site www.EllenWhite.com. Segundo o seu filho Willie White, ela
10
Idem, 8, 27. considerava O Grande Conflito como uma “expansão dos temas publicados no livro Spiritual Gifts, 1
11
Idem, 28. (1858) e Primeiros Escritos. Ellen White, “W. W. Prescott and the 1911 Edition of The Great Controversy”,
12
Joseph Bates, The Autobiography of Elder Joseph Bates (Battle Creek, MI: Steam Press of the Seventh- p. 1, disponível em www.EllenWhite.com. Willie White argumenta corretamente no artigo acima que
Day Adventist Publishing Association, 1868), 154. Ellen White não se considerava autoridade em história ou outros assuntos técnicos.
13
John Loughborough, The Rise and Progress of Seventh-day Adventists, 125–127. 25
Mensagens Escolhidas, 3:447. Aqui a tradução em português deixou a desejar já que “flash-light
14
Veja Bates, The Opening Heavens, 11. Day Star citado por Bates sem referência. pictures” em inglês (fotos rápidas com flash) foi traduzido como “rápidas visões”. O sentido de “fotos”
15
Veja Primeiros Escritos, 34. estáticas se perdeu.
26
Veja Yuri Mendes, Os Mistérios de Órion (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007), capítulo 4.

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