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1 INTRODUÇÃO
Como Roudinesco (2003) bem apontou, com a decapitação do Rei Luiz XVI,
são decapitadas as cabeças de todos os pais, pois, até então, era o poder divino,
encarnado no poder monárquico, quem sustentava o pátrio poder. O poder monárquico
guardava uma natureza divina que, além do monarca, estava representada também nos
pais. Além disto, para Foucault (2003, p. 81), “a família é uma espécie de célula onde o
poder que é exercido não é, como habitualmente, disciplinar, mas, ao contrário, é um
poder do tipo de soberania”. Portanto, durante séculos, desde o império romano, foi o
poder do soberano que sustentou, simbólica e socialmente, o pátrio poder, oriundo
ambos, em certa medida, do poder divino.
Em decorrência desta perda de poder, emergem como protagonistas os demais
figurantes deste drama: a mãe e o/a filho/a. Conforme Godelier (2004), três foram as
metamorfoses que acompanham tal emergência: a dos sexos, a da mulher e a da criança.
As mulheres conquistaram direitos e poderes que lhes permitiram não apenas
reduzir a dominação masculina, mas inverter o curso, ao controlar a possibilidade de
procriar, trazendo angústias de um mundo subvertido por suas próprias inovações
(ROUDINESCO, 2003). As crianças, igualmente, tomaram para si a coroa e se tornaram
crianças-reis, em um desvio do que seriam relações igualitárias e democráticas dentro
do âmbito familiar.
O pai, que era alguém real, e que, ao reconhecer a paternidade, tornava a criança
cidadã, passou a ser designado como “figura parental”, para após ser tornar “um
significante”, uma abstração, um símbolo de algo que deveria existir. Assim,
1
Doutora em Psicologia (USP) e professora do Programa de Pós-graduação em Família na Sociedade
Contemporânea (UCSal).
2
Doutora em Psicologia Social (USP) e professora do Programa de Pós-graduação em Família na
Sociedade Contemporânea (UCSal).
3
Doutoranda em Família na Sociedade Contemporânea (UCSal) e professora da Universidade Estadual
de Feira de Santana (UESF).
Roudinesco (2003) afirma que Lacan, ao retomar a concepção da lei do pai e do logos
separador – significando o primado de diferenças necessárias para haver uma
organização social e psíquica, faz da ordem simbólica uma função da linguagem
estruturante do psiquismo. Portanto, o pai, como tal, desaparece: é linguagem.
Segundo Roudinesco (2003), o termo “parentalidade” foi criado em 1970 para
definir a qualidade de pai ou sua faculdade de acessar uma função dita “parental”;
portanto, evidenciando um universo funcionalista evacuado de todo sentido do trágico,
reduzindo a família a uma empresa de planificação jurídico-comportamental. Para esta
autora, a definição de uma essência espiritual, biológica ou antropológica da família,
fundada no gênero e sexo ou nas leis de parentesco, e de uma definição existencial,
induzida pelo mito edípico, foi substituída por uma definição horizontal e múltipla,
inventada pelo individualismo moderno, e logo dissecada pelo discurso de especialistas.
Para esta autora, essa família se parece com uma tribo insólita, com uma rede
assexuada, fraterna, sem hierarquia nem autoridade, e na qual cada um se sente
autônomo ou funcionalizado.
Em Bourdieu (1993), a família pode ser vista como um constructo, uma palavra-
de-ordem, cujo principal autor é o Estado. Donde, muito do que estamos observando,
referente ao pai, pode ser dito ter sido “orquestrado” pelo poder estatal.
Desta perspectiva, os Estados assumiram a dupla autoridade enfraquecida do pai
e da mãe para que a família não afundasse. As instituições educativas, sociais, medicais
e culturais organizaram a vida privada de cada membro para fazer da família o lar
normativo de uma individualidade cidadã e democrática (ROUDINESCO, 2003).
Para Foucault (2003), isto foi realizado pela psicologização do indivíduo.
Foucault retraça aspectos desta história apontando como, com a emergência do
proletariado e de suas consequências, como filhos naturais, abandonados, infanticídios,
etc., há um reforço, nos anos 1820-1825, para a reconstituição da família como uma
célula que obedeça a um mecanismo que não é disciplinar, mas cujos mecanismos
disciplinares não poderiam funcionar se não tivessem, ao seu lado, para fixar os
indivíduos, esta célula de soberania que constitui a família. E, após isto, quando a
família não faz mais o seu papel, há o aparecimento de orfanatos/abrigos, de prisões
para jovens infratores, enfim, tudo o que faz a assistência social que tem, como função,
constituir uma espécie de tecido disciplinar que pode tanto substituir a família,
reconstituí-la ou prescindir dela. E, como substitutos disciplinares, aparecem o que
Foucault denomina função-Psy: os psiquiatras, os psicólogos, etc. Para ele, a função-Psy
é tornar o indivíduo psicológico.
Para Foucault (2003), a função-Psy se estendeu a todos os sistemas:
disciplinares: escola, exército, oficinas, etc., o que, em Roudinesco (2003, p. 243)
aparece como ante
Assim, poderemos dizer que a “queda do império paterno” ocorreu com a queda
da monarquia divina e com a emergência do psicologismo individualista.
No entanto, a realidade, como sempre, é bem mais complexa, havendo os
inúmeros sub-grupos étnicos, sociais, econômicos, educativos, cujas diferenças não
permitem igualar o que é e permanece diverso.
Fonseca (2000), ao comentar que o processo de modernização não afetou do
mesmo modo todas as partes da população brasileira, repercutindo em homens e
mulheres de classes diferentes de modos distintos, aponta que, no caso de famílias da
classe trabalhadora, os estudos afastaram-se dos casos de abuso masculino para abordar
o desaparecimento e a exclusão dos homens. Sarti (2004) explicita como as políticas
públicas atuais no Brasil, ao enfatizar apenas as mães, excluíram o pai. Todos os
programas de assistência social estão dirigidos à mulher enquanto mãe. E é ela, de fato,
que se apresenta ante os órgãos públicos. No entanto, ao apontar o enfraquecimento da
pessoa do pai estariam, ao mesmo tempo, reforçando tal enfraquecimento. Poder-se-ia
perguntar: a quem serve um pai fraco? As mulheres têm sido acusadas de os estarem
criando, mas são, mais do que todos, as vítimas desta situação. Fonseca (2000, p. 163),
então, pergunta o que é, também, a nossa questão: será que “o estereótipo negativo dos
homens latinos, homens da classe trabalhadora em especial, não cria, simplesmente
bodes expiatórios para as desastrosas condições engendradas por políticas econômicas
incompetentes?”
A seguir serão apresentados aspectos relevantes das mudanças na paternidade,
referidos tipos de envolvimento paterno e, na sequência, sintetizados alguns estudos
desenvolvidos por Elaine Rabinovich e Lúcia Moreira, com a colaboração de outros
pesquisadores, sobre o pai em dois contextos brasileiros: Bahia e São Paulo.
2 DESENVOLVIMENTO
Para Cabrera et al. (1999) o conceito de pai social traduz a ideia do pai
psicológico de Hutter (2006), sendo o primeiro autor de origem americana e, o segundo,
australiano, o que talvez justifique a visão da influência da cultura na referida
conceituação, uma vez que, Hutter (2006) afirma que as mudanças sociais, advindas da
cultura capitalista ocidental, trazem-nos novos modelos diversos de família e
paternidade tais como o modelo de pai na família nuclear, na nova família social, pais
não residentes e o pai solteiro. Para ele, existem culturas que apontam para a diminuição
da paternidade e as que pregam sua intensificação. As culturas que pregam a diminuição
da paternidade a faz por meio do discurso da crescente demanda do mercado de
trabalho, das práticas familiares dos pais ausentes, ou de pais que exercem a paternidade
como uma obrigação jurídica. As culturas que falam sobre a intensificação da
paternidade a faz através do discurso da nova paternidade como o modelo de pais
colaboradores, responsáveis que exercem seu papel compartilhando com o trabalho
através de arranjos flexíveis e com um maior envolvimento com os filhos.
Assim, para Hutter (2006), existem dois tipos de paternidade: a positiva, que
engloba os modelos provedor e cuidador, e a negativa, que engloba os modelos
irresponsável, individualista e livre. Para estes pais, a paternidade encontra-se fora de
moda. O autor levanta a hipótese de que talvez a paternidade no futuro venha a
aumentar em qualidade e a reduzir-se em quantidade.
Conforme Lamb (2010), os pais desempenham distintos papéis em diferentes
subculturas e contextos e os diversos grupos trazem contradições sobre o que significa
ser um bom pai. O autor exemplifica com a noção de que o provedor pode ser de grande
importância em certos contextos (quando a criança foi concebida em um relacionamento
não duradouro), enquanto como orientação moral pode ter uma menor importância
relativa. Para outras comunidades, o suporte financeiro pode ter menor relevância,
sendo cruciais os cuidados diretos, supervisão e suporte emocional. Souza e Benetti
(2007) complementam alegando que o conceito de paternidade tem-se modificado ao
longo das épocas, refletindo as alterações no contexto socioeconômico e cultural das
sociedades.
A observação do conceito da paternidade, sob o enfoque histórico, mostra que as
características dos papéis e interações familiares sofrem transformações na sociedade
ocidental, desde o modelo patriarcal, entendido como modelo de organização familiar
centrado na figura masculina, até a multifacetada sociedade pós-moderna quando
surgem novas formas de família. Sendo que o papel que o pai exerce hoje,
particularmente nas sociedades ocidentais, é único na história da humanidade.
Analistas da contemporaneidade (BAUMAN, 2004; CASTELLS, 2010) têm
mostrado a fragilidade dos laços entre os indivíduos, a transitoriedade das posições
identitárias e as profundas mudanças ocorridas nas instituições sociais. Como pensar os
papéis de pai e de mãe neste cenário? Indicadores demográficos 5 revelam a crescente
diversidade dos arranjos familiares, mas estes dados, tomados isoladamente, não ajudam
a entender como estão se constituindo os lugares sociais de pai, mãe, filhos/as;
demonstram, sim, a pluralização das relações familiares. Portanto, há que se buscar a
forma como elas estão sendo significadas/vivenciadas.
Segundo Hennigen e Guareschi (2002, p.9):
Ser pai era considerado, até pouco tempo, algo da ordem do natural e
a ciência, assim como a crença popular, afirmava a importância do
pai para o desenvolvimento da criança; em função dessa
naturalização, estudos mais aprofundados a respeito da relação pai-
filhos/as e sobre os caminhos da paternidade para o homem não eram
empreendidos. [...] Entretanto, só a partir dos estudos sobre a mulher,
impulsionados pelo feminismo, que pesquisadores/as vão buscar
compreender melhor a masculinidade e a paternidade, que passam a
ser vistas sob outro prisma, como construções sociais. As mudanças
sócio-econômicas e culturais que foram se consolidando na segunda
metade do século XX provocaram alterações nas condições femininas
e masculinas, desencadeando a necessidade de se buscar diferentes
5
IBGE. Síntese de Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira 2010.
Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsocia
is2010/SIS_2010.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2011.
compreensões sobre as relações pessoais e sobre os laços e novas
configurações familiares.
O estudo do papel do pai com os cuidados dos filhos depara-se com uma
diversidade de definições da palavra envolvimento, sendo muitas vezes referida na
literatura como sinônimo de cuidar. Entretanto, para Lamb (2010), cuidar é uma sub-
categoria da palavra envolvimento. Nota-se que ambos os termos, cuidar e envolver,
tratam da noção de responsabilidade para com alguém ou algo. A palavra envolver
6
Este tópico consiste em parte da tese de doutorado de Ana Barreiros de Carvalho, que está sendo
orientada pela Profa. Dra. Lúcia Vaz de Campos Moreira e ainda encontra-se em fase de elaboração junto
ao Programa de Pós-graduação em Família na Sociedade Contemporânea (UCSal).
significa comprometer, participar, tratando-se, assim, das responsabilidades do pai para
com seus filhos no contexto contemporâneo.
Segundo Parke e Brott (1999), o conceito de envolvimento paterno tem sido
utilizado por alguns autores simplesmente como um sinônimo de participação do pai na
família, enquanto outros o entendem como um construto que engloba aspectos como:
(a) comportamento do pai, (b) interação com a criança, cuidados, recreação, apoio à
esposa, sentimentos do pai – a satisfação com a paternidade, (c) a qualidade da relação
pai-criança. Contudo, a falta de uma definição clara e consistente desse conceito tem-se
constituído um grande obstáculo para a compreensão do papel do pai.
Em suas primeiras formulações, o conceito de envolvimento paterno enfocou
principalmente a quantidade de envolvimento, sem atentar para seu conteúdo e
qualidade. Pleck e Stueve (2004) sugeriram que essa ênfase quantitativa refletia a
preocupação dos primeiros pesquisadores que estudaram o pai, os quais, tendo em vista
o grande aumento dos índices de divórcios e filhos fora das relações conjugais,
buscavam verificar o quanto esses pais ”ausentes” reduziam sua participação na vida de
seus filhos. Quando os pesquisadores começaram a se interessar por algo além de uma
caracterização global do pai como ausente versus presente, a qualidade do envolvimento
passou também a ser foco de estudos, iniciando o olhar para os pais e não apenas para
os componentes paternos.
Uma definição de envolvimento paterno que encontra o maior número de
adeptos no meio dos pesquisadores internacionais é a proposta por Lamb (2010), que o
classifica em três dimensões: (a) engajamento, (b) acessibilidade/disponibilidade e (c)
responsabilidade. Para o autor, o pai começa a desempenhar numerosas atividades de
cuidados, tais como preparar a comida; alimentar os filhos; colocar as crianças na cama
para dormir; brincar e muitas outras atividades. A paternidade, assim, deixou de incluir
somente o papel limitado à figura de provedor para abarcar atitudes de maior
envolvimento com os filhos.
Segundo Lamb (2010), as mães descrevem o envolvimento paterno nas seguintes
atividades: (a) provocam sempre as crianças para fazê-las sorrir, (b) trocam fraldas, (c)
dançam com as crianças, (d) brincam com os filhos. Entretanto, Craig (2006 apud
FURMAN; CALITER, 2009), encontrou um significativo número de estudos que
mostram que a mulher assume uma proporção maior de tempo com as atividades de
cuidados dos filhos do que os homens, enquanto os pais engajam-se mais facilmente
com brincadeiras, conversas e atividades de educação e recreação. Sendo assim, são
inegáveis as transformações do papel masculino na família e o maior envolvimento
masculino no cuidado de seus filhos, principalmente na classe média.
São vários os fatores que influenciam o envolvimento do pai com os cuidados da
criança. Barker e Verani (2008) relacionam os seguintes fatores: (a) nível educacional e
rendimentos; (b) qualidade do trabalho do pai; (c) relacionamento do pai com a mãe; (d)
idade da criança; (e) idade e estágio de desenvolvimento do pai; (f) relacionamento que
os pais tiveram com seus próprios pais; (g) políticas de apoio à paternidade e a cultura
dos locais de residência e de trabalho, etc.
Para Barker, Ricardo e Nascimento (2009) um estudo realizado no Chile
comprovou que o pai de baixa renda dedica menos tempo aos filhos que os de classe
média. Segundo eles, na América Latina e Caribe existem poucos profissionais do sexo
masculino inseridos na área de cuidados/educação de crianças pequenas, trabalhando,
por exemplo, em escolas primárias e creches. Os autores informam, ainda, que um
estudo no Caribe comprova uma forte crença de que os homens não sabem cuidar de
crianças, ou que se os homens tiverem maior contato com as crianças, existirá um
grande risco de abusos físico ou sexuais. Na Nicarágua, um estudo sugere que 90% do
trabalho doméstico é realizado por mulheres. No Brasil, segundo o IBGE (2007), 91%
das mulheres realizam trabalho doméstico, enquanto apenas 51% dos homens realizam
este tipo de trabalho.
Hofferth (1999, apud CABRERA et al., 2004) criou a teoria que define o
envolvimento segundo quatro fatores: (a) tempo gasto; (b) monitoramento e controle;
(c) aconchego e afeto e (d) responsabilidade.
Já Coleman (1998) associa o envolvimento com a teoria do capital social e
descreve três tipos de capital baseado na família: (a) capital financeiro, (b) capital social
da família (ou a preparação da criança) e (c) capital comunitário que é aquele que está
enraizado na família e se refere à promoção da ligação com o mundo mais amplo: (1)
servindo de defensores das crianças na escola e em outros locais; (2) compartilhando
suas próprias redes com suas crianças ou integrando o adolescente ao mercado de
trabalho; (3) compartilhando seu conhecimento de como negociar a entrada da criança
no mundo adulto, por exemplo, sabendo como agir em uma entrevista de emprego.
Segundo Cabrera (2010), pesquisas sobre a definição de “bom pai” têm-se
proliferado durante os últimos dez anos, porém as que envolvem questões
metodológicas e da medição sobre como recrutar e entrevistar o pai têm progredido
pouco. Para eles, algumas limitações das antigas abordagens tais como a utilização das
mães como as mais próximas aos pais, a abordagem do pai genérico em lugar do pai
especificado pela criança, generalização das pesquisas apenas na classe média, a
validação dos dados auto-declarados pelo pai e a definição dicotômica do pai ausente
versus presente tem dificultado esta medição. Cabe destacar que muitas investigações a
respeito das mudanças relativas à paternidade, bem como seus efeitos sobre os filhos,
foram realizadas pela observação dos comportamentos dos pais com suas crianças.
Para Allen e Daly (2007), capturar e medir a natureza multidimensional do
envolvimento paterno é um desafio significativo que deve ser estruturado a partir da
relação pai-mãe-criança ou numa visão sistêmica, em lugar de apenas focalizar-se a
díade relacional pai-criança uma vez que, muitas vezes o pai funciona como fonte de
apoio emocional e prático para as mães, melhorando a qualidade do relacionamento
mãe-criança e facilitando o desenvolvimento infantil; adicionalmente, o pai influencia
indiretamente a criança através de seu capital social acumulado, permitindo-lhe acesso a
privilégios, renda e rede social.
Teorias sobre envolvimento são trazidas por Pleck (2010), a exemplo das teorias
sobre a investigação do estilo parental; a teoria que estuda o calor da responsividade; o
conceito de envolvimento a partir dos processos proximais de Bronfrenbenner, que faz
uma analogia do processo proximal com um jogo de pingue-pongue entre a criança e
sua parceira do microssistema, mas onde o movimento de volta da bola fica
crescentemente mais complexo, e no qual o parceiro do microssistema mais maduro
gradualmente introduz movimentos mais complexos e recíprocos, sendo a dimensão
afetiva um componente da responsividade. Várias outras teorias são apresentadas por
Cabrera et al (1999), a exemplo de Volling e Belsky (1992), que traduz o envolvimento
como função da interação das respostas entre pai e filho; Snarey (1993), que estabelece
o conceito de envolvimento como função do desenvolvimento intelectual da criança, do
seu desenvolvimento social e físico; Palkovitz (1997) que estuda o envolvimento
através de três dimensões: cognitiva, afetiva e comportamental.
Segundo Palkovitz (1997), o conceito de envolvimento paterno é definido e
medido de variadas formas. Para ele, a minoria dos modelos deficientes de paternidade
advém de uma visão limitada, estreita e míope do conceito de envolvimento e existe a
necessidade de se expandir e reconstruir o entendimento do conceito de paternidade.
Segundo o autor, antes de 1986 o conceito de paternidade era unidimensional, limitava-
se a definir a presença ou ausência do pai. A partir de 1986, com a tipologia tripartite de
Lamb (2010), a paternidade foi definida segundo os critérios de interação,
acessibilidade e responsabilidade.
Palkovitz (1997) refere que a visão distorcida da paternidade advém de crenças
equivocadas como: (a) Quanto mais envolvimento, melhor (alguns pais podem preferir
compartilhar com seus filhos atividades que podem não parecer envolvimento, a
exemplo de uma pescaria); (b) Envolvimento requer aproximação (o pai pode estar
ausente, porém fazendo muitos planos para o futuro da criança); (c) O envolvimento
pode ser observado e medido (às vezes, o aumento do envolvimento pode ser
demonstrado com a diminuição da presença a exemplo de quando se dá liberdade à
criança para realizar algumas tarefas); (d) O nível de envolvimento é estático,
simultâneo e previsível (muitas vezes o pai pode ter horários de trabalhos variados de
acordo com a escala estabelecida pela empresa); (e) Padrões de envolvimento podem ser
iguais em diferentes culturas; (f) As mulheres são mais envolvidas que os homens (às
vezes, os homens gastam mais tempo brincando com as crianças do que as mulheres
cuidando dos mesmos).
Conforme já mencionado, para Allen e Daly (2007), o envolvimento paterno
passou a ser um construto multidimensional, complexo, dinâmico, direto e indireto.
Nesta direção, Palkovitz (1997) apresenta o conceito expandido de paternidade segundo
15 fatores, classificados em três categorias: cognição, afeição e comportamento. Os 15
fatores de envolvimento paterno incluem: (a) comunicar (ouvir, falar, demonstrar amor);
(b) ensinar (modelar o papel, encorajar, mostrar interesse, participar de atividades); (c)
monitorar (amigos e tarefas escolares); (d) processos cognitivos (preocupar, orar); (e)
cuidar (alimentar, dar banho); (f) compartilhar interesses (ler junto); (g) estar
disponível; (h) planejar (atividades, aniversários); (i) compartilhar atividades (comprar,
brincar); (j) prover (alimentos, roupas); (k) dar afeto; (l) proteger; (m) dar suporte
emocional (encorajar a criança), (n) manter e (o) acompanhar.
Cabe ainda refletir sobre a existência de um paradoxo entre as exigências feitas e
as possibilidades oferecidas aos pais. Quando o pai insiste em tornar-se participante,
surge a falta de reconhecimento pelo seu engajamento nesse cuidado. Não apenas a
mãe, mas a sociedade como um todo, costuma não valorizá-lo. Esta prática de exclusão
legitima as representações de que o pai é incapaz de cuidar ou tratar das questões
inerentes ao filho, colocando-se como apoio à mãe e provedor. Apesar das dificuldades,
segundo Barker, Ricardo e Nascimento (2009), pesquisas na América Latina confirmam
que os pais estão mais envolvidos com a recreação e brincadeiras do que com os
cuidados das crianças. Para os autores, algumas pesquisas têm sugerido que na Europa e
nos Estados Unidos o número de horas que os homens estão dedicando aos cuidados de
suas crianças está aumentando.
No Brasil, conforme Cerveny e Chaves (2010), pesquisas relativas à dinâmica da
família apontam que ainda permanece a imagem do pai como provedor financeiro da
família e a mãe como provedora emocional, mesmo que pai e mãe sejam profissionais
com idênticas jornadas de trabalho.
Estudo com crianças em dois contextos brasileiros (os Estados de São Paulo e
Bahia), desenvolvido por Carvalho, Rabinovich e Moreira (2010) também revelam que
o pai tem sido identificado como alguém que brinca e transmite afeto, porém, na
população de baixa renda ainda predomina o papel tradicional de provedor.
Homens e mulheres estão imersos em uma cultura que modela suas atitudes,
crenças e percepções sobre o que é possível e apropriado. Existem problemas
significantes decorrentes da cultura e da prática. Um exemplo é o ambiente
organizacional que prioriza o homem como provedor e a mulher como cuidadora. A
cultura organizacional no trabalho aparece, tanto nas pesquisas realizadas na Nova
Zelândia como na literatura internacional, como a principal barreira à participação do
homem no trabalho não remunerado (FURSMAN; CALLISTER, 2009).
Parece que o cuidado das crianças se transformou num divisor de águas que
distingue os pais. O pai “de verdade” está disponível, participa. A partir dessas
considerações é muito fácil se estabelecer uma nova dicotomia – hierarquizada,
restritiva e artificial: pai tradicional versus novo pai (e adicionalmente, ligar o novo pai
a um hipotético novo homem).
Para Oliveira (2007, p. 233), no que se refere às atividades domésticas, “ainda
que arranjos formais igualitários sejam ensaiados quando do início da coabitação, as
mulheres acabam assumindo mais intensamente as tarefas domésticas que são
acrescidas pela presença do bebê”. Para a autora, a experiência masculina revela
dificuldades em encontrar um script de gênero que se acomode às demandas sobre o
tempo masculino, ainda comandado pelos projetos de sucesso profissional dos homens.
O presente tópico tem por objetivo sintetizar pesquisas que tiveram como objeto
o tema família focalizando os elementos sobre o pai que nelas apareceram. Tais estudos
foram realizados em dois contextos brasileiros: os Estados de São Paulo e Bahia, de
1999 até o presente ano, e foram desenvolvidos por Elaine Rabinovich e Lúcia Moreira,
com a colaboração de outros pesquisadores.
Inicialmente serão referidos estudos com população de baixa-renda de Salvador,
enfocando pais da região de Novos Alagados (Salvador-Ba).
Pesquisa realizada por Moreira (1999), com 90 mães de crianças que
frequentavam duas creches da referida região, obteve como resultados que a questão dos
filhos quase se encerrava numa esfera estritamente feminina. Os homens
desempenhavam papel menos que secundário na criação e educação dos filhos, sendo
que os irmãos ajudavam mais nos cuidados das crianças do que os próprios pais.
A “criação e educação de filhos” restrita a uma esfera de interesses femininos
não era vista com bons olhos pelas mulheres. Sua insatisfação com relação aos homens
se referia principalmente: à pouca colaboração no cuidado dos filhos, à falta ou
insuficiência de ajuda financeira e à ausência. Quando os genitores não moravam juntos,
em 41,8% dos casos, o pai nunca ou raramente mantinha contato com o/s filho/s.
A ausência do pai ocorria não apenas fisicamente, mas também era observada
em decorrência da utilização de bebida alcoólica. Outro agravante era o desemprego ou
subemprego, pois muitos não se encontravam qualificados para a realização de trabalhos
urbanos. Tal fato afetava a auto-estima, pois, historicamente, o homem/pai é visto como
provedor da família.
Petrini, Moreira, Alcântara, Reis, Santos e Fonseca (2007) também abordaram
as questões da família e da pobreza em Novos Alagados entrevistando mulheres que
tinham filhos pequenos e jovens de ambos os sexos. Neste estudo, as mães foram
identificadas como fundamentais, determinavam o momento inicial da vida dos
moradores e eram consideradas como a base e a principal referência para os filhos. Por
outro lado, o pai era mais ausente, e por vezes desconhecido, sendo que apareceu pouco
na fala dos participantes.
Em estudo sobre concepções e práticas de pais com nível superior de
escolaridade sobre educação de filhos desenvolvido junto a pais e mães com filhos
pequenos, que residiam em uma cidade do interior do Estado de São Paulo ou em
Salvador (Bahia), Moreira (2005) obteve como resultados que os filhos são o principal
foco de atenção de seus pais, o que dá sentido à vida deles e são identificados como as
pessoas mais importantes para suas vidas. Os desejos para a vida de suas crianças giram
em torno do bem-estar e da felicidade e as preocupações dos genitores se centralizam na
formação pessoal e profissional de seus filhos. Contudo, os pais pareceram se preocupar
mais do que as mães com relação às questões da violência e das drogas e também
desejavam passar mais tempo com suas crianças.
Outra pesquisa intitulada “Família: olhares de crianças”, desenvolvida pelas
professoras Elaine Rabinovich, Lúcia Moreira, Ana Carvalho (da Universidade Católica
do Salvador) e Célia Nunes Silva (da Universidade Federal da Bahia), abordou dois
contextos: os Estados de São Paulo e da Bahia, totalizando 120 entrevistas com crianças
de cinco a 12 anos, cujos pais apresentavam nível socioeducacional alto (metade dos
participantes de cada contexto) e baixo (outra metade deles). Serão destacados, a seguir,
os resultados encontrados sobre pai e a mãe.
Com os dados obtidos no Estado de São Paulo, Rabinovich e Moreira (2008), ao
realizarem análise qualitativa, identificaram que as mães eram concebidas como mais
importantes e mais atarefadas do que os pais. Estes eram vistos como amigos e como
aqueles que sustentam. Na população de baixa renda, os papéis parentais aproximam-se
mais dos tradicionais, enquanto na de camada média emergiu uma nova configuração,
aparentemente baseada na mudança da figura do pai que, de autoritário, passou a ser
visto como amigo.
Na Bahia, também em análise qualitativa, Moreira, Rabinovich e Silva (2009),
identificaram que as concepções de mãe mais encontradas foram as de cuidadora do
filho, educadora, assim como aquela que cuida de tudo. O aspecto lúdico apareceu com
maior frequência no pai do que na mãe, entretanto, o aspecto afetivo foi mais destacado
nela. As categorias provedor e trabalhador foram mais frequentes no pai, porém, no
aspecto de disciplina, os dois se assemelharam.
Em análise quantitativa envolvendo os resultados obtidos tanto no Estado de São
Paulo, quanto na Bahia e visando complementar e integrar as análises qualitativas
anteriores, Carvalho, Moreira e Rabinovich (2010) constataram a partir dos picos do
perfil de cada membro, que o pai foi concebido como aquele que brinca e educa e a mãe
cuida e dá amor.
Em outro estudo realizado na Bahia, Rabinovich, Franco e Moreira (prelo) e
Rabinovich, Moreira e Franco (prelo), com a colaboração dos alunos do Programa de
Pós-graduação em Família na Sociedade Contemporânea (UCSal), replicaram
parcialmente uma pesquisa sobre família realizada em 30 países por Georgas, Berry,
Vijver, Kagitçibasi e Poortinga (2006), psicólogos renomados ligados à International
Association for Cross-Cultural Psychology (IACCP).
O objetivo foi o de comparar os dados sobre papéis, comportamentos, atividades
e relações entre os membros da família obtidos no estudo de Georgas et al. (2006), com
a realidade da família na Bahia. Para tanto, 170 universitários baianos responderam
questionário com questões fechadas. Como resultados, obteve-se que a mãe é a figura
central nas famílias. Observou-se perda do poder do pai, refletido inclusive no seu poder
financeiro que agora é, em diversos casos, compartilhado com a mãe. Entretanto, ele
vem assumindo alguns papéis que antes não lhe cabiam, como: brincar com os filhos
menores e fornecer suporte emocional à família.
Finalmente, serão apresentados alguns resultados da pesquisa Gênero e família
em mudança: participação de pais no cuidado cotidiano de filhos pequenos 7,
desenvolvido pela equipe de docentes-pesquisadores do Programa de Pós-graduação em
Família na Sociedade Contemporânea (UCSal), entre 2009 e 2011. 8 Tal estudo teve
como objetivo contribuir para uma reflexão interdisciplinar sobre paternidade e
maternidade, acessando debates sobre gênero, rede familiar e não familiar de cuidados e
divisão sexual do trabalho doméstico.
Para tanto, foram entrevistados, em separado, 150 casais residentes em área
urbana de Salvador (Ba), de níveis socioeducacionais médio-alto e baixo, utilizando um
questionário semi-estruturado. O instrumento abordou as atividades: (a) de cuidado
físico: trocar fraldas, dar banho, dar comida, preparar comida, dormir de dia, dormir de
noite, atender à noite, atender quando doente; (b) de lazer/convivência: brincar, cantar/
ler história, passear, comprar brinquedo; (c) de educação/disciplina: disciplinar/educar;
(d) externas: levar ao médico, comprar alimento, comprar roupa e outras externas.
O que se destacou no perfil do pai foi a realização de atividades de
lazer/convivência, educação/disciplina e atividades externas, principalmente comprar
alimento. Houve pouca ou nenhuma colaboração nas atividades de preparar comida,
botar para dormir de dia, dar banho, dar comida e trocar fralda.
Para as mães, a participação independe da avaliação subjetiva quanto a prazer x
desprazer e facilidade x dificuldade da atividade, o que não ocorre com os pais. Assim,
levanta-se a hipótese que o pai desenvolve com mais frequência atividades que mais lhe
agradam (MOREIRA; CARVALHO; ALMEIDA;OWAIA, prelo).9
8
O projeto foi aprovado pelo CNPq no final de 2008, contando com financiamento dessa instituição. O
texto original teve a colaboração de: Mary Garcia Castro e Ana M. A. Carvalho (co-coordenadoras);
Anamélia L.S. Franco; Elaine Pedreira Rabinovich; Giancarlo Petrini; José E. X. Menezes; Lívia A.
Fialho da Costa; Lúcia V. C. Moreira e Vanessa R. S. Cavalcanti, todos professores/pesquisadores da
UCSal – Programa de Pós-graduação em Família na Sociedade Contemporânea, que vêm desenvolvendo
estudos no âmbito do projeto. A partir de 2010, tal projeto contou também com a colaboração de novos
docentes-pesquisadores ingressos no Programa: Isabel M. S. O. Lima e Miriã A. R. Alcântara, e com a
colaboração externa de Nestor N. Oiwa em análises estatísticas complementares.
9
Outros resultados desse estudo são apresentados, neste livro, no capítulo intitulado “Concepções de
adultos e crianças sobre família em diferentes contextos brasileiros”.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Caribbean Region: a critical literature review with policy considerations, 2008.
Disponível em:
http://www.promundo.org.br/Pesquisa/Artigos/DOC%20ING%20Paternidade.pdf.
Acesso em 12/07/09.
HUTTUNER, J. Parenthood from the father’s point of view. Paper presented at the
Wellchi Network Conference 2, Centre for Globalization and governance, Univerity of
Hamburg, p. 31, March-April, 2006.
LAMB, E. M. The role of the father in child development. Fifthy Edition. New Jersey:
Wiley & Sons, Inc, 2010.
LIPOVETSKY, G.; SEBASTIEN, C. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Ed.
Barcarolla, 2007.
PARKE, R. D.; BROTT, A. A. Throwaway dads: the myths and barriers that keep men
from being the fathers they want to be. New York: Houghton Mifflin, 1999.
SARTI, C. A. Algumas questões sobre família e políticas sociais. In: Jacquet, Christine,
Costa, Lívia Fialho. Família em mudança. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2004, p.
193-213.
SNAREY, J. How fathers care for the next generation: a four-decade study.
Cambridge, MA: Harvard University Press, 1993.