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O eixo cultural da Avenida Paulista: a cidade no processo criativo da

arquitetura
Ivo Giroto
Doutor em Teoria e História da Arquitetura (ETSAB UPC); Pós-doutorando na Universidade de São Paulo
(FAU USP/FAPESP).
igiroto@gmail.com

Mônica Junqueira de Camargo


Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas (FAU/USP). Professora Associada Departamento de História
e Estética do Projeto da FAU USP.

Eixo: O projeto na produção da cidade sul-americana contemporânea


Introdução
A indissociável relação entre arquitetura e cidade, a ponto de ser impossível pensar em uma
cidade sem sua arquitetura, vem sendo trabalhada ao longo do tempo pelos arquitetos segundo
leituras e apropriações próprias de cada tempo e lugar que, a partir do movimento moderno,
adquire um protagonismo nas decisões projetuais. Conforme lembrado por ARGAN (1992: 187):
“Após a 1ª guerra mundial os principais arquitetos colocaram explicitamente a questão do
projeto do espaço urbano como preliminar e prioritária em relação à arquitetura.”

Desde então, o papel da arquitetura vem sendo perscrutado por historiadores e críticos, não só
sua contribuição na dinâmica das cidades, como na própria vida das pessoas que nelas vivem,
que a recente publicação Welcome to our world: how built environment shapes our lives, ilustra
muito bem. Segundo a autora GOLDHAGEN (2017: 196) “Edifícios, interiores, ruas, paisagens são
todos campos de ação, lugares moldando o que as pessoas fazem, pensam e como se relacionam
umas com as outras.”

Não por acaso, muitas administrações públicas vêm investindo na arquitetura como elemento
de desenvolvimento econômico, tendo nos espaços culturais a principal estratégia. Os exemplos
são muitos, apenas situando-os em nosso contexto mais imediato: Niterói (1996) e Curitiba
(2002), com museus icônicos projetados por Oscar Niemeyer, ou a criação de distritos culturais
em zonas de interesse histórico – como em projetos para a região da Luz, em São Paulo, ou para
as zonas central e portuária do Rio de Janeiro.

Assumindo, portanto, que arquitetura e cidade formam um só todo de complexa dialética e


compreendendo as dinâmicas que atuam sobre uma cidade como um desafio, propomo-nos a
analisar o papel da arquitetura no significado cultural da Avenida Paulista. Sua trama construída
revela fragmentos de uma trajetória em constante mutação, revelando no presente
sobreposições que indicam uma história mais longa e complexa.

Um dos lugares mais significativos e conhecidos da cidade de São Paulo, a avenida passou por
intensas transformações urbanas desde que foi inaugurada, em 1891. Se por um lado essas
mudanças refletem a dinâmica de uma cidade “palimpsesto” (TOLEDO, 2004, p. 77), por outro,
criaram oportunidades de adequação a demandas econômicas e sociais, das quais os arquitetos
tiraram grande proveito.

Projetada pelo uruguaio Joaquim Eugênio de Lima, aos moldes dos bulevares haussmanianos,
para atender a demanda habitacional da elite paulistana, reuniu palacetes projetados por
importantes arquitetos, como Ramos de Azevedo, Victor Dubugras, Ricardo Severo, Carlos
Ekman entre outros, constituindo um lugar de passeio e de encontro para essa elite. O parque
e belvedere Trianon, a Escola Rodrigues Alves, o ginásio Anglo-Brasileiro depois ocupado pelo
Colégio São Luís, e o Hospital Santa Catarina atraíam mais público para essa região. No final dos
anos 1930, foi permitida a verticalização da área, e na década de 1950 foi permitido o edifício
de uso múltiplo atraindo vários empreendimentos imobiliários que introduziram maior
democratização de usos, alguns deles com salas de cinema. Muitos desses edifícios foram
também projetados por arquitetos que se destacariam no panorama arquitetônico nacional
como David Libeskind, Aberlado de Souza, Giancarlo Palanti, Rino Levi, Giancarlo Gasperini,
Jacques Pilon e Artacho Jurado. A instalação da primeira Bienal Internacional de Artes Plásticas,
em 1951, no belvedere do Trianon, inseriu este endereço no panorama das artes, consolidado
alguns anos mais tarde com o Museu de Arte de São Paulo projetado por Lina Bo Bardi para este
mesmo local.

Com a expansão da área central, nos anos 1970, o centro econômico da capital se desdobrou
para a avenida Paulista, transformando-a em importante referência empresarial do país, com
suas torres corporativas. A importância assumida pela cultura no desenvolvimento das cidades,
a partir dos anos 1990, fez surgir novos equipamentos culturais reafirmando a avenida Paulista
como um dos polos culturais (FRUGOLI, 1995) mais dinâmicos de São Paulo, sendo ela própria
cenário de manifestações cívicas, políticas, artísticas e sociais.

Esse longo percurso que presenciou seus casarões originais serem quase totalmente
substituídos pelas torres que marcam sua paisagem contemporânea, vem intensificando a
diversificação de usos, usuários e habitantes. A avenida Paulista adentra o século 21 como um
eixo residencial, comercial, empresarial e cultural, concentrando em quase três quilômetros de
extensão os principais predicados de uma cidade complexa e diversa, que atrai novos
equipamentos culturais.

Atualmente, a Paulista abriga a Casa das Rosas projetada pelo Escritório Técnico Ramos de
Azevedo que desde abriga o Espaço Haroldo de Campos dedicado à literatura e à poesia; o
instituto Itaú Cultural, de Ernest Mange; o centro Cultural da FIESP intervenção de Paulo
Mendes da Rocha no térreo do edifício sede da instituição, projetado pelo escritório de Rino
Levi; o Instituto Moreira Salles , de Andrade e Morettin; a Japan House , do arquiteto japonês
Kengo Kuma e o SESC Paulista , de Konigsberger e Vannucchi; além de diversos teatros, cinemas
e livrarias. Palco de reivindicações políticas e sociais, acolhe com a mesma generosidade a
parada LGBTS, as caminhadas de diferentes religiões, a virada do ano, as comemorações das
vitórias dos campeonatos de futebol, e desde 2016, com o fechamento, aos domingos, da via à
circulação de veículos, vê-se transformada em parque público onde acontecem
simultaneamente as mais variadas apresentações, de música, teatro, circo, enfim, consagrando-
se como verdadeiro espaço público, onde a diversidade convive com a imprevisibilidade.

É este fenômeno cultural-urbano que este artigo propõe analisar, identificando as estratégias e
os fatos que contribuíram ao processo.

Potente símbolo de modernização urbana desde seu nascimento, a avenida consolidou-se entre
as imagens preferenciais da cidade. Seu caráter de “modelo reduzido” LÉVI-STRAUSS (1976, p.
43-51), dos processos urbanos de uma metrópole dinâmica, contribuiu para inscrevê-la no
imaginário paulistano como paradigma de formas “modernas” de apropriação de espaços
antigos, criando uma percepção do tempo e da história como algo a ser constantemente criado
e recriado (LIMENA, 1996, p. 32)

No mesmo sentido, WANSBOROUGH E MAGEEAN (2010, p. 186) observam que a cultura e, mais
particularmente, a cultura urbana, deve ser vista como uma entidade mais complexa,
continuamente negociada e contestada pelos diferentes grupos sociais, sendo a natureza do
ambiente construído o resultado de diferentes forças que não podem ser reduzidas a uma única
causa. O eixo cultural consolidado ao longo da avenida Paulista é fruto de um longo e difuso
processo de iniciativas públicas, privadas e da própria sociedade, diferentemente de cidades que
concentraram os esforços em projetos de estímulo ao desenvolvimento econômico a partir de
equipamento cultura.
A presença de uma arquitetura de forte caráter simbólico pode ser um apelo atraente. Do
desenho da avenida, aos projetos arquitetônicos das várias fases, as transformações
experimentadas pela avenida revelam o papel preponderante da arquitetura no fortalecimento
das relações entre a cultura urbana e as pré-existências, com novas propostas funcionais,
técnicas e estéticas. Atualmente, projetar para a Avenida Paulista significa equilibrar-se entre
uma ousadia que lhe garanta visibilidade e a responsabilidade de criar algo à altura de sua
tradição arquitetônica. A relação entre arquitetura e cidade é bom argumento para a
perscrutação das obras. Ao buscar compreendê-las como respostas aos desafios de cada
momento, é possível recuperar a leitura dos arquitetos sobre a cidade e qual seu papel no
cotidiano urbano.

O eixo cultural da avenida Paulista


A concentração de manifestações e instituições culturais que toma conta da avenida Paulista
hoje encontra raízes em eventos tão antigos quanto os corsos carnavalescos que tomavam seu
leito nos anos 1910, ou na realização da tradicional corrida de São Silvestre, promovida desde
1924 por iniciativa do jornalista Cásper Libero.

No entanto, foi no terreno destinado ao antigo Belvedere do Trianon, uma reserva de área livre
para fruição da vista do riacho Saracura e do centro da cidade, que as primeiras instituições
culturais começaram a se instalar na avenida. O próprio Belvedere, inaugurado em 1916 com
projeto de Ramos de Azevedo, era um importante palco da sociedade paulistana à época, com
salão de festas, pérgula e restaurante.

Com localização privilegiada, no centro da extensão da avenida, o primeiro equipamento


cultural a aproveitar-se da visibilidade oferecida pelo terreno foi o pavilhão temporário para a I
Bienal de São Paulo, desenhado em 1951 por Luis Saia. a sequência, Affonso Eduardo Reidy
idealizou um projeto para abrigar o Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM, (1952), a
pedido do então presidente da instituição Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo, que
pretendia construir sua sede na avenida Paulista.

O atrativo desse lugar para a implantação de equipamentos culturais tem sido objeto de muitas
pesquisas. O historiador da arquitetura Daniele Pisani identificou um projeto de adaptação do
belvedere do Trianon para a sede do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), de autoria de José
Augusto Belluci e Luiz Maiorana, datado de 1946; os estudos desenvolvidos pelo mesmo Belluci
em 1952 de um edifício para sediar “várias manifestações artísticas”, encomendado por Ciccillo
Matarazzo por ocasião dos festejos do IV Centenário da cidade em 1954; e um estudo de
Mieczyslaw Grabowski, de 1952, que aparentemente reserva áreas a cinemas e teatros em seu
embasamento (PISANI, 2019, p. 21-46).

O Pavilhão da Bienal e as sucessivas propostas de espaços culturais para esse terreno,


contribuíram para consolidar no imaginário dos administradores e das pessoas vinculadas à área
da cultura o vínculo desse lugar com esse programa. Intenção que acabou por se efetivar com o
projeto de Lina Bo Bardi para o MASP a partir de 1957, cuja construção se estendeu até 1968,
constituindo o símbolo arquitetônico mais potente da avenida Paulista, e um dos mais
importantes de São Paulo (figura 01).

Figura 01: Museu de Arte de São Paulo. Fonte: foto de Silvio Soares Macedo, 1977
[https://www.arquigrafia.org.br/photos/4313]

Fundado em 1947, pelo empresário Assis Chateaubriand, o MASP representou um importante


movimento das elites locais para a inserção da cidade nos circuitos culturais mais importantes
do país. Sua nova sede fortalecia o projeto de legitimação da cidade de São Paulo, não apenas
como capital econômica do Brasil, mas como importante centro de referência cultural.

Em conjunto com o marido Pietro Maria Bardi, Lina Bo Bardi concebeu o museu como um centro
cultural dinâmico em estrita interlocução com o espaço urbano. O vão livre de 74 metros,
sustentado pela ousada estrutura de dois pórticos de concreto paralelos ao leito da avenida,
preservando a vista do vale onde hoje passa a avenida Nove de Julho, criou um dos maiores e
mais significativos espaços públicos da cidade.
É interessante notar que – à exceção da proposta de adaptação do belvedere ao TBC, feita por
Bellucci –todos os projetos acima citados preocuparam-se em preservar a conexão física e visual
entre a avenida e a paisagem.

Desde sua inauguração, o MASP se tornou uma referência nacional de arquitetura, de museu e
de espaço público. Em 1982, o prédio do MASP foi tombado pelo Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado - CONDEPHAAT e em 2003
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN . Consagrado local de
manifestações públicas, o MASP é atualmente um dos museus mais visitados do Brasil, tendo
recebido mais de 450.000 visitantes em 2016 (MASP, 2018).

Ainda antes do projeto de Lina Bo Bardi para o MASP, em 1956, foi inaugurado o primeiro cinema
da região, na esquina da Avenida Paulista com a rua da Consolação– o Cine Trianon. Parte de
empreendimento imobiliário da construtora Alfredo Mathias, que incluía os edifícios Chipre e
Gibraltar, projetado pelo arquiteto Giancarlo Palanti, segundo o padrão da época: uma grande
sala de exibição, com 1200 lugares. Em 1967, foi reformado para abrigar seis salas de exibição e
renomeado de Cine Belas Artes. (figura 02).

Figura 02: O Cine Belas Artes em 1967. Fonte: Blog Salas de Cinema de São Paulo
[http://salasdecinemadesp2.blogspot.com/2008/06/trianon-so-paulo-sp.html]
Ainda hoje em funcionamento, superando sucessivas crises e fechamentos, o Belas Artes resistiu
à forte tendência de salas instaladas em shoppings centers, responsáveis pelo fechamento de
diversos cinemas de rua nas últimas décadas. Tombado por pressão da sociedade, em 2015, pelo
CONDEPHAAT e, em 2016, pelo CONPRESP, o Cine Belas Artes introduziu esse programa na
região e segue sendo uma referência cultural na vida paulistana.

Tal como aconteceu no centro novo, os cinemas passaram a integrar muitos empreendimentos
da avenida. Só no Conjunto Nacional (1954-1956), projetado por David Libeskind, haviam dois:
O Cine Astor , com capacidade para 1000 espectadores, e o Cine Rio que, em 1995, foi ampliado,
ganhando uma segunda sala, rebatizado de CineArte. Em 2001, frente à reformulação
tecnológica e programática das salas de cinema, o Cine Astor fechou.

Na Fundação Casper Líbero (1958-1970), obra do engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz,
foram instalados três cinemas: Gazeta (1966); Gazetinha (1967) e Gazetão (1970) que, hoje,
abrigam cinco salas denominadas Reserva Cultural.

No primeiro shopping center da Avenida Paulista, o Center 3, aberto em 19671, foram instaladas
outras duas salas de cinema, os cines Liberty e Bristol, abertas em 1971. Em 1987, após um
incêndio que consumiu a torre projetada por Jorge Wilheim sobre o centro comercial, foi feita
uma reforma pelo arquiteto Ruy Ohtake, incluindo três salas que mantiveram que o nome
Bristol. Completando a grande concentração de cinemas que rendeu à avenida a alcunha de
“nova Cinelândia paulistana” 2, destacam-se ainda no edifício Winston Churchill, as duas salas
do Gemini, fundado em 1975 e fechado em 2010.

A trajetória dessas salas de cinema reflete as profundas mudanças sociais e tecnológicas


observadas entre seu aparecimento e os dias de hoje, acompanhando as transformações de uso
pelas quais passou a avenida Paulista. No Conjunto Nacional, por exemplo, o local onde ficava o
Cine Astor passou a abrigar uma das maiores e mais populares livrarias da cidade, a Cultura,
inaugurada em 2007, infelizmente hoje ameaçada pela profunda crise do setor editorial. O

1Considerado o primeiro Shopping Center do Brasil, o Iguatemi havia sido inaugurado em São Paulo apenas um ano antes
do Center 3.
2 Por volta da década de 1950, os principais cinemas de São Paulo estavam concentrados no centro da cidade, em uma
região conhecida como Cinelândia Paulista, em referência à Cinelândia Carioca situada na praça Floriano Peixoto. Na
Avenida Ipiranga ficavam o Cine Marabá e Ipiranga; na São João os cines Olido, Metro, Regina, Paratodos, Jussara, Opera,
Art Palácio e Rivoli; na Praça Ramos de Azevedo, o cine Marrocos; na Praça da República o Cine República; na rua Barão de
Itapetininga, o cine Barão, e no largo do Paissandu o cine Bandeirantes e Paissandu. A partir da década seguinte, muitos
novos cinemas foram inaugurados na avenida Paulista, valendo-lhe o apelido de “nova” Cinelândia.
projeto da livraria, de autoria de Fernando Brandão, contemplou a instalação de um teatro, o
Eva Herz, com capacidade para 200 pessoas (figuras 03 e 04).

Figuras 03 e 04: Interior do Cine Astor, e configuração atual, com a ocupação da Livraria Cultura: Fonte: Blog Salas
de Cinema de São Paulo [http://salasdecinemadesp2.blogspot.com/search?q=cine+astor] e foto de Ivo Giroto,
2019.

Além desse e sem considerar os teatros existentes em seu perímetro de influência direta,
atualmente a avenida Paulista conta com quatro salas teatrais, todas instaladas em edifícios de
usos variados. Pode-se considerar o grande auditório do MASP, com 374 poltronas fixas, como
a primeira sala teatral da avenida; em 1977 inaugurou-se o Teatro do Serviço Social da Indústria
(SESI), com capacidade para 450 lugares, no edifício sede da Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (FIESP); mais recentemente destaca-se o Teatro Cásper Líbero, instalado no edifício
da fundação em 2001, com capacidade para 720 espectadores. Ainda que não conte com
estrutura teatral específica, a nova unidade do Serviço Social do Comércio (SESC) inaugurada na
avenida em 2018 conta com salas multiuso que permitem a realização de pequenos espetáculos.
O Instituto Cultural Itaú e o Instituto Moreira Salles também possuem salas para cinemas e
ou/espetáculos.

Esses equipamentos implantados, a partir de meados dos anos 1950, revelam a intensa
atividade cultural desse lugar que, por sua vez, acabam por atrair novos investimentos,
consolidando, a partir de 1990, com a chegada de diversos novos centros culturais, a avenida
paulista como um dos mais importantes e diversificados eixos culturais da cidade e do país,
enquanto a a chegada do metrô, em 1991, contribuiu para a democratização do acesso e uso
dos equipamentos, e paradoxalmente seus últimos casarões eram demolidos, a exemplo da
mansão Matarazzo em 1996.
Um desses raros palacetes remanescentes, a Casa das Rosas, atualmente denominada Espaço
Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, foi o último projeto de Ramos de Azevedo, realizado
em 1928 e construído em 1935 para uma de suas filhas, nos padrões do classicismo francês. Na
parte posterior da casa, o edifício corporativo Parque Cultural Paulista, projetado por Júlio Neves
em 1990, foi construído em operação vinculada ao restauro da casa, e oferece um acesso direto
entre a Avenida Paulista e a Alameda Santos (figura 05).

Figura 05: Casa das Rosas com o edifício de Júlio Neves construído ao fundo. Fonte: Casa das Rosas
[https://www.casadasrosas.org.br/]

Tombada pelo CONDEPHAAT em 1986, representa uma forte tendência observada no Brasil de
ocupação de bens tombados por espaços culturais, cujos programas nem sempre adequados
aos espaços, especialmente os residenciais.

À Casa das Rosas, seguiu-se a instalação do Instituto Itaú Cultural, em 1995, em um edifício de
nove andares projetado por Ernest Mange com tecnologia de ponta em informática e
telecomunicações. Em 2002 passou por reforma assinada por Roberto Loeb, alterando o
amarelo que marcava a estrutura metálica para o branco, de menor impacto na composição. O
centro cultural faz parte de uma série de importantes instituições privadas, viabilizadas por leis
de incentivo implantadas no Brasil a partir de meados dos anos 1980 (FARIAS, 2003, 75).
Inúmeras empresas privadas e estatais passaram a montar seus próprios centros de arte e
cultura em troca de deduções de impostos, entre os quais pode-se destacar aqueles vinculados
a importantes instituições financeiras, como a Caixa Cultural, o Centro Cultural Banco do Brasil,
o Santander Cultural, e o próprio Itaú Cultural.
Em 1996 foi inaugurado o centro Cultural da FIESP, com projeto de Paulo Mendes da Rocha que
reorganizou o térreo do edifício sede da instituição. O uso de estrutura metálica branca garante
uma clara distinção entre o edifício original e a intervenção, que ampliou um acanhado centro
cultural existente e melhorou a conexão ao teatro na parte posterior do edifício, além de
intensificar a relação do prédio com a avenida (figura 06).

Figuras 06: Relação do Centro Cultural FIESP com a avenida. Fonte: foto de Everton Amaro/FIESP, 2014
[https://www.fiesp.com.br/]

Recentemente, outras duas intervenções em edifícios existentes deram origem a novos centros
culturais. Em 2017, a Japan House3, instituição ligada ao governo japonês dedicada a divulgar a
cultura do país, passou a ocupar um imóvel reformado pelo reconhecido arquiteto japonês
Kengo Kuma, que recobriu a fachada horizontal com um painel de madeira que referencia, a um
só tempo, a tradição construtiva nipônica e os brises largamente utilizados na arquitetura
moderna brasileira (figura 08). Entre 2010 e 2018, um edifício projetado em 1977 por Sergio
Pileggi passou por um amplo projeto de adequação feito pelo escritório Konigsberger e
Vannucchi para receber o SESC Avenida Paulista (figuras 07 e 08).

3 Além de São Paulo, atualmente a Japan House possui sedes em Los Angeles e Londres.
Figuras 07 e 08: O brise de madeira da Japan House; e a estrutura metálica branca que caracteriza o Itaú Cultural
(direita), ao lado do SESC Avenida Paulista (esquerda). Fonte: fotos Ivo Giroto, 2019.

Em 2017, o Instituto Moreira Salles (IMS), detentor do maior acervo fotográfico do país,
inaugurou sua sede paulistana na avenida, com projeto do escritório Andrade Morettin,
escolhido por concurso fechado em 20114 (figura 09). Pouco mais de um ano após a abertura o
instituto recebeu mais de um milhão de visitantes (FSP, 2018), tornando-se uma das atrações
culturais mais procuradas da cidade.

Figura 09: Instituto Moreira Salles: Fonte: foto Ivo Giroto, 2019.

4 Até então, a sede do IMS paulista ficava no bairro de Higienópolis. O instituto possui sedes em Poços de Caldas, Rio de
Janeiro e São Paulo.
Esse breve histórico da implantação de vários equipamentos culturais na avenida Paulista
demonstra a diversidade da oferta de eventos e equipamentos culturais instalados ao longo da
via. É importante ressaltar que a avenida define um perímetro de influência mais abrangente
que o tratado nesse artigo, havendo nas quadras adjacentes muitos outros cinemas, teatros e
instituições culturais de diversos tipos.

Da mesma maneira, sua potência cultural também se deve aos diversos eventos que abriga ao
longo do ano. Além da Corrida de São Silvestre, no último dia ano também ocorre a festa do Ano
Novo. Realizada desde 1997, a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo é considerada uma das
maiores do mundo e atrai multidões de visitantes à cidade. Na década de 1990, as grandes
manifestações cívicas trocaram o centro da cidade pela avenida Paulista, elegendo o vão do
MASP como principal ponto de concentração.

Desde 2016, com a interdição do trânsito de automóveis aos domingos, a avenida foi
transformada em parque, reforçando seu caráter público, potencializando a frequência das
instituições culturais e multiplicando as manifestações populares. A inciativa seguiu o exemplo
nascido em Bogotá em 1974, que se espalhou por outras grandes cidades latino-americanas
como a Cidade do México, Santiago, Quito e, no Brasil, na orla da zona sul do Rio de Janeiro.

A cidade no processo criativo da arquitetura


Além do diversificado conjunto de equipamentos culturais, a Avenida Paulista reúne um
expressivo patrimônio arquitetônico que cumpre importante papel para o seu significado
cultural, conforme colocado por ARGAN (1992: 243): “dentro do sistema cultural urbano, a
arquitetura tem uma figura disciplinar complexa e não muito diferente da figura da língua: é
uma disciplina autônoma mas, ao mesmo tempo, constitutiva e expressiva de todo o sistema”.

Considerando, portanto, a arquitetura como cultura e assumindo que o ambiente construído


tem papel decisivo no processo criativo, cuja atitude varia de arquiteto a arquiteto, buscamos
identificar, por um lado, a contribuição da arquitetura à consolidação da Avenida Paulista como
eixo cultural e por outro, o papel desse território nas obras que lá foram construídas.

Além dos projetos já comentados, concentramo-nos em três momentos representativos do


percurso histórico da avenida e suas obras correspondentes, para a análise da imbricada relação
entre arquitetura e cultura, entre cidade e processo criativo, na tentativa de entender essa
relação na conformação e no reconhecimento da avenida Paulista como eixo cultural.
Desde o início, os palacetes implantados com recuos de todos os lados, em meio a jardins
projetados em harmonia com a arquitetura dos imóveis, constituíram uma ruptura na paisagem
da cidade até então conformada por construções sem recuos, apenas com quintais aos fundos
como apoio funcional e de abastecimento da própria casa, desde banheiro a pomar, horta e
galinheiro. Sob a vigência do ecletismo, construíram-se exemplares com as mais variadas
referências estilísticas: neocolonial, neorrenascentista, neobizantino ao art noveau, revelando
algumas das origens do forte surto imigratório que a cidade viveu nesse período.

A residência Horácio Sabino (1903), projeto de Victor Dubugras, rico exemplar do Art Nouveau,
(demolida para dar lugar ao Conjunto Nacional), rompia o predomínio das composições
acadêmicas, tomando a cidade como desígnio, ou seja, o desejo de constituir uma nova cidade.
Condição essa também verificada no processo de verticalização a partir do final dos anos 1930,
quando os palacetes deram lugar a edifícios de diferentes programas, cuja incorporação do
comércio introduziu uma nova dinâmica na região, enquanto os espaços para atividades de
cultura e lazer, como auditórios, teatros, cinema e restaurantes reforçavam e ampliavam as
manifestações culturais que lá já aconteciam, seja no salão do belvedere do Trianon, seja na
própria avenida como os corsos carnavalescos ou as corridas de São Silvestre (figura 10).

Figura 10: Residência Horácio Sabino, de Victor Dubugras. Fonte: MYOSHI, 2009, P. 101.

No projeto do Conjunto Nacional (1955), na avenida já em processo de verticalização, com


trânsito intensificado de veículos, David Libeskind incorpora essa rica dinâmica, valendo-se dos
fluxos de circulação das pessoas e dos carros nas decisões do projeto, toma a cidade como
estratégia. Tendo como referência os edifícios construídos no centro da cidade, especialmente
os de Oscar Niemeyer como a Galeria Califórnia, o Eiffel e o Copan, ainda em construção, e a sua
transposição para a avenida Paulista – o Nações Unidas (1953) de Abelardo de Souza, Libeskind
desenvolve sua torre multiuso em estreita sintonia com vida local. A entrada do estacionamento
localizada na via secundária e a circulação de pedestres conectando as quatro ruas, permitindo
um atalho e favorecendo as áreas comerciais aí implantadas. A solução dá continuidade à vida
da cidade incorporando o vai-e-vem das pessoas, garantindo a imprevisibilidade característica
do espaço público e assim transformando os espaços do Conjunto Nacional em espaços da
cidade. O programa multiuso incorporava áreas de lazer e recreação. O sofisticado restaurante
Fasano instalado no mezanino abrigou recepções e shows musicais; os cinemas atraíram um
novo público para avenida, ampliando e reforçando seu caráter cultural. O Conjunto Nacional
se tornou com o passar dos anos forte referência para os estudos sobre a cidade, constituindo
um paradigma para as relações entre arquitetura e cidade (figura 11).

Figura 11: Rua interna do conjunto Nacional, de David Libeskind. Fonte: foto Ivo Giroto, 2018.

Mesmo com as obras do Metrô, na década de 1970, provocando o estreitamento das calçadas
e atrapalhando a sua rotina, e a expansão do centro financeiro para as avenidas Berrini e Faria
Lima, a Paulista conseguiu se manter como um endereço atraente, incorporando novos
empreendimentos. Enquanto alguns qualificaram o seu patrimônio cultural, inovando e
dialogando com o entorno, outros se apropriaram apenas do valorizado endereço, cujas torres
de forte presença na paisagem que pedem para ser admiradas e, no entanto, se recusam a
participar do cotidiano da cidade, como se esta fosse um obstáculo. Ainda assim, , como nos
lembra ARGAN (1992, p.243) “na cidade, todos os edifícios, sem exclusão de nenhum, são
representativos e, com frequência, representam as malformações, as contradições, as
vergonhas da comunidade,” enfatizando o significado cultural da Paulista, não como uma
exceção, mas como uma fiel representação da cultura arquitetônica local.

A Avenida Paulista adentra o século 21 como forte referência nacional, cuja potência pode ser
vislumbrada nas obras mais recentes, como a sede do Instituto Moreira Salles (2017), cujo
projeto de autoria do escritório Andrade Morettin revela uma atitude de compromisso com esse
patrimônio cultural que é a Avenida Paulista, praticamente um pacto dos arquitetos com seu
lastro histórico e social.

A sede paulistana do Moreira Salles, instituto que detém o mais importante acervo fotográfico
do país, foi transferida em 2017 para a avenida Paulista. Criar um edifício para uma instituição
cultural reconhecida internacionalmente, nesse local de grande visibilidade, se por um lado, sem
dúvida, é um raro privilégio, por outro constitui uma tarefa de enorme responsabilidade que
pode interferir, para bem ou para mal, no processo criativo. Da submissão à superação, a
condição histórica se fará presente nas decisões projetuais (figura 12).

Figura 12: A praça elevada do Instituto Moreira Salles. Fonte: foto Ivo Giroto, 2018.

Esse projeto foi vencedor de um concurso fechado, para o qual foram convidados seis5
escritórios de reconhecida atuação no cenário nacional, cujos titulares, com exceção de um

5
Andrade Morettin Arquitetos, Arquitetos Associados, Bernardes Arquitetura, UNA Arquitetos, SPBR e
Studio MK27.
escritório, têm idade entre 40 e 50 anos. Conciliar as expectativas da instituição com a
responsabilidade de interagir em consagrado território, era o grande o desafio que se colocava
aos arquitetos. O projeto vencedor destacou-se pela clareza na organização do programa e pela
discrição do objeto arquitetônico.

O terreno de 20 x 50 metros, plano e cercado por edifícios de treze a dezoito andares por todos
os lados não oferece muitas variáveis para a implantação do museu, tanto que todas as
propostas se valeram de um prisma vertical, variando quanto ao número de subsolos e pisos
elevados, à organização do programa, à relação com a rua e sobretudo à plasticidade do volume.

O projeto de Marcelo Morettin e Vinicius Andrade desenvolveu-se a partir do desejo de


estabelecer uma forte relação entre o museu e a cidade, a partir da qual foram articulados os
seus espaços internos, tornando-se o eixo estruturador de todas as decisões do projeto. A partir
da cuidadosa análise do programa e da situação do terreno no contexto da avenida, os
arquitetos criaram um gradiente do mais aberto e permeável ao mais restrito e controlado, que
permitiu identificar e reforçar as conexões e continuidades entre os programas abertos ao
público e garantir a privacidade e o controle dos programas administrativos e de serviço.

O programa se distribui em dez pisos, sendo dois subsolos onde se encontram as reservas
técnicas e serviços de apoio; o piso da calçada, praticamente livre, ocupado apenas no lado
esquerdo pelas torres de elevadores e ao fundo pelo restaurante, cumprindo o papel de um
discreto e conveniente vazio na densa massa construída da avenida; os quatro últimos andares
são áreas expositivas e entre o quinto andar destinado a uma praça elevada e o piso da calçada
se acomodam o auditório, as salas de aula e multimídia, e a biblioteca que pode ser visualizada
durante o percurso por uma escada rolante.

Para a definição da articulação entre o edifício e a cidade, os arquitetos se ativeram no valioso


acervo de soluções arquitetônicas da própria avenida, propondo uma alternativa inédita nesse
rico conjunto, qual seja, a transferência do térreo do museu para um piso superior a 15m da
calçada (figura 13).
Figura 13: Esquemas da relação entre arquitetura e cidade no Conjunto Nacional, no MASP, na Fundação Cásper
Líbero, e na FIESP, que serviram como base conceitual ao projeto do IMS. Fonte: ANDRADE, 2016, p. 133.

Tal solução também dialoga com alguns projetos contemporâneos como a Casa da Música na
cidade do Porto (2005), projetada por Rem Koolhaas, que tem um dos acessos uma escada que
conduz a uma área de encontro; a Cidade das Artes (2012) no Rio de Janeiro de Christian de
Portzamparc, cujo grande foyer é uma praça elevada, ou mesmo o SESC 24 de Maio (2017), de
Mendes da Rocha. Mas em nenhuma dessas obras, a praça elevada assume um papel tão
decisivo na estruturação do projeto como no IMS. Não se trata apenas da criação de uma praça
elevada ou da transferência do térreo, mas ambos, aos quais agrega-se o papel de principal eixo
articulador do programa e dos espaços

criando uma relação totalmente nova e aberta entre o museu, a cidade e seus
habitantes. Com esse deslocamento, saímos de uma condição claustrofóbica e
restrita imposta pelos limites do lote, para conquistarmos a vista da cidade, ao
mesmo tempo em que criamos a possibilidade de uma nova articulação dos espaços
internos do museu (ANDRADE, 2016, p. 134).

A oportunidade criada por esse deslocamento do térreo, valorizado pela interrupção do


fechamento de vidro nessa altura, deixando uma generosa fresta para a contemplação do
panorama urbano é uma das maiores virtudes do projeto. A vista é um grande valor
arquitetônico, já nos ensinava Le Corbusier, mas poucos sabem dela tirar proveito. Essa praça
elevada é também um belvedere para a Avenida Paulista, e como articulação de todo os espaços
cria uma inusitada situação urbana, valorizando ainda mais o território cultural da Avenida
Paulista já tão rico de experiências de todo tipo.

O compromisso com o processo histórico desse lugar culmina no resultado plástico do conjunto.
A vedação com uma pele de vidro translúcida de dupla camada garante o controle da
transparência, permitindo ao mesmo tempo aferir uma sofisticada sobriedade ao edifício e
inundar os espaços internos de luz, segundo os autores: “carregando com ela o rastro da cidade,
trazendo para o interior do museu a memória do mundo que está a sua volta” (idem, p. 137). A
escolha dos materiais faz parte desse compromisso: no térreo elevado, recuperaram o
tradicional calçamento de mosaico português da avenida, e o piso no nível da rua foi revestido
de basalto reforçando a desejada continuidade do ambiente ao transeunte.

A delicada inserção nesse potente patrimônio urbano revela a sofisticação das decisões
tomadas. Sem deixar de atender às demandas do programa e às recomendações da instituição,
o IMS pontua a paisagem, mas dela não destoa, exercendo um efeito anti-Bibao.
Diferentemente do Museu de Gehry, o valioso acervo iconográfico do IMS é soberano no
programa, decisivo na organização funcional e na definição dos espaços. O IMS não teve por
objetivo alavancar a recuperação da região, pelo contrário, buscou tirar proveito da riqueza do
entorno. Tudo que o Guggenheim Bilbao tem de espetacular, o IMS tem de discrição, nem por
isso menos sedutor. Uma presença modesta, mas sábia, de quem conhece onde está
adentrando e que o faz com muito respeito, mas com muita segurança. Um manifesto desejo de
participar desse cenário sem, contudo, roubar a cena.

Considerações Finais
A concentração de equipamentos culturais na Avenida Paulista corresponde às intensas
transformações e à crescente importância que angariou ao longo do tempo no contexto físico,
econômico e social da metrópole. O eixo Cultural nela consolidado tem se fortalecido com o
passar do tempo graças a um imbricado processo de autorreferenciação: por ter se constituído
um polo cultural a partir de variadas inciativas isoladas, acaba por atrair outras tantas por ser
um consagrado polo cultural.

Ao longo do tempo, seus equipamentos culturais funcionaram como elementos de atração a


diversas outras atividades, multiplicando a afluência de usuários dos estabelecimentos, muito
além do público específico da cultura. Na avenida ocorre uma rara simbiose entre a diversidade
da rua tradicional, misturando espaços residenciais, comerciais e empresariais, com a qualidade
de espaço urbano simbólico, reforçada pela presença de diversas instituições culturais
importantes.

A força cultural da Avenida Paulista precede a instalação de seus vistosos museus, cinemas e
livrarias. Ao contrário de políticas urbanas indutoras de processos de revitalização de partes da
cidade através da instalação de equipamentos culturais, neste caso é a visibilidade e a riqueza
democrática da Avenida Paulista que atraem a presença dessas instituições.

Desde o nascimento um importante símbolo de urbanidade no imaginário dos cidadãos, a


avenida tem conseguido manter o “arzinho de exposição internacional” (SEVCENKO, 1992, p.
131) com a constante renovação de seu acervo arquitetônico. Uma representação dos desejos
de uma cidade em eterno processo de modernização, ilustrado por edifícios tão distintos como
a residência Horácio Sabino, o Conjunto Nacional que a substituiu, ou o Instituto Moreira Salles,
por exemplo.

Assim como os teatros nos Grand Boulevards parisienses, na Broadway ou na Praça Tiradentes
do Rio de Janeiro, ou os cinemas das Cinelândias carioca e paulista, a aglomeração de
equipamentos culturais pode impulsionar uma “colonização” do espaço circundante. Também
pode haver uma propagação do ambiente sociocultural reinante em um determinado
equipamento gerador, como parece ser o caso da avenida Paulista com o MASP. Essa
concentração gradativa e majoritariamente espontânea vem sendo chamado “território
cultural”, em oposição aos “distritos culturais”, fruto da indução por políticas governamentais,
privadas ou institucionais (VAZ, 2004, p. 233).

O conjunto arquitetônico existente na avenida constitui um rico patrimônio cultural,


estimulando o interesse e ensejando novas formas de apropriação, mas também representa um
desafio a qualquer nova intervenção que busque integrar-se a um cenário tão representativo.

O que tentamos aqui demonstrar é que a potência da Avenida Paulista como eixo cultural não é
apenas fruto da somatória de seus equipamentos culturais, mas de um complexo fenômeno
cultural-urbano que pode também ser entendido no sentido contrário: por ser uma via com
forte lastro histórico e um potente cotidiano é que tem atraído importantes equipamentos
culturais.

Referências:

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ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992
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LIMENA, Maria Margarida Cavalcanti. Avenida Paulista: imagens da metrópole. Revista da Biblioteca
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SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos
20. São Paulo: Cia. Das Letras, 1992.

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