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Portugal

A Reforma da Administração Pública Portuguesa encontra-se definida nas Linhas de


Orientação para a Reforma da Administração Pública, um documento do XV Governo
Constitucional que está na ordem do dia. Anunciadas ao país e apresentadas aos
dirigentes da Administração Pública em 24 de Junho de 2003 pelo Primeiro Ministro
José Manuel Durão Barroso, as Linhas têm sido objecto de várias intervenções públicas
e ocuparam mesmo a agenda do 1.º Congresso Nacional da Administração Pública: Os
vectores da Mudança, organizado pelo INA — Instituto Nacional de Administração, que
teve lugar em Lisboa nos dias 10 e 11 de Novembro de 2003.

Os princípios-base da reforma são os da nova gestão pública. Aliás, na sua intervenção


na Assembleia da República, no início do debate parlamentar sobre o primeiro conjunto
de diplomas de reforma da Administração Pública, a Ministra de Estado e das Finanças,
Manuela Ferreira Leite, referiu que Portugal tem aprendido com experiências que já
seguem o seu curso noutros países e progredido, de acordo com a realidade cultural do
país, para um modelo mais aberto e mais responsável, capaz de responder às exigências
de uma sociedade em permanente mudança.

Na apresentação das Linhas de Orientação, Barroso teve oportunidade de tecer


considerações sobre a ideia central da reforma, as áreas prioritárias sobre as quais irá
incidir — organização do Estado e da Administração, liderança e responsabilidade,
mérito e qualificação — garantias dos cidadãos e transparência da Administração,
governo electrónico e calendário para a sua concretização:

a) As ideias centrais da reforma são estas: é necessária, urgente e precisa de ter sucesso
e qualidade. Necessária. Nos últimas trinta anos quase tudo mudou: o país passou de
uma ditadura para um regime democrático, de uma economia protegida para uma
economia de mercado, de um país isolado para um Estado membro de pleno direito da
União Europeia, de uma moeda nacional, o escudo, para a moeda única europeia — o
Euro. Só a Administração Pública continua, em pleno século XXI, com a mesma
estrutura, modelo e regras vindas do século XIX. Urgente. É necessária uma
Administração Pública flexível, eficiente e rápida a decidir, essencial para o cidadão e
determinante para a economia — em cada dia que passa, o país corre o risco de perder a
batalha da competitividade, à escala europeia e global, com os próprios parceiros
europeus que têm, de um modo geral, administrações públicas mais eficientes. Apenas

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este reparo: não sendo a vertente financeira a razão fundamental desta reforma, a
verdade é que Portugal é dos países da União Europeia que mais recursos gasta na sua
Administração Pública, sem que os resultados correspondentes sejam visíveis, em
termos de eficiência e eficácia. Deve ter sucesso. A Administração Pública, por um
lado, deve estar, com verdade, ao serviço dos cidadãos e estes devem vê-la, não como
algo que complica e dificulta as suas vidas, mas como algo que simplifica e apoia,
alguém que é amigo da economia, do investidor, não se pode continuar a falar da
Administração Pública como de um calvário por que tem de passar; por outro, deve ter
em atenção os próprios funcionários públicos e todos aqueles que têm a grande honra de
servir o Estado, pois são as primeiras vítimas de uma Administração Pública ineficiente,
de regras obsoletas, de estruturas ultrapassadas, de leis anquilosadas, de um modelo
desajustado aos dias de hoje — uma boa Administração Pública, moderna, eficiente e
rápida a decidir, estimula e motiva o funcionário, dá-lhe outra realização pessoal e
profissional, outro estatuto de maior prestígio, respeito e credibilidade. Deve ter
qualidade — para bem servir o cidadão, apoiar a economia e as empresas, mobilizar
energias, motivar os agentes do Estado e gerar competitividade; mais ainda, qualidade
que reclame uma gestão por objectivos e apresente resultados, que exija avaliações, quer
dos funcionários, quer dos dirigentes, quer dos serviços; que requeira uma nova
organização, crie condições de liderança aos dirigentes e aposte na formação e na
qualificação dos recursos humanos.

b) São três as áreas prioritárias da reforma:

 Organização do Estado e da Administração;


 Liderança e responsabilidade;
 Mérito e qualificação. Organização do Estado — É essencial definir o papel do
Estado, a sua dimensão e as funções que só ele deve desempenhar. Um Estado
como o que temos, que quer fazer tudo e intervir em todas as áreas, corre o risco
de não fazer bem coisa alguma; é um Estado demasiado grande, sem prestígio,
não é forte e muito menos eficiente. Um Estado moderno é aquele que distingue
entre: — funções essenciais, indelegáveis, resultantes da soberania do Estado,
que só ele directamente deve exercer; — funções acessórias, as que podem ser
melhor exercidas, embora sob a supervisão do Estado, por entidades privadas ou
sociais, devendo o exercício ou a gestão de algumas áreas ou actividades ser
deixadas a essas entidades — o mesmo é dizer que não deve recear-se a

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iniciativa privada, a iniciativa da sociedade civil, pois ela pode, em algumas
áreas ou actividades, ser mais eficaz do que o próprio Estado: ao Estado o que é
do Estado; menos Estado para haver melhor Estado. É a filosofia subjacente a
um Estado moderno: as funções de regulação e de fiscalização assumem
crescente importância; a descentralização, a desconcentração e a gestão por parte
de entidades não estatais cada vez mais são factores de progresso e de melhoria
da qualidade dos serviços a prestar, contribuindo ainda para uma mais saudável
relação Estado cidadão; — funções inúteis que não fazem qualquer sentido.
Trata-se afinal de encurtar o Estado central, torná-lo mais pequeno, mais eficaz
para melhor prosseguir as suas funções essenciais, acautelando sobretudo as
funções reguladoras e fiscalizadoras e os direitos adquiridos dos funcionários.

1. Organização da Administração — O novo modelo de organização deve aproximar-


se do modelo empresarial trazendo para dentro da Administração, com as necessárias
adaptações, os conceitos, regras e mecanismos que vigoram com sucesso no domínio
das empresas; deve reduzir os níveis hierárquicos; desburocratizar os circuitos de
decisão; simplificar os formalismos legais relativos à criação e alteração das estruturas
dos serviços, para tornar mais fácil e ágil a organização interna de cada serviço; definir
normas que disciplinem a criação de institutos independentes, para evitar a proliferação
de organismos, a duplicação de competências e a criação de regimes de excepção;
aprovar legislação que delimite os três tipos de modelo organizacional de
funcionamento, a saber: serviços directos, aproximando-os da filosofia do modelo
empresarial; institutos públicos, definindo graus de autonomia, mecanismos de tutela e
regras de funcionamento e controlo; organismos independentes, necessários para uma
afirmação clara e transparente do Estado regulador.

2. Liderança e responsabilidade — A moderna gestão pública assenta na capacidade


de liderança dos seus dirigentes, na definição das responsabilidades e funções para cada
nível hierárquico e nos mecanismos de prestação de contas e avaliação de resultados. Os
dirigentes são o elemento de ligação entre os objectivos estabelecidos e o envolvimento
dos serviços, sendo-lhes exigida a coordenação do processo de mudança, dependendo
muito da capacidade de cada um para motivar, comunicar e gerir a resposta a dar pelos
serviços. É que o modelo actual não dá satisfação a estas preocupações, pois as funções
dirigentes estão burocratizadas, esvaziadas de reais competências de gestão e o sistema
não está concebido para responder por objectivos claros, ambiciosos e responsáveis.

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Assim, o Estatuto dos Dirigentes, a rever, deve consagrar claramente a definição das
funções e competências dos dirigentes; a gestão por objectivos; a criação de cursos de
formação específica, condição obrigatória para o exercício do cargo; a eliminação dos
concursos burocratizados, substituindo-os por um processo de selecção simples que
assegure a isenção e a transparência na escolha; a avaliação do desempenho dos
dirigentes em função dos resultados obtidos, como condição necessária para a
renovação das respectivas comissões de serviço e o estabelecimento de níveis
diferenciados entre as várias Direcções-Gerais, em razão da sua complexidade e
responsabilidade.

3. Mérito — É essencial a existência de mecanismos credíveis de avaliação do


desempenho e de estímulo ao mérito, para avaliar os funcionários, pois os actuais são
rotineiros, burocráticos e distorcidos, bem como a fixação de quotas de mérito para as
classificações resultantes das avaliações, por forma a reforçar a exigência. Os resultados
da avaliação devem ser associados ao desenvolvimento das carreiras, para impedir a
actual prática generalizada de promoções automáticas e a atribuição de notas máximas
de desempenho, pois a avaliação não consiste apenas na apreciação do desempenho
individual.

É também indispensável uma avaliação do desempenho global do serviço, que não


existe. Por isso, será criado um Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho que
envolverá a avaliação individual dos funcionários, dos dirigentes e dos serviços —
avaliação dos funcionários: essencial para a sua progressão e promoção na carreira,
tendo-se em conta, para além do mérito individual, o grau de realização dos objectivos
da sua função; avaliação dos dirigentes: obrigatória e condição indispensável para a
renovação das respectivas comissões de serviço; avaliação dos serviços e organismos:
exigida e a ser efectuada por recurso a entidades externas, nacionais ou estrangeiras,
dando-se pública divulgação, através dos órgãos de comunicação social, aos relatórios
das actividades dos serviços e das avaliações, pois os cidadãos têm o direito a conhecer
o resultado do investimento que fazem e de exigir transparência.

4. Qualificação — A valorização e a formação dos recursos humanos é outro dos


princípios da reforma. A Administração Pública deve contar com funcionários
empenhados, intervenientes activos das mudanças, competentes, motivados e
orgulhosos do exercício da sua missão. Por isso, será obrigatória a inclusão nos planos

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de actividades dos serviços de programas próprios e específicos de formação dos seus
funcionários, que correspondam às suas necessidades. Por outro lado, a valorização da
polivalência e da disponibilidade para a mobilidade profissional, devem constituir uma
regra, pois sem ela faltará uma das condições essenciais de sucesso da reforma: a
mudança na vida profissional e a transferência inter-serviços deve ser encarada como
uma medida racional de gestão e, para os funcionários, uma nova oportunidade de
valorização pessoal — uma Administração rígida, sem mobilidade interna, não caminha
no sentido de uma Administração moderna.

c) Garantias dos cidadãos.

Reforçar os direitos e as garantias do cidadão perante a Administração, é outro passo a


dar:

— por via não legislativa, impondo uma nova cultura e uma nova atitude da
Administração perante o cidadão — a Administração existe para servir e ser útil aos
cidadãos e estes têm de sentir que podem confiar na sua Administração; — por via
legislativa, impondo um conjunto de medidas necessárias que coloquem o poder de
decisão mais próximo do cidadão, que simplifiquem procedimentos e formalidades, que
obriguem à prestação pública de contas por parte da Administração, que assegurem o
princípio da responsabilidade do Estado e da sua Administração perante os cidadãos.

Tal será conseguido pela aprovação de medidas de descentralização, para aproximar os


cidadãos dos poderes de decisão; de desburocratização e simplificação legislativa, para
concretizar a eliminação de formalidades inúteis e de exigências desproporcionadas; de
encurtamento de prazos de resposta, impondo o cumprimento dos já previstos na lei; de
revisão da lei de responsabilidade civil extra-contratual do Estado, que facilite a
indemnização devida aos cidadãos por danos causados por acção ou omissão da
Administração Pública; de revisão do Código do Procedimento Administrativo,
simplificando a relação Administração- cidadão.

d) Governo Electrónico — O Governo Electrónico tem por missão proporcionar


serviços públicos integrados, eficientes, transparentes, de custos racionalizados,
centrados no cidadão que é o cliente por excelência — o cidadão em primeiro lugar.
Para tal, serão desenvolvidos no domínio do Governo Electrónico os seguintes
projectos: — portal do cidadão, a face visível do Governo Electrónico, que

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disponibilizará o acesso aos serviços públicos interactivos em qualquer momento e em
qualquer local, de forma simples e segura; — definição do sistema de
interoperabilidade, que será composto por mecanismos que permitem comunicar entre
os vários agentes utilizadores e prestadores dos serviços públicos — cidadãos,
empresas, funcionários públicos e entidades da Administração Pública; —
racionalização de custos de comunicação, que contribuirá para a redução estrutural da
despesa pública, definindo um modelo para as comunicações na Administração Pública;

— programa nacional das compras electrónicas que promoverá a utilização de


procedimentos electrónicos no processo das aquisições públicas, gerando poupanças
estruturais e ganhos de eficiência nas compras do Estado e aumentando ao mesmo
tempo a transparência e a qualidade do serviço prestado;

— portal da Administração e do funcionário público destinado à prestação de serviços


internos; determinados processos de prestação de serviços aos funcionários públicos,
como programas de formação, marcação de férias, toda a espécie de despesas com
deslocações, apresentação de baixas, entre outros, passarão a ser estandardizados, com
evidentes poupanças e ganhos de tempo.

e) Calendário de implementação

— A experiência ensina serem muitas as dificuldades para empreender a reforma;

— Desinteresse por parte dos responsáveis; oposição por parte das forças políticas
contrárias; falta de coragem ou vontade política; por isso nada mais avisado do que
estabelecer um calendário de execução e a nomeação de uma equipa para o seu
acompanhamento.

Calendário — Para apresentação de propostas de alteração ou criação de leis novas


necessárias à implementação da reforma — final do ano de 2003. Estrutura de
acompanhamento — muito simples para ter sucesso:

— um encarregado de missão, na directa dependência do(a) Ministro(a) das Finanças;


— um conselho consultivo, directamente dependente do Primeiro-Ministro, constituído
por personalidades de reconhecida competência e prestígio, incumbido de dar sugestões
e de apresentar recomendações ou propostas.

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