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A quinta dica: O sepultamento

de Jesus como mitologia

Rev. John Shelby Spong

“Ele foi sepultado”. Com esta declaração simples, direta, Paulo proclamou o óbvio (1Cor.
15:4). Na sociedade judaica, após a morte de alguém, a pessoa era enterrada naquele
mesmo dia. Os judeus não colocavam seus mortos ao ar livre, à noite, para serem devorados
por predadores, como acontecia em algumas partes da África, nem lançavam-nos ao mar,
tal qual faziam alguns habitantes de certas ilhas. Os judeus também não usavam piras
funerárias. Os mortos simplesmente eram sepultados na terra. Paulo capturou esta atitude
judaica em sua afirmação categórica, direta, escrita por volta do ano 56 D.C., de que o
Cristo que morrera, “foi sepultado”. Não há em Paulo nenhuma indicação de que o túmulo
fosse incomum, diferente ou digno de nota. Aliás, não há sequer referência a um túmulo.
Quando Marcos escreveu seu Evangelho, porém (por volta de 70 D.C.), uma tradição
sobre como Jesus havia sido sepultado começara a desenvolver. Nenhuma parte da vida de
Jesus estava isenta de adendos lendários. Em sua versão mais antiga de Evangelho, esta
tradição do sepultamento estrelou um homem chamado José de Arimatéia. No texto de
Marcos ele é descrito como “um respeitado homem do concílio, que também estava em
busca do reino de Deus” (Mc 15: 43). Antes desta referência na história de Marcos, até
onde sabemos, José de Arimatéia jamais fora notado nos escritos cristãos. Contudo, bastou
esta aparição meteórica e de figurante na semana crítica da vida de Jesus, e Arimatéia
entrou imediatamente na tradição da mitologia cristã que se desenvolvia. A mitologia deste
José encontrou o seu ápice na curiosa história do Cristianismo nascente nas ilhas britânicas
antes do primeiro século, Cristianismo este cuja autoria deveu-se à Arimatéia. Algumas
tradições até dizem que foi no solo de Glastonbury que José de Arimatéia plantou uma
árvore espinhosa, cujos espinhos apontavam diretamente para a coroa que fizeram Jesus
usar no drama da paixão. Grande parte da atração turística de Glastonbury ainda hoje tem
por base esta lenda.
Marcos nos diz que José “resolutamente dirigiu-se a Pilatos e pediu o corpo de Jesus”
(Mc 15:43). Pilatos, surpreso ante a notícia da morte de Jesus, inquiriu do centurião para
certificar-se disso, para então atender ao pedido de José. Este, enfim, realiza os ritos
judaicos fúnebres. Jesus foi envolto no sudário, o qual, rezava a tradição, deveria ser
generosamente preparado com especiarias e fragrâncias adocicadas.
O embalsamamento de Jesus diferia em muito daquele praticado pelos egípcios. Não
havia tentativa de preservar o corpo da decomposição. O corpo humano é moldado com o
pó da terra - dizia o mito judaico da criação -, portanto era ao pó da terra que devia retornar.
As únicas múmias egípcias de que as escrituras hebraicas dão conta eram as de seus
patriarcas Jacó e José, cujas vidas tiveram envolvimento com o Egito. Jacó foi levado de
volta à Israel para ser sepultado, após um período de quarenta dias para embalsamamento,
mais trinta dias de luto, na caverna de Mapelá, próximo a Hebron, na terra de Canaã. (Gen
50: 1-14). O corpo de José foi embalsamado e posto num ataúde no Egito (Gen 50:26). Por

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ocasião do Êxodo, cerca de 400 anos depois, conforme algumas estimativas, os “ossos de
José” seguiram com Moisés e os Israelitas (Ex. 13:19). O embalsamamento egípcio
mutilava o corpo com a remoção dos miolos e dos intestinos, enquanto a tradição fúnebre
judaica tratava o corpo como se fosse por inteiro sagrado, sem remoção de parte nenhuma.
Para os judeus, os esforços visavam primariamente à anulação dos odores da
decomposição, e não uma desaceleração ou interrupção de seu processo.
Quando José de Arimatéia concluiu seu trabalho de preparação do corpo, diz Marcos, ele
o depositou “num túmulo que tinha sido aberto numa rocha; e rolou uma pedra para a
entrada do túmulo (Mc 16: 46). Tendo realizado isto, José de Arimatéia desaparece da
história cristã com a mesma rapidez com que nela ingressara.
Mateus adiciona algo mais na identidade de José, descrevendo-o com também “um
discípulo de Jesus” (Mt 27:57). E o túmulo que ele ofereceu era “seu próprio túmulo novo
que abrira na rocha” (Mt 27:60). A rocha usada para interditar o túmulo tornou-se, em
Mateus, a “grande rocha”. José, enfim, desaparece do relato.
Lucas também adicionou algo à tradição. Arimatéia transforma-se numa “cidade dos
judeus” (Lc 23:51). José foi descrito como um “homem bom e justo, que não havia
concordado com a ação e propósito dos outros, e ele mesmo buscava o reino e Deus” (Lc
23:50-51). Fica claro que tanto a estatura, quanto a lenda sobre José, estava crescendo. O
túmulo tornou-se, em Lucas, um túmulo “onde ninguém havia ainda sido sepultado (Lc
23:53).
Ao tempo da redação do quarto Evangelho, um novíssimo elemento havia entrado na
tradição do sepultamento. Ali a tradição de José de Arimatéia recebe o acréscimo da
tradição que envolvia Nicodemos. João a introduz recordando aos seus leitores da visita que
Nicodemos fizera a Jesus anteriormente quando “era noite” (Jo 3:1-15). Nicodemos, afirma
João, “aquele que viera ter com Jesus à noite, foi, levando cerca de cem libras de um
composto de mirra e aloés (Jo 19:39). O enterro seria excessivamente preparado! Há nesta
história do sepultamento ecos que nos fazem perceber que João fez uso do método
midráshico e que foi em fontes hebraicas que fez edificar a sua história.Um túmulo que
havia sido “cavado”, e um leito sobre o qual depositaram “várias especiarias preparadas
pelos perfumistas” estavam presentes, mas ambos já foram mencionados no sepultamento
do Rei Asa de Judá (2 Cron. 16:14) e podem muito bem ter influenciado a história de
Nicodemos. Ademais, o salmista fala de um rei a quem Deus havia ungido (isto é, tornado
mashiach ou Cristo) “com o óleo da alegria, como a nenhum dos teus companheiros, todas
as tuas vestes recendem a mirra, aloés e cássia” (Sal 45:7,8).
Havia também outras referências cristãs mais primitivas que poderiam relacionar-se com a
tradição do sepultamento. Na epístola aos Efésios, Cristo é referido como um “sacrifício de
aroma suave para Deus” (Ef. 5:2). Na epístola ainda mais antiga aos Coríntios, Paulo
refere-se ao “aroma de Cristo” uma “fragrância” àqueles que “perecem” como também para
os que estão “salvos” (2 Cor. 2:14-16). Pode ser que tudo isto tenha moldado a história do
sepultamento, em João.
O Novo Testamento traz ainda uma terceira tradição do sepultamento. Encontra-se no
livro de Atos, em um dos sermões de Paulo. Trata-se de uma tradição estranha, já que
contradiz a história narrada no Evangelho de Lucas, o qual, presume-se, foi redigido pelo
mesmo autor. De qualquer forma, eis em Atos, um relato totalmente diferente do
sepultamento de Jesus, o que reflete uma possibilidade de que os sermões de Pedro e de
Paulo, no livro dos Atos, tenham uma história algo diferente do restante daquele livro. No
aludido sermão, Paulo disse “...embora não achassem nenhuma causa de morte, pediram a

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Pilatos que ele fosse morto. Depois de cumprirem tudo o que a respeito dele estava escrito,
tirando-o do madeiro, puseram-no em um túmulo. Mas Deus o ressuscitou dentro os mortos
(At. 13:28-30). Conforme esta explicação, argumenta Reginald Fuller, “o sepultamento de
Jesus foi o último ato do crime, o insulto final feito contra ele por seus inimigos”. Fuller
segue ainda defendendo a posição de que a tradição registrada neste sermão dos Atos é
mais primitiva do que aquela registrada em Marcos, apesar de que o livro de Atos ter sido
redigido numa data posterior. É muito mais fácil, observa Fuller, mudar convenientemente
uma tradição hostil e por demais dolorosa e torná-la menos dolorosa, e por conseguinte
uma tradição mais positiva, do que tentar conduzi-la para a direção oposta.
Estou completamente convencido deste argumento de Fuller, não só pela razão que ele
evoca, como também por várias outras. Certamente era um escândalo na vida da igreja
primitiva o fato de os discípulos terem abandonado Jesus e fugido enquanto ele era preso.
Marcos, o mais antigo dos evangelhos, foi o mais específico na identificação deste
escândalo: “Então, deixando-o, todos fugiram” (Mc 14:50). Marcos relata que Pedro o
“seguira de longe” (Mc 14:54), mas tal detalhe servia apenas para especificar as três
negações de Pedro, terminando com este desabando em choro e desaparecendo do
Evangelho.
A nota original ao completo abandono de Jesus por parte dos discípulos repetiu-se em
Mateus (Mt 25:56). Lucas, porém, suaviza-lhes o comportamento, dizendo que os
discípulos tentaram resistir com espadas, até mesmo a ponto de cortar a orelha do escravo
do sumo sacerdote (Lc 22: 49-50). Mas Jesus colocou fim à sua resistência, curou o escravo
e entregou-se à prisão. Não há referências à fuga dos apóstolos em Lucas.
João saiu-se um pouco melhor. Na história da prisão relatada no quarto evangelho, Jesus
perguntou, “A quem buscais?”. Quando eles replicam “a Jesus de Nazaré”, Jesus responde,
“Se é a mim que buscais, deixe a estes ir”. (Jo 18:6-8). Fica bem clara a melhora na
reputação dos discípulos com o passar do tempo. É grande a probabilidade de que o relato
mais primitivo - e menos lisonjeiro - seja de fato o mais confiável.
O mesmo se dá com a tradição do sepultamento. Há uma grande probabilidade de que a
história de José de Arimatéia tenha se desenvolvido para cobrir a dor dos apóstolos ante a
lembrança do corpo de Jesus sendo abandonado, e de ter sido morto como um criminoso
comum. Seu corpo deve ter sido atirado sem a menor cerimônia numa cova comum, num
local jamais conhecido – nem naquele tempo, nem hoje. Este fragmento do sermão de
Paulo registrado em Atos soa com perturbadora probabilidade.
Já indiquei o fato de que a tradição do túmulo vazio aparentemente não fazia parte das
primeiras idéias que dariam corpo ao Cristianismo. Era uma idéia ligada à tradição de
Jerusalém, que sugeri ser algo bastante secundário na tradição galiléia.
A dificuldade que os autores do Evangelho tiveram em decidir por que as mulheres foram
ao túmulo ao amanhecer no primeiro dia da semana, é apenas outro problema para aqueles
que buscam encontrar historicidade aqui. Marcos disse que eles foram “ungi-lo” (Mc 16:1),
embora sugerisse que os ritos fúnebres haviam sido realizados todos por José (Mc 15:46).
Devido ao calor do Oriente Médio, é difícil crer que o corpo de alguém falecido na sexta-
feira estaria pronto para a unção (ou qualquer outra coisa) no domingo. Mateus, tentando
remover a inconsistência constante em Marcos, disse que eles foram “ver o sepulcro” (Mt
28:1). Lucas disse que eles foram levar “as especiarias que haviam preparado” (Lc 24:1).
Portanto, em Lucas voltamos, presumivelmente, ao embalsamamento. João não oferece
nenhuma razão para a ida de Maria Madalena ao túmulo (Jo 20:1), pois certamente “depois
de libras de mirra e aloés” e amarrar o corpo “como era o costume funerário dos judeus”

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não havia necessidade para outra preparação. Talvez João simplesmente quisesse sinalizar
para um papel especial que Maria Madalena tinha no movimento dos cristãos.
Isto significa, é claro, que estamos renegando a tradição do sepulcro vazio, a visita das
mulheres, o sepultamento por José e a referência a Nicodemos, ao domínio da lenda.
Estudos modernos apontam exatamente para essa direção. A lenda de José de Arimatéia,
em minha opinião, não passa de uma tentativa de dar forma concreta à tradição midráshica
que moldou tantos detalhes da paixão. Creio que os detalhes da história da crucificação
foram escritos, na verdade, diante das escrituras hebraicas, principalmente influências do
Salmo 22 e Isaías 53. Do primeiro extraiu-se o clamor, “Deus meu, Deus meu por que me
desamparaste?”, (Sal. 22:1) o qual, tanto Marcos como Mateus, colocaram nos lábios de
Jesus nos momentos que lhe precederam a morte. Também daquele salmo veio a descrição
da multidão: “Todos os que me vêem zombam de mim; afrouxam os lábios e meneiam a
cabeça: confiou no Senhor! Livre-o ele; salve-o, pois, se nele tem prazer. (Salmo 22:7-8).
Para enxergar a clara conexão com este salmo, basta-nos ler Marcos: “Os que iam
passando, blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo: Ah! Tu que destróis o
santuário e, em três dias, o reedificas! Salva-te a ti mesmo (Marcos 29-31).
Mateus acrescentou o seguinte à história de Marcos: “Ele confiou em Deus; pois venha
livrá-lo agora se de fato lhe quer bem” (Mt 27:43). Esta é, claramente, mais uma linha
quase que textual do salmo 22.
Este salmo prossegue fazendo uso de palavras que os cristãos primitivos interpretavam
como sendo descrições da crucificação. “Derramei-me como água, e todos os meus ossos se
desconjuntaram... Minha língua se me apega ao céu da boca; assim me deitas ao pó da
morte... traspassaram-me as mãos e os pés, posso contar todos os meus ossos... repartem
entre si as minhas vestes e sobre minha túnica deitam sorte” (salmo 22:14-18).
O autor do quarto evangelho tinha, claramente, esta parte do Salmo em mente quando faz
Jesus afirmar, “Tenho sede” (João19:28). Quando João contou a história de como Jesus
conseguiu que suas pernas não fossem quebradas, na verdade ele citava esse salmo (João
19:32-36).
Havia ainda uma referência a ossos que não eram quebrados no Salmo 34:20. Finalmente,
ao retratar os soldados partindo as vestes de Jesus entre si e lançando sortes pela sua túnica,
(João 19:23-24) ele claramente extraía tais recursos daquele salmo.
De Isaías 53 vieram as palavras de tal forma identificas com Jesus na cruz, que, a maioria
das pessoas, até hoje acreditam que haviam sido escritas naquele cenário. “Era desprezado
e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer...
Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si... ele
foi traspassado pelas nossas transgressões (Isaías 53:3,5). No julgamento diante do Sinédrio
e Pilatos, Jesus foi retratado como ficando em silêncio (Marcos 14:51). Certamente isso foi
escrito sobre a influência das palavras de Isaías. “Ele foi oprimido e humilhado, mas não
abriu a boca” (Isaias 53:7).
Similarmente, escreveu Marcos em seu Evangelho: “também os que com ele foram
crucificados o insultavam” (Mc 15:32). Quando Lucas escreveu, aqueles que haviam sido
crucificados com Jesus tornaram-se dois em número, e uma lenda havia se desenvolvido em
torno de cada um deles – um era penitente, o outro não. Mas o germe daquela história é
encontrado em Isaías 53: “Foi contado com os transgressores; contudo, levou sobre si o
pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu” (Isa 53:12). Quando Lucas expandiu a
lenda, retratando um dos ladrões como alguém que não apenas defendeu Jesus, mas que
também pediu-lhe para ser por ele lembrado quando o Senhor adentrasse em seu reino, o

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evangelista atribui a Jesus as seguintes palavras: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso.
(Lc 23:43). Lucas, assim, tornava real uma referência de intercessão encontrada na última
parte de Isaías 53:12, que Marcos ignorara.
Da mesma forma, a história do sepultamento por José de Arimatéia foi criada, em minha
opinião, para dar conteúdo às palavras de Isaías, onde lemos, “Designaram-lhe a sepultura
com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte... (Isa 53:9). José entrou na tradição
como um “respeitado membro do concílio”, ou seja, como um dos legisladores de Israel. Os
legisladores eram ao mesmo tempo ricos e influentes.
Estou certo de que a crucificação de Jesus foi um fato histórico, mas os detalhes, através
dos quais aquele acontecimento entrou na História, são certamente criação de uma tradição
midráshica que nutriu as lendas que se desenvolviam acerca de Jesus. O sepulcro de Jesus
era desconhecido porque, muito provavelmente, não havia um sepulcro. Isto porque ele foi
enterrado como um criminoso comum, numa cova comum - uma verdade oculta num
sermão atribuído a Paulo e achado num texto do livro dos Atos dos Apóstolos.

AS MULHERES NO SEPULCRO DE JESUS

Mas não há nenhum gérmen de verdade, nenhuma realidade histórica, no registro da visita
das mulheres ao sepulcro, que encontramos em todos os evangelhos? Creio que exista, mas,
em minha opinião, a visita das mulheres nada tem a ver com a primeira Páscoa. Minha
convicção a este respeito repousa primeiramente na premissa de que a descoberta de um
túmulo vazio jamais teria dado força a uma fé na ressurreição. Se tivesse existido um
sepulcro, e se este tivesse sido achado vazio, isto apenas significaria que mais um insulto
teria sido perpetrado contra o líder do pequenino movimento inaugurado por Jesus.
Os discípulos, quem quer que fossem, teriam concluído que nem mesmo o corpo de Jesus
houvera sido poupado da degradação. Nenhum tipo de fé no evento maior da Páscoa teria
sido fortalecido pelo túmulo vazio. Portanto, tal tradição não poderia ter sido primitiva.
Trata-se apenas de uma história acrescentada posteriormente à narrativa.
Segundo, a visita das mulheres ao sepulcro estava relacionada com a tradição - já tornada
literal - do terceiro dia, cujo significado de medida cronológica de tempo já refutei em outro
capítulo. Portanto, se a tradição do sepultamento, do túmulo vazio, e a tradição do terceiro
dia não foram partes originais da experiência da ressurreição, há pouco espaço para uma
visita das mulheres, já que isto depende de todas as três tradições para que seja algo além
de mais uma faceta na lenda que se desenvolvia.
Em terceiro, a visita das mulheres ao túmulo estava ligada à tradição da ressurreição de
Jerusalém, que era algo que se desenvolvera depois, e de importância secundária. Qual era,
afinal, o germe de verdade que, eventualmente, levou a visita das mulheres ao sepulcro a
ser incorporada na história da Páscoa?
A única pessoa consistente em todas as histórias do sepulcro vazio é Maria Madalena. O
quarto evangelho afirma que Maria Madalena lá foi sozinha. Suspeito que naquele detalhe
jaz a semente original da verdade. Maria Madalena era, claramente, uma pessoa
significativa na história cristã. É claro que possuía proeminência e acesso não só a Jesus,
mas também aos discípulos (Jo 20:1-4), e neste evangelho seu luto, em especial é retratado
com destaque, a ponto de ter ela até pedido acesso ao corpo de Jesus (Jo 20:11-18).
Uma vez que os Evangelhos deixam claro que após a prisão de Jesus seus discípulos o
abandonaram, ninguém estava por perto para saber o que acontecera no momento de sua
morte e de seu sepultamento. Maria Madalena foi, eu sugeriria, após o Sabá, em busca do

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local em que Jesus fora sepultado. Descobriu não um túmulo vazio, mas a realidade da cova
comum. Ninguém poderia identificar o lugar. O doloroso clamor, “Levaram o meu senhor,
e não sei onde o colocaram” (Jo 20:13), tem um tom de autenticidade. Naquele pequeno
ponto histórico, creio que a tradição das mulheres no sepulcro foi achada originalmente.
Outros elementos, posteriormente, nutriram a história do túmulo vazio que já se
desenvolvia, como tentarei demonstrar.
Quando Pedro reuniu os discípulos na Galiléia e voltaram todos para Jerusalém, a história
de Maria não ter podido achar o local em que Jesus fora sepultado foi, então, a tempo,
colocada na tradição da ressurreição. Um destino semelhante envolvera o local
desconhecido do sepultamento de Moisés (Deut. 34:6). Exatamente como aquela visita das
mulheres e a lenda do sepulcro vazio foram incorporadas na tradição em desenvolvimento é
a parte da história que ainda vou contar.
Por agora, as pistas estão completas 1. A ressurreição ou Páscoa, se deu primeiramente na
Galiléia. Tinha por foco primário a experiência de Pedro. Tinha algo a ver com a religação
da santa ceia. Os termos simbólicos “depois de três dias”, “no terceiro dia”, e “no primeiro
dia da semana”, promanam da tradição apocalíptica judaica e não eram uma medida
cronológica de tempo. Finalmente, a história do sepultamento de Jesus e do sepulcro, em si,
eram tentativas midráshicas de encobrir o embaraço, tanto do abandono de Jesus por parte
dos apóstolos, quanto seu sepultamento numa cova comum. Resta-nos agora recolher estas
pistas e juntos recriar, se possível, a narrativa daquele primeiro momento da Páscoa.

1
A referência às pistas refere-se à parte inteira do livro de onde extraímos o presente capítulo. Na referida
parte, Spong enumera cinco pistas relativas à ressurreição, sendo este capítulo a quinta e última. Nota do
tradutor.

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