Você está na página 1de 2

F LASH

doutrinário
Ano 2010 • nº 01 • Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo • Centro de Estudos do CFN

A Teoria da Guerra de Manobra


CF (FN) Osmar da Cunha Penha (Parte I)
Esta é a primeira parte de uma série de arti- pressão Guerra de Manobra, manobra significa
gos sobre a Teoria da Guerra de Manobra, os muito mais. Isso é exatamente o que todos os ca-
quais abordarão não apenas seus principais con- sos históricos mencionados têm em comum, e a
ceitos, mas também apresentarão uma visão de Teoria da Guerra de Manobra busca responder à
como essa teoria foi desenvolvida, a fim de que seguinte pergunta: Qual a essência do sucesso
sua essência possa ser completamente assimila- em todos esses casos?
da e entendida.
Somente durante a década de 1980, o Coronel
A Guerra de Manobra não é algo novo: o pri- John Boyd, então piloto de caças da reserva da
meiro caso claramente registrado na história Força Aérea dos EUA, expôs uma resposta con-
parece ter sido a Batalha de Leuctra, em 371 vincente: sua tese para a teoria da Guerra de
a.C., na qual os tebanos, liderados por Epami- Manobra começa não com os combates terres-
nondas, venceram graças a um surpreendente tres, mas, sim, com a análise de exercícios de
ataque contra o flanco direito da falange Es- combates aéreos conduzidos na Base Aérea de
partana. Outro grande exemplo registrado foi a Nellis, em 1974. Tais exercícios o levaram a re-
vitória de Haníbal sobre os romanos, em Cannae, ver os estudos dos combates aéreos ocorridos
em 216 a.C., considerada uma das mais decisi- durante a Guerra da Coréia, da qual participara,
vas ações táticas de todos os tempos. A histó- e onde os pilotos americanos obtiveram grande
ria moderna oferece vários outros exemplos: sucesso, vencendo seus opositores coreanos e
Rosecranz, em Chattanooga; General Grant, em chineses na razão de 10:1. A questão levantada
Vicksburg; e a campanha do General Jackson du- por Boyd foi: “Como e por que nos saímos tão
rante a Guerra Civil Americana, além das táticas bem?”.
de infiltração alemã durante a IGM, a Blitzkrieg,
durante a IIGM, e o ataque do General Sharon Boyd notou que, em relação a diversos parâme-
por meio do Canal de Suez, em 1973. tros de performance, o MiG-15, principal caça
comunista à época, era superior aos F-86 ame-
Por que considerar todos esses casos como ricanos. Entretanto, em relação a dois parâme-
exemplos de Guerra de Manobra? O que vem a tros, aparentemente de menor importância, o
ser manobra? Por vezes, esse termo é usado F-86 era melhor: o primeiro parâmetro era a vi-
como sinônimo de movimento, como na manobra são do piloto de dentro da cabine; e o segundo,
de pequenas unidades táticas utilizando o fogo um sistema hidráulico de comandos mais eficien-
e movimento. Manobra, como definida pelo coro- te. Isso significava que, enquanto o MiG-15 po-
nel russo F. D. Sverdelov, em seu estudo inti- dia, em termos de ações individuais, acelerar, su-
tulado Manobra Tática, deve ser entendida como bir e realizar curvas melhor que o F-86, este,
o “movimento organizado de forças durante as por sua vez, era capaz de passar de uma ação a
operações de combate de forma a alcançar uma outra muito mais rapidamente, dada a melhor ob-
posição vantajosa em relação ao inimigo, permi- servação dos pilotos e as melhores respostas
tindo o desencadeamento das ações decisivas”. do sistema hidráulico. Utilizando-se dessas duas
Entretanto, quando empregamos o termo na ex- características superiores, os pilotos ameri-

FLASH
doutrinário
canos desenvolveram uma tática de aproximação é iniciada com a observação da situação, consi-
que forçava os MiG a reagirem a uma série de derando-se ela mesma, o ambiente que a cerca
ações. A cada mudança nessas ações, o F-86 ga- e o seu inimigo. Ao observar, busca orientar-
nhava uma vantagem temporal, uma vez que seu se, o que significa formar uma imagem mental da
piloto podia ver em melhores condições a evo- situação. Ao se orientar, monta os elementos
lução da situação e fazer sua aeronave passar para sua tomada de decisão. Em seguida, põe em
a uma nova ação mais rapidamente. A cada ação prática sua decisão, ou seja, executa as ações
que era realizada, as reações dos MiG se tor- necessárias. A partir daí, assumindo que suas
navam mais inapropriadas, até o ponto em que o ações mudaram a situação, observa novamente,
MiG oferecia ao piloto do F-86 uma excelente reiniciando o ciclo. Tal processo é conhecido
condição de tiro. Freqüentemente, os pilotos como Ciclo de Boyd ou Ciclo OODA. Se um dos
dos MiG aparentavam perceber aquilo que lhes lados em conflito puder, continuamente, execu-
estava acontecendo, o que os levava ao pânico tar tal processo mais rápido que seu oponente,
e à paralisia. ganhará uma enorme vantagem temporal, de for-
ma que, quando o outro lado puser em prática
Posteriormente, o Cel Boyd iniciou seus estu- sua decisão, tais ações parecerão inapropria-
dos sobre os combates terrestres, objetivando das, dadas as novas ações já realizadas pelo
investigar se poderia ser percebida a existên- lado de ciclo mais veloz. A cada processo rea-
cia de situações similares àquelas ocorridas lizado, as ações do oponente mostrar-se-ão mais
na Guerra da Coréia. Realizou, então, uma pro- inapropriadas e seu ciclo tornar-se-á cada vez
funda investigação histórica, desde SunTzu até mais lento, até o momento em que suas ações
a Blitzkrieg alemã, passando pela guerra irre- não surtirão mais efeito”.
gular de Laurence da Arábia. Pôde encontrar,
então, em batalhas, campanhas e guerras como A Teoria de Boyd define o significado da pala-
Leuctra, Vicksburg e a invasão da França, em vra manobra na expressão Guerra de Manobra,
1940, algo similar ao ocorrido na Coréia, ou que significa penetrar o Ciclo OODA inimigo, ou
seja, um dos lados sendo submetido a uma série seja, ser, continuamente, mais rápido que ele em
de situações repentinas e inesperadas, com as quantos ciclos forem necessários, até que sua
quais não conseguia lidar oportunamente, sen- coesão moral e mental seja quebrada – até que
do, normalmente, derrotado a um custo menor não possa mais lutar, efetivamente, como força
para o vencedor. Saltava aos olhos que, fre- organizada. Em algumas situações, esse inimigo
qüentemente, o lado perdedor era fisicamente poderá entrar em pânico ou se tornar passivo,
mais forte que o outro e o mesmo fenômeno o que viria a ser um ótimo resultado para o
de pânico e paralisia ocorrido com os pilotos vencedor, pois nessas situações a resistência
norte-coreanos e chineses parecia se repetir. tende a ser menor, facilitando sua derrota,
O Cel Boyd perguntou-se, então: “O que todos com um custo menor para as próprias forças.
esses casos têm em comum?”. Sua resposta é o Em outras situações, o inimigo será forçado a
que se conhece, hoje, como Teoria de Boyd ou atuar fracionado ou até individualmente, mas de
Teoria da Guerra de Manobra. Para expor tal forma descoordenada, não conseguindo formar
teoria, John Boyd realizou uma série de pales- uma força coesa, facilitando, do mesmo jeito,
tras (“A discurse on winning and losing”1), den- sua derrota. De qualquer forma, em ambas as
tre as quais a mais importante foi “Patterns of situações, a essência para a vitória é a mesma:
Conflict”2, que durou cerca de cinco horas. penetrar o Ciclo OODA do inimigo.
De tais palestras podemos resumir a essência de
sua teoria da seguinte forma: No próximo mês, daremos continuidade à expla-
nação sobre a Teoria da Guerra de Manobra,
“Um conflito pode ser visto como uma competi- enfatizando alguns conceitos básicos dela de-
ção no tempo de ciclos de Observação-Orienta- correntes.
ção-Decisão-Ação. Cada parte, nesse conflito,
Fontes:
Patterns of conflict em A discurse on winning and losing – Cel
1 Pode ser traduzido como: Discurso sobre a vitória e a derrota. John Boyd
2 Pode ser traduzido como: Padrões dos conflitos. Maneuver Warfare Handbook – William S. Lind - 1985
Expediente

REALIZAÇÃO: Projeto Gráfico: Agência 2A Comunicação


Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo Tiragem: 1.000 exemplares • Distribuição Interna.
Centro de Estudos do Cfn

FLASHdoutrinário

Você também pode gostar