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o pai está esperando?

políticas públicas de saúde


para a gravidez na adolescência
Maria Juracy F. Toneli
Benedito Medrado,
Zeidi Araújo Trindade
Jorge Lyra
(Organizadores)

o pai está esperando?


políticas públicas de saúde
para a gravidez na adolescência

Ilha de Santa Catarina


Editora Mulheres
2011
© 2011, Maria Juracy F. Toneli, Benedito Medrado, Zeidi Araújo Trindade, Jorge Lyra

Coordenação editorial
Zahidé Lupinacci Muzart

Conselho editorial
Dominique Fougeyrollas (IRISSO/CNRS) Maria Dolores Perez Murillo (U. de Cádiz)
Dominique Fougeyrollas (IRISSO/CNRS) Maria Luiza Femenias (U. La Plata)
Elisete Schwade (UFRN) Miguel Vale de Almeida (ICSTE)
Eulalia Perez Sedeño (CSIC) Paola Bacchetta (UCB)
Jules Falquet (U.ParisVII) Suely Gomes Costa (UFF)
Kazuko Takemura (Ochanomizu U.) Yonissa Wadi (UNIOESTE)
Luiz Mello (UFG)

Revisão
Gerusa Bondan

Capa
Gracco Bonetti
Sobre foto de Mônica Holden (monicaholdenphotos@yahoo.com.br)
Sem título. 2009.
Técnica: Fotografia digital
Álbum: Portas, Cód. de portfólio: B 03

MÔNICA HOLDEN
Artista plástica, fotógrafa e designer.
Nasceu e vive na cidade do Rio de Janeiro.
Começou a fotografar aos 12 anos. E, desde então, a fotografia sempre esteve presente em sua vida. Há 25
anos trabalha com design gráfico, moda e comunicação visual. Hoje se dedica preferencialmente a fotografar
temas abstratos, composições geométricas, formas orgânicas... Cores e texturas...
Sites: http://www.flickr.com/photos/monicaholden/
http://www.monicaholdenphotos.weebly.com

 
Projeto gráfico e editoração
Rita Motta

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,


que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP


Leny Helena Brunel CRB 10/442

P142 O pai está esperando? Políticas públicas de saúde


para a gravidez na adolescência / organização
Maria Juracy Filgueiras Toneli, Benedito Medrado,
Zeidi Araújo Trindade e Jorge Lyra. - Florianópolis :
Ed. Mulheres, 2011.
p.
ISBN 978-85-8047-010-9

1. Gravidez na Adolescência. 2. Políticas Públicas. 3.


Saúde. I. Toneli, Maria Juracy Filgueiras. II. Medrado,
Benedito. III. Trindade, Zeidi Araújo. IV. Lira, Jorge.

CDU 613.88

REALIZADO O DEPÓSITO LEGAL

Editora Mulheres
Rua Joe Collaço, 430
88035-200 Florianópolis, SC
Fone/Fax: (048) 3233-2164
editoramulheres@floripa.com.br
www.editoramulheres.com.br
sumário

Apresentação................................................................................................. 7
Maria Juracy Filgueiras Toneli, Benedito Medrado, Zeidi Araújo Trindade, Jorge Lyra

PARTE 1
C on t e x t u a l i z a çã o e v isib ilid a d e

Paternidades e políticas de saúde no contexto da gravidez na


adolescência................................................................................................. 11
Maria Juracy Filgueiras Toneli, Benedito Medrado, Zeidi Araújo Trindade, Jorge Lyra

Literatura científica sobre gravidez na adolescência como dispositivo


de produção de paternidades.................................................................... 25
Benedito Medrado, Jorge Lyra, Maria Juracy Filgueiras Toneli, Zeidi Araújo Trindade,
Márcio Valente, Túlio Quirino, Michael Machado, Dara Felipe, Ludmila de Oliveira,
Luiza Gomes Dantas, Maria Camila da Silva e Symone Gondim

Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães


adolescentes em Recife/PE, Florianópolis/SC e Vitória/ES:............... 53
números como dispositivos de intervenção em políticas públicas
Benedito Medrado, Jorge Lyra, Mariana Azevedo, Maria Juracy Filgueiras Toneli,
Zeidi Araújo Trindade, Túlio Quirino, Dara Felipe, Celestino Galvão Neto, Márcio
Valente, Michael Machado, Ludmila de Oliveira, Luiza Dantas, Maria Camila da
Silva, Symone Gondim
PARTE 2
Leituras singulares sobre contextos particulares

Entrevistando pais e profissionais da saúde no cenário da atenção


básica em Florianópolis.............................................................................. 93
Maria Juracy Filgueiras Toneli,Marília dos Santos Amaral,Fernando Luiz Salgado da
Silva, Suzana Almeida de Araújo

Exercícios e atribuições sociais da paternidade: pequeno balanço


de uma década de pesquisa..................................................................... 123
Maria Juracy Filgueiras Toneli, Suzana Almeida Araújo, Marília dos Santos Amaral,
Fernando Luiz Salgado da Silva

A atenção à mãe adolescente e ao seu companheiro: a perspectiva dos


profissionais de uma unidade básica de saúde de Vitória/ES........... 147
Zeidi Araújo Trindade, Sibelle Maria Martins de Barros, Eduardo Coelho Ceotto, Kirlla
Cristhine Almeida Dornelas

A Paternidade adulta no contexto da Maternidade Adolescente:


contribuições para a construção de políticas públicas no campo da
saúde coletiva............................................................................................ 169
Sibelle Maria Martins de Barros, Zeidi Araújo Trindade

Paternidades no cotidiano de uma unidade de saúde em Recife:


traços, curvas e sombras em redes heterogêneas................................. 179
Benedito Medrado, Jorge Lyra, Luiza Gomes Dantas, Márcio Valente, Túlio Quirino, Micha-
el Machado, Dara Felipe, Ludmila de Oliveira, Maria Camila da Silva e Symone Gondim

Autoras/Autores....................................................................................... 211

APÊNDICE
Roteiro da entrevista estruturada com as mães adolescentes............ 217
apresentação

Maria Juracy Filgueiras Toneli


Benedito Medrado
Zeidi Araújo Trindade
Jorge Lyra

O presente livro tem sua origem em uma iniciativa de pesquisa


empreendida por núcleos acadêmicos de três universidades federais
(UFSC, UFPE e UFES) e uma organização não governamental (Insti-
tuto Papai) que há vários anos vêm se debruçando sobre o tema da
paternidade.
Essa parceria de pesquisa, consolidada por meio de projetos co-
muns, seminários, jornadas e outros produtos e eventos, mostrou-se fru-
tífera no que diz respeito à elaboração de um mapeamento exaustivo da
literatura científica que se debruça sobre o tema das paternidades, assim
como à exploração dos significados atribuídos ao exercício da paternidade
por vários grupos, tais como pais, mães e profissionais da área da saúde.
Assim, este livro está costurado a partir de leituras éticas, polí-
ticas e conceituais que se organizam em leituras mais gerais acerca do
campo de pesquisas sobre gravidez na adolescência e leituras sobre
contextos particulares.
No capítulo introdutório, contextualizamos o tema de nossa pes-
quisa e justificamos sua relevância para o campo de estudos e pesqui-
sas em Saúde e Direitos Reprodutivos, destacando possíveis contribui-
ções que os resultados e análises aqui apresentadas podem gerar tanto
para a produção científica, quanto para o campo de formulação e ava-
liação de políticas públicas, especialmente aquelas voltadas à atenção
à gravidez na adolescência.
Partindo do pressuposto de que a ciência também se constitui
como dispositivo de produção de paternidades, no capítulo seguinte
apresentamos uma leitura crítica acerca da revisão da literatura sobre
paternidade no contexto das publicações acadêmicas sobre gravidez
na adolescência.

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o pai está esperando ?

O terceiro capítulo é dedicado à apresentação das análises quan-


titativas produzidas sobre entrevistas estruturadas realizadas com
mães adolescentes nas três cidades, focalizando: 1) dados sócio-demo-
gráficos sobre a mãe e sobre o pai; 2) composição familiar em que a
gravidez se desenvolve; 3) características da gravidez; 4) característi-
cas do acesso aos serviços de saúde; 5 ) conhecimentos e opiniões sobre
legislação que podem promover a maior participação dos homens no
processo gravídico e nos cuidados infantis.
Pautando-nos pelo o rigor metodológico – entendido como expli-
citação de procedimentos e escolhas negociadas e justificadas (SPINK;
MENEGON, 1999) –, compreendemos que os instrumentos, os proce-
dimentos, os números e percentuais apresentados podem contribuir
no delineamento metodológico de outras pesquisas, como também
subsidiar iniciativas de planejamento, monitoramento e avaliação de
políticas públicas, bem como fortalecer ações de controle social promo-
vidas pelos movimentos sociais.
Nos cinco capítulos seguintes apresentamos leituras particulares
sobre informações produzidas em cada cidade, tendo por base funda-
mentos teóricos singulares e análises contextuais.
É importante destacar aqui nosso agradecimento ao CNPq, cujo
apoio tornou possível a realização desta pesquisa, que envolveu uma
vasta equipe e momentos distintos de pesquisa de campo e reunião de
grupo. Assim, este projeto foi possível graças a recursos oriundos de
três editais, que subsidiaram despesas específicas do orçamento ge-
ral do projeto: 1) Edital de Seleção Pública de Propostas para Apoio a
Projetos de Pesquisa sobre Saúde da Mulher pelo Ministério da Saúde
(nº 22/2007), coordenado por Benedito Medrado; 2) Edital de Seleção
Pública de Projetos de Pesquisa Científica, Tecnológica e Inovação -
Universal (nº 14/2008), coordenado por Maria Juracy Toneli e 3) Edital
de Fomento à Pesquisa no Campo dos Estudos de Gênero, Mulheres e
Feminismo do CNPq/Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
(nº 57/2008), coordenado por Jorge Lyra.

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PA RT E 1

Contextualização
e visibilidade
paternidades e políticas de saúde
no contexto da gravidez na
adolescência

Maria Juracy Filgueiras Toneli


Benedito Medrado
Zeidi Araújo Trindade
Jorge Lyra

A pesquisa específica de que trata a presente publicação teve


como objetivo central investigar como os serviços de atenção básica em
saúde identificam e orientam as demandas do pai no contexto da im-
plementação de políticas públicas dirigidas à gravidez na adolescência
em Florianópolis, Recife e Vitória. Para tanto, o desenho metodológico
estruturou-se em três vetores com vistas a: 1) caracterizar as diferen-
tes configurações familiares e o perfil sócio-demográfico dos compa-
nheiros das adolescentes grávidas em Florianópolis, Recife e Vitória; 2)
apreender qual o lugar que se tem construído para o pai nos serviços e
ações voltadas à gravidez na adolescência, na rede de atenção básica à
saúde (a partir de entrevistas e análises de documentos); e 3) identifi-
car demandas desses pais a partir de entrevistas semiestruturadas.
Para cada vetor foi previsto o levantamento de informações a
partir de diferentes instrumentos de pesquisa, bem como estratégias
de análise (quantitativas e/ou qualitativas) que foram refinadas a par-
tir de encontros das três equipes. Em linhas gerais, os três vetores fo-
ram assim desenvolvidos:
1) Configurações familiares e o perfil dos companheiros das ado-
lescentes grávidas. Consistiu em realizar, nas três cidades, entrevistas
estruturadas com uma amostra representativa de mães adolescentes
(500 no total), identificadas a partir da rede pública de atenção básica
em saúde, com vistas a identificar e descrever os arranjos familia-
res em que a gravidez se desenvolve, assim como dados sócio-de-
mográficos básicos sobre o pai e mãe (idade, estado civil, cor/raça,

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o pai está esperando ?

condição sócio-econômica, escolaridade, religião, local de nascimento


etc.), características da gravidez (se foi planejada ou não, apoio dado
pelo parceiro, se os pais moram juntos ou não, possibilidade de abor-
to, etc.) e características do acesso aos serviços de saúde. Como dito
anteriormente, o meio principal de acesso a essas adolescentes (entre
15 e 19 anos) foi o serviço de atenção básica - locus privilegiado para a
realização das consultas de pré-natal. É importante considerar que este
levantamento foi recortado por um viés sócio-econômico, uma vez que
as Unidades de Saúde da Família cobrem prioritariamente as áreas de
baixa renda. O estabelecimento do número de entrevistas estruturadas
que foram realizadas, bem como sua elaboração, foi consolidado nas
reuniões de planejamento da equipe com o auxílio técnico adequado
da parte de consultoria para tal. As entrevistas estruturadas foram
analisadas por meio do software SPSS.
2) O lugar do pai nos serviços de atenção à gravidez na adoles-
cência. Consistiu na realização de entrevistas semiestruturadas com
profissionais que atuam em unidades de saúde das três cidades vi-
sando a identificar os sentidos, opiniões e práticas em relação ao lugar
do pai na gravidez na adolescência. Nessas entrevistas, pretendeu-se
identificar também documentos que orientam a gestão desses serviços
em âmbito municipal.
3) Demandas do pai no contexto da gravidez na adolescência.
Após o contato inicial com as adolescentes grávidas, foi possível, ain-
da que com muitas dificuldades por motivos diversos (alegação de
não convivência, não identificação do pai, não existência de interesse
por parte dele, alegação de impossibilidade pelo trabalho, dentre ou-
tros), acessar uma parcela dos pais. Entrevistas foram realizadas com
uma parte desses pais a partir de roteiro semiestruturado que aborda
questões como vida reprodutiva, sexualidade, paternidade, acesso aos
serviços de saúde, etc. – a fim de identificar as principais demandas e
dificuldades que estes pais enfrentam para acessar os serviços de sexu-
alidade e saúde reprodutiva.
A análise do material obtido através das entrevistas foi realizada
pela técnica da análise do discurso. Os resultados mostram um quadro
híbrido no qual é possível identificar mudanças e permanências no que
profissionais e usuários do sistema de saúde entendem por atribui-
ções de pais e mães. Os pais mostram-se mais participativos, ainda que

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Paternidades e políticas de saúde no contexto da gravidez na adolescência

demonstrem dificuldades em acessar o sistema por motivos diversos


que incluem barreiras institucionais (como a inexistência de atividades
direcionadas a eles), culturais (como a reprodução ainda ser conside-
rada um território feminino e os empregadores dificultarem a saída
dos homens para acompanhar suas parceiras à consulta) e familiares
(como o fato das companheiras não trabalharem e a função de prover
ainda ser delegada a eles ou o fato de residirem com familiares que não
incentivam a participação masculina nesse cenário).
Pode-se afirmar, portanto, no contexto investigado, a coexistên-
cia de modos de vida distintos que engendram diferentes formas de
convívio e negociação no casal, incluindo as atividades de cuidado
para com os filhos. Essa coexistência é um dos elementos que expres-
sam a complexidade das relações familiares e de parentalidade nos
tempos contemporâneos.
Em 2008, o Ministério da Saúde lançou um Plano Nacional de
Atenção Integral à Saúde do Homem (BRASIL, 2008), que traz as diretri-
zes que fomentam políticas públicas voltadas à população em questão.1
No que se refere aos direitos sexuais e direitos reprodutivos, temos po-
líticas que vão ao encontro das colocações propostas por esta pesquisa,
apontando a paternidade como um direito do homem de acompanhar
o processo – desde a decisão de ter ou não filhos, como e quando tê-los,
bem como do acompanhamento da gravidez, do parto, do pós-parto e
da educação da criança. Ainda no mesmo documento, o plano prevê
maior acesso dos homens aos serviços de saúde e capacitações técnicas
dos profissionais de saúde para o atendimento do homem. Essas políti-
cas governamentais parecem contemplar, portanto, questões discutidas
pela pesquisa. Contudo, esta política pública esbarra em questões cul-
turais de gênero e dos exercícios da sexualidade humana, exigindo mu-
danças lentas no nível institucional e cultural para sua implementação,
como mostram os resultados aqui encontrados.
É importante lembrar que, na literatura científica, maternidade e
gravidez são muitas vezes tratadas como termos sinônimos. Essa ênfa-
se acaba por legitimar a figura materna como insubstituível na criação
e nos cuidados dos filhos e, consequentemente, o pai passa a ser visto

1 Em 2011 uma leitura particular sobre este Plano foi desenvolvida por Medrado,
Lyra, Valente, Azevedo e Noca.

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o pai está esperando ?

como um coadjuvante que é, por vezes, esquecido (TRINDADE; ME-


NANDRO, 2002). Rosely Costa (2002) explica que uma grande ênfase é
atribuída ao fato de a mulher carregar a criança dentro do seu corpo, o
que embasaria a noção do amor da mãe como mais forte, natural e ins-
tintivo (BADINTER, 1985) que o amor do pai. Haveria também a noção
da gravidez como um fenômeno que, uma vez iniciado, dispensaria a
participação paterna para sua concretização, tornando-se, então, um
processo exclusivamente feminino. Tal ideia traz a concepção da ma-
ternidade como uma essência e a da paternidade, como um projeto.
Recentemente, o Núcleo de Pesquisa Margens/UFSC realizou
uma revisão de literatura, visando traçar um panorama da produção
acadêmico-científica, a partir dos descritores paternidade e adolescên-
cia, acessando o Banco de Teses e Dissertações da CAPES e a Biblioteca
Virtual em Saúde – BVS (Lilacs e Scielo), compreendendo o período de
1997 a 2004.
Entre as teses encontradas, seis tratam da paternidade e duas
abordam a prevenção da gravidez. Dentre esses trabalhos, destaca-se
a de Noeme Maia (1998), que foi aos adolescentes pais para conhecer
suas opiniões em relação à adolescência, sexualidade e paternidade,
buscando compreender suas reações, sentimentos e as implicações em
seus projetos de vida. Os sentidos atribuídos pelos adolescentes em re-
lação à paternidade também foram contemplados no estudo de Ellika
Trindade (1997), refletindo acerca do modo como os relacionamentos
afetivo-sexuais vêm ocorrendo entre os jovens. Tania Vianna (2000)
discute a responsabilidade de pais, professores e profissionais de saú-
de na promoção da saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes.
Dentro do período pesquisado, foram encontrados também 21
(vinte e um) artigos na BVS, dos quais apenas oito tratavam especifica-
mente da paternidade – entre outros aspectos relacionados à temática
–, enquanto os demais faziam referência à maternidade, sexualidade e
saúde reprodutiva, construção de identidade, projeto de vida, inten-
ções reprodutivas de jovens.
Entre o material pesquisado encontram-se duas revisões de lite-
ratura (LEVANDOWSKI, 2001; LEVANDOWSKI & PICCININI, 2004).
Daniela Levandowski e César Piccinini (2002) também publicaram
um trabalho focando a interaçäo pai-bebê (2002). Alberto Reis (1997)
, por sua vez, produziu uma revisão da literatura, indagando sobre

14
Paternidades e políticas de saúde no contexto da gravidez na adolescência

a emergência da questão da paternidade adolescente no âmbito das


preocupações da saúde pública referentes à gravidez e à maternidade
juvenis, abrindo uma reflexão acerca do ocultamento do tema nas pro-
duções científicas, em geral focadas na maternidade. Já Cristiane Ca-
bral (2002, 2003) discute as repercussões da paternidade na adolescên-
cia na trajetória biográfica de jovens a partir da perspectiva masculina,
contemplando gravidez planejada ou indesejada, tentativas de aborto,
arranjos conjugais, formas de apoio familiar, reconhecimento social da
paternidade, rejeição do vínculo paterno.
O que se observa nesta literatura é que, a partir da década de
1980, a literatura científica passa a tratar a participação dos homens
na esfera privada, especialmente no contexto da sexualidade e direitos
reprodutivos. Com a problematização do machismo ocorre uma mu-
dança de visão da não participação masculina na vida doméstica e a
busca pela compreensão das condições criadas na sociedade – as quais
facilitam ou dificultam o envolvimento do homem na vida familiar
(LYRA-DA-FONSECA, 1998).
Como bem destaca Norma Fuller (2000), a paternidade é um
campo de práticas e significados culturais relativos à reprodução, ao
vínculo com a prole e aos cuidados dos filhos, sendo que estes dois
últimos aspectos podem ou não ser estabelecidos entre o genitor e o
filho. A autora coloca ainda a paternidade como produto do entrecru-
zamento dos discursos sociais que definem e prescrevem o que é ser
pai, implicando a produção de guias de comportamentos reproduti-
vos e parentais. Estes comportamentos reprodutivos e parentais, por
sua vez, variam de acordo com o momento histórico e com o próprio
momento do ciclo de vida de cada sujeito e segundo a relação que es-
tabelece com a cogenitora e com os filhos.
Nesse contexto, Vera Ramires (1997) propõe que, talvez, um
novo modelo de relação, não hierarquizado e excludente, seja pos-
sível se os cuidados parentais forem compartilhados por pai e mãe
desde o início e que há, além disso, a necessidade de mudanças nas
estruturas sociais, políticas, econômicas e nas mentalidades para que
haja uma real transformação das relações entre pais e filhos. Essa
ideia também é corroborada por Inês Hennigen e Neuza Guareschi
em outro artigo localizado nessa revisão da literatura (HENNIGEN;
GUARESCHI, 2002).

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o pai está esperando ?

Mesmo com tantas transformações acerca da paternidade, o pai


ocupa ainda um lugar secundário quando se trata do cuidado dos
filhos, sendo que este cuidar ao qual nos referimos seria aquele que
mantém o pai em contato direto com o filho, suprindo suas necessida-
des diárias. Pode-se questionar, no entanto, a abertura que este pai tem
nos sistemas públicos de saúde para exercer seu papel de cuidador. É
ainda forte no ideário social a concepção de que ele está menos apto
para tal tarefa, assim como a ideia de que o pai nunca poderá ter uma
condição igual à da mãe, justificada principalmente pelo viés biologi-
zante do vínculo no nascimento.
A ideia de que os homens, via de regra, não se interessam por
questões relativas à sexualidade e reprodução e de que o planejamen-
to familiar e o cuidado dos filhos são atribuições e responsabilidades
das mulheres está embasada numa visão machista e sexista que im-
pede, às mulheres e aos homens, o pleno exercício de seus direitos se-
xuais e direitos reprodutivos face às limitações impostas por padrões
culturais inscritos em práticas preconceituosas. Nem todo homem é
ausente ou irresponsável, e muitas vezes, os próprios serviços de saú-
de não estão dispostos nem preparados para identificar e responder
às demandas desses homens que buscam exercer seus direitos sexu-
ais e direitos reprodutivos.
Em 2008, Medrado, Lyra e Azevedo realizaram em Recife uma
pesquisa sobre a implementação da Lei Federal nº 11.108 que obriga as
maternidades do SUS a permitirem a presença de um/a acompanhan-
te à parturiente durante todo o pré-parto, parto e pós-parto imediato.
Foram entrevistados profissionais de todas as maternidades públicas
de Recife. Esta pesquisa revelou que muitos profissionais de saúde têm
resistência em permitir a presença do pai como acompanhante, argu-
mentando que os homens, nessas horas, “só vão atrapalhar” (LYRA;
MEDRADO; AZEVEDO; VALENTE, 2010).
Outra pesquisa mais ampla realizada sobre a estrutura e o fun-
cionamento de programas públicos de atendimento pré-natal da re-
gião da grande Florianópolis/SC (SIQUEIRA, MENDES, FINKLER,
GUEDES e GONÇALVES, 2002) constatou uma exclusão dos pais no
acompanhamento da gravidez, visto que de 63 gestantes entrevista-
das, apenas seis pais participaram da pesquisa, pois em geral as mães
vão acompanhadas de outras mulheres para as consultas.

16
Paternidades e políticas de saúde no contexto da gravidez na adolescência

Muitas das mulheres entrevistadas alegaram que a ausência


do pai devia-se ao fato de que ele trabalhava naquele momento, não
podendo comparecer. Entre os que estavam presentes, todos mani-
festaram interesse em acompanhar a gestação do filho. Ainda assim,
eles não estão incluídos nos programas de atenção à gestante, e os
que aguardavam na sala de espera sequer foram chamados para a
sala de consulta.
Os profissionais responsáveis argumentam que não há uma atu-
ação do pai, sendo que muitos abandonam as parceiras. Porém, isto
não se confirma, já que das mães abordadas, 71% viviam com o pai
da criança. Em relação às políticas públicas, nota-se que os homens
não costumam ser foco de atenção nos serviços de saúde, perpetuando
a representação da reprodução como uma responsabilidade feminina
(LYRA-DA-FONSECA, 2008). Dessa forma, não é de se estranhar que
tais serviços de atendimento funcionem com profissionais que prova-
velmente não estimulam os pais a se vincularem com as crianças, nem
dão atenção às demandas da paternidade ou da adolescência.
Quanto a isso, Benno de Keijzer (2000) argumenta que

un problema mui práctico es que la mayoría de los hombres no he-


mos sido capacitados ni sensibilizados para esta tarea. Crecemos
como discapacitados para lo doméstico y para el desarrollo de una
paternidad con mayor equidad (2000, p. 227).

Assim, temos como pano de fundo a exclusão dos pais nos ser-
viços obstétricos e pediátricos. A motivação e desejo dos pais de se
envolverem com os bebês são frustrados pela negligência e mesmo
rejeição à sua presença, num descompasso entre as ações de saúde e
o incremento da paternidade (ARILHA, 1999; LYRA-DA-FONSECA,
1997, 1998).
Em relação a isso, Lawrence Rhein et al (1997, apud LEVANDO-
WSKI & PICCININI, 2002) indicam que os obstáculos e dificuldades
encontradas pelos pais adolescentes para o envolvimento com seus
filhos podem diminuir a intensidade de suas aspirações paternas. Ca-
bral (2003) chama a atenção para a necessidade de se incluir a dimen-
são masculina como um elemento valioso na saúde reprodutiva, de
modo complementar às abordagens da saúde coletiva e de sua ênfase
nas repercussões biopsicossociais da gravidez na adolescência.

17
o pai está esperando ?

A construção de um lugar social para o pai no contexto da gra-


videz na adolescência fundamenta-se assim na necessidade de incluir
ações dirigidas aos homens nas políticas públicas visando à saúde se-
xual e reprodutiva, em consonância com tratados e plataformas inter-
nacionais em direitos reprodutivos, especialmente aqueles construídos
durante a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvi-
mento, de 1994, realizada no Cairo/Egito (ICPD, 1994).

Atenção ao pai em serviços públicos e ações não gover-


namentais

Segundo IBGE (2003), 79,3% da população declararam ter um


serviço de saúde de uso regular. Destes, 35% eram menores de 19 anos
e 52,5% eram mulheres. No conjunto de pessoas que têm um serviço
de saúde de uso regular, as mulheres indicaram com mais frequência
do que os homens o Posto de Saúde (58,9% e 52,5%, respectivamente),
enquanto os homens indicaram com mais frequência do que as mu-
lheres o Ambulatório do Hospital (17,2% e 16,6%, respectivamente),
o Consultório Particular (16,9% e 14,2%, respectivamente) e o Pronto
Socorro ou Emergência (6,2% e 5,4%, respectivamente).
Além disso, os programas governamentais de saúde integral/
saúde reprodutiva voltados para a população feminina têm aberto
pouco espaço para a discussão sobre as necessidades específicas dos
homens e sobre a importância da participação masculina no comparti-
lhamento de responsabilidades.
Uma exceção são os serviços que, no Brasil, trabalham com DST/
Aids, mas cuja integração com os serviços mais específicos de saúde
da mulher ainda é precária. Outra exceção é a dos programas governa-
mentais de saúde do trabalhador, que, por sua vez, acabam deixando
de lado as necessidades específicas de saúde das mulheres e não de-
monstram sensibilidade para temas de sexualidade e saúde reproduti-
va. Contudo, seja no contexto da prevenção/assistência às DST/Aids,
seja no campo da saúde do trabalhador, pouco se reflete sobre como
o modelo machista em nossa sociedade expõe também os homens a
diferentes situações de vulnerabilidade, ou seja, os homens são vis-
tos na condição de “seres humanos” e raramente são percebidos em

18
Paternidades e políticas de saúde no contexto da gravidez na adolescência

sua especificidade de gênero como sujeitos inseridos numa ordem de


gênero que lhes impõe poderes, mas também regras e restrições (PRO-
MUNDO; ECOS; PAPAI; SALUD y GENERO, 2001).
Em consonância com a leitura crítica feminista sobre a “medi-
calização” e a “privatização” da saúde, é imprescindível analisar cri-
ticamente a perspectiva que define os serviços de saúde como esfera
feminina. Profissionais de saúde – em relatos informais – têm admitido
resistência, por exemplo, em reconhecer o direito do pai de assistir ao
parto. Além disso, de modo mais amplo, muitos admitem ter dificul-
dades em obter a empatia e cumplicidade dos homens nos serviços
públicos de saúde, o que, portanto, dificulta-nos conhecer mais clara-
mente as necessidades específicas dos homens e nos impede também
de definir melhores estratégias para envolvê-los (SCHUTTER, 2000).
Apesar da inexistência de uma ação governamental ampla e
sistemática neste campo, as organizações da sociedade civil vêm de-
senvolvendo experiências exitosas, pelo menos há quase 15 anos, tal
como o Instituto Papai, fundado em 1997, como o primeiro Programa
Brasileiro de Apoio ao Pai, tendo por objetivo principal criar um es-
paço social para o pai, tanto no contexto das políticas públicas como
nos estudos sobre sexualidade e saúde reprodutiva. Tal proposta vem
sendo desenvolvida em diálogo com tendências recentes em políticas
de direitos sexuais e reprodutivos (BRASIL, 2005).
É nesse contexto de pesquisa, compreendida como a produção
de saberes localizados, politicamente situados, que se insere o trabalho
que ora apresentamos e que buscou, como já mencionado, investigar
como os serviços de atenção básica em saúde identificam e orientam as
demandas do pai, no contexto da gravidez na adolescência, em três ca-
pitais brasileiras (Florianópolis/SC, Recife/PE e Vitória/ES). Espera-
mos que sua leitura possa contribuir para a reflexão sobre esse cenário,
buscando consolidar a perspectiva de direitos sexuais e reprodutivos
no que diz respeito às populações jovens brasileiras.

Referências

ARILHA, Margareth. Masculinidades e gênero: discursos sobre responsa-


bilidade na reprodução. PUC, 1999. Dissertação (Mestrado em Psicologia
Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999.

19
o pai está esperando ?

BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departa-


mento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde do
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23
literatura científica sobre gravidez
na adolescência como dispositivo
de produção de paternidades

Benedito Medrado
Jorge Lyra
Maria Juracy Filgueiras Toneli
Zeidi Araújo Trindade
Márcio Valente
Túlio Quirino
Michael Machado
Dara Felipe
Ludmila de Oliveira
Luiza Gomes Dantas
Maria Camila da Silva
Symone Gondim

No âmbito do projeto mais amplo sobre paternidade no contexto


das políticas públicas voltadas à gravidez na adolescência, os integran-
tes do Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades da UFPE e do
Instituto PAPAI produziram uma revisão da literatura que consistiu
na busca de textos sobre gravidez na adolescência que fizessem alusão
à paternidade. Para a busca, foram focalizados dois termos de busca
– gravidez na adolescência e paternidade – e, adotadas as seguintes
orientações:

■■ Período: Considerando a existência de textos de revisão referentes


à década de 1990 (REIS, 1997; LYRA, 1997; LEVANDOWSKI et al,
2001), nossa pesquisa compreendeu o período de 2000 a 2009.1

1 Embora tenhamos incluído ao levantamento três textos (dissertações) dos anos no-
venta em virtude da escassez de trabalhos de Mestrado, mas, em especial, pela
relevância destes trabalhos ao campo de pesquisa sobre paternidade e paternidade
na adolescência.

27
o pai está esperando ?

■■ Idioma: O levantamento de textos foi feito de modo exaustivo


para textos publicados em Língua Portuguesa. Para identificação
de obras relevantes em Inglês e em Espanhol, usamos como refe-
rência aqueles citados nos textos em português.2
■■ Fontes: A pesquisa foi realizada com diferentes bases de dados em
busca de textos em diferentes suportes, conforme quadro abaixo:

Quadro 1 – Fontes pesquisadas na revisão da literatura

Tipo de
Fonte Informações
produção

Resumos de teses e dissertações defendidas em


Base de dados Programas de Pós-Graduação brasileiros conclu-
ídos a partir de 1987. As informações são forne-
Teses e Coordenação de cidas diretamente à Capes pelos Programas de
dissertações Aperfeiçoamento Pós-Graduação, que se responsabilizam pela vera-
de Pessoal de Nível cidade dos dados.
Superior (CAPES)
Site: http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/.

Biblioteca eletrônica que abrange uma coleção


selecionada de periódicos científicos brasileiros; é
o resultado de um projeto de pesquisa da FAPESP
SciELO (Scientific – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Artigos
Electronic Library São Paulo, em parceria com a BIREME - Centro
científicos
Online) Latino-Americano e do Caribe de Informação em
Ciências da Saúde.

Site: www.scielo.br

Biblioteca virtual da BIREME, Centro Especializa-


do da OPAS, estabelecido no Brasil desde 1967, em
colaboração com Ministério de Saúde, Ministério
da Educação, Secretaria da Saúde do Estado de
São Paulo e Universidade Federal de São Paulo.
Artigos
Biblioteca Virtual em Inclui, entre suas bases de dados: LILACS, IBECS,
científicos e
Saúde (BVS) MEDLINE, ADOLEC, BBO, BDENF, CidSaúde,
outros textos
DESASTRES, HISA, HOMEOINDEX, LEYES,
MEDCARIB, REPIDISCA, PAHO, WHOLIS, entre
outras.

Site:http://regional.bvsalud.org/php/index.php

2 Como o Lilacs é uma base que registra trabalhos da América Latina e Caribe, após
cada pesquisa foi realizada uma seleção de idioma, já que a maior parte da produ-
ção está em Espanhol.

28
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

1. Sobre os termos de busca

No exercício de familiarização dos pesquisadores/as com as


bases de dados, especialmente aqueles/as em iniciação científica,
empreendemos diferentes estratégias de busca, a partir de uma varie-
dade de descritores, palavras-chave e “palavras soltas”.
Neste exercício, chamou a atenção da equipe de pesquisa even-
tuais problemas nas bases de dados, como, por exemplo, resultados
diversos entre buscas feitas em diferentes ordens. Por exemplo, ao
digitar gravidez na adolescência + paternidade, curiosamente dava
um resultado diferente se a ordem fosse invertida (paternidade +
gravidez na adolescência). Além disso, por vezes foram identifica-
dos textos cujo conteúdo não tinha nenhuma relação com os temas
pesquisados, mas que estavam classificados com os descritores que
escolhemos.
No Scielo, por exemplo, a opção de pesquisa “and” deveria sele-
cionar textos que abordem simultaneamente dois ou mais descritores,
porém essa ferramenta apresentou uma quantidade muito reduzida
de trabalhos – o que parecia negligenciar outros textos interessantes
para esta pesquisa. Por esse motivo, decidimos ler todos os títulos dos
trabalhos identificados a partir da expressão “paternidade or gravidez
na adolescência” (total de 183 artigos), de modo a selecionar aqueles
que se enquadravam nos critérios de busca estabelecidos.
É interessante notar que o sistema de base de dados, como qual-
quer outro, apresenta falhas, o que não compromete a qualidade da
pesquisa, mas circunscreve os limites de sua extensão. Além disso,
a classificação dos textos em base de dados é realizada por pessoas
formadas em geral em biblioteconomia que se orientam a partir do
Thesaurus3 da respectiva base de dados. Em relação aos descritores,
chamou atenção a definição encontrada em algumas das bases, como
a BVS, por exemplo:

3 O Thesaurus é um vocabulário controlado que reúne termos e conceitos relacionados


entre si em geral a partir de uma estrutura conceitual da área. Estes termos, chama-
dos descritores, são destinados à indexação e à recuperação de informações.

29
o pai está esperando ?

Quadro 2 – Descritores de acordo com Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)

Definição Descritores associados

Licença Paternidade
Parentesco paterno estabelecido entre um Licença por Paternidade
Paternidade
homem e uma criança. Licença-Paternidade
Paternidade Responsável

Gravidez em adolescentes femininas huma-


nas com idade abaixo de 19 anos. Sinônimo:
Gravidez na Pré-Adolescência. Nota de
Indexação: Primário; use somente para gra-
videz como um problema social, cultural ou
psicológico em adolescentes; para outros
Gravidez na
aspectos da GRAVIDEZ (como primário) Gravidez na Pré-Adolescência
adolescência
em adolescentes, use GRAVIDEZ (como
primário) + ADOLESCENTE (precod); in-
clui gravidez em meninas menores de 13
anos; precods HUMANOS; FEMININO;
GRAVIDEZ & ADOLESCENTE ou CRIAN-
ÇA se menor de 13 anos

É a assistência sanitária essencial baseada


em métodos e tecnologias práticas, cienti-
ficamente fundados e socialmente aceitá-
veis, postos ao alcance de todos os indiví- Atenção Básica
duos e famílias da comunidade mediante Atenção Básica à Saúde
Atenção
a sua plena participação e a um custo que a Medicamentos para a Atenção
Primária à
comunidade e o país possam suportar, em Básica
Saúde
todas e cada etapa do seu desenvolvimen- Normas Básicas de Atenção à
to, com um espírito de autorresponsabili- Saúde
dade e autodeterminação (Declaração de
Alma-Ata - Organização Pan-Americana
da Saúde, 2003).

Nas definições acima, percebe-se que as bases de dados utilizam


referências de diferentes qualidades para construir seu Thesaurus, os
quais incluem desde documentos oficiais (como a Declaração de Al-
ma-Ata da Organização Pan-Americana da Saúde), que mais se asse-
melham a proposições políticas do que projetos implementados, mas
também constroem definições carregadas de julgamento moral (ex.:
“gravidez como um problema social”).
Vale destacar que, na busca bibliográfica, identificamos mais
duas expressões para se referir à gravidez na adolescência (ou gravidez

30
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

adolescente ou gravidez precoce),4 contudo, a forma predominante foi


“gravidez na adolescência”.

2. Corpus para análise

O levantamento a partir das bases de dados gerou o seguinte


quantitativo de textos publicados em Português, entre 2000-2009:5

Tabela 1 – Número de textos identificados por palavras de busca e tipo


de produção textual

Número de textos por descritores


Gravidez na
Gravidez na
Tipo de produção Paternidade adolescência
adolescência
+ Paternidade
Dissertações (Mestrado), via
235 725 20
Portal da CAPES;
Teses (Doutorado), via Portal da
59 252 6
CAPES;
Artigos, via scielo; 86 97 5
Artigos e outros textos, via BVS 552 124 13

No cruzamento de referências com os dois temas, utilizamos as


seguintes estratégias:
■■ No caso da base dados da Capes, depois de vários exercícios,
optamos por não usar expressão exata. Na ferramenta, seleciona-
mos o campo “assunto” e a opção “todas as palavras”, utilizando
os termos “gravidez, adolescência, paternidade”, com a opção
“todas as palavras”.
■■ No caso do Scielo, utilizamos os campos oferecidos pela ferramen-
ta, optando pelo campo “todos os índices” e a expressão “and”
fornecida pela ferramenta de busca. Porém, como a quantidade

4 Segundo Lyra (1997), “gravidez adolescente” ou “gravidez precoce” são expres-


sões que inscrevem a gravidez na adolescência a partir de um (des)valor moral que
pode, por uma lado, gerar leituras “essencializantes” (do “tipo adolescente”) de
uma experiência diversa e, por outro lado, como uma experiência sempre indese-
jável (na medida em que precoce) na vida de uma adolescente.
5 Pesquisa finalizada em dois de junho de 2010.

31
o pai está esperando ?

localizada foi pequena, resolvemos usar a expressão “or”, resul-


tando em 183 artigos, cujos títulos foram lidos resultando em 5
artigos referentes diretamente ao tema da pesquisa.
■■ No caso da BVS, utilizamos os termos “gravidez na adolescência”
+ “paternidade”, pesquisando em “assuntos”, “todas as fontes”,
a partir do método “Integrado”, selecionando também por ano e
por idioma.

A partir da leitura do título e resumo dos trabalhos identificados


a partir do cruzamento “gravidez na adolescência” e “paternidade”,
fizemos um exercício coletivo com vistas a eliminar os trabalhos que,
apesar de terem sido identificados a partir das bases de dados, não ti-
nham relação com o tema (por exemplo: “Aspectos Gerais do Filicídio:
um homicídio patológico”; “Associação entre o diagnóstico adaptati-
vo, indicadores de evolução clínica e o Teste de Relações Objetais em
pacientes com infecção pelo HIV-1, doentes ou não”).
Posteriormente, foi ainda realizada uma limpeza das informa-
ções com vistas a excluir repetições e ficamos com o seguinte quanti-
tativo de textos completos sobre gravidez na adolescência que fazem
referência à paternidade, produzidos entre 2000 e 2009, em língua por-
tuguesa:

Tabela 2 – Número de textos identificados por palavras de busca e tipo


de texto após “limpeza”

Número de textos por descritores


Tipos de produção Quantitativo após “limpeza”
Artigos (Scielo e BVS) 12
Dissertações de Mestrado 09 (*)
Teses de Doutorado 04
Total 25

(*) No caso das dissertações, optamos por incluir também trabalhos publicados antes
de 2000, considerando o número reduzido de trabalhos (apenas três dissertações),
mas, em especial, em razão da relevância dos textos ao campo de pesquisa sobre
paternidade na adolescência e paternidade.6

6 Paternidade adolescente: uma proposta de intervenção (LYRA, 1997); Eu, pai? A


paternidade na adolescência (TRINDADE, 1997); Paternidade na adolescência: an-
tecipação e reafirmação da identidade masculina (MAIA, 1998).

32
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

3. Sobre procedimentos e limites das análises da literatura

Os textos (artigos, dissertações e teses) localizados foram dividi-


dos entre os/as pesquisadores/as. Iniciamos, então, um processo de
leitura e releitura minuciosa, por meio da qual organizamos e produ-
zimos nossas questões e inquietações, ideias e inferências, resultados e
análises. O processo compreendeu três momentos, cujos objetivos fo-
ram distintos, embora não desconexos:
■■ Identificar informações relevantes: o título do texto; quem foram
seus/as autores/as; ano de publicação; a qual área do conheci-
mento a pesquisa está localizada; onde (cidade e Estado) foram
produzidas as pesquisas; que Estados foram pesquisados.
■■ Destacar e analisar quais os objetivos das pesquisas realizadas e
“o que nelas é dito sobre paternidade?”.
■■ Questionar e problematizar os textos, considerando: que paterni-
dade era analisada; a partir de qual matriz sexual a paternidade e
maternidade eram pensadas; se o foco das pesquisas era gênero
ou geração; se os resultados dos trabalhos advinham de pesqui-
sas; se elas eram qualitativas ou quantitativas; se os objetivos se
voltaram para que problematização da paternidade no contexto
da gravidez adolescente; quem foi ouvido nas pesquisas; e se há
recorte de classe.

Após as leituras e releituras individuais, os/as pesquisadores/


as se reuniram para compartilhar suas impressões preliminares e in-
formações produzidas no decorrer dos momentos acima referidos. Du-
rante as reuniões, em meio a conversas, debates e discussões, nossas
análises foram sendo produzidas, assim como algumas ferramentas7
que serviram para intensificar nosso pensar analítico. Tendo sido for-
jadas no prazer do debate, não foram usadas como categorias ou tipos
ideais, nem imperativos metodológicos, mas foram inventadas apenas
para serem úteis na produção daquilo que desejamos: pensar diferen-
temente a paternidade no contexto da gravidez na adolescência. Dito
de outro modo, um pensar que não se contenta em legitimar aquilo

7 Nossas reflexões sobre “ferramentas” foram inspiradas pelas leituras de Santo


Agostinho (2000) e Rubem Alves (2011).

33
o pai está esperando ?

que já se sabe nem acredita “encontrar” na “realidade” aquilo que pro-


cura sem problematizar os caminhos, utensílios, ferramentas e interesses
daqueles/as que julgam encontrar. Nossas ferramentas possuem nomes
distintos: “paternidade e DNA”; “responsabilização/responsabilidade”;
“ausência institucionalizada”; “crítica à ideia de ‘gravidez precoce’, a ‘pa-
ternidade nem sempre é um problema’ e o ‘novo pai’”. De certo modo,
foram forjadas ao longo da elaboração dos resultados desta pesquisa. No
final do presente artigo, exploramos cada uma delas; por enquanto, cabe
apenas enfatizar que elas operam como invenções8 que visibilizam a pa-
ternidade no contexto da produção científica, mas não no sentido de “des-
cobrir o que estava coberto” e sim de que “nada é evidente antes de ser
evidenciado” (ALBUquerque Junior, 2007, p. 25), ou seja, quando os
trabalhos nomeiam a paternidade que julgam apenas conhecer, escutar,
diagnosticar, pesquisar, segundo nossa crítica, estão produzindo-a como
“dado evidente” ou “dado de realidade” e, assim, reiteram sua verdade
como norma social e prescrevem seus modos de existir.
Cabe afirmarmos ainda que as proposições e conclusões produ-
zidas nestas páginas não servem para serem generalizadas. Não porque
são problemáticas ou defeituosas. Pelo contrário. O saber empreendido
serve, em especial, ao propósito de possibilitar que em torno da paterni-
dade no contexto da gravidez na adolescência, novas perguntas possam
ser feitas e as antigas abandonadas; que verdades, hábitos e cacoetes do
campo de conhecimento possam ser tencionados; que outras práticas

8 No contexto do campo de produção de conhecimento e das concepções filosóficas


que a embasam, “a palavra invenção, embora possa referir ou enfatizar aspectos dis-
tintos do que seria fundamental na construção do conhecimento sobre o sub-lunar,
remete este conhecimento e os objetos e sujeitos que dele participam para o plano
da História, afastando-os de qualquer forma de naturalização” (Albuquerque
Junior, 2007, p. 60). Durval Muniz de Albuquerque Junior (2007) afirma que o
passado é pensado, hoje, como invenção, a qual, diversas práticas e discursos em-
preendem. Assim, o passado não para de crescer quanto mais a História produz
conhecimento sobre ele. Ela continua a inventá-lo e reinventá-lo, a partir do presente,
que lhe atribui sentido, que se questiona sobre ele, o tece paulatinamente, em razão
de contingências cotidianas. Para o autor tomar a História como arte de inventar
o passado é preciso voltar-se a dimensão artística de nosso conhecimento e nossa
prática a partir dos materiais deixados por ela. Neste trabalho, voltamo-nos aos co-
nhecimentos produzidos sobre paternidade e gravidez na adolescência para conhe-
cer como ambas vêm sendo inventadas pelos autores e autoras – dentre os quais
estamos incluídos/as – de diferentes campos de conhecimento e práticas, e como
tais invenções, ao serem questionadas, possibilitam a invenção de novos mundos
possíveis para a gravidez na adolescência e paternidade.

34
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

sejam construídas e visibilizadas; que se problematizem questões que


teimam em persistir e cujos efeitos reiteram exclusões de gênero, orien-
tação sexual, geração e classe.
O que produzimos nestas páginas diz respeito àquilo que Donna
Haraway (2005) denomina de “saberes localizados”, pois é um saber
corporificado, uma vez que advém de distintas contingências: os traba-
lhos obtidos; as dificuldades superadas e os caminhos modificados; as
ferramentas produzidas; os debates e discussões realizadas no grupo;
da constatação dele ser formado majoritariamente por profissionais e
estudantes de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco; de
seus membros serem situados em classes distintas e majoritariamente
brancos/as; de não haver nenhum pai ou mãe; das orientações ou prá-
ticas sexuais serem diversas, deste trabalho ser parte da pesquisa mul-
ticêntrica (Recife/Florianópolis/Vitória), cujo objetivo central é saber
o lugar do pai no serviço de atenção básica, etc.

4. Textos localizados

A partir da leitura dos trabalhos e identificação das informações


(autores/as das pesquisas; ano de publicação; área do conhecimento;
etc), foram organizadas diferentes tabelas. Seguimos com a primeira
delas, na qual estão situados os 25 trabalhos localizados ordenados se-
gundo o ano de publicação.

Tabela 3 – Número de produções científicas brasileiras sobre gravidez na


adolescência e paternidade por tipo de produção e ano de publicação

Tipo de produção
Ano de publicação Artigos Dissertações Teses Total
1997 - 2 - 2
1998 - 1 - 1
2000 1 - - 1
2001 2 - - 2
2002 1 - - 1
2003 2 - - 2
2004 - 1 - 1
2005 1 - 2 3
2006 2 3 - 5
2007 2 - 2 4
2008 1 1 - 2
2009 - 1 - 1
TOTAL 12 9 4 25

35
o pai está esperando ?

Esta tabela ajuda a dar visibilidade ao nosso processo de apro-


ximação à produção de conhecimentos sobre paternidade no contexto
acadêmico. Assim, o que primeiro nos chama a atenção é que, apesar
de maior concentração em 2006 e 2007, há pelo menos uma obra por
ano publicada neste período. Organizamos outra tabela que evidencia
a quantidade de publicações por Estado e quais os Estados foram pes-
quisados – não foi considerado se os trabalhos foram produzidos nas
capitais ou no interior.

Tabela 4 – Número de produções científicas brasileiras sobre gravidez


na adolescência e paternidade por tipo de produção e estado cada uma
foi publicada

TIPO DE PRODUÇÃO
ESTADO ARTIGO DISSERTAÇÃO TESE TOTAL
SP 5 3 2 10
SC 2 1 1 4
BA 2 - - 2
RS 1 1 - 22
PA - 1 1 1
PE - 1 - 1
ES 1 - - 1
RJ 1 - - 1
CE - 1 - 1
PR - 1 - 1
TOTAL 12 9 4 25

Ao organizarmos as informações acima, produzimos algumas


reflexões: quase a metade do total das produções (artigos, disserta-
ções e teses) obtidas foi empreendida no Estado de São Paulo. Em
seguida ficaram Santa Catarina (4), Rio Grande do Sul (2), Pará (2) e
Bahia (2), regiões cujas publicações somadas se equiparam com o nú-
mero paulista. Os demais Estados (Espírito Santo, Pernambuco, Rio
de Janeiro, Ceará, Paraná) produziram cada um apenas uma publi-
cação. Todavia, precisamos ressaltar um detalhe: nem todas as pes-
quisas produzidas num Estado se voltam a investigar as populações,
os serviços e/ou práticas neles situadas, como pode ser percebido na
tabela seguinte.

36
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

Tabela 5 – Número de produções científicas brasileiras sobre gravidez


na adolescência e paternidade por tipo de produção e estado que foi
pesquisado

TIPO DE PRODUÇÃO
ESTADO
ARTIGO DISSERTAÇÃO TESE TOTAL
PESQUISADO
SP 3 2 - 5
SC 2 1 - 3
BA 2 - - 2
RS 2 1 1 4
PA - 1 1 2
PE - 1 - 1
ES 1 - - 1
RJ 2 - - 2
CE - 1 - 1
PR - 1 - 1
MT 1 - 1 2
MS 1 - 1 2
MG - 1 - 1
TOTAL 14 9 4 25 (*)

(*) A diferença no total se deve ao fato de um artigo versar sobre mais 2 estados além
daquele em que o trabalho foi publicado.

Como se observa acima, dos cinco artigos produzidos em São


Paulo (Tabela 4), apenas três se voltam para a referida capital enquan-
to outros dois investigaram a gravidez na adolescência e a paternida-
de nos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Não obstante,
considerando a tabela 5, levantamos a seguinte problemática: o modo
como a gravidez na adolescência e paternidade estão sendo aborda-
das na maior parte das produções científicas estaria produzindo que
efeitos ao campo de pesquisa? As pesquisas estão situadas majoritaria-
mente em qual campo do conhecimento? São estudos semelhantes? O
excesso ou a rarefação de metodologias e técnicas utilizadas na inves-
tigação das referidas temáticas está provocando que efeitos9 no campo

9 Porém, o termo “efeito” pode causar confusões, haja vista que sugira relações de
causalidade e linearidade, o que, nestas páginas, não é utilizado para enfatizar pro-
posta semelhante. Pelo contrário. O termo “efeito” é referido para reconhecer dois
posicionamentos: (a) o discurso não descreve estados de coisas, sentimentos, valo-
res morais ou comportamentos, mas os prescreve, isto é, produz efeitos: estados,
sentimentos, valores e comportamentos (AUSTIN, 1990). Todavia, (b) o discurso
não pode saber completamente o que está fazendo, dada sua própria condição

37
o pai está esperando ?

de estudos sobre gravidez na adolescência e paternidade? Estariam as


perguntas de pesquisas elaboradas apenas se repetindo como varia-
ções sobre um mesmo tema e quais questões parecem que não estão
sendo feitas? O que se visibiliza e o que está invisível? Haveria algum
“hábito”, “cacoete”, “marasmo”, “lugar-comum” acadêmico no refe-
rido campo que, por sua vez, já aparece inscrito como verdade nos
trabalhos, por exemplo, a dificuldade de encontrar os pais nos espaços
de saúde (Postos de Saúde, Maternidades, etc.) ou que a gravidez ado-
lescente pressupõe paternidade adolescente.
Infelizmente, nem todas as questões poderão ser respondidas
nestas páginas ou, pelo menos, não da maneira como gostaríamos,
dado o curto espaço de que dispomos. Ademais, algumas questões de-
masiadamente complexas impõem uma fidelidade investigativa. To-
davia, o mais importante é que os/as pesquisadores/as que tenham
acesso ao presente estudo possam se sentir convidados a ruminar suas
dúvidas e certezas acerca do campo sobre o qual estamos nos debru-
çando. Ao mesmo tempo, não podemos nos esquivar da necessidade
de fazer tais questões e respondê-las, mesmo que de modo pontual,
uma vez que, inspirados pelas afirmações de Durval Muniz Albuquer-
que Junior (2007), é preciso analisar como a gravidez na adolescência
e a paternidade estão sendo inventadas a partir do momento em que
fazemos nossas perguntas de pesquisas e escolhas éticas, segundo o
campo de conhecimento em que estamos situados e as concepções fi-
losóficas, metodologias e técnicas de investigação que possibilitam os
resultados obtidos e subsidiam as suas análises. Passado e presente
se confundem neste processo de invenção que orquestramos: “o acon-
tecimento [...] não é, pois, um dado transparente, que se oferece por
inteiro, ou em sua essência, mas é uma intriga, um tecido que vai ser
retramado e refeito” (Albuquerque Junior, 2007, p. 63).
A próxima tabela que organizamos ajuda-nos a pensar um pouco
mais sobre as questões feitas acima. Nela está evidenciada a quantida-
de e diversidade de campos de conhecimento que produziram estudos
sobre a gravidez na adolescência e a paternidade nestes doze anos de

polissêmica, nem mesmo controla seus efeitos (PINTO, 2009; Foucault, 2008).
Assim, não podem ser previstos nem estão associados a uma consciência trans-
histórica que os planejou.

38
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

publicações científicas (1997 a 2009). Certas temáticas estiveram recor-


rentemente presentes, sendo inquiridas, qualificadas e analisadas por
distintas concepções de ciência, pontos teóricos, metodológicos e co-
nhecimentos.

Tabela 6 – Número de produções científicas brasileiras sobre gravidez


na adolescência e paternidade por tipo de produção e campos do saber

TIPO DE PRODUÇÃO
CAMPOS DO SABER ARTIGO DISSERTAÇÃO TESE TOTAL
Ciências da Saúde (*) 5 2 1 8
Psicologia 4 2 - 6
Enfermagem 3 1 2 6
Antropologia - 1 1 2
Psicologia Social - 2 - 2
Serviço Social - 1 - 1
TOTAL 12 9 4 25 (*)

(*) Saúde Coletiva/ Saúde Pública/Ciências Médicas

Em princípio, somos tomados a afirmar que uma diversidade de


saberes científicos investigou a gravidez na adolescência e a paterni-
dade. Sem dúvida, nossa percepção não está equivocada. Ela pode,
entretanto, ser diferente ao percebermos que a maior parte da produ-
ção está situada no que denominamos de Ciências da Saúde. Tomadas
em sua positividade, tais ciências definem as condições de formulação
do que se diz e do que não se diz sobre a paternidade e a gravidez
adolescente. Elas – assim como os demais campos de saber, embora
seja fundamental considerar sua predominância – introduzem proble-
máticas, engendram uma superprodução de saber social e cultural, or-
ganizam, a partir delas, toda uma rede de aparatos de intervenção no
corpo, por exemplo, que problematizam procedimentos de cuidado,
regulação da alimentação, mapeamento de sensações, identificação de
comportamentos de riscos, etc. Intervenções que constituem homens e
mulheres – não sem subversão e resistência – a sentirem na pele suas
identidades de mães adolescentes e pais como formas de subjetividade
(Foucault, 2006).
A predominância, de certo modo, produz excessos e rarefações
de discursos em tornos dos temas. A reprodução, por exemplo, apa-
rece como planejamento familiar e/ou problema social; sexualidade

39
o pai está esperando ?

como risco, prevenção, responsabilidade, uso de métodos contracepti-


vos; paternidade e maternidade como verdade, perfil, dado sócio-de-
mográfico, etc. Uma superprodução de saber cujas perguntas de pes-
quisas parecem se repetir como variações sobre um mesmo tema. A
concentração das discussões em torno dos temas nas ciências da saúde
acaba reiterando o poder dos saberes médicos-fármaco-psicológicos
sobre os corpos, suas práticas e seus desejos enquanto homens e mu-
lheres, mães e pais, adolescentes e adultos – ao mesmo tempo – que
produzem, prescrevem, normatizam os corpos, as práticas e os desejos
que julgam apenas pesquisar. Maneira de organizar os discursos acer-
ca de tais temáticas que, por vezes, é aquela que parece amparar cam-
panhas publicitárias governamentais ou mesmo a elaboração e destino
de políticas públicas no campo da saúde.
Excesso que, ao mesmo tempo, ofusca maneiras de pensar di-
ferentemente a paternidade e a gravidez na adolescência, a produção
de outras perguntas e a problematização do que está posto no campo
do conhecimento como verdade do campo empírico. Problematiza-se
parcamente a gravidez na adolescência e paternidade, adulta e ado-
lescente, questionando o sexo entre gerações ou o sexo enquanto fonte
de prazer (acessível e baixo custo); os debates sobre direitos sexuais e
reprodutivos, a maternidade como opção (problematizando a prática
do abortamento e sua criminalização no Brasil), a paternidade como
direito (invisibilizado e negado), a supervalorização da maternidade
na nossa cultura e o tornar-se mãe como condição para ascender social-
mente, as identidades paternas e maternas dissociadas das identidades
de gênero, subjetividade, orientação e práticas sexuais e, assim, ques-
tionar a matriz heteronormativa como “morada da reprodução, do pa-
rentesco e da família”. O excesso engessa a possibilidade de invenção
de outras paternidades e maternidades, outros prazeres, outros modos
de existir e relacionar-se.
Entretanto, não podemos cair no erro ingênuo ou ordinário de
acreditar que as Ciências da Saúde – expressão a qual utilizamos para
agrupar as Ciências Médicas, Saúde Pública e Saúde Coletiva – são res-
ponsáveis por um sistema que restringe e controla, enquanto as outras
demais ciências (referidas na tabela 4) estariam na contramão, lutando
pela liberdade dos corpos e contra tal sistema. Um argumento assim
parece uma piada de mau gosto pelo pedantismo e obtuso pela crença

40
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

purista. O problema não é a simples existência do controle.10 A crítica


que fazemos diz respeito aos efeitos do excesso de produções acerca
da gravidez na adolescência e a paternidade que, acreditamos, ofusca
outras possibilidades de inventá-las e experimentá-las.
O excesso de produções das Ciências da Saúde – mas não apenas
as suas produções – por vezes situa a gravidez na adolescência como
“doença” que precisa ser evitada, considerando os riscos e sacrifícios
que impõem àquelas que “se deixam engravidar”, “que se descuidam”
ou “são irresponsáveis adolescentes” (ou o contrário, considerando o
estigma negativo da adolescência), uma problemática epidemiológica,
um assunto de saúde pública, um problema social enquanto a paterni-
dade é um drama médico-jurídico, uma condição incorrigível dado o
apetite do macho, adolescente ou adulto, e rito de ascensão e ratifica-
ção do ser masculino na nossa cultura, um instrumento da equidade
de gênero, por vezes omitida pelo machismo dos homens, etc. Não
obstante, o campo do conhecimento é por excelência um campo de po-
der (FOUCAULT, 2005; 2007) e não esperávamos que ele fosse dife-
rente, muito menos lutamos para que ele seja. Nas palavras de Michel
Foucault (2004, p. 267), “trata-se de uma luta, mas o que quero dizer
quando falo de relações de poder é que estamos, uns em relação aos
outros, em uma situação de estratégia”. Ou seja, é preciso assumir a si-
tuação como luta estratégica. O problema, todavia, é do predomínio de
uma ciência e o excesso de suas produções é também do “engessamen-
to das estratégias” pela “institucionalização” – no campo do conheci-
mento, códigos de justiça, práticas de governamentais, etc – de certa
concepção de fazer ciência, formular perguntas, traçar metodologia,
obter resultados, construir análises e verdades. Predomínio e excesso,

10 Michel Foucault (2005) que, ao ser indagado a respeito da frase – “a verdade é o


produto de um sistema de exclusões, de uma rede ou episteme que define o que se
pode e o que não se pode dizer”, durante uma entrevista, responde, “minha opi-
nião a esse respeito é que o que importa não é se é possível ou desejável uma cul-
tura sem restrições, mas se o sistema de repressões em cuja moldura funciona uma
sociedade deixa aos indivíduos a liberdade de transformá-lo. [...] um sistema de
repressões se torna realmente intolerável a partir do momento em que as pessoas a
quem afeta não tenham a possibilidade de modificá-lo, fenômeno que pode ocorrer
quando esse sistema se converte em intangível por ser considerado expressão de
um imperativo moral ou religioso ou consequência necessária da ciência médica”
(FOUCAULT, 2005, p. 26).

41
o pai está esperando ?

então, tornam-se intoleráveis quando não possibilitam que aqueles/


as que são afetos/as não tenham a liberdade de questioná-los nem a
possibilidade de modificá-los.

Não podemos nos colocar fora da situação, em nenhum lugar


estamos livres de toda relação de poder. Eu não quis dizer que
somos sempre presos, pelo contrário, que somos sempre livres.
Enfim, em poucas palavras, há sempre a possibilidade de mudar
as coisas (Foucault, 2004, p. 268).

5. Paternidades produzidas discursivamente

Num segundo momento, buscamos analisar as paternidades


produzidas no contexto desta revisão da literatura, tomada aqui como
produção discursiva. A pergunta-orientadora que adotamos foi “o que
nessas produções se diz sobre paternidade?”.
É possível afirmar que na produção bibliográfica sobre gravidez,
em especial na adolescência, há forte influência do debate inscrito na
Conferência Internacional de População e Desenvolvimento no Cairo/
Egito, em 1994, e na IV Conferência da Mulher em Beijin/China, em
1995, no qual a noção de gravidez precoce e responsabilização pater-
na apareceram como marcadores para problematizar as desigualdades
de gênero no espaço doméstico. Embora não seja desta década a pro-
blematização do movimento feminista sobre a participação masculina
como recurso para modificá-las, foram nelas que as noções se materia-
lizam concomitantes às propostas de governo enquanto reivindicações
no campo dos direitos sexuais e reprodutivos (LYRA, 2008). Não obs-
tante, neste contexto, o foco é a mulher e o homem-pai aparece como
aquele que precisa aprender “ajudá-la” e se responsabilizar por sua
vida sexual. Ainda estamos distantes das discussões sobre paternidade
como direito, prazer ou desejo masculino.
Influência que ainda aparece, de certa maneira, nos objetivos dos
trabalhos levantados na revisão da literatura. Alguns trabalhos se vol-
tam, em especial, para a adolescente grávida e/ou mãe investigando
os impactos da gravidez na sua vida pessoal, escolar, familiar e a sua
rede social de apoio durante a gestação. Nestes trabalhos, por vezes,
a participação masculina é referida, embora não necessariamente seja

42
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

a do pai, em geral adolescente, mas de outras figuras como o avô e


irmão da adolescente. Outro estudo objetiva caracterizar o jovem pai
por meio de informações obtidas com a adolescente grávida, ou seja,
traça-se um perfil sócio-demográfico do jovem pai não o entrevistan-
do, mas pelo que se diz dele. Situação que parece se relacionar, ao mes-
mo tempo, com o lugar “privilegiado” que construímos para a mulher
grávida e/ou mãe ocupar: protagonista da experiência de reprodução,
informante-chave, etc, e com a “dificuldade de encontrar os homens
pais”. Diagnóstico repetido em demasia que já parece ter se tornado
uma verdade do campo empírico das pesquisas sobre paternidade. Ex-
cesso que reitera o preconceito em torno dos homens como distante
natural e culturalmente do campo do cuidado infantil e da atenção
básica em saúde, e que ofusca a simples questão que se coloca àqueles/
as que pesquisam: não estaríamos por todos estes anos procurando os
homens nos lugares errados?
Voltando aos objetivos dos trabalhos levantados. Embora se re-
conheça que alguns trabalhos que tenham se voltado especialmente
para a adolescente grávida – na maior parte deles11 paternidade e gra-
videz adolescente – foram investigados concomitantemente, em algu-
mas produções há certa ênfase nesta ou naquela possibilidade. Nos
trabalhos foram investigados os significados, vivências, construção e
exercício da paternidade por jovens e adolescentes, por homens adul-
tos que foram pais quando adolescentes, por mães adolescentes e pe-
las famílias dos pais adolescentes; os impactos da paternidade na vida
pessoal, escolar, familiar e profissional (elemento que não aparece sen-
do citado no caso das adolescentes) de homens, adolescentes e adul-
tos; as estratégias utilizadas pelos pais e pelas mães, adultos e ado-
lescentes no enfrentamento da paternidade e maternidade como rede
social, investigação da paternidade pelo exame de DNA, homem como
provedor financeiro da prole de da mulher, etc; a socialização mascu-
lina, o exercício da sexualidade de homens e paternidade relacionada
à vulnerabilidade de gênero; os arranjos familiares que se constroem a
partir do advento da paternidade e maternidade adolescente.

11 Dos 25 trabalhos (artigos, dissertações e teses) obtidos, apenas quatro se voltam


para as adolescentes grávidas; dezesseis trabalhos se voltam para a investigação da
paternidade (adolescente e/ou adulta); três estudam pais e mães; e dois investigam
serviços públicos. A referida divisão é feita de acordo com o objetivo principal das
pesquisas, por isso é tão precisa e ilusória, mas conveniente ao presente estudo.

43
o pai está esperando ?

Há também pesquisas que objetivaram analisar a inclusão dos


pais, adolescentes e adultos, nos serviços de saúde, assim como a impor-
tância da participação jovem e masculina na vida reprodutiva e familiar,
considerando a criação de um lugar institucional para o pai adolescente
que propicie seu maior envolvimento em questões relativas à sua sexua-
lidade e a de sua parceira, gestação e cuidado para com a prole.
A partir dos objetivos acima referidos de maneira breve, algu-
mas considerações podem ser feitas. De certo modo, podemos concluir
que o campo de pesquisas acerca dos temas foi influenciado demasia-
damente pelas conferências e a ênfase na participação paterna no con-
texto doméstico e na responsabilização por sua vida sexual, especial-
mente no que tange à sua responsabilidade na reprodução. Entretanto,
há alguns parágrafos acima, já argumentamos essa possibilidade. E,
talvez, neste momento, é interessante produzir outras reflexões. Nestes
12 anos de produção científica, a paternidade e maternidade são apre-
sentadas sempre como termos correspondentes ou, para sermos mais
diretos, complementares. Situação que, curiosamente, aparece como
reflexo do suposto destino lógico das genitálias masculina (pênis) e
feminina (vagina). Reconhecemos que paternidade e maternidade são
invenções que encontram coerência quando indissociadas das identi-
dades sexuais (macho-fêmea; pênis-vagina; produtor-reprodutor), das
performances de gênero (masculino-feminino), dos desejos (homem-
mulher) e práticas sexuais (heterossexual; passivo-ativo). Enfim, em
resumo, são sempre heterossexuais.
Este excesso ofusca não apenas a crítica à matriz heteronormati-
va12 que, para Judith Butler (2001; 2008), diz respeito às normas de inte-
ligibilidade cultural que pela repetição recorrente trabalham para criar/
recriar uma estabilidade e coerência, sempre precárias e destinadas ao
fracasso, entre sexo-gênero-desejo-prática,13 mas ainda desconsidera

12 Para Monique Wittig (2005) a heteronormatividade, em linhas gerais, diz respeito a


discursos (científicos, institucionais, linguísticos, filosóficos, etc) que tomam como
certo que a base da sociedade, de qualquer sociedade, é a heterossexualidade. Nesse
sentido, os corpos estão obrigatoriamente cultural e biologicamente destinados à he-
terossexualidade: pelas diferenças sexuais (homens e mulheres) e de gênero (mascu-
lino e feminino) que se ratificariam biologicamente na reprodução (heterossexual).
13 Para Butler (2005), a norma não é o mesmo que regra nem diz respeito à lei. Ela
opera dentro de práticas sociais como padrão implícito de normalização. Por isso,
ainda que uma norma possa ser separada analiticamente das práticas nas quais

44
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

que o sexo não é igual à reprodução, especialmente com o advento do


anticoncepcional e outras tecnologias semelhantes; que o parentesco não
é sempre heterossexual ao considerarmos que homens e mulheres sozi-
nhos, assim como casais de homens e de mulheres, podem constituir fa-
mílias fora do modelo de “família nuclear”, considerando a experiência
da gravidez pela adoção, inseminação artificial, barriga de aluguel, etc.
Dito de outro modo, afirmamos, paternidade e maternidade são
também inventadas na dissociação das identidades sexuais, das per-
formances de gênero, das orientações e práticas sexuais. Precisamos
considerar no campo de pesquisa não apenas a crítica heteronorma-
tiva, como as outras variáveis referidas, a fim de inventar outras pa-
ternidades e maternidades, adolescentes ou adultas, outros prazeres e
desejos, outras estéticas de existência, outros modos de se relacionar e
filiar-se, ou, pelo menos, reinventar as discussões sobre direitos sexu-
ais e reprodutivos que estão engessadas.
Em relação ao que se diz sobre paternidade, nestes 12 anos de
publicações não é possível, obviamente, falar dela no singular, mas
sempre no plural. Porém, considerando nossos argumentos anteriores,
mesmo que aquilo que está sendo dito sobre a paternidade esteja va-
riando, existem elementos que parecem permanecer: ela é heterosse-
xual; decorre sempre de um ato sexual; apesar de “natural”, aparece
sempre como dilema educativo-jurídico – em outras palavras, situada
na responsabilidade-responsabilização; é provimento financeiro; no
contexto da gravidez adolescente, é adolescente também. Por exemplo,
de modo recorrente, a paternidade aparece como condição que precisa
ser propiciada a se desenvolver como “atitude”: incluída no pré-natal, no
parto e pós-parto, assim como no contexto doméstico e do cuidado com
a prole, nas instituições de saúde como Unidades de Atenção Básica, Ma-
ternidades, etc; sendo um dos argumentos para tal “condição” o fato da
gestação se situar fora do corpo do homem.14 Assim, diferentemente da

está incrustada, pode apresentar resistências a qualquer esforço de descontextuali-


zar sua operação. Assim, “as normas podem ou não ser explicadas e quando ope-
ram como princípio normalizador nas práticas sociais é comum que permaneçam
implícitas, difíceis de ler e de discernir de maneira mais clara e dramática os efeitos
que produzem” (BUTLER, 2005, p. 10).
14 Apesar de a paternidade também ser uma invenção biológica e jurídica, conside-
rando os trabalhos levantados, para que se converta “num atributo do pai”, deve-
mos considerar que ela social. Ou, nas palavras de Claudia Fonseca (2004, p. 32),
“eminentemente social”.

45
o pai está esperando ?

maternidade, o “tornar-se pai” precisa ser “construído” para além da


condição biológica através de práticas institucionais e mudanças cultu-
rais. Ao mesmo tempo, a paternidade adolescente é referida como con-
dição que precisa ser evitada e prevenida, isto é, um problema quando
advinda do exercício sexual irresponsável. Desta maneira, a “paterni-
dade precoce”, assim como a maternidade, é referida como algo que
pode prejudicar a formação escolar, pessoal e profissional dos jovens e
adolescentes que a vivenciam.
Não seria um equívoco afirmar que paternidade e adolescência
aparecem em polos opostos: a primeira diz respeito à responsabilidade,
provimento, autonomia, adultez, enquanto a segunda refere-se à irres-
ponsabilidade, dependência, transição. Por isso, talvez, que a paterni-
dade adolescente, em especial, seja referida, por vezes, pela ausência
e objeto de preocupações de instituições científicas, governamentais e
não governamentais. Cabe ressaltarmos que, na maioria dos trabalhos,
a paternidade analisada é adolescente.15 Não obstante, os rastros desta
invenção podem ser seguidos, pois os estudos sobre paternidade na
adolescência surgem no bojo da produção bibliográfica sobre gravi-
dez na adolescência, a partir de um recorte geracional, no qual gênero
constitui-se como categoria de análise, mas não como conceito central.
Desta maneira, as discussões se aglutinaram em torno da família, dos
impactos da gravidez e paternidade na vida de adolescentes, seja nos
âmbitos da saúde, educação, família, etc. Por sua vez, a noção de gêne-
ro como categoria que serve para analisar os elementos constitutivos
das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e
como forma primária de dar significado às relações de poder (SCOTT,
1995) ficou ofuscada pelo recorte de geração e, quando usada, em mui-
tos trabalhos fica restrita a descrição de características biológicas e cul-
turais de homens e mulheres, do masculino e feminino. Por exemplo,
há trabalhos que se propõem a construir perfis de adolescentes que se

15 Dos 25 trabalhos levantados, 20 se referem à paternidade adolescente. A invenção


da paternidade adolescente associada à gravidez adolescente se constitui, de certa
maneira, como outra verdade do campo de pesquisa, assim como a dificuldade
para encontrar os homens-pais. Tais verdades se materializam de modo curioso
num dos trabalhos obtidos, no qual foram entrevistados apenas cinco homens: três
adultos e dois adolescentes. Além da queixa recorrente de não encontrar os pais, o
estudo se propõe a analisar a paternidade adolescente, embora o número deles seja
menor que de adultos. O estudo analisava a gravidez adolescente.

46
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

tornaram pais e mães a fim de aperfeiçoar serviços de saúde e propor


ações educativas para o referido público – dentre distintas caracterís-
ticas consultadas (escolaridade, educação sexual, moradia, demandas
sobre o ser pai e mãe, etc.) – referentes ao que podemos inferir como
de gênero e geração que são sempre identificadas e descritas, mas nem
sempre problematizadas.
Acreditamos que a centralização do conceito de geração no cam-
po de pesquisa, associada à preocupação em torno da “gravidez e pa-
ternidade precoce”, parece ter engessado as discussões acerca do sexo,
uma vez que este é referido costumeiramente como planejamento fa-
miliar, prevenção de DST e AIDS; por vezes, a gravidez é referida de
modo semelhante a uma doença, irresponsabilidade dada à imaturi-
dade do corpo para a prática sexual ou métodos contraceptivos. Conti-
nuamos, então, a não falar de sexo como prazer nem desejo, mas ape-
nas como reprodução e, por isso mesmo, sempre heterossexual. Deste
modo, permanece invisível a homossexualidade masculina e feminina,
ao mesmo tempo em que a heterossexualidade carrega o peso de ser
responsável pela reprodução da espécie. Continuamos ainda sem falar
de sexo e prazer ao analisarmos paternidade e maternidades, adoles-
centes e/ou adultas. Como também, a exemplo, o sexo entre gerações,
a erotização do corpo infanto-juvenil demasiadamente respaldada na
cultura brasileira (MÉllo, 2006).
Ao mesmo tempo, superando algumas expectativas, a paterni-
dade, adolescente e adulta, também é referida como desejo masculino
não apenas de afirmação da masculinidade – numa espécie de “tes-
tagem” da pretensiosa coerência entre ser homem-masculino-hetero-
produtor-ativo –, mas como “paternagem” descrita detalhadamente
como desejo/prazer de executar afazeres domésticos e do cuidado
com a prole e, de maneira simplificada, como a “nova” paternidade.
Apesar disso, por vezes, a paternidade aparece ainda como importante
para a criança e como auxílio à mãe, adolescente e/ou adulta, e nem
sempre como importante para o homem, adolescente e/ou adulto, re-
definir os sentidos sobre a vida, o ser homem, ao amor, sexo e a família,
etc. O questionamento da não participação paterna no cuidado é feito
em algumas produções pela problematização do machismo, mas não
autocentrado na figura do “homem que não cuida”, e sim daquele que
constitui as práticas institucionais, culturais e políticas pertencentes ao

47
o pai está esperando ?

machismo e que precisa ser enfrentado para que se propicie o maior


envolvimento masculino na reprodução. Nesse sentido, são denuncia-
dos serviços de saúde que a invisibilizam, não a incluem ou a excluem.
Ademais, são feitas críticas à postura social que estigmatiza o pai como
sinônimo de provedor da família e ausente do cuidado com a prole. Em
grande parte das pesquisas a paternidade é referida como ativa, par-
ticipativa, que deveria se iniciada com a gestação e a própria inclusão
do pai no sistema de saúde. Ademais, na maior parte das pesquisas se
questiona a ideia de pai ausente e da gravidez na adolescência – sem-
pre indesejada. Isto é, se critica a atuação moralista e de culpabilização
da paternidade na adolescência.
A participação ou não participação paterna no cuidado com a
prole, considerando nossa leitura da produção de pesquisas levanta-
das, aparece sendo analisada, em linhas gerais, de duas maneiras: pela
responsabilização e pela responsabilidade. De certo maneira, elas são
semelhantes, mas não iguais nem idênticas. Semelhantes porque as
duas se dispõem a pensar e promover de algum modo a participação
paterna. Mas distintas, inexoravelmente, na suas maneiras de explicar
e agir em prol de tal intento. Na responsabilização o alicerce são os
ombros do homem: explica-se sua ausência pela via do machismo e se-
xismo que impregna e “distorce” seus desejos, sendo sua participação
promovida por mecanismos médicos-jurídicos (exame de DNA, pen-
sões alimentícias, reconhecimento de paternidade, etc) e outras formas
de coação. Na responsabilidade, de certo modo, não se abre mãos dos
mesmos recursos, mesmo porque alguns deles são direitos adquiridos.
Então, o elemento catalisador é o debate sobre direitos sexuais e re-
produtivos masculinos. Assim, problematiza-se as condições institu-
cionais e culturais que (im)possibilitam, (in)visibilizam a participação
paterna adolescente e adulta.
Desta maneira, questiona-se o excesso e o imperativo que culpa-
biliza e vitimiza o homem, adulto e adolescente, cria-se espaços para
que eles mesmos – sozinhos; acompanhados das companheiras e/ou
companheiros; vivendo em família, em comunidade ou em arranjos
dinâmicos; casados, solteiros, em relação estável ou inventando ou-
tros modos de se relacionar –, que são afetados (mas não apenas eles),
tenham a possibilidade de modificar este excesso de discussões que
ofusca e torna a vida monótona e rarefeita.

48
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

4. Algumas considerações

Em geral, afirmações generalistas conduzem a equívocos. Mas


adotamos tal possibilidade ao acreditarmos que em relação à paterni-
dade, adulta e adolescente, talvez, esteja acontecendo um momento de
virada em relação à forma como ela era analisada nos anos noventa.
A partir de 2000, ela começa a aparecer nas produções científicas so-
bre gravidez na adolescência, com mais ênfase ou mesmo como novi-
dade, como desejo, direito e compromisso dos homens que, por con-
tingências institucionais, culturais e políticas são invisibilizados, não
promovidos e desrespeitados. A paternidade não apenas como apoio
da mulher ou importante para a prole, contraponto, provedora, defini-
dora da masculinidade, ausente, etc. Curiosamente, de certa maneira,
o homem já aparece como o foco da paternidade. Talvez, seja esta a
principal mudança no campo.
Nesse sentido lançamos mão de nossas ferramentas como mar-
cadores temáticos que possibilitaram o processo de visibilização da pa-
ternidade nestes últimos 12 anos de produção científica nacional sobre
gravidez na adolescência. Ressaltamos, porém, que não as forjamos
como se tivéssemos “descoberto o que estava coberto” ou evidenci-
ássemos “o dado da realidade” que explica o porquê da paternidade
estar aparecendo com mais ênfase. Nada disso. Inspirados pelos/as
autores/as referidos/as neste artigo, inventamos tais ferramentas para
forjar um passado para a paternidade que nos ajude a refletir sobre
mudanças e permanências nestes anos de pesquisa. E, indo um tanto
além, para visibilizarmos minimamente ao campo elementos ainda in-
tocados, pois concordamos com Albuquerque Junior (2007, p. 65) ao
afirmar que “precisamos da arte, da arte de inventar novos mundos
possíveis, inclusive da arte de inventar o passado”.
Acreditamos que um dos elementos fundamentais para a visibili-
zação da paternidade nestes anos (1997 a 2009) foi a popularização do
exame de DNA. O mesmo salta do mundo da ficção científica aos fatos
do dia a dia no final dos anos oitenta, “trazendo consigo o potencial de
uma nova ‘mudança profunda’ em nossa maneira de pensar a família,
relações de gênero e parentesco” (FONSECA, 2002, p. 269). Mais do que
isso, afetou a possibilidade das pessoas negociarem criativa e subver-
sivamente suas próprias relações afetivas sem as intervenções estatais.

49
o pai está esperando ?

Segundo Claudia Fonseca (2004), durante os anos noventa o exame


do DNA para investigação da paternidade se populariza no Direito,
na prática jurídica, na mídia e entre as pessoas, membros da elite e da
classe trabalhadora. Embora o exame de DNA não esteja necessaria-
mente vinculado à referida investigação, pois é um recurso médico-ju-
rídico para buscar outros graus de parentesco como ainda determinar
a identidade de alguém que tenha cometido um crime ou de alguém
que morreu e não pode mais ser identificado, é inegável que o exame
de DNA soa como sinônimo de investigação de paternidade. Assim,
não é exagero afirmar que o mesmo se constituiu como uma “máquina
de fazer ver e fazer falar” (Foucault, 1999) – talvez seu principal
visibilizador – a paternidade nesta primeira década do século XXI.
A outra ferramenta que forjamos se relaciona diretamente com
a relação paternidade e DNA, pois as noções de responsabilização/
responsabilidade foram modificadas com o surgimento do referido
exame. Apesar do exame de sangue ser usado na comprovação de pa-
ternidade e maternidade, por exemplo, o mesmo trouxe a suposta ga-
rantia de resultado de 99,99% de acerto (FONSECA, 2002). Ou seja, é
capaz de produzir uma verdade material demasiadamente necessária
à prática jurídica. Além disso, após a Constituição Federal de 1988 e
do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, foi abolida a sepa-
ração entre filhos/as legítimos/as e ilegítimos/as (nascidos dentro e
fora do casamento) e todo homem poderia ser obrigado judicialmente
a reconhecer sua prole. Dito de outro modo, eles passaram a responder
pelo modo como conduziam suas práticas sexuais. Embora não exista
relação alguma entre o cumprimento da lei, a afirmação de um fato
biológico e o desenvolvimento de relações sociais entre pais e filhos
(FONSECA, 2004) torna inegável o fato de que se viveu uma novidade
no âmbito das relações sociais e familiares no Brasil, em especial, ao se
questionar a conduta masculina. Afirmamos que responsabilização e
responsabilidade são semelhantes, sendo a diferença na visibilização
da paternidade pela problematização das condições institucionais, cul-
turais e políticas que (im)possibilitam, e não apenas como decorrente
do voluntarismo do homem.
Esta leitura que já aparece sendo feita em algumas das produções
científicas, quando passam a questionar a ausência institucionaliza-
da, por exemplo, em Postos de Saúde e Maternidades cujas práticas e

50
Literatura científica sobre gravidez na adolescência

conhecimentos operacionalizados – e mesmo o espaço físico – não só


não acolhem a demanda masculina no contexto da gravidez como nem
mesmo, por vezes, têm a percepção da presença masculina. A crítica
à ausência institucionalizada e a responsabilidade por meio do debate
sobre direitos sexuais e reprodutivos masculinos, nestes últimos anos,
corroboraram a visibilização da paternidade.

Referências

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53
dialogando sobre família, gravidez e
paternidade com mães adolescentes em
recife/pe, florianópolis/sc e vitória/
es: números como dispositivos de
intervenção em políticas públicas

Benedito Medrado
Jorge Lyra
Mariana Azevedo
Maria Juracy Filgueiras Toneli
Zeidi Araújo Trindade
Túlio Quirino
Dara Felipe
Celestino Galvão Neto
Márcio Valente
Michael Machado
Ludmila de Oliveira
Luiza Dantas
Maria Camila da Silva
Symone Gondim

Considerando, por um lado, a escassez de informações sobre


os arranjos familiares em que se desenvolve a (ou que são construí-
dos a partir da) gravidez na adolescência e, particularmente, sobre a
participação do pai neste cenário (CAMARANO, LEITÃO E MELLO,
KANSO, ANDRADE, 2006; HEILBORN, CABRAL, 2006; LYRA, ME-
DRADO, 2000; REIS, 1997) e, por outro, a dificuldade de localizar
uma quantidade razoável de homens-pais disponíveis a falar sobre
esta experiência, optamos por realizar, a partir de desenho quanti-
tativo de pesquisa, entrevistas estruturadas com mães adolescentes,
orientadas por um roteiro de perguntas abertas e fechadas, cujo con-
teúdo focalizava:

55
o pai está esperando ?

1. Dados sócio-demográficos sobre a mãe e sobre o pai (idade,


estado civil, cor/raça, condição sócio-econômica, escolaridade,
religião, local de nascimento etc.);
2. Composição familiar em que a gravidez se desenvolve;
3. Características da gravidez (se foi planejada ou não, apoio
dado pelo parceiro, se os pais moram juntos ou não, possibilida-
de de aborto, etc.);
4. Características do acesso aos serviços de saúde;
5. Conhecimentos e opiniões sobre legislação que podem promo-
ver a maior participação dos homens no processo gravídico e nos
cuidados infantis (licença parental, lei do acompanhante...).

Vale ressaltar que, no desenho desta etapa da pesquisa, não tive-


mos a intenção de constituir uma leitura generalizante, tomando por
base a “opinião” da população estudada. Reconhecemos que a produ-
ção de instrumentos de pesquisas é um produto dialógico, portanto,
co-construído com os/as pesquisadores/as. Neste sentido, adotamos o
rigor metodológico como explicitação de procedimentos e escolhas ne-
gociadas e justificadas (SPINK; MENEGON, 1999), legitimadas a partir
de parâmetros usuais em pesquisas epidemiológicas.
Compreendemos que as informações ora apresentadas podem
contribuir no delineamento metodológico de outras pesquisas, como
também subsidiar iniciativas de planejamento, monitoramento e ava-
liação de políticas públicas, bem como o próprio controle social desen-
volvido pelos movimentos sociais organizados.
Para construir o roteiro de entrevistas, identificamos, inicialmen-
te, sete instrumentos de pesquisas nacionais e internacionais que ver-
savam sobre sexualidade e saúde reprodutiva:
1. Pesquisa internacional “Men, sexuality, rights and self cons-
truction”, coordenada pelo International Reproductive Rights
Research Action Group (IRRRAG), 1999-2003 (PORTELA; ME-
DRADO; SOUZA; NASCIMENTO; DINIZ, 2004, 144 p.);
2. Pesquisa “Gravidez na adolescência: estudo multicêntrico so-
bre jovens, sexualidade e reprodução no Brasil – GRAVAD”, co-
ordenada pelo IMS/UERJ, INED, ISC/UFBA e NUPACS/UFR-
GS, 2002 (HEILBORN; AQUINO; BOZON; KNAUTH, 2006;.
DIAS; AQUINO, 2006);

56
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

3. Pesquisa multicêntrica nacional “Homens nos serviços públi-


cos de saúde: rompendo barreiras culturais, institucionais e in-
dividuais - regiões Nordeste, Sul e Sudeste”, coordenada pelo
Instituto PAPAI, 2005-2007;
4. Pesquisa “Política, direitos, violência e homossexualidade”,
coordenada pelo Instituto de Medicina Social da UERJ, Instituto
Papai e Gema/UFPE, 2006 (CARRARA, Sérgio; RAMOS; LA-
CERDA; MEDRADO; VIERIA, 2007);
5. Pesquisa multicêntrica nacional “Masculinidades: representa-
ções e práticas de saúde”, coordenada pela Rede de Estudos e
Pesquisas em Psicologia Social (REPPSO) da Universidade Fede-
ral do Espírito Santo, 2007-2009;
6. Pesquisa “Entendendo quem entende: comportamentos, ati-
tudes e práticas de risco e de prevenção para aids entre homens
que fazem sexo com homens” (VIEIRA, 2006);
7. Pesquisa “International Men and Gender Equality Survey”
(IMAGES), coordenada pelo Instituto Promundo, 2009 (RICAR-
DO; SEGUNDO; NASCIMENTO, 2009).

Em reunião nacional dos integrantes da pesquisa, estes instru-


mentos foram analisados em pequenos grupos e apresentados, em se-
guida, aos demais, para apreciação coletiva. Este exercício tinha por
objetivo identificar questões para a construção do instrumento da nos-
sa pesquisa. Para isso, selecionamos questões que faziam referência a:
a) arranjos familiares; b) informações sócio-demográficas; c) gravidez;
d) acesso aos serviços de saúde; e) conhecimentos e opiniões sobre saú-
de e direitos sexuais e reprodutivos. Este exercício gerou uma primeira
versão do instrumento que foi aplicado com vistas à testagem.
Com o intuito de realizar um exercício de análise da qualidade
do roteiro de entrevistas, bem como para familiarizar os pesquisadores
com este instrumento, realizamos uma etapa de testagem das entrevis-
tas nas três capitais a serem pesquisadas – em que a pesquisa acontece-
ria: Recife, Vitória e Florianópolis.
Num primeiro momento, optamos por realizar as entrevistas ape-
nas em Recife, em comunidade onde possivelmente não faríamos a pes-
quisa, mas com características sócio-culturais semelhantes à comunida-
de que, por fim, seria pesquisada. Foram entrevistadas seis mulheres.

57
o pai está esperando ?

Após a revisão desta primeira versão, realizamos uma segunda testa-


gem, desta vez nas três cidades, tendo por base o roteiro revisado. Nes-
te momento, foram entrevistadas, no total, 22 mães adolescentes (nove
em Recife, oito em Florianópolis e cinco em Vitória), com as mesmas
características (idade e nível sócio-econômico) das que seriam incluí-
das na amostra, porém residentes em área distinta daquela escolhida
como foco da pesquisa.
Em linhas gerais, o exercício de elaboração e revisão deste ins-
trumento nos auxiliou bastante na definição da amostra, na avaliação
do tempo de duração de cada entrevista (entre 20 e 40 minutos) e na
definição de estratégias para posterior realização das mesmas (a quem
pedir indicações, onde localizar as adolescentes).
Este exercício de testagem gerou também ricos debates sobre o
uso de termos mais adequados e, especialmente, sobre a dificuldade
em construir um roteiro de entrevistas que contemplasse a diversidade
possível de orientações sexuais, de arranjos conjugais e de organiza-
ções familiares, especialmente no que se refere aos homens neste con-
texto de cuidado, tendo em vista que estes poderiam ser ou não o atual
companheiro da mãe adolescente. Além disso, percebemos o quão li-
mitado é um instrumento desta natureza, dada a restrição das opções
de respostas, mas também da própria escolha das perguntas que, mui-
tas vezes, expressa vieses em sua formulação, uma vez que as opções
de respostas oferecidas são construídas pelos pesquisadores, os quais
partem de outras produções científicas relacionadas, como também de
suas concepções e expectativas em relação ao tema e à população em
questão. Certamente, as alternativas construídas jamais contêm todas
as possibilidades de respostas.
A partir desses exercícios de revisão coletiva, construímos um
roteiro de entrevistas – (ver anexo), com 204 questões (a maioria com
alternativas fechadas) – organizado nas seguintes seções:
1. Informações gerais sobre a entrevistada;
2. Características sócio-demográficas;
3. Sobre arranjos familiares;
4. Sobre a gravidez e o/a filho/a;
5. Sobre a relação com o pai da criança;
6. Sobre o companheiro (se não for o pai da criança);
7. Mais informações sobre o pai do filho mais novo;

58
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

8. Sobre opiniões;
9. Sobre direitos;
10. Opiniões finais.

Vale salientar que no roteiro das entrevistas havia várias “per-


guntas subordinadas”, ou seja, perguntas que só eram feitas se a res-
posta produzida remetesse a algum esclarecimento particular. Neste
sentido, apesar de haver 204 questões, a pessoa em geral respondia a
cerca de 100 perguntas e o tempo médio de duração foi de 36 minutos
em Recife e 31 minutos em Vitória e Florianópolis.

1. Sobre a definição da região pesquisada

Para definição da região político-administrativa em que realizarí-


amos a pesquisa, adotamos como critérios: 1) a inclusão de bairros com
comunidades de baixa renda; 2) regiões com cobertura da Estratégia
de Saúde da Família (pelo menos uma Unidade de Saúde da Família);
3) facilidade de acesso dos/as pesquisadores/as.
Seguindo esses critérios, em Recife, optamos pela microrregião
4.3, que integra os bairros de Cidade Universitária, Caxangá e Várzea,
situados na região oeste, sendo este último o maior dos três (2.264 hec-
tares) e um dos mais populosos da cidade (cerca de 64.512 habitantes).
No total, estes bairros são servidos com sete unidades de saúde e 14
equipes de ESF.
Em Vitória, optamos pela Regional São Pedro, que compreende
dez bairros na região de maior pobreza de Vitória e de povoação mais
recente. Os bairros surgiram a partir da ocupação do lixão da cidade
e da invasão de áreas de manguezal no final da década de 70. Possui
uma população de 31.279 habitantes. Na pesquisa priorizamos os qua-
tro bairros desta Regional: São Pedro V, Ilha das Caieiras, Resistência
e Santo André. Esses bairros são atendidos por 4 quatro unidades de
saúde e 12 equipes de ESF.16
Em Florianópolis foi escolhida a Regional de Saúde Centro, com-
posta pelos bairros Trindade/Serrinha, Agronômica, Prainha, Centro e

16 Fonte: SEMUS - Estimativa a partir dos dados da SEDEC.

59
o pai está esperando ?

Monte Serrat, que congrega uma população de 92.377 habitantes. Nes-


ta região existem cinco unidades de saúde, todas com equipe de ESF.

2. Sobre a definição da amostra

Para o cálculo da nossa amostra, contamos com o apoio de um


profissional da área de estatística vinculado à Fiocruz/NESC/CPqAM
e tomamos por base as informações disponibilizadas, on-line, pelo DA-
TASUS, Base de Dados para o Ministério da Saúde. Essas informações
são oriundas do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SI-
NASC), sistema gerido pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS),
em conjunto com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
O SINASC informa aproximadamente 30 variáveis das Declara-
ções de Nascidos Vivos. Por meio da Internet, o DATASUS e a SVS dis-
ponibilizam as principais informações para tabulação sobre as Bases
de Dados do SINASC:
■■ Número de nascimentos por residência da mãe;
■■ Número de nascimentos segundo o local de ocorrência do nas-
cimento;
■■ Ano do nascimento;
■■ Local de ocorrência (hospital, outro estabelecimento de saúde,
domicílio, outros, ignorado);
■■ Instrução da mãe;
■■ Estado civil da mãe;
■■ Duração da gestação;
■■ Tipo de gravidez e de parto;
■■ Número de consultas de pré-natal;
■■ Sexo e raça/cor do nascido;
■■ Índice de Apgar no 1º e no 5º minuto;17
■■ Peso do feto ao nascer;
■■ Indicativo de existência de anomalia congênita e Tipo

17 A Escala ou Índice de Apgar consiste na avaliação de 5 sinais do recém-nascido no


primeiro, no quinto e no décimo minuto após o nascimento: 1) frequência cardía-
ca, 2) respiração, 3) tônus muscular, 4) irritabilidade reflexa e 5) cor da pele. Cada
item é avaliado de 0 a 2. O somatório da pontuação (entre 0 e 10) resulta no Índice
de Apgar.

60
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

De antemão, chamou-nos a atenção a ausência de informações


sobre o pai da criança, nesses instrumentos, que, do nosso ponto de
vista, conforme discutido em texto anterior (LYRA; MEDRADO, 2000),
produz um direcionamento às pesquisas sócio-demográficas e acabam
por “institucionalizar” a invisibilidade paterna.
Com base nas informações disponíveis sobre cada uma das três
regiões escolhidas, fomos orientados ao cálculo da amostra, definindo
um intervalo de confiança de 5%, que resultou em um total de 500
entrevistadas, sendo 250 em Recife, 150 em Vitória e 100 em Florianó-
polis, conforme quadro ilustrativo a seguir.

Quadro 1 – Passo a passo para cálculo amostral

Passo a passo Recife Vitória Florianópolis


Universo populacional: número
de nascidos vivos na região foco da
pesquisa, independente da idade da
Passo 1 3802 602 822
mãe (calculado a partir da média dos
últimos três anos aos quais se teve
acesso no SINASC).
Passo 2 Margem de erro 2 2 2
Número de casos – dentro da população
– que apresentam característica que se
quer estudar: quantas das mães são
Passo 3 635 152 138
adolescentes (15-19 anos) - Calculado
a partir da média dos últimos três anos
aos quais se teve acesso no SINASC.

Prevalência: dividir número de mães


Passo 3 (independente de idade) por número de 17 25 17
mães adolescentes na região escolhida.
Percentual de acréscimo no tamanho
da amostra: Indicado para pesquisas
nas quais pode haver recusas e
Passo 4 1,00 1,00 1,00
uma perda grande no número (por
exemplo, por correio). Em geral, usa-
se apenas 1,00.
Passo 5 Intervalo de confiança 5% 5% 5%
Simple size: O programa indica um
Passo 6 1000 452 512
número.
Número mínimo indicado: Multiplica-
se este valor pelo percentual de
Passo 7 167 114 86
prevalência, chegando ao número da
amostra para entrevistas.
Número final realizado após finaliza-
Passo 8 250 150 100
ção do campo.

61
o pai está esperando ?

No processo de cálculo amostral, chamou-nos atenção a grande


dificuldade em obter as informações que, em princípio, imaginávamos
de fácil acesso (tal como o número de mães adolescente por cidade,
bairro ou microrregiões) e, além disso, a variedade de fontes existen-
tes (especialmente vinculadas à gestão pública) e a discrepância entre
suas informações (por vezes, fontes distintas apresentavam curiosa-
mente números distintos falando a partir de mesma base censitária,
por exemplo).

3. Sobre o treinamento

Antes da realização das entrevistas, foi feito um treinamento com


pesquisadores que já tinham alguma familiaridade com estudos sobre
temas semelhantes. Este treinamento durou quatro horas e nele foram
apresentados os objetivos da pesquisa, sua metodologia e os procedi-
mentos deste vetor específico. A partir da técnica de “role play” foram
compostas duplas, sendo que cada pesquisador entrevistou o outro,
a partir do roteiro distribuído. O roteiro foi então lido, conjuntamen-
te, pergunta por pergunta, para esclarecimentos sobre as dúvidas que
surgiram no exercício. Vale ressaltar que, após o treinamento, foram
ainda feitos alguns ajustes na versão final do roteiro. Cada pesquisa-
dor recebeu: um conjunto de sete a dez roteiros impressos; Termos de
consentimentos livres e esclarecidos; Autorização do Comitê de Ética
para realização da pesquisa;18 mapa da região da pesquisa; pranchetas;
lápis e borracha.
Neste treinamento, foram fornecidas as seguintes orientações:
■■ Evitar roupas alusivas a campanhas voltadas ao tema do projeto
(por exemplo, camisetas da campanha “Paternidade: direito, de-
sejo e compromisso”, do Instituto PAPAI) ou com identificação
institucional.19

18 Para tanto seguimos os procedimentos de pesquisa com seres humanos: autoriza-


ção do Comitê de Ética da Universidade Federal de Pernambuco, processo CEP/
CCS/UFPE, n.º 061/08, e apresentação e assinatura do TCLE – Termo de Consen-
timento Livre e Esclarecido.
19 Em uma das situações, uma enfermeira, em Recife, sugeriu que usássemos bata/
jaleco, talvez para dar mais credibilidade (a partir da associação com o poder bio-
médico) e segurança (considerando regiões com registros constantes de violência

62
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

■■ Registrar no roteiro qualquer informação que considerar rele-


vante;
■■ Nos casos de mulheres grávidas, ficar ainda mais atentos para
evitar constrangimento ou mal estar; cancelar a entrevista, caso
necessário;
■■ As perguntas sobre parto e sobre o filho serão referentes sempre
ao filho que ela teve entre 15 e 19 anos. Se a mulher tiver tido
mais de um filho quando tinha entre 15 e 19 anos, deve-se per-
guntar sobre a gestação mais recente;
■■ Explicar que esta é uma pesquisa vinculada às universidades
para evitar identificação dos pesquisadores como fiscais da pre-
feitura ou de qualquer programa social (como bolsa família, por
exemplo);
■■ Pedir para a entrevistada que assine o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, lendo-o, antes, junto com ela. Explicar que é
um procedimento padrão e que tem o objetivo de enfatizar que
ela não é obrigada a fazer a entrevista, mas que gostaríamos mui-
to de contar com a sua ajuda.
■■ Levar esponja de carimbo para os casos em que a entrevistada
(ou responsável) não saiba assinar o nome, embora não tenha
havido nenhum caso.
■■ Procurar ler com atenção e pausadamente as perguntas e certifi-
car-se que a pessoa as entendeu. Oferecer-se para repetir, se for
necessário, mas nunca explicar ou “traduzir” a pergunta;
■■ Recomendar que a entrevista seja feita apenas com a entrevistada,
mas se ela quiser ficar acompanhada de outras pessoas, não recu-
sar, mas solicitar, com cuidado, que a outra pessoa evite opinar. Se
houver muita interferência, abreviar a entrevista e cancelá-la.

Em Florianópolis os mesmos procedimentos foram adotados,


porém o treinamento foi feito mais de uma vez, visto que num primei-
ro momento havia apenas seis participantes, dos quais quatro perma-
neceram. Sendo assim, à medida que novas pessoas se apresentavam,
o treinamento foi reaplicado, totalizando, então, 10 entrevistadoras.

urbana). Achamos, contudo, que posicionar o/a pesquisador/a como profissional


de saúde poderia gerar demandas na população que não poderiam ser respondi-
das no contexto desta pesquisa.

63
o pai está esperando ?

4. Sobre os procedimentos metodológicos

4.1 Participantes

Foram convidadas a participar da pesquisa mulheres que foram


mães quando tinham entre 15 e 19 anos e que tiveram filho há no máxi-
mo três anos, ou seja, pode haver mãe com até 22 anos, desde que tenha
tido filho até os 19 anos. Não foram entrevistadas adolescentes com me-
nos de 15 anos ou com mais de 22 anos. Foram entrevistadas algumas
mulheres grávidas, desde que não fosse a gestação do primeiro filho,
pois inviabilizaria a resposta a perguntas sobre o cuidado com o filho.
Foram excluídas as mulheres que: 1) não se enquadravam neste
perfil; 2) tinham algum comprometimento físico ou mental que im-
pedisse sua participação; ou 3) não expressassem desejo de participar
voluntariamente da pesquisa.

4.2 Local de realização das entrevistas

Considerando que o foco da pesquisa é a população de baixa


renda, o meio de acesso às mães adolescentes foi o serviço de Atenção
Básica à Saúde, uma vez que as Unidades de Saúde da Família são
acessadas prioritariamente pelas áreas de baixa renda e são o locus pri-
vilegiado para a realização das consultas de pré-natal e puericultura.
As entrevistas foram feitas onde a entrevistada se sentisse melhor: na
unidade de saúde, em sua casa, em uma praça.
Em relação ao local de aplicação das entrevistas em Recife, ti-
vemos apenas 7,36% das entrevistas realizadas na Unidade de Saúde;
70% das entrevistadas responderam as perguntas em sua residência,
das quais 36,8% estavam sozinhas e 33,2% na presença de outras pes-
soas. Em Vitória tivemos percentuais semelhantes, sendo 6,7% das en-
trevistas tendo sido realizadas na Unidade de Saúde e 72,6% na resi-
dência das entrevistadas. Contudo, é maior o número de entrevistadas
que estavam sozinhas durante a realização do questionário, perfazen-
do 47,3% do total de entrevistas realizadas nesta cidade. Já em Floria-
nópolis 31% dos questionários foram aplicados na Unidade de Saúde e
39% na casa das adolescentes. Sendo muito próximas as percentagens

64
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

daquelas que estavam sozinhas (19%) das que estavam na presença


de outras pessoas (20%). Essas informações ressaltam a grande difi-
culdade que os/as pesquisadores/as de Recife e Vitória tiveram de
encontrar as adolescentes grávidas (mas também os homens pais) na
própria unidade de saúde, o que sugere menor adesão desta popula-
ção ao serviço, ao passo que em Florianópolis as unidades de saúde se
mostraram uma importante via de acesso a esta população.

4.3 Orientações éticas e legais

Na realização da pesquisa buscamos estar bastante atentos aos


momentos de diálogo com as mães adolescentes, de modo que a en-
trevista não gerasse qualquer embaraço às entrevistadas, sendo-lhes
informado que sua participação na pesquisa era muito importante,
mas voluntária. Os/as pesquisadores/as tiveram atenção especial nos
casos de mulheres grávidas, para evitar constrangimento ou algum
desconforto. Se necessário, as entrevistas seriam canceladas.
Tivemos alguns casos de mães que recusaram realizar a entrevis-
ta, porém esse tipo de situação não ocorreu com frequência. Algumas
das que recusaram disseram claramente que não tinham interesse em
participar, enquanto outras usavam como estratégia remarcar outro
horário para que o/a pesquisador/a voltasse, mas quando este/a vol-
tava ao local marcado, a entrevistada não comparecia.
Em relação ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, op-
tamos por solicitá-lo de todas as participantes da pesquisa, o qual era
lido e assinado junto com o/a pesquisador/a. Em caso de menor de
idade, foi solicitada a assinatura do termo também aos pais ou res-
ponsáveis. Se ela fosse formalmente casada, não havia necessidade do
consentimento dos pais, pois, segundo o Código Civil, a gravidez não
é suficiente para ensejar a emancipação, nem do homem pai, nem da
mulher mãe, sendo a única saída para a emancipação o casamento.20

20 Segundo o art. 1520 do Código Civil, para evitar imposição de pena criminal ou em
caso de gravidez, os menores de 16 anos poderão casar-se e, consequentemente,
conquistar a emancipação. Esse casamento passará por necessária decisão judicial.
Isso significa que a concessão dos pais não basta. Quando o sujeito possui entre
16 e 18 anos, a simples concessão, registrada em cartório, de ambos os pais, ou
de apenas um deles quando da falta do outro, serve à emancipação. No caso de

65
o pai está esperando ?

4.4. Realização das entrevistas

A realização das entrevistas transcorreu sem grandes dificulda-


des. Porém, vale ressaltar o fato de a primeira semana de realização
de entrevistas não ter sido muito produtiva. Isso pode ter ocorrido de-
vido ao fato de termos focalizado as unidades de saúde como lugares
privilegiados para encontrar essas mães adolescentes, como também
por ser ainda um momento de aproximação dos/as pesquisadores/
as ao contexto, quando estes/as estavam ainda se familiarizando com
a dinâmica da comunidade. Não devemos desconsiderar, com isso, a
importância de tomar a Unidade de Saúde como referência, pois isso
trouxe grandes benefícios. Consideramos, no entanto, que foi limitan-
te, nesse primeiro momento, nos restringirmos a ela, tomando-a como
única possibilidade de acesso às mães.
As entrevistas foram realizadas nas três cidades, em geral, em
torno de três a seis semanas e, no total, participaram da pesquisa 62
pesquisadores/as, sendo 33 em Recife (24 mulheres e nove homens),
19 em Vitória (14 mulheres e dois homens) e 10 (todas mulheres) em
Florianópolis.
Recife foi a primeira capital a concluir o processo. Nesta cidade,
foram feitas reuniões semanais com supervisores de campo, para mo-
nitoramento, que permitiram uma apreciação do processo, facilitando
ajustes ainda no curso da realização das entrevistas, especialmente no
que se referia às dúvidas dos pesquisadores, mas também possibilitou
diálogos sobre as comunidades pesquisadas e sobre a relação da pes-
quisada com pesquisador/a.
Neste processo, verificamos que tomar as unidades de saúde
como ponto de referência se mostrou uma estratégia adequada para

uma menina de 14 anos, por motivos bastante razoáveis inclusive, faz-se neces-
sária decisão judicial. É de se lembrar que, segundo o Código Penal, presume-se
violência e, portanto, estupro, se a vítima não é maior de 14 anos. Seria muitíssimo
importante conhecer a idade do pai da criança. Caso ele seja maior de idade, ou
seja, tenha 18 anos ou mais, ele cometeu um crime. Esse crime é “perdoável” com
o casamento, mediante a referida decisão judicial. Sendo o pai maior de idade ou
não, casando com ele ou não, a menina de 14 anos que engravidou pode sofrer o
aborto legal previsto no inciso II do art. 128 do Código Penal. Como, nesses casos, a
violência é pressuposta, para todos os efeitos legais ela sofreu um estupro. Porque
ela é incapaz, o aborto legal requer o consentimento de seu representante legal.

66
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

a identificação da comunidade a ser pesquisada, pois essas unidades


estavam realmente sediadas em regiões onde residiam populações de
baixa-renda. Cabe acrescentar a particular colaboração dos/as ACS
(Agentes Comunitários de Saúde) que, por serem os/as profissionais
mais próximos/as do cotidiano do bairro e das usuárias, ofereceram
um “mapeamento” das jovens e intermediaram o contato com elas.
Contudo, a abordagem das entrevistadas se deu, como dito anterior-
mente, em geral nas residências dessas pessoas, tendo em vista a mo-
rosidade na autorização das unidades de saúde para realização da
pesquisa em suas instalações, especialmente em Vitória, mas também
pelo fato dos horários de funcionamento das unidades de saúde serem
limitados e, muitas vezes, havia pouco movimento nos dias em que
realizamos as visitas às unidades.
Como estratégia alternativa, buscamos nos aproximar também
de diferentes instituições, tais como: associação de moradores, centros
espíritas que faziam encontros de mães, creches do bairro, escolas de
nível fundamental, além de contato com informantes privilegiados,
como líderes comunitários, irmãs de caridade e comerciantes. A es-
tratégia mais exitosa, porém, foi mesmo ir de porta em porta ou, como
disse um dos pesquisadores, “metendo as caras” no bairro. Ou seja, ao
invés de esperarmos nas unidades de saúde, saímos caminhando pelas
ruas, vielas e morros das regiões circunvizinhas a estas unidades em
busca das mulheres a entrevistar. Evitamos ir à casa das pessoas no
horário de almoço, a não ser que a própria pessoa pedisse que fôsse-
mos nesse horário. Uma ótima estratégia também foi a indicação entre
mães adolescentes. Era raro que uma mãe não soubesse de outra nas
mesmas condições. Essa facilidade de indicação entre as entrevistadas
indica a existência de uma rede informal entre elas, na qual não só as
mães estão envolvidas, mas suas mães e pais, uma vez que esses tam-
bém contribuíram com muitas indicações. Estabelecendo uma compa-
ração com a localização dos pais, vê-se que, quanto ao pai, essa rede
não é tão nítida, uma vez que poucos sabem se referenciar. Pode-se
atribuir esse fato à ligação entre gravidez e a maternidade e a “ausên-
cia institucionalizada” dos pais nos serviços de saúde, por exemplo, já
que nesses o acompanhamento pré-natal e instruções sobre cuidados
infantis são formuladas tendo como foco as mães.
Ao abordar pessoas nas ruas, não sentimos resistência nem em
realizar as entrevistas, nem em indicar pessoas a entrevistar, ainda que,

67
o pai está esperando ?

por vezes, solicitaram-nos, com certo tom de segredo, a não dizer quem
havia indicado, revelando de certo modo um cuidado em manter o
anonimato da pessoa que indicou, aparentemente, para não se confi-
gurar como fofoca. Dessa forma, essa não pareceu ser uma experiência
sobre a qual se “fala em público”.
Na supervisão de campo, foi possível também acompanhar o tra-
balho dos/as pesquisadores/as, considerando-os como parte da confi-
guração do campo-tema e como interlocutores diretos das entrevista-
das, copartícipes da interanimação dialógica que gerou as respostas e,
portanto, em certa medida, coautores das respostas formuladas. Neste
sentido, chamou-nos a atenção, por exemplo, a necessidade que uma
das supervisoras teve de insistir com os/as pesquisadores/as para não
emitirem nenhuma opinião sobre gravidez na adolescência com os pro-
fissionais com os quais tivessem contato, muito menos com as próprias
adolescentes e seus familiares, especialmente antes da realização da
entrevista [...] naqueles momentos em que buscamos ser mais simpáti-
cos. No início das entrevistas, por exemplo, um dos pesquisadores ten-
dia a sinalizar concordância com comentários de algumas profissionais
de saúde ou mulheres adultas da comunidade que indicaram possíveis
entrevistadas. Esses comentários incluíam desde “Oh, coitada, essa foi
mãe muito cedo, perdeu a juventude”; ou então “essa outra tá acabada,
nem parece ter 15 anos”. Em alguns casos, orientamos os pesquisado-
res/as, após a entrevista ou no final do trabalho de campo, a fazerem
orientações/esclarecimentos, tendo por base material sócio-educativo
produzido pelo Instituto PAPAI.
Em Florianópolis, todas as cinco unidades de saúde que com-
põem a Regional de Saúde Centro foram visitadas, tendo sido direcio-
nadas duas entrevistadoras para cada unidade. Inicialmente, foi feito
contato com as agentes comunitárias de saúde para que estas auxi-
liassem na identificação das mães. Procuramos também informações
sobre atividades no local que envolvessem direta ou indiretamente as
mães, para que o acesso fosse facilitado. Com exceção da unidade do
Monte Serrat, onde foram realizadas 25 entrevistas, a circulação nos
postos em geral era baixa. Sendo assim, a maioria das aplicações se deu
nos domicílios (38), por intermédio das agentes de saúde. Depois que
o acesso às mães pelas unidades ficou mais restrito, partimos para ou-
tros espaços, como creches, centros comunitários, entre outros, o que
permitiu atingir o número necessário de entrevistas realizadas.

68
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

5. Sobre o procedimento de análise

A primeira etapa para a realização da análise das entrevistas foi


a construção de um “crivo” ou “máscara” para a categorização das
respostas e posterior inserção das informações em programa estatísti-
co Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 16. Para essa tarefa
foi contratada uma equipe de estatísticos que, a partir das entrevistas,
“carregaram” essa máscara com as informações.
Após essa atividade a equipe da pesquisa fez uma revisão na
base de dados e encontrou alguns equívocos, tais como: erros de di-
gitação, questões sem respostas, nomeações diferentes. Para verificar
a procedência desses erros foi feita uma checagem nas entrevistas e
identificou-se que algumas correções precisavam ser feitas, principal-
mente quanto à digitação, e que alterações nas máscaras também deve-
riam ser realizadas, sendo a principal a inserção da codificação 00 para
“não respondeu” e 99 para “não se aplica”. É importante destacar a
diferença entre essas duas opções: a primeira se refere às questões que,
no momento da realização das entrevistas, ficaram em branco, seja
por erro do entrevistador, recusa da entrevistada, etc.; a opção “não
se aplica” se refere àquelas situações em que a pergunta não abarca a
configuração de vida da entrevistada; por exemplo, uma entrevista em
que o bloco sobre o pai se encontrava totalmente em branco, pois o pai
da criança havia falecido.
Assim, após a alteração desses códigos e posterior atualização
dos dados, foram produzidas as primeiras sínteses de análise.

6. Sínteses de análise

6.1 Características da mãe

No que se refere à procedência, em Recife e Vitória a significativa


maioria das adolescentes nasceu na mesma cidade em que foi realiza-
da a pesquisa, sendo 78,4% e 81,3%, respectivamente. Em Florianópolis
esta porcentagem diminuiu, totalizando 56%, com 23% das entrevista-
das tendo nascido em outra cidade do Estado de Santa Catarina e 16%
em outro Estado da região Sul. Em relação ao local de residência, em

69
o pai está esperando ?

todas as cidades a expressiva maioria das entrevistadas, na ocasião da


pesquisa, morava no mesmo bairro em que foi aplicado o questionário:
Recife – 92,8%, Vitória – 98,7% e Florianópolis – 89%.
No que diz respeito ao quesito cor/ raça autorreferida, encontra-
mos diferenças significativas entre as cidades pesquisadas. Em Floria-
nópolis há maior presença de adolescentes que se autorreferiram como
brancas (42%) ou pretas (32%). As pardas aparecem com 20%, sendo que
nenhuma das entrevistadas desta cidade se autorreferiu como indígena.
Em Recife e Vitória as pardas apresentam-se em maior número na com-
posição da população pesquisada, com 51,6% e 56,7%, respectivamente.
Em Vitória temos apenas 8% das adolescentes se autorreferindo como
brancas e 4,7% como indígenas. Recife, por sua vez, apresenta 22% das
entrevistadas se autorreferindo como brancas e 4% como indígenas.
Ao compararmos estes números com o último levantamento de-
mográfico apresentado pelo IBGE (2010), algumas informações passa-
ram a chamar a nossa atenção. Primeiramente, cabe salientar que, em
termos gerais, a população das três cidades, no tocante à cor/raça (au-
torreferida) apresenta padrões distintos. Enquanto em Recife e Vitória
os percentuais para as pessoas que se consideram brancas (41,42% –
Recife e 47,24% – Vitória) estão bastante próximos das pardas (49,1%
– Recife e 42,43% – Vitória), percebemos uma espécie de inversão dos
números entre os grupos populacionais. Em Florianópolis, por sua
vez, observa-se uma grande diferença entre estes valores, havendo
uma predominância da cor/raça branca – na população desta cidade –
em relação aos demais (84,55%).
Se levarmos em consideração as adolescentes entrevistadas, cha-
ma-nos a atenção, em Florianópolis, a distribuição amostral em que,
embora a maioria destas tenha se autodeclarada da cor branca, não
houve, em termos numéricos, uma diferença tão acentuada daquelas
que se autorreferiam como “pretas” ou “pardas”, contrastando com o
padrão da população geral apresentado pelo IBGE, em que, sendo a
maioria da população branca, apenas 9,73% é parda e 4,95% é preta.
Por outro lado, em Recife e Vitória as informações fornecidas pelas
adolescentes parecem refletir um pouco do panorama da população
geral destas duas capitais, sendo a cor/raça parda mais referida nos
relatos das mesmas. No entanto, é importante destacar que, em Vitó-
ria, embora o levantamento mais atual do IBGE tenha demonstrado

70
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

uma leve predominância da cor/raça branca na população em geral,


dentre as adolescentes isto não se expressou. Em Recife, mesmo sendo
a população branca a segunda de maior expressão na população geral
(apresentando poucos pontos percentuais em relação à população par-
da, segundo o IBGE), dentre as entrevistadas notamos uma diferença
considerável na menor quantidade de adolescentes que se autorrefe-
riram brancas, se levarmos em conta os dados da população geral da
cidade, em comparação aos mesmos dados para a população parda.
Do ponto de vista do vínculo religioso, as três cidades apresen-
tam índices semelhantes no tocante a ser praticantes de alguma reli-
gião: Recife com 46,4%; Florianópolis com 45%; e Vitória com 37,3%.
Porém, Recife e Florianópolis apresentam um número maior de ca-
tólicas e, em Vitória, há uma predominância de evangélicas. Ou seja,
as católicas são a maioria em Recife (26%) e em Florianópolis (28%).
Nas duas cidades, as evangélicas aparecem em segunda posição (18%
em Recife e 13% em Florianópolis). Em Vitória, temos uma maioria de
evangélicas, com 22,7% do total, seguida das católicas, com 12,7%.
A terceira religião mais referida (mas que aparece com percentu-
ais bem menos expressivos) foi a Espírita Kardecista, com 2% em Flo-
rianópolis, 0,8% em Recife, e não sendo citada em Vitória. As religiões
afrodescendentes – umbanda e candomblé – são mais uma vez referidas
apenas em Recife e Florianópolis, sendo que em Recife apenas o Can-
domblé, com 0,4%, e em Florianópolis apenas a Umbanda, com 0,2%.
No que se refere ao grau de escolaridade, em Recife e Florianó-
polis a maioria das entrevistadas tinha apenas o ensino fundamental
incompleto, 48,8% e 45% – respectivamente. Em Vitória, este número
cai para 30,7%, com a maioria das entrevistadas desta cidade, 45,3%,
afirmando ter o segundo grau incompleto. A porcentagem que afirma
ter segundo grau incompleto também é expressiva em Recife (32%) e
Florianópolis (25%). Vale ressaltar que a maioria das adolescentes nas
três cidades não estava estudando no momento em que a pesquisa foi
realizada: 88% em Florianópolis, 76,4% em Recife e 75,3% em Vitória.
A gravidez foi o motivo mais citado para a interrupção dos estudos:
41% das adolescentes de Recife e 38% das entrevistadas de Vitória e
Florianópolis. Contudo, a conclusão do segundo Grau e o fato de não
gostar de estudar também aparecem como o segundo motivo mais re-
ferido em Recife (cerca de 10% cada). Em Vitória temos percentagens

71
o pai está esperando ?

semelhantes, 14% para a conclusão do 2º grau, 10,7% por não gostar de


estudar. Já em Florianópolis, a necessidade de trabalhar foi citada mais
vezes como um dos motivos para o abandono dos estudos, com 11%
do total. Porém, a conclusão do segundo grau e o fato de não gostar de
estudar ainda se configuram como o segundo e o terceiro motivos mais
citados nesta cidade, com 13% e 14% do total. Em linhas gerais, chama
nossa atenção o fato de que menos da metade das entrevistadas atribu-
íram o trancamento dos estudos à maternidade, pondo em suspeição
o argumento recorrente de que a gravidez na adolescência a afastaria
da educação. Vale destacar que, das que estavam estudando na época
em que ficaram grávidas, a maioria diz não ter mudado nada na sua
relação com a escola, nem que recebeu apoio ali.

6.2 Arranjos familiares

No que se refere aos arranjos familiares em que se insere a mãe


adolescente, nas três cidades a quase totalidade das entrevistadas mora
com seus filhos: Florianópolis (90%), Vitória (92%) e Recife (93,2%). O
número de adolescentes que coabitam também com o pai de seu filho,
todavia, fica entre 50% e 55,3% nas três cidades. Esta informação nos
ajuda a questionar a recorrente referência de que os homens, em sua
maioria, abandonam as mães adolescentes quando informados sobre a
gravidez do filho.
É pouco expressiva a percentagem de adolescentes que vivem
com outro companheiro que não pai de seu filho, com os percentuais
ficando entre 4% e 6,4%. Observa-se também que é recorrente estas
adolescentes coabitarem com seus pais do que com a família do pai de
seu filho. Em Recife, temos 22,8% das entrevistadas vivendo com seus
pais e apenas 8,8% morando com seus sogros. Em Vitória esta diferen-
ça diminui, com 12,7% morando com seus pais e 7,3% com os pais de
seu companheiro. Em Florianópolis 22% das adolescentes vivem com
seus pais e apenas 4% estão morando com os sogros.
Em relação ao estado civil, a grande maioria das entrevistadas
identificou-se como solteira: 85% em Florianópolis, 81,3% em Vitória
e 77,8% em Recife. As casadas somaram 13,3% em Vitória, 13,3% em
Vitória e 11,2% em Recife.

72
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

Sobre a situação conjugal, mais da metade das entrevistadas das


três cidades disseram estar morando junto ou casadas com o pai de seu
filho: 54% em Florianópolis, 53,3% em Recife e 52,7% em Vitória. Por
outro lado, 10% das entrevistadas de Florianópolis, 8,8% em Recife e
11,3% em Vitória disseram estar apenas namorando o pai da criança.
Há ainda as que estão namorando outro homem: 10% em Florianó-
polis, 11,3% em Vitória e 8,8% em Recife. Definiram-se como solteiras
26% das entrevistadas de Florianópolis, 20,8% de Recife e 17,3% de
Vitória. Nenhuma das entrevistadas afirmou estar se relacionamento
afetivo-sexualmente com outra mulher.
No que se refere à condição sócio-econômica, a maior parte das
entrevistadas se referiu como partencente à classe média: 25,2% em
Recife, 40,7% em Vitória e 41% em Florianópolis. 19,2 das entrevista-
das de Recife, 8% de Vitória e 5% de Florianópolis se referiram como
pobre. Vale salientar que a renda média dessa mãe foi de R$ 596,00
em Recife, tendo como R$ 50,00 o valor com maior incidência entre as
respostas; R$ 988,00 em Vitória, com R$ 510,00 enquanto valor mais
referido e em Florianópolis R$ 1.180, com R$ 700,00 como o valor que
mais se repetiu entre as respostas das entrevistadas.

6.3 Sobre vida reprodutiva e acesso a serviços

Perguntamos às adolescentes se haviam realizado algum aborto.


13,6% das entrevistadas de Recife afirmaram já ter tido um aborto. Em
Vitória e Florianópolis esta porcentagem caiu um pouco, ficando em
7,3% e 7% respectivamente. Além disso, 3,2% das entrevistadas de Re-
cife, 3,4% de Vitória e 3% de Florianópolis afirmam terem tido abortos
provocados. Sobre a participação dos homens na decisão pelo aborto,
em Recife e Vitória – na maioria dos casos – o homem não participou
desta decisão. Em Florianópolis houve mais casos em que o homem
não foi informado da gravidez. Em nenhum dos casos de aborto pro-
vocado a entrevistada afirmou estar acompanhada pelo homem que a
engravidou no momento do aborto.
As duas principais formas de confirmação da gravidez em Recife
foram o serviço público de saúde e o exame laboratorial privado, sendo
utilizados em 39,2% dos casos cada. O exame de farmácia aparece em
terceiro lugar, com 11,2% dos casos. Em Vitória o serviço público de

73
o pai está esperando ?

saúde foi utilizado por 40,7% das entrevistadas, o exame laboratorial


por 26,7% e o exame de farmácia por 22,7% das adolescentes. Em Flo-
rianópolis o serviço de saúde também aparece como a principal forma
de confirmação da gravidez, com 47%, seguido do exame de farmácia
com 35% e o exame laboratorial privado com 14%.
A quase totalidade das entrevistadas – mais de 97% nas três cida-
des – afirmou ter realizado pré-natal. O principal local para a realização
do pré-natal é, nas três cidades, o posto/centro de saúde, sendo citado
em 76% dos casos em Recife, 86,7% em Vitória e 84% em Florianópolis.
Esta gravidez foi considerada como “de risco” por 22% das en-
trevistadas de Vitória, 30,7% de Recife e em 31% dos casos de Floria-
nópolis. Nas três cidades, o principal motivo para esta situação foi a
condição de saúde desfavorável da mãe, porém, em relação ao tipo de
parto, nas três cidades mais da metade das entrevistadas afirmou ter
tido parto normal/natural. Vitória e Florianópolis aparecem com 70%
de parto normal/natural e Recife com 60%.
Vale salientar que, conforme publicado em Nota Técnica Gravidez
de Risco (Recife, 2006), baseada em informações oriundas do Ministério
da Saúde, a gravidez na adolescência não é por princípio uma gravidez
de risco, como podemos observar no trecho a seguir:

A respeito da gravidez na adolescência, consideramos que ela não


se constitui na gestação de alto risco, embora seja necessária espe-
cial atenção para ocorrência de fatores sociais que possam inter-
ferir no bem-estar da gestante, como o abandono do parceiro ou
da família, a descontinuidade de projetos de vida, entre outros. A
avaliação do risco deve ser feita, conforme preconizada no Manual
de Pré-natal, e com ajuda do Cartão da Gestante, da mesma forma
que é feita para mulheres em outras faixas etárias. As gestantes
adolescentes, especialmente aquelas com menos de 15 anos, devi-
do às suas características bio-psico-social, devem ser acolhidas o
mais precocemente no pré-natal e acompanhadas cuidadosamen-
te para assegurar a evolução de uma gravidez e parto saudáveis.
É fundamental também o acompanhamento da adolescente após
o parto, incluindo orientações sobre planejamento reprodutivo.
A referência para serviço de maior complexidade deve acontecer
mediante identificação de risco adicional (Recife, 2006).

Em relação à idade que tinham na sua primeira gestação, as mu-


lheres informaram ter em média 16, 20 anos, sendo a mais nova com 13

74
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

e a mais velha com 19 anos, na qual a idade com maior incidência foi
de 15 anos. No que diz respeito às três cidades, as mulheres informa-
ram ter em média 15,98 anos. Em Recife, a idade que mais se repetiu foi
16 anos; em Vitória, a média de idade foi de 16,46, sendo que a idade
que mais se repetiu foi 15 anos; e em Florianópolis a média de idade
informada foi de 16,32 anos, tendo como 15 anos a idade mais citada
pelas entrevistadas.

6.4 Opiniões e conhecimentos

Em uma parte extensa do roteiro das entrevistas, perguntamos às


mães sobre conhecimentos e opiniões relativas aos direitos no campo
da saúde reprodutiva, bem como sobre a importância da participação
do pai neste contexto.
No tocante ao acolhimento do pai nos serviços de saúde, a maio-
ria acha que os pais não são bem acolhidos nos serviços de saúde que
atendem o pré-natal e parto: 51% das entrevistadas em Florianópolis,
63,2% em Recife e 67,3% em Vitória. Os principais motivos para que as
adolescentes tenham esta avaliação do serviço, segundo elas, são:
1) a falta iniciativa do serviço/ não chama o pai (22% Vitória,
18% Florianópolis e 10% Recife);
2) a ausência de atividades para os pais (10% Vitória, 7% Floria-
nópolis e 3,6% Recife) e
3) a proibição da entrada dos homens no serviço (17,2% Recife,
10,7%, Vitória e 2% Florianópolis).

Nas três cidades, a expressiva maioria das entrevistadas acha


importante a presença do pai no pré-natal: 94,8% em Recife, 96% em
Vitória e 89% em Florianópolis. Segundo as entrevistadas, esta presen-
ça é importante porque traz benefícios para a mãe, o pai e a criança.
Citaram os benefícios para as mães 41,3% das entrevistadas de Vitória,
35,2% de Recife e 34% de Florianópolis. Em Recife também foi atribuída
importância aos benefícios para o pai, que foram citados em 30% dos
casos. Em Vitória e Florianópolis este percentual foi menor, perfazendo
um total de 15% e 9% das opiniões respectivamente. Os benefícios para
o filho também foram citados nas três cidades: 22% em Vitória, 12% em
Florianópolis e 11% das opiniões de Recife. Quando perguntadas se os

75
o pai está esperando ?

serviços de saúde deveriam fazer algo para que o pai participasse do


pré-natal, 73%% das entrevistadas de Florianópolis, 83,6% de Recife
e 87,3% de Vitória responderam que sim. Entre as iniciativas que, de
acordo com as entrevistadas, o serviço poderia realizar para atrair os
pais, destacam-se atividades informativas com 34,7% das opiniões em
Vitória, 23,2% em Recife e 20% em Florianópolis. A busca ativa dos
pais também foi bastante citada (por 27,3% das mães em Vitória, 15,2%
em Recife e 11% em Florianópolis).
No que se refere ao tema da guarda compartilhada, cerca de 85%
das entrevistadas de Recife e Vitória e 72% Florianópolis se mostraram
resistentes, afirmando que o filho, em caso de separação do casal, deve
ficar com a mãe. A segunda opção mais escolhida foi a de que esta es-
colha depende de cada caso (17% em Florianópolis, 12,7% em Vitória
e 8% em Recife). Em seguida temos a opinião de que o filho deve ficar
com os dois (guarda compartilhada), com 8% do total de opiniões em
Florianópolis, 2,4% de Recife e apenas 0,7% em Vitória. A opção com
porcentagem menos expressiva foi a de que o filho deve ficar com o
pai, somando 2% em Recife e 1% em Florianópolis. Em Vitória, esta
opção não foi citada por nenhuma entrevistada.
Em relação ao conhecimento da existência da licença maternida-
de, nas três cidades mais de 90% das entrevistadas afirmaram conhecê-
lo. Sobre o conhecimento a respeito do número de dias da licença, 45%
das entrevistadas de Florianópolis, 28,7% de Vitória e 14% de Recife
afirmaram que esta é de 120 dias. Em Recife e Vitória foi maior o per-
centual de mulheres que referiram outro prazo, que não os 120 dias
– 72,8% e 61,3%, respectivamente. Em Florianópolis este percentual,
ainda que menor, também é significativo, ficando em 35%. Há ainda
as mulheres que afirmaram não saber o prazo da licença maternidade:
17% em Florianópolis, 14% em Recife e 8,7% em Vitória. No que diz
respeito ao exercício deste direito, a maioria das entrevistadas – 90,8%
em Recife, 87,3% em Vitória e 71% em Florianópolis – não fez uso da
licença maternidade por não estar trabalhando quando teve filho.
O conhecimento por parte das entrevistadas da existência da licen-
ça paternidade é menor do que em relação à licença maternidade. Temos
75% das entrevistadas de Florianópolis, 81,6% de Vitória e 86% de Recife
afirmando conhecer a existência da licença paternidade. Em relação ao
prazo, 43,3% das entrevistadas de Recife, 46,7% de Florianópolis e 52%

76
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

em Vitória afirmaram o número de dias correto (cinco dias) da licença


paternidade. Em relação à solicitação da licença por parte do pai quando
do nascimento de seu filho, 49,3% dos pais de Vitória, 39% de Floria-
nópolis e 29,2% de Recife fizeram uso da licença paternidade. É signi-
ficativo ainda o percentual de pais que não fizeram uso da licença por
não estarem trabalhando no período ou porque eram autônomos – estes
somam 46,2% em Recife, 29,3% em Vitória e 31% em Florianópolis.

Tabela 1 – Percentagem de respostas corretas das entrevistadas em


relação ao tempo de licença paternidade e maternidade – por cidade
Resposta correta Recife Vitória Florianópolis
Sobre Licença maternidade 97,2% 98,7% 97%
Sobre Licença maternidade 81,6% 84,7% 75%

Foi perguntado às entrevistadas se elas concordam com a opinião


de que se os homens tiverem uma licença paternidade mais ampla, eles
não utilizarão este tempo para cuidar da criança. Nas três cidades mais
da metade das adolescentes concordaram com esta opinião. Mais pre-
cisamente 50% em Florianópolis, 60,4% em Recife e 65,3% em Vitória.
No que se refere a conhecimentos em relação à lei 11.108 (co-
nhecida como lei do acompanhante), que garante a presença de um
acompanhante durante o parto, 34% das entrevistadas de Florianópo-
lis, 41,6% de Recife e 42,7% de Vitória disseram não saber se existia
uma lei a respeito. Também é importante o percentual de entrevistadas
que disse não haver uma lei como a lei do acompanhante: 29,2% em
Recife, 23% em Florianópolis e 22% em Vitória. Somados estes dois
percentuais temos que, nas três cidades, mais de 60% das entrevistadas
desconhecem a lei do acompanhante.
Quando perguntadas sobre exame de DNA, nas três cidades,
mais de 90% das entrevistadas afirmaram saber para que este serve,
sendo que mais de 60% afirmaram que o exame serve para o reconheci-
mento da paternidade e entre 19% e 25% afirmaram que o exame pode
ser utilizado para o reconhecimento tanto da paternidade quanto da
maternidade.
Em Recife, 63,2% das mães responderam que a finalidade do
teste seria a comprovação da paternidade, enquanto 25,2% afirmaram
que o mesmo servia tanto para a comprovação da paternidade quanto

77
o pai está esperando ?

da maternidade. Em Vitória e Florianópolis há um pequeno aumento


no percentual de respondentes que atribuem o reconhecimento da pa-
ternidade ao teste de DNA, sendo 67,3% e 70%, respectivamente. Por
outro lado, observa-se também uma diminuição entre as adolescentes
que consideram a comprovação da maternidade (além da paternida-
de) como uma das possíveis finalidades deste exame, tendo sido 20%
em Vitória e 19% em Florianópolis.
Um aspecto interessante nesta questão merece ser destacado
aqui. Embora a grande maioria das entrevistadas tenha referido co-
nhecer a finalidade do teste de DNA (situando-o como mecanismo
para identificação da paternidade e/ou maternidade), chamou-nos a
atenção uma série de respostas apresentadas por algumas adolescen-
tes, mesmo com pouca expressão, que atribuem outros usos possíveis
para este exame, dentre os quais são citadas a função de identificar o
sexo do bebê (0,4%), o tipo sanguíneo (1,4%), ou mesmo a AIDS (1%) e
até mesmo alguma doença inespecífica (1,8%).

6.5 Sobre o Pai

No que se refere à idade do pai deste primeiro filho, as entre-


vistadas informaram que ele tinha em média 20,6 anos, sendo o mais
novo com 14 e o mais velho com 61 anos. Quanto às três cidades, em
Recife, a média de idade do pai deste primeiro filho foi de 22,41 anos,
sendo que a idade que mais se repetiu foi 19 anos. Já em Vitória a mé-
dia foi de 21 anos e 18 anos a idade que mais se repetiu, enquanto que
em Florianópolis a média foi de 19,44 anos, e moda de 19 anos.
Com relação a este aspecto, destacamos uma pequena e impor-
tante variação da idade dos pais em relação à idade das mães adoles-
centes (tabela a seguir). Observamos nas três cidades uma considerável
diferença entre as idades destes pais, sendo a maior delas encontrada
em Recife, em que as mães apresentaram idades entre 13 e 19 anos,
enquanto que a idade dos pais variou de 15 a 61 anos. Nas outras duas
capitais esta variação foi bem semelhante. Em Florianópolis as mães
tinham idade entre 13 e 19 anos, enquanto que os pais apresentavam
idades entre 16 e 36 anos. Em Vitória, as adolescentes tinham entre 14
e 19 anos e os pais entre 14 e 33 anos.

78
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

Tabela 2 – Média, idade menor e idade maior das mães entrevistadas


e dos pais das crianças, na ocasião da primeira gestação, por cidade,
segundo as entrevistadas
Recife Vitória Florianópolis
Idade Mãe Pai Mãe Pai Mãe Pai
Média 15,93 22,41 16,46 21 16,32 19,44
Menor 13 15 14 14 13 16
Maior 19 61 19 33 19 36

Levando-se em consideração as médias de idade apresentadas,


em geral, os pais são sempre mais velhos que as mães, sendo a maior
diferença encontrada em Recife, onde o pai é 6,43 anos mais velho que
a mãe adolescente. A menor diferença aparece em Florianópolis, sendo
os pais 3,02 anos mais velhos que as mães. Em Vitória, a diferença de
idade ficou em 4,54 anos.
Além disso, se tomamos como referência as orientações da Orga-
nização Mundial da Saúde (para a qual adolescência compreende dos
10 aos 19 anos) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (12 a 18 anos),
tais homens não são considerados adolescentes. Ou seja, tomando os da-
dos desta pesquisa como referência, podemos dizer que, ao falarmos em
gravidez na adolescência, em geral estamos fazendo referência exclusi-
vamente à idade da mãe, na medida em que o pai é um homem jovem e
o termo adolescência não se aplicaria, portanto, ao casal.
Estas informações nos levam a considerar que, no contexto da
gravidez na adolescência, nem sempre o pai é adolescente. Tal premis-
sa nos faz refletir e questionar sobre os discursos naturalizados que são
usualmente produzidos sobre a gravidez no contexto da adolescên-
cia, principalmente no tocante à paternidade, associada na maioria das
vezes à noção de responsabilidade, em que o pai, supostamente ado-
lescente, não teria condições sociais e econômicas para assumir esta
função (LYRA; MEDRADO, 2000).
Sobre o tipo de relação que as adolescentes tinham com o pai da
criança quando ficaram grávidas, as entrevistadas informaram que eram
namorados em mais da metade dos casos, nas três cidades: 58,4% em
Recife, 64% em Vitória e 59% em Florianópolis. Também é expressivo o
número de entrevistadas que já moravam com o pai da criança quando
engravidaram: um percentual entre 24% e 29% nas três cidades. Tal in-
formação nos ajuda a reconhecer que, decididamente, as configurações

79
o pai está esperando ?

familiares neste contexto são diversas e que essas adolescentes muitas


vezes já estão casadas, sendo que o casamento é algo que acontece an-
tes mesmo da gravidez e não como consequência desta.
Na quase totalidade dos casos – mais de 95% nas três cidades – o
pai foi informado da gravidez. Com relação ao fato de a gravidez ter
sido planejada junto ao pai, mais da metade das entrevistadas de Reci-
fe e Vitória afirmaram que não – sendo 61,2% e 62% respectivamente.
Em Florianópolis este percentual se inverte e 60% das entrevistadas
afirmaram ter planejado sua gestação. Em Vitória, este percentual fica
em 20,7% e, em Recife, 16,4%.
Foi perguntado às entrevistadas a quem elas contaram primeiro
sobre a gravidez. O pai do bebê foi a principal pessoa em todas as cida-
des: 51,3% dos casos em Vitória, 50,4% em Recife e 47% em Florianópo-
lis. A mãe da adolescente também aparece com importância: em 24,7%
dos casos em Vitória, 24% em Recife e 27% em Florianópolis.
Em relação à atitude do pai quando soube da gravidez, a mais
citada pelas entrevistadas foi que o casal já morava junto e ambos de-
cidiram continuar a relação – 30% dos casos em Florianópolis, 28% em
Vitória e 20,4% em Recife. Outra atitude bastante referida foi a de que
o pai decidiu morar com ela e ajudar na criação do filho – 31% em Flo-
rianópolis, 30% em Vitória e 20% em Recife.
Sobre possíveis mudanças na relação com o pai da criança,
36,8% das entrevistadas de Recife, 38% de Vitória e 48% de Florianó-
polis afirmaram não ter havido mudanças. Por outro lado; são 30,7%
em Vitória, 22% em Florianópolis e 20,8% em Recife as que disseram
que o casal passou a viver juntos a partir da gravidez. E ainda, nas três
cidades, de 12% a 13% das entrevistadas afirmam ter se separado do
pai da criança após a gravidez.
A maioria das entrevistadas – 68,8% em Recife, 70% em Vitória e 72%
em Florianópolis – classificou como “muito” o apoio recebido por elas do
pai da criança. Apenas 10% em Recife, 12,7% em Vitória e 11% em Florianó-
polis classificaram como “mais ou menos” o apoio dado pelo pai.
Sobre a presença do pai no pré-natal, apenas 21% das entrevista-
das em Recife, 31,3% em Vitória e 36% em Florianópolis foram ao pré-
natal acompanhadas do pai da criança. Por sua vez, a presença do pai
nas consultas de pré-natal foi solicitada pelo serviço apenas em 27,6%
dos casos em Recife, 13,3% em Vitória e 13% em Florianópolis. Segun-

80
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

do as entrevistadas, também é escassa a oferta de atividades específi-


cas voltadas para os pais nos serviços de pré-natal: apenas 7,6% das
entrevistadas de Recife, 5,3% de Vitória e 4% de Florianópolis afirmam
haver atividades específicas para os pais no serviço em que realizaram
o pré-natal. Dentre as atividades oferecidas para os pais, foram citadas
palestras e reuniões.
Durante o pré-parto, a maioria das entrevistadas (65,2% em Re-
cife, 56,7% em Vitória e 40% em Florianópolis) afirmou não ter tido o
pai da criança como acompanhante.
Em relação ao parto, a quase totalidade dos pais de Recife (98,4%)
não acompanhou o parto. Este percentual foi de 77% em Vitória e 65%
em Florianópolis. Os motivos referidos para tal situação foram varia-
dos, mas podemos destacar “porque o pai estava trabalhando”, o qual
foi citado em 8,8% do total das entrevistas de Recife, 8% das de Vitória
e 6% de Florianópolis. “Porque não deu tempo” foi mencionado em 6%
dos casos em Florianópolis, 5,6% em Recife e 4% em Vitória. Destaca-
mos ainda o “nervosismo do pai” como um dos motivos mais referidos
em Recife e Vitória em 5,2% e 4% dos casos, respectivamente.
Acerca do pós-parto, temos uma maior participação dos pais,
quando apenas 48% das adolescentes de Recife, 28% de Vitória e 20%
de Florianópolis afirmaram não ter tido o pai da criança como acom-
panhante.

Tabela 3 – Participação dos pais dos filhos das adolescentes grávidas


no pré-parto, parto e pós-parto por cidade, segundo as entrevistadas

Recife Vitória Florianópolis


Pré-parto 34% 42,7% 54%
Parto 1,6% 22,7% 35%
Pós-parto 51,2% 61,3% 75%

Ao analisarmos a questão da participação do pai nos momentos


que antecedem e sucedem (bem como, durante) o parto, é interessante
observar que, nas três cidades, as entrevistadas informam uma partici-
pação maior do pai no momento pós-parto. No momento do pré-parto,
estes índices tendem a reduzir e, como ilustra a tabela acima, a par-
ticipação dos homens no parto propriamente dito apresenta nas três
cidades os menores percentuais. Chama-nos a atenção que, em Recife,
apenas 1,6% dos pais acompanharam as mulheres no parto.

81
o pai está esperando ?

Tais números nos fazem considerar a Lei do Acompanhante


(11.108), que garante a toda mulher o direito de escolher qualquer pes-
soa, inclusive o pai, para acompanhá-la durante o parto e nos momentos
anteriores e posteriores ao parto. Desse modo, o pai, usualmente tratado
como visita nas instituições de saúde, possui o direito de participar de
todo o processo de parto, caso assim seja demandado pela mulher.
Em relação a homens cuidando de seu(s) filho(s), 70% das entre-
vistadas de Recife, 74% de Florianópolis e 83,3% de Vitória afirmam ter
homens como cuidadores de seus filhos. O pai da criança se configura
como o principal homem cuidador em 20,8% dos casos de Recife, 31%
de Vitória e 34% de Florianópolis. Mas também é importante a por-
centagem de crianças que têm o avô como cuidador: 18% em Recife e
Florianópolis e 14% em Vitória.
Em relação à origem, o pai da criança nasceu na mesma cidade em
que foi aplicado o questionário em 54,7% dos casos de Recife, 54,7% em
Vitória e 47% em Florianópolis. Como no caso das mulheres, em Floria-
nópolis há um padrão diferente em relação à origem, pois 31% dos pais
de Florianópolis nasceram em outra cidade do estado de Santa Catarina.
Em Recife e Vitória a porcentagem de pais que nasceram em outra cida-
de do mesmo estado é menor, 19,2% e 11,3%. Em Vitória, é expressiva
ainda a porcentagem de pais que nasceram em outro estado da região
Sudeste – 11,3% - ou em outra região do país, 12%. Em Florianópolis te-
mos 6% de pais nascidos em outro estado da região sul e 8% oriundos de
outra região do país. Em Recife, apenas 2% dos pais nasceram em outra
região do país e 0,8% em outro estado da região Nordeste.

Tabela 4 – Cidade e região de origem das entrevistadas e o pai de seu


filho, nas três cidades, segundo entrevistadas

Recife Vitória Florianópolis


Origem Mãe Pai Mãe Pai Mãe Pai
Mesma cidade 78,4% 61,6% 81,3% 54,7% 56% 47%
Outras cidades da
19,2% 20% 15,3% 22,6% 39% 37%
mesma região
Outra região 2,4% 2% 3,3% 12,7% 5% 8%

Ainda com relação à cidade de origem dos pais, tomando como


comparação as respostas as mães sobre si mesmas, como demonstra

82
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

o Quadro 3, observamos algumas variações percentuais entre as três


cidades. Em Recife, observamos uma pequena diferença entre os pais
e mães que nasceram em outras cidades da mesma região do estado
(sendo 20% e 19,2%, respectivamente) e os que nasceram em cidades
de outras regiões do país (2% e 2,4%, respectivamente). Em Florianó-
polis, há um leve aumento nesta diferença, sendo que 39% das adoles-
centes e 37% dos pais são de outras cidades da mesma região (maiores
percentuais encontrados, entre as três cidades) e 5% (mães) e 8% (pais)
de cidades localizadas em outra região. A maior diferença percentual
foi encontrada em Vitória, onde 15,3% das mães são oriundas de outra
cidade da mesma região contra 22,6% dos pais, enquanto que apenas
3,3% destas adolescentes são de cidades de outra região, contra 12,7%
dos pais. Por fim, observamos que a porcentagem de mães que nas-
ceram na cidade de aplicação do questionário, nas três capitais, sem-
pre apareceu superior à dos pais. A maior diferença percentual foi en-
contrada em Vitória, onde 81,3% das mães e 54,7% dos pais nasceram
nesta mesma cidade. A menor diferença percentual foi observada em
Florianópolis, sendo 56% para as mães e 47% para os pais. Em Recife, a
diferença encontrada foi de 78,4% entre as mães e 61,6% entre os pais.
Em relação ao quesito cor/raça dos pais, as entrevistadas identi-
ficaram os pais da seguinte forma: pardos somaram 40, 8% em Recife e
42,7% em Vitória. Também nas duas cidades a cor/raça branca foi a se-
gunda mais citada, com 26,4% em Recife e 26,7% em Vitória, seguidas da
cor/raça preta com 20,8% em Recife e 24% em Vitória. Já em Florianópo-
lis a cor/raça predominante foi a branca, com 37%. Pais referidos como
pretos somaram 34% do total e pardos 19%. A cor/raça indígena não
teve percentuais expressivos, ficando entre 0,7% e 2% nas três cidades.

Tabela 5 – Informações sobre cor/raça das mães entrevistadas e do pai


de seus filhos, nas três cidades, segundo entrevistadas
Recife Vitória Florianópolis
Cor/raça
Mães Pais Mães Pais Mães Pais
Branca 22% 26,4% 8% 26,7% 42% 37%
Preta 17,6% 20,8% 23,3% 24% 32% 34%
Parda 51,6% 40,8% 56,7% 42,7% 20% 19%
Indígena 3,2% 1,2% 2% 0,7% 0% 2%

Ao compararmos estes números com as informações fornecidas


pelas mães sobre si mesmas na tabela 5, observamos algumas variações

83
o pai está esperando ?

percentuais entre as adolescentes e os pais nas três cidades. De modo


geral, as variações apareceram de forma semelhante com relação aos
pais e às adolescentes que se autorreferiram de cor/raça preta, sendo a
maior variação identificada em Recife (17,6% entre as mães e 20,8% en-
tre os pais), seguida por Florianópolis (32% das mães e 34% dos pais) e
Vitória (23,3% das mães e 24% dos pais). Por outro lado, chama a aten-
ção, em Vitória, a quantidade de pais da cor/raça branca (26,7%) em
contraste com a quantidade de mães (8%). Em Recife, esta diferença
ficou situada entre 22% para as mães e 26,4% para os pais, e em Floria-
nópolis entre 42% para as mães e 37% para os pais. Ao mesmo tempo,
uma considerável diferença percentual foi observada, em Recife e em
Vitória, no tocante às mães e pais da cor/raça parda, apresentando os
seguintes valores: 51,6% das mães contra 40,8% dos pais em Recife;
e 56,7% das mães contra 42,7% dos pais em Vitória. Em Florianópo-
lis não foi observada diferença significativa entre os valores para pais
(19%) e mães adolescentes (20%) da cor/raça parda.
No que diz respeito à religião desses pais, segundo as entrevis-
tadas, 70% dos pais de Recife, 70% de Vitória e 69% de Florianópolis
não praticam nenhuma religião. Dentre os praticantes, a religião Cató-
lica foi a mais citada em Recife (14,4%) e Florianópolis (19%), tendo a
religião Evangélica em segundo lugar, com 12% e 6%, respectivamen-
te, nestas duas capitais. Já em Vitória, a religião Evangélica foi a mais
mencionada, com 16,7%, seguida da religião Católica, com 10,7%. Den-
tre os praticantes evangélicos temos, nas três cidades, a Assembleia de
Deus e a Batista como as denominações mais citadas. Quanto às reli-
giões afrodescendentes, estas não apareceram de maneira expressiva
entre os pais, no entanto, cabe destacar que o Candomblé foi citado nas
três cidades (0,7% em Vitória, 1,6% em Recife e 3% em Florianópolis).

Tabela 6 – Informações sobre práticas religiosas das mães entrevistadas e o


pai de seu filho, nas três capitais pesquisadas, segundo as entrevistadas
Recife Vitória Florianópolis
Religião
Mães Pais Mães Pais Mães Pais
Sem religião 53,6% 70% 62,7% 70,7% 55% 69%
Católicos 26% 14,4% 12,7% 10,7% 28% 19%
Evangélicos 18% 12% 22,7% 16,7% 13% 6%
Umbanda 0% 0% 0% 0% 2% 0%
Candomblé 0,4% 1,6% 0% 0,7% 0% 3%
Outras 1,2% 0% 2% 0,7% 0% 0%

84
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

Em comparação ao vínculo religioso das mães adolescentes


(Quadro 5), observamos que, nas três cidades, o padrão apresentado
parece se repetir. Da mesma maneira que entre os pais, em Recife e
Florianópolis identificamos uma preferência maior das entrevistadas
pela religião Católica (26% e 28%, respectivamente), e em Vitória pela
religião Evangélica (22,7%). Em segundo lugar, a religião mais prati-
cada pelas mães em Recife e Florianópolis é a Evangélica, com 18% e
13%, respectivamente. Por sua vez, em Vitória, a religião Católica é
praticada por 12,7% das mães.
Em relação ao nível de escolaridade dos pais, em Recife e Flo-
rianópolis a maioria dos pais tinha apenas o ensino fundamental in-
completo, com 33,6% e 38% do total respectivamente. Em Vitória, este
número cai para 29,3%, com a maioria das entrevistadas desta cidade
(32%) afirmando ter o segundo grau incompleto. A porcentagem que
afirma ter segundo grau incompleto também é significativa em Recife,
25,2%, e Florianópolis, 15%.
Em relação ao exercício de alguma atividade remunerada, 78%
dos pais de Florianópolis, 76,8% de Recife, 70,7% de Vitória exercem
alguma atividade remunerada; 11,6% em Recife, 16,7 % em Vitória e
12% em Florianópolis não exercem nenhum tipo de atividade remu-
nerada. Temos ainda uma pequena parcela de pais que recebem bene-
fício, aposentadoria, pensão ou bolsa de estudos (2% em Vitória, 2,4%
em Recife e 4% em Florianópolis).
Em relação à classe social a que pertence o pai de seu filho, pre-
dominou entre as entrevistadas a classificação como classe baixa ou
média. Mais precisamente, temos em Vitória e em Florianópolis a clas-
se média com 48% e 53%, e a classe baixa com 45,3% e 44% respectiva-
mente. Já em Recife, a classe baixa teve 42,4% e classe média 36,4%. Em
Recife, chamou atenção o percentual de entrevistadas que não soube-
ram informar a classe social do pai de seu filho, somando 16% do total.
A renda média desses pais em Recife foi de R$550, com R$465 sendo
a renda mais frequente; em Vitória foi de R$733, sendo R$600 a mais
citada; e em Florianópolis a renda média foi de R$1341, com R$800
sendo a renda mais frequente entre os pais.
Em comparação às informações sobre as mães, observamos que,
no geral, não existem grandes variações quanto à classe econômica re-
ferida por estas em relação aos pais, tendo em vista que a maioria se

85
o pai está esperando ?

referiu como classe média ou baixa nas três cidades. Cabe destacar, no
entanto, que em Recife os valores se invertem: entre as mães, a maioria
afirma ser de classe média, enquanto que os pais, na maior parte, se-
riam de classe baixa, o que não acontece em Vitória e Florianópolis, em
que tanto as mães, quanto os pais, em sua maioria, são referidos como
classe média, embora não demonstrem grande diferença percentual
daquelas que mencionaram ser de classe baixa.
No tocante à renda, chama-nos a atenção o fato de em Recife e
Vitória a renda mensal da mãe ser maior que a renda do pai, sendo
a diferença de R$46 em Recife e R$255 em Vitória. Em Florianópolis
ocorre o contrário, sendo a renda dos pais que aparece como maior,
com R$161 a mais que a das mães. Outro aspecto relevante aqui é a
variação desta renda por cidade pesquisada, destacando-se as diferen-
ças regionais. Há, no geral, uma diferença considerável entre as rendas
médias tanto das mães quanto dos pais nas três cidades, sendo Reci-
fe a que possui a menor média (R$550 entre os pais) e Florianópolis
(R$1341 entre os pais) a maior, correspondendo esta última a mais que
o dobro da primeira.
Foi perguntado às entrevistadas se o pai assumiu seu filho. Nas
três cidades, 90% ou mais das entrevistadas responderam que sim.
Mais precisamente, temos: 91,2% em Recife, 93,3% em Vitória e 90%
em Florianópolis.
Segundo as entrevistadas, 24,7% dos pais de Vitória, 27% de
Florianópolis e 28,4% de Recife também engravidaram outra mulher,
sendo que em mais de 70% dos casos nas três cidades apenas uma
outra mulher. O percentual daqueles que engravidaram outras duas
mulheres fica entre 10% e 15% nas três cidades.

Algumas considerações

Consideramos que as informações produzidas neste vetor da


pesquisa, dado o rigor metodológico empregado, constituem subsí-
dios para discussões e potenciais mudanças no contexto da produção
de conhecimento e elaboração/avaliação de políticas públicas no con-
texto da gravidez na adolescência, particularmente sobre o pai.
Mas, certamente, as análises aqui apresentadas não dão conta da
complexidade, quantidade e diversidade de informações produzidas.

86
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

Sua apresentação neste livro tem, sobretudo, a intenção de comparti-


lhá-las de modo que possa ser útil a diferentes interpretações e usos.
Contudo, em linhas gerais, é evidente a diversidade de arranjos fa-
miliares que constituem esse cenário, o que remete à necessidade de
elaboração de políticas públicas que sejam as mais flexíveis, de modo
a dar conta dessa diversidade em consonância com princípios do Sis-
tema Único de Saúde.
Quando uma adolescente resolve casar ou ter filhos, o que ocor-
re? Seguindo o raciocínio de Levi e Schmitt (1996), ela estaria rompen-
do o suposto “ciclo de vida” natural, no qual se espera que o casamen-
to e a maternidade sejam experiências vividas exclusivamente na fase
adulta. Assim, em geral, mães adolescentes são tratadas na literatura e
nos programas de intervenção, sobretudo, como adolescentes (ou mui-
tas vezes como “meninas mães”). A condição de ser casada ou ser mãe
é secundária. Ao adotar essa perspectiva, a tendência mais comum é
invariavelmente focalizar exclusivamente os problemas e a atribuir-se
todas as dificuldades enfrentadas pelas mães adolescentes ao fato de-
las, exatamente, serem adolescentes.
Marília Sposito (1997), em um artigo que trata do balanço das
tendências contemporâneas no estudo da juventude em uma perspec-
tiva da Sociologia da Educação, traz uma interessante discussão sobre
a transformação da percepção da linearidade da adolescência/juven-
tude.21 Inspirada nos trabalhos de Chamboredon (1985), ela resgata o
conceito de descristalização para analisar a defasagem, ou não sincro-
nia, que marca a transição da juventude atual, da heteronomia da in-
fância para a autonomia da fase adulta. O conceito de descristalização
compreende o processo que, juntamente com a latência, indicaria esta
transitoriedade da juventude contemporânea.
Chamboredon descreve como exemplos destes processos, em
primeiro lugar, “o exercício das atividades adultas da sexualidade já
na puberdade, dissociado das funções reprodutivas e familiares [ou
não!]”, e em segundo, a situação “de posse de habilitação profissional

21 A autora informa que, embora juventude e adolescência remetam a fenômenos, em


princípio, distintos, na literatura em Ciências Humanas e Sociais, muitas vezes elas
se confundem e a Sociologia usualmente emprega o termo juventude enquanto em
Psicologia adota-se com maior frequência o termo adolescência; ambas para desig-
nar a transição entre a infância e a fase adulta.

87
o pai está esperando ?

oferecida pelo sistema escolar sem o imediato ingresso no mercado de


trabalho (...)” (CHAMBOREDON, 1985).
Em nossas sociedades convivemos com modelos nem sempre
iguais de transição do adolescente e jovem para a vida adulta: para as
camadas médias, o modelo seguiria uma sequência mais rígida; para
as camadas populares, a passagem para a responsabilidade da vida
adulta pode ocorrer por vicissitudes interpostas à família ou à cultu-
ra. Há que se considerar, também, os significados e as possibilidades
diversas para adolescentes das diversas camadas sociais no que diz
respeito à experiência escolar.
Como inúmeros estudos têm mostrado, o prolongamento da ju-
ventude vem ocorrendo, principalmente, através da extensão da esco-
laridade, pelo menos em países desenvolvidos e em desenvolvimento
(CHAMBOREDON, 1985). Ora, a experiência de frequentar a escola
não é idêntica para crianças e adolescentes de diferentes camadas so-
ciais. A despeito do valor atribuído à educação como estratégia de as-
censão social, as barreiras enfrentadas no sistema de ensino por crian-
ças e adolescentes das camadas populares são mais intensas que para
as camadas médias. A expulsão da escola associa-se, de modo comple-
xo, à necessidade e ao desejo de trabalhar entre crianças e adolescentes
das camadas populares. A escolaridade, aqui, não prolonga o período
de transição da adolescência, mas convive com a autonomia relativa
decorrente da inserção precoce (frente ao padrão das classes médias)
no mercado de trabalho.
Aqui seria importante que as diferenças fossem marcadas com
relação aos sexos. Se o projeto de autonomia do rapaz provém, prin-
cipalmente, de sua inserção no mercado de trabalho, o da moça pode
prever duas saídas: trabalhar fora (independência econômica) ou cons-
tituir nova família, casando-se ou tendo filho. Assim, alguns estudos,
principalmente sobre as adolescentes das classes populares, vêm assi-
nalando que adolescentes nem sempre engravidam por descuido, ir-
responsabilidade ou acaso, mas também porque querem ser mãe den-
tro de um projeto de autonomia. Ocorreria, então, entre adolescentes,
gravidezes desejadas (PAULA, 1992; 1999).
A gravidez na adolescência vem sendo problematizada, pelo
menos, há 60 anos. Esquadrinhada, patologizada, prevenida, qualifi-
cada, de forma repressiva ou mais compreensiva, como nos últimos

88
Dialogando sobre família, gravidez e paternidade com mães adolescentes

anos, a gravidez na adolescência é objeto de discursos e de ações. Mes-


mo adolescente, mulher e maternidade não se excluem. A paternidade
adolescente, porém, tem sido coberta pelo silêncio, que, timidamente,
transforma-se em sussurro.
Cientes desta ambiguidade, é necessário atentar para não adul-
tificar as adolescentes, mas levar em consideração que são jovens em
fase de transição e que vivenciam aspectos da vida adulta, no caso, a
sexualidade. Da percepção deste processo de descristalização na pas-
sagem da heteronomia da infância para a autonomia do adulto (SPO-
SITO, 1997), associada à postura ética preconizada por Reis (1993), a
partir do respeito às adolescentes decorre uma linha de intervenção
bastante delicada e atenta que, ao fugir da repressão ou negação, não
transforme esta adolescente em adulto pleno, oferecendo-lhe apoio
que teria nesta fase da vida: oportunidades educacionais (e não apenas
laborais), serviços de saúde específicos, etc. E para tudo isso é preciso
ampliar pesquisas semelhantes a essa, em escalas maiores e incluindo
outras cidades e regiões, de modo a subsidiar ações e análises mais bem
estruturadas no campo da saúde e diretos sexuais e reprodutivos.

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91
PA RT E 2

Leituras singulares sobre


contextos particulares
entrevistando pais e profissionais da
saúde no cenário da atenção básica
em florianópolis

Maria Juracy Filgueiras Toneli


Marília dos Santos Amaral
Fernando Luiz Salgado da Silva
Suzana Almeida de Araújo

A dominação masculina e seus efeitos traduzidos, por exemplo,


nas várias formas de violência, ainda é um fenômeno que preocupa so-
bremaneira os estudos acadêmicos de gênero, assim como as políticas
públicas e os movimentos sociais. Simultaneamente, transformações
socioculturais têm marcado a vida de homens e mulheres nas últimas
décadas, como atestam o casamento tardio, a entrada massiva das mu-
lheres no mundo do trabalho assalariado, as novas tecnologias contra-
ceptivas e reprodutivas, o crescimento do número de separações con-
jugais, a luta dos homens contra o aborto (pelo filho que desejam ter) e,
por outro lado, contra a paternidade não desejada, o desemprego ge-
neralizado e o aumento do número de famílias chefiadas por mulheres,
dentre tantas outras que causam impactos nas organizações familiares
(Dauster, 1987, 1990; Salem, 1985, 1987; Castells, 2000; Duar-
te, 1995, dentre outros). Destacam-se nesse cenário de mudanças as
preocupações com o exercício da paternidade e as práticas de cuidados
despendidos pelos homens com relação aos seus filhos.
Historicamente, as mulheres foram destinadas aos trabalhos do-
mésticos e aos cuidados da prole, com base no pressuposto de que
seriam “naturalmente” habilitadas para essas tarefas, uma vez que
gestam e parem. Nas últimas décadas, no entanto, as mudanças nas
posições ocupadas pelas mulheres na sociedade, assim como a sepa-
ração entre sexualidade e reprodução propiciada pela pílula anticon-
cepcional, são elementos que impactam, também, as constituições das
masculinidades e das paternidades. A busca de outras posições para

95
o pai está esperando ?

além daquela do provedor vem marcando a atuação de homens de


camadas sociais e níveis de escolaridade distintos, embora ainda haja
uma tendência a se identificar essas mudanças como provenientes das
camadas médias urbanas intelectualizadas (Dauster, 1987; Heil-
born, 1995).
Parece-nos importante nesse cenário destacar a articulação da pa-
ternidade com as masculinidades, uma vez que, em organizações socie-
tárias como a nossa, marcadas pelas polaridades associadas à hetero-
norma, as atribuições de características, tarefas e funções para homens
e mulheres orientam-se por ideais regulatórios, como o da masculinida-
de hegemônica. De acordo com Robert Connell, a masculinidade não é
um objeto coerente ou generalizável, e toda tentativa de definição deste
deve estar inserida numa estrutura maior, de modo a possibilitar, assim,
a compreensão de suas dinâmicas, colocando-o sempre em uma rede de
significantes, incluindo “as práticas que comprometem homens e mu-
lheres com essa posição de gênero, e os efeitos destas práticas na experi-
ência corporal, na personalidade e na cultura” (1997, p. 35).
A masculinidade sempre se define em relação à feminilidade,
constituindo um conceito historicamente novo, tendo cerca de 150
anos, ainda bastante polêmico. Miguel Vale de Almeida (1995, apud
Costa, 2002) enfatiza que a masculinidade não deve ser encarada
como o simples colorido cultural de um dado natural, uma vez que ela
é marcada por assimetrias (como heterossexual/homossexual) e por
hierarquias (de mais a menos ‘masculino’).
A exploração da experiência masculina é vital para o entendi-
mento das relações sociais estabelecidas e o estudo das masculinidades
possibilita a apreensão de diferentes práticas e experiências. Isso con-
diz com o pensamento feminista, visto que a teorização e a pesquisa da
masculinidade têm-se mostrado úteis na criação de práticas e políticas
mais igualitárias de forma a atingir o projeto social almejado pelo femi-
nismo. É de grande importância entender como se constitui e se man-
tém a masculinidade em um lugar de maior poder do que aquele que
a mulher ocupa, abrindo a possibilidade de promoção de mudanças
nestas relações iníquas. Torna-se também importante compreender a
experiência de homens colocados em situações de menor poder, como
os homens adolescentes pais, incluindo aqueles marcados por outros
vetores de identificação, como os de classe e de raça/etnia, pois estes

96
Entrevistando pais e profissionais da saúde

também estão sujeitos ao poder do patriarcado, construto teórico mui-


to utilizado no feminismo até o meio do século XX (Haywood &
Mac aN Ghaill, 2003).
O interesse por pesquisar as várias formas que a paternidade
vem assumindo no mundo contemporâneo parece ter aumentado sig-
nificativamente a partir da década de 80. Na área da Psicologia, bas-
ta uma consulta a bases de dados para se constatar esse crescimento
– PsycInfo e BVS-PSI, por exemplo. Nesse cenário, uma das questões
que vem sendo discutida no que diz respeito à paternidade é se os pais,
como homens, possuem características que permitam que desenvol-
vam estilos de parentalidade e contribuições para seus filhos de forma
diferente daquela das mães. Essa questão é especialmente estudada
pelas perspectivas essencialistas e alvo de críticas por parte dos estu-
dos de gênero e das concepções sócio-construcionistas (Silverstein
& Auerbach, 1999). Outras questões importantes que vêm sendo
pesquisadas dizem respeito às características da paternidade em situ-
ações em que o pai não está presente e aquelas em que acompanha
a mãe nos cuidados dependidos aos filhos. Além disso, mesmo nas
situações em que os pais estão presentes, os pesquisadores vêm se de-
dicando ao estudo das implicações sobre as crianças das variações nas
características dos pais (Pleck, 1981; Lamb, 1987).
Há também estudos importantes sobre diferentes configura-
ções familiares, como as famílias reconstituídas e aquelas em que ou-
tros homens podem agir como pais, embora ainda muito centrados
em contextos de relações heterossexuais (ANDERSON, Kaplan, &
Lancaster, 1999; Amato & Gilbreth, 1999). No conjunto das
pesquisas sobre paternidade, destacam-se também aquelas que argu-
mentam que os homens obtêm benefícios positivos por serem pais e
por se envolverem com seus filhos, a despeito do estresse e dos confli-
tos que podem ser desencadeados pela situação (Nock, 1998; Pleck,
1997; Snarey, 1993; Hawkins & Belsky, 1989).
Os estudos de gênero, por sua vez, veem a família como um ló-
cus importante em que a desigualdade de gênero é gerada e mantida
(Fox & Murry, 2000; Thompson & Walker, 1995). Há pesqui-
sadores que argumentam que a desigualdade da atribuição de tarefas
entre homens e mulheres no espaço doméstico e no cuidado dos filhos
é decorrente da desigualdade econômica entre eles. Ou seja, porque as

97
o pai está esperando ?

mulheres não obtêm renda ou obtêm renda inferior à dos homens, elas
cuidam da casa e das crianças e vice-versa (Polatnick, 1973-1974). A
dupla jornada de trabalho das mulheres também é frequentemente denun-
ciada e constatada por pesquisas (Pleck, 1985; Hochschild, 1989),
assim como a reprodução é vista como associada às mulheres e como
argumento para a dominação masculina (Rubin, 1993; Vance, 1984).
De qualquer forma, algumas pesquisas demonstram que, quando os pais
mantêm um contato mais próximo, mais afetivo/amoroso com seus filhos
homens, estes tendem a desenvolver atitudes menos estereotipadas com
relação ao gênero – quando adolescentes e adultos (Hardesty, Wemk
& Morgan, 1995; Williams, Radin & Allegro, 1992).
O nascimento de um filho, além da responsabilidade – conside-
rada consequência direta da paternidade –, implica a incorporação de
novos papéis, geralmente caracterizados pela seriedade e pela maturi-
dade que levam o homem a assumir e a cumprir a função de provedor
(Tronchin & Tsunechiro, 2006). Para quebrar a ideia dominante
de que cabe ao homem a virilidade e de que participar ativa e afetiva-
mente nos cuidados diários dos filhos significa a perda da masculini-
dade, o pai precisa poder contar com a esposa ou com outras pessoas
para envolvê-lo nessas práticas, apoiando sua participação (Tron-
chin & Tsunechiro, 2006).
Segundo Vânia Bustamante (2005), alguns estudos mostram que,
para os homens, as mulheres continuam sendo as principais cuidado-
ras dos filhos, mas esse dado varia muito em função do país, da classe
social e da idade dos participantes. Assim, na Inglaterra e na Grécia,
constatou-se que os homens desejavam aprender a ser pais mais pró-
ximos dos filhos. Já na América Latina, principalmente nas camadas
populares, os homens entendiam os cuidados físicos como próprios da
mulher. É importante assinalar que, em diversos países, os pais mais
jovens se mostraram mais dispostos a se envolver nos cuidados corpo-
rais dos filhos (Bustamente, 2005).
Teóricos de gênero atualmente sugerem que a família está passan-
do por significativas mudanças com abundância de diferentes forma-
ções familiares, assim como distintas normas sendo encontradas e acei-
tas como legítimas e desejáveis. Isso inclui parceiros que não coabitam,
pais que não coabitam, casais homossexuais e o crescente número de
filhos sem laços de sangue (Haywood & Mac an Ghaill, 2003).

98
Entrevistando pais e profissionais da saúde

Assim, na sociedade atual, encontram-se “novas” (ou ao menos


mais visibilizadas e legitimadas) formas de configuração das famílias,
nas quais se apresentam novas práticas quanto aos cuidados paren-
tais. Onde antes se encontravam membros da família assumindo prá-
ticas consideradas normativas e até mesmo constituintes, hoje se nota
uma diferente distribuição de tarefas e de responsabilidades. Porém,
mesmo com a ascensão das ideias sobre um “novo pai” emergindo na
sociedade e começando a representar um outro parâmetro de paterni-
dade, percebe-se ainda que muitas vezes essa recente forma de encarar
o pai frequentemente não é compreendida e estimulada pelas mulhe-
res e pelas equipes de profissionais da saúde (Resende & Alonso,
1995, apud Trindade & Menandro, 2002).
Se entendermos a família como tendo tamanha importância, fica
claro que este lugar também é onde se constituem as feminilidades e as
masculinidades, com a emergência das reivindicações de casais homos-
sexuais acerca de seus direitos quanto à maternidade e à paternidade,
um tema muito discutido tanto na política como na mídia. Há pesquisas
(Stacey, 1996; Dunne, 2001 apud Haywood & Mac an Ghaill,
2003) que afirmam que este tema é um bom exemplo de mudança e de
construção social envolvida com o gênero, e exemplifica a constituição
processual, performática e atuante da masculinidade, desconstruída
como algo inerente ao sexo, como possessão individual e inata.
Costa (2002) explica que é possível encontrar aspectos tradicio-
nalmente femininos na masculinidade, como o cuidado com as crian-
ças ou a execução de algumas tarefas domésticas; porém, o trabalho
assalariado e o sustento dos filhos continuam sendo prerrogativas nor-
mativas masculinas. Assim, pais podem comportar dimensões consi-
deradas da feminilidade na paternidade, como cuidar dos filhos; mas
não comporta o pai não ser provedor. Se “fazer filhos” serve para com-
provar o atributo biológico da paternidade, sustentá-los e educá-los
comprovam seu atributo moral.
Inês Hennigen & Neuza Guareschi (2002) apontam que, assim
como outras posições identitárias, ser pai (em suas significações e em
seu vivenciar a paternidade) também é uma construção contínua, múl-
tipla e inacabada, que se processa numa tensão cultura/indivíduo.
Contudo, devido à grande diversidade oriunda das variações culturais,
não existe uma definição única de paternidade que se possa pretender

99
o pai está esperando ?

universal. Dessa forma, as expectativas paternas, as práticas realizadas


e seus efeitos sobre as crianças precisam ser vistos dentro do contexto
da família, da comunidade, da cultura e da história.
Norma Fuller (2000) define a paternidade como um campo de
práticas e significados culturais relativos à reprodução, ao vínculo com
a prole e aos cuidados dos filhos, sendo que estes dois últimos aspec-
tos podem ou não ser estabelecidos entre o genitor e o filho. A autora
coloca ainda a paternidade como produto do entrecruzamento dos dis-
cursos sociais que definem e prescrevem o que é ser pai, implicando a
produção de guias de comportamentos reprodutivos e parentais. Es-
tes comportamentos reprodutivos e parentais, por sua vez, variam de
acordo com o momento histórico e com o próprio momento do ciclo de
vida de cada sujeito, assim como a relação que estabelece com a coge-
nitora e com os filhos.
Deve-se apontar que, mesmo com tantas transformações acerca
da paternidade, o pai ocupa ainda um lugar secundário quando se trata
do cuidado dos filhos, sendo que este cuidar ao qual nos referimos seria
aquele que mantém o pai em contato direto com o filho, suprindo suas
necessidades diárias. No entanto, pode-se questionar a abertura que este
pai, principalmente o adolescente, tem para exercer seu papel de cuida-
dor, uma vez que é tão forte no ideário social a concepção de que ele está
menos apto para tal tarefa, assim como a ideia de que o pai nunca pode-
rá ter uma condição igual à da mãe, justificada principalmente pelo viés
biologizante do vínculo no nascimento. Vale ressaltar que não se pode
afirmar que aquele pai que passa o dia fora de casa trabalhando não esteja
cuidando, já que prover, dar sustento, também é visto por eles como uma
forma de cuidar, e provavelmente este é não só o modo socialmente mais
aceito, como até socialmente obrigatório de exercer a paternidade.
Em relação às considerações que os próprios jovens fazem sobre
o momento em que se tornaram pais, Cristiane Cabral (2003) explica
que eles afirmam a imprescindibilidade de terem condições materiais
suficientes, tais como emprego fixo, casa, condições financeiras, para
a criação e manutenção do filho e da parceira, mas não é citada de
forma expressiva a necessidade de uma idade ideal para se tornar pai.
Na avaliação dos acontecimentos, a maioria considera inoportuno o
momento em que se tornara pai, principalmente em razão da ausência
das condições ideais (leia-se “materiais”) para poder arcar e cumprir,

100
Entrevistando pais e profissionais da saúde

de imediato, com todas as responsabilidades esperadas de um “chefe


de família”. Porém, ainda assim, é constante a referência aos ganhos
pessoais que a paternidade lhes trouxe, assim como a expressão do
não arrependimento pelo ocorrido. Entre esses aspectos positivos, en-
contram-se o amadurecimento e a boa relação afetiva com o filho. Um
aspecto bastante presente é o fato de a paternidade tê-los levado a se
tornar mais responsáveis, contrariando concepções desenvolvimentis-
tas de que pais jovens não teriam “maturidade” psicológica suficiente
para dar conta da experiência da paternidade.
Na pesquisa realizada por Maria Juracy Toneli Siqueira et al.
(2002), os adolescentes investigados, em sua maioria, declararam que
quiseram engravidar, inclusive os rapazes. Essa situação, porém, quan-
do diz respeito aos jovens, não é problematizada pelos programas de
saúde; ou seja, sempre parte-se do pressuposto de que a gravidez é inde-
sejada, inconsequente, fruto da irresponsabilidade e da impulsividade
destes jovens. Em relação às políticas públicas, nota-se que os homens
não costumam ser foco de atenção nos serviços de saúde, perpetuando a
representação da reprodução como uma responsabilidade da mãe. Des-
sa forma, não é de se estranhar que tais serviços de atendimento funcio-
nem com profissionais que provavelmente não estimulam os pais a se
vincularem com as crianças, nem dão atenção às demandas da paterni-
dade ou da adolescência. Assim, temos como pano de fundo a exclusão
dos pais nos serviços obstétricos e pediátricos.
A motivação e desejo dos pais de se envolverem com os bebês
são frustrados pela negligência e mesmo rejeição à sua presença, num
descompasso entre as ações de saúde e o incremento da paternidade
participante (Arilha, 1999; Lyra DA Fonseca, 1998; Marcon-
des, 1999; Villa, 1999, apud Carvalho, 2003). Diante deste qua-
dro, Cabral (2003) chama a atenção para a necessidade de se incluir a
dimensão masculina como um elemento valioso na saúde reprodutiva,
de modo complementar às abordagens da saúde coletiva e de sua ênfa-
se nas repercussões biopsicossociais da gravidez na adolescência.
É nesse cenário da gravidez na adolescência que se inscreve a
pesquisa que deu origem ao presente texto. Como descrito no texto
introdutótio, fomos em busca dos pais e dos profissionais da atenção
básica à saúde, que foram entrevistados por meio de roteiros semies-
truturados. O que aqui apresentamos é o resultado do que encontra-
mos em Florianópolis.

101
o pai está esperando ?

Caracterização dos Profissionais entrevistados e ser-


viços prestados nas Unidades Básicas de Saúde de
Florianópolis

Durante as entrevistas realizadas com os profissionais que com-


põem a equipe da unidade básica de saúde (UBS) Mont Serrat, local es-
colhido para centralizar a pesquisa em Florianópolis/SC,1 foram mape-
adas suas relações com o posto de saúde, a estrutura e tipos de serviços
oferecidos, suas atividades com gestantes adolescentes e suas opiniões e
atuações frente à participação paterna no cuidado com os filhos.
Embora não tenha sido possível obter todas as informações acerca
dos profissionais que se dispuseram a conceder entrevistas para a pes-
quisa, a tabela abaixo oferece uma rápida caracterização quanto à forma-
ção, escolaridade, sexo, tempo de trabalho no setor e na unidade.

Tabela 1 – Caracterização dos profissionais entrevistados – Florianópolis


Profissão/ Quanto tempo
Tempo na
Profissionais Sexo Escolaridade ocupação na trabalha no
unidade
UBS setor
Ensino
Enfermeira F Superior Enfermeira 3 anos 6 meses
Completo
Ensino
Enfermeira F Superior Enfermeira 7 anos 1 ano e meio
Completo
Ensino
Técnica de Técnica de
F Médio 4 anos 4 anos
Enfermagem Enfermagem
Completo
Ensino
Médica F Superior Médica 1 ano 1 ano
Completo
Agente Agente
Não
Comunitária F Comunitária 1 ano 1 mês
informado
de Saúde de Saúde
Ensino
Dentista M Superior Dentista 20 anos 20 anos
Completo

1 “A paternidade no contexto da gravidez na adolescência: a atenção ao pai na rede


básica de saúde em três capitais brasileiras”, pesquisa financiada pelo CNPq e rea-
lizada pela UFSC, UFES, UFPE e Instituto Papai, Florianópolis, Vitória e Recife.

102
Entrevistando pais e profissionais da saúde

Os dados das entrevistas demonstraram que na unidade Mont


Serrat são oferecidos os serviços de médicos/as, psicólogo/a, assistên-
cia social, farmacêuticos/as, educadores/as físicos, dentista, agentes
de saúde, enfermeiros/as e técnicos/as em enfermagem. A UBS tam-
bém oferece serviços específicos – como o de planejamento familiar,
pré-natal, puericultura, saúde do idoso, hipertensos, diabéticos, saúde
da mulher e alguns grupos terapêuticos. Possui salas de vacinas, cura-
tivo, triagem e glicemia.
Dentre os serviços prestados à comunidade, citados pelos profis-
sionais, também foi mencionada a orientação sobre planejamento fa-
miliar às famílias, já programada nas agendas dos médicos/as, enfer-
meiros/as e técnicos/as em enfermagem, embora relatem não haver
uma grande adesão às consultas por parte das gestantes, assim como a
inexistência de grupos específicos sobre esse tema destinado ao públi-
co jovem. Há casos em que os profissionais relatam considerar parte do
planejamento familiar alertar informalmente gestantes que já têm mais
de quatro filhos: “e aí, tá se cuidando pra não engravidar de novo?”.
De acordo com os profissionais, estes tipos de serviços ofereci-
dos na unidade de saúde são decididos conforme as diretrizes do Mi-
nistério da Saúde sobre o Programa Saúde da Família. A partir disso,
cada unidade vai moldando o programa segundo a realidade de sua
comunidade e sua equipe. As decisões a respeito dos trabalhos são to-
madas em reuniões semanais, no que eles chamam “microequipe”, e,
posteriormente, “reunião geral” composta por todos os membros das
três equipes que compõem os serviços da UBS. Trata-se de reuniões
que, além de discutirem o funcionamento dos serviços já existentes,
identificam as possibilidades de novos serviços, consoante a demanda,
para serem propostos na reunião com a Coordenadoria de Saúde.
Naquele local também são realizados atendimentos às adoles-
centes grávidas. Cada um descreve sua atuação com essa população:
as enfermeiras prestam orientações à gestante sobre a primeira gra-
videz, realizam todos os exames de rotina de primeiro trimestre e o
acompanhamento até o final da gestação. A técnica de enfermagem
relata fazer acompanhamento e orientações iniciais. A médica diz re-
alizar a consulta periódica mensal, a qual em um mês é realizada com
o médico e, em outro, com a enfermeira. A agente de saúde enfatiza a
facilidade que tem em realizar o trabalho de orientação domiciliar, e

103
o pai está esperando ?

o dentista afirma que sua atuação com este público dá prioridade na


agenda às gestantes, para que elas não enfrentem filas para o atendi-
mento odontológico.
Sobre o atendimento às gestantes e aos seus companheiros no
processo anterior ao nascimento do bebê, a maioria dos profissionais
relata que as gestantes costumam comparecer sozinhas aos primeiros
atendimentos; algumas costumam ir acompanhadas pela mãe e apenas
um profissional afirma que a responsabilidade dos companheiros tem
crescido em relação às gestantes.
São variados os motivos mencionados por estes profissionais
para a ausência ou pequena participação dos pais no processo inicial
de gestação. Alguns afirmam que o que leva os pais a não participarem
ou comparecem ao posto deve-se ao fato da gravidez ser indesejada ou
não planejada, as gestantes não estarem mais namorando com os pais
de seus filhos e pelas mães das gestantes serem mais participativas do
que os companheiros. Entretanto, o mesmo profissional que destacou
o crescimento da participação paterna nos cuidados com as gestantes
discorda das justificativas descritas acima, e acredita que o aumento da
interação dos pais com as adolescentes grávidas deve-se à visão mais
madura que os jovens estão tendo em relação às suas responsabilida-
des, à presença de um planejamento da gravidez entre os jovens e aos
aspectos culturais de cada comunidade que, muitas vezes, valoriza a
construção da família ainda que na adolescência.
Todos os profissionais entrevistados concordam que os homens
devem acompanhar as mulheres durante o atendimento pré-natal por
facilitar o entendimento de informações que muitas vezes as mulheres
têm dificuldade em repassar em casa ao companheiro e porque acredi-
tam que “o filho é dos dois e já passou o tempo que mulher tinha que criar filho
sozinha”. Na visão destes profissionais, a criança precisa dos dois, sendo
que o homem deve acompanhar todo o processo gestacional até o parto,
para que assim valorize ainda mais a mulher, além de considerarem im-
portante a participação do pai no dia a dia da mãe e da criança.
Os profissionais entrevistados salientam a importância da pre-
sença do companheiro também em consultas para o planejamento fa-
miliar, a fim que se discuta com o casal assuntos como o puerpério

104
Entrevistando pais e profissionais da saúde

que, muitas vezes, é observado como de pouco entendimento por par-


te destes companheiros. De acordo com médicos/as e enfermeiros/
as, trata-se de um período em que as mulheres teriam mais chances de
engravidar novamente durante a relação sexual.
Alguns profissionais mencionaram que costumam incentivar a
presença dos pais nas consultas, exames e orientações, fornecendo a
eles um atestado para que justifiquem sua falta ao trabalho e compare-
çam ao posto com a gestante.
Quanto ao acesso das gestantes adolescentes ao posto de saúde,
os dados demonstram que elas chegam através de amigas, com a mãe
e, por vezes, sozinhas. Outras comparecem ao posto acompanhadas
do namorado ou encaminhadas pelos agentes comunitários. Algumas
chegam a solicitar o teste de gravidez, mesmo já sabendo que estão
grávidas. Neste primeiro momento, alguns profissionais dizem passar
um “sabãozinho” nelas, como uma espécie de bronca ou repreensão,
ainda que percebam que elas chegam preocupadas com a gravidez. A
maioria diz explicar a elas sobre o pré-natal, a importância do acompa-
nhamento médico e das consultas periódicas.
Após o nascimento da criança, momento chamado pelos profis-
sionais da saúde de puericultura (do nascimento até 01 ano de idade),
os dados das entrevistas demonstram que as crianças são levadas mais
frequentemente ao posto de saúde pelas mães e raramente são levadas
pelos pais. Esse fato é justificado pelos profissionais por questões que
envolvem a estrutura do casal, o bom relacionamento entre eles, a in-
trínseca implicação biológica da mãe com o filho – que faz com que ela
se comprometa fisicamente (na gestação) com seu filho, a naturaliza-
ção da mulher como cuidadora (muito diferente da “natureza livre do
homem”), o que faz com que a mulher se sinta mais grávida do que o
homem. Além disso, acreditam que a presença dos pais vai diminuin-
do porque o “tempo vai passando, eles vão se acomodando, vão se separando,
a união não permanece”.
Por outro lado, na visão dos profissionais, os pais que compa-
recem, além de serem mais participativos e curiosos, geralmente vão
levar seus filhos ao posto de saúde porque suas esposas estão traba-
lhando. Segundo os trabalhadores da saúde entrevistados, as mulheres
têm mais facilidade em arrumar emprego por terem um grau maior de
escolaridade do que os homens da comunidade.

105
o pai está esperando ?

Caracterização dos pais entrevistados em Florianópolis

Foram entrevistados nove pais, embora tenhamos apenas dados


demográficos de sete deles, conforme as tabelas abaixo permitem vi-
sualizar.

Tabela 2 – Caracterização dos pais entrevistados – Florianópolis


Entrevis

Renda
Bairro
Idade

N.º Estado
tado

Profissão Atividade
de civil

Ensino Atendente de
1 24 Centro 3000 08 Sim Solteiro
Médio empresa
2 24 1900 04 Ensino Vigilante Sim União
Ensino
Assistente
3 23 Centro 1800 03 Médio Sim União
financeiro
Completo

4 48 510 2 Ensino Açougueiro Sim Solteiro


Porteiro/
5 27 800 4 Ensino Sim União
Biscate

6 35 - - Ensino Lavador Sim -

Ensino
Porteiro,
7 27 Centro 700 4 Médio Sim Solteiro
segurança
Completo

Tabela 3 – Caracterização dos pais entrevistados – Florianópolis


Entrevis

Religião Sexo dos Idade ao ser


tado

Religião Cor
praticante filhos pai pela 1a. vez

1 Católica Católica Preta 1 M 21 anos


2 Umbanda Umbanda Indígena 1 M 20 anos
3 Católica Católica Branca 2 1M 1F 19 anos
4 Budista Budista Branca 11 7M/ 4F 16 anos
5 Evangélica Evangélica Branca 2 2F 25 anos
6 Evangélica Evangélica Negra - - -
7 Ateu Ateu Branca 2 2M 23

Chama a atenção o fato de que, embora as gestantes sejam ado-


lescentes, os homens pais não o são. O mais velho deles foi pai pela

106
Entrevistando pais e profissionais da saúde

primeira vez na adolescência e tem 11 filhos. Nenhum deles possui


vínculo de casamento com as parceiras.
As primeiras perguntas do roteiro se referiam aos serviços de
saúde. Nesta parte, havia interrogações a respeito de conhecimentos e
experiências sobre a Unidade Básica de Saúde. Todos os entrevistados
afirmaram conhecer o posto de saúde da sua comunidade e grande
parte assegura o costume de frequentá-lo. Não obstante, dois homens
relataram somente três visitas ao posto, estando assim ainda de manei-
ra inicial envolvidos em cuidados médicos de si e/ou do(a) filho(a).
As finalidades de uso do serviço de saúde são múltiplas: con-
sultas com dentista ou clínico geral, exames de rotina, curativos para
ferimentos leves, vacinas, grupos para tabagistas, pegar remédios para
a filha, motivos de doença. Já quando perguntados se alguma vez fo-
ram chamados a ir ao posto de saúde, apenas quatro dos entrevistados
afirmaram ter sido convidados. Dois desses foram quando faltaram
a uma consulta com o dentista, sendo contactados para não desisti-
rem do tratamento, ou ainda na ocasião de chamadas para vacina, por
exemplo. Um deles explica a ausência devido à sua insatisfação com
a inexperiência dos universitários que os atendem e às poucas vagas
disponíveis para consultas, ainda que a espera na fila não tenha sido
encontrada como motivo nas outras entrevistas.
As perguntas seguintes eram sobre a gestação e o pré-natal, e
buscavam compreender as questões sobre o acompanhamento à mu-
lher durante a gravidez. Ao serem questionados se acompanharam a
mãe de seu filho(a) durante este período, grande parte dos homens
respondeu que costuma acompanhar de forma intensa suas mulheres
– indo a consultas pré-natais, à maternidade, e acompanhando exames
incluindo a ultrassonografia. Outro ainda acrescenta que se trata de
um aspecto cultural de sua família, afirmando que “lá em casa é normal
estarmos sempre perto”, apontando para transmissão geracional nos cui-
dados para com a companheira. Relata, também, que há empregadores
que liberam os pais não somente para o momento do parto, mas tam-
bém para as consultas pré-natais.
Entretanto, durante as entrevistas dois homens afirmaram que
não podiam acompanhar a mãe de seu(s) filho(as) por causa de seu
trabalho, apesar de reconhecerem a importância do ato. Um deles diz
que, na maioria das vezes, a gestante ia sozinha às consultas e exames

107
o pai está esperando ?

pela ausência de familiares que estivessem por perto para acompanhá-


la. As respostas para a pergunta sobre o conhecimento de outros pais
que acompanhem as mães de seu(s)/sua(as) filho(as) mostraram os
pais divididos. Quatro deles não conhecem outros homens que acom-
panham, mas reconhecem que isto é muito importante tanto para mu-
lher, quanto para eles receberem “dicas” de como lidar com situações
diversas advindas do nascimento de um filho. Aqueles que conhecem
outros pais acompanhantes nas situações de consultas ao posto de saú-
de afirmam a importância de acompanhar “a filha se formando”.
Na pergunta sobre o acompanhamento à gestante em hospitais
e maternidade, não especificamente à unidade básica de saúde, os en-
trevistados também ofereceram respostas divididas. Quatro deles não
puderam levá-las por motivos de trabalho. Um deles, inclusive, afirma
que não gostaria de assistir ao parto. Outro relata que se emocionou:
“Sim. Chorei muito, foi muito emocionante. Sempre quando me liberava do
trabalho, eu ia.” Quanto a entrar ou não na sala de parto, alguns conse-
guem entrar, outros não. Um deles, inclusive, diz que “durante o parto,
no procedimento de cesárea é proibido o pai acompanhar durante o parto”. No
entanto, segundo a lei 11.108, a presença de um acompanhante junto à
parturiente nas unidades do Sistema Único de Saúde e no momento do
parto é permitida. A fala desse pai, portanto, revela que a implementa-
ção desta lei ainda não é de conhecimento de todos.
Na última parte do roteiro, havia uma única pergunta sobre o
acompanhamento dos bebês por parte do pai ao posto de saúde. Neste,
houve uma resposta homogênea no que se refere à presença dos pais
nos cuidados para com o(a) filho(a). Todos afirmaram acompanhar,
juntamente com suas respectivas companheiras, os procedimentos mé-
dicos necessários aos primeiros anos de vida: testes do pezinho, pesa-
gem do corpo da criança, vacinas preventivas.

Discussão

Percebemos que a maioria dos pais entrevistados frequenta a


UBS ou posto de saúde, como costumam chamar. Não obstante, me-
tade dos entrevistados afirma ter sido convidada por profissionais ou
companheiras para irem ao posto; apenas um afirmou frequentar o lo-
cal para fazer exames. Ao procurarmos compreender as razões para a

108
Entrevistando pais e profissionais da saúde

adesão ainda tímida aos serviços de saúde nas UBS, identificamos que
os pais não percebem demandas de saúde que justifiquem a procura
pela unidade ou, em alguns casos, preferem ir à policlínica pela rapi-
dez no atendimento.
Estudos sobre masculinidade no campo da saúde nos ajudam a
compreender a baixa procura pelos serviços de saúde por parte dos
homens, de uma forma geral. Segundo Ricardo Meirelles e Alexandre
Hohl, os serviços de saúde são considerados pelos homens, assim como
pelas políticas públicas, como “destinados às mulheres e às crianças”
(2009, p. 900).
Esta questão aparece com mais evidência nos questionários respon-
didos por 100 mães e/ou gestantes em Florianópolis, na primeira etapa
da pesquisa, onde apenas 13 disseram que o serviço de saúde solicitou
a presença do pai da criança, enquanto que 91% afirmaram que não são
oferecidas atividades destinadas aos pais. Quando são realizadas, foram
mencionadas palestra (1) e reuniões (3). Destas mães, duas afirmaram que
o pai compareceu às atividades. Ainda que o Ministério da Saúde tenha
criado a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem no SUS,
em 2009, as práticas dos serviços de saúde ainda não parecem considerá-
lo como usuário, principalmente, no contexto da gravidez.
Adriano Nascimento e Ingrid Gianórdoli-Nascimento (2011), a
partir de uma revisão bibliográfica sobre o tema, enumeram três pos-
síveis aspectos que podem justificar tal ausência: 1) receio de que a
procura pelo serviço seja percebida socialmente como fraqueza e vul-
nerabilidade; 2) identificação dos serviços de saúde como um espaço
caracteristicamente feminino; e 3) a procura por serviços apenas se jus-
tifica em casos de emergência ou impossibilidade de suportar a dor.
Também Romeu Gomes, Elaine Nascimento e Fábio Araújo
(2007) afirmam que a procura pelos serviços de saúde por parte dos
homens está relacionada à compreensão que eles possuem do que é
ser homem, geralmente definida a partir do oposto das características
e práticas femininas. A busca pelo atendimento da policlínica, por sua
vez, contraria a organização da rede de saúde, que tem como porta de
entrada a atenção primária e não a secundária, assim como denuncia
possíveis demandas desses pais de caráter emergencial e curativo.
Apesar de identificarmos a baixa procura dos pais pelos servi-
ços de saúde, o principal motivo para recorrerem à unidade básica é

109
o pai está esperando ?

a busca por atendimento pediátrico para seus filhos, como relataram


quatro participantes. Os demais motivos apresentados pelos pais que
afirmam ir à unidade rara ou frequentemente, dizem respeito ao acom-
panhamento nas consultas de pré-natal, realização de exames e orien-
tações sobre reconhecimento de paternidade. Verificamos que apenas
um dos motivos não se relaciona diretamente como demanda paterna:
a realização de exames.
Como mostra disso, nos questionários, apenas 36% das gestantes
afirmaram terem sido acompanhadas pelo pai da criança no pré-natal
e 75% delas afirmaram que o pai estava com elas no pós-parto, mesmo
que 22% tenham considerado sua gravidez como de risco. Sobre a di-
visão de tarefas, 45% delas disseram que cuidam das crianças, frequen-
temente junto com o pai dos seus filhos, ainda que isso não signifique
diretamente a presença em consultas pediátricas.
Tendo em vista esses resultados, percebemos que questões re-
lacionadas ao exercício da paternidade, como levar o filho à consulta,
parecem se inscrever como demanda do pai no cenário da saúde. Por
outro lado, não podemos desconsiderar que o acompanhamento à ges-
tante pode ocorrer devido ao desejo de proteção e apoio a ela. Carva-
lho (2003), ao investigar a participação de pais no nascimento de seus
filhos, verificou que o principal motivo relatado pelos pais para esta-
rem presentes era o desejo de apoiar a gestante, apesar de também se
interessarem pelo nascimento dos bebês. De qualquer forma, torna-se
importante investigar as motivações paternas para o acompanhamen-
to, identificando o grau de interesse e o vínculo com a criança.
Sobre a participação em consultas de pré-natal, alguns afirmaram
ter acompanhado sua parceira e outros alegaram ter feito isso poucas
vezes. Estando presentes, alguns afirmaram apenas observar e outros
comentaram que ficaram esperando na recepção. A participação passi-
va dos pais indica a dificuldade que eles apresentam em se perceberem
como protagonistas do cuidado infantil. Esta dificuldade possivelmen-
te está ancorada em representações sobre paternidade, que, por sua
vez, encontram-se entrelaçadas aos mandatos tradicionais do que é ser
homem. Uma vez observando estas práticas e investigando melhor as
justificativas paternas, o profissional de saúde poderá criar demanda
para que o pai compareça e participe das consultas, rompendo assim a
ideia de que tais serviços são voltados apenas às mulheres.

110
Entrevistando pais e profissionais da saúde

Nos questionários, quando as gestantes foram perguntadas se


acham que os pais são bem acolhidos pelo serviço pré-natal, 48% disse-
ram sim enquanto 50% responderam não. Os motivos para a negativa
são variados: não são convidados, não há homens lá, não há nada só
para eles, não há projetos para eles, não perguntam sobre eles, proíbem
a entrada de homens, dentre outros. Quando os pais comparecem, no
entanto, são bem recebidos – segundo elas. 89% disseram ser impor-
tante que o pai acompanhe o pré-natal por motivos diversos, dentre
eles o de dar mais segurança à mãe. Veem benefícios para todos: elas, o
próprio pai, a criança, toda a família. Acham que os serviços poderiam
fazer algo que os incentivasse a ir para reuniões, palestras e outras ati-
vidades informativas, recebê-los bem, assim como incentivos diretos –
como convites que incluam a presença do pai também nas consultas.
Os entrevistados que não puderam acompanhar as consultas
apresentaram motivos diversos como o trabalho, não saber que era
permitido, não ser o pai biológico do bebê, não residir junto à compa-
nheira na época da gestação, ter problemas com a família da compa-
nheira ou porque a sogra já estava acompanhando sua parceira. Mesmo
não podendo acompanhar a parceira porque não podia faltar trabalho,
um pai comentou que procurava sempre ligar durante as consultas ou
solicitar que sua mãe acompanhasse a parceira, demonstrando outra
forma de se fazer presente. Os vários motivos apresentados por esses
pais nos convidam a refletir sobre a diversidade de contextos e fato-
res envolvidos no exercício da paternidade, assim como as possíveis
consequências destes aspectos não apenas nos diferentes estilos de
paternidade, mas também na saúde masculina, como o estresse cau-
sado pela pressão em ter que manter financeiramente um filho, como
destacam Craig Garfield, Elizabeth Clark-Kauffman & Matthew Davis
(2011). Tal complexidade também nos incita a repensar sobre a ideia
arraigada de que os pais geralmente não se interessam pelos seus fi-
lhos. Sendo assim, a ausência paterna não significa necessariamente
não envolvimento emocional, já que existem outras formas de expres-
sar envolvimento e participação, como realizar um telefonema.
Dos pais entrevistados, a maioria absoluta valorizava a partici-
pação do pai nas consultas por diversas razões, dentre elas, porque se
trata de uma questão moral, um dever, como destacaram quatro pais.
Um pai, entretanto, ao falar sobre a participação paterna nas consultas

111
o pai está esperando ?

de pré-natal, destaca a importância de acompanhar a melhor fase da


criança. Esta justificativa desloca-se da questão moral e provavelmen-
te expressa envolvimento paterno no período gestacional. Os dados
sugerem a existência de elementos tradicionais e contemporâneos no
exercício da paternidade, estando a moralidade associada ao pai tradi-
cional e a expressão da afetividade ligada à paternidade contemporâ-
nea que se caracterizaria, sobretudo, por um lugar mais colaborativo
dentro do sistema familiar e social, como ressaltam Ceneide Cerveny e
Ulisses Chaves (2010).
Sobre a participação em consultas pediátricas ou em outros ser-
viços de saúde destinado às crianças, poucos afirmaram nunca terem
levado suas crianças à unidade devido ao impedimento imposto pelo
trabalho e por estar ausente nos momentos em que sua parceira leva a
criança à unidade. Entre os que alegaram participação, alguns levaram
suas crianças juntamente com sua parceira e mãe, respectivamente, e
outros afirmaram tanto levar as crianças sozinhos, como juntamente
com suas parceiras. O trabalho aparece como um dos principais fatores
que dificultam a participação paterna nas consultas de pré-natal ou
pediátricas, principalmente porque todos os pais eram adultos e, nesta
pesquisa, apenas dois não trabalhavam. Maiores estudos precisam ser
realizados no intuito de investigarmos quais as estratégias que os pais
utilizam para poderem conciliar o trabalho e a paternidade.
Como discute Aline Martins (2009), não existe garantia legisla-
tiva para o acompanhamento do pai ao pré-natal de seu filho ou para
estar presente nas consultas pediátricas e internação, caso não seja ser-
vidor público. Sendo assim, é urgente promover e incentivar cuida-
dos paternos a partir de políticas públicas. Entretanto, ainda segundo
a autora, as garantias políticas que primam pelo reconhecimento das
práticas paternas ainda são tímidas.
Para que possa haver mudanças neste cenário contemporâneo,
torna-se imprescindível repensar as representações e práticas masculi-
nas, assim como práticas voltadas ao universo masculino que são ence-
nadas no campo da saúde. Renato Barboza e Ane Talita Rocha (2010),
por exemplo, ressaltam que o processo de trabalho dos profissionais
deverá ser revisto para atender às especificidades dos pais que traba-
lham. Diante deste contexto, os profissionais de saúde devem pensar
em como inserir este pai nos serviços ofertados. Embora os profissionais

112
Entrevistando pais e profissionais da saúde

não percebam, a não inclusão do pai reforça o lugar deste como ape-
nas provedor familiar. Sendo assim, os profissionais terminam contri-
buindo, mesmo que indiretamente, para que haja ausência paterna nos
serviços de saúde.
Sobre a avaliação dos serviços oferecidos na unidade básica de
saúde, a maioria dos pais tece avaliações positivas, principalmente devi-
do à rapidez no serviço e também por causa do interesse da equipe para
com a criança. Contudo, alguns avaliaram negativamente esses serviços,
utilizando como argumentos a demora para serem atendidos. Parece
existir uma crença compartilhada socialmente sobre a demora nos aten-
dimentos públicos de saúde e se considerarmos o contexto masculino de
trabalho, podemos compreender a preferência pela policlínica, uma vez
que se o pai estiver empregado e for acompanhar o filho às consultas,
ele corre o risco de ser demitido. Contudo, para que haja uma melhor
compreensão das expectativas sobre os serviços de saúde e a respeito
da construção de uma realidade negociada com os usuários, devemos
considerar três níveis de expressão da realidade, como propõe Denise
Oliveira (2011): a) o universo real ou as condições concretas vivenciadas
pelos atores envolvidos; b) o universo simbólico ou representacional ex-
pressado por meio das práticas de adesão ou não aos serviços propostos,
por exemplo; e, por fim, c) a realidade idealizada, que se refere a um
plano de julgamento qualitativo ideal elaborado pelos sujeitos.
Percebe-se que a motivação e o desejo dos pais de se envolverem
com os bebês muitas vezes são frustrados pela negligência e mesmo
rejeição à sua presença, num descompasso entre as ações de saúde e
o incremento da paternidade participante (Arilha, 1999; LYRA DA
Fonseca, 1998; Marcondes, 1999).
Aqui se registra a importância do envolvimento paterno não
apenas como uma forma de dar suporte à mãe, mas como um direito
do pai de estar envolvido no desenvolvimento da criança, já antes de
seu nascimento. Esse contato inicial pode ser significativo para a cria-
ção do vínculo entre o pai e a criança. Deve-se atentar para os novos
arranjos na dinâmica familiar, bem como para as atribuições paternas e
maternas, de modo a favorecer uma participação mais ativa do homem
no ambiente doméstico e no cuidado dos filhos.
A necessidade da participação mais atuante do homem no cui-
dado dos filhos é colocada sob dois aspectos: como um dever, no qual

113
o pai está esperando ?

a exigência da participação do pai aparece no intuito de dividir as res-


ponsabilidades das mulheres; e como um direito, partindo da reivin-
dicação dos próprios homens em ter uma maior proximidade dos seus
filhos (COSTA, 1998). Em termos de desenvolvimento infantil, alguns
raros estudos, segundo aponta Benno de Keijzer (2000), demonstram
que o envolvimento do pai com a criança favorece seu desenvolvi-
mento físico, psicológico e intelectual, como também sua autoestima.
Lamb (1996) também defende os benefícios gerados pela interação do
pai com a criança desde cedo, e afirma que homens e mulheres são
igualmente capazes de interagir com a criança, com sensibilidade e
responsabilidade, não havendo indicativos de que a mulher teria uma
predisposição biológica para o cuidado que a tornaria melhor que o
homem neste aspecto.
Em pesquisa realizada em 2008 na cidade de Florianópolis/SC,2
demonstra-se a ausência de ações de assistência e orientação direcio-
nadas aos pais, apontando também para a dificuldade destes em par-
ticiparem do momento do parto e, desse modo, para a necessidade de
haver uma preparação, assim como é fornecida à mãe. Segundo Carva-
lho (2003), muitos profissionais são contrários à participação dos pais
no parto, pois os consideram insensíveis, incapazes para se envolver
emocionalmente com a situação e em dar o suporte de que a mãe pre-
cisa, sendo mais indicada, portanto, a presença de uma mulher. Os
resultados aqui obtidos demonstram, pelo contrário, que há interesse
ativo de muitos pais em acompanharem a gestação e o parto.
Os dados referentes à participação do pai nos serviços de saúde
são diversificados, alternando entre representações tradicionais e con-
temporâneas sobre paternidade. Os profissionais ainda não conseguem
se perceber como produtores de subjetividade no campo da saúde e,
portanto, parecem não promover outras ações que aproximem o pai e
considerem suas demandas. A área da saúde é um espaço privilegiado
para o reforço do relacionamento entre pais e filhos, como destaca Ali-
ne Martins (2009), mas para que ações neste sentido aconteçam, é pre-
ciso haver mudanças de ordem simbólica acerca da paternidade e do

2 Homens nos serviços públicos de saúde: rompendo barreiras culturais, institucio-


nais e individuais, realizada pelo Núcleo Margens de Pesquisa, com apoio do
Ministério da Saúde e parceria com a UFPE, a UFES e o Instituto Papai.

114
Entrevistando pais e profissionais da saúde

cuidar em saúde. Os serviços de saúde ainda desconsideram, de certa


forma, leis e propostas que visam à aproximação do pai, distanciando-o
do papel de protagonista no cuidado com seus filhos. O planejamento
familiar desenvolvido na unidade por meio de palestras ou consultas é
um exemplo claro desta exclusão. Como não permitem a participação
dos homens, os profissionais reforçam a ideia de que a saúde repro-
dutiva é tema de interesse feminino, e como o conteúdo abordado diz
respeito apenas aos métodos contraceptivos, subentende-se que a con-
tracepção é apenas de responsabilidade da mulher.
A Área da Saúde do Adolescente e do Jovem (ASAJ) tem como
um dos seus princípios de atendimento a adequação dos serviços de
saúde às necessidades específicas de adolescentes e jovens (Brasil,
2005). Essas necessidades, contudo, são interpretadas por profissionais
de saúde que muitas vezes expressam em suas práticas de cuidados re-
presentações negativas sobre gravidez adolescente, ferindo o princípio
que resguarda a participação das adolescentes no planejamento, de-
senvolvimento, divulgação e avaliação das ações. Jorge Lyra da Fonse-
ca, Benedito Medrado, Pedro Nascimento, Dolores Galindo, Maristela
Moraes e Cláudio Pedrosa (2002) afirmam que há um discurso hetero-
nômico que desconsidera a positividade do adolescente, em detrimen-
to de um padrão que tem a vida adulta como referência. A partir dessa
lógica, cabem aos profissionais interpretarem e definirem as ações vol-
tadas aos adolescentes, por meio de relações hierárquicas que não pro-
duzem sujeitos autônomos, mas sujeitos dependentes das prescrições
e recomendações dos profissionais. Nesta dinâmica, negligencia-se o
acolhimento pela não consideração da alteridade da adolescente e o
cuidado passa a ser desenvolvido, sobretudo, pelo caráter técnico.
Outra forma de cuidado e participação dos usuários poderá sur-
gir a partir, como debate Oliveira (2011), da consciência da responsa-
bilidade do profissional. Nesta pesquisa alguns profissionais já perce-
bem, mesmo de forma incipiente, suas responsabilidades. Por outro
lado, ainda é preciso que haja espaço para a identificação do conjunto
das necessidades dos usuários para que o processo de construção da
integralidade possa ser inicializado. Neste caminho, novas formas de
olhar a saúde, a paternidade e a gravidez adolescente precisam emer-
gir para que se possa pensar em práticas humanizadas.

115
o pai está esperando ?

Considerações finais

Os resultados discutidos nesta pesquisa alertam para o papel das


instituições de saúde na promoção do vínculo paterno para que o ho-
mem possa assumir, assim como a mulher, os cuidados e responsabili-
dades para com seus filhos e para que os serviços de saúde assumam,
de fato, uma perspectiva integral de atenção aos seus usuários. Vale
lembrar que nenhuma prática de cuidado à saúde pode ser construída
sem repensarmos o universo simbólico subjacente às mesmas.
Embora, entre os entrevistados, possa-se constatar a busca de um
envolvimento maior com os filhos, a responsabilidade da mãe ainda
se mostra como maior do que a do pai. De qualquer maneira, pode-se
também constatar que o envolvimento dos pais com os filhos é sensi-
velmente diferente daquele existente em gerações passadas.
Ainda assim, o cuidado com os filhos permanece para muitos
como uma tarefa das mulheres, cabendo aos homens a posição de co-
adjuvantes. A maternagem – conjunto de cuidados dispensados às
crianças pequenas – é associada à maternidade e ao corpo biológico
tendo como referência a mãe. Por outro lado, a paternagem parece ser
definida social e culturalmente de forma desvinculada do processo re-
produtivo. Sua dimensão econômica é valorizada e reconhecida social-
mente, ainda que muitas mulheres trabalhem de forma remunerada,
assumindo a administração da dupla jornada de trabalho.
Os depoimentos obtidos no âmbito da presente pesquisa permi-
tem dizer que os entrevistados não se identificam completamente com
o discurso normativo que atribui às mulheres a função de cuidadoras
exclusivas e, aos homens, a de provedores e protetores. É possível pen-
sar, a partir dos relatos dos sujeitos entrevistados, em uma produção
ativa de formações identitárias complexas em que os pais ocupam,
simultaneamente, posições subjetivas contraditórias social e emocio-
nalmente (Haywood & Mac an Ghaill, 2003). Pode-se afirmar,
portanto, no contexto investigado, a coexistência de modos de vida
distintos que engendram diferentes formas de convívio e negociação
no casal, incluindo as atividades de cuidado para com os filhos. Essa
coexistência é um dos elementos que demonstram a complexidade das
relações familiares e de parentalidade nos tempos contemporâneos.

116
Entrevistando pais e profissionais da saúde

Em 2008, o Ministério da Saúde lançou um Plano Nacional de


Atenção Integral à Saúde do Homem,3 que traz as diretrizes que fomen-
tam políticas públicas voltadas à população em questão. No que se re-
fere aos direitos sexuais e direitos reprodutivos, temos políticas que vão
ao encontro das colocações propostas por esta pesquisa, apontando a
paternidade como um direito do homem de acompanhar todo o proces-
so, desde a decisão de ter ou não filhos, como e quando tê-los, bem como
o acompanhamento da gravidez, do parto, do pós-parto e da educação
da criança. Desse modo, intenta-se criar condições para que a paterni-
dade seja vivenciada de modo responsável, independente da idade do
pai. Assim, o acesso a informações se faz necessário incluindo métodos
contraceptivos e preservativos específicos para esta população.
Ainda no mesmo documento, o plano prevê maior acesso dos
homens aos serviços de saúde e capacitações técnicas dos profissionais
de saúde para o atendimento do homem. Dessa forma, essas políticas
governamentais parecem contemplar questões discutidas pela pesquisa.
Contudo, como vimos, esta política pública esbarra em questões cultu-
rais de gênero e dos exercícios da sexualidade humana, exigindo mu-
danças lentas em nível institucional e cultural para sua implementação.

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o pai está esperando ?

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123
exercícios e atribuições sociais da
paternidade: pequeno balanço de
uma década de pesquisa

Maria Juracy Filgueiras Toneli


Suzana Almeida Araújo
Marília dos Santos Amaral
Fernando Luiz Salgado da Silva

Há cerca de uma década, o núcleo Margens (Modos de Vida, Fa-


mília e Relações de Gênero) do Departamento de Psicologia da UFSC
vem produzindo diversas pesquisas no âmbito da graduação, mestra-
do e doutorado, tendo como tema central a paternidade, suas formas
de exercício e atribuições sociais. Os trabalhos enfocam em especial a
população jovem, embora não exclusivamente. Nessa trajetória, con-
tamos com a parceria de professores/as, alunos/as e profissionais de
instituições de ensino superior e organizações não governamentais,
provenientes de diferentes estados, com destaque para os Grupos
de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (GEMA) da Universida-
de Federal de Pernambuco; Representações, Práticas socioculturais e
Processos de Exclusão da Universidade Federal do Espírito Santo, e a
organização não governamental Instituto PAPAI, sediada em Recife.
É uma trajetória que buscou, dentre seus objetivos, compreender nas
formas de organização sócio-familiar contemporâneas os delineamen-
tos acerca da construção da paternidade, em termos de significações e
práticas, focando especialmente populações de baixa-renda.
Vivemos hoje intensas transformações nas relações entre homens
e mulheres e na dinâmica familiar, como casamentos que acontecem
mais tarde, aumento de divórcios, luta de homens contra o aborto, en-
tre outras. No campo acadêmico, as pesquisas que abordavam temas
como sexualidade, aborto, contracepção, enfocavam apenas a mulher,
passando agora a incluir o homem. Sandra Ridenti questiona o interesse
repentino das Ciências Humanas na importância do envolvimento do

125
o pai está esperando ?

homem no âmbito da reprodução, paternidade e sexualidade, e con-


clui que

esse interesse está relacionado à constatação de que a compreen-


são e o conhecimento das práticas masculinas podem contribuir
para melhorar os resultados de programas voltados para a saúde
das crianças, para a prevenção de doenças sexualmente transmis-
síveis e nas decisões sobre planejamento familiar (1998, p. 165).

A paternidade passa a ser resignificada tanto por homens que


se sentem capazes de assumir o cuidado pelos filhos, como por estu-
diosos que percebem que o envolvimento masculino nas atividades
domésticas, na saúde reprodutiva e sexualidade é necessário para ga-
rantir a igualdade entre os sexos.
Nos dias atuais é possível ver pais (homens) de todas as idades
apresentando comportamentos antes considerados como inadequa-
dos a esse papel. A literatura especializada tem pesquisado o que se
chama de “novas formas de paternidades”, entendidas como aquelas
que incluem uma “participação mais efetiva dos homens no cotidiano
familiar, particularmente no cuidado com a criança” (LYRA DA FON-
SECA, 1998, p. 194). A preocupação não está apenas em aumentar o
número de tarefas dos homens/pais, mas na qualidade da afetividade
entre estes e seus filhos.
A partir das discussões sobre “as novas paternidades”, existem
trabalhos que chamam a atenção para um perfil de pai cuidador. Ana
Lúcia Resende e Ilca Alonso (1995) apontam que a maioria dos pais
que entrevistaram teve em sua infância a participação ativa dos seus
homens/pais, possibilitando, assim, apropriar-se de relações de gêne-
ro diferenciadas e de um exercício inovador da paternidade. Todos
expressaram que tiveram contatos físicos e afetivos intensos com seus
pais. Também explicitaram que têm prazer em cuidar dos filhos, pois
sabem da importância da figura paterna.
Por outro lado, Jorge Lyra da Fonseca afirma que entre o pai e
seu filho existe uma distância que precisa ser repensada, na medida
em que o pai,

após o coito fecundante, enfrenta uma grande lacuna em sua atu-


ação, recuperando algum espaço apenas quando a criança está
na idade de ir para o pré-escolar (1998, p. 193).

126
exercícios e atribuições sociais da paternidade

Nesse contexto, estudos como os de Margareth Arilha (1999) in-


dicam que a educação dos filhos ainda é considerada um aspecto de
responsabilidade das mulheres e que os homens devem estar voltados
para o sustento financeiro da família. Corroborando esta afirmação,
Lyra da Fonseca (1998) afirma que tal situação está associada ao fato
de que a concepção e a criação dos filhos ainda estão culturalmente
relacionadas a atributos femininos, incluindo o pai muito discretamen-
te, sendo que a família ainda é um dos principais grupos mediadores
desta dicotomia.
Esse lugar secundário atribuído aos pais/homens tem sido ques-
tionado e

os escassos estudos feitos demonstram que o envolvimento pa-


terno desde a tenra idade favorece o desenvolvimento físico, psi-
cológico e intelectual da criança, assim como das distintas habili-
dades e a autoestima (CIMAQ, apud KEIJZER, 2000, p. 227).

Com isto, alguns trabalhos referenciais, como os de Michael Lamb


(1997) e Joseph Pleck (1997), têm mostrado que, se os pais/homens res-
ponderem adequadamente às necessidades dos filhos, desenvolvem
vínculos nos quais as crianças se sentem protegidas e, em situações
estressantes, também recorrem àqueles tanto quanto às suas mães.
No novo Código Civil Brasileiro, mudanças foram introduzidas
com relação à paternidade. Dentre estas, uma se refere à questão da guar-
da dos filhos, abrindo espaço para o modelo da custódia compartilhada.
Porém, levanta-se a discussão da eficiência deste e também de como a
criança se adaptará à situação de transitar por duas casas. Ainda em rela-
ção a estas mudanças, parece que a mais importante para ser discutida e
analisada por psicólogos, juristas, advogados, entre outros profissionais,
está na queda do monopólio materno quanto à guarda. Esta será decidida
através da análise das condições dos pais para ficar com seus filhos, obten-
do a custódia quem tiver melhores possibilidades de criá-los. Questiona-
se, no entanto, como será realizada essa análise e se a naturalização da
mãe como principal cuidadora realmente já está superada.
A interpretação que identifica os pais somente como atores so-
ciais que apoiam as mães e seus filhos acompanha desde sempre as
áreas da demografia e da medicina, posto que a maternidade/repro-
dução nelas se apresenta como associadas diretamente às mulheres

127
o pai está esperando ?

(CASTRO e BRONFMAN, 1993). Entre os próprios especialistas há


uma ambivalência entre o que se pode chamar de sujeito de direitos
no campo da saúde reprodutiva e o que se chama de responsabilidade
masculina nesta área. O trabalho de Rosely Costa (1998), analisando os
discursos presentes no Seminário “Homens: Sexualidade e Reprodu-
ção”, realizado em 1998, em São Paulo, demonstra bem a tensão entre
direitos e deveres nas discussões entre os especialistas no seminário
quando se tratava de justificar a participação/inclusão dos homens na
arena dos direitos reprodutivos e, em especial, na paternidade.
Neste embate, a construção de uma “nova paternidade” é vista
por alguns como um dever, na medida em que se exige dos homens
uma maior participação e responsabilidade no cuidado para com os
filhos, dividindo ou diminuindo as responsabilidades das mulheres
neste campo. De outro lado, esta possibilidade é vista como um direito
associado a uma perspectiva de construção de um “novo homem”, fru-
to da “crise da masculinidade”. Neste caso, os homens teriam o direito
de estarem mais próximos a seus filhos e companheiras, estabelecendo
com eles uma relação de maior intimidade e trocas afetivas.
É preciso considerar a importância de se incluir os homens nos
contextos de investigação e de intervenção nesta área, não apenas
como facilitadores no caso da saúde das mulheres, mas, sobretudo,
como sujeitos de direitos que devem ter suas necessidades contem-
pladas. Em se tratando especialmente de adolescentes, há uma lacuna
visível no que diz respeito às políticas públicas na área da saúde sexu-
al e reprodutiva, ainda fundamentalmente direcionadas às mulheres.
Finalmente, considerando-se as futuras gerações, o vínculo entre pais
e filhos, como demonstra a literatura consultada, precisa ser incenti-
vado, ainda que não seja necessariamente sob o modelo tradicional da
família conjugal/nuclear. O que muitos destes homens demonstram
é o desejo de constituírem uma relação mais próxima com seus filhos,
a despeito do litígio conjugal. Os profissionais da área não podem se
furtar a este apelo.
Neste capítulo apresentaremos brevemente os projetos desenvol-
vidos desde 2002, visando traçar um panorama dos resultados obtidos
acerca da temática em questão, podendo-se separá-los em dois gran-
des eixos: (1) sentidos e exercícios da paternidade; (2) saúde sexual e
reprodutiva e acesso aos serviços de saúde.

128
exercícios e atribuições sociais da paternidade

Sentidos e exercícios da paternidade

No plano das práticas de cuidado dos filhos no cotidiano e do


delineamento do exercício da paternidade, bem como dos sentidos
atribuídos ao ser pai e ser mãe, podemos destacar três pesquisas, duas
desenvolvidas no âmbito da iniciação científica e uma no mestrado.
A pesquisa “Paternidade na adolescência: sentidos e práticas de cuida-
dos dos filhos”, realizada entre 2004 e 2006, visava investigar os sentidos
que adolescentes pais atribuem à paternidade e qual o envolvimento
destes nas atividades de cuidado. O projeto era composto por dois eixos
no que diz respeito aos procedimentos: 1) entrevistas com jovens pais e
suas parceiras, e, 2) observação direta do/no cotidiano da família.
No primeiro momento, cinco jovens pais foram entrevistados,
bem como duas de suas parceiras. Todos tinham entre 17 e 18 anos e
eram estudantes de uma escola pública de Florianópolis/SC, por meio
da qual foi feito o contato com eles. No segundo momento, um dos
casais da etapa anterior foi selecionado, e partiu-se para a realização
de entrevistas com a família de origem dos adolescentes, bem como de
observação do/no cotidiano familiar nas suas residências.
No mesmo período foi desenvolvida pesquisa de mestrado de
Renata Orlandi (2006), que tinha em seus objetivos investigar concep-
ções referentes ao lugar do pai no processo de desenvolvimento dos
seus filhos e as maneiras como se dão ou são projetadas as relações co-
tidianas entre pais e crianças. Participaram deste estudo adolescentes
pais, cujas parceiras e/ou filho/s estavam em atendimento no Hospital
Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. O acesso aos
sujeitos foi dificultado pela baixa frequência de homens acompanhan-
do as parceiras no local, mas, por meio delas foi possível entrevistar
oito pais, com idades entre 16 e 19 anos. Os resultados agrupam-se nas
seguintes temáticas: caracterização dos sujeitos, vivências na família
de origem, relação com o pai, relação com a parceira, negociação do
método contraceptivo e projeto da paternidade, experiência da pa-
ternidade e cuidados dedicados ao/s filho/s, o lugar do trabalho e
do provimento no delineamento da paternidade, reação dos familia-
res à notícia da gestação, significação da paternidade na adolescência
como evento precoce, e, por fim, a recomendação ou contraindicação
da paternidade para amigos com idade próxima. Seis dos oito pais

129
o pai está esperando ?

entrevistados viviam com a mãe da criança e demonstravam estar sa-


tisfeitos com o relacionamento; cinco não haviam planejado a gravidez,
porém consideravam o filho desejado, e todos já haviam, de alguma
maneira, vislumbrado a paternidade.
Entre as informações obtidas com a primeira pesquisa, observou-
se que, na família de origem destes jovens, a mãe ainda aparecia como
a principal responsável pelas tarefas domésticas e cuidados dos filhos.
No entanto, os jovens já relatavam uma participação masculina nessa
área e um envolvimento mais afetivo com os pais. Conforme aponta
Norma Fuller (1997), até a década de 1960, as imagens de maternidade
e paternidade correspondiam ao padrão tradicional da família nuclear
burguesa, na qual estaria relacionado à figura paterna o papel de pro-
vedor e disciplinador. Durante a década de 1970, algumas mudanças,
como a crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, fizeram
com que este padrão começasse a ser modificado e reinventado. A ima-
gem de um pai, antes distante e autoritário, foi progressivamente se al-
terando para uma figura mais próxima e envolvida afetivamente com
os filhos. Segundo a autora, a geração dos anos 1970 cresceu inserida
no modelo tradicional de família, porém testemunhou os novos rumos
das relações de gênero quando entrava-se na fase adulta.
Apesar da vivência na família de origem, ainda pautada na di-
visão de papéis, aparecem novos significados para o ser pai e ser mãe.
Ainda que se mantenha no campo do discurso e não necessariamente
objetivada em uma prática, os jovens defenderam a divisão igualitária
de responsabilidades. Em alguns momentos, os pais queixam-se de que
não se sentiam preparados como a mãe para cuidar do/a filho/a. Isso
pode estar associado à visão naturalista de instinto materno, porém,
há uma lacuna quanto à preparação inicial para as tarefas de cuidado,
em geral direcionada apenas à mãe. Tais aspectos não são específicos
da adolescência, sendo que pais adultos, principalmente com relação
ao primeiro filho, parecem enfrentar as mesmas dificuldades. Ainda
assim, um dos adolescentes queixou-se da visão que, em geral, é disse-
minada no imaginário social sobre os jovens pais: “acha que só porque o
cara é novinho, [...] acha que o cara é um idiota”.
Todos os adolescentes entrevistados manifestaram o desejo de
acompanhar de perto o desenvolvimento da criança, demonstrando
em suas falas ter um forte vínculo com ela, considerada já parte de

130
exercícios e atribuições sociais da paternidade

suas vidas. Desejavam manterem-se envolvidos no cuidado com o/a


filho/a, vendo a sua atuação não apenas como aquele que provê e dá
limites, mas com envolvimento afetivo. Observou-se também que as
meninas afirmaram que sempre pensaram em ser mães, enquanto que
a maioria dos meninos ainda não cogitava ser pai. Como aponta Ari-
lha (1998), a maternidade é tida como projeto compulsório da mulher,
como objetivo final, enquanto para o homem o desejo da paternidade
surge apenas com a maturidade: “Tu entra no mundo dos adultos na mar-
ra” (adolescente pai).
A relação dos jovens com seus pais foi principalmente relatada
como uma relação de amizade e companheirismo, e a rigidez apontada
por alguns parecia não afetar o respeito e admiração que sentiam por
eles. Talvez o fato do pai estar mais associado ao lazer (passeios, jogos,
etc.), favoreça esse contato mais amigável. A disciplina e as regras da
casa apareciam como responsabilidade da mãe e do pai, embora a rela-
ção com a mãe ainda fosse considerada mais emocional e amorosa, facili-
tada por uma ligação “química” que tem com a criança e não experimen-
tada pelo pai, conforme apontaram os sujeitos. Com exceção de um, os
jovens defendiam que nada mudariam na relação que mantinham com
seu próprio pai, embora indicassem alguns aspectos que gostariam de
mudar na relação com o próprio filho. Por estarem numa idade em que
começavam a vivenciar certa independência, mas encontravam ainda
a restrição dos pais, a liberdade e abertura apareciam como o principal
ponto que fariam diferente com relação a seus filhos, alegando que os
pais deveriam soltar mais a criança, não impondo tantas proibições.
Alguns aspectos mudaram na vida desses jovens, seja adquirin-
do maior responsabilidade ou tendo menos tempo para o lazer com
os amigos, porém viam a paternidade como algo bom, referindo-se
ao/à filho/a com entusiasmo, apego, apontando um ganho de ma-
turidade. Comentavam que não se arrependiam, mas gostariam que
a paternidade tivesse acontecido mais tarde. Alegavam que não ti-
nham condições de sustentar a criança sozinhos por ainda estarem
estudando, o que os impossibilitava de trabalhar. Vale ressaltar que
o foco da pesquisa foram estudantes, não aparecendo, portanto, pais
que abandonaram a vida escolar para cuidar do filho. O fato de vive-
rem ainda na casa dos pais – sendo sustentados por eles –, permitia
que experimentassem a paternidade de forma mais positiva, visto

131
o pai está esperando ?

que não tinham ainda a obrigatoriedade do sustento, e o cuidado da


criança era dividido também com os próprios pais.
Notaram-se discrepâncias quanto aos valores demonstrados pe-
los sujeitos, os sentidos atribuídos às suas vivências e as práticas rela-
tadas em seus discursos. Seja quando afirmaram que certas tarefas são
dever da mãe, sendo que estes a desempenham tão bem quanto ela,
seja quando defenderam a divisão de responsabilidades, sendo que
delegam à mãe o lugar de principal cuidadora.
Por meio dos sentidos objetivados nas falas dos sujeitos partici-
pantes, percebe-se que a paternidade na adolescência vem sendo (re)
construída cotidianamente, em suas práticas simbólicas e concretas.
As relações construídas entre os pais e as mães da primeira, segunda
e terceira gerações foram significadas e vivenciadas por meio de seme-
lhanças e diferenças geracionais. Notou-se uma flexibilização nos pa-
péis historicamente atribuídos ao que é “ser mãe” e “ser pai”, como, por
exemplo, a mulher trabalhando na esfera pública e/ou sendo a principal
provedora da casa, propiciando uma jornada dupla de trabalho e/ou
uma maior participação do homem nas tarefas domésticas e nos cui-
dados dos filhos. Foram percebidos, também, sentidos produzidos em
torno da paternidade que se aproximam de uma figura mais presente e
afetuosa, desconstruindo os atributos tradicionalmente relacionados à
figura paterna, tais como o prover, autoridade e frieza afetiva. Contudo,
ainda se percebeu sentidos e práticas vinculados aos papéis tradicionais
de maternidade e paternidade, exemplificados na figura da mãe como
a principal responsável pelos afazeres domésticos enquanto que aos ho-
mens eram destinados os deveres da esfera pública, e ainda no fato de
conceberem a mãe como a figura com maior vínculo com o filho/a.
No que tange à paternidade na adolescência, estes jovens signi-
ficam a gravidez nessa fase da vida como uma experiência árdua, pois
exige mudanças bruscas, mas também como uma vivência positiva,
demonstrando sentimentos intensos com o filho. Para os avós, ser um
pai/mãe adolescente na contemporaneidade difere do que o foram, pois
acreditam que hoje eles podem contar com mais apoio dos pais devido
às melhores condições financeiras. Os avós/avôs significam a paterni-
dade na adolescência como dificultadora para a conciliação de estudos
e trabalho, entretanto, conferem ganhos positivos com esta experiência,
como o desenvolvimento da maturidade e responsabilidade.

132
exercícios e atribuições sociais da paternidade

Concomitantemente, estava em andamento outra pesquisa cen-


trada na população adulta de um bairro composto por população de
baixa-renda de Florianópolis, que tinha por objetivo investigar os
cuidados paternos em termos de concepções do que representa o pai
na dinâmica familiar e de como é a interação entre pais e crianças no
cotidiano da família. O trabalho reuniu pesquisadores de três abor-
dagens teórico-metodológicas distintas: a Psicologia Evolucionista, a
Teoria Ecossistêmica e a Psicologia Histórico Cultural, e contemplou
a utilização de instrumentos diversificados para coleta de informações
(TONELI; CREPALDI; VIEIRA, 2003).
De modo geral, nesse estudo constatou-se que, embora o pai parti-
cipe nos cuidados aos filhos, a responsabilidade maior ainda está com as
mães, pois são essas, geralmente, que abdicam do trabalho, que adiam
projetos profissionais, os interrompem, ou ainda os abandonam. De
qualquer forma, o cuidado do pai em relação aos filhos é uma atividade
que tem sofrido alterações substanciais ao longo do tempo. Em função
do contexto sócio-histórico e cultural em que vivem, muitos pais preci-
sam rever seus modelos de cuidado. Para isso, precisamos compreender
como as motivações, as demandas sociais e o contexto influenciam na
forma que o pai se relaciona com seus filhos. Nesse sentido, é importan-
te enfatizar a necessidade de suporte emocional para o pai, de informa-
ções sobre suas atribuições, programas de atenção ao pai e de estudos
centrados na visão do pai a respeito de sua experiência.
Entre os sujeitos investigados nas pesquisas desenvolvidas pelo
Margens, identifica-se uma ambiguidade evidente com relação à pater-
nidade. Por um lado, ela aparece de maneira idealizada pelos próprios
homens, os quais falam da possibilidade de ter filhos de uma forma
mais amorosa, mantendo também a ideia de que filho é um sinal evi-
dente de virilidade e de continuidade. Por outro, ela significa perdas
evidentes para os homens – da liberdade de ir e vir, das farras com os
amigos, da despreocupação própria da juventude, dos privilégios que
a posição de filho traz –, e a assunção do que eles chamam de “respon-
sabilidade”. Por vezes a responsabilidade aparece no discurso destes
homens com uma dimensão quase que absoluta: “homem é responsável
por tudo”, “pai tem que ser responsável, tem que cuidar da mãe e do bebê”.
A ambiguidade aparece, também, em outra pesquisa que inves-
tigou homens separados que obtiveram a guarda de seus filhos e os

133
o pai está esperando ?

educaram desde crianças (GONÇALVES, 2002). Nas entrevistas com


seis destes homens, apesar da trajetória bem-sucedida no sentido da
educação dos filhos (cinco deles sem se casarem novamente), a mãe,
invariavelmente, é vista por eles como aquela que tem mais condições
de cuidar dos filhos, que deveria “naturalmente” fazer isto. Esta con-
cepção ainda se manifesta com força entre estes homens que, por outro
lado, afirmam que “tudo na vida se aprende”, sendo que eles aprenderam
a educar sozinhos seus filhos, assim como a desempenhar as outras ati-
vidades incluídas na lida doméstica. Dentre os adolescentes abrigados
entrevistados em outra pesquisa, pode-se identificar também significa-
ções sobre a paternidade que envolvem o prover, o proteger, o discipli-
nar e o cuidar (HOEPFNER, 2003).
Ainda no campo dos sentidos sobre masculinidade e paternida-
de, em diálogo com a psicanálise freudo-lacaniana e teóricos dos es-
tudos de gênero, Adriano Beiras (2007) aponta para as tensões entre
diferentes práticas de ser pai e ser homem, a partir da ruptura de um
modelo ideal hegemônico e novas formas de expressão das paternida-
des e masculinidades. Seu trabalho de campo foi composto por entre-
vistas livres com jovens homens e seus pais.
O autor observa certa permanência quanto ao modelo tradicio-
nal, marcado pelo domínio do homem sobre mulheres e filhos, repre-
sentado pelo poder, riqueza, força e autoridade, e que se mantém como
um ideal a ser seguido.
Outras configurações de família ganham maior destaque e espa-
ço, surgem novas formas de subjetivação, novos referenciais. Ainda as-
sim, esta instituição continua sendo um importante espaço de diálogo
e convívio de diferentes gerações e de distintas concepções de mundo
(BEIRAS, 2007, p. 103).
Os discursos apontam para mudanças, onde o antigo e o novo
coexistem. Neste campo, destaca-se ainda a tese de doutorado de
Juliana Perucchi, defendida em 2008, na qual foram pesquisados os
enunciados da paternidade no discurso jurídico brasileiro, buscando
compreender a discursividade da jurisprudência na produção de sub-
jetividades, e, por sua vez, dos sujeitos pais. Ao pesquisar acórdãos
da jurisprudência brasileira, a autora atenta para os enunciados das
paternidades produzidos nestes discursos que operam nos princípios
da produção de verdades e normalização, nos quais os indivíduos são

134
exercícios e atribuições sociais da paternidade

identificados, avaliados, classificados e reconhecidos como sujeitos das


paternidades.
Os dispositivos jurídicos versam desde as questões de disputa
pela guarda dos filhos (que desde a implementação do novo Código
Civil deixa de ser privilégio da mãe a preferência, entendendo que
os homens também têm direito à guarda), aos direitos reprodutivos
de homens e mulheres, à confirmação ou contestação da paternida-
de, além das decisões sobre situações sociais conflitantes, que, por sua
vez, normalizam as vidas dos sujeitos por meio dos dispositivos legais
do Direito. Na jurisprudência brasileira forjam-se modelos de pater-
nidades e posições de pais ocupadas por indivíduos diversos que se
apropriam das normas instituídas. Assim,

...a paternidade não é uma essência inerente aos homens ou sua


existência em forma concreta. Para que os homens sejam efetiva-
mente inseridos na paternidade, ligada a ela, é necessária uma
série de operações complexas por meio das quais eles se encon-
tram vinculados aos dispositivos de produção dos diferentes e
múltiplos modelos de paternidade. O Direito produz sujeitos
por meio de seus dispositivos. Dispositivos engendrados por re-
lações de poder e formas de funcionamento de saber que se en-
contram firmemente enraizadas naquilo que constitui as relações
sociais no âmbito da paternidade (PERUCCHI, 2008, p. 216).

O que se pode depreender de toda esta discussão é que a paternida-


de ainda é definida como sinônimo de prover e proteger, embora inclua,
contemporaneamente, comportamentos de cuidados. Estes últimos, por
sua vez, mantêm-se associados à mãe de forma inabalável. Responsabili-
dades atribuídas a pais e mães, ainda que existam mudanças nas práticas
sociais em curso, continuam distintas, demonstrando a necessidade de se
discutir melhor estas questões, especialmente, em se considerando as pes-
quisas aqui mencionadas no âmbito das populações jovens.
As conclusões destas pesquisas indicam definições e expectati-
vas sobre os cuidados parentais diferenciadas segundo o gênero dos
sujeitos investigados, demonstrando a urgência de se incluir os ho-
mens nos trabalhos na área, problematizando as relações de gênero
sob a ótica da cidadania nos âmbitos público e privado. Esta perspec-
tiva deve incluir, também, a problematização teórica, uma vez que a
própria definição de cuidados é polissêmica.

135
o pai está esperando ?

Saúde sexual e reprodutiva e o acesso aos serviços de


saúde

Para Olinda Leal e Adriana Boff (1996), a perpetuação da centrali-


dade nas mulheres dos estudos sobre os processos reprodutivos estaria
relacionada ao pressuposto, vigente nas concepções da modernidade
sobre gênero e família, de que os homens estariam associados a esferas
de interesse ligados ao exercício da sexualidade e à atividade produti-
va, enquanto que as mulheres estariam circunscritas aos interesses vin-
culados à reprodução e ao cuidado dos filhos no âmbito privado. Este
pressuposto é o que faz com que, por exemplo, as pesquisas censitárias e
demográficas continuem limitando à mãe as informações sobre os fatos
da vida reprodutiva (LYRA DA FONSECA & MEDRADO, 2000).
Desde que o conceito de direitos reprodutivos foi formulado
como “os direitos das mulheres de regular sua própria sexualidade e
capacidade reprodutiva, bem como de exigir que os homens assumam
responsabilidade pelas consequências do exercício de sua própria se-
xualidade” (AZEREDO & STOLCKE, 1991, p. 16), a “chamada”, pe-
los homens, nas decisões reprodutivas, é uma pauta fundamental das
agendas feministas.
No documento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde
do Homem (PNSH), a ênfase recai no direito à participação no plane-
jamento reprodutivo como forma de “dividir” esta responsabilidade
com a mulher. Cabe ressaltar que, no terreno da saúde sexual e repro-
dutiva, as questões do controle da natalidade, da prevenção das DSTs
e AIDS, do parto e nascimento ainda são entendidas como questões
ligadas às mulheres. Convergem, portanto, a preocupação com os mais
jovens e a inclusão do pai no planejamento familiar como ações que
têm o objetivo comum de potencializar a participação de homens nas
diferentes esferas de cuidados com a saúde – a começar por ele como
um sujeito de direitos à saúde e não apenas como um coadjuvante do
dispositivo familiarista.
Entre 2003 e 2004 foi desenvolvida uma pesquisa intitulada
“Exercício dos direitos sexuais e reprodutivos: caminhos para a construção de
outros olhares sobre os adolescentes”, que, por sua vez, estava dividida em
dois eixos: (1) identificação das concepções e das práticas preventivas
de adolescentes; (2) levantamento sobre informações que adolescentes

136
exercícios e atribuições sociais da paternidade

detêm sobre o corpo e a sexualidade. Os resultados apontam que os


adolescentes (de ambos os sexos, com idades entre 15 e 19 anos, estu-
dantes do ensino médio da rede pública de ensino de Florianópolis e
São José/SC) demonstram ter um bom nível de conhecimento acer-
ca das DSTs/Aids, formas de prevenção, contágio e métodos contra-
ceptivos, visto também em outras pesquisas (ANTUNES et al., 2002;
AYRES, CALAZANS & FRANÇA, 1998). Suas práticas, no entanto,
nem sempre estão de acordo com as informações que possuem, na me-
dida em que muitos se descuidam do uso do preservativo. A confiança
no parceiro aparece com frequência como uma garantia de que estão
protegidos. O uso do anticoncepcional demonstra que alguns jovens
estão mais preocupados com a gravidez do que com as doenças sexu-
almente transmissíveis, pois entendem que a relação monogâmica, o
conhecimento do parceiro e a confiança na fidelidade funcionam, fre-
quentemente, como garantia de prevenção destas doenças.
Algo que chamou atenção foi a posição dos adolescentes quanto
à busca pelas unidades básicas de saúde. O atendimento é considerado
ruim e inadequado, tanto para consultas, como para tirar dúvidas. Os
jovens mencionam também a falta de confiança nas camisinhas dis-
tribuídas, consideradas sem qualidade. Neste sentido, destacamos a
importância do desenvolvimento de campanhas que promovam a con-
fiança da população nos serviços prestados pelo Estado. Tal iniciativa,
provavelmente, será mais eficaz na medida em que abarcar desde um
desenvolvimento de estratégias simples – como a confecção de emba-
lagens mais atraentes para os preservativos –, até a capacitação profis-
sional dos sujeitos responsáveis pela prestação de serviços públicos.
O sucesso dos programas públicos voltados para a saúde repro-
dutiva depende do trabalho conjunto de uma equipe comprometida
com adesão de jovens e adultos às práticas preventivas. Neste sentido,
destacamos a importância do desenvolvimento de políticas localiza-
das, coerentes com as especificidades de cada população e, em última
análise, de cada sujeito.
Sobre o desejo de serem pais apontado por alguns adolescentes,
destacamos o fato de que as campanhas de saúde massificadas volta-
das para o combate às DSTs (geralmente restrito à Aids), na medida
em que insistem em soluções imperativas gerais (“Use camisinha”)
para questões particulares, ignoram os dramas e desejos pessoais dos

137
o pai está esperando ?

sujeitos e esquecem que, em algum momento, no intuito de gerar um


filho, por exemplo, os sujeitos terão de não usar camisinha. O caráter
generalizador das campanhas ignora a intimidade das pessoas e faz
recomendações que não estão de acordo com a garantia dos direitos
reprodutivos dos sujeitos, negando-se as especificidades dos seus pro-
jetos de vida.
Além da multiplicidade de comportamentos contraceptivos cita-
dos pelos sujeitos (coito interrompido, camisinha, pílula, anticoncep-
cional injetável, DIU, etc.) e a multiplicidade de significados descritos
(“usar camisinha é como chupar bala com papel”, “quem não usa camisinha
é porque quer avacalhar com alguém”, etc), há também uma diversidade
de fatores que interferem nas práticas preventivas dos adolescentes.
São esses fatores (acesso à informação, projeto de vida, representação
do uso do preservativo, acesso a serviços de saúde, entre outros) que
devem ser estudados em conjunto para analisar a vulnerabilidade de
adolescentes.
Neste sentido, cabe a nós, estudiosos, a problematização de nos-
sas referências e práticas, para que possamos, só então, conjugar esfor-
ços para identificar e responder a algumas das demandas dos adoles-
centes. Partindo da concepção de que a sexualidade é uma dimensão
da existência humana que vai além da reprodução, faz-se necessário
considerar o seu todo a fim de desenvolver um empreendimento edu-
cativo. Nesse sentido, deverão ser problematizados temas como o pre-
conceito, as negociações de poder que envolvem as relações sexuais,
as assimetrias nas relações de poder entre os sexos, bem como a moral
sexual e cultural que estabelece os lugares ‘apropriados’ a homens e
mulheres, identificando as implicações destas assimetrias nas negocia-
ções atreladas ao exercício da sexualidade destes sujeitos.
Em trabalho realizado sobre a estrutura e o funcionamento de
programas públicos de atendimento pré-natal da região da grande Flo-
rianópolis/SC, Maria Juracy Toneli Siqueira et al. (2002) constataram a
exclusão de jovens pais no acompanhamento da gravidez, visto que de
um total de 63 gestantes entrevistadas, apenas seis pais participaram da
pesquisa, pois em geral as mães vão acompanhadas de outras mulheres
para as consultas. Muitas delas alegaram que a ausência do pai devia-se
ao fato de ele estar trabalhando naquele momento, não podendo com-
parecer. Entre os que estavam presentes, todos manifestaram interesse

138
exercícios e atribuições sociais da paternidade

em acompanhar a gestação do filho. Ainda assim, não estavam (e nem


se sentiam) incluídos nos programas de atenção à gestante, e os que
aguardavam na sala de espera sequer foram chamados para adentrar à
sala de consulta. Os profissionais responsáveis argumentaram que não
há uma atuação do pai, sendo que muitos abandonam as parceiras.
Porém, isto não se confirmou, já que das mães abordadas, 71% viviam
com o pai da criança. Se não existe um envolvimento mais ativo dos
pais durante a gestação, isso não é necessariamente decorrente de uma
falta de interesse, mas da falta de oportunidade e estímulo para incluí-
lo nesse processo, não sendo ele considerado necessário. Quanto a isso
Keijzer (2000) aponta que o problema é que a maioria dos homens não
é capacitada nem sensibilizada para esta tarefa, ou seja, para o domés-
tico e para o desenvolvimento da paternidade com maior equidade.
A dificuldade de acesso aos serviços de pré-natal e durante o nas-
cimento da criança foi apontada também na pesquisa multicêntrica re-
alizada a partir de 2007 – Homens nos serviços públicos de saúde: rompendo
barreiras culturais, institucionais e individuais em Florianópolis. Foi escolhido
como campo principal o Hospital Universitário da Universidade Fede-
ral de Santa Catarina, por este ser uma unidade hospitalar de referência
pública e de clientela do SUS no Estado. Foram realizadas onze entrevis-
tas semiestruturadas com profissionais de saúde que ali atuavam, sendo
cinco homens (quatro médicos e um enfermeiro) e seis mulheres (uma
psicóloga, uma assistente social, quatro enfermeiras), priorizando-se os
profissionais que trabalhavam nos programas/serviços de saúde sexual
e reprodutiva, mapeados com a ajuda de duas das profissionais entre-
vistadas. Com o intuito de identificar as expectativas e necessidades dos
usuários homens, foram realizados grupos focais, num total de três, di-
vididos por faixas etárias (15-19, 20-29, 30-49).
Os/as profissionais entrevistados demonstraram uma preocupa-
ção em abrir espaço para o pai nos trabalhos de pré-natal, nascimento e
pós-natal, alguns centrados na perspectiva de apoio à gestante, sendo
que outros trouxeram uma noção de que é direito e um desejo do pai
esse acompanhamento. Alguns profissionais destacaram a importân-
cia desse primeiro envolvimento como um fator positivo na vivência da
paternidade e no relacionamento com a parceira nos momentos subse-
quentes ao parto. No que concerne ao exercício dos direitos reproduti-
vos, alguns profissionais clamaram por um trabalho a ser desenvolvido

139
o pai está esperando ?

diretamente com os homens, de maneira a fornecer informações acerca


de métodos contraceptivos, período gestacional, bem como de orientá-
los para o momento do parto e para os cuidados com a criança. Apare-
ceu também em suas falas a dificuldade do pai em estar presente du-
rante o nascimento, porém, atentam para a necessidade de prepará-lo
para este momento, inclusive emocionalmente.
Os serviços de saúde sexual e reprodutiva que deveriam ser des-
tinados aos homens surgem como sendo os mesmos que existem ou
deveriam existir para as mulheres. Muitos entrevistados trouxeram a
necessidade de um setor destinado ao atendimento dos adolescentes,
independentemente do sexo. Isto devido à dificuldade que os profis-
sionais têm em lidarem com tal faixa etária, necessitando, portanto, de
uma equipe multiprofissional capacitada, assim como pela inexistên-
cia de tal serviço no Hospital Universitário, o qual possui somente um
médico-pediatra que atende tal população.
É interessante notar que os homens entrevistados referiram-se,
principalmente, às questões estruturais, bem como à criação de progra-
mas específicos para os homens, sendo que tais programas deveriam
ser ampliados para as comunidades, por meio dos postos de saúde e
associações de moradores. Para esta ampliação sugeriram o trabalho
em grupos para orientação e sensibilização dos homens. No entanto,
apontaram a dificuldade em realizar esses programas se o hospital não
tiver como absorver a demanda gerada, por isso a necessidade de, em
paralelo, ter a criação e fomentação de programas voltados para os
homens nos hospitais.

Considerações finais

Após esse conjunto de trabalho, pode-se afirmar que, partindo


da força do enunciado da diferença sexual, a cartografia das diferenças
entre homens e mulheres em relação às práticas de saúde e cuidados
apresenta dois importantes dispositivos analíticos. O primeiro deles
é o corpo, como o estádio em que os embates simbólico-culturais se
estabelecem (SCOTT, 2005). O corpo tem sua centralidade na medida
em que se movimenta tanto pelas ordens do cultural e do natural, am-
bas entendidas como atos performativos contingentes na produção/
repetição/manutenção do gênero binário (BUTLER, 2003). Em relação

140
exercícios e atribuições sociais da paternidade

à saúde masculina, é pelo corpo que fica visível a não inteligibilidade


e vulnerabilidade deste na saúde, como também é somente nele que se
investe a ponto de tornar este corpo-homem vulnerável e viável para
a implantação e implementação de uma política pública ao alcance de
seus objetivos.
O segundo dispositivo é o conceito polifônico de saúde, “verda-
de e utopia do corpo, [...] direito e ansiedade face ao risco” (COURBIN,
COURTINE & VIGARELLO, 2008). O caráter performativo da diferen-
ça sexual (BUTLER, 2003) incide sobre a divisão binária dos cuidados
com a saúde, em que as mulheres são concebidas como cuidadoras por
excelência e os homens estariam tão afastados dos cuidados quanto
estão dos serviços públicos. Entra em cena a doença que mantém com
a saúde uma relação de dependência constituinte –, numa breve alusão
ao célebre O Normal e o Patológico, de Georges Canguilhem (1978).
Os enunciados das pesquisas inscrevem a sexualidade nas ordens
da natureza/cultura e do privado/público, evocando a família medi-
calizada-medicalizante (FOUCAULT, 1985) como peça-chave do dispo-
sitivo da sexualidade e contingência na qual a problemática em ques-
tão está inscrita. À natureza atrelam-se os significantes: reprodução,
feminino, maternidade, sensibilidade, cuidado, família, privado, e que,
segundo a maioria dos entrevistados em nossas pesquisas, a mulher é
mais cuidadosa e cuidadora. À cultura: provedor, masculino, poder pater-
no, racionalidade, público. Se, de um lado, vemos crescer a consistência
de um corpo “naturalmente” gerador da vida e, portanto, amplamente
conhecido, observado, acompanhado e medicalizado pelos saberes da
ginecologia, pediatria e puericultura; de outro, não vemos corpo algum,
a não ser no que a própria presença gera de problemas.
Dotado de uma cultura “embutida” em seu próprio corpo, numa
linguagem que se aproxima à de Judith Butler em entrevista a Baukje
Prins & Irene Meijer (2002, p. 163), quando afirma que “os corpos na
verdade carregam discursos como parte de seu próprio sangue”, o fe-
minino excede em significantes que o inscrevem no exercício de gover-
nabilidade da vida. A preocupação com a saúde estava incluída neste,
que era o plano diretor da família nuclear moderna, executado e dirigi-
do pela mulher, alçada à condição de sujeito privilegiado para tratar
destas questões. “Vale dizer, a figura da mulher-mãe se incumbia do
espaço privado da família e das bordas dessa, nas suas articulações

141
o pai está esperando ?

com as instituições médica e pedagógica” (BIRMAN, 2007, p. 50). Se-


gundo Birman,

a libido feminina se condensava na gestão da ordem familiar, nas


conjunções dessa com as instituições médica e escolar. A figura
do pai ficava a salvo disso, protegido que era pela sua inserção
no espaço público (2007, p. 52).

Com relação ao eixo “direitos sexuais e direitos reprodutivos”,


desde que o conceito de direitos reprodutivos foi formulado como “os
direitos das mulheres de regular sua própria sexualidade e capacidade
reprodutiva, bem como de exigir que os homens assumam responsa-
bilidade pelas consequências do exercício de sua própria sexualidade”
(AZERÊDO & STOLCKE, 1991, p. 16), a “chamada” pelos homens nas
decisões reprodutivas é uma pauta fundamental das agendas femi-
nistas. Ainda na década de 1990, os eventos promovidos pela ONU,
como a Conferência sobre População e Desenvolvimento, realizada no
Cairo, em 1994, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada
em Beijing, em 1995,1 já indicavam, em caráter de urgência, a necessi-
dade de inclusão de homens na arena das discussões, investigações
e intervenções nas políticas voltadas às mulheres (SIQUEIRA, 2000).
A ênfase recai no direito à participação no planejamento reprodutivo
como forma de “dividir” esta responsabilidade com a mulher, confor-
me indica o trecho da Política de Atenção Integral à Saúde do Homem,
do governo brasileiro:

Faz-se necessário superar a restrição da responsabilidade sobre as


práticas contraceptivas às mulheres, assegurando aos homens o
direito à participação no planejamento reprodutivo. A paternida-
de não deve ser vista apenas do ponto de vista da obrigação legal,
mas, sobretudo, como um direito do homem a participar de todo
o processo, desde a decisão de ter ou não filhos, como e quando
tê-los, bem como do acompanhamento da gravidez, do parto, do
pós-parto e da educação da criança (PNAISH, 2008, p. 20).

1 Além das conferências, destacam-se ainda: o Programa de Ação da Cúpula Mun-


dial sobre Desenvolvimento Social (1995); a Vigésima Sexta Sessão Extraordinária
da Assembleia Geral sobre HIV/AIDS (2001); a Comissão das Nações Unidas so-
bre o Status da Mulher (CSW), na sua sessão de 48 (2004).

142
exercícios e atribuições sociais da paternidade

Dito de outro modo, o que estamos assistindo é o fortalecimento


e a mobilização do significante homens em favor de uma produção al-
ternativa (BUTLER, 2003), uma ressignificação contingencial que não
mais aquela sustentada sobre as bases do patriarcado, segundo discute
Rita de Cássia Flores Müller (2008). O que está em jogo, portanto, são
as linhas de força que constituem outras formas de subjetivação do
masculino na contemporaneidade, tendo como recorte empírico deste
texto o campo da saúde coletiva no Brasil nestas ações regionais inte-
gradas. Conforme uma das diretrizes da PNAISH (2008), isto implica:
“reorganizar as ações de saúde, através de uma proposta inclusiva, na
qual os homens considerem os serviços de saúde também como es-
paços masculinos e, por sua vez, os serviços de saúde reconheçam os
homens como sujeitos que necessitem de cuidados”.
A paternidade é um dos vetores que põem em funcionamento a
máquina que precisa ser humanizada, seja porque denuncia o fato de
que esta está a serviço da produtividade/produção simbólicas (produ-
ção da família nuclear, produção/manutenção do homem provedor,
produção da onipotência), seja porque precisa se desvencilhar das acu-
sações que recaem historicamente sobre o pai, o “homem-problema”
para o exercício da saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Confor-
me o texto da PNAISH:

Faz-se necessário superar a restrição da responsabilidade sobre


as práticas contraceptivas às mulheres, assegurando aos homens
o direito à participação no planejamento reprodutivo. A paterni-
dade não deve ser vista apenas do ponto de vista da obrigação
legal, mas, sobretudo, como um direito do homem a participar
de todo o processo, desde a decisão de ter ou não filhos, como e
quando tê-los, bem como do acompanhamento da gravidez, do
parto, do pós-parto e da educação da criança (2008).

O caminho do projeto de responsabilização tem na educação


não apenas uma de suas diretrizes como “promotor de novas formas
de pensar e agir” (PNAISH, 2008, p. 37), mas também como “estraté-
gia para promover mudanças comportamentais indispensáveis à con-
solidação das ações propostas” (PNAISH, 2008, p. 9). No entanto, as
pesquisas aqui relatadas apontam que os cuidados de um filho ainda
são vistos, por parte dos usuários do sistema de saúde, dos pais, dos

143
o pai está esperando ?

profissionais e dos familiares em geral, como responsabilidade pre-


dominante da mãe, estando a paternidade num plano secundário em
vários discursos pulverizados na cultura brasileira.
Deste modo, pesquisadores vêm investigando paternidades a
fim de contribuir para construção de políticas públicas para incenti-
var a implicação dos pais nos cuidados com o filho. Ainda que este
fenômeno guarde contornos singulares e múltiplos, faz-se necessário
pensar uma maior equidade de gênero nos cuidados com filhos.
Para isso, ainda há um longo percurso a ser trabalhado e consoli-
dado no intuito de implementar novas políticas de equidade entre ho-
mens e mulheres, neste caso, no âmbito dos direitos sexuais e direitos
reprodutivos. A implicação e a capacitação dos profissionais dos servi-
ços de saúde mostram-se especialmente importantes para ajudar a fazer
com que homens e mulheres comprometam-se no cuidado com filhos.
Atualmente os pesquisadores e os profissionais envolvidos com as
políticas públicas já reconhecem um maior engajamento dos homens na
experiência da paternidade, porém este reconhecimento ainda se mostra
insuficiente para que os pais sejam efetivamente acolhidos e incluídos
nos serviços de saúde. As lógicas binárias e heteronormativas parecem
continuar se perpetuando em processos de territorialização e feminiliza-
ção da saúde sexual e reprodutiva, sendo que esta última ainda é vista
como problema predominantemente das mulheres heterossexuais.
Para que as políticas públicas nessa área avancem na direção de
uma maior equidade de gênero, os desafios que as questões culturais
de gênero e dos diversos exercícios da sexualidade humana colocam
devem ser enfrentados, exigindo ações mais propositivas e menos pres-
critivas que possibilitem mudanças também em âmbito institucional.

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148
a atenção à mãe adolescente e ao
seu companheiro: a perspectiva dos
profissionais de uma unidade básica
de saúde de vitória/es

Zeidi Araújo Trindade


Sibelle Maria Martins de Barros
Eduardo Coelho Ceotto
Kirlla Cristhine Almeida Dornelas

A experiência da gravidez na adolescência foi se constituindo, ao


longo dos anos, como um problema social e de saúde pública. Uma vez
adquirindo tal estatuto, surgiram esforços dos poderes públicos, de en-
tidades nacionais e internacionais e da sociedade civil para prevenir a
gravidez ou minimizar as consequências deste fenômeno (HEILBORN
et al., 2002). Esta crescente preocupação apoia-se principalmente na
concepção de adolescência como uma fase de mudanças, instabilida-
des e impulsividades que caracterizam a imaturidade psicológica. Tal
forma de perceber o adolescente tem sido, por muitos anos, geradora
e fortalecedora de discursos que salientam apenas os riscos e fatores
negativos da maternidade e da paternidade nesta fase. De acordo com
o Ministério da Saúde:

[...] a gravidez na adolescência tem sido considerada uma situa-


ção de risco e um elemento desestruturador da vida de adoles-
centes e, em última instância, como elemento determinante na
reprodução do ciclo de pobreza das populações ao colocar impe-
dimentos na continuidade de estudos e no acesso ao mercado de
trabalho, sobretudo entre as adolescentes (2006, p. 17).

De acordo com Gonzales e Guareschi (2008), para cada momento


histórico apresenta-se uma ideia iconizada da juventude que passa a
valer como modelo de análise do jovem concreto em suas relações. A

149
o pai está esperando ?

visão hegemônica do modo de ser jovem, ao ser naturalizada no ima-


ginário social, oculta os processos de produção dos sentidos que ocor-
rem em condições históricas e culturais específicas. Os autores ainda
argumentam que o surgimento da concepção de juventude articulou-
se com o discurso político e acadêmico que se ancorava na chamada
“juventude transviada”, dos Estados Unidos, ou nos rebeldes sem
causa da Europa. Sendo assim, o discurso sobre os jovens salientava
transgressões, crises, excessos, conflitos e explosões. Com o passar dos
anos, esse discurso foi reforçado por teorias científicas e pelo discur-
so acadêmico, os quais assinalavam estas características juvenis como
causa dos problemas sociais. A Psicologia, por sua vez, reforçou esse
discurso ao ordenar e objetivar a juventude em uma ordem social que
a situa em uma fase de transição entre a infância e a maturidade do
período adulto.
Bock (2007) afirma que o psicólogo, ao exercer seu trabalho a
partir da concepção naturalizante de adolescência, perde a oportuni-
dade de contribuir para a construção de políticas públicas voltadas à
juventude e para a ressignificação desta fase, o que poderia fornecer
parâmetros para novas formas de relacionamento em que o jovem se-
ria um parceiro social. Todavia, para que isso aconteça, deve-se com-
preender a adolescência como um período do desenvolvimento com
características construídas nas relações sociais e nas formas de produ-
ção da sobrevivência, distanciando-se, portanto, da ideia de fenôme-
nos apriorísticos.
Trindade e Menandro (2002) discutem a importância de se des-
vendar estereótipos, assim como desnaturalizar processos de materni-
dade, paternidade e adolescência, no intuito de negar e transformar as
práticas excludentes. Dadoorian (2003) reforça o debate ao questionar
o enfoque tradicional que relaciona a gravidez na adolescência como
experiência indesejada e decorrente de desinformação sexual das jo-
vens. A autora também alerta para a necessidade de se conhecer os
significados da maternidade e suas implicações para cada sujeito, uma
vez que os adolescentes também são sujeitos de direitos. Mesmo com
dados como os de Nóbrega (1995), mostrando que para muitas adoles-
centes grávidas das classes populares a maternidade é desejada, valo-
rizada e idealizada, ainda que em descompasso com suas condições
concretas de existência, persiste nos meios acadêmicos e no campo da

150
a atenção à mãe adolescente e ao seu companheiro

saúde a concepção de “experiência indesejada”.


Falar sobre adolescência implica levar em consideração váriáveis
como gênero, classe social e contexto histórico-cultural (TRAVERSO-
YÉPEZ; PINHEIRO, 2002). A partir de uma perspectiva socioantropo-
lógica sobre a gravidez na adolescência, Heilborn et al. (2002) demons-
tram a heterogeneidade desta experiência utilizando como categorias
de análise a classe social e o conceito de gênero. Segundo os autores,
geralmente se atribui à gravidez na adolescência a causa para a evasão
escolar ou irregularidades nas carreiras, contudo, quando se considera
a classe social, percebe-se que, com adolescentes pobres, isso acontece
independentemente do advento da parentalidade. Levando em con-
sideração o gênero, pode-se dizer que as adolescentes pobres muitas
vezes têm que cuidar de familiares ou realizar serviços domésticos re-
munerados, o que termina por afastá-las do mundo exterior, e, portan-
to, da escola, e circunscreve-as no universo doméstico antes mesmo da
experiência da maternidade.
Apesar dos estudos demonstrarem a importância de se conside-
rar adolescência e/ou juventude como categorias que são construídas
nos diferentes contextos sócio-culturais, a ideia de adolescência como
fase caracterizada pela imaturidade, rebeldia e irresponsabilidade ain-
da parece estar fortemente arraigada no imaginário social. Tais ideias,
geralmente com conotação negativa, têm respaldado orientações, es-
tratégias e ações em saúde com foco na prevenção e na diminuição dos
agravos que tais experiências podem ocasionar:

O atendimento humanizado e de qualidade no pré-natal, no par-


to e no puerpério é fundamental para diminuir esses agravos. É
importante, ainda, a inclusão de medidas de prevenção e pro-
moção da saúde, em vez da assistência estritamente biológica e
curativa (BRASIL, 2005).

A preocupação com o atendimento humanizado e com a pro-


moção da saúde do adolescente, que envolveria a contextualização da
experiência que vive cada um, não vem sendo suficiente para produzir
ações que reconheçam e utilizem, por exemplo, o sistema conjugal e
familiar do qual a adolescente faz parte, assim como possíveis aspectos
positivos da gravidez. Melo e Coelho (2011), em pesquisa com pro-
fissionais que trabalhavam com gestantes adolescentes, por meio da

151
o pai está esperando ?

Estratégia de Saúde da Família (ESF) e do Programa de Agentes Co-


munitários de Saúde (PACS), verificaram que existe um descompasso
entre o discurso e a prática concreta desses profissionais, sendo esta
exercida ainda com base no modelo biomédico. No trabalho desen-
volvido, as autoras observaram que as adolescentes eram atendidas
de modo impessoal e a consulta era orientada pelo modelo normativo,
havendo ênfase nos protocolos institucionais em detrimento das es-
pecificidades das adolescentes. Este fato denota, segundo as autoras,
a dificuldade dos profissionais em concretizarem a dimensão política
transformadora nos atos de cuidados cotidianos. É perceptível o não
reconhecimento do adolescente como um sujeito de direitos e, talvez
por isso, o cuidado direcionado a esta parcela da população termina
sendo uma ação pautada no assistencialimo ou na burocracia, quando
deveria ser uma ação em busca da afirmação da cidadania. Como afir-
mam Pinheiro e Guizard:

Quando nos reportamos à noção de cuidado, não a apreende-


mos como um nível de atenção do sistema de saúde ou como um
procedimento técnico simplificado, mas como uma ação integral,
que tem significados e sentidos voltados para a compreensão de
saúde como o direito de ser (2006, p. 21).

De acordo com o documento base da Política Nacional de Huma-


nização (PNH), humanização diz respeito à valorização dos sujeitos que
estão implicados no processo de produção de saúde (BRASIL, 2008).
Esta valorização concretiza-se pelo aumento do grau de corresponsabili-
dade na produção de saúde por parte de todos e na produção de sujeitos
autônomos, capazes de opinar, tomar decisões e de cuidar de si.
Para Deslandes (2004), a humanização está representada pela
oposição à violência, pela superação da negação do outro e pelo re-
conhecimento da alteridade, assim como pela capacidade de oferecer
atendimento de qualidade, articulando os avanços tecnológicos com
o bom relacionamento. Reis, Marazina e Gallo (2004) compreendem a
proposta de humanização como uma possibilidade política de alterar
a lógica utilitária e promover espaços de libertação capazes de legiti-
mar as ações dos profissionais de saúde, gestores e usuários a partir
da consideração de dimensões subjetivas e singulares. Contudo, de
acordo com os autores, frequentemente a dimensão política, inerente a

152
a atenção à mãe adolescente e ao seu companheiro

esta proposta, é ofuscada por ações que refletem atitudes paternalistas


geralmente dirigidas ao usuário, o que reforça a dependência e não
o protagonismo do mesmo. A proposta de humanização às vezes se
restringe à melhoria do espaço físico, à instalação de grupos de aco-
lhimento de pacientes com patologias específicas ou trabalhos sobre
aleitamento, por exemplo. Seguindo esta mesma linha de argumenta-
ção, Benevides e Passos (2005) denunciam que a humanização muitas
vezes é expressa em ações fragmentadas baseadas em entendimentos
imprecisos e frágeis do conceito. Seus sentidos parecem estar ligados
ao voluntarismo, ao assistencialismo, ao paternalismo ou mesmo ao
tecnicismo de um gerenciamento sustentado na racionalidade admi-
nistrativa e na qualidade total. Assim, várias propostas que parecem
demonstrar o comprometimento com a humanização, geram, na ver-
dade, uma mudança superficial na assistência.
Considerando, então, a literatura, e tendo como base a PNH,
percebe-se que o trabalho com adolescentes e jovens exige uma res-
significação das ideias relacionadas à adolescência e à juventude, uma
vez que geralmente é negado a esta categoria o direito de participar
e decidir questões relacionadas à produção de saúde. Em relação aos
direitos sexuais e reprodutivos, Toneli (2006) ressalta o paradoxo exis-
tente entre a proposta de autonomia e a concepção de adolescência,
que traz a ideia de incapacidade de cuidar de si.
Para Oliveira e Lyra (2008), as propostas preconizadas pela Po-
lítica Nacional de Atenção Integral à Saúde dos Adolescentes ainda
encontram obstáculos. Dentre eles destaca-se o fato de profissionais
compartilharem representações de adolescência que dificultam a atu-
ação a partir da perspectiva da afirmação do sujeito de direitos, já que
são considerados irresponsáveis e imaturos, sem capacidade para
tomar decisões conscientes no campo da sexualidade e reprodução.
Além disso, os valores morais e religiosos dos profissionais dificultam
a formação do vínculo, e, consequentemente, a concretização da pro-
posta de acolhimento, pois o exercício da sexualidade por parte dos
adolescentes não é valorado positivamente.
Outro ponto que merece ser repensado diz respeito à utilização
frequente da perspectiva individual e da ênfase dada unicamente aos
aspectos biológicos nas práticas de saúde, o que denuncia a vigência
do modelo biomédico, mesmo diante do movimento atual a favor da

153
o pai está esperando ?

integralidade. No caso das gestantes adolescentes, a atenção dos pro-


fissionais ainda parece estar voltada para o processo biológico da ges-
tação, o que leva a não identificação de outras necessidades, contextos
e pessoas significativas, como o pai (adolescente ou não), que também
tem o direito de receber apoio dos serviços de saúde para exercer a
paternidade. A dinâmica familiar e a rede de apoio social do casal de-
veriam ser consideradas quando se pretende atuar com a saúde da
família. Todavia, atua-se com a família a partir de uma perspectiva
individual e não sistêmica e psicossocial.
Diante deste panorama, o processo de construção e implementa-
ção da integralidade, diretriz básica do Sistema Único de Saúde (SUS),
representa o maior desafio da saúde no Brasil, como discute Kell (s.d).
Desafio principalmente cultural, que tem como objetivo romper for-
mas cristalizadas de compreensão e práticas em saúde que reprodu-
zem continuamente padrões de intervenção que já se tornaram tradi-
ção. De acordo com a autora, a integralidade representa uma crítica
à atitude médica fragmentária, às práticas dos profissionais que não
reconhecem o conjunto das necessidades de ações e serviços de saúde
e à organização dos serviços e das práticas de saúde que separa saúde
pública e práticas assistenciais ou saúde coletiva e atenção individual.
A integralidade também diz respeito ao modo de organizar o processo
de trabalho em saúde para que se responda às necessidades de um
grupo populacional, articulando a demanda espontânea com a oferta
programada de atenção. Também se refere à articulação entre atenção
básica e atenção especializada, possibilitando ao usuário acesso aos
diversos níveis de atenção. Por fim, a integralidade se realiza na cons-
trução de políticas voltadas aos grupos populacionais específicos que
articulem os diversos espaços e ações para solucionar uma determina-
da questão em saúde.
Mendes, Lewgoy e Silveira (2008) argumentam que a perspectiva
da integralidade não permite a fragmentação da saúde e requer uma
visão que se propõe a compreendê-la a partir da interface entre várias
disciplinas, ou seja, a partir da interdisciplinaridade. Assim, para a com-
preensão de um fenômeno, devem-se integrar diferentes informações
e conhecimentos de áreas distintas, com estratégias metodológicas va-
riadas. Segundo Romano (1999), todas as ciências têm uma especifici-
dade que diz respeito ao seu corpo de saber, mas, isoladamente, esta

154
a atenção à mãe adolescente e ao seu companheiro

especificidade não dá conta do real que se caracteriza como integrado


e multifacetado. O trabalho em equipe configura-se, então, como uma
estratégia importante para uma mudança cultural da atenção à saúde
e reorganização dos processos de trabalho quando se pretende uma
abordagem mais integral e de mais qualidade.
Em se tratando da saúde de jovens e adolescentes, Pelaez Men-
donça (2008) reconhece que esses grupos enfrentam muitos desafios
e dificuldades, os quais precisam ser abordados por vários pontos de
vista para que seja possível dar respostas às questões complexas que
se apresentam no trabalho com os mesmos. As questões relacionadas
à saúde sexual e reprodutiva necessitam de intervenções que tenham
como aporte abordagens que assumam a saúde como um direito hu-
mano fundamental. No escopo dessa discussão, defende-se que as es-
tratégias voltadas à parentalidade adolescente, tendo em vista os vá-
rios fatores e atores sociais em jogo, devem estar pautadas em uma
perspectiva interdisciplinar e orientadas por conhecimentos que res-
peitem a complexidade peculiar dessa vivência no campo da saúde.
Tendo como base também a ideia defendida pelo governo (BRASIL,
2006) de que a saúde refere-se a um processo de garantia de condições
amplas de qualidade de vida, satisfação pessoal e fortalecimento para
a vida social , os serviços de saúde têm o dever de apoiar a gestante
adolescente e seu companheiro ao longo da experiência da materni-
dade e da paternidade. Não se pode esquecer, contudo, que mesmo
que as políticas públicas preconizem a atenção ao pai e que o direito
à paternidade seja atualmente considerado uma demanda de saúde, o
homem ainda continua excluído do cenário da saúde reprodutiva. Se
isso ocorre com o homem adulto, com o adolescente a situação é ainda
mais precária (TONELI, 2006).
As políticas públicas de saúde voltadas aos adolescentes e jovens
têm por objetivo, entre outros, direcionar as práticas dos profissionais
envolvidos com essa população no intuito de suplantar realidades
adversas, promover e reforçar potencialidades. Todavia, caso não se
questione a concepção de adolescência e juventude e não se reconheça
o protagonismo destes atores, os profissionais correm o risco de conti-
nuar a prescrever normas e comportamentos considerados adequados
para os adultos, mas não condizentes com as diversas realidades e for-
mas de ser dos adolescentes.

155
o pai está esperando ?

Autores têm ressaltado a linha ilusória entre o conhecimento téc-


nico e o conhecimento do senso-comum. As representações sociais so-
bre as relações de gênero, a maternidade e a paternidade influenciam
na formação de estereótipos nos quais os profissionais se orientam na
condução de suas práticas (OLIVEIRA, 2011; TRINDADE, 1998). Deste
modo, os saberes do senso-comum terminam orientando as ações dos
profissionais gerando preconceito e exclusão.
Tendo em vista tais processos e considerando que a gravidez/
maternidade na adolescência é alvo de discussões controversas, sen-
do as adolescentes e seus companheiros muitas vezes marginalizados,
realizou-se uma pesquisa com o objetivo de compreender como os pro-
fissionais compreendem este fenômeno e como orientam suas práticas
de saúde para lidar com essa questão.

A pesquisa com profissionais de uma Unidade Básica


de Saúde

Os dados a serem discutidos dizem respeito a uma investigação re-


alizada com profissionais que participam do Programa de Saúde da Famí-
lia de uma Unidade Básica de Saúde, em uma região de Vitória-ES.
Foram entrevistados seis profissionais, três do sexo feminino e
três do sexo masculino, com idade entre 26 a 52 anos e tempo de traba-
lho entre 3 a 15 anos. Com relação ao nível de escolaridade, dois par-
ticipantes tinham o ensino médio completo e os outros tinham ensino
superior completo. Como prática religiosa, três profissionais afirma-
ram ser católicos, dois eram evangélicos e um não tinha religião.
Inicialmente solicitou-se o consentimento da gerente da institui-
ção para a realização da pesquisa, utilizando como recurso a carta de
aprovação do Comitê de Ética. Após a explicação do termo de consen-
timento e da concordância dos profissionais em participar da pesquisa,
iniciou-se a realização das entrevistas individuais na própria institui-
ção. O roteiro de entrevista semiestruturado abordava questões como:
serviços disponíveis na unidade; demandas direcionadas à instituição;
o trabalho com as gestantes adolescentes e seus companheiros; a parti-
cipação do companheiro da adolescente e as ações voltadas ao planeja-
mento familiar. Em um momento posterior, os dados foram analisados

156
a atenção à mãe adolescente e ao seu companheiro

a partir da proposta da análise do conteúdo, especificamente a análise


temático-categorial (OLIVEIRA, 2008).
Como comentado acima, procurou-se caracterizar os serviços
disponíveis pela Unidade Básica de Saúde (USB) estudada. De acordo
com os relatos dos entrevistados, foi identificada uma variedade de
serviços oferecidos que são desenvolvidos dentro e fora da instituição,
como: consultas individuais e agendadas com diversos profissionais
(focalizando os hipertensos, diabéticos, idosos, gestantes e crianças);
atendimentos de urgência (dor de cabeça, dor no pé); intervenções
grupais (planejamento familiar); dispensação de medicamentos; vaci-
nação; nebulização; aferição de pressão e glicemia; curativos e marca-
ção de especialidades.
Visitas domiciliares e iniciativas intersetoriais, como um grupo
voltado para hipertensos e o serviço de orientação ao exercício físico,
são consideradas ações que acontecem fora do principal locus de in-
tervenção, a UBS, mas que estão também sob a responsabilidade dos
profissionais da atenção básica. O relato de um participante mostrou
preocupação em assegurar os direitos dos usuários por meio do traba-
lho em rede, que acontecia, por sua vez, pela articulação dos serviços
da Unidade com outros serviços de órgãos governamentais e não go-
vernamentais. Apesar dessas iniciativas, o trabalho interdisciplinar e
intersetorial ainda não é a norma no conjunto de atividades realizadas,
pois apenas este profissional fez menção ao trabalho em rede ao falar
de seu cotidiano de trabalho. Os demais profissionais ainda tomam
como princípio norteador de suas práticas o modelo biomédico que
tem como foco o indivíduo e os conhecimentos advindos de sua espe-
cialidade, apesar de haver reuniões da equipe de saúde.
Para Costa (2007), as UBS ainda não conseguiram incorporar
uma atitude interdisciplinar que vá além do encaminhamento entre
profissionais e reuniões burocráticas para uma prática de atenção in-
tegral. Os dados desta pesquisa parecem confirmar essa realidade. A
construção de redes de produção de saúde constitui-se um desafio
para os profissionais, mas também é uma estratégia que pode pro-
porcionar várias respostas frente às questões de saúde caracteristica-
mente multicausais com as quais lidam diariamente. Como discutem
Hartz e Contandriopoulos (2004), os profissionais ou serviços isolados
não possuem condições e competências para resolver isoladamente

157
o pai está esperando ?

os problemas de saúde. Contudo, esta estratégia de produção de saúde


apenas pode ser efetivada quando ocorrer a ampliação da comunicação
entre os atores implicados e envolvimento destes atores com os serviços,
movimentos e políticas sociais, em um processo que articule gestão e as-
sistência (BRASIL, 2009). As políticas públicas de saúde impulsionam a
organização do sistema de saúde para atender determinada população e
deveriam viabilizar a construção de redes para atender a população ado-
lescente, em suas diferentes demandas, o que não vem acontecendo.
Segundo os participantes, a organização dos serviços prestados
na unidade de saúde depende das necessidades da região. Este princí-
pio organizador está de acordo a Política Nacional de Atenção Básica
que recomenda o diagnóstico situacional da região (BRASIL, 2006). Ge-
ralmente, os agentes comunitários de saúde identificam as necessida-
des e as informam durante as reuniões de equipe. As recomendações
da Estratégia de Saúde da Família foram citadas por dois profissionais
e a Política Nacional de Promoção da Saúde foi comentada apenas por
um deles. Reconhecer a realidade local é, sem dúvida, um fator impor-
tante para o planejamento das ações, entretanto, as práticas de cuida-
dos devem estar respaldadas pelas políticas públicas de saúde e por
outros documentos oficiais propostos pelo Ministério da Saúde, não
separando clínica e política e nem gestão e atenção. Outro ponto me-
recedor de destaque foi ausência de referência à Política Nacional de
Humanização, principalmente entre os profissionais que já tinham ex-
periência anterior na área da saúde. Este dado remete à necessidade de
discussões sobre a formação e qualificação de profissionais que atuam
na área. Oliveira et al. (2008) mostram a distância entre o processo for-
mal das políticas e a prática cotidiana dos profissionais na construção
da relação profissional-cliente e da estrutura do atendimento. Com
base nos dados, os autores reforçam a necessidade de maior articula-
ção entre os documentos oficiais e a prática dos profissionais da saúde
pública brasileira na produção de saúde. O que se conclui é que a mera
existência de boas políticas de saúde não garante automaticamente sua
aplicação; elas precisam chegar até os profissionais para que possam
ter uma prática alinhada com as políticas governamentais. Parece que
se tem um hiato entre os dois momentos que deveriam ser produzidos
em conjunto: a construção das políticas e a qualificação dos profissio-
nais da área de saúde.

158
a atenção à mãe adolescente e ao seu companheiro

No que concerne especificamente ao trabalho com as adolescen-


tes gestantes, algumas questões foram investigadas, como o acesso ao
serviço de saúde, o trabalho com esta população e a participação do
companheiro/pai da criança.
De acordo com os relatos, as adolescentes grávidas chegam aos
serviços da Unidade Básica de Saúde (UBS) por diferentes caminhos,
porém, a maioria chega por demanda espontânea ao perceber a possi-
bilidade de gravidez. Uma segunda forma de ingresso à UBS é o enca-
minhamento de algum membro da equipe, principalmente dos agentes
comunitários de saúde (ACS), responsáveis pela identificação de adoles-
centes grávidas. Como acreditam que algumas adolescentes costumam
esconder a gravidez, cabe ao ACS verificar, durante as visitas, os possí-
veis casos de gestação e encaminhá-las para o atendimento na UBS. Os
ACS atuam como um elo entre a UBS e a comunidade, produzindo a
integração entre as necessidades da comunidade e as demandas de ser-
viços da UBS (MARTINES; CHAVES, 2007; MENDES; CEOTTO, 2011).
Cabe a ele, então, a busca ativa pelas adolescentes em situação de gravi-
dez, viabilizando assim a sua inserção na atenção básica.
As formas pelas quais as adolescentes entram em contato com
cada profissional também variam entre demanda espontânea e indica-
ção de profissional da unidade, incluindo a indicação específica de um
membro da equipe após identificação da adolescente durante as visitas
domiciliares. Em relação à demanda espontânea, destaca-se a procura
pelo exame de gravidez, consulta pré-natal e informações sobre seus
direitos. A demanda destinada à Psicologia, em particular, ocorre por
indicação dos outros profissionais quando identificam algum fator
emocional que deva ser trabalhado com a adolescente.
Destacamos aqui a importância do Programa de Agentes Comu-
nitários de Saúde (PACS) no âmbito da Estratégia de Saúde da Família,
por representar uma possibilidade de atenção pautada pela integrali-
dade, na medida em que, como defendem Melo e Coelho (2011), res-
peita as especificidades do contexto no qual as grávidas adolescentes se
inserem, considerando fatores de ordem econômica, social e cultural.
A efetividade da proposta, entretanto, deve ser fomentada continua-
mente pela disposição de outros profissionais para a ação em saúde a
partir do princípio da integralidade e da proposta da clínica amplia-
da. Infelizmente, as entrevistas revelam que esta disponibilidade se

159
o pai está esperando ?

expressa em diferentes níveis, evidenciando novamente os resquícios


da racionalidade biomédica.
Ao longo da análise das entrevistas, foram identificadas também
algumas concepções sobre gravidez adolescente e sobre a adolescente
grávida que ajudam a compreender a forma como os profissionais sig-
nificam a população em questão, mesclando o conhecimento técnico-
científico ao saber do senso-comum. Três profissionais acreditavam que
a gravidez adolescente é uma gravidez de risco, devendo a gestante re-
alizar consultas de pré-natal também no serviço de alto-risco, mesmo
que não haja atualmente indicações do Ministério da Saúde para tal. A
gravidez adolescente também foi considerada um fenômeno familiar
que se repete e existe uma crença forte sobre a prática adolescente de
esconder a gravidez, legitimando as constantes investigações dos ACS
na comunidade. Ideias de ordem negativa sobre a adolescente ges-
tante foram detectadas nos discursos de alguns profissionais quando
afirmavam que as adolescentes geralmente não sabiam identificar os
pais de seus filhos, eram desinformadas ou estavam fragilizadas. San-
tos, Saunders e Baião (2010), ao pesquisarem a relação entre profissio-
nais de saúde de um programa de pré-natal e adolescentes grávidas,
constataram dados semelhantes. Os profissionais, segundo os autores,
percebiam as adolescentes como portadoras de atitudes e comporta-
mentos inadequados, carentes de informação e necessitadas de regras
e normas que corrigissem seus hábitos de vida para que pudesse haver
uma evolução saudável da gestação. Embora não tenha sido o foco de
nossas pesquisas, tais concepções devem ser consideradas e debatidas.
O Ministério da Saúde reconhece as dificuldades dos profissionais em
considerar as adolescentes grávidas como sujeito de direitos:

A existência de diversas limitações para entender os adolescen-


tes enquanto sujeitos de direitos causam dificuldades para o
profissional de saúde no atendimento a essa população, criando
receios do ponto de vista ético e legal (BRASIL, 2005, p. 130).

A Área da Saúde do Adolescente e do Jovem (ASAJ) tem como


um dos seus princípios de atendimento a adequação dos serviços de
saúde às necessidades específicas de adolescentes e jovens (BRASIL,
2005). Contudo, estas necessidades são interpretadas por profissionais
de saúde que muitas vezes expressam representações negativas sobre

160
a atenção à mãe adolescente e ao seu companheiro

gravidez adolescente em suas práticas de cuidados, ferindo o princípio


que resguarda a participação das adolescentes no planejamento, desen-
volvimento, divulgação e avaliação das ações. Lyra et al. (2002) afirmam
que há um discurso heteronômico que desconsidera a positividade do
adolescente, valorizando um padrão que tem a vida adulta como refe-
rência. A partir dessa lógica, cabe aos profissionais (adultos) interpretar
e definir as ações voltadas aos adolescentes, pautados em relações hie-
rárquicas que não produzem sujeitos autônomos, mas sujeitos depen-
dentes das prescrições e recomendações dos profissionais, por vezes ar-
bitrárias e adultocêntricas. Nesta dinâmica negligencia-se o acolhimento
porque não se reconhece a alteridade, e o cuidado passa a ser desenvol-
vido prioritariamente por parâmetros técnicos, produzindo assim uma
prática que se afasta da política de humanização no SUS.
Destarte as crenças negativas sobre gravidez na adolescência, al-
guns cuidados no cotidiano com as adolescentes foram observadas.
Ao longo das entrevistas foram citados: o cuidado com as percepções
de mundo das adolescentes e com linguagem utilizada; a busca por
um contato mais próximo com elas e também a disponibilidade para
ajudá-las, mesmo que para isso tenham que fazer contato com outros
profissionais ou precisem ir a casa delas quando não podem compare-
cer à unidade devido ao impedimento geográfico que o tráfico estabe-
lece. Verificou-se, assim, que alguns profissionais efetivamente tentam
adequar os serviços que prestam ao contexto social em que atuam. O
tráfico – e as relações construídas a partir dele – apresenta-se como um
fator que merece ser investigado no contexto da saúde a partir de seus
diferentes desdobramentos, inclusive no que diz respeito ao exercício
da parentalidade e na busca de apoio ao longo dessa experiência.
A participação do companheiro da adolescente nas consultas de
pré-natal foi outro tópico que mereceu atenção. Sobre esta questão,
quase todos os profissionais afirmaram que os parceiros das adoles-
centes geralmente não comparecem à UBS. Também relataram que, de
um modo geral, as adolescentes vão sozinhas à unidade. Em alguns
casos, contudo, elas vão acompanhadas pelas mães, amigas ou algum
outro parente. Apesar do reconhecimento da ausência do companhei-
ro e demais familiares, não foram citadas intervenções e práticas no
sentido de identificar e fortalecer a rede de apoio.

161
o pai está esperando ?

Existe um consenso entre os profissionais a respeito da ausência


do pai, assim como uma diversidade de justificativas para este fato,
sendo o trabalho a principal delas. Além do trabalho, foram citadas
justificativas como: a não aceitação da gravidez; o tráfico; a cultura que
responsabiliza a mulher pelos cuidados com o filho; o desconhecimen-
to da paternidade; a falta de interesse; o medo que o homem adulto
tem de ser considerado um autor de violência sexual e o fato de haver
muitas famílias com mulheres provedoras na região.
De acordo com alguns participantes, quando os pais vão à uni-
dade de saúde percebe-se que eles demonstram afeto; acompanham
as consultas de pré-natal; procuram se informar sobre seus direitos
ou vigiam os profissionais do sexo masculino. Sobre a importância da
presença do companheiro nas consultas de pré-natal, todos os profis-
sionais alegam que é importante, principalmente para dar segurança
à gestante adolescente. Além disso, os profissionais acreditam que a
presença do pai é importante por diversos outros motivos: porque o
pai deve acompanhar as transformações que ocorrem com sua compa-
nheira e seu filho; porque sua presença fortalece a relação e o vínculo
com o bebê, garantindo cuidados no futuro e porque, ao acompanhar
a adolescente, ele recebe informações da mesma forma que a sua com-
panheira recebe. As respostas em relação à participação paterna nas
consultas de pré-natal ora reconhecem a importância da relação entre
pai e filho, ora focalizam o pai apenas como instrumento de apoio à
companheira, desconsiderando as demandas paternas próprias.
Ao falarem sobre a participação dos pais nas consultas pediátri-
cas ou serviços de saúde destinados às crianças, os participantes afir-
maram que os pais não costumam levar suas crianças ao pediatra e
nem acompanhar suas parceiras nestas consultas. Segundo os relatos,
as mães ou sogras (avós) geralmente vão a estas consultas juntamente
com suas filhas adolescentes (mães). Quando não é possível, apenas a
adolescente leva o filho à consulta.
O trabalho se destaca como o principal motivo para a ausência
do pai nas consultas pediátricas. Entretanto, outros fatores foram cita-
dos, como: o tráfico de drogas, a questão cultural, o não envolvimento
paterno e o hábito do homem não procurar os serviços de saúde.
A análise do conjunto dos dados mostra que as opiniões sobre
os pais se dividem. A maioria, como já discutido, afirma que os pais

162
a atenção à mãe adolescente e ao seu companheiro

não costumam frequentar a unidade de saúde e fornecem explicações


comumente encontradas no senso-comum, que enfatizam o não en-
volvimento e a não colaboração do pai como algo natural. Contudo,
alguns profissionais conseguem perceber a influência de outros fatores
que impedem a aproximação paterna.
Ao falarem sobre como os pais se comportam nas visitas, os re-
latos também expressam variações: “Quando vem, vem pra acompanhar
mesmo, pra ficar babando a criança” (Profissional nível médio); “normal-
mente eles não questionam muita coisa, só ficam acompanhando a consulta e
assistem assim as orientações, tudo que a gente faz aqui durante o acompanha-
mento” (Profissional nível superior).
Os dados referentes à participação do pai nos serviços de saúde
são diversificados, alternando entre representações tradicionais e con-
temporâneas sobre paternidade. Os profissionais ainda não conseguem
se perceber como produtores de subjetividade no campo da saúde e,
portanto, não buscam promover outras ações que possam aproximar o
pai e/ou responder às demandas paternas. A área da saúde é um espaço
privilegiado para o reforço do relacionamento entre pais e filhos, como
destaca Martins (2009), mas para que ações neste sentido aconteçam, é
preciso haver mudanças de ordem simbólica acerca da paternidade e do
cuidar em saúde. Os serviços de saúde também desconsideram, de certa
forma, leis e propostas que visam à aproximação do pai, distanciando-o
do papel de protagonista no cuidado com seus filhos. O planejamento
familiar desenvolvido na unidade por meio de palestras ou consultas
é um exemplo claro desta exclusão. Como não permitem a participa-
ção dos homens, os profissionais reforçam a ideia de que a saúde re-
produtiva é tema de interesse feminino e como o conteúdo abordado
diz respeito apenas aos métodos contraceptivos, subentende-se que a
contracepção é apenas de responsabilidade da mulher. As orientações
contidas nos manuais também não contribuem para a construção de es-
tratégias que envolvam o homem, já que as discussões giram em torno,
principalmente, da saúde da mulher (BRASIL, 2002).
A ideia de que a contraconcepção é uma responsabilidade femi-
nina é fortalecida e concretizada nas práticas cotidianas dos profissio-
nais, ao excluírem os companheiros das mulheres. Esta prática avilta
a Lei N.º9.263 que assegura a participação do homem nas ações de
saúde relacionadas ao planejamento familiar, em todos os níveis de

163
o pai está esperando ?

atenção. Oliveira (2007) considera que os homens e a paternidade ain-


da ocupam um lugar secundário nos estudos e propostas relacionados
à saúde reprodutiva ocidental, configurando um cenário que denun-
cia a não garantia de direitos constitucionais relacionados à saúde dos
cidadãos brasileiros. As políticas públicas de saúde tentam viabilizar
e garantir esses direitos, contudo, a produção de saúde em várias re-
alidades do Brasil parece desconsiderar a dimensão política de suas
práticas, o que, para os que lutam por uma assistência de saúde digna,
é condição sine qua non.
Outra forma de cuidado na saúde poderá surgir a partir da cons-
ciência da responsabilidade do profissional (OLIVEIRA, 2011). Nesta
pesquisa alguns profissionais já percebem, mesmo de forma incipien-
te, suas responsabilidades. Por outro lado, ainda é preciso que haja
espaço para a identificação do conjunto das necessidades dos usuários
para que o processo de construção da integralidade seja uma realida-
de. Neste caminho, novas formas de olhar a saúde, a paternidade e a
gravidez adolescente precisam emergir para que se possa pensar em
práticas humanizadas.

Algumas considerações finais

O trabalho com a parentalidade no contexto da adolescência


apresenta entraves de diversas ordens. Primeiramente, constata-se
que os profissionais orientam suas práticas a partir de estereótipos que
retratam o adolescente, sobretudo, como irresponsável e incapaz. A
gravidez, nesta fase, geralmente é compreendida como uma experi-
ência negativa para a mulher e seu companheiro, os quais têm seus
projetos de vida interrompidos. A força dessas concepções indica que é
fundamental uma mudança nas representações dos profissionais sobre
os adolescentes para conseguir a promoção de estratégias que contem-
plem as necessidades desses sujeitos. Também se verifica a necessida-
de de conceber a saúde em sua complexidade e em seu caráter político
para que novas estratégias possam ser propostas e efetivadas, respei-
tando o princípio da integralidade. O reconhecimento das limitações
de cada saber possibilita a articulação entre eles e a crítica constante
das realidades, a partir dessa confluência de conhecimentos, contribui

164
a atenção à mãe adolescente e ao seu companheiro

para o recriar constante de políticas e programas para lidar com as de-


mandas existentes e para criar demandas em saúde a favor dos direitos
sexuais e reprodutivos dos adolescentes. Nenhuma dessas ações, con-
tudo, será suficiente, se não houver um esforço para incluir reflexões e
práticas de saúde concebidas no âmbito da integralidade e da huma-
nização na formação dos diferentes profissionais que compartilham os
espaços onde se concretizam as políticas de saúde.

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169
a paternidade adulta no contexto
da maternidade adolescente:
contribuições para a construção
de políticas públicas no campo da
saúde coletiva

Sibelle Maria Martins de Barros


Zeidi Araújo Trindade

O fenômeno da paternidade tem alcançado visibilidade científi-


ca em âmbito nacional, particularmente a paternidade no período da
adolescência, o que reflete uma demanda do contexto brasileiro com-
preendida como um problema que deve ser compreendido e/ou evi-
tado, tendo em vista a quantidade de pesquisas voltadas à prevenção
da paternidade nesta etapa da vida (LEVANDOWSKI, 2001; SOUZA;
BENETTI, 2009).
A ênfase no tema gravidez/maternidade adolescente, a partir ex-
clusivamente da perspectiva feminina, provavelmente forjou o contexto
de surgimento das pesquisas sobre paternidade adolescente. Dessa for-
ma, uma vez que poucos estudos procuravam investigar a experiência
da paternidade para os rapazes que se encontravam na adolescência,
surgiram várias pesquisas que buscaram preencher esta lacuna.
Apesar dos crescentes estudos sobre a paternidade, percebe-se
a ausência de pesquisas e ações na área da saúde coletiva que abor-
dem este tema, precisamente a paternidade durante a vida adulta.
Pouco se tem discutido sobre a necessidade de repensar ou construir
políticas públicas que resguardem o direito dos pais de ter acesso aos
diferentes serviços antes e após o nascimento de seus filhos. Diante
deste cenário, este capítulo tem como objetivo discutir a temática da
paternidade levando em consideração a interface entre a Psicologia
Social, a Saúde Coletiva e as Políticas Públicas. Com a pretensão de

171
o pai está esperando ?

fomentar a discussão, serão utilizados dados de uma pesquisa, em Psi-


cologia Social, que procurou investigar a participação de pais adultos
e companheiros de mães adolescentes nos serviços oferecidos em uma
unidade básica de saúde de Vitória-ES.
A Psicologia Social tem contribuído para a construção de políticas
públicas ao demonstrar e discutir processos psicossociais que ocorrem
em diferentes espaços, a partir de uma perspectiva crítica e da noção
de sujeito social transformador. No campo da saúde coletiva, sua cola-
boração também diz respeito à recuperação das dimensões culturais,
sociais e políticas para a compreensão dos processos de saúde-doença
e das práticas e relações dos diferentes atores envolvidos em espaços
institucionais referentes aos três níveis de atenção à saúde. Além disso,
destaca-se o comprometimento com os direitos sociais e com a cida-
dania não desvinculando, assim, a esfera da Psicologia das questões
políticas (BENEVIDES, 2005).
Camargo-Borges e Cardoso (2005) afirmam que a Psicologia So-
cial da Saúde tem como proposição geral:

[...] contribuir para a superação do modelo biomédico, objeti-


va trabalhar dentro de um modelo mais integrado, reconhece a
saúde como um fenômeno multidimensional em que interagem
aspectos biológicos, psicológicos e sociais e caminha para uma
compreensão mais holística do processo saúde-doença-cuidado
(2005, p. 29).

Kind (2007) demonstra aproximações entre o campo da Psicolo-


gia Social e o campo da Saúde Coletiva. Para a autora, a missão de se
estabelecer como campo de construção de conhecimento e de constru-
ção de práticas que visam à transformação da realidade foi e ainda é
um objetivo que caracteriza tanto a Saúde Coletiva como a Psicologia
Social. Pode-se salientar também o caráter interdisciplinar desses dois
campos e a presença das dimensões históricas, sociais e políticas em
suas pesquisas e práticas.
Em relação à articulação da Psicologia com o cenário das Políticas
Públicas, percebe-se uma preocupação cada vez maior dos psicólogos
com propostas que assegurem os direitos humanos. Esta preocupação
representa um posicionamento da Psicologia frente às realidades brasi-
leiras causadoras de sofrimento, culminando em um comprometimento

172
a paternidade adulta no contexto da maternidade adolescente

crescente com a formação cidadã das pessoas e com a transformação


dos cenários caracterizados pela violência, desigualdade e exclusão.
Nesse processo, as ações do psicólogo dirigem-se para o desenvolvi-
mento de noções como igualdade, comunidade, solidariedade e coo-
peração e as bases teóricas recuperam a dimensão sócio-histórica dos
fenômenos investigados (SAADALLAH, 2007).
Vários esforços têm sido realizados pela Psicologia em busca da
emancipação e do protagonismo social, como a criação do CREPOP
(Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas) em
2006, debates por meio de congressos e seminários, participação do
Conselho Federal de Psicologia no Conselho Nacional da Criança e
do Adolescente, dentre outros (PIRES, 2008). Interessante lembrar que
as preocupações que hoje se dirigem à Psicologia como um todo eram
foco de atenção da Psicologia Social desde a década de 60 do século
XX. Este movimento atual em defesa do protagonismo social tem acar-
retado a busca e o interesse dos psicólogos pela Psicologia Social e o
reconhecimento da necessidade desta disciplina para a prática clínica
no setor da saúde.
A Psicologia que passa a ser desenvolvida no contexto da saúde
implica, portanto, uma revisão das concepções de saúde e da própria
finalidade do trabalho do psicólogo que, por vezes, reforça a moral
vigente na sociedade ao relacionar as diferenças às patologias e aos de-
sajustes, não contribuindo para a empoderamento dos sujeitos e para
a transformação da qualidade das condições de vida e das relações
sociais (BOCK, 2007). Soma-se a isso o exercício de práticas que mui-
tas vezes reforçam as desigualdades de gênero. Um exemplo claro é a
não identificação das demandas masculinas de saúde, o que acarreta
a ausência de ações que possam aproximar os homens dos serviços de
saúde. Sobre as políticas públicas voltadas aos homens, nota-se que
é recente a preocupação com as especificidades da saúde masculina
e pouco se tem feito para a sua inclusão nos serviços de saúde repro-
dutiva, o que contribui para perpetuar a representação da reprodução
como responsabilidade feminina e da paternidade como provimento.
A IV Conferência Internacional de População e Desenvolvimen-
to, ocorrida no Cairo, em 1994, e a IV Conferência Mundial Sobre a
Mulher, ocorrida em Pequim, em 1995, representam marcos legais im-
portantes por demostrarem a necessidade da participação dos homens

173
o pai está esperando ?

na promoção da saúde reprodutiva e sexual, sugerindo estratégias


para que essa inclusão pudesse ser efetivada. Pirotta e Piovesan (2001)
alertam que as recomendações destas plataformas, no que se refere aos
direitos reprodutivos em cada país, dependem de uma série de fatores,
como adequação à legislação interna, ratificação de acordos internacio-
nais e a implementação de políticas públicas.
Nascimento, Segundo e Barker (2009) realizaram um levanta-
mento sobre as políticas públicas voltadas aos homens e identificaram,
no âmbito da saúde sexual e reprodutiva, a existência de algumas po-
líticas que visam à garantia de direitos aos homens e mulheres, como a
Política de Planejamento Familiar e a Política Integral de Saúde Sexual
e Reprodutiva para Adolescentes e Jovens. Além disso, destacam a Lei
11.108, que garante à mulher o direito a um acompanhante durante o
trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Em relação ao tópico
caracterizado pelos autores como Vida Familiar, discute-se sobre a li-
cença paternidade e o Projeto de Lei 2430/2007 que propõe um perío-
do de 30 dias de licença, já concedido para alguns servidores públicos.
Os autores ressaltam que, apesar da existência dessas políticas, ainda
existem barreiras para a participação efetiva do homem, pois os profis-
sionais muitas vezes não incentivam ou proíbem a participação mas-
culina. Mesmo com o lançamento da Política Nacional de Saúde do
Homem, em 2008, que tem por objetivo facilitar e ampliar o acesso da
população masculina aos serviços de saúde, estas dificuldades ainda
não foram ultrapassadas.
O direito de exercer a paternidade também é assegurado à popu-
lação masculina por meio da Política Nacional da Saúde do Homem:

É necessário conscientizar os homens do dever e do direito à


participação no planejamento reprodutivo. A paternidade não
deve ser vista apenas do ponto de vista da obrigação legal, mas,
sobretudo, como um direito do homem a participar de todo o
processo, desde a decisão de ter ou não filhos, como e quando
tê-los, bem como do acompanhamento da gravidez, do parto, do
pós-parto e da educação da criança (BRASIL, 2008, p. 16).

Apesar das indicações contidas nas plataformas das conferências


internacionais e das políticas nacionais vigentes, a paternidade ainda
parece ser negligenciada e pesquisas têm denunciado a exclusão e o

174
a paternidade adulta no contexto da maternidade adolescente

não incentivo da participação dos homens desde o planejamento fami-


liar até os serviços pediátricos. (SIQUEIRA et al., 2002; CARVALHO,
2003; BARROS; MENANDRO; TRINDADE, 2006; TRONCHIN; TSU-
NECHIRO, 2006, CORRÊA; FERRIANI, 2007). Este fato indica a urgen-
te necessidade de fortalecer o debate em torno das políticas públicas,
tanto no que se refere aos direitos postulados e ações propostas quanto
ao uso, na prática cotidiana, que se faz destas políticas públicas.
Como discutem Pereira e Siqueira (2009), os serviços de saúde são
espaços importantes para a construção da identidade paterna. Segundo
os autores, os apelos mais fortes para que se problematize, se elabore co-
nhecimentos em direção a transformações no exercício da paternidade
vêm do setor da saúde. As conferências internacionais, os documentos
oficiais e artigos científicos estão respaldados na noção de que a paterni-
dade acarreta repercussões importantes na saúde dos indivíduos.
Martins (2009) reconhece que a área da saúde pode promover
novas formas de interação entre o homem e seu filho, contribuindo
para o surgimento de outras relações de gênero. Porém, os profissio-
nais de saúde geralmente não sabem lidar com a presença e deman-
das paternas e consequentemente excluem a participação do pai, até
mesmo quando este está respaldado legalmente, como no caso da Lei
11.108, conhecida como lei do acompanhante.
Por outro lado, os pais parecem não reconhecer os serviços de
saúde como suporte ao exercício da paternidade. Corrêa e Ferriani
(2009) realizaram uma pesquisa com pais adultos que foram pais du-
rante o período da adolescência e perceberam que os homens não têm
clareza de como o setor saúde pode contribuir durante a experiência
da paternidade. Esse dado é importante, uma vez que os estudos têm
demonstrado as dificuldades que muitos pais vivenciam desde o pe-
ríodo de gestação (LEVANDOWSKI; PICCININI, 2006; MONTIGNY;
LACHARITÉ; AMYOT, 2006; KROB; PICCININI; ROSA, 2009). Assim,
a paternidade, tendo em vista seus vários desdobramentos psicosso-
ciais, necessita ser considerada como um componente da saúde mascu-
lina, conforme defendem Garfield, Clark-Kauffman e Davis (2006).
Além da falta de ações direcionadas aos homens, também é re-
conhecida a pouca procura dos mesmos pelos serviços de saúde (FI-
GUEIREDO, 2005; SCHRAIBER; GOMES; COUTO, 2005; GOMES;
NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007; NASCIMENTO; GIANÓRDOLI-NAS-
CIMENTO, 2011). Esta pouca procura também pode ocorrer quando os

175
o pai está esperando ?

homens se tornam pais, apesar do discurso atual a favor de uma pater-


nidade mais participativa. De acordo com Souza e Benetti,

mesmo que a noção da necessidade do envolvimento masculino


com os filhos em diferentes âmbitos do desenvolvimento infan-
til e das relações familiares esteja altamente difundida, “o novo
pai” não corresponde à realidade observada (2008, p. 6).

Diante desta lacuna, optou-se por apresentar dados de uma pes-


quisa sobre a participação de pais adultos na atenção à saúde voltada
ao período que compreende a gestação até os primeiros anos de vida
do bebê. Esta pesquisa, realizada no campo da Psicologia Social, carac-
teristicamente interdisciplinar, pretende construir bases para incitar a
revisão e construção de políticas públicas voltadas à paternidade, no
campo da saúde.
Importante relatar que as pesquisadoras não escolheram a priori
entrevistar apenas pais adultos. Entretanto, verificou-se que apenas
um dos companheiros das mães adolescentes era também adolescente;
todos os outros estavam na vida adulta. Diante desse fato, optou-se
por trabalhar apenas com os pais adultos, tentando identificar especi-
ficidades da paternidade nesta fase da vida e suas relações com a ma-
ternidade adolescente. Ao longo do processo de análise percebeu-se a
falta de estudos sobre este tema específico.
As pesquisas que se propõem a compreender a paternidade a
partir de uma perspectiva relacional, incluindo a maternidade, privi-
legiam sujeitos da mesma faixa etária. Percebe-se que a paternidade
adulta no contexto da maternidade adolescente não tem sido foco de
pesquisas nacionais. A ênfase de estudos sobre paternidade adoles-
cente contribuiu, de certa forma, para o não reconhecimento das difi-
culdades e necessidades de suporte específico para a paternidade na
vida adulta frente à maternidade adolescente. Os estudos acadêmicos
internacionais tendem a discutir os riscos e aspectos negativos da re-
lação entre pai adulto e mãe adolescente. A escolha por um parceiro
mais velho é considerada, nestes estudos, um comportamento de risco
das adolescentes e é patologizada. Correlações entre a paternidade adul-
ta e problemas de comportamento também são verificadas (LINDBERG;
SONESTEIN; KU; MARTINEZ, 1997; AGURCIA; RICKERT; BERENSON;
VOLK ; WIEMANN, 2001).

176
a paternidade adulta no contexto da maternidade adolescente

A pesquisa sobre a participação do pai adulto nos servi-


ços oferecidos por uma Unidade Básica de Saúde (UBS)

Participaram do estudo sete pais residentes em Vitória-ES, com


idade entre 21 e 31 anos, companheiros de mulheres/mães com idade
entre 16 e 19 anos. Como critério de exclusão foi considerada a idade
igual ou abaixo de 14 anos para a mãe adolescente, já que o relaciona-
mento poderia indicar o crime de estupro de vulnerável, segundo o
Código Penal Brasileiro.
A renda mensal familiar variou entre 1,3 e 3,3 salários mínimos
e era utilizada por no mínimo 3 e no máximo 6 pessoas. Quanto ao
nível de escolaridade, cinco pais possuíam o ensino médio incompleto;
um pai, o ensino fundamental incompleto e um pai, o ensino médio
completo. Cinco pais afirmaram exercer atividade remunerada, um
pai recebia benefício e o outro estava desempregado. Todos alegaram
exercer uma profissão, tendo sido citadas: gesseiro, bombeiro e mar-
ceneiro e auxiliar de vários serviços (serviços gerais, corte de vidro,
escritório ou administrativo). Em relação ao estado marital, todos os
pais residiam com suas parceiras. Em relação ao número de filhos, três
pais tinham dois filhos e os demais apenas um. Sobre a idade em que
foram pais pela primeira vez, constatou-se uma variação entre 17 e 23
anos, sendo que dois pais tiveram filhos no período da adolescência.
O encontro com os pais aconteceu após contato inicial com suas
companheiras que frequentavam uma unidade básica de saúde em Vitó-
ria-ES. Em contato telefônico com os pais, combinou-se o horário e local
para a realização das entrevistas. Todas as entrevistas foram realizadas
na residência dos próprios participantes, após a explicação e concordân-
cia com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Recorreu-se à análise de conteúdo (OLIVEIRA, 2008), utilizando
a frase como unidade de registro para a realização da análise temática
e posterior análise categorial.
Os dados demonstraram que a maioria dos pais entrevistados
raramente procura a unidade básica de saúde (UBS). Interessante des-
tacar que alguns foram convidados por profissionais ou esposas para
irem à unidade, contudo, apenas um afirmou ir frequentemente ao lo-
cal para fazer exames. Ao procurarmos compreender as razões para
a pouca adesão aos serviços de saúde na UBS, identificamos que, de

177
o pai está esperando ?

uma forma geral, os pais não percebem demandas de saúde que jus-
tifiquem a procura por apoio na unidade. Sendo assim, a paternidade
também parece não gerar, para esses pais, demandas de saúde. Esses
resultados corroboram os dados da pesquisa realizada por Corrêa e
Ferriani (2009) que indicam que os pais não sabem como os serviços de
saúde podem contribuir para o exercício da paternidade. Alguns pais
alegaram que não vão à UBS devido à lentidão no atendimento, o que
os leva à procura pelos serviços de média complexidade.
Estudos sobre masculinidade ajudam a ter uma primeira com-
preensão sobre a baixa procura pelos serviços de saúde por parte dos
homens, de uma forma geral. Segundo Meireles e Hohl, os serviços
de saúde são considerados pelos homens, assim como pelas políticas
públicas, como “como destinados às mulheres e às crianças” (2009, p.
900). Nascimento e Gianórdoli-Nascimento (2011), a partir de uma re-
visão bibliográfica sobre o tema, enumeram três possíveis fatores que
podem justificar tal prática: 1) receio de que a procura pelo serviço
seja percebida socialmente como fraqueza e vulnerabilidade; 2) iden-
tificação dos serviços de saúde como um espaço caracteristicamente
feminino e 3) a procura por serviços apenas em casos de emergência ou
impossibilidade de suportar a dor. Para Gomes, Nascimento e Araújo
(2007), a procura pelos serviços de saúde por parte dos homens está re-
lacionada à compreensão que eles possuem do que é ser homem, geral-
mente definida a partir do oposto das características e práticas femini-
nas. Além dos fatores acima apresentados, não se pode desconsiderar
um dado concreto que faz parte da vida de vários pais, principalmente
os pais adultos: as limitações impostas pelo horário de trabalho. Não
existem serviços que ocorram em horários alternativos e também não é
possível para muitos pais se ausentarem de seus locais de trabalho.
Apesar de identificarmos a baixa utilização dos serviços de saú-
de, verificamos que o principal motivo para os pais recorrerem à uni-
dade de saúde é a busca por atendimento pediátrico para seus filhos.
Os demais motivos apresentados pelos pais que afirmam ir à unidade
(raramente ou frequentemente) dizem respeito ao acompanhamento
nas consultas de pré-natal, realização de exames e orientações sobre o
reconhecimento de paternidade. Entre os motivos acima apresentados,
apenas um não se relaciona diretamente como demanda paterna: a re-
alização de exames. Tendo em vista esses resultados, identifica-se que

178
a paternidade adulta no contexto da maternidade adolescente

questões relacionadas ao exercício da paternidade, como levar o filho à


consulta, parece se inscrever como demanda masculina no cenário da
saúde, mesmo que de forma tímida. Raramente os pais vão à unidade
de saúde porque acham que não há necessidade para tal. Entretanto,
quando vão, a demanda está relacionada principalmente à vivência da
paternidade, mesmo que esta não seja considerada por eles como uma
necessidade paterna. O acompanhamento à gestante nas consultas mé-
dicas de pré-natal pode indicar o desejo de protegê-la e apoiá-la, o que
reflete também envolvimento paterno. Carvalho (2003), ao investigar a
participação de pais no nascimento de seus filhos, verificou que o prin-
cipal motivo relatado por eles era o desejo de apoiar a gestante, apesar
de também se interessarem pelo nascimento dos bebês.
Sobre a participação em consultas de pré-natal, um pai afirmou
ter acompanhado sua parceira e outro alegou ir poucas vezes à consul-
ta. Ao frequentarem tais consultas, um afirmou apenas observar e o se-
gundo comentou que ficava esperando sua companheira na recepção.
A participação passiva dos pais indica a dificuldade que eles apresen-
tam em ficaram à vontade em tais serviços, alertando a necessidade de
uma mudança de significados e práticas por parte da equipe de saúde
para que possam contribuir de forma efetiva para a alteração dessa
postura. Tomando consciência do efeito exclusivo do tipo de atendi-
mento que oferecem, observando suas práticas e investigando melhor
as justificativas paternas, o profissional de saúde poderá criar deman-
da para que este pai compareça e participe ativamente das consultas,
rompendo assim a ideia de que tais serviços são voltados apenas às
mulheres. Reforça esse argumento a justificativa de um dos pais para a
ausência no pré-natal: não sabia que era permitido.
Os demais pais entrevistados não puderam acompanhar as con-
sultas por motivos diversos, como: o trabalho, por não ser o pai biológi-
co do bebê; por não residir junto à companheira na época da gestação;
por ter problemas com a família da companheira ou porque sua sogra
já estava acompanhando sua parceira. Mesmo não podendo acompa-
nhar a parceira porque não podia faltar ao trabalho, esse pai comentou
que procurava sempre telefonar durante e após as consultas ou solicitar
que sua mãe fosse junto, demonstrando preocupação e buscando outra
forma de se fazer presente. Informações como essas, que expressam o
envolvimento do pai, dificilmente chegam aos profissionais de saúde se
não houver uma acolhimento e escuta apropriada às gestantes.

179
o pai está esperando ?

Os vários motivos apresentados por esses pais convidam a re-


fletir sobre a diversidade de contextos e fatores envolvidos no exer-
cício da paternidade adulta, assim como as possíveis consequências
dessas variáveis, seja no modo de exercer a paternidade, seja na saúde
do homem, como destacam Garfield, Clark-Kauffman e Davis (2011).
Tal complexidade também incita a repensar sobre a ideia arraigada de
que os pais não se interessam pelos seus filhos. Embora alguns pais
não participem ativamente dos cuidados com as suas companheiras e
com seus filhos, a sua ausência não significa necessariamente um não
envolvimento emocional, já que existem outras formas de expressar
envolvimento e participação.
Em uma tentativa de considerar um contexto mais amplo de pes-
quisa, no intuito de melhor compreender o fenômeno da paternidade,
buscou-se investigar se os pais se relacionavam com outros pais que
acompanham ou acompanharam suas parceiras em consultas durante o
período gestacional. Alguns entrevistados (3) afirmaram conhecer outros
pais que acompanhavam suas parceiras nas consultas, enquanto outros
(4) afirmaram nunca terem conhecido pais que o fizessem. Apesar desta
pesquisa não ter abarcado informações que pudessem esclarecer melhor
a influência dos pares no que diz respeito aos modelos de paternidade,
esta questão poderá ser investigada em novas pesquisas. Considerando
a importância das redes sociais e de apoio para a qualidade do enfren-
tamento de questões relacionadas à saúde (MORE, 2005; ANDREANI;
CUSTÓDIO; CREPALDI, 2006), seria de interesse verificar possíveis re-
lações entre a forma como os amigos exercem a paternidade e a maneira
como esses pais representam e exercem a paternidade.
Cinco entrevistados valorizaram a participação do pai nas con-
sultas de pré-natal, principalmente por se tratar de uma questão mo-
ral, um dever. Um pai, entretanto, ao falar sobre esta forma de partici-
pação paterna, destacou a importância de acompanhar a melhor fase
da criança. O valor moral ressaltado nas respostas pode indicar uma
tentativa de atender às expectativas do entrevistador ou podem ainda
sugerir a existência de elementos tradicionais de significação e práti-
cas da paternidade, caracterizados pelo provimento e pela moralidade,
como definem Cerveny e Chaves (2010).
Sobre a participação em consultas pediátricas ou em outros servi-
ços de saúde destinado às crianças, apenas dois pais afirmaram nunca

180
a paternidade adulta no contexto da maternidade adolescente

terem levado suas crianças à unidade, devido principalmente ao im-


pedimento imposto pelo trabalho. Entre os que confirmaram partici-
pação, dois levaram seus filhos juntamente com sua parceira e mãe da
criança, e três afirmaram levar as crianças tanto sozinhos como junto
com suas parceiras.
O trabalho aparece como um dos principais fatores que dificul-
tam a participação paterna nas consultas de pré-natal ou pediátrica,
principalmente porque todos os pais desta pesquisa eram adultos, ape-
nas dois não trabalhavam. Por outro lado, o trabalho, além de ser um
meio para a sobrevivência material, constitui um substrato da identi-
dade masculina, como identificou Sarti ao estudar famílias pobres.

O valor moral atribuído ao trabalho compensa as desigualdades


socialmente dadas, na medida em que é construído dentro de
um outro referencial simbólico, diferente daquele que o desqua-
lifica socialmente (SARTI, 2003, p. 89).

O trabalho atribui um sentido positivo aos pobres e, conside-


rando possíveis desqualificações sociais dirigidas a esses pais adultos
por se relacionarem com adolescentes, ele ganha mais importância e
valor social.
Novos estudos precisam ser realizados no intuito de investigar
quais as estratégias que os pais utilizam ou podem utilizar para pode-
rem conciliar o trabalho e a paternidade. Como discute Martins (2009),
não existe garantia legislativa para acompanhamento do pai ao pré-
natal de seu filho ou para estar presente nas consultas pediátricas e in-
ternação, principalmente se ele não for servidor público. Sendo assim,
é urgente promover e incentivar cuidados paternos a partir de pro-
postas asseguradas pelas políticas públicas. Entretanto, ainda segundo
a autora, as garantias políticas que primam pelo reconhecimento das
práticas paternas ainda são tímidas. Para que possa haver mudanças
neste cenário contemporâneo, torna-se imprescindível repensar as re-
presentações e práticas masculinas, assim como outras práticas vol-
tadas ao universo masculino que são encenadas no campo da saúde.
Barboza e Rocha (2010), por exemplo, ressaltam que o processo de tra-
balho dos profissionais deverá ser revisto para atender às especificida-
des dos pais que trabalham. Diante deste contexto, os profissionais de

181
o pai está esperando ?

saúde devem pensar em como inserir este pai nos serviços ofertados.
Embora os profissionais não percebam, a não inclusão do pai reforça o
papel deste apenas como provedor familiar e os profissionais acabam
contribuindo, mesmo que indireta e inconscientemente, para a ausên-
cia paterna nos serviços de saúde.
Sobre a avaliação dos serviços oferecidos na unidade básica de
saúde, a maioria dos pais tece avaliações positivas, principalmente de-
vido à rapidez no serviço e ao interesse da equipe pela criança. Con-
tudo, dois pais avaliaram negativamente, utilizando uma justificativa
oposta: a demora para serem atendidos. Parece existir aqui uma crença
compartilhada socialmente sobre a demora nos atendimentos públicos
de saúde e, se considerarmos o contexto masculino de trabalho, pode-
se compreender a preferência pelos serviços de média complexidade.
Contudo, para que haja melhor compreensão das expectativas sobre
os serviços de saúde e sobre a possibilidade de construção de uma
realidade negocida com os usuários, devem-se considerar três níveis
de expressão da realidade, como propõe Oliveira (2011): o universo
real ou as condições concretas vivenciadas pelos atores envolvidos; o
universo simbólico ou representacional expressado por meio das prá-
ticas de adesão ou não aos serviços propostos e, por fim, a realidade
idealizada, que se refere a um plano de julgamento qualitativo ideal
elaborado pelos sujeitos.

À guisa de conclusão

Os resultados discutidos alertam para o papel das instituições de


saúde na promoção do vínculo paterno para que o homem possa assu-
mir e ter direito, assim como a mulher, de cuidar e se responsabilizar
pelos seus filhos. São necessárias políticas e programas de apoio ao
envolvimento paterno para que haja mudança e consolidação da res-
ponsabilidade masculina para com os filhos com a garantia do direito
de exercer a paternidade, mesmo em uma condição não bem aceita
socialmente, como no caso de homens que se relacionam com adoles-
centes, como os participantes desta pesquisa.
As propostas direcionadas à promoção e o apoio da paternidade
devem considerar as particularidades que diferenciam as vivências pa-
ternas, como, por exemplo, a fase da vida em que o pai se encontra, a

182
a paternidade adulta no contexto da maternidade adolescente

classe social, qualidade do relacionamento conjugal, experiências pas-


sadas, a rede de apoio, etc.
Vale lembrar também que nenhuma política e prática de saúde pode
ser contruída sem repensar o universo simbólico que permeia as práticas
dos atores envolvidos no cenário da saúde e sem reconhecer a necessida-
de de relações horizontais e equitativas (TRAVERSO-YÉPEZ, 2001).
Estudos baseados na Teoria das Representações Sociais têm sido
realizados no campo da saúde (GOMES; MENDONÇA; PONTES, 2002;
ASSIS et al., 2003; HERZLICH, 2005; JODELET, 2005; SANTOS et al.,
2005), permitindo conhecer o universo simbólico e possibilitando a com-
preensão do processo de construção social de certos conhecimentos e
suas consequências no processo de saúde-doença para determinados
grupos de pessoas. Esta perspectiva, portanto, permite compreender os
significados e as práticas relacionadas à experiência da paternidade, sen-
do um aporte teórico importante para identificar demandas que direcio-
nem a construção de políticas públicas no campo da saúde coletiva.

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tivas e desafios. Psicologia em Estudo, v. 6, n. 2, 2001, p. 49-56.

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lho prematuro: a experiência do pai. Revista Latino-Am. Enfermagem, v.
14, n. 1, 2006, p. 93-101.

187
paternidades no cotidiano de
uma unidade de saúde em recife:
traços, curvas e sombras em redes
heterogêneas

Benedito Medrado
Jorge Lyra
Luiza Gomes Dantas
Márcio Valente
Túlio Quirino
Michael Machado
Dara Felipe
Ludmila de Oliveira
Maria Camila da Silva
Symone Gondim

Como recorte da pesquisa mais ampla empreendida pelo gru-


po, este capítulo versa sobre narrativas produzidas em observações no
cotidiano de uma unidade de saúde sediada em comunidade de baixa
renda de Recife. Nosso objetivo é dar visibilidade a modos de produ-
ção de paternidade neste contexto.
Nossa leitura tomou como marco teórico o debate sobre a no-
ção de dispositivo (Foucault, 1979; Deleuze, 2005 e Agamben,
2009), e como orientação metodológica a discussão construcionista so-
bre pesquisa, que enfatiza o rigor metodológico, sendo compreendi-
do como visibilidade de procedimentos (Spink e Menegon, 1999)
e o método como produção e não como meio de acesso à realidade
(SPINK, 2003).
Deste modo, partimos do pressuposto de que as Estratégias de
Saúde da Família (ESF) – que orientam a atenção em saúde voltada à
gravidez na adolescência – constituem-se de (e em) linhas de uma rede
heterogênea produzida de modo estratégico com vistas a organizar
disposições em sociedade e a conformar práticas discursivas no campo

189
o pai está esperando ?

do cuidado em saúde, inscritas em curvas de visibilidade (e sombra),


em jogos de saber, de poder e em modos de subjetivação. A essa rede
heterogênea, Foucault dá a denominação de dispositivo, o qual define
da seguinte forma:

Em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo


que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas,
decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enun-
ciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas.
Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo.
O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes ele-
mentos. Em segundo lugar, gostaria de demarcar a natureza da
relação que pode existir entre estes elementos heterogêneos. [...]
discursivos ou não, existe um tipo de jogo, ou seja, mudança de
posições, modificações de funções que também podem ser mui-
to diferentes. Em terceiro lugar, entendo o dispositivo como um
tipo de formação que, em determinado momento histórico, teve
como função principal responder a uma urgência. O dispositivo
tem, portanto, uma função estratégica dominante (1979, p. 244).

Conforme Agamben (2009), um dispositivo tem uma função es-


tratégica concreta (ou positividade) e inscreve-se em jogos e tecnologias
de poder. Esses jogos e tecnologias, na visão de Deleuze (2005), inscre-
vem-se em curvas de visibilidade (que produz luz e sombra) e curvas
de enunciação (que conformam ditos e não ditos), bem como linha de
força (ou jogos de poder) e linhas de subjetivação, compreendidas como
linhas de fuga, uma linha que está para se fazer “na medida em que o
dispositivo o deixe ou o torne possível” (DELEUZE, 2005, p. 87).
A Atenção Básica, no modelo atual de Saúde Pública, ocupa um
lugar estratégico para orientar e gerir a promoção à saúde no contexto
da gravidez na adolescência (BRASIL, 1997; 2010). Neste sentido, as uni-
dades de saúde, do nosso ponto de vista, compreendem tecnologias de
saber/poder inscritas em dispositivos de cuidado em saúde, constituin-
do-se em potente e dinâmico espaço de produção de paternidades.
Assim com o objetivo geral de analisar processos de produção
de paternidades nos serviços de atenção básica voltados à gravidez na
adolescência, adotamos como estratégia metodológica a observação no
cotidiano (SPINK, 2007) de Unidades de Saúde sediadas em comuni-
dades de baixa renda de Recife.

190
paternidades no cotidiano de uma unidade de saúde em recife

Conforme define Mary Jane Spink (2007), pesquisar “no” (e não


“o”) cotidiano significa assumir-se como partícipe da ação observada:

Fazemos parte do fluxo de ações; somos parte dessa comunidade e


compartimos de normas e expectativas que nos permitem pressupor
uma compreensão compartilhada dessas interações (2007, p. 07).

Portanto, o uso da preposição no não apenas remete aqui a um


determinado suporte teórico construcionista, a respeito da produção
de conhecimento, como também implica uma postura metodológica es-
pecífica, que sinaliza posicionamentos políticos sobre o fazer científico,
rejeitando universais e a suposta neutralidade do/a pesquisador/a.
Como material de registro-análise, optamos pela construção de
“diários de bordo”, tomando de empréstimo (e talvez corrompendo)
uma expressão comumente utilizada no meio náutico e aeronáutico.
Evitamos a expressão “diário de campo”1 não porque ela tenha proble-
ma em si, uma vez que compartilhamos a definição de instrumento, na
qual deve ser exposta uma “descrição densa” (GEERTZ, 1989, p. 15),
contudo, gostaríamos de enfatizar duas dimensões importantes dessa
produção discursiva:
■■ primeiro, mantivemos a ideia de “diário”, tomado aqui como
produção narrativa particular produzida por um sujeito (no caso
o pesquisador), não no sentido de rotina ou de continuidade,
mas no sentido de apropriação, construção singular;
■■ segundo, optamos pelo “bordo” ao invés de “campo”, em conso-
nância com as reflexões de Peter Spink, para quem o campo não
é o lugar onde vamos pesquisar, descrever ou falar sobre, pois
“ao relatar, ao conversar, ao buscar mais detalhes, também for-
mamos parte do campo; parte do processo e de seus eventos no
tempo” (2003, p. 25). O campo são

as redes de causalidade intersubjetiva que se interconectam em


vozes, lugares e momentos diferentes, que não são necessaria-
mente conhecidos uns dos outros. Não se trata de uma arena

1 Segundo Andrea Caprara e Lucyla Paes Landim (2008, p. 369), “o diário de campo
é o instrumento básico para o pesquisador que está fazendo uma etnografia. É um
documento pessoal e nele inscrevemos observações, experiências, sentimentos [...]
a função deste instrumento, que é de registrar, de modo mais fiel e detalhado pos-
sível, cada ida ao campo”.

191
o pai está esperando ?

gentil onde cada um fala por vez; ao contrário, é um tumultuado


conflituoso de argumentos parciais, de artefatos e materialida-
des (2003, p. 36).

Neste sentido, a opção pelo termo “bordo”, além de demarcar


uma indissociável relação entre sujeito-objeto, também constitui uma
estratégia discursiva para dar visibilidade à ideia, como princípio de
“viagem” na qual se inscreve sempre e também como elemento-chave
de nossas análises, tais como: movimentos, transições, desvios, atalhos,
imprevistos, olhares produzidos e histórias contadas por viajantes.
Assim, os diários de bordo foram produzidos a partir de um
exercício de ruptura com a ideia de uma descrição neutra, aproxi-
mando-se mais propriamente de uma etnografia que busca romper a
dicotomia pesquisador-pesquisado e sujeito-objeto, incluindo inscri-
ções de elementos humanos e não humanos (TIRADO; DOMÈNECH,
2005), tais como sala, clima, organização, decoração, localização da
unidade na comunidade, etc., entendendo que esses elementos tam-
bém apontam para as práticas discursivas no espaço da unidade de
saúde. Desse modo, tanto narrativas, como argumentos e diálogos,
foram objeto de nossas análises.
Em Recife, nossas observações foram realizadas no cotidiano de
uma unidade de saúde sediada numa região político-administrativa
(RPA) que se incluía nos critérios da pesquisa mais ampla: 1) região
com bairros onde residem comunidades de baixa renda; 2) com cober-
tura da Estratégia de Saúde da Família - ESF (pelo menos uma Unidade
Saúde da Família); 3) facilidade de acesso dos/as pesquisadores/as.
Seguindo esses critérios, optamos pela microrregião 4.3, situada
no Distrito Sanitário IV (localizado na região oeste da cidade), em cujos
4.214 hectares vivem 270.200 habitantes, 60% em situação de pobreza.
A microrregião 4.3 integra os bairros de Cidade Universitária, Caxangá
e Várzea, situados na região oeste da cidade, sendo este último o maior
dos três (2.264 hectares) e um dos mais populosos da cidade (cerca de
64.512 habitantes). No total, estes bairros são servidos com 7 unidades
de saúde e 14 equipes de ESF.
Para realizar as observações, escolhemos, inicialmente, duas uni-
dades de saúde localizadas na comunidade, onde conseguimos aplicar
o maior número de entrevistas com as mães adolescentes, em etapa

192
paternidades no cotidiano de uma unidade de saúde em recife

anterior da pesquisa (ver capítulo 2 deste livro). A possibilidade de


acesso a um maior número de pais e a facilidade de acesso e proximi-
dade da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE foram critérios
de escolha dessas unidades.

Sobre as visitas à comunidade

Fizemos uma primeira aproximação a essas duas unidades, a


partir de visitas à comunidade, registradas em diários de bordo que co-
meçavam a ser produzidos desde o deslocamento do/a pesquisador/a
à comunidade, o que incluía registros sobre problemas com transporte,
bem como a descrição das ruas e vielas que davam (ou dificultavam o)
acesso à unidade de saúde.
As visitas sempre foram feitas em duplas de pesquisadores/as.
Cada dupla realizou, em média, três visitas à comunidade e às unida-
des de saúde, efetuando um total de nove visitas neste primeiro mo-
mento, o que correspondeu a aproximadamente 40 horas, no período
de dois meses. Nessas visitas, inicialmente as duplas procuraram ob-
servar a comunidade de forma geral, sem se preocupar com elementos
específicos, buscando se familiarizar com a comunidade e registrando
as primeiras impressões desse contato inicial.
Nos diários de bordo produzidos, descrevemos, desde o per-
curso realizado para chegar às Unidades (dificuldades para localizar,
ajuda dos moradores, condições de pavimentação das ruas, etc.) até as
diversas cenas que se desenrolaram durante o período de observação,
envolvendo ou não os/as pesquisadores/as. Por exemplo, chamou
nossa atenção, numa das unidades originalmente visitada, a presença
de uma corrente operada pelo segurança da Unidade. Seu uso, curio-
samente, inscrevia o campo de possibilidades das ações das pessoas
que ali estavam. Ela era parte das inúmeras materialidades (ficha de
atendimento, atestado médico, caderneta de saúde, etc.) que separa/
legitima quem pode passar as salas de atendimentos, quem deve per-
manecer na sala de espera e os jogos de poder que se inscrevem na-
queles espaços.2 Assim, em linhas gerais, ficamos atentos às diferentes

2 Para Foucault (1995, p. 243), “aquilo que define uma relação de poder é um modo
de ação que não age direta e imediatamente sobre os outros, mas que age sobre sua

193
o pai está esperando ?

formas de materialidade, como também à organização dos espaços pú-


blicos, praças, ruas etc., quem os ocupava e as dinâmicas aparentes.
Progressivamente, em reuniões da equipe de pesquisa, a partir
da leitura dos diários de bordo, decidimos tomar como foco de nos-
sas observações as mulheres jovens grávidas ou acompanhadas por
crianças pequenas. Este exercício rendeu pouco, na medida em que o
“corpo materno” não parecia público nesta comunidade. Os pais ou
companheiros das grávidas também raramente se apresentavam.
Optamos, então por realizar observações periódicas nas duas
unidades de saúde da comunidade de modo a apreender como se es-
truturam tais serviços, bem como o fluxo da demanda e a própria di-
nâmica de chegada e acolhimento das mães adolescentes. Essas visitas
às unidades de saúde foram realizadas nos horários em que ocorriam
atendimentos destinados a mulheres grávidas ou a crianças (pré-natal,
pediatria e vacinação), bem como no horário em que ocorria o pla-
nejamento familiar (ou “saúde da mulher”, como é denominado esse
atendimento em uma das unidades de saúde).
Nessas visitas as duplas chegavam às Unidades sem se apresen-
tar como pesquisadores/as, sentavam-se na recepção e observavam. O
contato com os profissionais e os usuários do serviço era feito apenas
para obter algumas informações sobre os horários e o funcionamento
da unidade ou para se apresentar como estudantes – quando suas pre-
senças fossem questionadas e limitando-se a uma breve descrição da
temática pesquisada e, apresentando, se solicitados, o Termo de Anu-
ência da Secretaria Municipal de Saúde para realização da pesquisa.
Esta etapa compreendeu novamente o período de dois meses de obser-
vações, em dias e horários distintos.

própria ação. Uma ação sobre a ação, sobre ações eventuais, ou atuais, futuras ou
presentes. [...] Ele [o poder] opera sobre o campo de possibilidade onde se inscre-
ve o comportamento dos sujeitos ativos; ele incita, induz, desvia, facilita ou torna
mais difícil, amplia ou limita, torna mais ou menos provável; no limite, ele coage
ou impede absolutamente, mas é sempre uma maneira de agir sobre um ou vários
sujeitos ativos, e o quanto eles agem ou são suscetíveis de agir. Uma ação sobre
ações”. As palavras do autor desencadeiam pensamentos sobre o uso da corrente
enquanto instrumento que incita um dentro e fora, inscreve o campo de possibi-
lidade das ações das pessoas. Pensamos sobre os homens na Unidade de Saúde,
em especial, aos poucos pais que encontramos naqueles lugares: que campos de
possibilidade as ações deles estão inscritas que os incitam a não estarem ou para
estarem naquele lugar?

194
paternidades no cotidiano de uma unidade de saúde em recife

Posteriormente, selecionamos apenas uma unidade para realizar


uma observação mais sistemática. Os critérios usados para esta esco-
lha foram: 1) número maior de equipes de Saúde da Família, portanto,
com cobertura maior de famílias na região; 2) localização de mais fá-
cil acesso pela comunidade; 3) disponibilidade dos profissionais para
participar da pesquisa.

Sobre a unidade de saúde escolhida

A Unidade escolhida funciona das 8h às 17h. Foi observado pelos


pesquisadores que o fluxo de pessoas é maior pela manhã, diminuindo
progressivamente ao longo do dia.
Com uma equipe de 36 funcionários,3 a USF atende basicamen-
te à população de baixa renda, residentes em casas, aos arredores da
Unidade, sendo as mulheres as principais usuárias do serviço. Segue
uma tabela com os horários dos atendimentos priorizados por nós na
escolha dos momentos de visitação:

segunda-feira terça-feira quarta-feira quinta-feira sexta-feira

Puericultura Puericultura Puericultura


Manhã Pré-natal
Pré-natal Pré-natal Pré-natal
Puericultura
Planejamento
Tarde Pré-natal Planejamento
familiar
familiar

A região onde está localizada a Unidade escolhida é predominan-


temente residencial, possui ruas pavimentadas, alguns prédios (de no
máximo 10 andares) e residências, e também imóveis comerciais: lojas
de móveis, de roupas, farmácias, mercados, entre outros. Há um gran-
de movimento de pessoas nas ruas. Em certo ponto da rua principal da
região, encontramos uma pracinha onde brincavam algumas crianças
e alguns homens conversavam. A circulação de crianças na região, sem
presença de adultos, foi relatada repetidas vezes pelas duplas.

3 No total, são cinco homens (um dentista, três vigias e um Agente Comunitário de Saú-
de-ACS) e 31 mulheres (três médicas, três enfermeiras, três auxiliares de enfermagem,
15 Agentes Comunitárias de Saúde-ACS, uma dentista, duas auxiliares de saúde bu-
cal-ASB, uma agente administrativo, uma recepcionista e duas auxiliares de limpeza).

195
o pai está esperando ?

A sede da Unidade de Saúde fica localizada em um terreno ao


lado de uma área que funciona como depósito improvisado de lixo. A
entrada do prédio é recuada, ou seja, não fica diretamente na calçada
da rua. Apesar de adotar o mesmo padrão de identificação visual das
unidades de saúde da cidade de Recife, o fato do edifício ser mais re-
cuado chamou a atenção dos/as pesquisadores/as, alguns dos quais
inclusive chegaram, no início da pesquisa, a passar, por vezes, na fren-
te da unidade, sem identificá-la.
Ao entrar na unidade, há uma rampa que nos leva à sala de espe-
ra. Esta sala é ampla, com cadeiras plásticas dispostas simetricamente
em fileiras onde os usuários aguardam atendimento. Há ventiladores
e dois banheiros espaçosos. Em frente às cadeiras encontra-se o balcão
de atendimento da recepção. Em alguns momentos, o balcão se encon-
trava vazio e em outros, rodeado por alguns funcionários conversando
ou por uma das funcionárias escrevendo, que, em geral, aparentava
ser a recepcionista, o que foi confirmado posteriormente.
A Unidade de Saúde é um prédio com dois pisos. O interior do
prédio é decorado com os personagens de história infantil que faz alu-
são ao nome da unidade. As paredes aparentavam terem sido pintadas
há pouco tempo. Há um consultório odontológico, sala de reunião, três
consultórios para demais atendimentos, uma sala de vacinação e uma
sala de farmácia. Bem ao lado da recepção há uma escada que dá acesso
ao primeiro andar. Do outro lado da escada fica um corredor, ao qual
os pesquisadores não tiveram acesso. Apenas dois consultórios e o bal-
cão de medicamentos eram visíveis para quem se encontrava na sala
de espera. O restante do espaço estendia-se pelo corredor. Nesse mo-
mento inicial da pesquisa, não tivemos acesso ao 1º andar da Unidade,
frequentado apenas por funcionários. Posteriormente, um dos pesqui-
sadores teve acesso a estas instalações, na medida em que foi aparente-
mente a razão pela qual este pesquisador foi, progressivamente, sendo
identificado como profissional de saúde pela equipe, na medida em
que se apresentou como pesquisador, formado em Psicologia.
A impressão geral, registrada nos diários, foi a de um atendimen-
to pouco acolhedor ou pró-ativo. Os/as funcionários/as não percebe-
ram nossa presença como algo diferente e vários/as pesquisadores/as
relataram nunca terem sido abordados após horas em pé na entrada
da Unidade ou na recepção. Em um determinado momento, um dos

196
paternidades no cotidiano de uma unidade de saúde em recife

pesquisadores buscou informação sobre os horários de atendimento,


mas foi solicitado que aguardasse na sala de espera e não houve retor-
no. Este aspecto toma uma relevância especial se pensamos que a sala
de espera é o espaço privilegiado de acolhimento da população e os
encaminhamentos subsequentes têm uma relação direta com esta pri-
meira abordagem, além de ser um espaço privilegiado para se realizar
ações de acolhimento e construção de vínculo com a população, parti-
cularmente, adolescente e jovem, como consta em um dos documentos
do governo federal sobre a atenção à saúde do adolescente e do jovem
(BRASIL, 2005).
Essas observações envolveram novamente toda a equipe de pes-
quisa local (seis estudantes de graduação e dois de mestrado)4 em um
período de cerca de três meses, com reuniões semanais para leitura e
discussão em torno dos diários de bordo e de literatura específica sobre
observação e etnografia (BARBOSA; SOUZA, 2009; CAPRARA; LAN-
DIM, 2008; CASTRO, 2000; LAGE, 2009; MATTOS, 2001, entre outros).

Aproximações de análise

Em um dos diários de bordo, a pesquisadora descreve a unida-


de a partir da sala de espera: “a sala de espera estava quase lotada. A
maioria era de mulheres (havia apenas um homem sentado, em uma
cadeira mais afastada das mulheres). Havia quatro crianças acompa-
nhadas na sala: três eram mais velhas, apenas uma era ainda bebê.
Um dos pesquisadores observa e comenta que todas as supostas mães
aparentavam ter mais que 25 anos”.
Em uma das visitas fizemos uma entrevista com a enfermeira,5
em sua sala, onde ela realizava exames preventivos em mulheres. No
início, conversamos sobre o dia a dia na unidade, as atribuições de
cada profissional, até que ela comentou estar organizando um grupo

4 Além de alguns autores deste texto, registramos a participação de Kíssia Luna e


Clarissa Cabral, tanto nas observações nas comunidades e nas unidades de saúde,
como nas discussões em grupo.
5 Para tanto seguimos todos os procedimentos de pesquisa com seres humanos: au-
torização do comitê de ética da Universidade Federal de Pernambuco, processo
CEP/CCS/UFPE n.º 061/08, e apresentação e assinatura do TCLE – Termo de Con-
sentimento Livre e Esclarecido.

197
o pai está esperando ?

de gestantes, agendado para as próximas semanas. “A gente fez uma


programação de três semanas seguidas pra poder chamar o máximo de
mães e gestantes”, disse ela. “A intenção é buscar essas gestantes pra
dar o máximo de orientação possível, entendeu”. E o convite pra essa
programação é só pras mães ou ela pode trazer algum acompanhante?,
perguntou uma das pesquisadoras. “Não, a gente... Pode trazer a so-
gra, a mãe, no caso, dela... O marido também tá convidado”.
Nesse momento, chama-nos a atenção o (não) lugar oferecido ao
pai dentro do grupo de gestantes ou, nas palavras de Foucault, “o cam-
po de possibilidade, onde se inscreve o comportamento dos sujeitos
ativos” (1995, p. 243). Quando questionada sobre a possibilidade de
levar um acompanhante, a enfermeira cita a sogra e a mãe da gestante
para, depois, mencionar o pai da criança. O uso do termo “convida-
do” aí nos parece sugerir o caráter opcional ou acessório da presença
paterna aos olhos da enfermeira: a orientação, como ela disse, está di-
recionada para mães e gestantes. É interessante pensar que, até então,
não estávamos questionando-a sobre a presença dos pais, mas sobre o
planejamento e a forma como são ofertadas as atividades organizadas
pelo serviço. O que sua resposta parece indicar é que, mesmo antes de
saírem do papel, tais atividades ignoram a importância do pai no pré-
natal e no cuidado infantil. Desse modo, criam-se barreiras institucio-
nais, inscritas desde o momento de planejamento da ação, que regulam
os espaços nos quais a paternidade deve existir e ser exercida (LYRA,
MEDRADO, AZEVEDO, VALENTE, 2010).
Em seguida, questionamos sobre as adolescentes grávidas que
frequentam a unidade. A enfermeira começa a narrar alguns casos.
Perguntamos se elas vêm acompanhadas. “Às vezes elas vêm juntas,
mas a maior parte vem sozinha mesmo”. “E quando elas vêm acom-
panhadas, quem vem com mais frequência, a companhia?”, pergunta
uma das pesquisadoras. “A mãe”. Quanto aos companheiros (mari-
dos, namorados), ela responde que raramente.

Quando vêm, normalmente não falam, ficam bem acanhados,


assim... eles ficam assim no canto da parede e eu tento puxá-los
para ouvir o coração do bebê, pergunto se eles têm alguma dú-
vida, se eles querem perguntar alguma coisa, mas a maioria fica
muito trancada mesmo, não... não consigo puxar nada deles. A
maioria também é muito jovem.

198
paternidades no cotidiano de uma unidade de saúde em recife

Perguntamos, então, se ela considera importante o acompanha-


mento do homem, que ele esteja presente, e sua resposta acaba narran-
do histórias bem diferentes das relatadas anteriormente:

Acho! Inclusive elas ficam muito diferentes quando eles tão, elas
ficam mais felizes, e ficam o tempo todo querendo mostrar ‘olha
o coração do bebê!’, não sei o que... É como se eles tivessem dan-
do importância maior àquela gravidez;já teve uma que o marido
vinha toda a consulta, assim, sagradamente, quando eu o via na
recepção, já tinha que providenciar mais uma cadeira porque ele
está junto. E quando o bebê nasceu ele tá aqui até hoje, todo mês
ele vem com o bebê e ela junto! Já vem a família toda! Eh, mas
não é o mais comum... e elas ficam super orgulhosas quando os
companheiros tão juntos, elas fazem questão e pedem: ‘Ó, o meu
marido tá aí, posso pedir pra ele entrar?’... “Pode! Com certeza!
É um direito seu! Leve ele pra fazer o ultrassom!”... Aí elas: ‘Mas
ele num pode, ele trabalha!’ [sic].

Em outro momento, ela insiste que “os que vêm pela primeira
vez dificilmente voltam” e ressalta várias vezes que trata-se de “um
caso extra”, que “é raro”. Porém, quando perguntamos sobre o acom-
panhamento de crianças já nascidas, se lembra:

Tem outro caso que a mãe voltou a trabalhar e o pai é quem traz
todo mês (...) é um marido bem atencioso, ele vem com o celular
na mão e tudo o que eu pergunto a ele, ele fica ligando pra es-
posa pra... pra poder responder [risos], mas pelo menos ele vem,
né? [sic].

É comum em análise de práticas discursivas a busca por incoe-


rências ou contradições no texto, momentos em que as falas apresentam
fissuras sobre as quais podemos elaborar algumas reflexões (SPINK;
MEDRADO, 1999). Apesar de insistir na predominância da ausência
paterna, a enfermeira, em seu discurso, nos narra tanto casos de adoles-
centes grávidas abandonadas pelos namorados, como histórias de pais
presentes e interessados. O primeiro cenário é (re)produzido diariamen-
te nos diversos contextos sociais toda vez que surge o tema da gravidez
na adolescência; já o segundo raramente esquenta as discussões sobre o
tema. Cremos que, ao falarmos sobre a forma como o serviço e os pro-
fissionais de saúde, em suas práticas, tornam invisíveis determinados

199
o pai está esperando ?

modelos de paternidade e, ao visibilizar outros, acabam por produzir


essa paternidade ausente, referimo-nos a exemplos como esse trecho
da entrevista. Não pretendemos afirmar que há mais companheiros
acompanhando suas mulheres do que aqueles que não o fazem. Não
se trata de negar a ausência dos homens no cuidado paterno, no cui-
dado infantil, mas de chamar a atenção para outras possibilidades
de vivência dessa experiência; tornar visíveis os ditos “casos extras”
para que essas demandas – que não são utópicas, elas já existem e se
apresentam no ambiente da Unidade – sejam percebidas e orientadas
e mais, para que novas práticas possam ser organizadas em incentivo
a essas possibilidades, a nosso ver, potencialmente transformadoras
da realidade social.
Como dito anteriormente, a enfermeira fez questão de ressaltar,
nesse e em outros momentos da entrevista, que se tratava de um “caso
extra”, que “é rara” essa participação. Uma das pesquisadoras pergun-
ta então: “É feito assim o reforço por parte da enfermeira, do médico,
nem dos ACSs, sei lá, pra que elas venham com alguém, principalmen-
te com o namorado, ou com o marido? Falar pra...” [sic]. “Trazê-los?”,
ela completa. “Sim, pra trazer eles. Já que você percebe como elas fi-
cam felizes assim...” [sic]. “Não.”, ela responde prontamente.

A gente nunca pensou nisso, não! Pelo menos da minha equipe a


gente nunca solicitou isso das mães, nem dos ACS, de trazê-los...
Eu já convidei, disse: ‘Olha, se você quiser trazer o seu marido,
fique à vontade!’, mas não de ficar tentando estimular isso assim
não, isso a gente, sinceramente, nunca fez não [...].

Aqui e antes, quando comenta que necessita “providenciar outra


cadeira” para um pai que faz questão de estar presente nas consul-
tas com sua companheira, a enfermeira denuncia como se articulam
os dispositivos de atenção em saúde nas curvas da (in)visibilidade da
paternidade. As falas associam-se a práticas institucionais que con-
tribuem para construir esse lugar acessório para o pai. Apoiados em
padrões culturais que legitimam a ausência paterna e invisibilizam ou-
tros modelos de paternidade, os serviços não conseguem perceber a
possibilidade de promoção de outras práticas.

200
paternidades no cotidiano de uma unidade de saúde em recife

Curvas de (in)visibilidade

Quando resolvemos dar início às entrevistas com os pais, nosso


primeiro movimento foi em direção à unidade de saúde, porém esta pri-
meira estratégia não obteve êxito e seguimos para um hospital próximo
à região, ao mesmo tempo em que pedíamos ajuda às ACS. Este hospital
foi indicado pela própria equipe da Unidade, que afirmava encaminhar
as gestantes adolescentes para serem atendidas como gravidez de risco,
mesmo contrariando a nota técnica da Secretaria de Saúde Municipal,
baseada em parecer do Ministério da Saúde, que afirma:

A respeito da gravidez na adolescência, consideramos que ela não


se constitui na gestação de alto risco, embora seja necessária espe-
cial atenção para ocorrência de fatores sociais que possam inter-
ferir no bem-estar da gestante, como o abandono do parceiro ou
da família, a descontinuidade de projetos de vida, entre outros. A
avaliação do risco deve ser feita, conforme preconizada no Manual
de Pré-natal e com ajuda do Cartão da Gestante, da mesma forma
que é feita para mulheres em outras faixas etárias. As gestantes
adolescentes, especialmente aquelas com menos de 15 anos, devi-
do às suas características bio-psico-social, devem ser acolhidas o
mais precocemente no pré-natal e acompanhadas cuidadosamen-
te para assegurar a evolução de uma gravidez e parto saudável.
É fundamental também o acompanhamento da adolescente após
o parto, incluindo orientações sobre planejamento reprodutivo.
A referência para serviço de maior complexidade deve acontecer
mediante identificação de risco adicional (RECIFE, 2006, p. 02).

Fomos primeiro à sala de espera do segundo andar de um dos


referidos hospitais: havia muitas jovens grávidas, outras já com seus
filhos, mas não encontramos nenhum pai. Subimos para a enfermaria,
na qual esperávamos encontrar pais de recém nascidos ou companhei-
ros de grávidas prestes a dar à luz.
Também não tivemos sucesso, mas foi lá que começamos a pres-
tar atenção mais detidamente à disposição do ambiente. Muitos quar-
tos, um corredor apertado, uma pequena sala de espera próxima ao
elevador com quatro poltronas, uma estação de enfermagem/recep-
ção. Em seu diário de bordo, uma das pesquisadoras escreve sobre os
cartazes afixados na parede, cujo tema principal era a amamentação.

201
o pai está esperando ?

A maioria não contava com a presença do pai, com exceção de al-


guns cartazes sobre aleitamento, mas com lugares bem demarca-
dos para esses pais, por exemplo: sobre doação de leite materno,
ilustrado com uma mulher com bebê e um ator famoso, Rodrigo
Faro, segurando um pote cheio de leite, sob a inscrição ‘Doe leite
materno. Toda mãe faz tudo por um bebê’ [...].

Os dizeres sempre giravam em torno da amamentação como algo


de direito do bebê e dever da mãe, ou responsabilidade da mãe. Um
dos cartazes tratava do direito da mãe de ser dispensada do trabalho
para amamentar (não há menção ao pai): “Saiu durante o expediente
para encontrar o amor da sua vida e o patrão deu força”.
Na maternidade do hospital, o ambiente tinha as paredes pinta-
das de rosa, uma recepção e um longo banco de espera, encostado em
uma das paredes. Em frente ao banco, destacam-se novamente carta-
zes educativos relacionados à amamentação. O termo “educativo” é
aqui empregado porque além de “incentivar” a mãe a amamentar com
frases de efeito, havia textos explicativos do por que (apoiado no saber
biomédico) a amamentação é boa para o bebê e para a mãe; alguns
deles também ensinavam técnicas como posições, pegar corretamente,
etc.; não se tratavam de fotografias, mas de desenhos. Desses, o cartaz
que mais chamou a atenção de uma das pesquisadoras (descrito em
seu diário) apresenta uma mulher sentada na cama, amamentando,
com um sorriso no rosto e um homem deitado ao seu lado na cama,
dormindo, virado para o outro lado. Ao lado do desenho, a inscrição
“Saiba que quanto mais o bebê mama, mais leite você produz [...] O
bebê que mama no peito várias vezes, dia e noite, de acordo com a sua
vontade, não necessita de mais nada”.
Por fim, nesse mesmo andar, apenas dois cartazes continham a
imagem do pai, sendo um deles o ator Thiago Lacerda, em uma cam-
panha pela amamentação na primeira hora de vida do bebê. Um dos
pesquisadores, conforme registro em diário, comentou que os cartazes
têm seus conteúdos modificados conforme os anos vão passando. Em
um primeiro momento, o aleitamento materno era essencial para o bebê,
em seguida, era importante para a saúde do bebê e da mulher, e em um
momento mais recente, o pai é adicionado à equação como uma perso-
nagem importante nesse processo. Este pesquisador chamou a atenção
para um cartaz que aparecia neste andar e também no primeiro, onde

202
paternidades no cotidiano de uma unidade de saúde em recife

estavam sendo realizadas consultas pediátricas. Nele, a foto de um


bebê sorridente em preto e branco e a legenda: “Para o seu bebê ser
o lindinho do papai e a fofurinha da mamãe e crescer saudável, ele só
precisa de uma coisa: leite materno”.6 Porém, o que nos chamou parti-
cularmente a atenção neste cartaz foi outra frase, escrita à caneta, com
letra de fôrma, na bochecha do bebê: “Carol, papai te ama”.
Nessas observações, vale destacar a onipresença da propaganda
pelo aleitamento, a maioria sem a presença do pai e quase sempre em
tom impositivo, reduzindo o cuidado materno à amamentação e, ain-
da, a mulher a um seio que deve estar sempre pronto a servir.
A ausência de figuras paternas nos cartazes, ou a “presença na
ausência” em alguns casos, atuam também – assim como seu ideali-
zador, o Ministério da Saúde – como produtores de uma versão que
se coloca como hegemônica de que a mulher é a principal, se não a
única, responsável pelo cuidado infantil. Tal concepção já faz parte de
uma matriz cristalizada, fruto de um processo histórico de submissão e
opressão das mulheres, visando limitar suas possibilidades de exercer
outras funções na sociedade. A luta feminista pela autonomia das mu-
lheres visa à possibilidade de escolha e a conquista de novos lugares
pautada no exercício de seus direitos e desejos. Na construção dessa
realidade, não se pode excluir os homens, pelo contrário; é necessário
ampliar também para eles o horizonte de possibilidades. A luta contra
o machismo inclui promover visibilidade de forma estratégica a outros
modelos de masculinidades e de paternidades possíveis. Os cartazes
apresentados, ao excluir o homem dos espaços relativos ao cuidado
do bebê, contribuem para a materialização desse seu lugar invisível e
definição da paternidade como dispensável.
Dentre os poucos cartazes em que figura a presença paterna, um
em particular chamou nossa atenção: aquele em que o pai dorme en-
quanto a mãe amamenta. O fato desse desenho fazer parte de uma
série de cartazes educativos sobre a amamentação reflete muito sobre
como se concebe a educação em saúde, principalmente no que se refere
à vida reprodutiva. Enquanto à mulher é atribuída toda a responsabi-
lidade, o homem é lançado a um não lugar, de onde só é chamado a

6 Vale ressaltar que os cartazes aqui descritos eram em sua maioria assinados pelo
Ministério da Saúde.

203
o pai está esperando ?

responder a partir de um sistema de crenças sexistas e (re)produtor de


práticas opressoras.
O espaço da maternidade, como já foi dito, é todo pintado de
rosa, repleto de desenhos e fotos de mulheres amamentando. Não há
qualquer indicação ao pai de que ele pertença a esse universo. Nada
naquele ambiente parecia alertar qualquer pai sobre sua importância,
oferecer-lhe apoio, presentificá-lo. Assim, sobre o rabisco escrito à ca-
neta naquele cartaz em que a figura do pai passava despercebida (“Ca-
rol, papai te ama”), pareceu-nos simbólico o “vandalismo” do pai de
Carol; já que ninguém reconhecia sua presença ali, ele fez questão de
registrá-la, quase como uma linha de fuga de uma subjetivação que
resiste ao se dizer.

Linhas de fuga

Em uma das incursões à unidade de saúde em busca de companhei-


ros de grávidas/mães adolescentes, uma das duplas de pesquisadores,
conhece Carlos.7 Segurando no colo uma criança de aproximadamente
um ano, Carlos concordou em conceder-nos a entrevista. Sua mulher,
grávida do segundo filho, aguardava sentada na sala de espera. Logo nas
primeiras perguntas, Carlos nos conta que costuma frequentar o posto de
saúde para acompanhar sua mulher nos exames de prevenção:

Mesmo antes da gravidez, a gente sempre ia. Porque no caso,


parece que era de seis em seis meses, só que com o problema que
ela tinha, a gente ia um pouco mais [sic].

Carlos fala frequentemente no plural, referindo-se a ele e a mulher:

Todo pré-natal, todo mês eu tava lá, e todo mês era um Raio X que
a gente tirava. Raio X não né, a ultrassom. Todo mês a ultrassom,
todo mês a gente levava pra médica. Sempre fazia o acompanha-
mento, tamanho da barriga, escutar o bebê, fazer tudo [sic].

Uma das pesquisadoras pergunta a Carlos como era o atendimento


nos postos de saúde, se ele podia entrar para o atendimento. “Eu entrava,

7 Nome fictício.

204
paternidades no cotidiano de uma unidade de saúde em recife

eu ia com ela, acompanhava ela, junto com ela, fazia as perguntas, coisas
que ela não sabia eu perguntava a ela”, diz ele. Segundo Carlos, ele nun-
ca deixou de ir a uma consulta sequer com a mulher, antes e depois do
nascimento do filho. Quando perguntado em relação ao atendimento,
Carlos diz que depende se souberem que ele é o pai ou não: “já aconte-
ceu dela tá só conversando olhando pra mulher, né, no caso pra mãe. Aí
olhando, olhando, olhando, olhando e eu do lado. Ai eu disse “eu acho
que ela não sabe quem é, que eu sou o pai não””.
O parto, ele diz que, apesar da vontade, não pôde assistir:

Foi, no parto eu não pude entrar não, por causa que tava faltando
os materiais, as roupas necessárias pra entrar, tava faltando [...]
Eu até disse “mas rapaz, né lei, a pessoa, o pai entrar?”, ai ela
disse “oia, eu sei que é lei, explicou que a lei era de 2005, ou foi
95, disse que podia entrar, só que não tava com o material [sic].

E complementa: “Eu ficava doidinho pra entrar, mas sem condi-


ções... Fiquei na porta só olhando, tentando escutar, mas teve jeito não”.
A paternidade que Carlos busca exercer parece fugir à certa nor-
ma que rege as práticas hegemônicas naquele contexto, pelo menos se
levada em consideração a fala das profissionais da unidade de saúde.
Sua presença nos consultórios era, muitas vezes, tratada com descon-
fiança; não era suficiente estar ali, ele precisava afirmar a paternidade
para ser reconhecido e considerado pelo olhar da médica no momento
da consulta. O encontro com Carlos serviu para dar contornos ao argu-
mento que pretendíamos construir. Se é verdade que podemos pensar
em dispositivos que atuam prescrevendo comportamentos e restrin-
gindo o exercício da paternidade, também podemos pensar em tenta-
tivas constantes de subversão, de rompimento com essas prescrições
para que faça sentido a insistência do dispositivo, tal qual uma linha
de fuga em um dispositivo de cuidado em saúde que insiste em deixar
à sombra experiências que produzem contradições e movimentos.

Considerações finais

A partir das observações preliminares feitas nas duas Unida-


des de Saúde de Recife e, posteriormente, na Unidade escolhida, bem

205
o pai está esperando ?

como no hospital de referência, podemos fazer algumas considerações


a respeito das enunciações e (in)visibilidades do pai nessas unidades
de saúde.
De forma geral, os relatos apontam para um modelo de atendi-
mento descrito em um dos relatos como “mecânico e distante”. Em
nenhum momento fomos abordados quanto ao que necessitávamos ou
procurávamos ali, apesar de termos frequentando repetidas vezes a
Unidade. Os usuários, como nós, pesquisadores, muitas vezes, aguar-
davam pacientemente. Muitos afirmaram estar há horas em pé e nunca
terem sido abordados, enquanto a equipe andava de um lado para o
outro e conversava na recepção.
Todo o atendimento é predominantemente exercido por mu-
lheres e frequentado por elas. Com exceção do segurança e de um
recepcionista homem, a presença masculina foi registrada em raros
momentos. Decorado com desenhos infantis, o próprio ambiente e a
predominância de atividades voltadas para o público feminino realiza-
das na Unidade parecem contribuir para linhas de força que mantêm
distantes os homens. O grupo de gestantes é exclusivo para mulheres
grávidas. O Planejamento Familiar8 é nomeado nesta unidade como
“Saúde da Mulher” e a semana do aleitamento, por exemplo, é uma
ação direcionada exclusivamente para as “mamães”. Nada no serviço
parece convidá-los a se envolver no cuidado em saúde (seu e de sua
família), nada parece indicar que aquele espaço também os pertence.
Quanto à participação paterna, pudemos observar, sim, algumas
fissuras (ou linhas de fuga) no discurso hegemônico, em circulação na
Unidade, de que os homens não exercem o cuidado infantil. Em mais
de um diário de bordo é relatada a presença de pais (ou companheiros)
com crianças pequenas na Unidade, sozinhos ou com suas companhei-
ras. Ainda assim, o serviço não parece preparado para lidar com essas
demandas e insiste em pensar o exercício da paternidade sempre como
assessório ou ausente (LYRA, 1997; 2008).

8 O Ministério da Saúde, área Técnica de Saúde da Mulher, desde 2004 passou a uti-
lizar a expressão ‘planejamento reprodutivo’ em substituição à expressão ‘planeja-
mento familiar’ com vistas a englobar as diversas e diferentes experiências da vida
reprodutiva e sexual das pessoas, pois em muitos casos elas não estão planejando
constituir famílias quando buscam exercer seus direitos sexuais e direitos reprodu-
tivos (BRASIL, 2004).

206
paternidades no cotidiano de uma unidade de saúde em recife

Essa curva de invisibilidade dos pais no serviço acaba por desen-


corajar (quando não elimina) os poucos casos de resistência e inibir a
possibilidade de criação de outros modelos que subvertam funções de
gênero tradicionais e opressoras. Quando uma das enfermeiras “cons-
tata” que os pais que vêm uma vez dificilmente voltam e, em outro
momento, afirma desconhecer qualquer atitude adotada pela equipe
para estimular a participação paterna, torna-se possível lançar outro
olhar sob a questão, não mais atrelado à culpabilização dos homens.
A partir desse olhar, evidencia-se a importância de rever as práticas
e discursos em circulação no serviço que dificultam a reversão desse
quadro, insistindo na (re)produção de padrões culturais, inscritos em
práticas preconceituosas, que naturalizam e fixam normas de gênero,
restringindo o cuidado infantil à figura da mulher e limitando as for-
mas de exercício da paternidade (e das masculinidades) (MEDRADO,
1997; 1998).
Uma das questões centrais, portanto, é a de que esses serviços de
saúde parecem se colocar no lugar de simples “receptores” de deman-
das e “distribuidores” de atendimento. Dessa forma, os serviços de saú-
de ignoram seu papel ativo na produção dessas demandas, que diferem
de necessidades justamente pela maior plasticidade do primeiro termo.
Dessa forma, os serviços mantêm-se distantes de seu papel como impor-
tantes partícipes no processo de transformação social, considerando a
grande influência que exercem sobre a comunidade e seu cotidiano.
Defendemos que a maior participação dos homens nos cuidados
para com seus filhos pode, certamente, dinamizar as relações de gêne-
ro e possibilitar a ampliação dos repertórios das crianças quanto aos
valores e normas considerados masculinos e femininos. Além disso, é
preciso romper com leituras heteronormativas sobre filiação e relação
parental, que produzem regimes de verdade, de exclusão de possibili-
dades. E, como alerta a campanha “Dá licença, eu sou pai!”,9 que versa
sobre a ampliação da licença paternidade, precisamos nos perguntar: e
se o pai for solteiro? E se forem dois pais?”.
De fato, é necessário ampliar as reflexões sobre o cuidado infan-
til, a partir do enfoque de gênero e sexualidade. A paternidade é uma
prática que pode gerar benefícios subjetivos e materiais para a vida e a

9 Instituto PAPAI. http://www.papai.org.br.

207
o pai está esperando ?

saúde dos homens e das próprias crianças. A paternidade não é apenas


uma responsabilidade ou obrigação, é também um direito e pode ge-
rar muito prazer. Muitos são aqueles que têm interesse em participar
do desenvolvimento dos seus filhos, mas os serviços ainda precisam
se adequar a esta realidade, promover acolhimento e, caso necessário,
adaptar sua rotina e estrutura para garantir o exercício da paternidade.
É preciso também abrir espaços para visibilidade de outras paternida-
des (MEDRADO et al., 2010).
Por fim, é importante reiterar que a construção de um lugar social
para o pai, no contexto da gravidez na adolescência, fundamenta-se na
necessidade de incluir ações dirigidas aos homens nas políticas públi-
cas visando a um exercício da sexualidade e da saúde reprodutiva, em
consonância com tratados e plataformas internacionais em direitos re-
produtivos, especialmente aqueles construídos durante a Conferência
Internacional sobre População e Desenvolvimento, de 1994, realizada
no Cairo/Egito, e da Conferência da Mulher, de 1995, realizada em
Beijin/China (MEDRADO et al., 2010).

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autoras/autores

Benedito Medrado
Doutor em Psicologia Social pela PUC/SP, é docente dos cursos
de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia da UFPE e um dos
fundadores do Instituto Papai. É o atual cocoordenador do Núcleo
de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (cadastrado no CNPq
desde 1998), pesquisador do CNPq, presidente da Associação Bra-
sileira de Psicologia Social (ABRAPSO) e secretário geral da Rede
Brasileira de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG).

Celestino José Mendes Galvão Neto


Graduado em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba,
é mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Per-
nambuco, integrante do Núcleo de Pesquisas em Gênero e Mas-
culinidades (GEMA/UFPE) e associado da Associação Brasileira
de Psicologia Social (ABRAPSO).

Dara Andrade Felipe


Estudante do curso de Graduação em Psicologia da Universida-
de Federal de Pernambuco, é integrante do Núcleo de Pesquisas
em Gênero e Masculinidades (GEMA/UFPE). Associada da As-
sociação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), é estagiária
do Programa de Redução de Danos da Prefeitura da Cidade do
Recife e educadora social pelo Instituto de Assistência Social e
Cidadania (IASC).

Eduardo Coelho Ceotto


Psicólogo, com Mestrado em Psicologia pela Universidade Fe-
deral do Espírito Santo (UFES), é doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da UFES. Integra o Grupo de Pes-
quisa RedePso (Rede de Estudos e Pesquisas em Psicologia So-
cial). É professor adjunto e coordenador do Curso de Psicologia
da Faculdade Brasileira – UNIVIX, onde ministra disciplinas de
Psicologia Social e Estágios.

213
o pai está esperando ?

Fernando Luiz Salgado da Silva


Psicólogo, mestrando em Psicologia pela Universidade Federal
de Santa Catarina, é também pesquisador do Núcleo de Pesquisa
Modos de Vida, Família e Relações de Gênero (Margens/UFSC).

Jorge Lyra
Doutor em Saúde Pública pelo CPqAM/NESC/Fiocruz e Mestre
em Psicologia Social pela PUC/SP, é docente do Departamento
de Psicologia da UFPE e também um dos fundadores do Insti-
tuto PAPAI. Cocoordenador do Grupo de Pesquisas em Gênero
e Masculinidades (Gema/UFPE), é membro do comitê de éti-
ca em pesquisa do Centro de Saúde Amaury de Medeiros (CI-
SAM/Universidade de Pernambuco – UPE), vice-coordenador
do grupo de trabalho sobre gênero e saúde da Rede Feminista
Norte-Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações
de Gênero-REDOR, bem como membro do Comitê Consultivo/
BVS-Adolec/Bireme-OMS/OPAS do Ministério da Saúde.

Kirlla Cristhine Almeida Dornelas


Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES), é docente da Faculdade Católica Salesiana do Es-
pírito Santo e pesquisadora colaboradora da RedePSo (Rede de
Estudos e Pesquisas em Psicologia Social).

Ludmila de Oliveira
Estudante do curso de Graduação em Psicologia da Universida-
de Federal de Pernambuco, é integrante do Núcleo de Pesqui-
sas em Gênero e Masculinidades (GEMA/UFPE). Associada da
Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), partici-
pa voluntariamente do Programa de Iniciação Científica PIBIC/
CNPq 2011/2012.

Luiza Dantas
Estudante do curso de Graduação em Psicologia da Universida-
de Federal de Pernambuco, é integrante do Núcleo de Pesquisas
em Gênero e Masculinidades (GEMA/UFPE). É também asso-
ciada da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) e
bolsista de Iniciação Científica – CNPq.

214
Autoras/Autores

Márcio Bruno Barra Valente


Mestre em Psicologia dela UFPE, é graduado em Psicologia pela
UNAMA e Ciências da Religião pela UEPA. Integra o Núcleo de Pes-
quisas em Gênero e Masculinidades (Gema/UFPE) e a Associação
Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO). É colaborador do Institu-
to PAPAI e atua ainda como Psicólogo Clínico (CRP-02/15194).

Maria Camila da Silva


Estudante de Direito na Universidade Católica de PE, é integran-
te do Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (Gema/
UFPE), integrante do Coletivo e da Articulação Brasileira de Jo-
vens Feministas, da Articulação de Adolescentes e Jovens Comu-
nicadoras/es e do Conselho Editorial Jovem da Revista VIRA-
ÇÃO. Integrou a 2ª edição do Programa “Jóvenes Investigando
Jóvenes – Programa Mujeres Jóvenes em La Sociedad de La In-
formación/Conocimiento” (Facultad Latinoamericana de C. So-
ciales – FLACSO, Argentina).

Maria Juracy Filgueiras Toneli


Psicóloga e Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimen-
to Humano pela USP, é professora do Departamento de Psico-
logia da UFSC, onde leciona e orienta na Graduação e na Pós-
Graduação. Pesquisadora do CNPq e cocoordenadora do Núcleo
de Pesquisa Modos de Vida, Família e Relações de Gênero (Mar-
gens/UFSC).

Mariana Azevedo
Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Per-
nambuco, onde atualmente cursa Mestrado em Sociologia no
Programa de Pós-Graduação de Sociologia. Integra o Grupo de
Estudos em Gênero e Masculinidades e o Grupo de Estudos sobre
Epistemologia feminista na UFPE. Faz parte, desde 2005, do corpo
pedagógico da Organização Não Governamental Instituto Papai.

Marília dos Santos Amaral


Psicóloga, é mestranda em Psicologia pela Universidade Federal
de Santa Catarina. É pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Modos
de Vida, Família e Relações de Gênero (Margens/UFSC).

215
o pai está esperando ?

Michael Ferreira Machado


Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas
(2010). Atualmente é mestrando do Programa de Pós-Gradua-
ção em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, in-
tegrante do Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades
GEMA/UFPE, colaborador da Amnistia Internacional (Portugal)
e bolsista de Mestrado - CNPq.

Sibelle Maria Martins de Barros


Psicóloga, é Doutora em Psicologia pela Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES) e professora colaboradora do Progra-
ma de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP/UFES) vinculada ao
Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD/CAPES). Integra
a Rede de Estudos e Pesquisas em Psicologia Social (RedePso/
UFES), onde desenvolve atualmente pesquisas relacionadas à te-
mática da paternidade no campo da saúde coletiva.

Suzana Almeida Araújo


Psicóloga, possui Mestrado em Psicologia pela Universidade Fe-
deral de Santa Catarina. É professora do colegiado de Psicologia
da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – AGES, Paripiran-
ga/BA e participa como pesquisadora-colaboradora do Núcleo
de Pesquisa Modos de Vida, Família e Relações de Gênero (Mar-
gens/UFSC).

Symone Gondim
Estudante do Curso de Graduação em Psicologia da Universida-
de Federal de Pernambuco, é integrante do Núcleo de Pesquisas
em Gênero e Masculinidades (GEMA/UFPE). Associada da As-
sociação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), é bolsista do
Programa de Iniciação Científica PIBIC/UFPE/CNPq.

Túlio Romério Lopes Quirino


Graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Vale do
São Francisco (UNIVASF), atualmente cursa o Mestrado em Psi-
cologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – bol-
sista de Mestrado CAPES. Integra o Núcleo de Pesquisas sobre

216
Autoras/Autores

Gênero e Masculinidades (GEMA/UFPE) e desenvolve traba-


lhos como membro-secretário do Núcleo Vale do São Francisco
da ABRAPSO.

Zeidi Araújo Trindade


Professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo, é
graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Londri-
na, com Mestrado e Doutorado em Psicologia pela Universida-
de de São Paulo. Membro da diretoria da Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), gestões
2002-2004 e 2004-2006, bem como pesquisadora do CNPq.

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A P Ê N DI CE

Ro t e i r o d a entrevista
es tr u tu r a d a com a s mã e s
a d o l e s ce n te s
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Recomendamos a reprodução, total ou parcial, desta obra,
desde que não haja fins de lucro e que seja citada a fonte.
Licença: http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/deed.pt
Projeto gráfico: Rita Motta
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Esta obra foi composta em Book Antiqua e Humanist 521 BT,


no formato 16 x 23 cm, mancha de 12 x 20,8 cm
A impressão se fez sobre papel pólen Soft 90g,
capa em Duplex 250 g pela Gráfica Nova Letra
na primavera de 2011 para a Editora Mulheres

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