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Educação Menor e Spinoza
Educação Menor e Spinoza
A Prática Espinosana de
uma Educação Menor
Fernando Bonadia de Oliveira I
I
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Seropédica/RJ – Brasil
Notas
1 Deleuze (2002, p. 14), também reconheceu essa dupla face da recepção do pensa-
mento de Descartes. Para ele, no século XVII, já se interpretava o cartesianismo
como “[...] uma nova e prodigiosa escolástica”, mas que já não tinha “[...] nada a
ver com a antiga [escolástica] e menos ainda com o cartesianismo”.
2 Em Espinosa: filosofia prática, Deleuze (2002, p. 17) reconhece que “Espinosa faz
parte dessa estirpe de ‘pensadores privados’ que mudam os valores e praticam
uma filosofia a martelada, e não daquela dos ‘professores públicos’ (aqueles
que, segundo elogio de Leibniz, não interferem nos sentimentos estabelecidos,
na ordem da Moral e na Polícia)”. Ou seja, para Deleuze, Espinosa se coloca
efetivamente contra o sistema publicamente estabelecido.
3 Essa posição se alinha àquela sustentada por Abreu (1993). Espinosa aparece aqui
como um legítimo liberal, que defende um estado mínimo regulador da educação
que se equilibraria com a ajuda da mão invisível do mercado consumidor.
4 Ao invés de compreender a iniciativa de Espinosa como liberal, poderíamos
pensá-la como iniciativa de autogestão da educação, na medida em que se enten-
de a autogestão social, enquanto princípio político contemporâneo, como defesa
intransigente da autonomia individual que nega o “poder institucionalizado” e
a “hierarquização” (Gallo, 2000, p. 34).
5 Diego Tatián (2004) demonstra o quanto a filosofia espinosana se afasta de
atribuir qualquer positividade à noção de mérito.
6 Embora não fosse recomendado pelos jesuítas, o ditado era exigido no nono
artigo das Regras comuns a todos os professores das Faculdades Superiores da
Ratio Studiorum nos seguintes termos: “[...] os [mestres] que ditarem não parem
depois de cada palavra, mas falem de um fôlego, e se for necessário, repitam;
e não ditem toda a questão para depois explicá-la, senão alternem o ditado e a
explicação” (Franca, 1952).
7 Ao contrário de Descartes que retirou as causas finais da física, mas precisou
mantê-las na metafísica em atenção ao imperativo dos escolásticos (Princípios,
Parte I, art. 28; Descartes, 2007), Espinosa conseguiu, com liberdade, expulsá-las
de uma vez por todas de seu sistema, esvaziando sua doutrina da tendência à
superstição (Ética I, Apêndice; Espinosa, 2015).
8 Abreu (1993, p. 171) apresenta uma concepção que em muito coincide com a
interpretação aqui proposta: “O alcance do método geométrico não é apenas
epistemológico e ontológico. Para A. Malet, esse método tem alcance religio-
so, porquanto respeita mais do que outro qualquer a essência de Deus e sua
independência relativamente ao homem”. Nessa leitura, Espinosa escolheu o
método dos geômetras não por ser um racionalista e humanista, mas porque o
conhecimento pela matemática substituiu o conhecimento pelas causas finais.
9 Para não estender a lista de clássicos da educação brasileira com o mesmo diag-
nóstico, basta recordar as constatações de Saviani (2004), Lima (1974), Freire
(2002) e Fernandes (1989).
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