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2 Resumo Executivo
64 Referências Bibliográficas
68 Agradecimentos
69 Sobre o Autor
69 Sobre o Lincoln Institute of Land Policy
Resumo executivo
© ALVARO URIBE
A
A Avenida Faria Lima em urbanização na América Latina está legislação explícita recomendando que os
São Paulo, no Brasil, foi associada a uma forte pressão pela princípios da recuperação de mais-valias
renovada com recursos oferta de terras dotadas de serviços, fundiárias sejam considerados. Entretanto,
obtidos com a venda de
o que resulta em incrementos signi- constatou-se que a legislação nacional pode não
Certificados de Potencial
Adicional de Construção ficativos nos valores das terras, os quais são ser nem necessária nem suficiente para permitir
(CEPAC) no mercado de distribuídos de forma desigual entre os pro- que certas cidades usem este mecanismo
valores mobiliários. prietários fundiários e outros agentes envol- potencialmente poderoso de financia-mento,
vidos. As políticas e instrumentos fiscais para implementar uma variedade de
convencionais desconsideram, em grande instrumentos adaptados às suas necessidades
medida, tanto a forma como os custos da locais.
provisão de infraestrutura e serviços urbanos Este informe discute o conceito de recupe-
são socializados, assim como a forma em que ração de mais-valias fundiárias, explica sua
seus benefícios são privatizados. justificativa e crescente popularidade, faz uma
A noção da recuperação de mais-valias breve revisão dos seus antecedentes na América
fundiárias é a de mobilizar, em benefício da Latina e em outras partes do mundo, e ilustra
comunidade, uma parte ou a totalidade dos suas muitas formas e sua longa presença na
incrementos de valor da terra (benefícios agenda do planejamento urbano. As razões de
indevidos ou mais-valias fundiárias) que te- sua crescente popularidade são muitas: a
nham sido decorrentes de ações alheias às dos estabilização econômica regional e a
proprietários de terras, tais como investi- descentralização fiscal; estratégias mais progres-
mentos públicos em infraestrutura ou altera- sistas de planejamento e gestão urbana; a
ções administrativas nas normas e regulamen- redemocratização, o aumento da conscientiza-
tações de usos do solo. A região tem um longo ção social e a demanda por políticas públicas
histórico de políticas de recuperação de mais- equitativas; uma mudança de atitude quanto à
valias fundiárias, e muitos países, parti- privatização e às parcerias público-privadas; a
cularmente, o Brasil e a Colômbia, já adotaram influência de agências multilaterais; e conside-
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CAPÍTULO 1
© ALVARO URIBE
A
A incorporação urbanização na América Latina vigoroso mercado de terras, no qual os
imobiliária em produziu um enorme conjunto de ganhosextraordinários que resultaram em larga
grande escala na
medida das intervenções públicas acentuaram
área da Barra da
Tijuca, Rio de
problemas urbanos, que vão desde os já fortes interesses dos proprietários de
Janeiro, foi vastas áreas onde os serviços urbanos terras. Quando os recursos fiscais e humanos
realizada nos são mínimos, muitas vezes ocupadas de modo são relativamente escassos, a provisão de
anos 1970 e ilegal, até o crescente desrespeito pelas normas infraestrutura urbana e serviços, nas áreas que
1980, tal como
construtivas e de uso do solo em bairros podem receber maiores densidades, gera
concebido no
Plano Piloto de afluentes de algumas cidades. Esta situação não aumentos significativos no valor da terra. Estes
1969. pode ser atribuída exclusivamente a fatores vínculos entre serviços e preços abrem um
macroeconômicos mais amplos que amplo espaço a práticas tais como a
contribuem para a pobreza urbana. Ela especulação fundiária ativa (Jaramillo 1994), o
também está relacionada à forma pela qual a clientelismo e outros tipos de influência
provisão de infraestrutura urbana é financiada, (inclusive corrupção) entre os interesses
os procedimentos aplicados na gestão do solo, públicos e privados. É por esta razão que a
e como os direitos de propriedade são propriedade da terra é um tema tão importante
definidos. na agenda de políticas de terra urbana, e é por
A rápida urbanização ocorrida ao longo do isso também que a alocação espacial
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alimentado por altas concentrações de EFEITOS MULTIPLICADORES DAS
investimentos públicos e privados (Salandia ALTERAÇÕES DO USO DO SOLO
2012). Quando se trata dos incrementos do valor da
terra resultantes de intervenções públicas, as
QUADRO 1.2 apostas são altas, seja em grandes e complexos
Complexo Petroquímico de Itaboraí, Rio de Janeiro empreendimentos, como é o caso de Itaboraí,
ou em áreas menores. O chamado multipli-
cador urbano – a relação entre os preços por
TABELA 1.2
Incrementos do Preço da Terra (US$/m²) Relacionados à Localização dos Terrenos em Municípios
Brasileiros, 2001
Distância do Centro Comercial (km) Custos de investimento
para provisão do
Serviços adicionais 5–10 km 15–20 km 25-30 km serviço em 1000 m² de
acumulados (anel interno) (anel intermediário) (anel externo) área útil
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decendo à normativa urbanística, varia de US$10 a ções públicas administrativas, tais como a concessão
US$35/m², dependendo das condições de licenças para alterações de usos do solo e para
topográficas, da qualidade da infraestrutura, e da desenvolvimentos imobiliários, inclusive para o
escala do projeto. A diferença entre estes preços e aumento de densidades. O objetivo é utilizar os
custos demonstra o potencial da utilização dos incrementos do valor da terra provocados por
incrementos de valor da terra para financiar intervenções do poder público para permitir às
investimentos públicos, mesmo no segmento administrações municipais o aprimoramento no
inferior do mercado de terras (Bouillon 2012). desempenho da gestão do uso do solo e para
financiar a infraestrutura urbana e a provisão de
PRINCÍPIOS DA RECUPERAÇÃO DE MAIS- serviços.
VALIAS FUNDIÁRIAS O fundamento é que os benefícios outorgados
A recuperação de mais-valias fundiárias refere-se ao aos proprietários da terra pelo poder público devem
retorno à comunidade dos incrementos de valor da ser compartilhados de forma justa entre todos os
terra (ganhos indevidos ou plusvalías) decorrentes usuarios da terra. Além disso, o princípio de que
de ações alheias aos investimentos diretos dos nenhum cidadão deve acumular riqueza que não
proprietários (Figura 1.1). Apesar de que todos resulte de seu próprio esforç, conhecido como
esses incrementos, conceitualmente, sejam “enriquecimento sem justa causa”, prevalece na
essencialmente ganhos indevidos, as políticas de maioria das constituições dos países latino-
recuperação de mais-valias fundiárias se americanos (Rabello 2012).
concentram principalmente sobre o incremento de Uma aplicação típica da recuperação de mais-
valor gerado por investimentos públicos e por atua- valias fundiárias permitiria ao poder público
FIGURA 1.1
Componentes do Valor da Terra Urbana
a b c d
A B C D
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um ganho legítimo, da mesma forma que certos ga- predial (De Cesare 2012). Em vista da reconhecida
nhos com fusões ou outras atuações são auferidos impopularidade deste imposto, alguns governos
pelos investidores de negócios. Contudo, alguns dos locais encontram na recuperação de mais-valias
incrementos de valor da terra acumulados não são fundiárias uma alternativa atraente. Mesmo municí-
intrínsecos ao próprio empreendimento, mas pios menores do estado do Paraná, que estão per-
resultam de condições já existentes na cidade. dendo população e, por conseguinte, diminuindo
No caso de dois condomínios fechados idênti- sua parcela de transferências de recursos dos níveis
cos, aquele que se localizar em uma cidade onde estadual ou federal, já adotaram a contribuição de
haja forte competição entre empreendimentos melhoria como uma fonte complementar de
semelhantes provavelmente geraria incrementos de receitas (Pereira 2012).
valor da terra muito menores do que o que esteja
situado onde ainda não existam alternativas Planejamento e Gestão Urbanos
semelhantes. Assim, um componente significativo A mudança de ênfase do planejamento
da disposição em pagar pelos atributos (localização, compreensivo para a gestão das cidades, ao longo
amenidades, etc.) do condomínio fechado das últimas décadas, criou um ambiente mais
corresponde à disposição em pagar por atributos receptivo à aplicação de instrumentos baseados na
também encontrados em outras partes da cidade, da negociação e no relaxamento das normas existentes
mesma forma que o valor de cada lote é determina- (Vainer 2000). As autoridades municipais de
do de acordo com seus atributos diferenciais com- planejamento encontram maior flexibilidade em
parados aos de outros lotes. Em outras palavras, o ferramentas que tendem a ser aplicadas em projetos
valor das externalidades internalizadas é afetado ou áreas específicas do que nos instrumentos fiscais
pelo valor geral do condomínio fechado em relação tradicionais aplicáveis à cidade como um todo.
à cidade como um todo. Esta tendência tem sido complementada pela
presença crescente de investidores privados dispos-
A CRESCENTE POPULARIDADE DAS tos a promover projetos imobiliários específicos.
POLÍTICAS E INSTRUMENTOS DE Embora os promotores imobiliários sempre prefi-
RECUPERAÇÃO DE MAIS-VALIAS ram não ter que pagar taxas adicionais, frequente-
FUNDIÁRIAS mente estão dispostos a abrir mão de uma parcela
Pode-se encontrar legislação ou aplicações da dos ganhos obtidos com direitos adicionais de
recuperação de mais-valias fundiárias em nível local construir, como acontece em várias operações
na maioria dos países latino-americanos, mesmo interligadas e operações urbanas no Brasil. Alguns
quando não existe legislação nacional a respeito. profissionais, especialmente os críticos do planeja-
Vários fatores são responsáveis pela crescente mento urbano compreensivo, consideram os instru-
popularidade da recuperação de mais-valias mentos de recuperação de mais-valias fundiárias
fundiárias como parte da caixa de ferramentas do úteis como estratégia para tornar mais viável o
planejamento urbano. desenvolvimento de grandes projetos urbanos, ou
como garantia da sustentabilidade de projetos
Descentralização individuais. Esta visão tem moldado o desenvolvi-
A tendência à descentralização fiscal – processo que mento urbano mais recente em toda a região, e
é acompanhado de restrições às tradicionais particularmente em São Paulo.
transferências de receitas, juntamente com maior
autonomia fiscal e maior responsabilidade pela Redemocratização e Aumento da
provisão de serviços – estimula os municípios a Consciência Social
expandirem suas fontes próprias de receitas. Muitos A redemocratização de muitos países latino-
governos locais estão dando grande importância aos americanos elevou o nível de participação popular,
impostos municipais sobre as vendas e a outras aumentou a politização das desigualdades sociais (a
taxas, enquanto alguns poucos estão buscando chamada dívida social acumulada a partir dos
formas de melhorar o desempenho do imposto regimes autoritários e ditatoriais), e desafiou os
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uma linha de metrô sob a avenida havia exigido instrumentos para esta recuperação (Sietchiping
algumas desapropriações que foram indenizadas a 2011). O Banco Mundial também contratou
valores muito inferiores à valorização prevista pelos estudos sobre instrumentos alternativos de
proprietários de terras, o que, de qualquer forma, financiamento da infraestrutura (Blackburn e
acabou beneficiando indiretamente a comunidade Dowall 1991) e sobre formas de liberar valores
(Cáceres e Sabatini 2002). fundiários para financiar infraestrutura
A privatização, por sua vez, preparou o caminho urbana(Peterson 2009). O Banco Interamericano
para o desenvolvimento de intervenções públicas de Desenvolvimento organizou um seminário em
mais flexíveis, parcerias público-privadas e janeiro de 2013 para identificar o que vem sendo
negociações diretas quanto ao uso do solo e sua feito na América Latina e a necessidade de mais
regulação. São significativos os exemplos da pesquisas sobre os instrumentos de recuperação de
liberação de terras públicas ao mercado fundiário mais-valias fundiárias que o banco poderia adotar
privado e uma melhor coordenação entre os em suas práticas de financiamento na região.
interesses imobiliários e os do setor público na
promoção de novas áreas para o desenvolvimento Considerações Pragmáticas
urbano. Com a estabilização macroeconômica da maioria
dos países da região, a redução dramática da
Influência das Agências Multilaterais inflação crônica tornou mais transparentes os
As agências multilaterais têm promovido as ideias ganhos extraordinários anteriormente ocultos sob a
sobre a recuperação de mais-valias fundiárias ao forma de benefícios imobiliários não operacionais.
enfatizar, como boas práticas, a cobrança de taxas Nos regimes altamente inflacionários, os
aos usuários de serviços e a recuperação de custos incrementos de valor da terra estão frequentemente
dos investimentos públicos. Por exemplo, a incorporados como acréscimos de preços que
Declaração de Vancouver (ONU-Habitat 1976) refletem as expectativas de aumento dos preços. O
demonstra uma preocupação explícita com a oportunismo é outra motivação por trás de algumas
recuperação de mais-valias fundiárias, como fica tentativas das autoridades públicas em implementar
claro em sua Recomendação D3.b: políticas de recuperação de mais-valias fundiárias, já
que o valor que é recuperado pode ser direcionado
Os ganhos indevidos que resultem do aumento a fundos ou projetos que não sejam cobertos pelos
dos valores da terra decorrentes de alterações no impostos normais e outras receitas próprias,
uso do solo, de um investimento ou decisão alavancando assim a capacidade discricionária de
pública, ou devido ao crescimento generalizado gastos das autoridades municipais.
de uma comunidade, devem estar sujeitos à sua A recuperação de mais-valias fundiárias surge
recuperação adequada por parte de entidades frequentemente como um substituto pragmático
públicas (a comunidade), exceto se a situação para o desempenho insatisfatório com a
exigir outras medidas adicionais tais como
arrecadação de impostos imobiliários e com outros
novos padrões de propriedade fundiária ou a
instrumentos. Esta opção é particularmente
aquisição geral de terras por entidades
atraente quando, devido a uma vigorosa oposição
públicas.
política, uma administração municipal constata que
não pode aumentar suas receitas fiscais e, ao mesmo
Mais recentemente, a ONU-Habitat organizou
tempo, executar planos de investimentos para
conferências para entender como a recuperação de
programas sociais.
mais-valias fundiárias é praticada em diferentes
regiões, e também sobre o uso mais intensivo dos
Experiências Internacionais e
Latino-Americanas
A
s políticas e instrumentos de recupera- Em Portugal e na Espanha, em torno de1500, já
ção de mais-valias fundiárias não estão se defendia a cobrança de taxas a proprietários
de forma alguma limitados à América de terras que se beneficiassem de algum tipo de
Latina. Uma longa trajetória de expe- investimento público (vias, pontes e similares) e
riências internacionais demonstra que é viável e estudos evidenciaram sua aplicação na América
prático custear a urbanização, ao menos em Latina em 1607, no México (Reyes 1980).
parte, usando o incremento de valor da terra Em torno de 1650, a Inglaterra usava a valo-
criado nesse processo (Hagman e Misczynski rização fundiária para financiar a construção de
1978; Smolka e Furtado 2001; Vejarano 2007; canais ao longo dos rios Lea e Tâmisa e, em
Peterson 2009; Muñoz Gielen 2010; Alterman 1801, a Câmara dos Lordes autorizou o
2012; Ingram e Hong 2012; Walters 2012; lançamento de uma contribuição de melhoria
Furtado e Acosta 2013). para fins de desenvolvimento urbano. A França
começou a usar a valorização de terras em 1672 A “Puente del
PRECEDENTES HISTÓRICOS para financiar a construção de parques, vias e Común”, em
O uso da valorização fundiária para construir pontes, e um tipo especial de contribuição sobre Bogotá, na
novas vias e manter aquedutos está documenta- a valorização foi também usado depois da 1a Colômbia, foi
do e remonta ao Império Romano, mas construída em
Guerra Mundial para reconstruir o país. Na
1809 utilizando
provavelmente já existia antes, pois se baseia no Itália, o uso desta contribuição remonta ao uma forma de
entendimento de que aquele que recebe século XVII, quando foi aplicada para ampliar contribuição de
benefícios deve pagar por eles (Villamil 2000). parques públicos e introduzir melhorias na melhoria.
© KAMILOKARDONA/WIKIMEDIA COMMONS
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cidade de Florença (Reyes 1980). falta de acesso à terra urbanizada pela população
Em outras partes do mundo, o Japão utilizou urbana mais pobre, o princípio subjacente do paga-
amplamente instrumentos de reajustes de terras mento pelos custos da urbanização através do
para promover a urbanização após a 2ª Guerra incremento associado de valor da terra ainda não foi
Mundial, e estes instrumentos também foram apli- amplamente adotado na maioria das cidades do
cados na Coréia do Sul e na Finlândia (Hong e terceiro mundo. Na verdade, países onde a econo-
Needham 2007). Taiwan introduziu um imposto mia de mercado é mais sólida, como os Estados
explícito sobre os incrementos de valor da terra Unidos e o Canadá em relação aos países ao sul do
desde a época do Dr. Sun Yat-Sen, patriarca continente, têm sido mais atuantes na recuperação
fundador da República da China, sob a inspiração de ganhos indevidos resultantes de rendas da terra,
dos seus princípios de equalização de direitos embora de forma menos explícita (Smolka e
fundiários. Os sistemas de arrendamento de terras Amborski 2007).
públicas recuperam mais-valias fundiárias através de
ajustes periódicos nos contratos desses arren- MARCO LEGAL
damentos em Hong Kong, e ainda têm um papel Os exemplos mais abrangentes e sistemáticos na
importante em várias cidades da Holanda, América Latina de legislação relacionada à
particularmente em Roterdã. recuperação de mais-valias fundiárias são a Lei 388
Os ganhos associados a direitos concedidos tan- de 1997, na Colômbia (Ley de Desarrollo
to em planos parciais como nos mais abrangentes Territorial) e a Lei 10.257 de 2001 no Brasil (Estatu-
foram usados para financiar novas áreas urba- to da Cidade). Apesar de ambas terem resultado de
nizadas em muitos países europeus, tais como o um longo processo de tentativa e erro envolvendo
direito inglês de tributar incrementos de valor pro- outras leis anteriores, estas legislações apresentam
vocados por alterações do zoneamento e o Plafond diferenças significativas entre si. O processo colom-
Légal de Densité francês, uma contribuição por biano ocorreu marcadamente de modo centrali-
direitos de construir que ultrapassem um deter- zado, enquanto no Brasil a mobilização social as-
minado limite básico de edificação. sociada ao movimento de reforma urbana teve um
Na Espanha, os municípios recuperam parte do papel importante na reforma da Constituição
incremento de valor em áreas de expansão urbana em1988, bem como em outras iniciativas após a
ao exigir que os proprietários de terras cedam ao redemocratização do país.
município entre 5 e 15% dos lotes urbanizados. O Artigo 73 da Lei 388 da Colômbia introduz a
Além disso, os proprietários das terras têm que noção de que as ações públicas que beneficiam o
fornecer o solo necessário para a infraestrutura, pa- uso do solo urbano, incluindo seu espaço aéreo,
gar pelos custos relacionados à provisão de serviços, conferem ao público o direito de participar dos
e ainda pagar pelos custos operacionais e uma deter- incrementos de valor da terra resultantes (plusvalías
minada margem de lucros (Muñoz Gielen 2010). ou mais-valias fundiárias). O Artigo 74 da lei
Desde os anos 1970, cerca de 25% das adminis- especifica três fontes desses benefícios: a conversão
trações municipais dos Estados Unidos aplicam de solo rural a solo previsto para usos urbanos; o
taxas de impacto (impact fees) aos promotores, para estabelecimento ou alterações de zoneamento de
financiar a provisão de melhoramentos em infra- usos urbanos; e a autorização de um maior
estrutura pagos pela comunidade (Lawhon 2003). aproveitamento do solo em edificação, elevando
Na Flórida, por exemplo, foram arrecadados mais sua densidade construtiva.
de US$2 bilhões nos exercícios de 2005 e 2006, O artigo 79 determina que os legislativos muni-
sendo essas taxas responsáveis por mais de 5% das cipais ou distritais estabeleçam as taxas de
receitas em 48 municípios. Nos municípios do esta- participação nas plusvalías, entre 30% e 50% do
do com mais de um milhão de habitantes – como o acréscimo de valor. A lei inclui outros dispositivos
Orange County – essas taxas foram responsáveis relacionados à recuperação de mais-valias fundiá-
por 28% das receitas municipais (Burge 2010). rias, tais como permitir o leilão público de terras
Não obstante a crescente preocupação com a sem uso, para que sejam usadas para habitação de
© MARTIM O. SMOLKA
interesse social, após a devida notificação aos seus (preempção) dos governos municipais na compra
proprietários; o direito de preferência na compra de terras; e a utilização da transferência dos direi-
de terras pelo poder público (preempção); a tos de construir.
aquisição pública de terras a preços estabelecidos Com relação às ações administrativas, tais co-
anteriormente ao anúncio de projetos urbanos; e a mo a cobrança pelos direitos de uso e aprovei-
possibilidade de usar reajustes de terras em planos tamento do solo, a lei colombiana teve mais
parciais de desenvolvimento. influência sobre as legislações subsequentes de
A Lei brasileira, de 2001, incorpora muitos outros países da região do que o Estatuto da
princípios relevantes à recuperação de mais-valias Cidade, o qual contempla um escopo maior para
fundiárias que já haviam sido estabelecidos no essas contrapartidas e prevê um nível de recupera-
artigo 182 da Constituição de 1988. Eles incluem a ração de até 100% do incremento de valor da terra.
função social da propriedade, expressa na Esta diferença provavelmente se deve ao texto das
definição legal de um imposto progressivo sobre leis e também à ascendência da legislação espa-
terrenos baldios; a separação entre o direito de nhola na Colômbia, ao passo que o Brasil foi mais
propriedade da terra e o direito de construir; influenciado pelo precedente francês.
novos instrumentos tais como as Operações Vários outros países aprovaram leis nacionais
Urbanas Consorciadas, em que proprietários, reforçando o poder dos governos em mobilizar os
moradores, usuários e investidores privados incrementos de valor da terra. A Lei correspon-
participam na requalificação de áreas da cidade dente do Uruguai (Ordenamiento Territorial y
que necessitam transformações urbanas Desarrollo Sostenible), de 2008, estabelece o
estruturais, financiando esta requalificação através princípio da distribuição equitativa entre atores
de mais-valias fundiárias que resultam da públicos e privados das cargas e benefícios do
realização de diversas obras definidas em um processo de urbanização, incluindo a recuperação
projeto de longo prazo; o direito de preferência de valores gerados no planejamento dos usos e
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© EDUARDO REESE
aproveitamentos do solo. Seu Artigo 46 contém um (Shopping Nuevo Centro) espera-se arrecadar, em
dispositivo explícito de recuperação de mais-valias cada um, cerca de US$5 milhões. Já o município
Cidadãos no fundiárias, o qual autoriza os municípios a uruguaio de Maldonado, no estado de Punta del Este,
Congresso
apoiando o
participarem nos elevados incrementos de valor da apesar de menor que Montevidéu, arrecadou US$4,5
debate sobre a terra que resultam de suas intervenções. milhões, que representam mais do que 11% do seu
promulgação O instrumento, referido como uma compensação total de US$40 milhões de investimentos (Mendive
de novas leis de à valorização, exige a recuperação de, no mínimo, 2013).
desenvolvi- 15% do incremento de valor da terra decorrente de No Equador, o COOTAD (Código Orgánico de
vimento urbano
da Província de
ações públicas, uma vez que esta porcentagem Organización Territorial, Autonomía y Descen-
Buenos Aires, corresponde à estimativa da participação média do tralización), de 2010, criou um imposto de 10% sobre
Argentina. valor da terra no preço final da propriedade os incrementos de valor da terra quando as proprie-
imobiliária. dades são transferidas, além da dedução das mais-
A prefeitura de Montevidéu vem aplicando um valias fundiárias do valor das desapropriações des-
instrumento conhecido como “preço compen- tinadas a habitação de interesse social e a projetos de
satório” desde 2001, ou seja, antes mesmo de ser regularização de áreas informais, e ainda um reconhe-
aprovada a lei nacional. Por este instrumento, cobra- cimento explícito do princípio do enriquecimento
se 10% sobre o valor integral da propriedade, ou até sem justa causa.
10% quando os empreendimentos imobiliários estão Na Argentina tem havido um debate contínuo no
em áreas estratégicas ou que fazem parte de planos Congresso sobre a legislação nacional, mas Buenos
especiais. Em 2011, a cidade arrecadou somente Aires e outros municípios, inclusive Córdoba,
US$3,8 milhões por essa fonte, em torno de 2,5% do Moreno, Morón, Rosario, San Fernando, Trenque
seu orçamento total de investimentos de cerca de Lauquen e Venado Tuerto, á apresentam
US$150 milhões. Entretanto, em alguns novos em- experiências concretas de recuperação de mais-valias
preendimentos tais como o denominado FORUM, fundiárias. A postura 3808 de 2011 em Trenque
na área de Puerto del Buceo, e em um novo centro Lauquen, um dos 135 pequenos municípios da
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UTILIZAÇÃO EM TERRAS PÚBLICAS Na prática, esta condição congela o preço de
A disparidade entre o princípio e a prática da aquisição da terra no nível em que se encontrava
recuperação de mais-valias fundiárias é ilustrada antes do anúncio do projeto, sendo portanto um
pelos desafios que cercam a aquisição, retenção e instrumento oportuno para a recuperação do
disposição de terras públicas. Cada etapa do incremento de valor da terra – o qual, de outra
processo é estritamente regulada em praticamente forma, reverteria para seu proprietário – ou para
todas as cidades da região, e às vezes com uma base reduzir o custo que a administração municipal teria
explícita na lógica da recuperação de mais-valias que pagar pela terra necessária a seus próprios
fundiárias, apesar de apenas alguns lugares projetos de desenvolvimento urbano.
contarem com um instrumento de política pública A cidade de Bogotá, por exemplo, adquiriu
específico em funcionamento. As autoridades através deste instrumento 62 hectares de terras para
públicas adquirem terras através de desapro- o projeto Nuevo Usme em 2000, ao preço
priações, compras diretas ou outros meios. Cada aproximado de US$8,5/m², e em torno de 80
abordagem apresenta alguma dificuldade no hectares, em 2010, por cerca de US$3,5/m²,
estabelecimento do “justo preço”, geralmente quando o valor comercial típico de terras similares
definido por lei mas muitas vezes equivalente ao vendidas por loteadores ilegais raramente era
preço atual de mercado (Rabello 2006). inferior a US$20/m² (Pinilla 2013). Um dos maiores
proprietários da área do citado projeto declarou, em
Aquisição Pública de Terras seu recurso contra a desapropriação administrativa,
O Decreto 9050, recentemente expedido na que suas terras valiam US$50/m². Na verdade, as
Venezuela (15 de junho de 2012), busca definir o terras tinham sido adquiridas por menos de
justo preço das propriedades em casos de US$2,50/m² em 2000.
desapropriações de emergência para habitação e
assentamentos humanos. O Artigo 2 estabelece que Bancos de Terras
o justo preço deve se basear no valor da aquisição O consenso geral é de que o estoque de terras
mais recente da propriedade. Se a transação ocor- públicas deve ser usado de forma diligente e estraté-
dreu dentro do mesmo ano, o valor de base deve ser gica de acordo com as prioridades socio-
o registrado na transação anterior. O Artigo 3 econômicas e de desenvolvimento urbano. O banco
estabelece que o valor deve ser atualizado de acordo de terras consiste na aquisição de grandes extensões
com os índices médios de preços e as taxas de juros de terras para mantê-las por períodos relativamente
nominais definidas pelo Banco Central. Mais longos de tempo, com o fim de melhor controlar o
importante ainda, se acrescenta que em nenhum uso do solo, prevenir a especulação e, mediante sua
caso o cálculo do justo preço pode considerar ulterior venda ou arrendamento, recuperar para a
qualquer influência ou impacto que venham a ser comunidade qualquer incremento de valor da terra
gerados por investimentos públicos ou privados que tenha resultado de ações públicas ou do
planejados para a área imediata, nem os retornos mercado. As autoridades públicas, frustradas com a
previstos que sejam derivados dos usos regulamentação do mercado de terras, geralmente
estabelecidos por normas e regulamentações sobre consideram esta ideia sedutora, mas sua
o uso do solo urbano. Finalmente, estabelece que o implementação efetiva na América Latina tem sido
justo preço não pode considerar o valor atual de limitada por várias razões: falta de recursos; outras
mercado. prioridades de curto prazo que competem pelos
A Colômbia é um dos poucos países onde foi escassos fundos públicos; procedimentos legais
desenhado um instrumento explícito para regrar o complicados para a aquisição de terras; influência
cálculo dos preços de aquisição de terras públicas: o local de interesses poderosos de proprietários priva-
Anúncio do Projeto, incluído na Lei 388 de 1997. dos de terras; impactos perturbadores sobre os
Com este potente dispositivo, o valor comercial preços das terras, advindos de altas taxas de inflação;
(para fins de compensação) não pode incluir o e práticas ineficientes de gestão.
incremento atribuído ao próprio projeto.
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da Oficina do Historiador. Através de uma cor- sentativos em múltiplas cidades; são consistentes ao
poração operacional, a Cia Habaguanex, a Oficina longo do tempo na aplicação de princípios básicos;
reabilita edificações antigas para alugar, arrendar ou e são eficazes em termos do seu grau de impacto.
vender, e também vende serviços especiais. Um Apesar dos instrumentos de recuperação de
fundo rotativo, criado com os pagamentos de mais-valias fundiárias serem convencionalmente
aluguel e arrendamentos, receitas de impostos e categorizados como impostos, contribuições, taxas,
doações internacionais para fins de preservação exações (aportes urbanísticos ou financeiros) e
histórica, complementa o imposto de 5% que incide contrapartidas regulatórias (Smolka e Amborski
sobre as receitas de empresas que passam a 2007), no presente trabalho eles estão classificados
funcionar nas edificações reabilitadas nesse distrito. em três grupos:
Em uma escala um pouco menor, o município Ÿ impostos, taxas e contribuição de melhoria
de San Fernando, próximo a Buenos Aires, (categoria tributos);
constituiu uma entidade de parceria público- Ÿ exações e outras contrapartidas regulatórias por
privada, com 51% de propriedade do município e direitos de construir; e
49% da CACEL (Câmara Argentina de Ÿ uma variedade de instrumentos usados em
Construtores de Embarcações Leves). Através de grandes projetos de desenvolvimento urbano
um contrato de arrendamento de 20 anos, a
entidade administra a concessão de uma marina Entretanto, essas categorias não são exclusivas,
comercial em terras públicas às margens do rio, porque o mesmo instrumento pode incorporar
cobrindo cerca de 5 km2. Além de participar nos sutilezas que desafiam qualquer classificação. Por
lucros da companhia, o município recebe o exemplo, o sistema colombiano de Participación en
pagamento anual da CACEL pelo arrendamento e Plusvalías pode usar o mecanismo como uma
outros impostos e taxas municipais regulares, tendo contribuição (de melhoria) para recuperar o custo
gerado cerca de US$4 milhões em receitas nos de investimentos em obras públicas, ou como uma
últimos seis anos. A metade desses recursos foi contribuição (contrapartida) para recuperar o
usada para financiar unidades de habitação de incremento de valor decorrente de uma alteração
interesse social e melhoramentos em áreas de baixa dos regulamentos de zoneamento. Além disso, na
renda, enquanto a outra metade foi usada em Colômbia, este instrumento é considerado um tri-
investimentos para a melhoria de parques e do buto ou contribuição, enquanto um instrumento se-
acesso público ao longo das margens do rio. melhante no Brasil, que cobra por direitos adicio-
nais de construir (Outorga Onerosa do Direito de
Instrumentos Selecionados de Construir, OODC) não é. Na legislação brasileira, o
Recuperação de Mais-Valias Fundiárias direito de construir não é considerado um compo-
Se por um lado os dispositivos institucionais nente inerente ao direito de propriedade imobi-
universalmente presentes voltados para a gestão das liária, mas sim uma forma de uso da propriedade,
terras públicas apresenta uma aplicação errática na concedida pelo poder público (Rabello 2012).
região, as cidades da maioria dos países Em outro exemplo, na maioria das exações, cujo
conceberam instrumentos para recuperar uma fato gerador é a flexibilidade das normas de uso do
parcela do incremento de valor da terra decorrente solo, o pagamento de contrapartidas é muitas vezes
de intervenções públicas. A variedade de questões realizado através de obras públicas que dão suporte
tratadas sob muitas circunstâncias institucionais aos novos usos autorizados. Apesar das receitas
leva, muitas vezes, a uma interpretação local para os arrecadadas por todos esses tipos de instrumentos
instrumentos utilizados, o que torna muito difícil estarem incluídas no orçamento geral dos
qualquer avaliação objetiva de sua aplicação. municípios, normalmente administrados pelas
Este informe está centrado em instrumentos se- correspondentes secretarias municipais de fazenda,
lecionados que atendem aos seguintes critérios: são em alguns casos o produto obtido pela recuperação
inovadores e originais; são muito relevantes para o de mais-valias fundiárias toma a forma de
problema urbano que está sendo tratado; são repre- compensações em espécie (bens e serviços).
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 21
associado a qualquer intervenção pública. sejam tratados como pagamentos diretos pelos
Ao decidir onde morar, as pessoas geralmente usuários (Pinilla e Florián 2011).
consideram o conjunto de serviços oferecidos pela
administração local, em troca do pagamento de um Imposto Exclusivo Sobre o Valor da Terra
determinado valor de impostos sobre a proprie- O imposto exclusivo sobre o valor da terra oferece,
dade. A célebre hipótese de Tiebout sugere que o em teoria, várias características desejáveis em
imposto predial deve ser considerado como uma comparação ao imposto convencional, o qual recai
taxa sobre serviços, porque os contribuintes podem sobre o conjunto da terra e da construção. Seu ônus
decidir qual localidade oferece o nível mais elevado recai inteiramente sobre os proprietários, ele não
de benefícios em troca de uma determinada distorce as decisões econômicas relativas aos usos
alíquota desse imposto (Fischel 2005). Esta do solo, e não gera um ônus excessivo (peso-morto),
hipótese, que pode ser traduzida como “votar com comum à maioria dos impostos (Oates e Schwab
os pés”, tem menos força na América Latina do que 2009). Ao mesmo tempo, este imposto de fato
nos Estados Unidos, porque nos países latino- recupera mais-valias fundiárias, porque os gastos
americanos a autonomia fiscal e a participação dos públicos em melhorias de infraestrutura e serviços,
impostos prediais nas receitas municipais são as normas e regulamentos que afetam os usos do
mínimas. solo, além de outros atributos de localização
(externalidades em geral), são todos plenamente
capitalizados nos valores da terra (por oposição às
Em termos econômicos, o imposto sobre a edificações, que tendem a ser avaliadas em função
propriedade é uma combinação de um dos de seus atributos intrínsecos).
Os mesmos preceitos que embasam solidamen-
piores impostos – a parte que incide sobre as
te a tributação do valor da terra na teoria econômica
benfeitorias dos imóveis… e um dos melhores aplicam-se, em princípio, à recuperação de mais-
impostos – aquele que incide sobre o valor da valias fundiárias, já que os benefícios públicos são
terra ou local. fundamentalmente capitalizados como incremen-
tos de valor da terra. Os preços observados das
William Vickrey (1999,17), Prêmio Nobel de Economia, 1996 terras podem ser entendidos como a acumulação de
todos os incrementos de valor da terra ao longo do
No entanto, a hipótese tem alguma influência sobre tempo, ou como o valor presente (ou descontado)
os debates acerca da busca de maior autonomia de uma série de serviços de base territorial que se
legal em certos bairros afluentes, como no caso dos espera obter no futuro.
argumentos colocados pelos moradores da Barra da Na versão mais radical, que defende o confisco
Tijuca, no Rio de Janeiro, nos anos 1990, ou como total da renda relacionada com a atuação pública, o
critério para redistribuir um imposto predial imposto sobre o valor da terra eliminaria, em última
arrecadado de forma centralizada, como no caso da instância, a necessidade de qualquer instrumento
área metropolitana de Santiago, no Chile, adicional de recuperação de mais-valias fundiárias
envolvendo vários municípios em um contexto (George 1992). Contudo, deve ficar claro que a
fragmentado. Em ambas as situações, os moradores aplicação de um imposto sobre a maioria dessas
se queixavam de que sua parcela de impostos era rendas fundiárias faria com que o valor de mercado
mais elevada do que os serviços que recebiam. das terras baixasse dramaticamente, já que o valor
Por outro lado, o pagamento voluntário de um presente do fluxo esperado de rendas futuras livres
imposto predial suplementar de 10% em Bogotá de impostos também seria baixo. Por outro lado, o
permite que os contribuintes decidam como proprietário ainda seria periodicamente tributado
querem que este adicional seja utilizado, escolhen- sobre uma soma correspondente ao valor total da
do a partir de uma lista de 10 serviços municipais renda gerada da sua terra.
prestados publicamente, o que oferece uma Um sistema no qual o imposto sobre a proprie-
oportunidade para que os impostos municipais dade incida inteiramente sobre o valor da terra tem
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 23
propostas por interesses privados se os interessados ria dos municípios ainda é insignificante,
cobrissem a metade dos custos de pavimentação; representando geralmente muito menos do que 1%
em 1920, foi introduzida uma taxa de pavimentação das receitas municipais próprias. No México, por
(Sandroni 2001). exemplo, ela responde apenas por cerca de 0,42%
Atualmente, quase todos os países latino-ame- das receitas municipais (Pérez Torres e Acosta Peña
ricanos contam com leis nacionais que permitem 2012); no Brasil, em 2010, ela representou menos
alguma modalidade de taxa ou contribuição de de 1% da totalidade dos tributos municipais
melhoria, para permitir ao setor público recuperar relacionados à propriedade imobiliária (IPTU e
os incrementos de valor da terra associados ITBI) (Pereira 2012); e em Rosario, Argentina, ela
diretamente a investimentos públicos (Manon e contabilizou 0,30% das receitas próprias (Alvarez
Macon 1977). Mesmo em El Salvador, onde 2009).
impostos plenos sobre bens imóveis ainda não Algumas exceções dignas de nota podem ser
foram introduzidos, a constituição autoriza a encontradas em municípios da Colômbia onde, em
cobrança de contribuições especiais (Lungo e 1968, no auge de sua utilização, a contribuição de
Oporto 1998). No Chile, onde a questão da melhoria – denominada na Colômbia como
recuperação de mais-valias fundiárias ainda é vista Contribución de Valorización - representou 45% de
com ceticismo, contribuições a programas de todos os gastos públicos municipais em Medellín;
pavimentação de vias são promovidas desde 1927 e no início dos anos 1980, 30% dos gastos em Cali; e
estão definidas por lei desde 1953 (Cáceres e em 1993, 24% das receitas locais de Bogotá
Sabatini 2002). (Furtado 2000; Jaramillo 1998). Depois de um
período de abandono em Bogotá, seu uso ressurgiu
Variações significativas de desempenho em anos recentes, com cerca de US$1 bilhão em
Apesar da aparente universalidade da contribuição obras públicas sendo financiadas por este
de melhoria, sua participação nas finanças da maio- instrumento (Tabela 3.1).
Outra exceção menos conhecida é a do municí-
TABELA 3.1
Recursos Auferidos através de Programas de Obras pio de Cuenca, no Equador, que nos últimos 10
Públicas Financiados pela Contribuição de Melhoria em anos expediu 1.800 contratos relativos a projetos de
Bogotá, 1993-2013 obras públicas e arrecadou quase US$200 per
Programas Ano de aprovação Data da cobrança US$ (TRM) capita, bem mais do que os US$150 arrecadados em
Valorização básica 1993 1993 106.160.600 Bogotá no mesmo período. A arrecadação por
em toda a cidade Cuenca de US$25 per capita, através do
Subtotal 106.160.600
instrumento, somente em 2010 (totalizando
US$12,4 milhões) também supera em muito o total
Programa Formar 1995 1996–1998 351.928.000
Cidade arrecadado em Bogotá em qualquer ano. Quanto a
2001 2002 55.931.000
fatores de desempenho, os de Cuenca também
Subtotal 407.859.000
foram superiores: 90% dos domicílios fizeram suas
Acordo 180 de 2005 Fase I–2007 y 2010 319.311.000 contribuições em menos de quatro anos; 95% dos
2005 (modificado Fase II–2012 326.108.000
pelo Acordo
projetos arrecadaram 60% através da contribuição
398 de 2009) Fase III–2014 321.685.000 de melhoria; e somente 3% dos contribuintes foram
Fase IV–2016 105.000.000 considerados inadimplentes.
Subtotal 1.072.000.000 A arrecadação da contribuição de melhoria não
Acordo 451 de Anel Rodoviário #1 Cobranças em 2012 220.000.000 é uniforme entre os vários países, nem entre as
2010 (Plano cidades de um mesmo país ou ao longo do tempo.
Zonal, Zona No México, por exemplo, somente quatro estados –
Norte)
Coahuila, Estado de México, Sonora e Zacatecas –
são responsáveis por 86% do total das receitas
Nota: TRM representa a taxa de câmbio de pesos colombianos a US$ (milhões) segundo o
respectivo valor de mercado em cada ano durante o período correspondente. nacionais com a contribuição de melhoria (Pérez
Fonte: Borrero Ochoa et al. (2011) Torres e Acosta Peña 2012). No Equador, 74% de
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 25
FIGURA 3.1
Arrecadação Total com a Contribuição de Melhoria nos Municípios Brasileiros, 2000-2010.
Nenhuma arrecadação
US$0–6.700
US$6.701–70.127
US$70.128–15.276.430
Nota: 2.890 municípios brasileiros (52,5% do total de municípios) arrecadaram alguma receita de contribuição de melhoria. As receitas
anuais foram convertidas a dólares americanos. As abreviaturas no mapa indicam os nomes dos Estados.
Fonte: Pereira (2012).
Considerações sobre a aplicação da rios, mas capazes de manter este instrumento sob
contribuição de melhoria controle. Na prática, a estimativa da contribuição e
Apesar de que a lógica de pagar uma contribuição também sua distribuição entre os beneficiários de
de melhoria por um investimento cujos benefícios um projeto dependem de várias considerações
serão superiores à contribuição seja simples e direta, importantes.
a aplicação de um instrumento deste tipo pode ser
bastante complicada. Isto poderia explicar seu baixo O custo total do projeto ou do investimento a
desempenho geral como fonte de receita, e também ser recuperado
a razão pela qual os casos mais bem sucedidos A maioria das cidades considera os custos diretos,
parecem depender de atalhos técnicos algo arbitrá- porém outras impõem encargos adicionais, tais
© MARTIM O. SMOLKA
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 27
refletidos em incrementos de valor da terra. Por pontos de entrada e saída, onde a via expressa pode
exemplo, em uma cidade pequena com um sistema gerar ruído e poluição, mas nenhum benefício claro
precário de distribuição de água, o valor da terra em em termos de acessibilidade (Maciel 2009). A
uma área servida de água encanada inclui um ágio Tabela 3.2 apresenta estimativas diversas dos
que corresponde aos custos mais altos que outras impactos do Transmilenio de Bogotá, sistema de
áreas têm que pagar pela água fornecida em operação exclusiva em corredores de ônibus
caminhões-pipa. Uma vez que a distribuição de (BRT), obtidas em vários estudos que seguiram
água seja universalizada, o componente diferencial metodologias distintas, ilustrando as dificuldades na
de preços da terra desaparece e, ao mesmo tempo, avaliação desses incrementos de valor da terra.
não são acrescentados valores adicionais à terra nas
áreas originalmente carentes do serviço. Ou seja, Definição da área impactada e identificação
apesar do seu grande benefício social para a de todas as propriedades beneficiadas
comunidade, o investimento em água encanada Este pode ser um problema complexo, uma vez que
poderá gerar uma redução líquida geral dos valores o tamanho da área impactada (ou área de influência)
das terras. depende do limite de impacto relevante estabe-
Isto sugere que os investimentos aplicados à lecido sobre as propriedades individuais, sendo que
cidade como um todo podem não ser bons limites mais baixos produzem impactos agregados
candidatos para a contribuição de melhoria. Por maiores. Esta interdependência é ainda mais agra-
exemplo, os investimentos públicos pensados como vada se o impacto do projeto varia entre as proprie-
projetos de interesse geral podem não ser desejados dades de acordo com a distância ou até mesmo ao
pelos donos de propriedades vizinhas. Um estudo longo do tempo. Ao avaliar os impactos do BRT,
do Anel Rodoviário de São Paulo mostra que os por exemplo, as propriedades mais próximas às
incrementos de valor da terra variam significativa- estações e à linha podem na verdade receber uma
mente, e que valores negativos podem ocorrer nos avaliação mais baixa do que aquelas em localizações
TABELA 3.2
Estudos sobre o Sistema BRT TransMilenio de Bogotá e Valor da Propriedade Imobiliária
Estudo Método ou forma de medição Resultado
Rodríguez e Aluguel em 494 propiedades residenciais multifamiliares Valorização de 6,8 a 9,3 por cento por cada 5 minutos de
Targa (2004) em um raio de 1,5 km dos corredores do TransMilenio. caminhada a partir da estação do BRT.
Muñoz-Raskin Valores de 130.692 propriedades multifamiliares novas As propriedades situadas nas imediações das rotas
(2006) fornecidos pelo Departamento de Habitação e Controle alimentadoras (0–5 minutos a pé) eram mais caras do que
de Bogotá de 2001 a 2004. as situadas a uma distância de 5–10 minutos a pé.
As propriedades de alto valor eram mais caras ainda se
estivessem situadas perto de uma rota alimentadora,
porém, no caso das linhas troncais, o efeito foi oposto.
Mendieta-López Dados de propriedade avaliadas segundo os dados cadas- Concluiu-se que os preços das propriedades aumentaram
e Perdomo- trais de 1.547 propriedades situadas em um raio de 1km de 0,12 e 0,38%, dependendo da distânicia ao BRT, por
Calvo (2007) do TransMilenio. cada 5 minutos a pé mais próximo da estação de BRT.
Perdomo-Calvo Análise de 304 propriedades residenciais e 40 Resultados heterogêneos, na maioria das comparações
et al. (2007) propriedades comerciais para comparar os preços pedidos não houve resultados significativos do ponto de vista
pelas propriedades em duas zonas, uma com acesso ao estatístico. Em um único caso se detectou uma valorização
BRT e outra sem acesso. de 22% em propriedades residenciais com acesso
ao sistema BRT com níveis de confiança padrão.
Rodríguez e Habitações unifamiliares situadas em uma zona de influên- Foi detectada valorização entre 15 e 20% antes da inaugu-
Mojica (2008) cia de 1 km ao redor dos corredores troncais e das ração, porém as propriedades não aumentaram de preço
rotas alimentadoras que apresentaram mudanças de ao longo de corredores onde não havia estações, mas
preço entre 2001 e 2006. que atualmente são servidos por uma extensão do BRT.
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 29
partir de funções hedônicas similares. Em ambos
os métodos, são feitas interpolações de valores
estimados para gerar as chamadas zonas de isobe-
nefício, ou seja, zonas homogêneas onde a mesma
taxa é aplicada a todos os lotes da área.
Outros procedimentos mais arbitrários são às
vezes usados para distribuir o valor adicionado de
obras públicas, conforme ilustrado pela cidade de
Rosario, Argentina (Alvarez 2009). Neste caso, os
lotes situados na área 50% mais próxima da zona
de influência do projeto absorveram 35% dos
custos, aqueles na faixa entre 50 e 80% receberam
24,5%, e os situados entre 80 e 100% da zona de
influência (estimada originalmente como 500
metros de cada lado da pavimentação)
absorveram 10,5%, sendo os restantes 30% dos
custos absorvidos pela entidade pública.
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 31
CAPÍTULO 4
A
s ações relativas a normas e regula- sobre o exercício do direito de construir.
mentações urbanas empreendidas
pelas autoridades municipais de plane- EXAÇÕES
jamento geralmente afetam os usos do As exações constituem a ferramenta mais
A rodovia de acesso
Boulevard Los Próceres,
solo e seus usuários e, por outro lado, resultam comum de recuperação de mais-valias
na Cidade de Guatemala, em incrementos diretos ou indiretos de valor da fundiárias em toda a América Latina. Sua
foi financiada com o terra em um terreno ou grupo de terrenos. A utilização ilustra a forma como os proprietários
instrumento denominado recuperação desses incrementos em benefício de terras podem ser obrigados a fazer aportes
Impacto Vial. da sociedade é obtida através da aplicação de em dinheiro ou em espécie para obter
aportes urbanísticos ou financeiros - as exações -, aprovações ou permissões especiais para
e de outros tipos de contrapartidas que incidem urbanizar ou construir em suas terras. Esses
aportes ou contrapartidas podem ser
estipulados por meio de acordos de
parcelamento ou de edificação baseados em
normas específicas, ou podem ser negociados
caso a caso.
Os aportes em espécie (bens) requerem que
os incorporadores reservem parte das terras
para instalações públicas, inclusive vias,
escolas, parques ou áreas de conservação
ambiental. O modelo mais comum na região
exige que o loteador libere de 15 a 35% da área
para usos públicos. Apesar de serem ignorados
em muitos loteamentos de baixa-renda, sob a
alegação de que seriam economicamente inviá-
veis, esses aportes são geralmente aceitos pelo
setor imobiliário em projetos com grande po-
tencial de valorização, em função de seu públi-
co de nível mais elevado e sua boa localização.
No município de Iribarren, Venezuela, um
grupo de proprietários concordou plenamente
em contribuir para a execução de uma série de
obras públicas, inclusive um parque, para
melhorar a qualidade da área.
Em um caso ocorrido em São Paulo, um
incorporador solicitou o uso de direitos aéreos
para construir uma passarela elevada sobre
uma via, de modo a conectar um shopping-
center a um estacionamento localizado em um
edifício do outro lado da rua. Ele previa pagar
uma exação equivalente a US$15.000, mas,
depois das negociações, teve que pagar
©MUNICÍPIO DA CIDADE DE GUATEMALA, DEPARTAMENTO DE OBRAS PÚBLICAS
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 33
© CATALINA MOLLINATI
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ser impostos juntamente com outras exações, como me definido pela lei. Outros abusos observados
no caso do Código Urbano aprovado em Querétaro, incluíram a subestimação do valor dos direitos de
no México, em 2012 (apesar de não ter sido ainda construir adicionais e o desvio de fundos de seu
implementado), ou como os dispositivos legais in- objetivo original.
cluídos no Programa de Actuación Integrada do Uruguai. A possibilidade de associar o pagamento da
No caso de São Paulo, a operação interligada valorização estimada a áreas especiais, tais como em
surgiu a partir de uma norma de zoneamento de projetos de patrimônio histórico ou de preservação
1986, segundo a qual os proprietários de terras ambiental, abriu o caminho para pagamentos de
altamente valorizadas e ocupadas por favelas valores menores que o real incremento de valor da
poderiam solicitar maiores densidades construtivas, terra. Alguns planejadores urbanos e outros
ou alteração de usos para a propriedade, desde que analistas também apontaram para o papel deste
construíssem habitações de interesse social para os instrumento na gentrificação dos bairros atingidos,
moradores originais que seriam removidos. Um já que a maioria das novas habitações de interesse
decreto municipal de 1988 estendeu a prerrogativa a social foi construída na periferia urbana.
proprietários de terras não ocupadas por favelas, Estas questões e outras irregularidades admi-
estabelecendo assim um programa mais amplo de nistrativas criaram uma imagem social para o instru-
operações interligadas. Em 1995, permitiu-se aos mento de decisões arbitrárias associadas à influên-
proprietários o pagamento de sua contrapartida em cia política e à corrupção. A venda de exceções ao
dinheiro em lugar da construção de habitação social, zoneamento através de critérios definidos por uma
pois a maioria dos empreendedores argu-mentou comissão, ao invés de um órgão legislativo, foi
que não tinha interesse na habitação social como um considerada inconstitucional e essas operações
negócio. De 1987 a 1998, um total de 857.424 m² de foram interrompidas em 1998 em São Paulo e em
área de construção adicional foi aprovada pela 2000 no Rio de Janeiro (Cymbalista e Santoro
administração pública de São Paulo, em cerca de 328 2006).
operações interligadas que geraram US$122,5
milhões (US$142/ m²), que por sua vez financiaram Participação nas Mais-Valias Fundiárias na
13.000 unidades de habitação de interesse social Colômbia
(Sandroni 2011). A Lei 388 de 1997 na Colômbia encaminha a
No Rio de Janeiro, 100 solicitações de opera-ções questão da cobrança por alterações dos direitos de
interligadas foram apresentadas à Secretaria construir através do instrumento Participación en
Municipal de Urbanismo da cidade até novembro de Plusvalías, segundo o qual de 30 a 50% dos
2000, depois do estabelecimento da Lei 16 de 1992 e incrementos avaliados de valor da terra que sejam
da regulamentação do instrumento na Lei 2128 de resultantes de ações administrativas, tais como as
1994. Das 36 operações aprovadas (13 de 1993 a decisões sobre densidades, sobre o zoneamento ou
1996, e 23 de 1997 a 2000), 26 foram executadas, das sobre a conversão do solo de rural a urbano, podem
quais 22 em projetos aprovados para a Barra da estar sujeitos à recuperação parcial pelo setor
Tijuca, área de expansão planejada da cidade. As 23 público. Os pagamentos, em dinheiro ou em bens,
solicitações do segundo período incluíram 11 para são destinados principalmente à provisão de
alterações do uso do solo, enquanto 10 eram relativas habitação de interesse social e infraestrutura em
à altura das edificações, e as duas restantes tratavam bairros não adequadamente servidos, bem como
de outras alterações (como a taxa de ocupação). para obras públicas de interesse geral.
Essas operações geraram US$26,7 milhões, sendo Apesar das expectativas de êxito iniciais, o ins-
US$12 milhões no ano de pico de 1999 (Xavier trumento ainda precisa demonstrar sua força. Em
2011). Bogotá, as receitas aumentaram de cerca de US$6
As principais críticas dessa abordagem envol- milhões em 2005 para US$8,5 milhões em 2008,
veram questões relacionadas à gestão irregular das US$25 milhões em 2011, e, espera-se, US$40
aprovações, pois muitas delas não foram submetidas milhões em 2012, mas esses montantes ainda são
ao Conselho Municipal de Política Urbana, confor- considerados muito inferiores ao potencial de recei-
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© ALVARO URIBE
As contrapartidas cisão limitada, já que não existem dois lotes ou máximo de 3,0, poderia adquirir um lote de 750
por direitos de
dois projetos de aproveitamento do solo urbano m², ou então comprar um lote de 250 m² e direitos
construção em
Curitiba, no Brasil,
que sejam perfeitamente comparáveis. de construir adicionais, através da OODC, o que
contribuiram para Teoricamente, o valor de um terreno a ser lhe permitiria construir os 500 m² adicionais no
promover o utilizado com um coeficiente de aproveitamento mesmo lote. Para adquirir essa área adicional, o
desenvolvimento de 3,0, comparado a um coeficiente de aproveita- empreendedor estaria pagando o equivalente a
urbano orientado
mento básico de 1,0, deveria ser a diferença entre dois outros terrenos com o mesmo coeficiente de
ao transporte
coletivo. os valores residuais de seus respectivos maiores e aproveitamento original de 1,0, na mesma área em
melhores usos. Na prática, não é tão simples as- que agora foi definido um patamar máximo de
sim, já que não há dois prédios exatamente iguais aproveitamento de 3,0. O valor original por metro
em uma mesma área, e as alterações em alguns quadrado do terreno para a zona em questão é
terrenos afetam os maiores e melhores usos dos obtido nos mapas de avaliação usados pelas
terrenos vizinhos. Uma maior densidade não é prefeituras para propósitos relacionados aos
sempre mais rentável para os empreendedores e, impostos à propriedade imobiliária. Este método,
assim, em certas áreas o limite máximo de apro- usado em cidades tais como Blumenau, Curitiba,
veitamento permitido pode não ser de interesse Porto Alegre, Salvador e São Luis (Furtado et al.
para esses empreendedores, como demonstram 2010), é também uma aproximação ao valor real,
Furtado e Silva (2010) em algumas áreas de alto uma vez que as condições se alteram com as
valor no Rio de Janeiro. mudanças nos patamares das distintas zonas urba-
Estas complicações são parcialmente resol- nas, mas ele permite manter uma certa coerência.
vidas pelo método predominante, conhecido Na prática, a cobrança pelos direitos de cons-
como do terreno virtual. Por este método, um truir adicionais varia entre as cidades que aplicam
empreendedor interessado em construir uma o instrumento, e as dificuldades em determinar o
edificação de 750 m² em uma zona onde o valor de direitos de construir adicionais levaram
coeficiente de aproveitamento básico é de 1,0 e o muitas cidades a adotar atalhos que consistem
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que aplicavam a OODC, na verdade se apoiavam construir (Gazeta do Povo 2013), enquanto São
em fórmulas aproximadas ou outros fatores de Paulo arrecadou cerca de US$250 milhões com a
ajuste para conciliar os interesses dos agentes locais OODC (Maleronka e Furtado 2013).
(entre eles, empreendedores imobiliários e proprie-
tários de terras), resultando em níveis apenas simbó- Implementação da OODC em São Paulo e
licos de arrecadação de receitas. Rio de Janeiro
Em Curitiba, por exemplo, apesar da já longa Para implementar a OODC no município de São
presença da OODC, a receita anual média de 2007 Paulo entre 2002 e 2004, os coeficientes de apro-
a 2009 foi de cerca de US$1,5 milhão (Teixeira e veitamento preexistentes foram reduzidos a 1,0,
Moreira 2011). Estas cifras contrastam fortemente embora em algumas áreas tenha sido permitido um
com o desempenho de São Paulo, que arrecadou patamar de 1,5 e até de 2,0 (Tabela 4.1). Além disso,
mais de US$50 milhões por ano no mesmo perío- a cidade reformulou os mapas de limites máximos
do, apesar de serem tipos de cidades bastante dife- de aproveitamento, variando de 1,0 a 4,0 (alterando,
rentes e também de que a população de Curitiba assim, as margens potenciais relacionadas à aplica-
seja, de acordo com o Censo de 2010, cerca de 16% ção da OODC). Com isso, o coeficiente de aprovei-
da do município de São Paulo (Sandroni 2010). Em tamento básico pode ser inferior, igual ou superior
2011 e 2012, Curitiba arrecadou cerca de US$17,5 aos coeficientes originais preexistentes.
milhões em contrapartidas ad hoc por direitos de
TABELA 4.1
Alterações dos Coeficientes de Aproveitamento em São Paulo, 2002–2004
Zonas Exclusivamente Residenciais Zona estritamente de propriedade 1,0 1,0 1,0 1,0
(ZER) residencial horizontal unifamiliar (Z1)
Zonas de Usos Mistos (ZM) Zona predominantemente de propriedade 1,0 1,0 1,0 1,0
residencial horizontal unifamiliar (Z9)
Zonas de uso especial (Z8 060-01, -03) 1,5 1,0 1,0 2,5
QUADRO 4.1
Direitos Adquiridos versus Expropriações no Rio de Janeiro
© MARTIM O. SMOLKA
A limitação ao uso e aproveitamento do solo não
constitui uma expropriação como frequente-
mente sugerido. Tecnicamente, uma expropria-
ção ocorre quando uma alteração da normativa
vigente retira de uma propriedade qualquer
possibilidade de uso econômico - por exemplo, O protesto acima acusa a APAC (Área de
quando a norma anterior permitia construir habi- Proteção Cultural/Histórica/Ambiental) de
desvalorizar os imóveis afetados. No entanto,
tações na área e ela passa a ser reservada para a
esta regulação não desvalorizou a propriedade,
conservação de florestas, sem possibilidade de na verdade ela afetou seu valor potencial se a
exploração comercial. propriedade pudesse ser destinada a um uso
mais intensivo através de um coeficiente de
Alternativamente, ocorreria uma expropriação se aproveitamento mais elevado.
uma alteração de norma ou regulação afetasse
somente um proprietário, constituindo-se então
uma expropriação sem indenização. Uma
alteração das normas e regulamentações que
ainda permita o uso do terreno, mesmo que se
cobre por isto, não é uma expropriação. Nenhum
corpo legislativo reconhece a obrigação pública
de indenização por uma mudança desfavorável
da normativa ou pela eliminação de direitos a
usos do solo não realizados e ainda não
autorizados.
© MARTIM O. SMOLKA
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 41
FIGURA 4.1
Comparação de Receitas da OODC e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), em São Paulo,
2002-2011
250 10.00%
8.9%
9.00%
Uso Residencial
200 Uso Não Residencial 8.00%
Total OODC
7.00%
Milhões de US$
OODC/IPTU
150 6.00%
4.8% 5.00%
3.7% 5.0%
100 4.00%
3.7%
2.4% 3.00%
50 1.8% 2.00%
0.8%
1.00%
0.0%
0 0.00%
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Entretanto, o potencial de construção nos terrenos foi de US$175 milhões originados dos pagamentos
claramente reduzido, já que uma contrapartida deOODC foram distribuídos através do FUNDURB
passou a ser exigida sobre algo que os proprietários entre seis secretarias municipais, para projetos que
percebiam anteriormente como um direito de incluíam terminais de ônibus, corredores de
construir livre de qualquer ônus. Muitos fatores transportes, parques e áreas verdes, regularização de
podem explicar este resultado, sendo o mais favelas, preservação histórica e drenagem (Maleronka
importante o fato de que na época da implementação, e Furtado 2013). Com o crescente uso do
em 2004, o mercado imobiliário estava em expansão, instrumento, as melhorias futuras previstas deverão
encobrindo assim o impacto final sobre os levar em conta as realidades do mercado imobiliário.
proprietários, os quais viam sua propriedade como
uma combinação de terreno, edificações e outras TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DE CONSTRUIR
melhorias (Sandroni 2011). O sucesso de São Paulo, A transferência de direitos de construir (TDC) é um
quando comparado ao Rio de Janeiro, sugere que um certificado por meio do qual a prefeitura indeniza um
cuidado especial quanto ao melhor momento de proprietário por restrições aos direitos de construir
aplicação pode ser fundamental para alterar o regime sobre sua propriedade (por ex., para fins de
regulatório de forma que ele passe a aproveitar o preservação histórica ou conservação ambiental) ou
potencial da recuperação de mais-valias fundiárias. quando o proprietário entrega parte de seu terreno
A Figura 4.1 apresenta as receitas obtidas em São para que seja utilizado em um projeto de interesse
Paulo com os pagamentos de OODC durante os público tal como o alargamento de uma via, a criação
nove anos que incluíram a crise financeira global e sua de um parque ou a urbanização de uma favela. Estes
consequente restrição ao crédito. Esses recursos são certificados representativos de direitos podem ser
depositados no Fundo de Desenvolvimento Urbano vendidos a terceiros ou usados diretamente para
(FUNDURB), criado para implementar planos e construir em outras áreas predefinidas como áreas
projetos especiais em áreas urbanas e ambientais ou receptoras. O instrumento também vem sendo usado
outras intervenções contempladas no plano diretor para facilitar a imposição de normas mais rígidas
municipal de São Paulo de 2002. Em 2012, em torno sobre os direitos de construir dentro de certas áreas,
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 43
anos 2000, quando aumentaram as suspeitas imóveis estariam sendo adequadamente indeniza-
deocorrência de suborno nessas concessões, bem dos por direitos de construir aos quais devam
como pela falta de cobrança quando certos renunciar, por motivo de preservação histórica e
proprietários e investidores solicitavam normas de outras razões, mas por outro lado, os promotores
uso do solo mais flexíveis e eram atendidos imobiliários têm que comprar direitos de construir
gratuitamente, anulando assim os efeitos da TDC. se quiserem edificar acima do coeficiente de
Em outra interessante aplicação da TDC, a ci- aproveitamento básico. Isto pode criar confusão
dade de Curitiba levantou os recursos, estimados sobre os limites de indenização reconhecidos (ou
originalmente em US$45 milhões e depois não) para os proprietários que tenham sido
incrementados para US$62 milhões, para as obras destituídos de seus direitos de construir.
de renovação do estádio de futebol Joaquim Uma solução parcial desse problema é limitar a
Américo, de propriedade do Clube Atlético compensação da TDC ao valor do direito de
Paranaense, que se faziam necessárias para cumprir construir efetivo e até o limite do aproveitamento
com as regras da FIFA para seu uso em jogos da básico. Assim, se um prédio histórico usa
Copa do Mundo de 2014. Para reconstruir o efetivamente um coeficiente de aproveitamento de
estádio, o governo estadual do Paraná recebeu um 0,75, mas o coeficiente básico da zona onde ele se
empréstimo do Banco Nacional de Desen- situa é de 1,25, e sendo o limite máximo de
volvimento Econômico e Social (BNDES) para ser aproveitamento da zona de 3,25, o proprietário
transferido ao clube, o qual, por sua vez, recebeu poderia ser compensado por até 0,50 (1,25 – 0,75)
direitos de construir da administração municipal do aproveitamento não efetivamente utilizado, e
para serem usados como garantia do empréstimo. não por 2,5 (3,25 – 0,75). Outros promotores
Os críticos deste esquema financeiro argumentaram imobiliários interessados em empreender na
que o grande número de direitos de construir mesma zona de uso teriam assim que adquirir do
emitidos pela prefeitura desvalorizaria o terreno e município, ou de detentores de certificados de
colocaria em perigo toda a operação. TDC, o valor adicional de aproveitamento até seu
É preciso cuidado ao aplicar as TDCs e outros limite máximo, ou seja, 2,0 (3,25 – 1,25), mas não
instrumentos de cobrança por direitos de construir, seria justo indenizar a propriedade histórica pelo
tais como a OODC. De um lado, proprietários de montante integral.
Instrumentos de Recuperação de
Mais-Valias Fundiárias para Grandes
Projetos de Requalificação Urbana
© ALVARO URIBE
M
uitas cidades da América Latina inicia- recuperar seus próprios investimentos. Puerto Madero em
aram grandes projetos de qualificação As reformas urbanas, como as iniciadas em Buenos Aires, na
Argentina, foi um
ou requalificação urbana em áreas Paris pelo Barão Haussmann, também foram
projeto de
periféricas recentemente incorpora- introduzidas na América Latina no início do requalificação
das e ainda não urbanizadas ou em áreas abando- século XX pelo Prefeito Pereira Passos no Rio de urbana em terras
nadas ou desocupadas de bairros mais antigos Janeiro, de 1903 a 1906, e por urbanistas públicas na zona do
(Lungo 2004). Esses projetos geralmente envol- internacionais tais como Alfred Agache, em seu velho porto, para
estimular a
vem alterações no zoneamento e melhorias na plano diretor de 1930 para o Rio de Janeiro, e no recuperação
infraestrutura e serviços urbanos, os quais costu- plano de Karl Brunner de 1930 para Santiago do econômica da
mam resultar em benefícios significativos para os Chile, bem como nos esquemas de Cidades Novas região
proprietários originais. Vários instrumentos já utilizados em Caracas, Venezuela e também em metropolitana.
foram concebidos para cobrir alguns dos custos São Paulo (Almandoz 2004). Na redação desses
incorridos. Tais iniciativas têm antecedentes no planos fazia-se referência, ainda que implícita, à
passado, quando bairros inteiros foram criados internalização de futuras externalidades a serem
por empresas de serviços públicos que usavam os criadas a partir dos projetos bem concebidos e
incrementos de valor das terras urbanizadas para multifacetados que eram propostos.
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 45
© MARTIM O. SMOLKA
A renovação dos
antigos armazéns
ao longo do canal
do porto atrai
visitantes a
Puerto Madero.
PRIVATIZAÇÃO DE TERRAS PÚBLICAS PARA lidades criadas pelo projeto. Os recursos obtidos
A REQUALIFICAÇÃO URBANA: PUERTO financiaram obras públicas no valor de US$113
MADERO, BUENOS AIRES milhões e custos administrativos correlatos.
O caso emblemático de Puerto Madero em O investimento inicial incluiu a terra (avaliada
Buenos Aires consistiu na reabilitação urbana de originalmente em US$60 milhões) e um conjunto
160 hectares do antigo porto localizado próximo à de serviços intangíveis (desenho do projeto,
área central e de propriedade de um órgão federal, perícias, consultorias), alcançando um total de
a Administração Geral dos Portos. O projeto de US$120 milhões. O preço dos terrenos,
reurbanização foi proposto em 1989, no contexto originalmente fixado entre US$150 e US$300 por
de uma crise financeira, para promover a metro quadrado, foi posteriormente negociado a
recuperação econômica e a criação de empregos, US$600/m² e, hoje, já supera os US$1.000/m².
bem como para reafirmar a primazia da área Entretanto, a maior parte da recente valorização
central de Buenos Aires em seu sistema não foi recuperada pela corporação, mas sim por
metropolitano. investidores privados que puderam controlar
Foi criada uma corporação para desenvolver o grandes glebas da área atualmente em desenvol-
projeto, com a participação dos governos na- vimento e recolher assim os benefícios.
cional e municipal. Nos últimos 20 anos, foram O projeto contribuiu com quatro grandes ca-
desenvolvidos projetos imobiliários com quase nais que cobrem 39 hectares, além de 28 hectares
1,5 milhão de m² de área construída, o que pode de espaço verde para o sistema de parques da
ser comparado à média anual de 1,5 a 3 milhões cidade. Puerto Madero é hoje uma das grandes
de m² para toda a cidade de Buenos Aires. O atrações turísticas de Buenos Aires e ajudou a
Estado contribuiu com a terra do porto ocioso, estimular o desenvolvimento da área central da
enquanto mais de US$2,26 bilhões de cidade, conforme se pretendia. Em 2011, a
investimentos privados foram mobilizados pela corporação transferiu a manutenção de todas as
iniciativa privada. Até 2011, a corporação já havia áreas ao governo municipal, mas manteve as
vendido em torno de US$230 milhões em terras, concessões relativas aos corpos de água, às áreas
valor este resultante da internalização das externa- de cais e aos estacionamentos, como fonte de ren-
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 47
© MARTIM O. SMOLKA
O projeto de a entrega de seus terrenos ao projeto, com um ficativa da área como Reserva Florestal Nacional; a
desenvolvimento
retorno garantido sobre a venda da terra, retorno descoberta de um sítio arqueológico; e um
urbano Nuevo
Usme em Bogotá, este proporcional à sua contribuição, ao número movimento de trabalhadores rurais locais,
na Colômbia, foi de participantes e à valorização total da terra, apoiado pela administração atual, contra a política
planejado para depois de deduzidos todos os custos de urbani- de adensamento da região.
oferecer zação e a parcela designada para usos públicos. Estas interrupções e períodos de inatividade
habitações
Para garantir preços acessíveis aos novos habi- pública criaram oportunidades para loteadores
populares
acessíveis e tantes de baixa renda, foi criado um esquema de ilegais venderem terras a preços majorados, na
outros serviços subsídios cruzados, variando do preço mais expectativa de uma futura regularização e aumen-
mediante o uso de econômico de $16/m² para os lotes habitacionais tos de valor das terras. Apesar de continuar vigente
vários com serviços até $80/m² para os lotes comerciais, a ideia original de autofinanciar a provisão de
instrumentos de
e de $21/m² para os lotes de uso misto com terras urbanizadas a famílias de baixa renda
recuperação de
mais-valias. serviços nas vias principais a $70/m² para os lotes através do incremento de valor da terra gerado
habitacionais de famílias de renda mais alta. pelo projeto, outras decisões ad hoc foram tomadas
Apesar de que cerca de dois terços das terras para diferentes zonas do projeto, comprometendo
tenham sido adquiridos por meio de alguns aspectos do plano geral.
desapropriações, o terço restante foi obtido
através de negociações voluntárias com REAJUSTE DE TERRAS
proprietários que aceitaram compartilhar os Em casos complexos em que as parcelas de uma
custos e benefícios previstos no plano parcial cor- área de projeto pertencem a muitos indivíduos, é
respondente. mais difícil a coordenação de seus interesses para
Dada a magnitude do projeto, seu cronograma gerar um resultado que beneficie a todos. Isto
alargado e seu caráter inovador, sua implemen- geralmente exige o estabelecimento de uma
tação não tem sido contínua ou sem problemas. terceira entidade , seja ela pública, semipública ou
Na última década, ele foi interrompido várias mesmo privada, sob a forma de um fundo
vezes devido a outras prioridades administrativas e fiduciario com um mandato para desenvolver o
políticas, a mudanças institucionais e a obstáculos empreendimento.
imprevistos. Três novos desafios estão sendo Um dos instrumentos para promover o desen-
resolvidos agora: a designação de uma parte signi- volvimento imobiliário de grandes áreas é o reajus-
FIGURA 5.1
Apresentação Esquemática de Reajuste de Terras
h
c e i j
c
e
i d f
f
d j
Custos de Renovação
$$$
m2
m2
$
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 49
escala e se apoia em vários instrumentos de Na área de cerca de 30 hectares, a indústria original
recuperação de mais-valias fundiárias, inclusive o ainda detém 46% da terra, três outras companhias
reajuste de terras e a contribuição de melhoria possuem 49%, e 18 empresas possuem os restantes
(Rojas Eberhard e Rave 2013). O projeto é gerido 5%, cada uma com um lote de menos de 1.250 m2.
por uma entidade independente especialmente A área foi reajustada para receber 37 edificações em
criada para tal fim, e os proprietários relutantes são 13 lotes e deixou reservadas 37% das terras para
obrigados a vender seus terrenos ou estes são objeto parques, áreas verdes e vias. Na área restante, uma
de desapropriação administrativa. Apesar de taxa de ocupação de 80% foi imposta a cada um dos
cidades como Bogotá e Medellín terem iniciado lotes, a serem destinados a usos residenciais e
muitos planos parciais, são menos comuns os casos comerciais.
que incorporam completamente os princípios do Os custos totais de urbanização da área corres-
reajuste de terras. Alguns lugares incluem uma ponderam a cerca de 23% do valor total e foram
redefinição da configuração de usos do solo, seja integralmente financiados ou recuperados com as
pelo formato dos lotes originais, ou pela designação receitas obtidas com as vendas dos edifícios, ao
de novos parâmetros de densidades. mesmo tempo em que o valor da terra aumentou
O projeto Simesa de Medellín ilustra a requali- cerca de 19% (Rojas Eberhard e Rave 2013). Este é
ficação de uma área antes ocupada por uma antiga um caso particularmente interessante porque
siderúrgica e outras pequenas fábricas, para envolveu a negociação de um cronograma em
convertê-la em um complexo residencial de alto etapas para a saída das fábricas de modo simultâneo
nível e totalmente autofinanciado (Figura 5.2). com o redesenho da área para receber novos usos
FIGURA 5.2
Plano de Reajuste de Terras Proposto para o Projeto Simesa em Medellín, Colômbia
© DIEGO ERBA
© VALORES SIMESA
residenciais e comerciais. A administração pública de 87% das parcelas são
teve um papel importante ao fazer cumprir o de propriedade privada
desenho urbano básico, as normas de uso do solo, e 18% delas já foram urbanizadas. Do total da
e os esquemas de distribuição das terras entre os área, 43% não serão ocupadas, por suas condições
diversos usos públicos e privados. Ela também ambientais ou geológicas, enquanto somente 28%
garantiu ajustes equitativos entre os proprietários do solo são aptos para serem ocupados com
participantes, que foram informados sobre os edificações. Assim, somente 63 hectares (27,3%)
planos parciais e os procedimentos para a partici- dos 230 hectares originais restaram para uso
pação nos custos e benefícios. residencial e outros novos usos, depois de feito o
Nos casos em que uma parte significativa das balanço final das outras áreas pré-designadas. O
terras é destinada a habitações sociais, os compra- projeto foi concebido para proporcionar
dores muitas vezes não podem arcar com o custo habitação de interesse social em alta densidade,
integral da construção, e menos ainda com os em prédios de oito pavimentos que contêm entre
custos da urbanização. Nestes casos, as terras para 100 e 238 unidades habitacionais. Os custos de
usos públicos e habitação de interesse social infraestrutura urbana e serviços somaram US$45
podem ser adquiridas por uma entidade pública a milhões. O município adquiriu 80% das terras
preços definidos antes do anúncio do projeto. por meio de vendas voluntárias a preços que não
Estes novos usos podem produzir alguns incorporavam as expectativas de valor futuro da
benefícios compartilhados, mas normalmente não terra, e a construção da infraestrutura foi garantida
cobrem todos os custos da urbanização. No pelo município, de modo que os aproveitamentos
entanto, os custos líquidos destas intervenções no ou as vendas dos produtos imobiliários fossem
local são geralmente menores do que se tivessem menores que os patamares estabelecidos pelo
sido realizados em outros lugares. Plan Parcial. É importante mencionar que as
Um exemplo é o Plan Parcial Pajarito, na zona habitações construídas são subsidiadas (Rojas
de expansão de Medellín. Este plano compreende Eberhard e Rave 2013).
a incorporação de 38 parcelas de terra de 36 Embora os princípios em que o reajuste de
proprietários, em uma área de 230 hectares. Cerca terras se apóia pareçam ser viáveis para prover
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 51
acesso autofinanciado à terra FIGURA 5.3
servida destinada à população Mapa das Operações Urbanas em São Paulo, Brasil, 2012
urbana mais pobre, esses pro-
jetos não têm sido fáceis de
implementar. Isto aparente- -
mente se deve à pressão
imposta, por um lado, pela
necessidade de haver subsí-
dios para cobrir os preços da
habitação de baixa renda e, por
outro lado, pela relutância de
proprietários de terras em
participar de projetos desenha-
dos para encaminhar políticas
sociais para a população de
baixa renda. As tentativas de -
contar com princípios de
reajuste de terras durante o
esforço de reconstrução após o
terremoto do Chile em 2010
expuseram a desconfiança dos
proprietários de terras com
relação às soluções coopera- -
tivas orientadas pelo mercado
RESERVATÓRIO
(Hong e Brain 2012). BILLINGS
RESERVATÓRIO
Operações Urbanas no GUARAPIRANGA
Brasil
Uma Operação Urbana (OU) é
definida no Brasil, pelo
Estatuto da Cidade, como um
instrumento para promover a
reestruturação de grandes áreas Atual
da cidade através de incentivos Proposta
de base fundiária oferecidos a Planejada
parcerias público-privadas, Área de Expansão
envolvendo autoridades pú- 0 2 5 10 KM
blicas locais, empreendedores,
proprietários de terras e outros
grupos de interesse como Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Urbano de São Paulo.
Montandon e de Souza, 2007). Em termos práticos, públicos, novo zoneamento e outras alterações dos
trata-se de uma intervenção de porte que requer usos do solo (Sandroni 2010).
melhorias urbanas e de infraestrutura, tais como Na sua formulação original, o setor público re-
avenidas, drenagem, espaços públicos e equipa- tém uma porcentagem determinada (geralmente,
mentos, além de outros investimentos. O financia- 50%) do incremento de valor da terra (Sandroni
mento dessas intervenções provém do incremento 2010). Diferentemente das operações interligadas,
de valor da terra estimulado pelos investimentos o valor que é recuperado reverte para a mesma área
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 53
nida requer o pagamento em CEPACs, em função vez, suporta uma determinada quantidade de
do número de metros quadrados adicionais edificações, de acordo com o plano. O total previa-
solicitados pelo incorporador imobiliário, até o mente fixado de direitos de construir adicionais
limite máximo definido para a área em questão. poderá ser leiloado em pequenas ofertas ao longo
Geralmente, exige-se um CEPAC para cada metro do tempo ou por meio de uma única venda.
quadrado de direito de construir adicionais, mas A cidade de São Paulo vem oferecendo leilões
como os bairros ou zonas incluídas na operação periódicos como uma estratégia de controle do mer-
urbana correspondente podem diferir em cado, para aumentar o valor dos lances. Nos sete
qualidade, são feitos ajustes dentro de uma faixa de leilões realizados para a OU Faria Lima, de 2004 a
2 a 0,5 m² para os locais menos ou mais desejáveis. 2010, os lances vencedores atingiram entre US$550
A operação urbana geralmente envolve a elabora- e US$2.000 por CEPAC, sendo 682.669 oferecidos
ção de um novo zoneamento e a atualização corres- e 638.074 efetivamente comprados, levantando um
pondente da infraestrutura urbana, a qual, por sua total de US$723 milhões (Tabela 5.1). Como existia
na área um vigoroso mercado impulsionado pela
TABELA 3.1 demanda, com alguns lances chegando mais recen-
Leilões Públicos e Privados de CEPACs na OU Faria Lima, temente a ser negociados a US$3.500 por CEPAC,
São Paulo, 2004–2010 o prefeito solicitou à Câmara Municipal que liberas-
se mais 350.000 m² de potencial de construção no
Nº de CEPACs Nº de CEPACs
Ano e Tipo Oferecidos Vendidos Preço (US$) Receita (US$) perímetro da OU, a serem cobertos por 500.000
2004
CEPACs. O novo prefeito, eleito em 2012, conge-
lou a solicitação, argumentando que a área já estava
Pública 90.000 9.091 550 5.000.050
muito congestionada.
Privada nd 24.991 550 13.745.050 Os cinco leilões realizados para a OU Água
2005 Espraiada de 2004 a 2012 arrecadaram de US$172
Pública 0 a US$636 por CEPAC para os mais de três milhões
Privada nd 9.778 550 5.377.900 de certificados oferecidos, gerando cerca de US$1,5
2006 bilhão (Tabela 5.2). Somente o leilão de 2012
Pública 10.000 2.729 550 1.500.950
acrescentou US$866 milhões aos cofres públicos,
além dos resultados obtidos nos leilões anteriores
Privada nd 6.241 550 3.432.550
(Sandroni 2013). Mais de um leilão público pode
2007
ser realizado entre as datas das distribuições
Pública 156.730 156.730 620 97.172.600 autorizadas pela CVM; assim, as cifras de preço em
Privada nd 72.942 620 45.224.040 US$ por CEPAC se referem ao valor médio obtido
2008 em todos os leilões. Além disso, um número
Pública 83.788 83.788 769 64.432.972 considerável de CEPACs continua em circulação,
pois não foram ainda usados em solicitações de
Privada nd 2.500 863 2.156.250
licença de obras. Até 31 de janeiro de 2013, a cidade
2009
ainda tinha quase 360.000 CEPACs disponíveis
Pública 100.000 55.612 850 47.270.200 para oferecer em leilões.
Pública 30.000 1.521 858 1.304.258 Apesar dos casos de maior sucesso e duração
Pública 120.000 120.000 2.100 252.000.000 serem encontrados em São Paulo, outras cidades
2010 brasileiras também emitiram CEPACs. Por
Pública 92.151 92.151 2.000 184.302.000
exemplo, todos os direitos de construção emitidos
no projeto Porto Maravilha de revitalização da velha
Total 682.669 638.074 722.918.820
área portuária do Rio de Janeiro foram adquiridos
Nota: Os leilões privados são ocasionalmente promovidos pela cidade como uma forma
alternativa de pagamento a terceiros contratados para projetos de obras públicas em por um único comprador, o Fundo de Investimento
operações urbanas. O número de CEPACs oferecidos em leilões privados não se encontra
disponível (nd).
Imobiliário criado pela Caixa Econômica Federal
Fonte: Sandroni (2012) (CEF) com recursos do Fundo de Garantia dos
leiloará seu estoque de títulos a terceiros com o 9/2/2012 1.360.338 865.676.658 636
passar do tempo. Somente em outubro de 2012, a Total 3.263.907 1.447.488.659 443
CEF vendeu cerca de 26.000 CEPACs (dos 100.000 Ofertas Privadas 127.092 25.664.266 202
oferecidos) a um preço básico de US$575, obtendo Total 3.390.999 1.473.152.925 434
US$15 milhões em uma operação que gerou um Usado para una
ganho de 100% sobre o preço original de aquisição licencia/proyectos –2.333.897
por CEPAC. terminados
© MARTIM O. SMOLKA
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 55
© CESAR BRUSTOLIN
Uma nova rodovia bairros da cidade – em uma avenida urbana com a cas inovadoras como alguns aspectos negativos.
e parque na OU Do lado positivo, o instrumento:
extensão do sistema de BRT de Curitiba, novas
Linha Verde em
Curitiba, Brasil,
áreas verdes, e usos do solo em maior densidade. 1. Soluciona o difícil problema da avaliação do
foram Por este investimento de $600 milhões, um preço de mercado dos incrementos de valor
parcialmente decreto municipal de 2012 autorizou o resultantes de intervenções públicas, e reduz os
financiadas com lançamento de 4.830.000 CEPACs, com um custos tradicionais de transação envolvidos na
CEPACs. negociação dos impactos relevantes do projeto
preço inicial mínimo de US$100 por CEPAC. O
primeiro leilão conduzido na bolsa de valores de sobre as propriedades individuais.
São Paulo em junho de 2012 atraiu 18 licitantes 2. É aceito pelos empreendedores que entendem
para os 141.588 títulos oferecidos. Um grupo de o benefício de ter todas as receitas investidas na
três licitantes associados ao empreendimento de mesma área. Por lei federal, as receitas obtidas
um shopping center adquiriu 70% dos CEPACs. com os leilões de CEPACs são mantidas em
Embora a expectativa da prefeitura de Curitiba uma conta específica e podem ser usadas so-
fosse de arrecadar US$30 milhões, o leilão gerou mente na mesma Operação Urbana onde fo-
somente US$14,2 milhões, já que todos os ram geradas.
CEPACs foram negociados ao valor legal mínimo 3. Cria uma oportunidade de autorealização dos
de US$100 (Gazeta do Povo 2012). Apesar de investimentos públicos: quanto maior a
considerado baixo, esse preço estava próximo ao expectativa dos benefícios da intervenção, mais
estimado como valor de mercado por um altos os lances e, consequentemente, as receitas
consultor particular contratado para fazer o estudo para garantir sua implementação efetiva (e vice-
de viabilidade do uso dos CEPACs neste projeto versa). Assim, os CEPACs tiram sua força, na
de localização periférica. realidade, do processo especulativo da terra,
O instrumento CEPAC tem tanto característi- porque lances mais elevados no mercado
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CAPÍTULO 6
Conclusões e Recomendações
TABELA 6.1
Seleção do Instrumento Apropriado de Recuperação de Mais-Valias
Processo de
recuperação
Instrumento Incidência Contexto de mais-valias Vantagens Cuidados Pré-condições
Aquisição de ESC Terrenos Captura de Investimentos Decisões Credenciar
terrenos pelo necessários para mudanças no públicos feitos arbitrárias de empresas de
Setor Público projetos públicos, valor do solo antes do projeto juízes não serviço público
tais como comparado ao de preparados para participar do
habitação popular seu uso original processo
Imposto sobre a EMC Propriedades que Alíquota imposta Universalidade e Componente solo Atualização
propriedade se beneficiam de sobre o regularidade versus edificação contínua de
imobiliária ou só a melhorias em toda componente de no valor da mapas de valores
base do valor do a cidade valor do solo propriedade e cadastros
solo
Exações NSV Concessões Compensação Flexibilidade Manipulação ou Estimativas dos
públicas em novas monetária ou em permite influência de lucros privados e
incorporações espécie considerar agentes impactos públicos
eventos envolvidos
imprevistos
Contribuição EMC Provisão de obras Recuperar ou Os beneficiários Avaliação correta Capacidade dos
de Melhoria públicas locais compartilhar contribuem para o dos potenciais beneficiários de
custos projeto benefícios participar e de
pagar
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consolidação e a sistematização de princípios já de grandes projetos de requalificação urbana em
estabelecidos sobre a recuperação de mais-valias muitas cidades. Como resultado, os recursos
fundiárias para atender às necessidades locais podem ser transferidos dos orçamentos públicos
(Tabela 6.1). destinados à infraestrutura para outros setores de
Em muitos locais, os projetos de desenvolvi- interesse social (ex., educação, saúde e habitação)
mento urbano produziram benefícios financeiros que, no passado, tiveram que ser sacrificados devido
extraordinários a partir de intervenções públicas às restrições gerais sobre os gastos públicos.
que aumentaram os valores da terra, os quais eram Contrariamente à sabedoria convencional ou às
ante-riormente apropriados pelos proprietários objeções levantadas por opositores, o marco legal
beneficiados e agora estão sendo compartilhados relativo às abordagens de recuperação de mais-
com a coletividade. Embora o valor monetário valias fundiárias, na maioria dos países, não é
desses recursos recuperados tenha sido frequente- particularmente restritivo. Em muitos casos, a
mente baixo, seu potencial de crescimento é legislação atual seguiu, em lugar de preceder, casos
significativo, como ilustram os casos da contribuição bem sucedidos de implementação da recuperação
de melhoria de Bogotá e o dos leilões dos direitos de mais-valias fundiárias, demonstrando que os
de construir em São Paulo, através dos CEPACs. instrumentos existentes podem ser adaptados a
Indicadores mais precisos do êxito obtido do que a novas circunstâncias sem ter que esperar pela
participação nas receitas totais podem ser a aprovação de uma legislação de âmbito nacional.
magnitude da arrecadação proveniente de mecanis- Exemplos deste processo incluem a separação entre
mos de recuperação de mais-valias fundiárias, com- direitos de construir e direitos de propriedade da
parada aos custos de investimentos locais diretos em terra no Brasil, permitindo assim a cobrança de
infraestrutura urbana, habitação social e outros contrapartidas por direitos de construir; a adoção
serviços locais; ou o papel que esses rendimentos do mecanismo do preço compensatório em
têm na promoção de investimentos privados para Montevidéu, Uruguai, sete anos antes de ser
projetos especiais, operações urbanas, planos aprovada a legislação nacional; e a crescente
parciais ou outros programas de incentivos. aceitação por investidores privados das exações na
A contribuição de melhoria vem sendo aplicada Guatemala e na Argentina.
com sucesso, mesmo em locais com aparentes A efetiva implementação continua sendo o de-
restrições técnicas e administrativas, para apoiar safio principal, de acordo com os resultados obtidos
uma variedade de investimentos locais, especial- em duas pesquisas feitas pelo Lincoln Institute entre
mente aqueles associados com transportes. De representantes do poder público e outros envol-
acordo com García Bolivar (2012), diretor do vidos na gestão urbana e em finanças públicas na
Fondo de Valorización (FONVAL) de Medellín, região. Os questionários online buscavam sondar as
“mais de 50% da malha viária principal de Medellín opiniões dos entrevistados sobre as perspectivas de
foi paga mediante a contribuição de melhoria” elaboração, institucionalização e implementação de
(Figura 6.1). No México, apesar da contribuição de dois instrumentos emblemáticos de recuperação de
melhoria ter representado somente 0,11% das mais-valias fundiárias, a contribuição de melhoria e
receitas públicas, ela cobriu 1,53% de todas as obras as contrapartidas por direitos de construir adicio-
públicas. No município de Cuenca, Equador, quase nais. Os resultados revelaram que a recuperação de
US$106 milhões arrecadados como contribuição mais-valias fundiárias ainda é vista primordialmente
de melhoria resultaram na pavimentação de 270 km como uma ferramenta para pro-mover a equidade
de vias. Estes exemplos refutam o argumento de que nas cidades, mais que uma forma de avançar na
as receitas obtidas com políticas de recuperação de autonomia fiscal municipal e no desenvolvimento
mais-valias fundiárias não valem o esforço urbano em geral (Smolka 2012).
empreendido. Outro resultado, confirmado por outra pesqui-
Os instrumentos de recuperação de mais-valias sa realizada para o presente trabalho, é que as
fundiárias que cobram pelos direitos de construir políticas bem sucedidas de recuperação de mais-
proporcionaram o financiamento parcial ou integral valias não têm tido impacto sobre os empreendi-
Lugares de interesse
Vias construídas
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A resistência contra as políticas de recuperação solo, concretizadas na infraestrutura e nas
de mais-valias fundiárias e o uso dos instrumentos edificações, as quais afetam outros usos por longos
correspondentes precisa ser superada em três períodos de tempo. Assim, os planejadores e
campos: ideologia, interesses e ignorância. empreendedores imobiliários trabalham sob altos
Primeiro, com relação à ideologia, é preciso garantir níveis de incerteza e risco quando são propostas
que o maior envolvimento público com o mercado, cargas fiscais ou outros tipos de normativas que
como está implícito nos princípios básicos de podem afetar os usos do solo atuais ou propostos.
recuperação de mais-valias fundiárias, possa na Apesar de, em teoria, as cobranças referentes à
verdade melhorar as condições tanto para o recuperação de mais-valias fundiárias serem neutras
surgimento de novas oportunidades de negócios com relação aos usos do solo e recaírem
como para a comunidade como um todo. Segundo, inteiramente sobre os proprietários de terras, na
reconhecer que outros interesses, além daqueles prática, a implementação bem sucedida exige
dos proprietários de terras, têm um papel legítimo habilidades de gestão para lidar com muitos fatores
no desenvolvimento urbano. Terceiro, contrapor à complexos e os diversos grupos de interesse
ignorância o conhecimento sólido que demonstre envolvidos. Além disso, ela exige um entendimento
que as cargas fiscais sobre os valores da terra não são adequado das condições do mercado de terras,
inflacionárias, sendo na verdade capitalizadas em sistemas abrangentes de monitoramento da
preços mais baixos no mercado de terras; que os propriedade, um diálogo fluido entre as entidades
direitos somente são adquiridos quando uma fiscais, de planejamento e jurídicas, e a determi-
licença para promover uma alteração no uso do solo nação política de líderes governamentais locais. Os
é solicitada; e que os direitos sobre a propriedade principais passos são:
não necessariamente incluem o direito ao valor Ÿ Assegurar que o momento certo seja escolhido,
intrínseco da terra ou a incrementos de valor na implantação de qualquer mudança proposta
indevidos. de um regime regulatório tradicional para outro
que contemple os instrumentos de recuperação
de mais-valias fundiárias que sejam apropriados
Recuperação de mais-valias fundiárias: deve ser às condições existentes do mercado imobiliário.
feita, pode ser feita, já foi feita . . . e se pode Ÿ Reconhecer que a tentativa e o erro são parte do
fazer melhor. processo de refinamento e institucionalização de
qualquer instrumento de política pública,
inclusive os relacionados à recuperação de mais-
RECOMENDAÇÕES valias fundiárias, e que não há uma solução única
Estas conclusões indicam passos que podem ser e ideal para todos.
tomados em três esferas: o aprendizado com experi- Ÿ Priorizar o controle público dos direitos de
ências variadas de implementação de políticas e construir e dos usos do solo como elementos de
instrumentos de recuperação de mais-valias fundiá- uma estratégia de recuperação de mais-valias
rias; a ampliação do conhecimento sobre a natureza fundiárias, ao invés de concentrar-se sobre a
complexa das várias abordagens da recuperação de propriedade estatal das terras.
mais-valias fundiárias; e a promoção de um maior Ÿ Manter cadastros atualizados, plantas de valores
entendimento, pelos representantes do poder fiscais imobiliários e registros de preços das
público e os cidadãos, sobre como os instrumentos terras e habitações, de modo a gerar os dados
de recuperação de mais-valias fundiárias podem ser necessários para avaliar o impacto e a
usados para beneficiar suas comunidades. distribuição equitativa das alterações de valor da
terra.
O Aprendizado com Experiências de Ÿ Garantir a continuidade administrativa na
Implementação implementação das políticas de recuperação de
O ambiente construído da cidade é o resultado mais-valias fundiárias ao longo do tempo,
acumulado de múltiplas decisões sobre o uso do especialmente para os projetos de grande escala,
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Property Taxation. Nairobi, Kenya: UN-Habitat, 11). http://habitat.igc.org/vancouver/van-decl.htm Whitaker Ferreira, João Sette. 2012. Linha Verde
Global Land Tool Network. na bolsa e operação de Alto Risco. Gazeta do Povo.
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Sterling, USA: Earthscan for the United Nations Xavier, Helia Nacif. 2011. Tensões entre
Human Settlements Programme. planejamento urbano e ação imediata: A operação
interligada na cidade do Rio de Janeiro
(1997–2000). Tese de Doutorado. Rio de Janeiro,
Brasil: Universidade Federal do Rio de Janeiro.
SMOLKA ● R E C U P E R A Ç Ã O D E M A I S - VA L I A S F U N D I Á R I A S N A A M É R I C A L AT I N A 67
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente aos colegas do Lincoln Institute Beatriz Cuenya, diretora, Centro de Estudios Urbanos y Gislene Pereira, professora e diretora, Laboratório de
of Land Policy por seus valiosos comentários sobre as Regionales, Consejo Nacional de Investigaciones Habitação e Desenvolvimento Urbano, Universidade
versões anteriores: Gregory K. Ingram, presidente e Científicas y Técnicas (CEUR-CONICET), Buenos Aires, Federal de Paraná, Brasil
CEO; Joan Youngman, senior fellow e diretora do Argentina
Departamento de Avaliação e Tributação; e, de modo Juan Felipe Pinilla, consultor independente e
especial, Anna Sant'Anna, senior research associate Diego Erba, fellow, Programa para América Latina e o investigador sobre políticas fundiarias, propriedade, e
no Programa para a América Latina e Caribe por seus Caribe, Lincoln Insttute of Land Policy legislação urbana, Bogotá, Colombia
comentários abalizados e a cuidadosa revisão da
tradução deste informe para o espanhol. Agradeço em Ramon Esteban, conselheiro municipal, ex secretario Eglaisa M. Pontes Cunha, educadora e gerente de
particular Ann LeRoyer, editora senior e diretora de de planificação, Municipalidade de San Fernando, capacitação, Ministerio das Cidades, Brasilia, Brasil
Publicações recém-aposentada, por seu trabalho Provincia de Buenos Aires, Argentina
editorial e por sua gestão do projeto e produção deste Sonia Rabello, profesora e investigadora, Escola de
relatório. Alfredo Garay, professor, Escuela de Arquitectura, Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Diseño y Planificación Urbana, Universidad de Buenos Brasil
Agradeço também David Vetter, da Vetter Consultoria Aires, Argentina
Econômica Ltda., no Rio de Janeiro, Brasil, pela sua Angel Ricardo Núñez Fernández, United Nations
leitura atenta do manuscrito final; e Fernanda Furtado, Silvia García Vettorazzi, arquiteta e vice-diretora, Development Program, Havana, Cuba
professora e pesquisadora da Escola de Arquitetura e Urbanística -Empresa Metropolitana de Vivienda y
Desarrollo Urbano, Municipalidade da Cidade de Beatriz Rave, arquiteta e gerente geral, Empresa de
Urbanismo da Universidade Federal Fluminense,
Guatemala, Guatemala Vivienda de Antioquia VIVA, Medellín, Colombia
Niterói, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, por suas
sugestões quando o projeto ainda estava em sua fase
Cynthia Goytia, economista, professora e diretora do Eduardo Reese, professor de gestão urbana e
inicial e pelas contribuições oportunas à esta nova
Programa de Maestría en Economía Urbana, planificação, Instituto Conurbano, Universidad General
versão do manuscrito original.
Universidad Torcuato Di Tella, Buenos Aires, Argentina Sarmiento, Buenos Aires, Argentina
Este informe se beneficiou de numerosas observações
Alfonso Iracheta Cenecorta, coordenador, Programa de Vera Rezende, professora e investigadora em
e contribuições específicas de especialistas de toda a
Estudios Urbanos y Ambientales, Colegio Mexiquense, planificação urbana, Escola de Arquitetura e
América Latina que têm estado envolvidos diretamente
Toluca, México Urbanismo, Universidade Federal Fluminense, Niterói,
na implementação de instrumentos de recuperação de
Estado do Rio de Janeiro, Brasil
mais-valias. Estendemos o nosso profundo agradeci-
Ignacio Carlos Kunz Bolaños, investigador, Universidad
mento às pessoas citadas a seguir, as quais proporcio- Daniel Rodríguez, director, Carolina Transportation
Nacional Autónoma de México (UNAM), consultor,
naram atualizações oportunas sobre questões e Program; e professor associado, Departamento de
Querétaro, México
práticas locais, explicações críticas sobre como os Planejamento Urbano e Regional, University of North
instrumentos em pauta operam e seus impactos em André Kwak, gerente de estudos urbanos, São Paulo Carolina em Chapel Hill
diferentes jurisdições, assim como as várias ilustra- Urbanismo, Municipalidade de São Paulo, Brasil
ções gráficas e fotografias. No entanto, o autor é Vanessa Rodríguez, consultora independente, Quito,
inteiramente responsável por qualquer interpretação Heliana Lombardi Artigiani, arquiteta e assessora, Ecuador
incorreta, erros e omissões. Secretaria de Desenvolvimento Urbano,
Municipalidade de São Paulo, Brasil María Cristina Rojas Eberhard, consultora
Claudio Acioly, chefe, Capacity Development Unit, UN- independente para várias instituições públicas
Habitat, Nairobi, Kenya Maria Mercedes Maldonado, professora, Universidad colombianas, Bogotá, Colombia
Nacional de Colombia; e Secretaria de Vivienda,
Hernando Arenas, geógrafo e urbanista, Instituto de Bogotá, Colombia Paulo Sandroni, consultor privado, professor, Fundação
Desarrollo Urbano, Bogotá, Colombia Getulio Vargas, São Paulo, Brasil
Camila Maleronka, arquiteta, administradora pública,
Zulma Bolivar, arquiteta e urbanista, presidente do São Paulo Urbanismo, São Paulo, Brasil Martha Siniacoff, diretora do cadastro e avaliações,
Instituto Metropolitano de Urbanismo (IMUTC), Municipalidade de Montevideo, Uruguay
Caracas, Venezuela Allan Mazariegos, arquiteto, Departamento de Obras
Públicas, Municipalidade da Cidade de Guatemala, Nadia Somekh, diretora, Departamento do Patrimônio
Oscar Armando Borrero Ochoa, economista e professor Guatemala Histórico; presidente, Conselho Municipal de Historia,
da Universidad Nacional de Colombia, Bogotá; e Cultura, e Patrimônio Ambiental, Municipalidade de
consultor privado, Borrero Ochoa & Asociados, Bogotá, Iris Elizabeth Medina Torres, especialista em planeja- São Paulo, Brasil
Colombia mento, Municipalidade de Lima, Perú
Alvaro Uribe, arquiteto, urbanista, e professor,
Gonzalo Cáceres, professor, Instituto de Estudios Carlos Mendive, economista, Universidad de la Universidade do Panamá; membro de Conselho
Urbanos y Territoriales, Universidad Católica de Chile, República, Montevideo, Uruguay Consultor, Ministerio de Vivienda do Panamá.
Santiago
Catalina Molinatti, consultora independente para Néia Uzon, consultora independente, Porto Alegre,
Rosemary Compans, arquiteta-urbanista, Instituto varios governos locais da Argentina, anteriormente Brasil
Municipal de Urbanismo, Rio de Janeiro, Brasil desenhadora de instrumentos de recuperação de
mais-valías, Municipalidade de Córdoba, Argentina Luis Fernando Valverde Salandia, arquiteto, Secretaría
Rosario Casanova, engenheira, Universidad de la de Habitação, Municipalidade do Rio de Janeiro, Brasil
República, Montevideo, Uruguay Carlos Morales Schechinger, especialista senior em
gestão e políticas fundiarias urbanas, Institute for Maria Clara Vejarano, professora e investigadora,
Luiz Fernando Chulipa Möller, consultor em avaliação Housing and Urban Development Studies (IHS), Universidad National de Colombia, Bogotá; e candidata
de imóveis e imposto predial e territorial urbano, Porto Erasmus University, Rotterdam, The Netherlands a doctorado, Universidad Federal de Rio de Janeiro,
Alegre, Brasil Brasil
Eduardo Ramírez Favela, anterior presidente de CABIN
Roberto Eibenschultz, professor e investigador, (Commission for the Assessment of National Assets), Stella Zuccolini, arquiteta e urbanista, Ministerio de
Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), em associação com o projeto Santa Fe, México DF, Vivienda y Planeación Urbana, Montevideo, Uruguay
México DF, México México