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BLOCKCHAIN E O APRIMORAMENTO DO PROCESSO ELETRÔNICO DO

TRIBUNAL DE CONTAS DE SANTA CATARINA

Leonardo Manzoni

Resumo: Este trabalho propõe um questionamento sobre a possibilidade de utilização da tecnologia de


Blockchain como fator de melhoria de um sistema de processo eletrônico em funcionamento na instituição
Tribunal de Contas de Santa Catarina. Para responder esse questionamento o artigo apresenta as motivações
que orientaram a adoção do processo eletrônico; aponta as principais características desse sistema; descreve
as características básicas de uma rede Blockchain, e a partir dos aspectos mais relevantes desses dois
sistemas estabelece um roteiro de comparação ponto a ponto, apontando as qualidades e deficiências de
cada modelo, amparando-se na observação do funcionamento do processo eletrônico e na literatura
especializada sobre Blockchain.

Palavras-chave: Processo eletrônico. Blockchain. Criptografia. Redes. Sistemas


distribuídos.

1. INTRODUÇÃO

Desde o ano de 2016 a instituição Tribunal de Contas de Santa Catarina vem


endereçando esforços na implantação plena do processo eletrônico de contas, esses
esforços estão em consonância com o seu Planejamento Estratégico 2013 – 2016
(TCESC, 2013), mais especificamente aos seguintes objetivos estratégicos relacionados
no documento: acelerar a tramitação dos processos; aperfeiçoar as decisões; modernizar
as práticas de gestão e intensificar e aprimorar o uso da TI.

Amparando-se na resolução TC-126/2016 (TCESC, 2016), e tendo como


respaldo, no âmbito federal, a Lei do Processo Eletrônico nº 11.419/2006 (BRASIL,
2006), a equipe de desenvolvimento da diretoria de informática da citada corte concentrou
esforços para produzir um sistema que permita aos auditores de controle externo e
conselheiros proceder a autuação, instrução e julgamento de diversos tipos de processos.
Essa empreitada foi motivada por uma série fatores: diminuição do tempo de julgamento
dos processos, eliminação ou redução do uso de papel, agilização da movimentação
processual e a produção e registro de diversos indicadores laborais e processuais.

Para obter os resultados acima mencionados, o sistema de processo eletrônico do


tribunal de contas foi desenvolvido para o ambiente web, fez uso intensivo de diversas
metodologias e tecnologias tais como Business Process Management, gerenciamento
eletrônico de documentos e assinatura digital entre outras, sempre procurando assegurar
a total confiabilidade, legalidade e autenticidade das informações que são produzidas e
custodiadas em seu escopo.

Após dois anos e meio de implantação pode-se afirmar que o trabalho foi bem-
sucedido. Consultas na principal base de dados do sistema, em abril de 2019, dão conta
que dos 14.953 processos em trâmite, 13.861 são eletrônicos, e apenas 1092 ainda
circulam em meio físico, evidenciando-se que aproximadamente 92,7% dos processos
atualmente em trâmite na instituição operam sob forma digital, sendo que os demais estão
em processo acelerado de conversão.

Dado o panorama descrito, mas com vistas à evolução do mesmo, este artigo
propõe uma reflexão para entender se os aspectos de confiabilidade, autenticidade,
processamento de identificação digital e auditoria de dados, poderiam ser melhor
atendidos utilizando-se uma tecnologia distribuída de Blockchain, e qual seria o possível
roteiro para a implantação dessa inovação.

2. METODOLOGIA

O estudo de caso que engendrou o presente artigo foi feito dentro do Tribunal
de Contas de Santa Catarina – TCE/SC, em virtude do vínculo funcional do autor com a
referida instituição e, mais especificamente, com o projeto do processo eletrônico. A
pesquisa utilizou informações colhidas in loco, diretamente das fontes de dados e de
documentos do sistema e descreve as principais decisões técnicas ao longo do projeto.
Como é bem conhecido, todas as organizações tem passado nas últimas
décadas por acelerados processos de substituição tecnológica e de procedimentos de
trabalho. Essas mudanças via de regra acontecem sob pressão de inúmeros agentes
internos e externos e envolvem um sem números de atores e decisões que passam
despercebidos ao longo dos procedimentos de mudança.

Esta pesquisa exploratória buscou oferecer maior coesão formal ao resultado


que foi obtido até o momento a respeito da transição da utilização do processo em papel
para o processo em meio digital, elencando quais as alterações legais nas quais essa
transição se amparou, e, de forma recíproca, quais foram os principais recursos
tecnológicos que permitiram atingir a presente situação onde mais de 92% dos processos
são imateriais.

Para que um entendimento mais amplo a respeito do exposto acima fosse


atingido, buscou-se, mediante pesquisas teóricas, oferecer um panorama a respeito das
fontes de inspiração e de casos semelhantes que, no passado recente, apontaram a direção
que foi tomada no caso do processo eletrônico específico dessa instituição.

A investigação teórica e explicativa do que já existe, dos desafios


encontrados, dos resultados obtidos, e dos problemas ainda sem solução serviu como
orientação para o estudo sobre a possibilidade de uma evolução nos procedimentos atuais
com a adoção da tecnologia específica de Blockchain.

Sobre a tecnologia de Blockchain, esse trabalho pesquisou na bibliografia


especializada e em fontes da rede mundial de computadores, em busca de casos de uso e
de melhores práticas no intuito de consolidar o entendimento de como essa tecnologia
distribuída pode, em tese, aprimorar os resultados já obtidos pela instituição alvo.

3. CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO ELETRÔNICO

Ao se mencionar a palavra “processo” uma imagem bastante comum é a de um


conjunto de papéis encadernado por uma capa. Consultando, porém, a etimologia da
palavra “processo”, encontramos sua origem latina no verbo “procedere” – o prefixo
“pro” significando “avante” ou “para frente”, e o sufixo “cedere” indicando o ato de ir ou
deslocar-se.

Pelo exposto percebe-se que o conceito de processo refere-se muito mais a fluxo
de eventos encadeados no tempo, do que a um conjunto de objetos físicos, por isso é que
ao discutir-se o processo eletrônico, verifica-se que para além da mera conversão de
documentos para meio digital faz-se necessário todo um novo arcabouço de técnicas e
tecnologias que garantam a instrumentalidade da forma, segundo Pereira (2016, p. 87
apud BATISTELA, 2002, p.20)

As formas foram surgindo para dar um bom andamento ao processo,


concedendo às partes interessadas o sentimento de segurança e previsibilidade,
para que o processo atinja seus escopos sociais, jurídicos e políticos. Assim a
instrumentalidade das formas é o princípio que permeará o processo civil
moderno, uma vez que é instrumento viabilizador da ordem jurídica e forte
aliado na busca pelo acesso à justiça.

Considerando esse aspecto de instrumentalidade do processo civil, o TCE/SC


encontrou nas técnicas da metodologia BPM o suporte mais adequado para o
sequenciamento, registro e manutenção de regras associadas a eventos processualísticos,
ou seja: “A adoção da metodologia de BPM pela TI do TCE/SC é, sem dúvida, a forma
mais eficaz e eficiente de permear a conformidade processual das áreas finalísticas e
administrativas da instituição, visando a célere entrega à sociedade das demandas por
ela geradas” (PEREIRA, 2016).

Mesmo tendo eventos e fluxos como ideias nucleares da sua constituição, o


processo eletrônico não dispensa a utilização de um conjunto significativo de documentos
em formato digital, frequentemente produzidos de forma coletiva e sequenciada, que
devem ser armazenados e custodiados pela instituição, sendo que a maior parte desses
documentos deve ter sua autenticidade e inviolabilidade garantida por algum tipo de
autenticação ou assinatura digital de diversos autores, acrescentando novas camadas de
complexidade no tocante à certificação de identidade e autoridade certificadora.

Ao cabo de todos esses trâmites, o processo pode ainda ser objeto de uma
discussão em uma sessão plenária colegiada e ter anexada às suas peças uma decisão
oriunda de um sistema de votação pela corte de contas, decisão essa que ainda pode ser
alvo de diversos recursos e agravos por parte das diversas pessoas interessadas.
Tendo em vista as características mencionadas e visando o aprimoramento da
operacionalização do processo eletrônico supôs-se que algumas características da
tecnologia Blockchain poderiam vir vantajosamente substituir ou agregar-se às atuais
funcionalidades do processo eletrônico.

4. CARACTERÍSTICAS DO BLOCKCHAIN

Segundo Ferreira (2017, p. 6), Blockchain é “um tipo de banco de dados


distribuído em uma rede de vários participantes, no qual não há entidade central
controladora”. O fato de não haver entidade central controladora vem a ser uma das
características mais interessantes da tecnologia Blockchain, trazendo para o foco toda a
discussão sobre confiança entre as partes, que deixa de estar a cargo de uma entidade e
passa a ser efetuada por algoritmos que fazem uso massivo de criptografia e mecanismos
de hash (resumo digital) para garantia das transações.

Não ter entidade central reguladora e ser um sistema de processamento


distribuído, peer-to-peer, permite ao Blockchain utilizar o poder de processamento de
uma ampla rede para garantir integridade, confiança e identificação digital
imprescindíveis ao bom funcionamento do processo eletrônico, pois como afirma
Drescher (2017, p.37) o Blockchain constitui um “sistema de registro de transações que
utiliza softwares que consistem em algoritmos que negociam entre si o conteúdo
informacional ordenado e conectado em blocos de dados com tecnologia de criptografia
e segurança com objetivo de obter e manter integridade”.

O sistema atual de processo eletrônico utiliza-se de metodologia BPM como


motor de regras. Algumas implementações de Blockchain operacionalizam as regras de
transação utilizando o conceito de contrato inteligente, que segundo Lima, Hitomi e
Oliveira (2018, p.7) “automatiza processos e remove a necessidade de intermediários
responsáveis, resultando na redução de custos”.

Informações armazenadas no Blockchain são por definição imutáveis e


compartilhadas, ou seja, uma vez que um bloco é adicionado ao conjunto, de acordo com
as regras da rede, esse bloco passa a ser visível por todos facilitando a confiabilidade e
auditoria em sistemas de votação, característica desejável por causa da própria natureza
colegiada das decisões submetidas aos processos de contas eletrônicos.

Sistemas de votação Blockchain, de acordo com Bashir (2017 p. 594) introduzem


segurança ponto a ponto e transparência no processo. Segurança é providenciada na
forma de integridade e autenticidade dos votos mediante o uso de chaves públicas
criptografadas que são padrão nas implementações Blockchain.

Dentre as principais características do processo eletrônico, está a obrigatoriedade


de assegurar que somente pessoas autorizadas possam manipular ou inserir novas
informações ao processo, isso é feito através de mecanismos de autenticação no nível da
aplicação, que fazem uso das assinaturas eletrônicas garantidas por uma autoridade
certificadora externa (ICP Brasil).

Esse sistema pode acarretar gargalos de processamento e obriga constantes


consultas remotas à autoridade certificadora. Uma forma de endereçar esse assunto por
meio de Blockchain poderia, nas palavras de Jacobovitz (2016, p.3),

combinar o princípio Blockchain descentralizado com a verificação de identidade,


uma ID digital pode ser criada que funcionaria como uma marca d'água digital que
pode ser atribuída a cada transação online. A solução pode ajudar as organizações
a verificar a identidade em cada transação em tempo real.

Além de todos os aspectos técnicos específicos supramencionados, deve-se


ressaltar a possibilidade mais ampla do aprimoramento da governança que a tecnologia
Blockchain poderia vir a trazer. Denny, Paulo e Castro (2017, p. 139) afirmam que
Blockchain pode ser uma das estratégias para manter registro de indicadores que
precisam ser lançados publicamente pelos agentes e verificáveis pelos multistakeholders.
Pode ser um veículo para transformar a relação do cidadão com os Estados.

Apesar das grandes promessas nenhuma tecnologia é isenta de problemas e


dificuldades e o presente artigo atentou os possíveis percalços de uma implementação
dessa natureza, pois como ressalvam os autores Denny, Paulo e Castro (2017, p. 138)
avanços tecnológicos muitas vezes são superestimados e na prática o Blockchain ainda
é um conceito muitas vezes pouco compreendido. Além disso, a sua aplicação, ainda, é
restrita, incipiente e há problemas relacionados à escalabilidade, privacidade e
confidencialidade.

5. ASPECTOS DE COMPARAÇÃO ENTRE PROCESSO ELETRÔNICO E


BLOCKCHAIN

Como o aparato do processo eletrônico é tecnologicamente muito amplo, a


coleta de dados apoiou-se sobre a descrição de algumas características principais,
buscando na documentação própria do sistema atualmente em uso e na documentação das
tecnologias de suporte utilizadas, fornecendo dessa maneira um aporte teórico que balizou
a comparação com a possibilidade de utilização da nova tecnologia de Blockchain.

Em virtude da tecnologia de Blockchain ainda encontrar-se em estado


incipiente de utilização e tratar-se mais de uma promessa de uso do que uma metodologia
madura buscou-se fazer a comparação do estado atual de determinadas características do
processo eletrônico do TCE/SC com casos de uso propostos ou encontráveis da literatura
específica, apontando, sempre que possível, as vantagens e desvantagens de uma ou de
outra abordagem.

As principais tecnologias/metodologias utilizadas no sistema de processo


eletrônico do TCE/SC que foram delimitadas como comparação para esse artigo são as
seguintes:

• processamento centralizado do tipo cliente/servidor;


• metodologia BPM para a otimização de processos de trabalho;
• tecnologia ECM/GED (Enterprise Content Management/Gerenciamento
Eletrônico de Documentos) para armazenamento de conteúdo digital;
• banco de dados relacional para o registro das transações;
• infraestrutura de chaves públicas brasileira para a identificação digital.
Cada uma dessas características será detalhada individualmente e contrastada
com a abordagem encontrada em casos de usos e literatura relativa ao Blockchain,
especificamente as seguintes:

• processamento descentralizado do tipo peer-to-peer;


• organização de trabalho por meio de Smart Contracts;
• armazenamento de conteúdo no próprio bloco;
• registro de transações na própria rede descentralizada;
• mecanismo próprio de identificação digital.

Ao descrever comparativamente as duas abordagens pretendeu-se descobrir em que


medida a nova tecnologia poderia vir a contribuir ou complementar a evolução do atual
sistema de processo eletrônico.

5.1 PROCESSAMENTO CENTRALIZADO VERSUS DESCENTRALIZADO

Mediante o estudo realizado para este artigo pudemos constatar que todo o
processamento relativo às inúmeras transações relativas ao processo eletrônico de contas
faz uso de uma abordagem centralizada. A infraestrutura de informática do Tribunal de
Contas de Santa Catarina provê, em sua estrutura de servidores, um conjunto significativo
de máquinas virtuais alocadas com exclusividade para atender os diversos aspectos do
processo eletrônico.

Por meio desse conjunto de servidores dedicados foi possível implementar uma
arquitetura do tipo SOA (Service Oriented Architecture) e especializar as funcionalidades
ainda mais com a implementação de micro serviços, que utilizam o protocolo HTTP
(Hipertext Transfer Protocol) de uma forma mais flexível, construindo pontos de acesso
baseados em REST (Representational State Transfer), fazendo uso de extensa
comunicação assíncrona.

Dessa forma o que podemos considerar como a plataforma do processo eletrônico,


visível através das interfaces web, trata-se na verdade de um conjunto de servidores
alocados em diversas máquinas virtuais ou físicas que providenciam todo o
processamento e armazenamento requerido para tornar possíveis as tarefas de
movimentação, geração de relatórios, troca de mensagens, registro de tarefas e a garantia
do sequenciamento das tarefas coordenadas entre as equipes de trabalhos.

Dentre esses muitos servidores podemos destacar alguns dos mais importantes:
banco de dados Microsoft SQL Server, diversos Servlets Containers armazenando
páginas e conteúdo estático html e javascript, Gerenciador Eletrônico de Documentos
Alfresco e Servidor Web Microsoft IIS, para comunicação com a Infraestrutura de Chaves
Públicas Brasileira (ICP-Brasil), para o gerenciamento das autenticações de certificação
digital criptografadas, além do FPE - Fluxo Processual Eletrônico, implementação
doméstica do BPM (Busines Process Management) assegurado por um conjunto
programado de regras em banco de dados.

Arquiteturas orientadas a serviços ou micro serviços podem ser entendidas como


um tipo de arquitetura descentralizada, isso é verdade em parte, uma vez que hosts
diferentes são designados para tarefas especializadas fornecendo serviços inequívocos,
conectados a um hub genérico de onde as implementações clientes podem consumir dados
e serviços, no entanto se levarmos ao pé da letra a descentralização, observaremos que a
esmagadora parte do processamento ainda está em uma das pontas da relação, enquanto
que um mínimo (ou nada) de processamento é delegado às máquinas clientes da rede.

No ambiente do Tribunal de Contas de Santa Catarina, verificamos então que, ao


dispor de uma moderna camada de servidores e um conjunto bastante atualizado de
máquinas clientes na rede, praticamente todo o processamento está designado ao conjunto
servidor, deixando ocioso um conjunto importante de hardwares de primeira qualidade
representado pelas máquinas dos clientes da rede.

A tecnologia Blockchain não possui servidores centrais para processar seus dados,
implementando, portanto, um modelo descentralizado “puro”, que delega e confia todas
as tarefas à rede de computadores que se conecta a cadeia de blocos.

Na prática, o sistema Blockchain é um sistema ponto a ponto onde cada novo


bloco de dados a ser adicionado aos já existentes é acumulado e calculado por máquinas
concorrentes, que através de uma prova de trabalho podem ganhar a permissão de
escrever na cadeia encadeada de informações, que vem a constituir o próprio Blockchain.
segundo Drescher (2017, p.14-15)

redes peer-to-peer são um tipo especial de sistemas distribuídos. Eles consistem


de computadores individuais (também chamados de nós), que fazem seus
recursos (por exemplo, capacidade de processamento, capacidade de
armazenamento, dados ou largura de banda de rede) diretamente disponíveis
para todos os outros membros da rede sem ter qualquer ponto central de
coordenação. Os nós da rede são iguais em relação aos seus direitos e funções
no sistema. Além disso, todos eles são ambos fornecedores e consumidores de
recursos.

Para efetuar os processamentos descentralizados cada máquina participante da


rede possui seus próprios softwares que manipulam o tipo de Blockchain em que se está
trabalhando bem como uma cópia atualizada do Blockchain em si, representado como um
arquivo de dados binários que internamente é uma lista criptografada e encadeada bloco
a bloco.

A característica ponto a ponto da rede Blockchain pode aumentar


exponencialmente seu poder de processamento já que o escalonamento pode ser efetuado
adicionando-se mais máquinas à rede, inclusive máquinas com baixo poder de
processamento e/ou ociosas, tonando possível um melhor aproveitamento do parque de
máquinas já existentes, assim “o poder de computação de um sistema distribuído é o
resultado da combinação do poder de computação de todos os computadores conectados.
Portanto, sistemas distribuídos normalmente têm mais poder de computação do que cada
computador individual” (DRESCHER, 2017, p.12).

5.2 BPM VERSUS SMART CONTRACT

Considerando-se que o sistema do processo eletrônico do TCE-SC consiste em


uma plataforma coordenada de múltiplos serviços, foi observado que tarefa de
coordenação de todos os serviços, e mesmo das tarefas dos usuários, está assentada no
serviço FPE (Fluxo Processual Eletrônico) que, consiste na implementação institucional
da metodologia BPM (Business Process Management).

O sistema FPE – BPM materializa-se por um conjunto estrito de regras, diagramas


visuais e procedimentos de banco de dados que foram paulatinamente descortinados e
implementados em conjunto com os usuários do sistema. A metodologia de
gerenciamento dos processos de negócio em si mesma não apresenta nenhum milagre
para as organizações que optam por adotá-la, e frequentemente sua implantação requer
muita dedicação da equipe de informática e dos especialistas do negócio.

O esforço mencionado acima não foi exceção no Tribunal de Contas do Estado de


Santa Catarina, assim, para criar o sistema FPE, centenas de procedimentos, e milhares
de regras tácitas, relacionadas ao manejo dos processos de contas, tiveram que ser
descritas em pormenores e racionalizadas em procedimentos mais simples e explícitos,
fomentando inclusive a criação de novas normatizações internas tal é o caso da resolução
TC - 126/2016, que orienta o processo eletrônico e suas regras.

Ao fim foi constatado que o entendimento coletivo a respeito das movimentações,


tipos de documentos e necessidades de assinaturas em determinadas peças processuais
aumentou e tornou-se difundido por meio da própria interface web do sistema,
contribuindo para a transparência da instituição e retorno social do serviço público. Um
exemplo disso é a automatização das comunicações entre os interessados dos processos e
o Tribunal de Contas, que pode, atualmente, ser feita totalmente à distância sem
necessidade de deslocamento físico para consultas, peticionamentos e juntada de
documentos.

Paralelamente ao BPM, o Blockchain também pode implementar seu conjunto de


regras associado ao manejo dos blocos e ao funcionamento da própria rede, esse
mecanismo veio a ser conhecido como “smart contract”. Segundo Swan (2015, p.16)

Um contrato no sentido tradicional é um acordo entre duas ou mais partes para


fazer ou não fazer algo em troca de outra coisa. Cada parte deve confiar na outra
parte para cumprir o seu lado da obrigação. Os contratos inteligentes apresentam
o mesmo tipo de acordo para agir ou não, mas eliminam a necessidade de um
tipo de confiança entre as partes. Isso ocorre porque um contrato inteligente é
definido pelo código e executado (ou imposto) pelo código.

A rede bitcoin é um grande sistema de livro-razão público, associado a mecanismos de


transferências de pagamentos unívocos, garantidos por criptografia e confidencialidade.
“o Bitcoin foi criado em 2009 (lançado em 9 de janeiro de 2009) por uma pessoa ou
entidade desconhecida usando o nome Satoshi Nakamoto. O conceito e detalhes
operacionais são descritos em um white paper conciso e legível, “Bitcoin: um sistema de
dinheiro eletrônico peer-to-peer” (SAKAMOTO, 2019 apud SWAN, 2015, p.11) Com a
rede bitcoin tornou-se possível a transferência de dinheiro digital livre de interferências
governamentais e de bancos centrais, sem as tradicionalmente altas taxas que se cobram
para transferências através de terceiros “confiáveis” como os bancos.

Apesar dos desejáveis aspectos acima descritos, alguns programadores,


envolvidos com a manutenção inicial da rede bitcoin, começaram a sentir a necessidade
de que a movimentação de valor pela rede que se fizesse de forma automatizada, mediante
um conjunto pré-determinado de condições. Como a plataforma bitcoin tem um tamanho
limitado de bloco que não permite grandes extensões além daquilo descrito e
implementado alguns programadores resolveram criar uma nova rede.

Para dar suporte aos contratos inteligentes é que no final de 2013, Vitalik Buterin
propôs em um artigo a criação da rede Ethereum, adicionando mais um aspecto às então
já conhecidas redes Blockchain de valor. A partir do lançamento público da rede
ethereum, e da criptomoeda ether, passou a ser possível transacionar valor por meio de
contratos programáveis em uma linguagem não ambígua, descortinando uma imensa
gama de possibilidades de troca de serviços por valor, de forma segura e com taxas
menores. Segundo a definição do autor

A Ethereum faz isso construindo o que é essencialmente a última camada


fundacional abstrata: um blockchain com uma linguagem de programação
Turing-completa integrada, permitindo que qualquer um escreva contratos
inteligentes e aplicativos descentralizados onde possam criar suas próprias
regras arbitrárias de propriedade, formatos de transação e funções de transição
de estado (BUTERIN, 2013).

Quando se discute valor é frequente pensar imediatamente em dinheiro, que é o


principal meio de representação de valor que dispomos em nossa sociedade. As redes
Blockchain que implementam criptomoedas não são exceção e usam as criptomoedas
internamente tanto para o pagamento de serviços de pessoas físicas quanto para a
remuneração de serviços de processamento, tais como o próprio processamento
disponibilizado pelos nós de rede que processam os blocos, também conhecidos como
nós-mineradores.
No entanto, para além da troca financeira disponibilizada pelas implementações
Blockchain de criptomoedas, podemos vislumbrar a utilização de redes Blockchain
privadas que permitam a troca e produção de valor de outras formas, associadas, por
exemplo, ao trabalho realizado, à produção ou movimentação de documentos e toda uma
sorte de medições de carga que pode ser inferida dos registros da própria rede.

De qualquer maneira podemos prenunciar que um conjunto vigoroso e consistente


de regras asseguradas em contratos inteligentes poderia vir a complementar ou substituir
o atual mecanismo de gerenciamento dos processos de negócio.

5.3 ECM VERSUS ARMAZENAMENTO NO BLOCO

ECM é uma sigla que, em inglês, representa o conceito de Enterprise Content


Management, ou, em tradução livre, gerenciamento institucional de conteúdo, de acordo
com o portal ECM GED, é uma combinação dinâmica de estratégias, métodos e
ferramentas usadas para capturar, gerenciar, armazenar, preservar e distribuir conteúdo e
documentos relacionados a processos organizacionais, durante todo seu ciclo de vida.

A ideia subjacente a essa sigla se relaciona com todos os procedimentos e soluções


necessárias para a manutenção, custódia, movimentação e localização de variados tipos
de conteúdos, sobretudo digitais, produzidos internamente ou recebidos dos
relacionamentos externos à instituição.

É importante ressaltar que os conteúdos e mídias digitais são cada vez mais
entendidos como verdadeiros ativos das empresas e instituições. Nunca é demais lembrar
que, na economia atual, as empresas com maior valor de mercado que conhecemos, são,
quase sem exceção, empresas que manipulam e custodiam volumes imensos de conteúdos
digitais.

O Tribunal de Contas de Santa Catarina buscou, no arcabouço de seu sistema de


processo eletrônico, uma solução que endereçasse de forma consistente e garantida toda
a massa de conteúdos digitais que o processo eletrônico inevitavelmente gera, mantém e
disponibiliza aos seus múltiplos usuários.
Ao fim de um extenso curso de pesquisas e provas de conceitos chegou-se à
solução comercial Alfresco, um gerenciador eletrônico de documentos de alta
disponibilidade, que fornece, ao mesmo tempo, um robusto conjunto de características
tais como funções de indexação, interface administrativa web, possibilidade de extensões
através de scripts programáveis, banco de dados incorporado, manutenção de metadados
nativa e, principalmente, uma extensa API para comunicação programática com sistemas
de terceiros.

No Tribunal de Contas de Santa Catarina foi utilizada a versão gratuita do software


Alfresco, que dispõe de todas as funcionalidades da versão comercializada, excetuando-
se a assistência permanente da empresa que o produz. Essa decisão economizou uma
considerável soma aos cofres públicos, dispensando as burocracias associadas à licitação,
compra e contratação de serviços, e, por outro lado, pressionou o aprimoramento da
equipe de desenvolvimento no entendimento dos meandros e detalhes da solução.

O servidor Alfresco, portanto, oferece ao processo eletrônico a manutenção de


seus registros documentais digitais que virão a constituir as peças ou autos processuais,
essa custódia digital deve ser assegurada em uma sequência específica no tempo e, as
peças digitais, depois de devidamente assinadas e autenticadas, devem ser preservadas de
modo imutável. Dessa maneira podemos contar com o servidor Alfresco para a
manutenção e localização efetiva, no entanto a garantia de sequenciamento e
imutabilidade deve ser garantida no nível da aplicação com registros em banco de dados
relacional.

Em consultas na literatura especializada chegou-se à conclusão de que, ainda que


a tecnologia Blockchain apresente características de armazenamento de dados em bloco,
não é possível garantir que possua as características necessárias para garantir a custódia,
indexação e localização de grandes volumes de conteúdos digitais como arquivos textos,
áudios e vídeos, isso se deve às limitações impostas pelo tamanho do bloco encadeado.
Essas limitações são características intrínsecas ao próprio design e finalidade de aplicação
da tecnologia, segundo Carvalho (2018, p.78).

Por possuírem um tamanho muito maior do que o que se tem em uma simples
transação de valores de criptomoedas, um Blockchain para troca de arquivos
impediria o sistema de funcionar com agilidade, vista a necessidade de se
resumir, distribuir e validar todos esses arquivos dentro do sistema.
Apesar da não aplicabilidade do Blockchain para registro direto de conteúdos
digitais, a segunda parte da tarefa de manutenção de conteúdos – garantia da
imutabilidade e sequenciamento dos autos - poderia se beneficiar muito das
características nativas de Blockchain. Os recursos criptográficos transacionais intrínsecos
desta plataforma poderiam beneficiar o processo eletrônico, em uma forma de solução
mista, com os blocos da cadeia sendo usados como apontadores para o conteúdo digital
armazenado em um serviço ECM dedicado e específico.

5.4 BANCO DE DADOS RELACIONAL VERSUS REDE


DESCENTRALIZADA

Sistemas Gerenciadores bancos de dados relacionais são tecnologias bastante


tradicionais e usadas há muito tempo na ciência da computação e, sabemos que por trás
de toda informação acessada em algum sistema informatizado, subjaz alguma modalidade
desse tipo de servidores. Suas características mais importantes estão relacionadas a um
manejo preciso e confiável de registros binários, além da disponibilidade desses registros
sob a forma inteligível de conjuntos de dados manipuláveis pelas aplicações clientes.

A plataforma do processo eletrônico, sendo um sistema informatizado ponta a


ponta faz, evidentemente, uso extensivo de SGBD sob a forma de bases, tabelas, funções
e procedimentos. Efetivamente tudo que se faz no processo eletrônico é, em última
instância, registrado em uma base de dados. O próprio FPE – BPM, já mencionado
anteriormente é uma funcionalidade suportada em larga medida sob forma de regras e
procedimentos nativos de banco de dados.

A intensa utilização de banco de dados faz-se necessária uma vez que os


servidores da instituição, usuários do processo eletrônico, em um primeiro momento
demonstraram grande preocupação e desconfiança ao fazer a transição cognitiva do
modelo físico-analógico para o modelo imaterial-eletrônico. As interfaces do sistema
foram todas projetadas para apresentar informações claras e abundantes sobre cada
processo individual, bem como sobre os estoques processuais de cada departamento da
instituição, toda essa informação só se obtém com amplos registros em banco de dados.
O Blockchain tem sido apresentado como um “banco de dados distribuído”, essa
afirmativa tem consistência dentro de um contexto de possibilidades, porém é difícil de
ser mantida se confrontada com o atual estado de maturidade dos SGBDs, Carvalho
(2018, p. 72) aponta que

isso permite que se compare esse modelo com a tecnologia do Blockchain, que
também opera como banco de dados, mas possui atributos específicos - isto é,
contém atributos que banco de dados tradicional não tem. Para começar, muito
raramente se consegue a imutabilidade nos bancos de dados tradicionais; o
Blockchain, ao contrário, tem isso como um pilar sustentador: os registros não
se apagam nem se alteram, e esse é, inclusive, elemento importante que lhe
confere credibilidade e relevância.

Sem dúvida os SGBDs atuais, em sua maioria, fornecem suas funcionalidades em


um modelo preferencialmente cliente-servidor tradicional, mesmo que se possa
argumentar que várias bases possam ser utilizada para uma só aplicação, ou que dados
possam ser divididos em múltiplas bases em locais diferentes, isso por si só não configura
um sistema distribuído.

O Blockchain por outro lado propõe um modelo de dados não relacional e


totalmente distribuído, onde cada nó operador da cadeia possui a sua própria cópia
integral dos dados, atualizada constantemente dentro das regras temporais e de
concorrência entre os inúmeros nós da rede, essa característica assegura a devida
transparência dos Blockchain públicos, e reforça a garantia contra ataques coordenados à
rede, uma vez que para violar a cadeia encadeada o consenso necessário para isso deveria
ser obtido entre, pelo menos, a metade mais um dos nós operadores.

A distribuição da cadeia de blocos é, portanto, entendida como uma das principais


garantias da inviolabilidade e imutabilidade das informações resguardadas na rede, que,
junto com a criptografia nativa, é apresentada como a solução para o alcance da confiança,
palavra chave no mundo Blockchain, conforme afirma Carvalho (2018, p. 72)

Esse registro do histórico, em que não se apaga, só se acrescenta; a autenticação


de autoria; distribuição em rede, que impede que se perca a informação - tudo
isso pode ser resumido em uma palavra: credibilidade

Em um sistema de processo eletrônico a garantia de inviolabilidade, autenticidade e


imutabilidade das peças processuais anexadas é altamente desejável e, sem dúvida, a
tecnologia Blockchain tem muito a contribuir nesse sentido. A rastreabilidade das ações
praticadas na cadeia de informações sobre o processo, bem como a auditabilidade
derivada disso é, igualmente, algo que o Blockchain pode fornecer nativamente.

Por outro lado, paralelamente à comparação feita com o sistema ECM, temos no
caso do SGBD a mesma limitação relativa ao Blockchain. A tecnologia Blockchain não
se presta ao registro direto de grandes massas de dados, funcionando mais como um
registro adjacente e garantidor da imutabilidade, autenticidade e inviolabilidade do que
um banco de dados propriamente dito, como podemos ler em Carvalho (2018, p. 72)

Não se trata de hierarquizar, de dizer que um é melhor do que o outro. E sim de


entender que o Blockchain tem características específicas que podem ser
vantajosas, dependendo do uso que se faz das informações registradas, bem
como o tipo de informações registradas.

5.5 ICP BRASIL VERSUS GESTÃO DE IDENTIDADE NO BLOCKCHAIN

O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina é o órgão responsável pela


fiscalização, auditoria e julgamento da contabilidade de todos os entes públicos das
esferas municipal e estadual, assim, quando um processo de contas é constituído,
inúmeras pessoas podem estar relacionadas a esse evento, sejam elas agentes públicos,
responsáveis legais, procuradores, advogados e outros tipos de interessados. Grande parte
dessas pessoas deverá em algum momento interagir com o processo, submetendo
documentos, recebendo comunicações ou respondendo pedidos de informação.

Em um processo físico, em papel, a autenticidade dessas interações entre as


pessoas e os processos é feita através da assinatura em papel pelas pessoas devidamente
identificadas e qualificadas. Com o advento do processo eletrônico essa interação
aumenta em complexidade, e a autenticidade da identidade passa a ser realizada sob forma
eletrônica via certificação digital.

A certificação digital brasileira é fornecida pela Infraestrutura de Chaves Públicas


Brasileira, mantida pelo ITI - Instituto Nacional de Tecnologia Da Informação -, órgão
vinculado à casa civil da presidência da república, comumente referida como ICP-Brasil.
Segundo a própria página (ITI, 2019) do órgão a
ICP-Brasil é uma cadeia hierárquica de confiança que viabiliza a emissão de
certificados digitais para identificação virtual do cidadão. Observa-se que o
modelo adotado pelo Brasil foi o de certificação com raiz única, sendo que o ITI,
além de desempenhar o papel de Autoridade Certificadora Raiz – AC-Raiz,
também tem o papel de credenciar e descredenciar os demais participantes da
cadeia.

Essa cadeia de confiança se materializa sob a forma de diversas unidades privadas


credenciadoras, que prestam os serviços de verificação de identidade in loco e de
confecção dos tokens particulares de assinatura. De acordo com o glossário da ITI (ITI,
2018) um token é um “dispositivo para armazenamento do Certificado Digital de forma
segura, sendo seu funcionamento parecido com o smart card, tendo sua conexão com o
computador via USB”

A assinatura digital de uma pessoa física brasileira funciona dentro de um sistema


de pares de chaves criptografadas, onde o portador mantém secreta sua chave privada –
comumente alojada no token -, desbloqueada somente por uma senha forte, enquanto
fornece aos demais a sua chave pública para verificação da autenticidade de sua
assinatura. Ambas as chaves são únicas para cada portador, geradas e emitidas no
momento do cadastramento pelo fornecedor vinculado à ICP-Brasil, conforme consulta a
ITI (ITI, 2018)

Na prática, o certificado digital ICP-Brasil funciona como uma identidade virtual


que permite a identificação segura e inequívoca do autor de uma mensagem ou
transação feita em meios eletrônicos, como a web. Esse documento eletrônico é
gerado e assinado por uma terceira parte confiável, ou seja, uma Autoridade
Certificadora (AC) que, seguindo regras estabelecidas pelo Comitê Gestor da
ICP-Brasil, associa uma entidade (pessoa, processo, servidor) a um par de chaves
criptográficas.

De posse de uma assinatura digital, uma pessoa vinculada a um processo


eletrônico de contas pode então interagir com os autos desse processo, autenticando-se
no sistema, assinando recebimento de comunicações e juntando documentos ao processo,
se necessário. Os servidores do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina que
manipulam o processo eletrônico igualmente devem todos possuir tokens para assinatura
digital, pois o processo eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina não
admite atos ou peças processuais que não sejam assinadas e auditáveis.
Todos os requisitos acima listados são os fundamentos que asseguram a
responsabilidade sobre os atos praticados, e a legalidade que deve existir em um ambiente
virtual, de forma tão, ou até mais, confiável quanto no ambiente material.

O conceito de “confiança” é considerado o cerne da tecnologia de Blockchain, em


algumas publicações as redes Blockchain são inclusive referidas como “redes de
confiança”, pois seu propósito nuclear é eliminar intermediários nas transações de valor,
como é o propósito da rede bitcoin, por exemplo.

Todos os procedimentos descritos para geração e emissão de pares de chaves


criptografadas de usuário, para a criação de uma identidade digital por uma unidade
certificadora vinculada a ICP-Brasil, são mecanismo nativos, basicamente critérios
padrão, para a interação de um usuário com uma rede Blockchain, excetuando-se a
verificação in loco da identidade pessoal, o que, alega-se, garante o critério de anonimato
nas Blockchain públicas, segundo o artigo Blockchain for Authentication, Benefits, and
Challenges

O Blockchain usa o par de chaves para os usuários registrarem sua identidade.


As informações pessoais são armazenadas em forma de hashes, que podem ser
usadas para vários atributos relacionados à identidade, como nome, número de
identidade único ou número de segurança social, impressão digital ou outras
informações biométricas. (SHARMA, 2018)

Sob o ponto de vista de operação de uma rede Blockchain um usuário pode


perfeitamente realizar transações e gerar informações que serão armazenadas em algum
bloco, sendo que sua autenticação é processada e garantida por seu par de chaves pública
e privada, que podem ser acessada pelos nós da rede na própria cadeia de blocos de forma
anônima e criptografada.

No sistema da ICP-Brasil a autenticação só é possível recorrendo a uma consulta


ao servidor de autenticação mais próximo, que por sua vez recorre ao seu nível superior,
e assim sucessivamente até o autenticador raiz, gerando custos inevitáveis para os
procedimentos de consulta, e tempo de respostas dilatados, sem contar que uma falha no
servidor raiz pode comprometer a autenticação de toda a cadeia, algo muito difícil de
acontecer em um sistema de autenticação distribuído.
Apesar da óbvia vantagem que a rede Blockchain leva nos quesitos de robustez da
autenticação, distribuição do processamento e da implementação nativa da criptografia
de chaves públicas/privadas, sua utilização, no processo eletrônico de contas, não é viável
no presente momento, pelo menos não como mecanismo principal, pois o sistema da ICP-
Brasil detém o status de autenticação digital oficial do estado brasileiro, e é reconhecido
em todas as cortes brasileiras como legalmente válido sob todos os aspectos jurídicos,
enquanto que a tecnologia Blockchain ainda é praticamente desconhecida das autoridades
brasileiras e sua utilização, e possíveis fragilidades, não foram exaustivamente
descortinadas e debatidas pelas autoridades responsáveis.

6 CONCLUSÕES

Movido pela curiosidade que um assunto da moda suscita, pode-se, no transcorrer


da presente pesquisa, constatar que o assunto Blockchain tem gerado reações bastante
apaixonadas no âmbito da ciência da computação, tais como “as vacas podem se tornar
aplicações no blockchain, permitindo aos pecuaristas acompanhar o que elas comem,
quais os medicamentos tomaram e seu histórico de saúde completo”(TAPSCOTT E
TAPSCOTT, 2016, p.199)

Essas publicações tratam desse assunto de maneira um tanto inflada como se essa
tecnologia pudesse resolver problemas persistentes de desigualdade de renda e
oportunidades, ou então aprofundar e assegurar valores democráticos de participação
social, transparência e distribuição de poder aos cidadãos e até mesmo sensíveis questões
relacionadas a objetivos de desenvolvimento sustentáveis como podemos ler em
(DENNY,PAULO e CASTRO, 2017, p. 139), segundo os quais, essa tecnologia

Permitiria que as diversas agências governamentais de diversos países


rastreassem, simultaneamente, por exemplo, todos os pagamentos de assistência
social, bem como transferências humanitárias e subsídios, evitando
manipulações externas e fraudes.

Não é incomum que a tecnologia Blockchain seja descrita como a maior revolução digital
depois da invenção do protocolo HTTP por Tim Berners-Lee, que proporcionou a milhões
de pessoas acesso fácil e possibilidade de participação no que veio a ser a World Wide
Web. A adoção da chamada “rede de confiança” é descrita como uma verdadeira
revolução disruptiva na forma como usamos nossas redes digitais e estabelecemos
relacionamentos baseados em valor, monetário ou não. Mougayar (2018, p. 35) afirma,
por exemplo:

Em um novo paradigma, algumas partes do processo de confiança serão


delegados aos blockchains que podem fazer o papel de confiança. Se a
“verificação de confiança” tradicional ficou cara e é um elemento de muito atrito
talvez o blockchain possa ser a solução

É verdade que o potencial já demonstrado pelas moedas digitais, totalmente


assentadas em Blockchain, é, de fato, enorme e ainda pouco explorado, no entanto as
mesmas organizações – bancos e empresas financeiras - que seriam afetadas, ou
supostamente extintas, por esta tecnologia, tem sido as primeiras a abraçar sua utilização,
sugerindo que a disrupção pode não ser tão violenta quanto anunciada, ou mesmo ser
utilizada de forma contrária ao propósito “anarquista” incialmente preconizado.

Analisando de maneira mais técnica e objetiva, a partir de um ponto de vista


computacional, pode-se assegurar que a ideia das redes Blockchain é de fato original,
sobretudo no sentido e direcionamento dado à aglutinação e coordenação de conceitos e
tecnologias já estabelecidas tais como criptografia, processamento distribuído, estruturas
de dados, demonstrando que o avanço da técnica e do conhecimento sempre se dá de
forma gradual e acumulativa.

A partir da descrição dos aspectos fundamentais do sistema de processo eletrônico


do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, das características atuais do
Blockchain e da comparação entre as duas abordagens com vistas a uma possível
contribuição prática ao sistema de Processo Eletrônico do Tribunal de Contas de Santa
Catarina, abriu-se a oportunidade de aprofundamento em um assunto do momento e de
uma compreensão mais ampla do próprio sistema de processo eletrônico.

Ao pensar em aprimoramento do processo eletrônico do Tribunal de Contas do


Estado de Santa Catarina, não é possível vislumbrar, ao menos em curto prazo, uma
substituição deste por uma rede Blockchain, no entanto, é possível que no futuro redes
Blockchains possam vir a ser utilizadas paralelamente ao sistema pre-existente ampliando
seu âmbito e fornecendo soluções mais sofisticadas à algumas demandas, sobretudo a
partir dos interesses do cidadão, principal interessado na despesa pública, pois como
afirma Carvalho (2018, p.77)

É importante deixar claro que pensar nos usos do Blockchain não implica,
necessariamente, em abandonar as práticas e suportes usualmente empregados.
Nesse sentido, pode-se observar esses sistemas de outro modo: a partir da
possibilidade de mesclar diversas outras tecnologias já atualmente utilizadas, o
que reforça que o Blockchain não veio para substituí-las, obrigatoriamente, mas
sim aperfeiçoá-las em aspectos anteriormente não possíveis.

Uma possível aplicação poderia ser no lançamento da contabilidade pública em amplas


redes Blockchain, abertas ao cidadão e também aos auditores fiscais dos tribunais de
contas, dessa maneira, os processos de contas alçariam um grau mais elevado de
confiabilidade transparência, uma vez que os dados referentes aos seus objetos de análise
poderiam ser auditados por qualquer cidadão ou observatório de despesa pública.

Por fim temos também um impacto previsto para o ano de 2020 com o início da
vigência da Lei Geral de Proteção aos Dados, que determina que todos os dados de
terceiros mantidos por organizações públicas e privadas sejam custodiados de maneira
inviolável e que seu uso seja feito somente com autorização explicita do proprietário e
para finalidades especificas, aspectos que nos lembram muito as funcionalidades de
proteção à identidade e ao anonimato fornecido pelas redes criptografadas de confiança,
apresentando-nos uma visão de futuro onde alguma versão de Blockchain deva ser mais
presente em muitas instituições.

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