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Estas reflexões me levaram a outro lugar. A partir da leitura que venho fazendo de
Kant (como uma tentativa de me aproximar um pouco mais das posições
hegelianas da natureza), vi-me instado a perceber (esta palavra me vem quase sem
querer, neste momento) a importância de se pensar um dos maiores e mais
importantes idealistas alemães (junto com Hegel, os dois maiores) como um marco
inflexional da filosofia ocidental: em seu trabalho de constituição transcendental da
realidade, vemos que a filosofia era entendida apenas uma ciência geral do Ser,
uma (mera) descrição universal de toda a realidade e que, após ele, uma diferença
fundamental é estabelecida, qual seja, aquela entre a realidade ôntica e o horizonte
ôntico dessa realidade, conforme Zizek (2013). Com isso, Kant 1 repensa o modo de
determinação da rede a priori de categorias que determinam o modo como
compreendemos a realidade, isto é, o modo como compreendemos aquilo que nos
“aparece” como realidade.
Para o idealista alemão, a aparência não tem mais essa característica do falso, do
pejorativo, da ilusão, como pretendeu Platão em seu Mito da Caverna (o texto mais
mal interpretado da história da filosofia – ou, interpretado conforme “a vontade do
freguês”). A aparência, em Kant, passa a designar o modo como as coisas
aparecem (são) para nós naquilo que percebemos como realidade e a tarefa
não é mais tachá-las como “meras aparências ilusórias do real” e ter de ultrapassá-
las para se chegar à realidade transcendental, mas sim, diferentemente disso, ter a
“capacidade” de discernir as condições de possibilidade desse aparecer das
1
Apesar de sua crítica radical à ilusão metafísica, deve-se considerar que Kant, por outro lado, propõe
em sua obra uma clara e nova tentativa de dar suporte à religião. Para Zizek, sua transgressão é uma
falsa transgressão. A questão é saber se há mais verdade na máscara do que no rosto real por trás dela.
coisas, de sua “gênese transcendental”. E, “o que pressupõe tal aparição, o que
deve sempre-já ter acontecido para que as coisas apareçam para nós da maneira
como aparecem?”, pergunta Zizek?
Esta reflexão nos faz perceber duas coisas importantes: aquilo que se faz perceber,
ou que é percebido, é inquestionavelmente 1. um fenômeno e 2. Possui uma causa.
A causa não é aparente nem se explica como imanente ao fenômeno (Aristóteles)
nem exterior a ele, como uma ideia (Platão). O que Kant está dizendo é que não há
uma realidade presente no mundo das ideias [mundo perfeito (o céu...o sagrado)
que é causa do que é imperfeito (corpo de pecado) / corpo e alma], a ser revelada,
mas uma profunda incapacidade de se discernir entre o que determinamos, ou se
determina em algures, como realidade (causa) e aquilo que “se apresenta” (ou,
apresentamos) como realidade (efeito).
(...)