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​ EXPOSIÇÃO

A obra “Os Maias” além do seu título, possui também um subtítulo: “ Episódios da vida
romântica”. O título remete-nos para o nome da família e a sua história em diferentes
gerações, sendo estas, as de Caetano da Maia, Afonso da Maia, Pedro da Maia e o
protagonista e neto de Afonso, o Carlos da Maia. Com relação à família podemos reparar
em dois níveis da ação, divididos em duas grandes intrigas. A intriga principal constitui os
amores entre Carlos e Maria Eduarda e a secundária refere-se aos amores entre Pedro e
Maria Monforte. O subtítulo relaciona-se com uma crónica de costumes na sua essência,
sendo feita uma análise da vida social lisboeta do século XIX assim como a representação
de espaços sociais, articulando-se ambas com a intriga principal da obra. Relativamente
aos espaços sociais, a sociedade lisboeta oitocentista surge em pano de fundo e estes
espaços são acompanhados de uma rigorosa e pormenorizado descrição. Observa-se aliás
na descrição, alguma emotividade, na referência a tais espaços sociais atribuindo-se-lhes
um certo valor simbólico.
Nesta obra estão presentes 3 relações amorosas que t​ê​m um grande impacto na mesma.
Pedro, personagem marcadamente naturalista, é vítima da hereditariedade, da educação e
do meio em que viveu. Com efeito, além de ser «pequenino e nervoso» como a sua mãe,
acaba por se tornar um ser apático, passivo e nervoso, em consequência da educação
tradicional portuguesa. A paixão obsessiva que nutre pela mãe e que o leva a roçar a
loucura aquando da sua morte acaba, na idade adulta, por ser transferida para Maria
Monforte, figura feminina bela, fútil, caprichosa e manipuladora. Influenciado pelo
Romantismo, Pedro revolta-se contra o pai, que não aprova o casamento com a filha de um
antigo traficante de escravos, e casa com Maria. No entanto, a leviandade de Maria
Monforte leva-a a fugir com Tancredo. A fragilidade psicológica de Pedro torna-o incapaz de
sobreviver à fuga da mulher, suicidando-se. A paixão da vida de Ega​ ​acaba por ser o
romance adúltero com Raquel Cohen, mulher do banqueiro Cohen. O caráter ilícito desta
relação, bem como o facto de os amantes se encontrarem na Vila Balzac, mostra que, tal
como sucedera com Pedro e Maria Monforte, também a paixão entre Ega e Raquel Cohen é
influenciada pelos ideais do amor romântico. Esta relação termina no momento em que
Cohen, descobrindo o adultério, expulsa Ega. No entanto, este episódio que poderia ter
contornos trágicos acaba por ser investido de um tom grotesco, uma vez que, porque tudo
sucedeu num baile de máscaras, Cohen se encontrava vestido de beduíno e Ega, de
Mefistófeles. Além disso, Raquel é espancada pelo marido, mas acaba por se reconciliar
com ele. Deste modo, o único elemento sublime que acaba por restar desta relação
amorosa são as recordações de Ega, que este evoca junto de Carlos e Craft, mas cujo
dramatismo é, mais uma vez, diluído pelo facto de aquele se encontra profundamente ébrio.
Após uma relação fugaz com a condessa de Gouvarinho que nutre por ele uma intensa
paixão não correspondida, Carlos​ ​acaba por encontrar o grande amor da sua vida em Maria
Eduarda. Todas as relações anteriormente referidas (Pedro/Maria Monforte, Ega/Raquel
Cohen e Carlos/condessa de Gouvarinho) contribuem para exaltar o caráter sublime desta
última relação amorosa. Com efeito, no amor de Carlos e de Maria Eduarda, não temos
uma relação marcada pela manipulação (como sucedera com Pedro e Maria Monforte) nem
pela superficialidade (como acontecia nos casos de Ega e Raquel Cohen e de Carlos e da
condessa de Gouvarinho). A paixão entre os protagonistas decorre de uma sintonia de
personalidades já que ambos são inteligentes, cultos e requintados que os eleva acima da
sociedade mesquinha em que vivem e lhes permite superar todas as contrariedades até que
um destino impiedoso se abate definitivamente sobre eles. O desdém que mostra pela
mentalidade romântica rapidamente se desfaz no momento em que Carlos revela-se
incapaz de contar a verdade (o facto de serem irmãos) a Maria Eduarda, acabando por
ceder à tentação e cometendo incesto voluntariamente. Assim, podemos verificar que
também a relação amorosa entre Carlos e Maria Eduarda é influenciada pelos ideais do
amor romântico de forma mais dramática no momento do incesto, mas também pelo facto
de ambos enfrentarem as convenções sociais e decidirem ficar juntos.
Na obra, Eça de Queirós refere dois tipos de educação, a tradicional (“à portuguesa”) e a
educação à Inglesa. Como exemplo da educação tradicional temos Pedro da Maia e
Eusebiozinho. Ambas personagens foram educadas através de valores católicos. Na sua
educação era valorizada a memorização do conhecimento, a aprendizagem do latim (língua
morta) e, por fim, a desvalorização do contacto com a natureza. Para a educação inglesa,
tem-se como maior exemplo Carlos da Maia cuja educação valorizava o desenvolvimento
da inteligência através do conhecimento prático e experimental e nos valores de virtude e
honra. Carlos aprendeu várias línguas, fazia exercícios físico e o contacto com a natureza
era fundamental. Assim, Eça de Queirós utiliza a educação inglesa para criticar a
tradicional, culpando a educação portuguesa pelo falhanço na vida de Pedro e
Eusebiozinho (suicídio e casamentos infelizes). Já Carlos falhou também na vida, não pela
sua educação mas sim pela sociedade onde estava inserido.
O que sucede n’​Os Maias​ são Afonso da Maia, Carlos da Maia e Maria Eduarda,
personagens de condição superior não apenas pelo seu estatuto de fidalgos, mas também
(e sobretudo) pela nobreza do seu carácter. Ainda que nenhuma destas figuras seja
perfeita, a verdade é que todas têm traços heróicos. Afonso da Maia, apesar de ter alguns
traços de diletantismo (que o levaram a esquecer facilmente a dura luta travada pelos seus
companheiros liberais em Portugal enquanto vivia uma vida luxuosa em Inglaterra e a
limitar-se a aconselhar Carlos e os amigos a fazerem algo para mudar Portugal, ao invés de
agir), é uma personagem admirável. Com efeito, apesar de os princípios morais o terem
levado a desaprovar o casamento de Pedro, quando este regressa, humilhado, após a
partida de Maria Monforte, o seu amor paternal leva-o a reconciliar-se com o filho e a
apoiá-lo, ao invés de o recriminar. Além disso, a sua enorme força interior é demonstrada
pela capacidade de sobreviver à morte do filho e de se dedicar com entusiasmo à educação
do neto. Finalmente, é uma personagem profundamente digna, que não se deixa seduzir
pelo luxo que Carlos tanto aprecia,​ ​vivendo de forma simples e austera. À virtude da
sobriedade acresce o facto de ser inteligente, culto e caridoso tanto com as pessoas, como
com os animais. Carlos da Maia, apesar do caráter diletante, que prejudica os seus estudos
universitários e, após o regresso a Lisboa, o impede de concretizar os seus projetos no
campo da Medicina, ele é também uma personagem na qual ressaltam características
positivas. Com efeito, ao longo da intriga, destaca-se pela sua inteligência, cultura e sentido
de humor, assumindo uma atitude crítica e irônica em relação à sociedade portuguesa.
Maria Eduarda, apesar de as circunstâncias da vida a terem forçado a viver com MacGren
sem se casar e, posteriormente, a tornar-se amante de Castro Gomes, ela​ ​nunca perde a
sua dignidade. À semelhança de Carlos e de Afonso da Maia, é inteligente e culta. Além
disso, herda de Afonso da Maia a capacidade de se compadecer dos mais fracos. Como é
apanágio da tragédia, a nobreza de todas estas personagens torna mais pungente a
catástrofe que se abate sobre elas.
Sobre os espaços físicos e os seus simbolismos , Santa Olávia é um espaço natural,
conotado positivamente e simboliza a vida e a regeneração dos dois varões da família Maia.
Este opõe-se ao espaço citadino degradado, Lisboa, um local da degeneração da família.
Símbolo da decadência nacional, Lisboa é caracterizada pela degradação moral e pela
ociosidade crónica. No último capítulo da obra, destaca-se a estátua de Camões, que
assiste impotente à decadência do país. Espaço da formação académica de Carlos,
Coimbra é símbolo da boémia estudantil, artística e literária. Eça terá escolhido Coimbra
pelo facto de esta cidade ter sido o palco da Questão Coimbrã. Além disso, foi onde o
próprio Eça estudou. Sintra é um local idílico e representa a beleza paradisíaca. O seu
aspeto edénico é, no entanto, corrompido pela intrusão dos vícios decadentes,
representados pelas figuras de Eusebiozinho e Palma Cavalão, acompanhados de
prostitutas espanholas. Na Toca multiplicam-se os elementos trágicos, sobretudo no quarto
de Maria Eduarda: a tapeçaria com os amores de Vénus e Marte; a pintura da cabeça
degolada; a coruja empalhada. ​O luxuoso consultório de Carlos revela o seu diletantismo e
a predisposição para a sensualidade. A Vila Balzac, algures na Graça em Lisboa, é o retiro
amoroso de João da Ega. Nesta casa, destacam-se o quarto e a sala. No quarto predomina
a cor vermelha relacionada com a vida e a morte e tem um espelho que enfatiza o caráter
narcisista e ocioso de Ega. Na sala não existe qualquer tipo de decoração, é uma espécie
de espaço de um “intelectual”, o que faz a oposição entre as ideias que manifesta e aquilo
que é, uma vez que a sua sensualidade sobrepõe-se à sua faceta intelectual. E por último,
mas não menos importante, temos o Ramalhete que carrega um grande simbolismo. Este
apresenta 3 fases, acompanhando, assim, a evolução da família Maia. Na 1ª fase
encontra-se desabitado com um aspeto arruinado ​(morte de Pedro)​. Na​ ​2ª​ ​fase ele renasce,
simbolizando a esperança e a vida ​(quando Carlos se licencia em medicina)​. Na 3ª​ ​fase, o
edifício remete para a destruição da família, para a melancolia e a tristeza ​(morte de
Afonso)​.
​Ao subtítulo de “Os Maias”, Episódios da Vida Romântica, corresponde a crónica de
costumes. Estes episódios, descritos ao longo da obra, têm como objectivo fazer o relato da
sociedade portuguesa na segunda metade do século XIX. Eça utiliza um desfile de
personagens (personagens tipo) que representam grupos, classes sociais ou mentalidades
por forma a mostrar aos leitores o estado de corrupção, providencialismo e parasitismo da
sociedade portuguesa, bem como, seus costumes e vícios. No jantar no Hotel Central​, ​Ega
pretende homenagear Cohen, o marido de Raquel, a quem Ega estava apaixonado e com a
qual mantinha uma relação. Em roda da mesa surgiram assuntos do foro literário e político
que permitem ter uma noção da situação de Portugal. As corridas de cavalos é uma sátira
ao desejo de imitar o que se faz no estrangeiro, por um esforço de cosmopolitismo, e ao
provincianismo do acontecimento. Estas permitem-nos apreciar de forma irônica e
caricatural uma sociedade que vive de aparências. As corridas servem, para Eça, criticar a
mentalidade e o comportamento da alta burguesia. O jantar na casa do Conde Gouvarinho
é um espaço social que nos permite através das falas, observar a gradação dos valores
sociais, o atraso intelectual do país, a mediocridade mental de algumas figuras da alta
burguesia e da aristocracia. Critica-se, no episódio da imprensa, a decadência do jornalismo
português, pois os jornalistas deixavam-se corromper, motivados por interesse econômicos
(é o caso de Palma Cavalão, do Jornal A Corneta do Diabo) ou evidenciam uma
parcialidade comprometedora, originada por motivos políticos (é o caso de Neves, director
do Jornal A Tarde). No Teatro da Trindade evidencia-se o gosto dos portugueses,
dominados por valores caducos, enraizados num sentimentalismo educacional e social
ultrapassados. Total ausência de espírito crítico e analítico da alta burguesia e da
aristocracia nacionais e a sua falta de cultura. O passeio final por Lisboa é simbólico, por
isso, os espaços percorridos são espaços históricos e ideológicos, estes podem agrupar-se
em três conjuntos. No primeiro domina a estátua de Camões que, triste, representa o
Portugal heróico, glorioso mas perdido, e desperta um sentimento de nostalgia. A estátua
está envolvida numa atmosfera de estagnação, tal como o país. No segundo conjunto,
dominam aspectos ligados ao Portugal absolutista. É a zona antiga da cidade, os bairros
antigos representam a época anterior ao Liberalismo, o tempo absolutista, recusado por
Carlos por causa da sua intolerância e do seu clericalismo, que levam a que toda a sua
descrição seja depreciativa. No terceiro conjunto, domina o presente, o tempo da
Regeneração, como é o caso do Chiado e dos Restauradores, símbolos de uma tentativa
falhada de reconstrução do país, e a prová-lo está o ambiente de decadência e
amolecimento que cerca o obelisco.

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