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ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO E INTERDISCIPLINARIDADE: DA

HETERODOXIA DESENVOLVIMENTISTA À ORTODOXIA NEOCLÁSSICA

Adelino Torres
Instituto Superior de Economia e Gestão
Universidade Técnica de Lisboa

Desde os anos 80 que se ouve falar da "crise" da Economia do


Desenvolvimento e das teorias que a integram, chegando alguns ao ponto de
preconizar o seu desaparecimento como disciplina científica.
Se é verdade que tal posição parece algo excessiva, assente numa
fundamentação que está longe de recolher o consenso, não é menos certo que se
compararmos a diversidade e a riqueza de teorias e escolas de pensamento nesta
área, resultantes do entusiasmo e competência de muitos autores, com os
resultados julgados fracos obtidos anos depois (em relação às expectativas
iniciais1), é hoje possível compreender melhor o desânimo daqueles que pensavam
ter encontrado métodos eficazes, reprodutíveis experimentalmente a exemplo das
ciências físicas, para combater o subdesenvolvimento e a pobreza nos países do
Sul2 .

1 Em 1968 o keynesiano Robert W. Clower escrevia um texto profundamente pessimista sobre as


possibilidades do desenvolvimento africano: "Mainsprings of African Economic Progress", reproduzido in Robert
W. Clower. Economic Doctrine and Method - Selected Papers of R. W. Clower. Aldershot, Edward Elgar. 1995:
343-356.
2 Como já tive ocasião de sublinhar em trabalhos recentes, acompanho a opinião de muitos autores segundo a

qual a mudança do contexto internacional com o desaparecimento do "bloco socialista", a diversidade dos
países do Sul e a evolução diferente seguida por muitos deles, tornam inadequado o velho termo de "Terceiro
Mundo". No entanto, por falta de uma denominação que recolha o consenso dos investigadores, embora
preferindo o termo "Sul" utilizarei também, à falta de melhor, o conceito de Terceiro Mundo" com o mesmo
sentido, essencialmente geográfico, apesar das reservas que inspira actualmente.

1
No decorrer dos anos as decepções fizeram acumular dúvidas e cepticismo e a
Economia do Desenvolvimento foi objecto de interrogações quer sobre as suas
origens, fontes e evolução, quer sobre a sua utilidade.
O debate atingiu algum dramatismo quando o Banco Mundial publicou os
depoimentos de quinze autores entre os chamados "pioneiros da Economia do
Desenvolvimento"3 .
Ao fazer a recensão crítica do primeiro volume da obra, Henry J. Bruton4
observou a disparidade de opiniões e argumentos bem como a falta de consenso
entre os 10 primeiros autores.
Bruton teve razão, mas não creio que devamos lamentá-lo excessivamente: a
ilusão da uniformidade de uma teoria imutável, objecto de todas as convergências,
não parece possível nem sequer desejável no âmbito da Economia do
Desenvolvimento, a qual, por definição, se defronta com dinâmicas de mudança e
mutação, onde a necessidade de redefinir em permanência os "critérios de
demarcação" de que nos fala Karl Popper, constitui a própria marca de um
pensamento científico vivo e em revolução permanente na sua passagem de
problemas velhos para problemas novos 5. A meu ver, o que sobressai desse
famoso encontro de pioneiros é que ele fez incidir sobre o passado recente uma luz
que melhorou a nossa compreensão das dificuldades de pensar o desenvolvimento
e actuar sobre ele. Mas é duvidoso que desses testemunhos tenham saído novas
ideias e soluções para o futuro.
No entanto, relembrar as origens do processo é um elemento precioso de
ensinamento e talvez de inspiração.
O aparecimento da economia do desenvolvimento nos anos 40 deu origem a
uma vasta panóplia de conceitos e de modelos num esforço de definir uma nova
disciplina num campo em que a economia tradicional que mostrava desadequada.
De facto, a "economia dominante convencional" ("conventional mainstream
economics"), tanto nas suas variantes de esquerda ou de direita (Bruton), não

3 Cf. Gerald M. Meier and Dudley Seers (Ed.). Pioneers in Development. Washington, World Bank. 1° vol. 1984;
Gerald Meier (Ed.), Pioneers in Development - Second Series, Washington, World Bank, 2° vol. 1987. No
primeiro volume da obra (1984) registavam-se os testemunhos de Lord P. Bauer. Colin Clark, Albert O.
Hirshman, Sir Arthur Lewis, Gunnar Myrdal. Raul Prebisch. Paul N. Rosenstein-Rodan, Walt W. Rostow, Sir Hans
W. Singer, Jan Tibergen; no segundo volume (1987), os de; Theodore W. Schultz, Gottfried Haberler, Hla Myint,
Arnold C. Haberger e Celso Furtado. Quase todos economistas escrevem em língua inglesa e são em muitos
casos antigos colaboradores do Banco Mundial ou de instituições internacionais. Pode lamentar-se que tenham
sido esquecidos nomes como o de François Perroux ou de J. Lebret, sem falar de autores de outros países...
4 Cf. revista Economic Development and Cultural Change, October 1986; 197-202.
5 Vd. Karl R. Popper, The Logic of Scientific Discovery (1959), London, Routledge, 1992

2
oferecia um aparelho explicativo adequado aos problemas colocados, pelo que
qualquer coisa de genuinamente novo tinha que ser criado.
Daí as novas teorias portadoras de um vasto conjunto de conceitos e modelos
e o esforço intelectual para estruturar uma área do conhecimento específica que
ajudasse a resolver os problemas concretos do subdesenvolvimento e da pobreza.
Até aos anos 70 pelo menos, este panorama intelectual favoreceu o
desabrochamento de correntes e paradigmas que, convergindo ou defrontando-se
em pontos diversos expressos em inúmeras publicações e trabalhos de
investigação, deram lugar a debates estimulantes e projectos generosos. O clima
voluntarista que se viveu no pós-guerra marcou um período em que se sonhava
refazer o mundo, acreditando-se ser possível realizar esse sonho no curto ou médio
prazos.
Os resultados não o confirmaram mas, ao contrário do que alguns pensam
hoje, a utopia teve resultados positivos, apesar das dificuldades imprevistas e dos
fracassos registados. A prática demonstrou no entanto que os problemas do
desenvolvimento se inseriam afinal no longo prazo e num contexto de
complexidade, que a linearidade e univocidade das relações causais não deixara
transparecer com suficiente clareza para todos os intervenientes.
Por outro lado, as dificuldades que se foram registando em experiências de
desenvolvimento, mesmo quando o crescimento económico não estava
completamente ausente, acabaram por ocultar a distinção essencial entre teorias e
políticas económicas agravando a confusão metodológica. Muitas das políticas
económicas, ao pretenderem aplicar acriticamente as teorias que as inspiraram (o
exemplo das "industrias industrializantes" na Argélia, a partir das teorias de
Destanne de Bernis é um exemplo paradigmático), marcaram negativamente estas
últimas.
O descrédito que atingiu assim as teorias heterodoxas onde fora realizado o
esforço original da interdisciplinaridade, transformou a sua verdadeira essência de
incerteza keynesiana e de constelações de hipóteses a testar, em axiomas onde,
não raras vezes, a ideologia acabava por se sobrepor à atitude científica.
A crise mundial dos anos 80, que atingiu particularmente os PED, obrigou a
uma revisão das políticas económicas, mas implicou igualmente que se pusesse
em causa a utilidade teórica da Economia do Desenvolvimento, enquanto
heterodoxia interdisciplinar, ao mesmo tempo que a ortodoxia neoclássica ocupava

3
o terreno nas organizações internacionais e nas universidades, em nome do rigor
científico, da eficácia e do pragmatismo positivista.
O que falhou então nos anos 70 em muitos dos países subdesenvolvidos,
nomeadamente nos países africanos?
Para o compreender é preciso ir para além das experiências empíricas e
distinguir as teorias que as explicam.
A tipologia das teorias do desenvolvimento proposta por Albert O. Hirschman
em 1984 é, sobre esse ponto, elucidativa.
Nessa tipologia, Hirschman serve-se de dois conceitos: o "mono-economismo".
ou seja a crença na existência de uma só ciência económica válida em qualquer
tempo e lugar; a "reciprocidade das vantagens", quer dizer, a convicção de que em
todas as relações bilaterais entre os países há sempre vantagens mútuas.
Com estes dois conceitos e a sua aceitação ou rejeição, Hirschman constrói a
conhecida matriz de dupla entrada onde surgem quatro tipos de teorias (ver
gráfico):

1) A ortodoxia neoclássica, que acredita na universalidade da • ciência


económica e na reciprocidade das vantagens:
2) As teorias neomarxista e da dependência que rejeitam esses dois
postulados;
3) A teoria marxista propriamente dita (de Marx e não necessariamente das
interpretações subsequentes a este autor), que reconhece o mono-economismo e
rejeita a reciprocidade das vantagens;
4) A economia do desenvolvimento propriamente dita, que recusa o primeiro
postulado (universalidade da ciência económica) mas aceita o segundo
(reciprocidade das vantagens).

MONO-ECONOMIA

AFIRMADO NEGADO

AFIRMADO Economia Economia do


RECIPROCIDADE ortodoxa Desenvolvimento
DAS VANTAGENS
Teorias
NEGADO Marx? Neomarxistas

FONTE: Matriz reproduzida de: Albert O. Hirschman, L'Économie comme Science


Morale et Politique, Paris, Gallimard/Seuil, 1984: 45.

4
Esta questão é fundamental na medida em que esclarece conceitos e distingue
teorias que, demasiado frequentemente, são assimiladas umas às outras.
Por exemplo, a distinção entre marxismo e neomarxismo é indispensável, uma
vez que as duas teorias não só não podem ser confundidas (como acontece ainda,
incluindo em trabalhos académicos), como são, em vários aspectos, contraditórias
entre si.
Basta recordar, por exemplo, que para Marx "o país mais desenvolvido
industrialmente mostra aos que o seguem no plano industrial, a imagem do seu
próprio futuro”6, enquanto que para os neomarxistas (Paul Baran, G. Frank, Samir
Amin, etc.) o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo não é possível no
quadro do "sistema nacional/mundial hierarquizado"7 vigente, segundo a
terminologia de Michel Beaud , ou capitalista para simplificar, no qual estão
condenados ao "desenvolvimento do subdesenvolvimento" (retomando a fórmula
outrora célebre de G. Frank), só lhes restando procurar uma via própria de
"transição" para o "socialismo".
Não nos atardaremos sobre estes dois últimos conceitos, cuja precariedade
teórica e empírica já foi amplamente demonstrada, nem faremos referência à
"teoria" (na verdade muito mais ideologia do que teoria) dita "marxista-leninista(-
estalinista) ", axiomatização mítica de um Estado imperial que vigorou na prática
até à Glasnost na década de 80.
Se chamamos a atenção para este ponto, que nos parece merecedor de um
tratamento crítico, é sobretudo porque a confusão teórica que se estabeleceu nos
anos 60-80 em especial, contribuiu sobremaneira para enfraquecer a economia do
desenvolvimento que, com a desistência de muitos daqueles que contribuíram para
a formação de pensamento nesta área e o desvio de interesse para os países de
leste e sua transição para economias de mercado a partir dos anos 80, conheceu
um certo declínio como objecto inspirador de investigações e controvérsias...
E precisamente por essa altura que se cria um quase vazio em redor da
economia do desenvolvimento, heterodoxa e multidisciplinar, e se consolida a
supremacia do paradigma neoclássico.

6 Karl Marx. Prefácio da primeira edição de O Capital (1867), in: Karl Marx, Oeuvres, vol. I, Paris, Gallimard,
Pléiade. 1965: 549.
7 Michel Beaud. Le système national/mondial hiérarchisé. Paris, La Découverte, 1987.

5
Em meados da década de 90 tudo indica, no entanto, que essa dominação
está a sofrer uma usura acelerada "no terreno" que, diga-se de passagem, o seu
êxito em círculos académicos ainda não reflecte.
Com efeito, a experiência dos últimos quinze anos parece mostrar que a
abordagem neoclássica, apesar do seu contributo sem dúvida valioso em muitos
aspectos da teoria geral, não encontra respostas aos velhos e novos problemas
colocados pelo processo de desenvolvimento, revelando serem cada vez mais
insatisfatórios os postulados que delimitam o seu campo epistemológico e
orientam a sua acção.
Esses postulados são conhecidos: as concepções da sociedade atomística e do
individualismo metodológico8; a tese segunda a qual o equilíbrio e o mercado são
fenómenos "naturais"; a convicção de que o óptimo individual deve ser confundido
com o óptimo social e de que a eficiência paretiana é prioritária; a ideia de que o
valor dos bens tem apenas um fundamento psicológico e que os indivíduos livres,
iguais e racionais são agentes económicos perfeitamente informados, raciocinando
exclusivamente em termos de utilidade, etc.
Mancur Olson já em 1966 "demonstrara claramente que a lógica da acção
colectiva não era redutível à da acção individual: não basta que um conjunto de
indivíduos tenham um interesse comum para que ajam simultaneamente a fim de
promover esse interesse" 9.
Outra das suposições frequentes da teoria neoclássica "é a de um dualismo do
mercado de trabalho, onde um sector sindicalizado com salários mais elevados
coexiste com um sector concorrencial com salários mais baixos. Mas a existência
do sindicato é postulada e não explicada teoricamente, porque, numa pura lógica
individualista, ninguém tem interesse em fundar um sindicato uma vez que cada
um beneficia da acção colectiva mesmo se não contribui para ela. Todos os
trabalhadores têm evidentemente interesse em serem empregados no sector de
salários elevados, mas como nem todos podem sê-lo, os modelos neoclássicos
supõem geralmente que um sistema de tiragem à sorte desempata os candidatos".

8 Entre os economistas o individualismo metodológico tem a sua origem nas ideias de Carl Menger, retomadas
mais tarde por autores da tradição austríaca: Schumpeter, Mises e Hayek. Ele encontra "o seu campo de acção
previlegiado na teoria económica onde constitui não somente o método natural da microeconomia, mas
também a quase totalidade do âmbito da ciência económica onde tem tendência a tornar-se menos um
método do que um paradigma". Cf. Hubert Brochier. "A propos de l'individualisme méthodologique: l'ouverture
d'un débat". Revue d'Economie Politique (Paris), n° 1. janv.-février 1994.
9 Mancur Oison, The Logic of Collective Action, Harvard University Press, 1996 - citado in Brochier, "A propos...",

op. cit., p. 43.

6
Ora este processo entra em contradição com as regras gerais da análise
neoclássica (...)"10.
Na ausência de condições externas ao indivíduo, a racionalidade individual não
chega, de per si, para conseguir as soluções propostas pelos neoclássicos. "Para
que as trocas tenham lugar nas condições previstas pela teoria, é indispensável
que preexistam regras e normas de natureza colectiva que permitirão às trocas
interindividuais terem lugar segundo as modalidades previstas. E aí que reside um
dos limites mais fortes da metodologia individualista, uma vez que demonstra a
existência de condições prévias holistas"11.
Gilles Dostaler afirma também que "o 'nó duro' da teoria neoclássica é que a
economia pode ser analisada do mesmo modo que a física, a química e a biologia,
considerando que os agentes económicos, do consumidor ao empresário passando
pelo banqueiro, agem racionalmente em função do seu interesse próprio",
enquanto que os neokeynesianos acreditam, pelo contrário, que o homo
econômicas age por impulso, que as suas escolhas não são bem informadas ou
racionais, não sendo impossível modelizar matematicamente os processos
económicos em tais circunstâncias. Ora, acrescenta ainda o mesmo autor, a
economia não funciona como uma máquina. As certezas quanto ao futuro
acabaram e este não é determinado nem se podem ter certezas sobre as
consequências das acções humanas, como a teoria do caos, que começa a ser
aplicada em economia, o demonstra, ao postular que, quando uma pequena
mudança quase imperceptível tem lugar, pode provocar a longo e médio prazos
uma mudança ainda maior. Desde logo, devemos encarar a economia como uma
caixa de ferramentas: o que é necessário saber é o que construir ou o que reparar.
Para Dostaler não devemos ter ilusões: "não se resolverão os problemas
económicos e sociais com uma curva num plano cartesiano e modelos
matemáticos sofisticados. Esses problemas são factos sociais globais e nada se
conseguirá sem uma visão a mais aberta possível"12.

10 Cf. Brochier, "A propos...", op. cit. pp. 43-44


11 Cf. Brochier, op. cit. : 44
12 Gilles Dostaler. "Seule une science sociale globale permettra de comprendre la société". Entrevista de Gilles

Dostaler ao jornal Le Devoir (Ottawa), 25 avril 1994. Este economista canadiano tornou-se mais conhecido na
Europa desde a publicação, em colaboração com Michel Beaud, do notável livro La pensée économique depuis
Keynes, Paris, Seuil, 1993, 603 p.

7
A. Insel vai mais longe: a teoria neoclássica permite ter, em certos temas
socialmente sensíveis, "um discurso amoral e anti-humanista"13 quando exprime,
por exemplo, a racionalidade económica do suicídio, o acesso dos velhos a
cuidados médicos, etc., na óptica de autores como Gary Becker. Nesse amoralismo
é visível a tentativa de libertar-se da moral religiosa e das referências
transcendentais, a negação de ideia de imanência da humanidade em cada um
dos homens.
Ao propor um falso discurso da liberdade, o duo individualismo/teoria
neoclássica defende a ética do comportamento do homem que não tem dívida
alguma para quem quer que seja, que recusa a inscrição no Eu de uma parte da
Humanidade. A reivindicação dessa teoria é de ser reconhecida como um discurso
de liberdade14.
Por outro lado, o pressuposto de que o modelo liberal não é ideológico é uma
falsa ideia. Esse mono-economismo de que fala Hirschman longe de garantir as
aspirações democráticas de que se reclama, priva as gerações dos meios de
revivificar e testar esses objectivos democráticos''15. Como escreveu Henri Bartoli:
"Falar de história é falar das tarefas temporais oferecidas à nossa liberdade".
Do mesmo modo, se a realidade é uma sucessão de desequilíbrios, como o
indica a visão schumpeteriana da dinâmica do capitalismo na qual é a consciência
do desequilíbrio que está na origem da evolução económica, nesse caso a
aceitação do desequilíbrio (e não simplesmente a multiplicidade dos estados de
equilíbrio possíveis) como modo de funcionamento das sociedades de mercado,
permite escapar a uma explicação demasiado simplista e mesmo irrealista da
evolução social"16.
Se se admitir que a economia é uma ciência normativa que deve preocupar-se
com a definição do equilíbrio, então não se pode deixar de lado a necessidade de
abertura a outras disciplinas. Mesmo nesse caso, a persistência da norma do
"equilíbrio" é demasiado irrealista para desempenhar um papel normativo que
oriente sobre o caminho a seguir. Desde logo, “o abandono da norma do equilíbrio

13 Cf. A. Insel, "Une rigueur pour la forme - Porquoi a théorie néoclassique fascine-t-elle tant les économistes et
comment s'en défendre? In M.A.U.S.S., Pour une Autre Économie, Paris, La Découverte, 1994: 77-94.
14 Insel 1994: 88
15 V. Elsa Assidon. Les théories économiques du développement, Paris, La Découverte, 1992.
16 Insel 1994: 93.

8
parece indispensável para o desenvolvimento da problemática da inserção do
económico no social”17.
No entanto outros autores fazem observar que se a crítica do irrealismo da
teoria neoclássica tem razão de ser, é indispensável não confundir as críticas de
ordem empírica das críticas de ordem lógica. O procedimento neoclássico baseia-
se num modelo teórico cuja principal finalidade é mostrar que a economia de
mercado pode conduzir a situações harmoniosas ou "óptimas". Mais tarde, observa
por exemplo B. Guerrien, depois de críticas de ordem lógica, os neoclássicos
adoptaram uma problemática de axiomatização na qual a questão central se
tornou: que hipóteses formular para demonstrar que as regras de mercado
conduzem a um óptimo? Por outras palavras, já não se trata de partir de hipóteses
para chegar a um resultado, mas de partir do resultado para determinar com que
hipóteses ele pode ser atingido.
Esta axiomatização é aceitável, mas o alcance empírico do modelo é desde
logo bastante diminuído.
Alguns neoclássicos foram então obrigados a introduzir um mínimo de
realismo, mas ao preço de um enfraquecimento da generalização das conclusões.
No entanto a grande maioria dos neoclássicos continua insensível a essa
dificuldade e opta por um procedimento normativo: se há desfazamento entre a
teoria e a realidade, é a teoria que tem razão. Esta abordagem normativa faz
funcionar o modelo neoclássico como a referência em relação à qual é o real que
deve ser normalizado" 18, o que, para autores como Popper, Lakatos e outros
significa que a teoria não é falsificável, quer por falta de conteúdo empírico quer
por resistir ao desmentido do teste, ou seja não preenche as condições mínimas de
cientificidade.
É certo que hoje não se pode ignorar a economia neoclássica cujos aspectos
positivos na busca de um certo rigor não devem ser escamoteados, mas existem
cada vez mais novas vias abertas para escapar ao seu irrealismo, novas reflexões
sobre o mercado, a firma, a organização, a racionalidade e novas tentativas para
construir uma economia com dimensão histórica, social e mesmo ética 19.
A economia do desenvolvimento não escapa a esta gestação, mas o seu
caminho é talvez mais árduo, não só porque ainda sofre da assimilação dè algum

17 Insel 1994: 93.


18 Bernard Guerrien, L'économie néo-classique, Paris, La Découverte, 1993.
19 Michel Beaud et Gilles Dostaler, La pensée économique depuis Keynes, Paris, Seuil. 1993.

9
modo abusiva entre "teoria" e "políticas económicas" postas em prática, mas
também porque, para se afirmar no campo científico ela deve renunciar às
interpretações radicais, quer do paradigma da introversão quer do paradigma da
extroversão, e, no quadro da globalização, encontrar um maior compromisso entre
a economia do desenvolvimento e a economia internacional 20.
Na obra dos seus fundadores a economia política foi um pensamento
pluridimensional e a economia do desenvolvimento procurou ser fiel a essa
tradição. Mas num caso e noutro houve rebentamento e dispersão em muitos
domínios. A evolução do desenvolvimento nos países do Terceiro Mundo acabou
por pôr em causa o próprio desenvolvimento como objectivo universal21.
As rupturas são profundas como já vimos: passou-se da confiança no
socialismo ao postulado dos agentes racionais e ao liberalismo; da construção das
economias nacionais à extroversão e à confiança cega no mercado internacional;
da adesão ao princípio da intervenção do Estado à ideia teoricamente confusa do
"menos Estado".
Como diz Alain Caille com alguma violência: "Há pelo menos vinte anos que a
economia dita 'do desenvolvimento' fez hara-kiri entregou a praça aos peritos do
FMI e à sua concepção de banqueiro do mundo e às receitas-milagre do Chicago
boys que fingem acreditar que o mercado, que levou séculos a instituir-se na
Europa, poderia ser inventado nalguns minutos em toda a parte onde os
chamam22.
As rupturas conduziram a uma implosão da própria ciência económica
dedicada hoje a desenvolver uma multidão de trabalhos consagrados a objectivos
pontuais com abordagens muitas vezes redutoras. Ora os objectos de estudo bem
como os problemas a resolver são "factos sociais totais", o que implica a
necessidade de ultrapassar uma visão estritamente económica e o acolhimento
das contribuições dos não-economistas, a fim de encontrar uma visão útil para a
resolução de muitos dos problemas centrais da economia. Por exemplo, os
modelos econométricos são úteis, mas não são capazes de fazer milagres: seja
qual for a massa de informação disponível, no essencial só podem extrapolar e
ficam desarmados perante inversões caóticas de tendência (Caille)...

20 Cf. C.K. Helleiner, The New Global Economy and the Developing Countries. Aldershot, Edward Elgar, 1993.
21 V. por exemplo: Serge Latouche. Faut-il refuser le développement?. Paris. PUF, 1986
22 Alain Caille. La demission des clercs - La crise des sciences sociales et l'oubli du politique, Paris. La

Dicouverte, 1993.

10
Beaud e Dostaler assinalam a utilidade que se teria em aproveitar, por
exemplo, as contribuições de K. Polanyi no que se refere ao processo de
destruturação da sociedade decorrente da generalização da economia de mercado;
as de Habermas quanto a alguns dos problemas futuros nas nossas sociedades; de
Prigogine para melhor reflectir sobre a complexidade...23
A reabertura, nestes últimos vinte anos, do campo de reflexão ao serem
retomados os estudos e publicações sobre a Metodologia da Economia, mostram a
eclosão de novas energias que pretendem um "regresso à tradição da economia
política"24.
Se apesar das contribuições dadas por grandes nomes da ciência, a Economia
do Desenvolvimento continua a ser um projecto inacabado, tudo indica que esse
projecto se encontra hoje de novo em recuperação.
A criação de associações de economistas, nos Estados Unidos (S.A.S.E.-Society
for lhe Advancement of Socio-Economics que conta prémios Nobel da Economia
entre os seus elementos) e em vários países da Europa (projecto M.A.U.S.S.-
Mouvement Anti-Utilitariste dans les Sciences Sociales, em França), cujo acento
tónico está colocado na interdisciplinaridade e na articulação entre a economia e
outras ciências sociais, são exemplos dessa reacção.
Nessa nova economia do desenvolvimento a questão central será a inserção
do económico no social e não a sua separação artificial. Esta supõe por seu turno a
afirmação do primado da repartição sobre a formação dos preços, rompendo com a
visão positivista geralmente admitida de que os preços se formam
independentemente das estruturas de repartição. Elementos da obra de Adam
Smith onde o "preço de mercado" gravita à volta do "preço natural", por exemplo,
indicam caminhos para novas reflexões...
Muitos autores consideram ainda que a economia do desenvolvimento deverá
retomar a concepção fundamental segundo a qual a ciência económica estuda as
relações entre os homens e as coisas 25 ou, se se preferir, as relações entre os
homens através das coisas, e rejeitam a posição da teoria neoclássica por
considerarem que, nesta, a economia se preocupa apenas com as relações entre

23 Beaud et Dostaler. 1993: 208


24 R.H. Nelson. "The Economics Profession and the Making of Public Policy, Journal of Economic Literature, Vol.
25, 1987. Ver igualmente: Bruce J. Caldwell (Ed.), The Philosophy and Methodology of Economics. Aldershot.
Edward Elgar. 1993, 3 vols.
25 Vd. Oskar Lange, Moderna Economia Política, trad. bras., S. Paulo, Vértice, 1986: 20.

11
as coisas, eliminando os homens ou assimilando-os, por assim dizer, a "coisas",
evocando assim o velho cinismo da Fábula das Abelhas de Mandeville...
Regressando aos anos 50-70 é necessário sublinhar ainda que Portugal,
apesar da repressão das ideias, especialmente no campo das ciências sociais, e do
relativo isolamento em que vivia na época, não esteve completamente ausente da
reflexão sobre as questões do desenvolvimento.
A revista Análise Social, dirigida por A. Sedas Nunes sobrevivia e era uma
referência e o Gabinete de Investigações Económicas, do ISCEF (hoje ISEG)
publicava nos anos 50-60 trabalhos académicos de valia nessa área, de autores
como Manuel Jacinto Nunes, Luís M. Teixeira Pinto, Francisco Pereira de Moura,
João Salgueiro, Rui Martins dos Santos, J.L. da Costa André, J. Faria Lapa, etc 26. Em
1965 Alfredo de Sousa fazia editar pela Livraria Morais a sua assinalável tese de
doutoramento prefaciada por A. Sedas Nunes, intitulada Economia e Sociedade em
Africa, tema a que infelizmente não regressou mais...
Como defendeu Rosenstein-Rodan na sua contribuição ao Io volume de
Pionners of Development, o período do desenvolvimento no pós guerra é a história
de um triunfo e não de um fracasso. O aumento da esperança de vida, a queda da
mortalidade infantil, as taxas de crescimento, as realizações em muitos países em
desenvolvimento, são factos que, no fim da 2a guerra mundial, poucos teriam
esperado. E certo, acrescenta, que mil milhões de pessoas conhecem ainda a
fome, mas esse número teria sido muito maior se essas realizações não tivessem
tido lugar. A sua conclusão tem hoje maior oportunidade do que nunca: "o que se
perdeu de facto nos anos 70 foi a solidariedade internacional. O objectivo do pleno
emprego internacional foi substituído pelo cinismo no pós-Vietnam. A transição da
concepção da sociedade do bem-estar do plano nacional para o plano internacional
continua por fazer. Não agir sobre a desigualdade de oportunidades e sobre a
pobreza quando os recursos mundiais são amplamente suficientes para melhorar

26 Alguns títulos: de Manuel Jacinto Nunes: Crescimento Económico e Política Orçamental, Lisboa, GIE/ISCEF,
1961; Desenvolvimento Económico e Planeamento. Lisboa. GIE/ISCEF, 1971; O 2° Decénio do
Desenvolvimenio. Lisboa, GIE/ISCEF, 1970. Mais tarde .Jacinto Nunes retoma os problemas do
desenvolvimento nos interessantes e lúcidos: Temas Económicos, Lisboa. Imprensa Nacional/Casa da Moeda,
1989; e De Roma a Maastricht, Lisboa, Dom Quixote, 1993. Dos outros autores citam-se, por exemplo: L.M.
Teixeira Pinto. Alguns Aspectos da Teoria do Crescimento Económico, Lisboa, 1956; L.M. Teixeira Pinto e Rui
Martins dos Santos, Angola: Pólos e Perspectivas de Desenvolvimento. Lisboa, GIE/ISCEF. 1961; L.M. Teixeira
Pinto. Politicas de Desenvolvimento Económico, Lisboa, GIE/ISCEF. 1961; Francisco Pereira de Moura,
Localização das Indústrias e Desenvolvimento Económico, GIE/ISCEF. 1960; R. Martins dos Santos et alii (L.
Teixeira Pinto, João Salgueiro, J.L. da Costa André e J. Faria Lapa), Aspectos do Desenvolvimento Africano.
GIE/ISCEF. 1959. Sensivelmente pela mesma altura Alfredo de Sousa publicava Economia e Sociedade em
Africa, Lisboa. Morais, 1965.

12
este estado de coisas, eis a verdadeira crise moral do mundo actual, tal como era
no final da 2" guerra mundial. O cinismo generalizado é pelo menos tão irrealista
como o idealismo ingénuo"27.
Para A. Lewis, tal como os anos 50 o demonstraram, os países em
desenvolvimento (PED) obtiveram mais resultados do que tinha sido considerado
provável. É certo que, desde 1973, todos os PED se encontram ameaçados pela
recessão internacional e outros factores mundiais que estão fora do seu controlo
(proteccionismo dos países desenvolvidos, preços do petróleo, dívida), os quais
exigem medidas especiais da comunidade internacional. Mas, em condições
normais o processo de desenvolvimento nos países do Sul é, sem qualquer dúvida,
viável28.
Gerard Grellet29 repensa a contribuição da economia do desenvolvimento e o
balanço das experiências levadas a cabo, distinguindo duas ortodoxias do
desenvolvimento, a primeira das quais era o que ele chama a "ortodoxia
independentista do desenvolvimento" elaborada nos anos 50 e 60, que definia o
desenvolvimento a partir da ruptura com os laços da dependência colonial. A
segunda, a que Grellet chama a "nova ortodoxia" corresponde à teoria neoclássica
e surge nos anos 80 em contraposição à primeira.
A tipologia de Grellet parece no entanto menos rigorosa do que a de
Hirschman, uma vez que não consegue distinguir com nitidez os contributos
keynesiano e neoclássico já presentes nessa primeira fase, das prestações
marxista, neomarxista e dependentista. Em contrapartida, talvez ajude a explicar
porque é que a "ortodoxia independentista", ao ser marcada por correntes diversas,
frequentemente antagónicas, não permitiu a formação de um paradigma universal
do desenvolvimento que, numa perspectiva pluridisciplinar de geometria variável,
fosse pelo menos definido por um núcleo duro identificável e circunscrito por uma
heurística positiva (Lakatos 30) suficientemente coerente.
Por sua vez, a ordenação de Hirschman embora ofereça uma matriz
convincente de maior rigor lógico, pode levar a pensar que essa separação das
águas tinha uma tradução fiel na prática quotidiana, com os campos das

27 P. N. Rosenstein-Rodan, "Natura Facit Saltum: Analysis of the Disequilibrium Growth Process", Pioneers in
Development, I ° vol.: 221.
28 Sir Arthur Lewis. "Development Economics in the 1950s". Pionners..., op. cit.. 1° vol.: 137.
29 Cf. Gérard Grellet, "Pourquoi les pays en voie de développement ont-ils des rythmes de croissance aussi

différents? - Un survol critique de quelques orthodoxies contemporaines". Revue Tiers Monde, Paris, PUF.
XXX11I. nc 192, janv.-mars 1992:31-66.
30 Imre Lakatos, Histoire et méthodologie dês sciences, Trad. fr., Paris, PUF, 1994.

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respectivas escolas de pensamento bem delimitados, o que não corresponde à
realidade.
A definição de Grellet {"ortodoxia independentista") é epistemologicamente
menos apurada, mas tem a vantagem de melhor revelar, indirectamente, a
tumultuosa mistura de teorias (ou melhor, de pedaços de teorias), que agiam por
detrás das estratégias de desenvolvimento aplicadas no terreno. Assim, assiste-se
à sobreposição do pensamento keynesiano através das críticas dos mecanismos
autoreguladores do mercado e de necessidade de intervenção do Estado, com a
perspectiva neoclássica do crescimento, onde este é função de acumulação dos
factores de produção (capital e trabalho sobretudo). A estas acrescentam-se as
vistas marxista, neomarxista e dependentista, cujos projectos nem sempre era fácil
separar. Nesse contexto, por vezes algo confuso, é possível não obstante verificar
que o acento tónico é posto muito mais frequentemente na macroeconomia do que
na microeconomia, ignorando-se para mais a articulação entre ambos, ao mesmo
que, em pano de fundo, domina o paradigma da introversão.
A análise de Grellet distingue quatro postulados fundamentais na "ortodoxia
independentista":
1) o desenvolvimento das nações depende sobretudo da sua capacidade em
romper os laços de dependência com o mercado mundial;
2) a pobreza das nações resulta da insuficiência da oferta global e não da
procura global, o que conduz a sublinhar a capacidade de acumulação dos factores
de produção e a importância da utilização das tecnologias;
3) o mercado não favorece espontaneamente a acumulação e alocação dos
factores de produção, sendo necessária a intervenção activa do Estado;
4) o verdadeiro sector portador de desenvolvimento é o sector industrial,
nomeadamente na indústria pesada, sendo desde logo a agricultura e os serviços
relegados para um plano secundário, quando não completamente abandonados.

Este conjunto de postulados insere-se no paradigma de introversão que


expressa, de certa maneira, tensões políticas e mesmo rupturas psicológicas do Sul
em relação ao Norte.
Nos anos 80 a "nova ortodoxia" rompe com a heterogeneidade da anterior para
afirmar um projecto oposto, mais coerente em termos de lógica interna, mas que

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beneficia sobretudo da crise intelectual que os insucessos económicos e a crise
mundial precipitaram.
A teoria neoclássica afirma o predomínio do paradigma da extroversão e
assenta igualmente em três postulados31':
1) o crescimento das nações depende essencialmente da sua abertura ao
exterior (paradigma da extroversão);
2) a oferta global depende da alocação dos recursos raros. Esta alocação é
óptima num mercado concorrencial aberto à economia mundial;
3) O desenvolvimento será tanto mais rápido quanto as incitações dos agentes
forem socialmente compatíveis. Por outras palavras, os agentes são racionais,
acordando os meios com os objectivos pretendidos em resposta às incitações do
mercado.
A principal lição - e a mais pacífica - desta controvérsia é que a economia do
desenvolvimento aprendeu a colocar novas questões. Dados que eram outrora
tidos como exógenos são hoje endogeneizados, o que obrigou a um esforço de
articulação entre elementos antes vistos separadamente (progresso técnico,
ambiente, comportamento dos agentes, por exemplo), o que, longe de fechar o
debate, coloca a exigência de novas teorias explicativas, nomeadamente sobre a
natureza das relações causais.
Por outro lado, esses postulados devem ser confrontados com as suas próprias
fontes teóricas, neste caso Walras. Se tivermos em conta as consequências da
aplicação da teoria neoclássica, nomeadamente aos países em desenvolvimento, é
possível afirmar que os seus discípulos retiveram sobretudo da sua Economia
Política e Social o primeiro tomo sobre Economia Política Pura que fixava o modelo
da livre concorrência no mercado (teoria do equilíbrio geral). Todavia Walras, longe
das interpretações radicais de alguns dos seus adeptos contemporâneos,
considerava os outros tomos da obra de igual importância. A Economia Política
Aplicada tratava das relações entre os homens e as coisas e abordava a questão
da gestão privada ou pública da produção, enquanto que o último tomo {Economia
Social) preocupava-se com as condições da repartição da riqueza social, com as
relações entre os indivíduos e o Estado e defendia a teoria da propriedade e do
imposto. Mais ainda, desde a publicação da Economia Política Pura Walras
encarava já os limites do seu próprio modelo: "O princípio do laissez-faire, laissez-

31 Grellet: 46.

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passer já não é a fórmula universalmente aceite e proclamada da teoria da
produção da riqueza", escreve Walras, acrescentando que "a produção de bens de
utilidade colectiva, a existência de monopólios naturais, a desordem nas condições
de trabalho" mostram a necessidade da intervenção do Estado para que se
conjuguem o máximo de satisfação e de equidade, o interesse e a justiça".
Em resumo, a economia social é essencial para Walras, quer pelo papel das
associações populares no progresso económico quer pela intervenção dò Estado
para uma maior concordância entre o interesse e a justiça. Curiosamente, estes
dois aspectos da obra deste fundador parecem ser desconhecidos pelo seus
exegetas, que, traindo o mestre, não retiveram senão uma parte, ignorando que,
como Walras o disse expressamente, os três tomos são interdependentes! 32
A tomada de consciência da diversidade do processo de desenvolvimento
mostrou que a Economia do Desenvolvimento não pode pretender alcançar a
unicidade explicativa dos "Terceiros Mundos" em mudança ou em
desaparecimento.
Tudo leva a crer que, enquanto disciplina, a Economia do Desenvolvimento só
se afirmará no próximo século em articulação com a Economia Internacional e na
confluência de outras ciências sociais.
Ela parece estar actualmente a caminhar nesse sentido, e a confrontação com
a teoria neoclássica acabará por ter lugar num período mais curto do que se
imagina.
A incógnita reside sobretudo na capacidade de regeneração critica de uma
Economia do Desenvolvimento, heterodoxa e multidisciplinar, capaz de recriar um
pensamento novo perante as realidades de uma mundialização que já não oferece
espaço para estratégias isolacionistas nacionais, tornou obsoletas as velhas
abordagens sectoriais e mostrou que o tempo histórico e heterogéneo não é afinal
redutível ao tempo homogéneo e probabilizável dos modelos-padrão. O tempo do
novo desenvolvimento será o tempo da emergência das organizações e da
complexificação das relações, onde intervirão novas descontinuidades e dinâmicas
contraditórias33.

32 Cf. Adelino Torres. A crise económica em África e relações com a Europa no final do século, Santarém.
Comunicação às Jornadas Empresariais de Agricultura Tropical, CULTIVAR/Ministério da Agricultura. 1995.
33 P. Hugon, "L'économie du développement, le temps et l'histoire". Revue Economique (Paris), vol. 42. n°2,

mars 1991.

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Por isso é de esperar que a nova Economia do Desenvolvimento responderá de
maneira mais adequada do que o reducionismo neoclássico aos problemas dos
povos e das nações que enfrentarão a mudança dos tempos conturbados que se
aproximam. E não há razão alguma para pensar que essa nova Economia do
Desenvolvimento fixará a sua atenção apenas sobre os países do chamado
Terceiro Mundo, como as teorias do pós-guerra. Pelo contrário, tudo leva a crer que
o objecto das suas pesquisas se situará indiferentemente no Sul e no Norte. A
diversidade geográfica será ainda maior do que depois da 2 a guerra, porque a
mundialização da economia exigirá soluções nessa mesma dimensão...

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