Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
O artigo tem por objeto o desenvolvimento sustentável do meio ambiente, com ênfase nos recursos
hídricos, considerando-se a relação paradoxal entre a diminuição dos riscos ambientais e os interesses
de desenvolvimento econômico e industrial. A partir da noção da complexidade, que percebe o ser
humano como partir integrante do meio ambiental, o artigo propõe uma conscientização social para
o estabelecimento de ações públicas que possibilitem a solução da problemática sobre o meio ambiente
e sua sustentabilidade, com a diminuição dos riscos ambientais. O texto objetiva uma análise científica
do desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade dos recursos naturais, principalmente, hídricos.
A partir do método dedutivo, problematiza-se como o desenvolvimento sustentável pode dirimir os
riscos dos avanços da fronteira agrícola, utilizando, de maneira consciente, os recursos naturais, em
especial os hídricos, na observância dos dispositivos da legislação. Diante disso, serão o artigo irá
discutir formas de planejamento e gestão que possibilitam a preservação dos recursos hídricos e de-
senvolvimento sustentável.
Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável. Desafios. Riscos. Recursos Naturais Hídricos.
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 100
DOI: 10.18256/2238-0604/revistadedireito.v12n1p100-111
Desafios do desenvolvimento sustentável…
seres e ao meio em que vivem. Contudo, de outro talmente sustentáveis. Isso sustenta a adoção de
lado, expõe-se o desenvolvimento industrial, pro- uma política de desenvolvimento ambiental so-
dutivo, tecnológico, econômico e social, de forma cialmente correta.
acelerada, presente cada vez mais na sociedade Contudo, conforme revela Duarte (2009),
moderna e atual. esse modelo de desenvolvimento ainda não foi
A relação do homem com a natureza, no implementado como desejado por seus articula-
decorrer do tempo, tem mostrado risco ao meio dores, não sendo capaz de diminuir ou frear a de-
ambiente, concorrendo para o início das ações de gradação ambiental do Planeta, para cujo fim foi
políticas que incluem o desenvolvimento susten- estabelecido. Diante disso é que chegar a um de-
tável. Os novos conhecimentos na área da ciência senvolvimento sustentável e equitativo tem sido o
e da tecnologia têm levado o homem a explorar maior desafio da sociedade em geral. Nessa senda,
a natureza com fins comerciais, arriscando a sua as legislações, através de seus textos, têm dispos-
própria sobrevivência. Ao mesmo tempo em que tos regramentos sobre um meio ambiente ecologi-
a postura antropocêntrica e o desenvolvimento camente equilibrado, em especial, a Constituição
industrial levam a uma exploração dos recursos Federal de 1988 (CAMPOS JÚNIOR, 2007).
naturais, a conscientização da finitude desses re- A partir das considerações acima delinea-
cursos conduz a uma noção paradoxal de desen- das, o texto desta pesquisa tem como objetivo a
volvimento sustentável, que significa o desenvol- análise científica do desenvolvimento sustentá-
vimento (com a extração dos recursos naturais), vel e da sustentabilidade dos recursos naturais e,
mas desde que se salvaguarde os recursos para as principalmente, hídricos. Diante disso, problema-
gerações atuais e futuras (sustentabilidade). tiza-se como o desenvolvimento sustentável pode
De acordo com Leff (2010), uma das princi- dirimir os riscos dos avanços da fronteira agríco-
pais causas da problemática ambiental encontra la, utilizando, de maneira consciente, os recursos
amparo no processo histórico que insere a ciência naturais, em especial os hídricos, na observância
moderna e a Revolução Industrial. A ecologia de- dos dispositivos da legislação.
manda ao materialismo histórico para explanar Considerando como ideologicamente equi-
a produção de valores como decorrência do que librada a gestão sustentável dos recursos hídricos,
é produzido de forma natural. É necessário uma conforme será discutido no decorrer deste tex-
reestruturação no que tange ao conceito de valor, to, serão apresentados modos que teoricamente
renda diferencial e forças produtivas para que o tornam possível a sustentabilidade dos recursos
processo produtivo entre em consonância com o hídricos, principalmente a partir de uma gestão
meio natural. integrada. Nesse sentido, serão mostradas for-
Nesse cenário, assinalam Pereira e Horn mas de planejamento e gestão que possibilitam a
(2009: 57), os limites ambientais devem ser vistos preservação dos recursos hídricos e o desenvolvi-
como parâmetros para que se gere um novo mo- mento sustentável.
delo de desenvolvimento – sustentável. Esse mo-
delo deve afastar a premissa de que desenvolvi-
mento sustentável se resume à simples economia 2 O desenvolvimento susten-
de recursos naturais. Logo, esses limites não po-
dem ser entendidos como decorrentes da insufici- tável e o meio ambiente
ência natural dos recursos para o atendimento das
necessidades humanas. Eles devem ser entendidos Consolidado pela Comissão Mundial sobre o
na percepção de que a falta de tais recursos con- Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), o
duz ao indevido e destrutivo relacionamento do desenvolvimento sustentável firma-se a partir das
homem com a natureza, principalmente, quanto à atenções e cuidados com o meio ambiente. Essa
produção de bens econômicos. comissão, instituída pela Organização das Nações
Mais ainda, segundo Pereira e Horn (2009: Unidas (ONU), em 19872, inseriu a elaboração de
57), o saber científico deve extrapolar o estudo da 2 Ressalta-se que, já nos anos 60 do século XX, surgiu
um ecologismo que evidenciou a necessidade de
relação entre produção econômica e esgotamento proteção efetiva, para além da mera conservação
de recursos naturais, bem como oferecer postu- da natureza. Como exemplo desse ecologismo,
ras que possam levar à modificação de padrões o livro Primavera silenciosa (1962), de Carson,
investigou os impactos do uso intensivo de
de comportamento de consumo, com a adoção de agrotóxicos na agricultura, no meio ambiental e
tecnologias ecoeficientes para produtos ambien- para a saúde humana.
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 101
E. H. Hamel, L. S. Grubba
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 102
Desafios do desenvolvimento sustentável…
enquanto não for revisto e reestruturado o mo- O desenvolvimento sustentável deve perce-
delo econômico adotado mundialmente, torna-se ber a proteção do ambiente como parte integran-
inviável atingir desenvolvimento satisfatório bem te do processo de desenvolvimento, não podendo
como a sustentabilidade. Na sua forma, o capita- ser considerado de forma isolada. Importa, por
lismo apresenta um modelo econômico em busca conseguinte, perceber a complexidade ambiental.
de expansão definitiva. Já a sustentabilidade pre- A partir de uma noção antropocêntrica, significa
tende corrigir as desigualdades regionais e glo- que os efeitos ecológicos repercutem sobre a vida
bais, visualizando a qualidade de vida humana humana, em sua conservação reprodução e evo-
no presente e no futuro. lução. Dessa forma, parece ser possível afirmar
Evidencia Duarte (2009) que o mundo con- que não pode haver desenvolvimento que não
temporâneo tem mostrado um modelo de in- seja sustentável.
sustentabilidade, gerando problemas ambientais
complexos que não configuram solução sem uma
visão consciente dos governantes junto à socieda- 3 O desenvolvimento econômico
de. Nessa esteira de problemas, torna-se impres-
cindível garantir a manutenção e melhoria das
e o meio ambiente
bases que pautam a conservação da vida, pois não
há como proteger e conservar o meio ambiente, A problemática ambiental – a degradação
após terem sido saturados os recursos naturais, os do meio ambiente –, conforme Leff (2006, p. 58),
quais, por sua vez, devem assegurar a produção surgiu ao final do século XX. Sob a nomenclatura
dos bens de consumo tão importantes às neces- crise da civilização, a problemática ambiental se
sidades das demandas da sociedade no seu todo. refere a um questionamento da racionalidade eco-
Corrobora Teixeira (2006), assinalando que nômica e tecnológica dominantes.
a sociedade vivencia uma prática de insustentabi- As práticas produtivas, ao longo dos anos,
lidade, uma vez que os recursos ambientais mos- parecem ter dependido do meio ambiente local e
tram-se cada vez mais escassos, concorrendo para das estruturas sociais de uma dada cultura. Essas
que, apenas as atuais gerações possam desfrutar práticas ampliaram-se com o advento da globali-
dos meios que a natureza oferece. Portanto, im- zação do capital e das informações tecnológicas
porta a efetivação de uma política de conservação, às diversas culturas. Nesse sentido, segundo Leff:
pois após a degradação total do recurso ambien-
tal pouco poderá ser feito sobre a preservação. Na A forma particular de articulação das determi-
nações do ecossistema, a língua, a cultura, um
verdade, o desenvolvimento sustentável deve con-
modo de produção são específicos de cada for-
templar uma organização, cujo objetivo precípuo mação social. A conformação de seu meio am-
seja o cuidado da natureza para o usufruto das biente, a história de suas práticas produtivas e
futuras gerações. Nessa senda, o meio ambiente sociais, seus intercâmbios culturais na história
ecologicamente equilibrado inclui o comprometi- determinaram a capacidade produtiva dos ecos-
mento de toda a sociedade, em práticas que aliem sistemas, a divisão do trabalho, os níveis de au-
a comunidade e o Poder Público. toconsumo e a produção de excedentes comer-
A sustentabilidade, por sua vez, vai mais cializáveis. A intervenção mais ou menos forte
além dos destinos da espécie humana, ou seja, do capital e dos Estados nacionais modificam
atinge a perpetuação da vida e o valor intrínseco estas modalidades de transformação do meio
ambiente e dos estilos culturais pela introdução
da criação ou do mundo natural. Observa Grassi
de novas técnicas e modelos produtivos. Isto
que paira transforma as formações sociais não-capitalis-
tas em objetos complexos que se definem pelas
[...] a consciência de que o progresso a qualquer indeterminações entre processos naturais, téc-
preço não é sustentável a longo prazo, passando- nicos e culturais. (LEFF, 2006, p. 52-53).
se a defender a tese de que o desenvolvimento
que atende às necessidades do presente deve pre-
Se, por um lado, a mencionada crise pode
ver a capacidade de as futuras gerações também
terem meios de subsistência. Por outras, pre- ser explicada pela pressão exercida em razão do
tende-se melhorar a qualidade da vida humana crescimento populacional sobre os limitados re-
dentro da capacidade que os ecossistemas pos- cursos naturais, por outro lado, ela também pode
sam suportar (1995, p. 16). ser explicada a partir de outra ideologia, ou seja,
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 103
E. H. Hamel, L. S. Grubba
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 104
Desafios do desenvolvimento sustentável…
Ainda que o desenvolvimento econômico nização do meio em que vivem os cidadãos com
mostre-se essencial para a vida em sociedade, pois o desenvolvimento, tendo claro que os proble-
uma nação impõe-se com crescimento econômi- mas ambientais precisam ser percebidos a partir
co, não há como olvidar a degradação ambiental de um processo contínuo de planejamento, para
como consequência. Nesse cenário, Campos Ju- adequar as exigências de ambos. Nesse aspecto,
nior (2007) traz à tona o problema do desmata- importa observar as interrelações particulares a
mento, quando se instalam as indústrias para cul- cada cenário sociocultural, político, econômico e
tivo das culturas: ecológico, dimensionando-as no tempo e espaço.
Como patrimônio das atuais e futuras ge-
[...] essa tomada de consciência recente pode ser rações, o meio ambiente insere-se na vida dos
verificada principalmente a partir da constata- entes em sociedade. Essa perspectiva, conforme
ção de que as condições tecnológicas, industriais assinala Milaré (2014) condiciona os países, assim
e as formas de organização e gestões econômicas como o Brasil, a gerar riquezas para enfrentar os
da sociedade estão em conflito com a preserva-
desafios da mudança social, como o crescimento
ção ou a recuperação do meio ambiente ecologi-
camente equilibrado (2007, p. 127). populacional e as necessidades estruturais, de for-
ma planejada e sustentável, para poder assegurar
Os conf litos têm sido pauta tanto da ges- a compatibilização do desenvolvimento econô-
tão econômica como a da recuperação do meio mico e social articulado à proteção da qualidade
ambiente. Isso revela a importância de ser cria- ambiental. Essa garantia implica condição para
do um bom senso, pois segundo Fiorillo (2004), que o progresso se sustente em função de toda a
não há dúvida que o desenvolvimento econômi- sociedade e não à custa do mundo natural.
co representa um valor precioso da sociedade, Nessa compreensão, Fiorillo contribui afir-
todavia aliado à preservação ambiental preci- mando que “a busca e a conquista de um ‘ponto
sam, ambos, coexistirem, sendo que um não de equilíbrio’ entre o desenvolvimento social, o
pode acabar com o outro. crescimento econômico e a utilização dos recur-
Assim, mesmo diante do crescimento ine- sos naturais exigem planejamento territorial que
vitável da economia, não há como esquecer a tenha em conta os limites da sustentabilidade”
sustentabilidade de uma nação. Assinala Nunes (2004, p. 25).
(2006) que, nessa percepção, os problemas am- Barral e Pimentel (2006), em seus estudos,
bientais e econômicos demonstram-se intima- assinalam a preocupação inserida no princípio
mente ligados. A forma econômica globalizada sustentável sobre ações racionais que preservem
tem buscado o progresso da sociedade, mas es- os processos e sistemas essenciais à vida e manu-
quece do controle e equilíbrio ambiental. Esse tenção do equilíbrio ecológico. Para isso, torna-
procedimento conduz à degradação do meio am- se necessário pensar em construir uma sociedade
biente. Reafirmando tal posicionamento, Duarte mais sustentável, socialmente justa e ecologica-
expressa que o sistema econômico, em seu forma- mente equilibrada. A compatibilização entre a
to globalizado, traduz-se por utilização dos recursos naturais e a conservação
do meio ambiente concretiza-se por meio de for-
[...] contínuos processos de extração, proces- mas de produção que possam satisfazer as neces-
samento e descarte de grandes quantidades de sidades do ser humano, sem destituir os recursos
materiais, privilegiando a concorrência para a essenciais às futuras gerações (equidade intrage-
produção de valor e uma crescente pressão por racional e intergeracional).
modernização e conseqüente eficiência tecnoló- Motta (2006) esclarece que um recurso am-
gica, não se compatibiliza com a necessária e vi- biental mostra o seu valor econômico quando se
tal proteção e conservação dos recursos naturais institui a partir do bem-estar das pessoas devido
que asseguram as bases de manutenção da vida às mudanças na quantidade de bens e, na apro-
(2009, p. 175).
priação por uso ou não. Essa percepção de valor
econômico, na busca do desenvolvimento susten-
Não se pode afirmar que existe, no mundo
tável, está presente, no Brasil, principalmente, no
contemporâneo, uma efetiva compatibilização en-
tocante às políticas de gerir os recursos hídricos.
tre a tecnologia, em seus avanços, em consonância
com devida proteção do meio ambiente. Portanto,
Milaré (2014) alerta que é fundamental a harmo-
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 105
E. H. Hamel, L. S. Grubba
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 106
Desafios do desenvolvimento sustentável…
nos artigos 1º, 2º e 3º3, do Código Florestal Brasi- ção, logo, não permitem “exploração econômica
leiro. Essas áreas de preservação, de acordo com direta (madeireira, agricultura ou pecuária), mes-
Milaré, encontram-se mo com manejo” (2007, p. 170). Sua finalidade re-
side na proteção das águas e da qualidade do solo.
[...] em uma faixa de preservação de vegetação es- Em contribuição, o artigo 2º, da Resolução
tabelecida em razão da topografia ou do relevo, 302 do CONAMA, estabelece algumas definições:
geralmente ao longo dos cursos d’água, nascen-
tes, reservatórios e em topos e encostas de mor- [...] II - Área de Preservação Permanente: a área
ros, destinadas à manutenção da qualidade do marginal ao redor do reservatório artificial e
solo, das águas e também para funcionar como suas ilhas, com a função ambiental de preservar
“corredores de fauna” (2014, p. 169). os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade
geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de
Os cuidados com a vegetação que se estabe- fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem
lece ao longo dos cursos d’água regulam-se tam- estar das populações humanas; [...] (BRASIL,
bém pela Lei n. 7.754 de 1989, quando considera Resolução/02, 2015, p. 1).
como preservação permanente as florestas e de-
mais formas de vegetação natural que surgem das Essas áreas, que podem ser chamadas de
nascentes dos rios. Explana Milaré que esse espa- APPs, com vistas a garantir o bem estar das po-
ço objetiva “preservar os recursos hídricos, a pai- pulações, têm um papel especial. Na visão de
sagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, Campos Júnior (2007), sua excelência reside no
o fluxo gênico da fauna e flora, proteger o solo e equilíbrio do ecossistema com mecanismos com-
assegurar o bem-estar das populações humanas” pensatórios locais que devem conduzir a efetiva
(2014, p. 169). preservação ou também recuperação dos recur-
Campos Júnior, nesse sentido, destaca que as sos naturais, fundamentais ao desenvolvimento
áreas que são de preservação e não de conserva- sustentável. No ambiente rural, as APPs podem
3 Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre ser percebidas nas encostas acentuadas e matas
a proteção da vegetação, áreas de Preservação ciliares, em áreas marginais de córregos, rios e
Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração
florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, reservatórios, e também, ao redor das nascentes.
o controle da origem dos produtos florestais e o Muitos são os benefícios ao ambiente, como resul-
controle e prevenção dos incêndios florestais, e tados da manutenção dessas áreas.
prevê instrumentos econômicos e financeiros para
o alcance de seus objetivos. Quanto à produção sustentável, Campos Ju-
Parágrafo único. Tendo como objetivo o nior (2007) afirma que devem ser observadas as
desenvolvimento sustentável, esta Lei atenderá aos práticas de adoção de manutenção para que não
seguintes princípios:
I - afirmação do compromisso soberano do Brasil ocorram impactos que possam afetar a sociedade.
com a preservação das suas florestas e demais formas Por vezes, os recursos hídricos indisponíveis, em
de vegetação nativa, bem como da biodiversidade, área urbana, devem-se à degradação de áreas de
do solo, dos recursos hídricos e da integridade do
sistema climático, para o bem estar das gerações nascentes em várias bacias hidrográficas no Brasil.
presentes e futuras; [...]. Segundo aduz Machado, o Brasil, que dispõe
Art. 2º As florestas existentes no território nacional e de alto volume de água doce em relação à super-
as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas
de utilidade às terras que revestem, são bens de fície mundial, é um país privilegiado, por ser o
interesse comum a todos os habitantes do País, primeiro em disponibilidade hídrica em rios do
exercendo-se os direitos de propriedade com as mundo. No entanto, a poluição e o uso inadequa-
limitações que a legislação em geral e especialmente
esta Lei estabelecem [...] do têm afetado esse recurso em várias regiões do
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: país. Em 1997, a Lei 9.433 inaugura a Política Na-
I - Amazônia Legal: os Estados do Acre, Pará, cional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Na-
Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato
Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo cional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
13° S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste Com essa regulamentação, há uma modificação
do meridiano de 44° W, do Estado do Maranhão; valorativa quanto aos “usos múltiplos da água, às
II - Área de Preservação Permanente - APP: área
protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a prioridades desses usos, ao seu valor ético e eco-
função ambiental de preservar os recursos hídricos, a nômico, à sua e a participação popular na sua ges-
paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, tão” (2014, p. 75). Assim, a mensuração da água
facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo
e assegurar o bem-estar das populações humanas; [...]
(BRASIL, Lei n. 12.651, 2012).
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 107
E. H. Hamel, L. S. Grubba
[...] dentro dos valores da economia. Isso não Explana Garcia (2006) que, regulada pela Lei
pode e nem deve levar a condutas que permitam de 1997, a cobrança pela água condiz com valo-
que alguém, através do pagamento de um preço, res monetários pelo uso dos recursos hídricos por
possa usar a água a seu bel-prazer. A valorização quem detém a outorga nos direitos de utilizá-la.
econômica da água deve levar em conta o preço
Isso ocorre contra que detém a água como meio
da conservação, da recuperação e da melhor dis-
de sua atividade econômica, e não contra o con-
tribuição desse bem (MACHADO, 2014, p. 75).
sumidor da prestação de serviços que incluem
tratamento, abastecimento, coleta e esgotamen-
Na essencialidade de bem ambiental, a água,
to de dejetos. Logo, a devida cobrança estende-
que deve ser cada vez mais valorizada e conserva-
se aqueles que utilizam os recursos hídricos por
da, estabelece também esses critérios por meio da
meio de captação direta dos corpos d´água, in-
Constituição Federal, no artigo 2254 , ao expres-
seridos em sua atividade econômica, ou daqueles
sar a necessidade da defesa dos bens coletivos e a
que os usam em sua atividade econômica, como
existência de um bem comum a todos.
produtores rurais, companhias de abastecimento,
Garcia (2006) revela que o cenário brasileiro
empresas geradoras de energia elétrica, indústrias.
não comporta mais águas de propriedade parti-
Garcia (2006) vai mais além e complemen-
cular. As nascentes dispostas em uma proprieda-
ta, assinalando que cobrar pelo uso dos recursos
de privada como os rios que as limitam, são con-
hídrico compõe-se em um instrumento jurídico-
ceituadas pelo Código de Águas como comuns,
-econômico, de acordo com as decorrências ne-
sendo todas águas públicas.
gativas que o usuário da água possa causar. Esse
Há necessidades essenciais do ser humano
recurso hídrico, atualmente, trata-se de um bem
que estão na dependência do meio ambiente. Para
escasso, visto que devido à poluição e carência de
Garcia (2006), os bens que integram o ambiente,
tratamento efetivo tem sido pouco abundante.
como a água, o ar, o solo, devem satisfazer as ne-
Logo, cobrar pelos recursos hídricos configura
cessidades de todos os humanos. Em sendo de uso
dos recursos ambientais, o meio em que os seres [...] o princípio da “internalização” dos custos
vivem é bem de uso comum do povo. ambientais por aqueles que se aproveitam dos
Milaré esclarece que uma das normas que recursos naturais, em geral, e, especialmente, das
tratam da proteção do meio ambiente, através águas. Hoje, esses custos são “externalizados”,
de uma política ambiental, determina-se pela vale dizer, são pagos por toda a sociedade, inclu-
cobrança pelo uso da água instituída pela Lei de sive por quem não se aproveita do recurso natu-
Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei Fede- ral. Por outro lado, quando a sociedade não paga
ral n. 9.433/97, especificamente, no artigo 19, ao esses custos econômicos paga-os com a degrada-
referir que ção da qualidade ou da quantidade do recurso
usado (MILARÉ, 2014, p. 402).
[...] a cobrança pelo uso dos recursos hídricos
objetiva: I – reconhecer a água como bem econô- Essa externalização de custos que se estende
mico e dar ao usuário uma indicação de seu real a toda sociedade é resultado da degradação des-
valor; II – incentivar a racionalização do uso da se recurso, que é água. Por isso, o gerenciamento
água; III – obter recursos financeiros dos progra- dos recursos hídricos deve ser visto como uma
mas e intervenções contemplados nos Planos de prática adotada na sua preservação.
Recursos Hídricos (2014, p. 254). A revisão de Mota (2008) destaca que esse
gerenciamento implica na aplicação de medidas
Esses dispositivos, através da Lei 9.433, tor- estruturais e não estruturais para que se ative o
nam a água um bem econômico, o qual traz mo- controle dos sistemas hídricos naturais e artifi-
tivação, segundo Garcia (2006), para a racionali- ciais, com o fim de beneficiar as populações e
zação do uso desse bem natural, em valor próprio, atender os objetivos ambientais. A ANA, como o
uma vez que se contempla como um recurso essen- órgão federal responsável pela implementação da
cial para o desenvolvimento sustentável do planeta. Política Nacional de Recursos Hídricos, deve se
4 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente articular com os demais órgãos e entidades públi-
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do cas e privadas que se inserem no Sistema Nacio-
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo- nal de Gerenciamento de Recursos Hídricos, com
se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras ações e práticas que busquem soluções adequadas
gerações (BRASIL, Constituição de 1988, 2013). à poluição dos rios.
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 108
Desafios do desenvolvimento sustentável…
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 109
E. H. Hamel, L. S. Grubba
capitalista que objetiva a reprodução em um pra- GARCIA, Rodrigo Fernandes. Aspectos jurídicos da
zo maior do modelo produtivo e de seus agentes, cobrança pelo uso da água. Disponível em: <http://
sob uma perspectiva que prevê a diminuição das www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=192&ca-
injustiças sociais e a melhora da qualidade de tegoria=Ambiental>. Acesso em: 22 set. 2015.
vida dos cidadãos. GRASSI, Fiorindo David. Direito ambiental aplicado.
1. ed. Frederico Westphalen: URI, 1995.
LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. 4. Ed. São
Referências Paulo: Cortez, 2006.
LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. 5. ed. São
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. A evolução da ges- Paulo: Cortez, 2010.
tão dos recursos hídricos no Brasil. Brasília: ANA, 2002. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental
BARRAL, Welber; PIMENTEL Luis Otávio. Direito brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
ambiental e desenvolvimento. Florianópolis: Fundação MAROTTA, Humberto; SANTOS, Roselaine
Boiteux, 2006. Oliveira; ENRICH-PRAST, Alex. Monitoramento
BRASIL, Constituição de 1988. Constituição da Re- limnológico: um instrumento para a conservação
pública Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. dos recursos hídricos no planejamento e na gestão
urbano- ambientais. Revista Ambiente e Sociedade,
______. Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe Campinas, v. 11, n. 1, jan./jun., 2008.
sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis
nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 9. ed. rev. atual.
dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 14. ed. Rio
de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida de Janeiro: Bertrand, 2010.
Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá
MORATO LEITE, José Rubens. Dano ambiental: do
outras providências. Disponível em: <http:// www.
individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. São
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
l12651.htm>. Acesso em: 20 out. 2015.
MOTTA, Ronaldo Seroa. Economia ambiental.
______. Lei n. 7.754, de 14 de abril de 1989. Estabele-
Nações unidas para o desenvolvimento. Relatório do
ce medidas para proteção das florestas existentes nas
Desenvolvimento Humano 2007/08 – Combater a
nascentes dos rios e dá outras providências. Disponí-
vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/ mudança do clima: solidariedade humana em um
L7754.htm>. Acesso em: 20 out. 2015. mundo dividido. Disponível em:<http://www.pnud.
org.br/rdh/>. Acesso em: 26 set. 2015.
______, Resolução CONAMA n. 302, de 20 de março
de 2002. Dispõe sobre os parâmetros, definições MOTA, Suetônio. Gestão ambiental de recursos hídri-
e limites de Áreas de Preservação Permanente de cos. 3. ed. atual. e rev. Rio de Janeiro: ABES, 2008.
reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno. NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas
Disponível em: <http:// 302/02www.mma.gov.br/ sobre o ambiente humano. 1972.
port/conama/res/res02/res30202.html>. Acesso em: ______. Declaração sobre meio ambiente e desenvol-
20 out. 2015. vimento. Rio de Janeiro, 1992.
CAMPOS JUNIOR, Raimundo Alves de. O conflito ______. Relatório de desenvolvimento humano 1994.
entre o direito de propriedade e o meio ambiente. New dimensions of humam security. Disponível em:
Curitiba: Juruá, 2007. <http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr1994/
CARSON, Rachel. Silent spring. Estados Unidos: chapters/>. Acesso em: 30 mar. 2011.
Fawcett Publications, INC., Grinnwich, Conn, 1962. NOGUEIRA, Rui. Água: A luta do século. Rio de
CARVALHO, Osires; RODRIGUES, Flávio. Recursos Janeiro: Sol, 2006.
hídricos e desenvolvimento sustentável (Escala de
NUNES, Paulo Henrique Faria. Meio ambiente e minera-
Necessidades Humanas e Manejo Ambienta1 Inte-
ção: o desenvolvimento sustentável. Curitiba: Juruá, 2006.
grado) GEOgraphia, ano 6, n. 12, 2004.
PEREIRA, Agostinho Koppe; HORN, Luiz Fernando
CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
Del Rio. Relações de consumo: meio ambiente. Caxias
e Desenvolvimento. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio
do Sul, RS: Educs, 2009.
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.
REBOUÇAS, Aldo Cunha. Água doce no mundo e
DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio ambiente
no Brasil. In: REBOUÇAS, Aldo Cunha; BRAGA,
sadio. Direito fundamental. Curitiba: Juruá, 2003.
Benedito; TUNDISI, José Galizia (Org.). Águas doces
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. 3. ed.
ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 110
Desafios do desenvolvimento sustentável…
SALATI, Eneas; LEMOS, Haroldo Mattos; SALA- TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio
TI, Eneida. Água e o desenvolvimento sustentável. ambiente ecologicamente equilibrado como direito
In: REBOUÇAS, Aldo Cunha; BRAGA, Benedito; fundamental. Porto Alegre: Livraria dos Advogados,
TUNDISI, José Galizia. (Ed.). Águas doces no Brasil: 2006.
capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Es- THEODORO, Suzi Huff et al. Conflitos e uso susten-
crituras Editora, 2006. tável dos recursos naturais. Rio de Janeiro: Garamond,
SCANTIMBURGO, André Luís. Políticas públicas 2002.
e desenvolvimento sustentável: os limites impostos
pelo capitalismo no gerenciamento e preservação dos
recursos hídricos no Brasil. Aurora, n. 7, jan. 2011.
Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br/aurora>
Acesso em: 26 set. 2015.
Abstract
The article focuses on the sustainable development of the environment, with emphasis on water re-
sources, considering the paradoxical relationship between the reduction of environmental risks and
the interests of economic and industrial development. From the notion of complexity, which perceives
the human being as a member of the environmental, the article proposes a social awareness for the
establishment of public actions to enable the solution for the problem concerning the environment
sustainability, with the reduction of environmental risks. We aim a scientific analysis of sustainable
development and sustainability of natural resources, especially water. From the deductive method, it
discusses as sustainable development can resolve the risks of the advances of the agricultural fron-
tier, using, consciously, natural resources, especially water, in compliance with the legislation devices.
Therefore, the article will discuss ways of planning and management that enable the conservation of
water resources and sustainable development.
Keywords: Sustainable Development. Challenges. Risks. Water Resourses.
Submissão: 22/02/2016
Aprovação: 21/05/2016
Revista Brasileira de Direito, 12(1): 100-111, jan.-jun. 2016 - ISSN 2238-0604 111