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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO

EDYLANE EITERER

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ESPAÇO ESCOLAR:


Discutindo Identidade, Diversidade, Memória e Patrimônio Cultural

NITERÓI - RJ
MARÇO DE 2013.
EDYLANE EITERER

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ESPAÇO ESCOLAR:


Discutindo Identidade, Diversidade, Memória e Patrimônio Cultural

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense – UFF –
campo de confluência de Políticas Públicas
e Movimentos Instituintes, como requisito
parcial para a obtenção do Grau de Mestre.

ORIENTADOR: PROF. DR. JORGE NASSIM VIEIRA NAJJAR

NITERÓI - RJ
MARÇO DE 2013.

2
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

E36 Eiterer, Edylane.


Educação patrimonial no espaço escolar: discutindo identidade,
diversidade, memória e patrimônio cultural / Edylane Eiterer. – 2013.
166 f.
Orientador: Jorge Nassim Vieira Najjar.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,


Faculdade de Educação, 2013.
Bibliografia: f. 152-166.
1. Educação. 2. Patrimônio cultural. 3. Identidade. 4. Memória.
I. Najjar, Jorge Nassim Vieira. II. Universidade Federal Fluminense.
Faculdade de Educação. III. Título.

CDD 370.981 3
EDYLANE EITERER

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ESPAÇO ESCOLAR:


Discutindo Identidade, Diversidade, Memória e Patrimônio Cultural

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense – UFF –
campo de confluência de Políticas Públicas
e Movimentos Instituintes, como requisito
parcial para a obtenção do Grau de Mestre.

Banca Examinadora:

_____________________________________________
Prof. Dr. Jorge Nassim Vieira Najjar – Presidente – UFF

_____________________________________________
Profª. Drª. Vera Lúcia Doyle Louzada de Mattos Dodebei – UNIRIO

_____________________________________________
Prof. Dr. Everardo Paiva de Andrade – UFF

NITERÓI - RJ
MARÇO DE 2013.

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Ao pequeno Heitor, meu filho, luz dos
meus olhos, que aprendeu muito cedo a
conviver com a saudade, com a distância
e a dividir sua mãe com os livros.

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AGRADECIMENTOS

Sair de casa e deixar para trás a cidade natal, o filho, a família, os


amigos e vir para um outro Estado onde toda a minha vida cabia numa mala foi
angustiante. Por muitas noites eu me senti perdida e tive vontade de desistir de
tudo, mas ao longo desses dois anos pude contar com as pessoas
maravilhosas que Deus colocou em meu caminho para que eu pudesse
suportar cada passo. A cada uma delas, seguem meus agradecimentos
sinceros, amorosos, emocionados:
Aos meus pais, Edna e José, que além de todo o incentivo, foram fonte
inesgotável de compreensão e amor nesses que foram os meus primeiros anos
longe de casa na busca por um sonho. Eles que souberam ser pais e avós,
aprenderam a ser mais: tornaram-se os guardiões de meu filho Heitor, o maior
tesouro que deixei nas terras mineiras. Sem o apoio e dedicação de vocês eu
não teria chegado até aqui.
Ao meu filho Heitor, o dono dos olhos verdes salpicados com o brilho
das estrelas e que traz poeira de sol espalhada por seus cabelos dourados.
Aquele que tem o sorriso mais leve e doce de todo o mundo e que teve que
aprender a dividir a sua mãe com os livros em muitos fins de semana, que
assim como eu chorou muitas noites com o coração “complicado de saudade”.
Que ele cresça e entenda cada passo que dei, sabendo que a distância nesses
dias foi cortada pelo aperto da saudade, pelo amargo da ausência, mas com os
olhos em um futuro melhor.
À toda minha família, minha irmã Laura e meu cunhado Marco Aurélio,
responsáveis pelo reavivamento de minha fé há muito esquecida e por todo
carinho dispensado ao meu filho. À minha avó Alice, incentivadora de todos os
meus projetos, independentemente da viabilidade deles.
Ao meu adorável ogro, meu amigo Hilbert da Silva Júlio, grande mentor
da ideia desse mestrado, que foi o responsável pela minha inscrição, que
torceu e incentivou meus passos, mas que também soube brigar todas as
vezes em que eu me “deslumbrava” pelo Rio de Janeiro, trazendo-me de volta
à realidade do mundo acadêmico e de me u objetivo maior.

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Ao meu fiel escudeiro, companheiro de todas as horas, Roberto Dutra,
com quem divido todas as minhas alegrias, tristezas, os meus sorrisos e
sonhos, os meus projetos e meus cafés. Parceiro de tanto tempo, acompanhou
bem de perto essa caminhada, estando ao meu lado com uma dedicação
imensa. Se tive forças para chegar até aqui, boa parte do incentivo veio dele
que não me deixou desistir quando eu já ameaçava jogar a toalha, que sempre
aposta suas fichas em mim e tem sempre uma palavra guardada em um
abraço e um sorriso meio de lado que consegue me convencer e me acalmar.
Ao querido e muito especial professor Galba Di Mambro, responsável
pelo meu encantamento inicial com o Patrimônio Cultural e, posteriormente,
pelas descobertas de um amor pelo tema que jamais imaginei ter. Pelos mais
de quatro anos de companhia diária no Arquivo Histórico da UFJF, pelos
incentivos e puxões de orelha, pelas histórias, pela confiança e carinho e,
principalmente, por ter me ensinado que nossos valores estão acima de toda e
qualquer circunstância e que pelo nosso esforço, comprometimento, seriedade
e fidelidade aos princípios, chegamos exatamente onde sonhamos.
Às queridas Fernanda Ribeiro e Renata Bonini, presentes do Rio de
Janeiro para a minha vida, com quem dividi muitos momentos maravilhosos,
algumas lágrimas e que hoje tenho o privilégio de chamar de amigas. Sem
vocês o Rio de Janeiro não teria o mesmo sabor, as mesmas cores, os
mesmos sons. Obrigada por todos os conselhos, por todo o incentivo, por todo
o carinho.
Aos queridos amigos Lucas Álvares e Marcos Barreto, do Programa de
Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO, peças fundamentais no meu
amadurecimento acadêmico, que dividiram seus conhecimentos comigo e que
me proporcionaram discussões muito profícuas, resultando em artigos e
viagens para eventos.
À amada Semiramis, amiga que acompanhou mais ou menos de perto,
mais ou menos de longe toda a minha trajetória. Que passou noites em claro
comigo tentando ajudar na definição de um projeto, na escolha de um ou outro
autor ou simplesmente na escolha do nosso almoço de domingo!
Aos amigos geograficamente longe, mas presentes virtualmente todos
os dias e que acompanharam cada passo dessa caminhada: Gabriel Marinho,
Carolina Thoni, Zenilde Gonçalves, Sandra Gonzalez, Mário Brazil, Ubirajara

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Sá, Fátima Gomes, Alessandra Ferreira, Celso Jr., o meu muito obrigada por
todo o incentivo e pelas poesias divididas. Vocês trazem mais alegrias para o
meu dia!
Aos importantíssimos amigos de Juiz de Fora, que se fizeram m uito
presentes nesse período, entre eles Isaías Souza, Fernanda Amaral, Daniela
Bisaggio, Claudiney Arruda, Kamila Freitas, Fernando Barreto e Raphael
Gonzaga.
Aos amigos que não citei, mas que não são menos importantes, o meu
muito obrigada pelos momentos, pela torcida e pelos sorrisos.
Aos companheiros de mestrado com quem dividi o orientador e todos
os meus projetos: Marcelo Mocarzel, Sheila Dassiê e Simone Torres, obrigada
pela companhia e por permitirem que eu aprendesse tanto com vocês! Que o
sucesso nos aguarde bem ali em frente em nossas vidas!
Se existe uma palavra que pode definir a relação que se estabeleceu
entre meu orientador e eu é LIBERDADE. Ao longo desses dois anos fui
completamente livre, tanto que cheguei a trocar de projeto por sete vezes! Com
alguns encontros desesperadores, em que eu queria abraçar o mundo e
sonhava “dar conta do recado”, ele pacientemente tentava me mostrar todos os
caminhos e descaminhos e me deixava ir, talvez pra ter o prazer de ver com
um projeto novo nas mãos a cada 20 dias. Algumas vezes achamos que seria
impossível eu chegar na qualificação. Algumas vezes eu quis desistir e ele não
deixou. Outras vezes eu quis chorar e ele deixou. Completamos agora dois
anos de caminhada e um projeto que foi desenhado tantas vezes ganhou vida,
corpo, alma e pode ser apresentado como resultado de um grande esforço. Ao
meu orientador, parceiro e agora amigo, Jorge Najjar, os meus mais sinceros
agradecimentos.
Aos professores Everardo Andrade (UFF) e Vera Dodebei (UNIRIO)
que gentilmente aceitaram os convites para participarem da qualificação e da
defesa desse trabalho, sendo muito generosos com suas contribuições
enriquecedoras.
“Não sabia que era impossível. Foi lá e fez.” Jean Cocteau

8
"A educação não faz você feliz. E tampouco
a liberdade. Não nos tornamos felizes
somente porque somos livres, se somos. Ou
por termos sido educados, se formos. Mas
porque a educação pode ser o meio pelo
qual percebemos que somos felizes. Ela
abre nossos olhos, nossos ouvidos. Nos
conta onde as maravilhas estão
secretamente nos esperando. Nos convence
de que só existe uma liberdade que
realmente importa: a da mente."

Filme “Íris”

9
RESUMO

Constantemente lidamos com o Patrimônio Cultural em nosso dia-a-dia. Essa


realidade não escapa de nossas salas de aula, mas nem todos os profissionais
da Educação têm essa consciência ou estão preparados para trabalhar com o
Patrimônio Cultural e com alguns temas que se ligam diretamente a ele como a
memória, a identidade e a diversidade cultural, em seu cotidiano escolar.
Partindo da realidade das escolas observamos que, em geral, as escolas
apresentam trabalhos e projetos que lidam diretamente com o Patrimônio
Cultural, mas que nem todos os docentes reconhecem essa característica em
suas atividades. Mostrar que a escola é por si só um Patrimônio Cultural,
espaço de discussão sobre diversidade, memória e identidade e que, em todo
tempo, se relaciona com as práticas de Educação Patrimonial, ainda que de
modo informal, é o nosso objetivo. Apontamos que a escola é vista como um
ambiente profícuo de construções de pontos de vista e de enriquecimento dos
homens como cidadãos, além de ser um espaço ideal para se tratar do
Patrimônio Cultural e da Educação Patrimonial, perpassando pela trajetória do
Patrimônio no Brasil e apoiando-nos nas Cartas e Documentos Patrimoniais, na
legislação brasileira para a Educação e em suas práticas cotidianas na cidade
de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro.

Palavras-chaves: Educação Patrimonial. Identidade. Memória.

10
ABSTRACT

Constantly dealing with Cultural Heritage in our day-to-day. This reality has not
escaped our classrooms, but not all education professionals have that
awareness or are prepared to work with the Cultural Heritage and with some
themes that connect directly to it as memory, identity and cultural diversity in
their school routine. Based on the reality of schools found that, in general,
schools submit papers and projects that deal directly with the Cultural Heritage,
but not all teachers recognize this trait in their activities. Show that the school is
itself a Cultural Heritage, discussion on diversity space, memory and identity
and that, at all times, relates to the practices of heritage education, albeit
informal, is our goal. We point out that the school is seen as a fruitful
environment for constructions of views and enrichment of men as citizens, and
is an ideal space to deal with the Cultural Heritage and the Heritage Education,
passing through the trajectory Heritage in Brazil and supporting us in the Letters
and Documents Equity in Brazilian legislation for Education and in their daily
practices in the city of Niterói, State of Rio de Janeiro.

Keywords: Heritage Education. Identity. Memory.

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LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

CNRC – Centro Nacional de Referência Cultural


FAE – Faculdade de Educação/UFMG
FME – Fundação Municipal de Educação (Niterói)
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LABEPEH – Laboratório de Estudos e Pesquisa em Ensino de História
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – lei nº. 9394/96
MEC – Ministério da Educação
MIP – Museu Imperial de Petrópolis
OEA – Organização dos Estados Americanos
ONU – Organização das Nações Unidas
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PMDD – curso de aperfeiçoamento em Produção de Materiais Didáticos para a
Diversidade: Práticas de Memória e Patrimônio numa Perspectiva
Interdisciplinar
RME – Rede Municipal de Educação (Niterói)
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
SME – Secretaria Municipal de Educação (Niterói)
SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura

12
LISTA DE QUADROS

01. Quadro Esquemático do Patrimônio Cultural ............................................. 40


02. Quadro Esquemático: As Cartas Patrimoniais, a Educação Patrimonial e o
Brasil ........................................................................................................................ 91

13
LISTA DE GRÁFICOS

01. Sobre o conhecimento do que é Patrimônio Cultural ................................ 120


02. Formação dos Docentes ................................................................................ 145
03. Tempo de atuação no magistério ................................................................. 145
04. Conhecimento do PPP e OC ......................................................................... 146
05. Participação/Elaboração de projetos na escola ......................................... 146
06. Satisfação com a profissão ............................................................................ 147
07. Abordagem de temas relativos ao Patrimônio Cultural ............................. 147
08. Inserção de temas ligados à comunidade nas aulas ................................ 148
09. Abordagem de temas ligados à Identidade e à Memória ......................... 148
10. Trabalho com Educação Patrimonial ........................................................... 149
11. Há projetos de Educação Patrimonial na escola ....................................... 149
12. Atuaria em projetos de Educação Patrimonial ........................................... 150

14
LISTA DE ANEXOS

01. Apresentação do projeto de pesquisa entregue à Fundação


Municipal de Niterói .................................................................................. 133
02. Carta de apresentação do projeto de pesquisa entregue aos
professores da rede municipal ................................................................. 140
03. Questionário inicial .............................................................................. 142
04. Itens que nortearam o roteiro de entrevista semiestruturada ...... 144

15
SUMÁRIO

1. Introdução ...................................................................................................................... 16

2. Uma Questão de Cultura: Entendendo o que é o Trabalho com o Patrimônio


Cultural .......................................................................................................................... 22
2.1. Em busca do Reconhecimento: O Homem e suas Escolhas .................. 23
2.2. O que compõe o Patrimônio Cultural? ........................................................ 30
2.3. Antecedentes da Preservação do Patrimônio Cultural no Brasil ............ 41
2.4. Identidades: As Marcas de uma Sociedade ............................................... 53
2.5. Memória: Relações entre o Passado e o Presente .................................... 58
2.6. Pluralidade Cultural: A Diversidade em Foco ............................................. 65

3. Conhecer para Preservar: A Educação Patrimonial como Alternativa


Fundamental de Preservação ................................................................................... 70
3.1. A Trajetória da Educação Patrimonial nas Cartas Patrimoniais e suas
Relações com as Constituições Federais e os Planos de Salvaguarda
no Brasil .............................................................................................................. 76
3.2. Escola é Lugar de Patrimônio? .................................................................... 91
3.3. A Escola como Espaço de Discussão de Educação Patrimonial:
Meios de Valorização Local ............................................................................. 99

4. Educação Patrimonial e Escola: Análises da Realidade de Niterói .................... 109


4.1. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Orientações Curriculares
para a Rede Municipal de Educação de Niterói e o Trabalho Docente... 114
4.2. Educação Patrimonial nas Escolas: Presença Constante, mas
Despercebida ................................................................................................... 119

5. Considerações Finais ................................................................................................. 126

Anexos ............................................................................................................................. 133

16
Referências Bibliográficas .............................................................................................. 146

17
1. Introdução

Desde meados da década de 1990, no Brasil, quando entrou em vigor


a Lei nº. 9394/1996, conhecida como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira (LDBEN), o debate sobre a qualidade escolar ganhou mais força.
Nesse sentido, em uma tentativa de se criar “um referencial de qualidade para
a educação no Ensino Fundamental em todo o país” (BRASIL, 1997 a, p.13),
foram montados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que se colocam
como sugestões norteadoras para os trabalhos a serem desenvolvidos nas
escolas.
Como para todas as outras disciplinas, os PCN de História apresentam
uma perspectiva flexível de currículo, assinalando que os conteúdos escolhidos
para esta disciplina “não devem ser considerados fixos. As escolas e
professores devem recriá-los e adaptá-los à sua realidade local e regional”
(BRASIL, 1997 b, p.45). Dando base a esta flexibilidade e apontando para uma
concepção de conhecimento interdisciplinar, os PCN apresentam os temas
transversais1 como elementos importantes de sua proposição curricular.
Segundo os PCN, em sua apresentação, os temas transversais trazem

necessariamente uma prática educacional voltada para a


compreensão da realidade social e dos direitos e
responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental.
Nessa perspectiva é que foram incorporadas como Temas
Transversais as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do
Meio Ambiente, da Saúde e da Orientação Sexual (BRASIL, 1997
a, p. 15).

Mesmo que os conceitos de diversidade, Patrimônio Cultural,


identidade e memória que desejamos trabalhar não apareçam explicitamente
como temas transversais, podem neles ser trabalhados. Estes são conceitos
absolutamente pertinentes ao tema da pluralidade cultural e meio ambiente, já
que ao lidar com as questões sociais que constituem uma representação ampla

1
Os temas trans vers ais não compreendem grupos de novas disciplinas, mas novos objetivos
de abordagem dos temas dentro do conteúdo que é previsto para cada disciplina já existente.
Segundo os PCN foi a forma de organizar o trabalho didático que recebeu o nome de
trans versalidade, e esses temas correspondem a “questões important es, urgentes e present es
sob várias formas na vida cotidiana”. (BRASIL, 1997 a, p. 15)

18
e plural dos campos de conhecimento e de cultura, somos convidados a
participar mais ativamente das realidades locais de nossos alunos, o que
levanta discussões sobre suas realidades, seus patrimônios, suas identidades.
Vale ressaltar aqui que quando nos colocamos a proposta de trabalhos
transdisciplinares, pretendemos

por em xeque a disjunção entre as disciplinas, valorizando


pesquisas capazes de atravessar os domínios separados. A ideia
não é reunir conteúdos, mas produzir efeitos de transversalidade
entre os diversos saberes (GONDAR, 2011, p.14).

Assim, cabe aos docentes, de acordo com os PCN, fazer escolhas


curriculares que correspondam à diversidade de realidades apresentadas por
seus alunos.
O professor, considerando a multiplicidade de conhecimentos em
jogo nas diferentes situações, pode tomar decisões a respeito de
suas intervenções e da maneira como tratará os temas, de forma
a propiciar aos alunos uma abordagem mais significativa e
contextualizada. (BRASIL, 1997a, p. 63).

Esses temas são colocados como desafios aos professores que a todo
tempo são chamados a lidar com eles. Compreendemos, como Piletti (2004),
que o currículo escolar abrange todas as experiências escolares e nesse caso,
ele é todo permeado por elementos que vão muito além dos livros didáticos e
das aulas expositivas marcadas pelos conteúdos fixos. Sua dinâmica, para ser
mais enriquecedora, depende tanto da formação do professor, quanto do meio
pelo qual ele desenvolve o seu trabalho, neste incluídos os projetos que
envolvem a comunidade escolar, extrapolando as quatro paredes que
compõem a sala de aula e trabalhando com as experiências trazidas pelos
alunos.
Já que aceitamos a escola como detentora de grande parte do papel
como formadora dos cidadãos, ela deve estar em consonância com as
demandas da sociedade. Para tal, é necessário que trate de questões que
sejam pertinentes à vida dos alunos, que sejam relativas às suas experiências,
envolvendo-os com as temáticas sociais e incorporando-as em seus currículos
(BRASIL, 1997 a, p.64).

19
É seguindo as diretrizes de discussões metodológicas e práticas
propostas pelos PCN para serem levadas até a sala de aula de modo mais
dinâmico e voltado às questões relacionadas com o aluno, com a comunidade
e suas práticas de memória e seu Patrimônio Cultural, que nos colocamos a
questionar como determinados conceitos são trabalhados dentro do cotidiano
escolar.
Reconhecemos os indivíduos como seres imersos em um meio cultural,
já que, como aponta Saviani,

o homem, pelo fato de se apresentar como um corpo, e por isso


existindo num meio que se define pelas coordenadas de espaço e
tempo, está condicionado ao meio e determinado por ele em todas
as suas manifestações. Seu caráter de dependência verifica-se
primeiro em relação à natureza, isto é, a tudo aquilo que existe
independentemente de sua ação, e também ao meio cultural que
se lhe impõe inevitavelmente (SAVIANI, 1983, p.44).

O meio social em que o homem se insere interfere de forma


significativa na vida e nas ações humanas, sendo assim "uma ilusão pensar
que educamos nossos filhos como queremos. Somos forçados a seguir regras
estabelecidas no meio social em que vivemos" (DURKHEIM, 1955, p.47),
mesmo tendo consciência de que cabe a nós a transformação desse meio.
O homem é um agente criador e criativo que deve usar o seu potencial
para alterar o seu espaço de vivência. Esse despertar se dá pelo viés de uma
formação crítica que depende, em parte, das ações mediadoras dos
professores. Ao entendermos que o professor assume essa função de
formador de cidadãos, percebemos o quão importante é conhecer as
percepções que eles apresentam de determinados temas, já que essas terão
influências diretas no modo como ele os trabalha. Por isto, levantamos o
debate acerca de conceitos como Patrimônio Cultural, Diversidade, Memória,
Identidade e Educação Patrimonial, nos discursos e práticas dos professores.
Buscamos perceber como esses conceitos são assimilados e
trabalhados no dia a dia das escolas pelos professores, a fim de compreender
como eles podem contribuir para a melhoria da qualidade do ensino e da
inserção dos jovens no contexto sociocultural, como cidadãos críticos e
conhecedores da realidade na qual estão inseridos.

20
Entendemos que quanto mais claros são esses termos para os
professores mais eles terão condições de desenvolver trabalhos que os
envolvam e os coloquem próximos de seus alunos, tal como o propugnado
pelos PCN e pelas Orientações Curriculares para a Educação da cidade de
Niterói, pois, como veremos adiante, nosso trabalho empírico de pesquisa foi
realizado na rede pública de ensino deste município.
Nosso questionamento estava pautado na vontade de compreender se
os professores trabalham cotidianamente com os conceitos já citados ou se
eles acreditam que só lidam com eles quando estão envolvidos em projetos
explícitos.
Nossa inquietação frente ao trato com as questões do Patrimônio foi
despertada a partir de leituras de experiências vividas com professores de
várias cidades da Zona da Mata Mineira 2, no qual o contato com os relatos das
práticas docentes nos levou a observar que todos, sem nenhuma exceção já
trabalhavam assuntos relativos à identidade, ao Patrimônio Cultural e à
diversidade com seus alunos, sem que tivessem necessariamente a
consciência de que o faziam. Embora a grande maioria se restringisse às aulas
expositivas em salas, alguns professores já lidavam até com projetos
extracurriculares que abordavam os temas.
No contexto mineiro, a necessidade daqueles professores em se
aperfeiçoar no tema devia-se, em certa medida, às novas ondas de valorização
do Patrimônio Cultural, que ganhou mais espaço nas mídias de comunicação e
mais incentivos governamentais. Devia-se também à consciência que tinham
de tratar-se de um campo no qual se delineia um espaço privilegiado para a
formulação de propostas de trabalho multidisciplinares, além de ser também
uma busca para seu próprio crescimento continuado na formação docente.

2
Esses docentes foram alunos do curso de Produção de Materiais Didáticos para a
Diversidade: Práticas de Memória e P atrimônio numa Perspectiva Int erdisciplinar (PMDD), em
nível de aperfeiçoamento, promovido pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
Nesse curso, os professores-alunos mostravam -se preocupados em se aperfeiçoar para melhor
tratar de temas como a identidade, a diversidade e, principalmente, o Patrimônio Cult ural com
os seus alunos. Destacamos que o curso PMDD é vinculado à Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SE CAD/ME C). É um curso de formaç ão continuada
de professores e profissionais da educação que tem como foco amenizar as dific uldades na
produção de materiais didáticos, envolvendo as temáticas relativas à diversidad e. Nosso
contato com o curso se deu at ravés da t utoria desenvolvida entre abril e dezembro de 2010, no
polo presencial de Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira.

21
Para aqueles professores, o Patrimônio Cultural deveria ser um tema
potencializado nas escolas, já que são propícios para o desenvolvimento de
pesquisas, promovem o conhecimento dos bens patrimoniais e auxiliam em
sua preservação e conservação. Reconheciam, nesta medida, sua importância
enquanto categoria fundamental para a educação e para o desenvolvimento
social de todos os envolvidos.
Ao observar a situação de cerca de quarenta cursistas mineiros,
suscitou-nos o desejo de compreender se tratava-se apenas de uma questão
regional, já que a maioria dos professores eram oriundos de cidades
potencialmente históricas, possuidoras de bens patrimoniais reconhecidos na
região, ou se o trabalho com os temas relacionados ao Patrimônio Cultural está
se tornando uma constante entre os docentes, independentemente da
localidade. Também estendemos nossos esforços no sentido de entender
como esses docentes estão se apropriando dos conceitos de identidade,
diversidade, memória, Patrimônio Cultural e Educação Patrimonial, como
desenvolvem esses temas no seu cotidiano escolar e como se comportam
diante do dilema de lidar com assuntos tão abrangentes, tendo em vista a
realidade intricada e a dinâmica que engendram os sistemas educacionais.
Foi baseado nessa observação que definimos nosso objeto de
pesquisa: o que buscamos aqui foi, sobretudo, observar e entender como os
professores estão se apropriando desses conceitos e como eles os trabalham
no cotidiano escolar.
Os documentos que foram usados para contextualização do nosso
cenário de pesquisa englobaram as Orientações Curriculares para a Rede
Municipal de Educação de Niterói: Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Educação de Jovens, Adultos e Idosos 3, que se baseia nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), nas matrizes da Prova Brasil e do Sistema

3
As Orientações Curriculares para a Rede Municipal de Educação de Niterói: Educação
Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens, Adultos e Idosos, se apresentam como
uma construção coletiva que envolveu as coordenações e equipes da Fundação Municipal de
Educação (FME ), a S ecretaria Municipal de Educação (SME) e representantes dos
professores, pedagogos e outros at ores das escolas municipais de Niterói. Foi apresentado em
janeiro de 2010 como norteador dos trabalhos escolares para os doc entes da rede.

22
Nacional de Avaliação da Educação Básica4 (SAEB), já que são os norteadores
dos trabalhos docentes da cidade de Niterói.
Observando a realidade das escolas de Niterói, nossos olhares se
estreitaram para as diversas práticas docentes, mas especialmente as que
tangem o ensino de História. Segundo Circe Bittencourt (1997), que discursa
sobre as novas propostas curriculares, a prática do ensino dessa disciplina tem
características um pouco mais reflexivas e podem servir de ponto de partida.
Concordando com esta autora, temos ainda Berutti e Marques afirmando que
uma das finalidades mais significativas do ensino e aprendizagem da História
é:

A ampliação do horizonte de referência temporal dos alunos, de


suas capacidades de explicação histórica e de suas atitudes de
respeito e compreensão à diversidade cultural das sociedades e
da sociedade brasileira em particular.
Esses são aspectos fundamentais para a formação da cidadania e
da identidade social dos alunos. Para atingir esses objetivos, é
necessário que os alunos sejam colocados diante de situações
que exijam o desenvolvimento de várias habilidades e atitudes
(BERUTTI; MARQUES, 2009, p.149).

Optamos pela observação mais próxima do ensino de história porque,


a partir da década de 1980, segundo Bittencourt (1997), nossos currículos, que
seguem o padrão francês de organização, sofreram alterações e passaram a
ser pautados no atendimento às camadas populares e voltados para uma
democratização da escola e da cultura. Foi nesse momento que as questões
relativas ao Patrimônio Cultural começaram a ser mais discutidas e inseridas
na ordem do dia dos currículos escolares, seguindo, inclusive as
determinações dos documentos patrimoniais que tratam do assunto desde
1931.
Traçamos um fio condutor nas discussões com breves
contextualizações históricas e conceituais e partimos para a apresentação da
pesquisa de campo, na qual buscamos ouvir os professores e captamos as
suas experiências e demandas, colocando-os no centro da discussão de como

4
O Sistema Nacional de A valiaç ão da Educação Básica foi implantado em 1990 e é
coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP –, conta com
o apoio e participação das secretarias estaduais e municipais de educação de todo o país. Os
levantamentos de dados são realizados a cada dois anos e envolvem alunos do 5º e 9º anos
do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio e abrange todas as disciplinas.

23
as escolas de Niterói trabalham com o Patrimônio Cultural e temas
estreitamente ligados a ele.

24
2. Uma Questão de Cultura: Entendendo o que é o
Trabalho com o Patrimônio Cultural

Para falarmos de Patrimônio Cultural é necessário que façamos um


recuo no tempo para entender como ele foi concebido e como se tornou, nos
dias atuais, um tema constante nas discussões acadêmicas, em congressos e
seminários e nas políticas públicas nacionais.
Discutir a abordagem do Patrimônio Cultural nas salas de aulas é uma
tarefa que se apresenta diretamente ligada à de aclarar os conceitos que lhe
são próximos. A preocupação com o Patrimônio Cultural surge na Europa e
chega ao Brasil em meados do século XVIII. Nosso ponto de partida é salientar
o que entendemos como Patrimônio Cultural, como ele é concebido pela
sociedade e as relações de poder e fascínio que ele pode estabelecer com os
indivíduos ao ponto de ser entendido como elemento crucial na formação e
manutenção dos ideais dos Estados Nacionais, estando aí implicadas as suas
ligações com as identidades e memórias individuais e coletivas, perpassando
também pela discussão da diversidade e pluralidade cultural.
Apresentamos, a seguir, um histórico da constituição do Patrimônio
Cultural, sua difusão no Brasil e traçamos as suas relações estreitas com a
identidade, a diversidade e a memória e como, através da educação
patrimonial, podemos desenvolver ações de conhecimento, sensibilização e
preservação dos bens patrimoniais.

25
2.1. Em Busca do Reconhecimento: O Homem e suas
Escolhas

As discussões travadas no campo do entendimento do Patrimônio


Cultural ganharam maior visibilidade e amplitude nos últimos anos. O debate se
desenvolve em vários campos passando das legislações de proteção e
promoção dos bens patrimoniais até o âmbito acadêmico. Surge em
discussões políticas sobre as relações de força que permeiam as suas
escolhas e suscita questionamentos no seio das comunidades que começam a
despertar para a importância de protegê-los pela via da patrimonialização5.
Trabalhar com o Patrimônio Cultural é, antes de mais nada, lidar com
conceitos que o qualificam e dão corpo à sua existência. Entre esses conceitos
chaves destacamos, primeiramente, a cultura.
Inicialmente podemos destacar dois significados para a palavra, de
acordo com o que nos apresenta Chauí (2010): primeiro, com origem no latim,
do verbo colere, faz alusão às ideias de cultivar, cuidar, tomar conta, logo o
cuidado que o homem tem com a natureza, com a agricultura, do cuidado dos
homens com os deuses, remetendo ao culto, ao cultivo ou educação do
espírito. “A cultura era a intervenção deliberada e voluntária dos homens sobre

5
A ideia da patrimonialização está vinculada aos processos de ativação do Pat rimônio Cultural,
muito desenvolvido no pós II Guerra Mundial, quando se apresentava um desejo
conservacionista com relação aos bens pat rimoniais. Após a segunda metade do século XX,
através da patrimonialização passou -se a atribuir novos valores, significados, sentidos e usos a
objetos, modos de vidas, saberes, fazeres e conhecimentos sociais qu e buscavam dar uma
legitimidade patrimonial mais seletiva, porém como t entativas de se fazerem mais abrangent es
com a diversidade cultural, tema recorrente nas instituições int ernacionais que discutiam as
questões do Patrimônio Cultural. Os especialistas c ertificam o valor dos elementos culturais
dignos de serem patrimonializados e reconhecem como bem de tutela pública o que antes não
estava reconhecido como tal. Alois Riegl (1987) escrevia em 1902 que os valores geralmente
atribuídos ao patrimônio cultural são os seguintes: 1. O valor histórico radicaria na
rememoração que esse elemento faz de uma época, no estímulo da nossa memória sobre o
passado, um tempo distinto da nossa vida quotidiana, um país estrangeiro. A aparente
permanência da sua forma original, tal e como nasceu é uma leitura comumente reconstruída
com o pensamento, a palavra ou a imagem. 2. O valor estético ou art ístico tem também uma
outra pret ensão de valor objetivo; mas na procura de uma definição do “bonito”, muitas vez es
esta categoria está unida ao “útil”, à rent abilidade política e socioeconômica. 3. O valor de
antiguidade é, pelo contrário, uma pretensão de valor subjetivo, que salient a o prazer, o sabor
do antigo e da vivência. É este um valor do velho, do mais idoso. Por não necessita r de
especiais conhecimentos históricos, é este um valor mais democrático para o qual não
precisamos do conhecimento de especialistas. 4. O valor de atualidade ou contemporaneidade
salienta a utilidade dos elementos do Patrimônio Cultural, para servir as necessidades do
presente. Sabemos que esses elementos são insuficientes para se definir o que deve ou não
ser patrimonializado, mas eles são constantes em todas as discussões para se definir o objeto.

26
a natureza de alguém para torná -la conforme aos valores de sua sociedade”
(CHAUÍ, 2010, p. 105), tangia a moral, a ética e a política, chegando a tornar-
se sinônimo de civilização.
Considera-se que “culta era a pessoa moralmente virtuosa,
politicamente consciente e participante, intelectualmente desenvolvida pelo
conhecimento das ciências” (CHAUÍ, 2010, p. 106), ideia que cresceu a partir
do século XVIII e se estendeu até meados do século XX, como veremos
adiante.
O segundo significado é formulado ao longo do século XVIII e assinala
a separação da ideia de cultura e a de natureza, apresentando como
significado de cultura

as obras humanas que se exprimem em uma civilização, a relação


que os humanos estabelecem com o tempo e com o espaço, com
os outros humanos e com a natureza, relações que se
transformam e variam em condições temporais e sociais
determinadas, tornando-se sinônimo de história. (CHAUÍ, 2010, p.
107.)

Segundo Jâmblico, filósofo sofista, “os homens estavam, por natureza,


desprovidos de meios para viver isoladamente e foi a necessidade que os
obrigou a juntarem-se uns aos outros, a inventar a vida social em conjunto”. O
que notamos é que uma vez estruturado em sociedade, segundo Geertz
(1978), o homem teve a necessidade de criar meios que o identificasse como
membro de um grupo. Características próprias se manifestam no exercício de
suas atividades cotidianas, em suas vestimentas, sua arquitetura, rituais
religiosos, o que pode, de maneira mais simples, designar-se como cultura.
Faz-se importante que esses elementos construídos ao longo da
trajetória das sociedades sejam repassados para seus membros de modo a
perpetuar a cultura do grupo que, para Ward Goodenough, “consiste no que
quer que seja que alguém tem que saber ou acreditar a fim de agir de uma
forma aceita pelos seus membros” (GOODENOUGH apud GEERTZ, 1978,
p.08).
A cultura, então, passa por um processo relacionado com a
comunicação e a relação dos homens com os seus pares. Concordamos que
todos os povos são produtores de cultura (LARAIA, 1988; BATALLA, 1992;

27
BOURDIEU, 2008) e que, como nos aponta Laraia “o desenvolvimento do
conceito é de extrema utilidade para a compreensão do paradoxo da enorme
diversidade cultural da espécie humana” (LARAIA, 1988, p.07), logo dos bens
produzidos por eles e que compõem as suas identidades, muitas vezes
transformados em Patrimônios Culturais.
Admitimos que o homem quando produz a sua cultura, busca também
representá-la e o Patrimônio Cultural encaixa-se como essa representação
cultural, como uma referência, um marco.
Atentando para a nossa sociedade e os estudos relacionados à cultura,
percebemos que

Esta palabra se emplea frecuentemente en el lenguaje común


para designar a un conjunto más o menos limitado de
conocimentos, habilidades y formas de sensibilidad que les
permiten a ciertos individuos apreciar, entender y/o producir uma
clase particular de bienes, que se agrupan principalmente en las
llamadas bellas artes y en algunas otras actividades intelectuales 6
(BATALLA, 1992, p.117).

Diante dessa concepção de cultura, fomos levados a compreender o


Patrimônio Cultural como privilégio de alguns grupos sociais bem definidos,
caindo nas classificações que predominaram ao longo de anos, nas quais
tínhamos presentes os binômios de alta/baixa cultura, cultura legítima/ilegítima,
dando um caráter elitista não só ao domínio da produção cultural, mas no que
tange, também, o seu entendimento, já que

o desenvolvimento moderno tentou distribuir os objetos e os


signos em lugares específicos: as mercadorias de uso atual nas
lojas, os objetos do passado em museus de história, os que
pretendem valer por seu sentido estético em museus de arte. Ao
mesmo tempo, as mensagens emitidas pelas mercadorias, pelas
obras históricas e artísticas, e que indicam como usá-las, circulam
pelas escolas e pelos meios massivos de comunicação
(CANCLINI, 2011, p. 300-301).

6
“Esta palavra é usada frequentement e na linguagem comum para se referir a um
conhecimento mais ou menos limitado, habilidades e formas de sensibilidade que permitem a
certos indivíduos apreciar, compreender e / ou produzir um det erminado tipo de bens, que são
principalmente agrupados nas chamadas belas -artes e em algumas out ras atividades
intelectuais”. (Tradução livre da autora)

28
Dessa maneira é importante ressaltar que toda elaboração de
representações simbólicas das relações humanas com o meio em que vivemos
são criadas para que haja a produção do conhecimento, técnicas e sistemas
que, além de transformar a natureza de modo a contribuir para a nossa
vivência, está vinculada a uma necessidade de comunicação, usada para a
transmissão dos elementos escolhidos para promover a identificação dos
membros do grupo.
O que distinguiria os grupos sociais seria não só a sua capacidade de
produzir os códigos de cultura ou da “produção da crença” 7 que nos apresenta
Bourdieu (2008), mas também as capacidades de inteligibilidade desenvolvidas
pelos indivíduos, que seriam classificados como cultos (produtores) ou incultos
(receptores), de acordo com as suas capacidades de recepção das
informações contidas nos signos e representações simbólicas contidas na
sociedade.
Baseados nessa necessidade de se transmitir o que foi selecionado
como cultura a ser mantida pelo grupo como traço de sua identificação, de se
promover essa comunicação entre os grupos cultos e incultos, a dinâmica das
sociedades se organiza de modo dialético, fazendo com que haja uma

classificação rigorosa das coisas, e das linguagens que falam


delas, que sustém a organização sistemática dos espaços sociais
em que devem ser consumidos. Essa ordem estrutura a vida e
prescreve comportamentos e modos de percepção adequados a
cada situação. Ser culto em uma cidade moderna consiste em
saber distinguir entre o que se compra para usar, o que se
rememora e o que se goza simbolicamente. Requer viver o
sistema social de forma compartimentada (CANCLINI, 2011,
p.301).

O que permeia essa construção tanto dos lugares que serão


considerados de memória (NORA, 1993) quanto dos moldes comportamentais
que devem ser adotados? São as escolhas feitas ao longo dos processos
históricos, como já nos apontava Bourdieu (2008) e Geertz (1978), este ainda
contribui com a ideia de que a cultura é uma questão de escolha, tendo em

7
No texto “A P rodução da Crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos”,
publicado em 1977, Pierre Bourdieu apresenta elementos para se compreender o processo de
criação, circulação e cons agração dos bens culturais, desmistificando o caráter sagrado da
cultura e c olocando-a como resultado de um processo social entre os agentes dos campos
específicos envolvidos tanto em sua criaç ão quant o em sua circulação e promoção.

29
vista que admite uma série de definições, apontando as de Kluckhohn, que
define a cultura como:

(1) “o modo de vida global de um povo”; (2) “o legado social que o


indivíduo adquire do seu grupo”; (3) “uma forma de pensar, sentir
e acreditar”; (4) “uma abstração do comportamento”; (5) “uma
teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma pela qual um
grupo de pessoas se comporta realmente; (6) “um celeiro de
aprendizagem em comum”; (7) “um conjunto de orientações
padronizadas para os problemas recorrentes”; (8) “comportamento
aprendido”; (9) “um mecanismo para a regulamentação normativa
do comportamento”; (10) “um conjunto de técnicas para se ajustar
tanto ao ambiente externo como em relação aos outros homens”;
(11) “um precipitado da história”. (GEERTZ, 1978, p. 13-14)

Pela ótica sinalizada por Geertz, podemos admitir que a cultura não
pode ser apenas interpretada como essa relação de poder entre grupos tidos
como cultos e incultos, já que aceita tantas definições. Em contrapartida a essa
distinção mais fechada, surgem os olhares antropológicos de cultura, como o
apresentado pelo autor e corroborado por Batalla, no qual destacamos a noção
que a coloca a cultura como

el conjunto de símbolos, valores, actitudes, habilidades,


conocimentos, significados, formas de comunicación y de
organización sociales, y benes materiales, que hacen posibile la
vida de una sociedad determinada y le permitem transformarse y
reproducirse como tal, de una geración a las seguientes
(BATALLA, 1992, p.118) 8.

Ora, entendemos à luz de Batalla (1992, 2006, 2010) que a cultura não
é senão uma experiência histórica acumulada que se forja no cotidiano, na
solução dos grandes e pequenos problemas com que a sociedade se enfrenta.
A cultura consta de práticas já experimentadas e de um sistema de
conhecimentos, ideias, símbolos e emoções que lhe dá coerência e significado.
Esse olhar faz com que a existência da pluralidade ou da diversidade de
culturas seja um terreno fértil de recursos para a sociedade.

8
“O conjunto de símbolos, valores, atitudes, habilidades, conhecimentos, significados, formas
de comunicação e de organização social, e bens materiais que tornam possível a vida de uma
determinada sociedade e a permit e transformar-se e reproduzir-se como tal, de uma geração
para as próximas.” (Traduç ão livre da autora)

30
O que percebemos é que não podemos falar de cultura como um
conceito fechado, mas em constante mutação, capaz de englobar em seu seio
uma variedade de concepções.
Frente a essa complexidade, selecionamos, para nortear nossos
trabalhos, a ideia de cultura apresentada por Chauí, que contempla e completa
os olhares já apresentados por Geertz e Batalla, assinalando que a cultura é
um elemento da história do homem, relacionada com suas práticas e vivências,
“com a afirmação de que os humanos são capazes de criar uma ordem de
existência, uma ordem simbólica” (CHAUÍ, 2010, p.112) e também com sua
memória e sua história, marcando cada grupo de uma maneira diferente. Esta
definição nos leva a afirmar que temos diante de nós múltiplas culturas, cada
uma referente a um grupo criador e criativo, produtor e receptor.
Admitindo que a cultura é essa criação que o homem faz para se
organizar no tempo e no espaço, os seus Patrimônios Culturais podem ser
considerados como marcos de orientação através de espaços, pessoas,
objetos, ideias, imagens, que pela escolha e ação do homem são permeadas
de sentimentos, de significados, de afetividade e emotividade que lhe conferem
o poder de estabelecer relações de pertencimento, já que

toda sociedad va acumulando un acervo de elementos culturales


(bienes materiales, ideas, experiencias, etc.) que ha hecho suyos
a la largo de su historia (porque los crió o porque los adoptó),
algunos de los cuales mantienen plena vigencia como recursos
para practicar o reproducir su vida social, en tanto que otros han
perdido su vigencia original y han pasado a formar parte de su
historia, o se han perdido u olvidado para siempre9 (BATALLA,
1992, p.118).

Esses traços que são criados pelo próprio homem no movimento de


atribuição de valores ao que selecionam como sua cultura a ser perpetuada
são diretamente ligados à produção de seus Patrimônios Culturais. Esses são
fixados nas gerações através das simbologias desenvolvidas e transmitidas
não só pelo que é visível (os monumentos, patrimônios físicos, palpáveis,

9
“Toda sociedade acumula uma riqueza de elementos culturais (bens mat eriais, ideias,
experiências, etc.), que são feitos seus ao longo de sua história (porque o criou ou porque o
adotou), alguns dos quais permanecerão em pleno vigor como rec ursos para praticar ou
reproduzir a sua vida social, enquant o outros perderam esse vigor original e tornaram -se parte
de sua história, ou perdida ou esquecida para sempre.” (Tradução livre da autora)

31
tangíveis), mas também pelo viés da memória e das práticas, dos costumes,
das tradições, dos patrimônios imateriais e intangíveis.
Através desses autores, podemos concluir, então, que trabalhar com o
Patrimônio Cultural é, sobretudo, trabalhar com as escolhas feitas de acordo
com a cultura de cada grupo, com os elementos por eles valorizados,
atribuídos de valores, de sentimento, de afinidades, é trabalhar com os jogos
de poder envolvidos nesse processo de escolha, o que nos sugere levantar
outros conceitos que estão intimamente relacionados a essas questões.
Lidar com o Patrimônio Cultural e a cultura é perceber que o homem
está o tempo todo em busca de um reconhecimento, tentando se afirmar
através de suas escolhas e perpetuando-as ao longo de sua história como
membro de um grupo, exaltando as suas identidades, que por serem múltiplas
acabam por direcionar os nossos olhares para a pluralidade, para a diversidade
e, já que estamos falando de escolhas que devem ser lembradas, é
fundamental que entendamos o debate sobre as memórias e também pelos
esquecimentos, já que, na História, o silêncio nos fala.

32
2.2. O que Compõe o Patrimônio Cultural?

Após entendermos que o trabalho com Patrimônio Cultural é lidar


diretamente com a cultura, precisamos fazer uma breve apresentação do
patrimônio como categoria de pensamento como sugere Gonçalves (2003),
admitindo que o ato de colecionar exercido pelos grupos sociais já introduziria
a formação de patrimônio, confundindo-o com a noção de propriedade
(GONÇALVES, 2003, p.23).
Para esse autor, ao lidarmos com o patrimônio estamos diante de

uma categoria de pensamento extremamente importante para a


vida social e mental de qualquer coletividade humana, já que todo
e qualquer grupo humano exerce algum tipo de atividade de
colecionamento de objetos materiais, cujo efeito é demarcar um
domínio subjetivo em oposição a um determinado “outro”
(GONÇALVES, 2003, p.22).

Ao relacionarmos o Patrimônio Cultural com a cultura, acabamos por


compreender que ele se relaciona diretamente com a memória e a identidade
dos grupos sociais, mas é preciso buscar a sua gênese conceitual tanto no que
tange as preocupações com a sua produção e manutenção quanto como objeto
de estudos das ciências humanas, apontando quando ele começa a ter mais
importância para a sociedade.
O termo “patrimônio”, com origem no latim, em sua acepção original,
referia-se ao “bem de herança que, seguindo as leis, descende dos pais e
mães para seus filhos” (CHOAY, 2006; 2011; PELEGRINI, FUNARI, 2006,
p.10), ou seja,

estava, na origem, ligado às estruturas familiares, econômicas e


jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no espaço e no
tempo. Requalificada por diversos adjetivos que fizeram dela um
conceito “nômade”, ela segue hoje uma trajetória diferente e
retumbante (CHOAY, 2006, p.11)

33
Dessa forma, ainda hoje usamos o termo para essa mesma
designação, de herança transmitida, mas já incorporamos novos usos a ele,
bem como o caracterizamos com adjetivos que alteram o seu significado literal
em cada caso:

cada vez mais empregada em seu campo semântico, a


expressão, às vezes reduzida ao simples substantivo “patrimônio”,
tende a substituir e a eliminar o uso, consagrado desde o século
XIX, das formas lexicais “monumento” e “monumento histórico”.
(CHOAY, 2011, p.11)

Compreendemos, então que o conceito de patrimônio, por ser da


ordem do valor, não existe sozinho. Ele precisa estar atrelado, relacionado com
alguma coisa para que faça um sentido pleno, podendo compreender o
conjunto de bens materiais e/ou imateriais que contam a história de um povo e
a sua relação com o meio em que vivem.
A noção de Patrimônio Histórico e, mais tarde, Patrimônio Cultural,
como objeto de preservação é recente, despontando-se no século XX. Como
vimos, a própria definição do que compõe esse Patrimônio Cultural se amplia,
deixando de ser representado apenas pelas edificações, monumentos e
prédios e englobando o que determinamos como patrimônio imaterial, como
festas, práticas, modos de criar e viver.
Antes da ideia de Patrimônio Histórico ser recorrente, usávamos o
critério de monumento e monumento histórico para selecionar edificações que
mereciam cuidados e admiração e, portanto, serem transformadas em
referenciais culturais.
O termo monumento, do latim monumentum, deriva de monere,
advertir, lembrar, aquilo que traz à lembrança alguma coisa. Como coloca
Choay, “a natureza afetiva do seu propósito é essencial: não se trata de
apresentar, mas de tocar, pela emoção, uma memória viva” (CHOAY, 2006,
p.18).
Nessa perspectiva, o monumento tem seu fim diretamente relacionado
com a identidade de uma comunidade, já que rememora os fatos que ela
mesma elencou como primordiais para sua perpetuação. A função do
monumento era a de servir como um memorial. Essa função só foi rompida
com a valorização do conceito de arte, na sociedade ocidental, durante o
34
Renascimento Cultural e com o aperfeiçoamento e difusão das memórias
artificiais (CHOAY, 2006, p. 20).

O monumento simbólico erigido, ex nihilo, para fins de


rememoração, está praticamente fora de uso em nossas
sociedades desenvolvidas. À medida que estas dispunham de
técnicas mnemônicas mais eficientes, aos poucos deixaram de
edificar monumentos e transferiram o entusiasmo que eles
despertavam para os monumentos históricos (CHOAY, 2006,
p.25).

O monumento histórico, então, sucede a ideia inicial de monumento, e


Choay nos afirma que ele é uma criação do ocidente, especialmente na
Revolução Francesa, quando os revolucionários se esforçam para a
manutenção da ideia de nação. No século XIX, as diferenças entre eles ficam
mais claras admitido o seguinte:

O monumento é uma criação deliberada (gewollte) cuja


destinação foi pensada a priori, de forma imediata, enquanto o
monumento histórico não é, desde o princípio, desejado
(ungewollte) e criado como tal; ele é constituído a posteriori pelos
olhares convergentes do historiador e do amante da arte, que o
selecionam (CHOAY, 2006, p. 25).

Como diferença entre o monumento e o monumento histórico,


podemos ainda salientar que este relaciona -se diretamente com a memória
viva, com o meio de como ela se constrói e se molda ao tempo e às
necessidades de cada grupo, já que são estabelecidos ao longo de sua
existência e da importância que adquirem para a sociedade, enquanto aquele
tem por objetivo inicial já se colocar como marco de rememorar, criado
especificamente para isso.
O uso do termo “patrimônio” se deu, então, com frequência na
Revolução Francesa, mas foi abandonado, só voltando a ganhar força em
meados da década de 1960, sendo acompanhado do termo “histórico”.
O termo Patrimônio Cultural “foi lançado na França em 1959 por André
Malraux, no momento em que, feito ministro de Estado da Cultura, ele redige o
decreto que especifica a missão de seu ministério” (CHOAY, 2011, p.27),
sendo esse o momento da instituição política do reconhecimento da cultura
pelo Estado.

35
A partir desse marco, o uso do termo Patrimônio Cultural se expandiu
para a Europa e pelo mundo, até que em 1972 a UNESCO o consagra na
Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural.
O Patrimônio Cultural tem um sentido voltado para a coletividade, o
público, e o patrimônio, por si só tem um sentido restrito, familiar, voltado para
o lado privado e particular, estando de acordo com Choay (2006).
Ressaltamos que o Patrimônio Cultural tem características que o torna
permanente em contraposição com a cultura que é dialética, está em constante
transformação (BATALLA, 1992; CHOAY, 2006; PELEGRINI, FUNARI, 2006).
Enquanto a cultura se desenha como um campo que pode ser apenas
estudado, teorizado e conceituado, não podendo ser patrimonializada, Choay
(2006; 2011) nos mostra que o patrimônio está ligado a uma forma mais
concreta, sendo a representação da cultura, por meio de sua percepção física,
ou visível no caso de patrimônios imateriais ou intangíveis, ou seja, que podem
ser visualizados como demarcadores dessa cultura ao longo do tempo e no
espaço.
Dessa forma, usamos a expressão patrimônio para fazer referências a
bens destinados aos usos dos grupos sociais, que vão ampliando-se pela
acumulação de artefatos, saberes e conhecimentos que incorporam cada vez
mais a diversidade.
O trato do Patrimônio Cultural é também um ato de fortalecer a
identidade, já que implica em deixar legados que perpetuem os elementos
culturais que a fortaleça ao longo do tempo para que se torne uma marca
significativa para os indivíduos que compõem o grupo social. É importante que
ela seja reconhecida em determinados elementos possuidores de um “valor
que não é medido por sua materialidade e, sim, por sua força simbólica”
(CHAUÍ, 2010, p.117).
Podemos concluir, então, que a concepção que temos hoje de
Patrimônio Cultural começou a ser pensada na Europa, com a formação dos
Estados Nacionais modernos e destacou-se após 1789 (OLIVEIRA, 2008;
FONSECA, 1997; LEMOS, 2004; FUNARI, 2009) com a Revolução Francesa,
quando fortalecer a identidade dos indivíduos componentes da nação fez-se
necessário. A partir de então, as nações que se formaram, especialmente nas
repúblicas, precisavam de elementos que as legitimassem e criassem uma

36
aura de tradição em torno delas, surgindo a ideia de Patrimônio Cultural
semelhante à que usamos atualmente:

A República criava a igualdade, refletida na cidadania dos homens


adultos. E precisava criar os cidadãos, fornecer meios para que
compartilhassem valores e costumes, para que pudessem se
comunicar entre si, para que tivessem um solo e uma origem
supostamente comuns (FUNARI, 2009, p.15).

Nesse momento, surgiu o Patrimônio Histórico diretamente vinculado


ao conceito de identidade. Essa atribuição de valores aos objetos que faziam
referência à história nacional é o que Marilena Chauí, à luz de Pomian,
apresenta como sendo os semióforos de cultura, ou seja, “algo único (por isso
dotado de aura) e uma significação simbólica dotada de sentido para uma
coletividade” (CHAUÍ, 2010, p.117).
O patrimônio histórico agora era parte da história da nação, levando os
governos e a administração pública a encarregarem-se tanto da escolha quanto
da preservação dele. Segundo Chuva, a noção de tempo posta pela
modernidade colocava a necessidade de preservação do “nosso” patrimônio
para as gerações futuras, por isso:

O ‘patrimônio nacional’ pode, portanto, ser considerado uma


grande coleção de ‘semióforos monumentais’ [suportes materiais
de ideias com valor de troca adquirido], ainda que algumas
distinções devam ser feitas entre os objetos móveis, constituintes
de coleções de museus, que foram extraídos fisicamente de seu
uso diário para serem expostos, e os objetos arquitetônicos
imóveis, constituintes da maior parte da coleção formadora do
patrimônio histórico e artístico nacional, que permanecem
fisicamente em seus lugares de origem, mantendo, inclusive, em
muitos casos, o seu valor de uso (CHUVA, 2009, p. 65).

Como um grande veículo para disseminar essa ideia de pertencimento,


a escola foi a responsável pela introjeção, nos alunos, de uma língua única,
nacional, que aproximava e colocava todos os cidadãos que a frequentavam
em pé de igualdade. Uma série de valores e conceitos, posturas e tradições era
inculcada nos alunos a fim de que eles desenvolvessem um sentimento de
autorreconhecimento com sua nação. Como bem aponta Bourdieu e Passeron
(2010), essa ação pedagógica visava reproduzir o arbitrário cultural das classes

37
dominantes, impondo-se limites, regras, mas de maneira a fazer com que
essas ações parecessem uma relação que sempre existiu.
Esse processo está vinculado a práticas que, tal como o disposto por
Pierre Bourdieu, apresentam formas de Violência Simbólica, que revela-se na
imposição “legítima” e encoberta do arbitrário cultural do grupo ou classe
dominante, de maneira a fazer com que o oprimido não perceba a sua
condição, considerando a sua posição como uma situação natural, aceitável e
quase inevitável. Esse exercício da Violência Simbólica é comum a várias
instituições de nossa sociedade, como a escola, que a exerce e reproduz, tal
como é apontado por Bourdieu e Passeron (2010).
Najjar nos coloca que essa naturalização faz com que as relações de
poder presentes na definição do que é o Patrimônio Cultural não fiquem
explicitadas para todos, apoiando-se na mesma ideia de Bourdieu, assinalando
ainda que “ao se naturali zar a ideia de Patrimônio Cultural, o mesmo processo
de violência simbólica ocorre” (NAJJAR, 2010, p143).
Esse ato que “faz parecer natural” é o que Bourdieu chama de habitus,
ou seja, a impossibilidade de separar os indivíduos do local que eles ocupam,
num ambiente já definido por questões simbólicas (BOURDIEU, 2009;
ENCREVÉ, 2005) ou o que se relaciona com capacidade das estruturas sociais
serem incorporadas pelos agentes por meio de disposições para sentir, pensar
e agir, sem anular o agente na sua verdade de operador prático de construções
de objeto (BOURDIEU, 2009).
A amarração dos elementos simbólicos é tão bem feita que os
indivíduos não se reconhecem como agentes que sofrem uma imposição. Eles
aceitam a sua condição com certa naturalidade porque essas formas de ser já
foram incorporadas.
Inicialmente, o Patrimônio Histórico era entendido como sendo o
conjunto de bens que eram concebidos como herança do povo, da nação, e
incluía bens imóveis e móveis, que compunham os acervos museais, mas

na virada do século XX para o XXI, o patrimônio deve contribuir


para revelar a identidade de cada um, graças ao espelho que ele
oferece de si mesmo e ao contato que ele permite com o outro: o
outro de um passado perdido e como que tornado selvagem; lugar
de pessoa pública; lugar da história edificante, lugar da identidade
cultural (POULOT, 2009, p.14).

38
Como elemento que ajuda a formar essa identidade, temos clara a
ideia de que o patrimônio

funciona como um aparelho ideológico da memória: a


conservação sistemática dos vestígios, relíquias, testemunhos,
impressões, traços, servem de reservatório para alimentar as
ficções da história que se constrói a respeito do passado, sendo a
história do patrimônio, a história da construção do sentido de
identidade (CANDAU, 2011, p.158.

Para balizar e uniformizar os discursos em torno do Patrimônio Cultural


em nível internacional, as Cartas Patrimoniais são os documentos que se
referem aos modos de como os profissionais e as instituições ligadas ao
Patrimônio Cultural devem agir para sua conservação, preservação e
promoção. Não cabe a elas legislar sobre os patrimônios, uma vez que cada
nação tem os aparatos legais que lhes convém para a gestão de seus bens,
mas dar suportes filosóficos e reflexivos sobre os bens.
Dessa forma, para compreendermos o que vem a ser o trabalho com o
Patrimônio Cultural, baseamo-nos no que diz o Conselho Internacional de
Museus – ICOM – “entende-se por Patrimônio Cultural de uma nação, de uma
região ou de uma comunidade aquelas expressões materiais e espirituais que
as caracterizam” (Declaração de Caracas, 1992).
Ao mesmo tempo que trabalhar com Patrimônio Cultural é trabalhar
com cultura, concordamos com Najjar que aponta que “lidar com o Patrimônio
Cultural e, portanto, com a constituição de identidades é mover-se em um
território quente política e ideologicamente” (NAJJAR, 2010, p.147).
O Patrimônio Histórico, de acordo com Lemos (2004), então é o
conjunto de bens ligados ao passado de uma comunidade, compreendido,
geralmente, por elementos de sua arquitetura e objetos que façam referência
ao passado histórico do grupo.
Como Patrimônio Cultural, segundo Pelegrini (2007) e Funari (2009),
entendemos os bens materiais ou imateriais 10 que, através dos costumes,

10
Patrimônio Material é aquele cujos aspectos são mais concretos da vida humana, e que
fornecem informações sobre as pessoas. Cultura material é o mesmo que objet o ou artefato.
Patrimônio Imaterial é o conjunto de manifestações populares de um povo, transmitidos oral ou
gestualmente, recriados e modificados ao longo do tempo. Os locais dotados de expressivos
valores para a História, assim como as paisagens, também são represent ações do patrimônio
imaterial.

39
tradições, modos de saber fazer, lendas, cantos e festas apresentam a história
de um povo, englobando também os sítios arqueológicos.
Sobre o Patrimônio Ambiental, o IPHAN coloca que a inter-relação do
homem com seus pares e com o meio em que vive são importantes para a sua
constituição como ser e, portanto, coloca-se o meio natural no qual o homem
habita como um patrimônio que pode interferir diretamente em seu cotidiano.
Em toda nossa trajetória do desenvolvimento de política de
preservação, fomos diretamente influenciados pelo contexto internacional
através das Cartas Patrimoniais, inclusive para que houvesse uma ampliação
do conceito de patrimônio, pelas determinações da Conferência de Nara 11, em
1994.
Nessa carta reconheceram-se todos os grupos sociais como agentes
produtores de cultura, de história e de patrimônio, como fruto do processo de
globalização, uma vez que ter essas culturas reconhecidas é uma garantia de
uma inserção dessas comunidades no contexto nacional, e da nação no
contexto mundial, trazendo avanços políticos, econômicos e até sociais, com a
criação de possibilidades de trabalho, explorando as novas oportunidades que
surgem com o reconhecimento do patrimônio como oficial (Carta de Nara,
1994).
Ampliando-se essa visão, ampliou-se também o leque de bens a serem
entendidos como Patrimônio Cultural e no ano de 2000 com a lei nº
3551/200012, houve, oficialmente, a instituição de patrimônios culturais de
características imateriais ou intangíveis, relacionando -os diretamente à cultura,
possibilitando o registro 13 desses bens intangíveis.

11
A Conferência de Nara ocorreu em 06 de novembro de 1994, na cidade de Nara, Japão, e
trata da convenção do P atrimônio Mundial, levando em consideração a diversidade cultural e
de patrimônios, tocando em pont os como a identidade cultural, a memória coletiva e sobre a
intangibilidade e imaterialidade de alguns patrimônios. O Documento gerado na Conferência de
Nara pode ser acessado no endereç o:
http://portal.iphan.gov.br/portal/baix aFcdAnexo.do?id=264
12
O Decreto-lei nº 3551, de 04 de agosto de2000 está compilado no final deste t rabalho como
anexo para event uais consultas. Ele institui o Registro de B ens Culturais de Natureza Imaterial
que constituem Patrimônio Cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do P atrimônio Imaterial
e dá outras providências.
13
O registro é, antes de tudo, uma forma de reconhecimento e busca a valorização desses
bens, sendo visto mesmo como um instrumento legal. Registram-se saberes e celebrações,
rituais e formas de expressão e os espaços onde essas práticas se desenvolvem (IP HA N,
2006, p. 22).
Na visão do IPHA N, o registro: [...] corresponde à identificação e à produção de conhecimento
sobre o bem cultural. Isso significa doc umentar, pelos meios técnicos mais adequados,

40
O termo “intangíveis” nos possibilita encaixar quase todos os
elementos da vida humana como patrimônios culturais: os modos de fazer
artefatos, as festas, os contos populares, os mitos, expressões religiosas, as
paisagens, desde que tenham uma forte relação com a cultura da sociedade.
Ressaltamos que muitos desses bens poderiam se perder das tradições, da
memória, porque não deixaram vestígios materiais, não sendo considerados
importantes/relevantes (FONSECA, 2009, p. 61). Daí percebemos claramente a
necessidade que tínhamos em ampliar o conceito: preservar nossas próprias
memórias.
Foi com o Decreto-lei 3551/2000 que houve a inclusão das ações das
“sociedades folcloristas, os movimentos negros e de defesa dos direitos dos
indígenas, as reivindicações de grupos descendentes” (FONSECA, 2009, p.
61) no rol do que era considerado oficialmente pelo IPHAN como Patrimônio
Cultural, portanto como elementos pertinentes à identidade nacional.
De maneira geral, as políticas públicas que se direcionam para o
Patrimônio Cultural no Brasil e que são mediadas pelo IPHAN, relacionam-se
intimamente com a questão da identidade nacional dentro dos projetos políticos
de cada governo que se sucedem no poder (PELEGRINI, FUNARI, 2006, p.
47), mas ainda que essas influências políticas sejam fortes, a partir dos anos
2000, a experiência patrimonial no país tem sido realizada em sua maneira
mais ampla.
Nessa medida, a implementação das políticas de preservação
patrimonial tem se importado muito mais com as questões da comunidade que
detém o bem, num processo democrático e relacionado com a identidade do
grupo – o que a comunidade quer preservar, o que ela entende como elemento
que a compõe e representa.
Seguindo essas discussões é preciso que pensemos o “Patrimônio
Cultural” como sendo narrativas, segundo Foucault, como uma “formação
discursiva” que nos permite enxergar os seus valores simbólicos que atuam na
construção da identidade cultural (FONSECA, 2003, p. 65), como uma “prática
social”, “que implica um processo de interpretação da cultura, como produção

o Patrimônio Imaterial no Brasil: legislação e políticas estaduais passado e o presente da


manifestação e suas diferentes versões, tornando essas informações amplamente acessíveis
ao público – mediante a utilização dos recursos proporcionados pelas novas tecnologias de
informaç ão. (Iphan, 2006, p. 22).

41
simbólica, portadora de referências à identidade, à ação, à memória dos grupos
formadores” (FONSECA, 2009, p. 67).
Lidamos hoje com uma conceituação muito mais ampla de Patrimônio
Cultural, que foi uma conquista ao longo dos vários anos de discussão do tema
desde que a preocupação com ele se desenhou na antiguidade.
Conceber que para além do patrimônio edificado, a música, a língua, a
literatura, o artesanato e os ideais de luta de movimentos sociais pela
resistência de suas tradições e costumes são elementos constituintes da
cultura nacional e, por isso, são patrimônios é o que nos faz a cada dia
incorporar aos bens já institucionalizados um valor que o aproxime de nossas
identidades.
Do mesmo modo ao nos perceber como agentes produtores de cultura
atribuímos valores aos nossos feitos e nos reconhecemos nele, desejando
salvaguardá-los e mantê-los como um patrimônio, como salienta Canclini:

à medida que esses discursos alcançam eficácia social, ou seja,


que são partilhados e contribuem para formar a concepção
coletiva, se constituem num patrimônio. O Patrimônio Cultural – ou
seja, o que um conjunto social considera cultura própria, que
sustenta sua identidade e o diferencia de outros grupos – não
abarca apenas monumentos históricos, o desenho urbanístico e
outros bens físicos (CANCLINI, 2000, p.98-99).

A extensão do conceito de Patrimônio Cultural, antes vinculado apenas


aos bens das culturas hegemônicas, contribui para uma revalorização dos bens
culturais de grupos sociais antes deixados de lado. Engloba muito mais a
diversidade cultural e deixa mais forte o sentimento de identidade, exercitado,
especialmente no exercício da memória desses grupos.

42
Quadro Esquemático sobre o Patrimônio Cultural14
Paradigma Século XX Século XXI
Terminologia Patrimônio Histórico e Artístico Patrimônio Cultural
Objetos e Instrumentos de Bens materiais (imóveis) Bens materiais  Tombamento
Preservação Tombamento Bens imateriais  Registro
Objetivo Fortalecer as identidades nacionais Promover a diversidade cultural
Excepcionalidade Referencialidade
Vetor de Preservação Autenticidade Pertencimento
Monumentalidade (Valorização por parte das comunidades)
Poder Público Federal Poder Público Municipal
Esfera de Atuação Sociedade Civil
Setor Privado

14
Quadro esquemático idealizado pela autora como parte componente desta dissertação de mestrado.

43
2.3. Antecedentes da Preservação do Patrimônio
Cultural no Brasil

Desde meados do século XVIII, em 1742, há, no Brasil, manifestações


relativas à defesa dos monumentos históricos (RANGEL, 2010, p. 16). Nesse
ano, o Conde das Galveias, Dom André de Melo e Castro, então vice-rei do
Brasil, ao tomar conhecimento de que havia o interesse de se ceder o Palácio
das Duas Torres, obra do Conde Maurício de Nassau, para que fossem
abrigados soldados, redigiu uma carta ao governador de Pernambuco
solicitando a não cessão.
Nos séculos seguintes, vivemos à sombra das determinações dos
franceses que se tornaram os pioneiros nas questões relativas ao patrimônio.
No século XIX, o ministro e conselheiro, no Império, Luís Pedreira do Couto
emitiu ordens aos presidentes das províncias no sentido de orientá-los com
relação ao cuidado especial na restauração dos monumentos, de maneira a
preservarem as inscrições gravadas neles (RANGEL, 2010, p. 17).
Foi após a proclamação da República que a questão da preservação
ganhou mais força através de decretos. Com o crescimento dos grupos
modernistas que denunciavam um abandono dos elementos culturais
brasileiros, as políticas de preservação surgiram na qualidade de respostas a
essas provocações.
Essas ações nos levam a afirmar que, embora no Brasil as questões
relacionadas ao nosso sentimento de pertencimento à nação sejam longínquas,
advindas do período colonial e imperial, só ganham força no ato da montagem
de nosso Estado-Nação.
Nossa independência política não suscitou a menor noção de
consciência nacional (PINSK, 1992, p.13), apesar de ter criado elementos
necessários para o nosso desenvolvimento como a ampliação do comércio, o
crescimento das cidades e redes de transportes.
A história do Brasil e nossa concepção como nação é permeada de
mitos que começaram a ser delineados por Varnhagen, no século XIX,
especialmente em torno da ideia de um sentimento de brasilidade (PINSK,

44
p.15), de união de pessoas que desejavam a emancipação do país e seu pleno
desenvolvimento.
Segundo Jaime Pinsk, notamos que a História ensinada nas escolas
por muito tempo era a de um Brasil construído na cabeça dos ideólogos e não
da prática histórica dentro da qual vivem nossos alunos (PINSK, 1992, p17),
fato comprovado nos bens patrimoniais tombados até o ano de 1981, dentre os
quais não havia um bem que fizesse referência aos grupos negros, indígenas
ou de imigrantes.
Essa realidade era perceptível nas nossas escolas, pois como aponta
Pinsk, no Brasil,

se atentarmos para as questões postas pelos programas,


currículos, pelas produções didáticas e demais recursos e
materiais de ensino, elas giraram, principalmente, sobre quem
deveriam ser os agentes sociais privilegiados, formadores da
nação. [...] procurou-se garantir, de maneira hegemônica, a
criação de uma nacionalidade brasileira apresentando-se de
maneira harmônica e não conflituosa (PINSK, 1992, p.24).

No início do século XX, os grupos modernistas denunciavam que o


Estado brasileiro tratava com descaso as cidades que tiveram importância para
a nossa construção nacional, uma vez que o crescimento industrial poderia dar
cabo das suas características mais marcantes.
Em 1914, a discussão sobre o patrimônio ganhou espaço na
conferência “Arte e Tradição no Brasil: A casa e o templo”, que “define de
forma estrategicamente convincente o que constitui a tradição de um povo e o
que seja a arte tradicional – a que exprime essa história, e que deve ser
procurada nas ‘expressões da alma popular’” (BATISTA, 2002, p. 08), além da
Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, em São Paulo.
A Semana de Arte Moderna desejava resgatar a cultura brasileira,
evitando que a arte nacional se tornasse mera cópia dos estilos artísticos
europeus. Através desse evento houve um movimento para fazer dos
elementos modernistas os símbolos da identidade nacional.
Podemos dizer que a década de 1920 marcou a fase inicial das
políticas de preservação do patrimônio nacional, marcada por uma série de
fatos, como a criação do Museu Histórico Nacional, pelo Decreto nº.15.596, de

45
02 de agosto de 1922, e diversas leis estaduais que se voltaram para a
questão preservacionista, colocando o Brasil na posição pioneira na trajetória
das políticas e discussões patrimoniais na América Latina.
Nesse momento, entendeu-se que os bens culturais eram responsáveis
pela formação da identidade e que poderia contribuir diretamente para o
desenvolvimento do sentimento de brasilidade, expandido, especialmente na
década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas.
O governo de Vargas tinha um cunho desenvolvimentista e nacionalista
e logo aderiu a uma política cultural mais forte, apoiando os modernistas nas
campanhas de valorização e preservação dos bens culturais nacionais
(FONSECA, 2009). O apoio governamental é percebido com a criação do
Ministério da Educação e Saúde, em 1930, e o Departamento Nacional de
Propaganda, em 1934. Além de organizar o aparato estatal, havia a
necessidade de Vargas em se colocar como representante legítimo dos
interesses da nação, passando a ser o organizador jurídico e político da
sociedade.
As primeiras iniciativas referentes às políticas patrimoniais no governo
varguista se deram com base nas discussões sobre a preservação das cidades
históricas brasileiras. Os modernistas lançaram-se em caravanas pelo interior
do país, especialmente em Mi nas Gerais. O grupo composto por Mário de
Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade e Lúcio Costa, entre outros, viram
nas cidades mineiras de Ouro Preto, Mariana, Congonhas, São João Del Rey,
Diamantina, Caraça e Sabará o que seria a representação maior da cultura
nacional: a arte barroca.

Nesse momento, no que se refere à construção da nação, o


barroco é emblemático, é percebido como a primeira manifestação
cultural tipicamente brasileira, possuidor, portanto, da aura da
origem da cultura brasileira, ou seja, da nação. Daí o valor
totêmico que se constrói, sendo identificado, sistematicamente,
como representação de “autêntico”, de “estilo puro” (SANTOS
apud FONSECA, 2009, p. 93)

Minas Gerais foi entendida como o berço da civilização brasileira,


sendo necessário, portanto, preservar as edificações das cidades coloniais,
tidas como parte importante da cultura nacional.

46
Outro personagem que se destacou na trajetória inicial das políticas
preservacionistas no país foi Gustavo Barroso, que atuou na criação do Museu
Histórico Nacional (FONSECA, 2009, p. 95). Ele fazia parte de uma frente mais
conservadora com relação a essas políticas, mas não chegava a concorrer com
o grupo modernista, até meados de 1934, quando os dois grupos almejaram a
chefia da Inspetoria dos Monumentos, que em 1937 se tornaria a Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN.
A Inspetoria se baseava no nacionalismo tradicional, fazia as
verificações e as identificações de monumentos importantes para a construção
e o fortalecimento da identidade brasileira, mas a convite do Ministro Gustavo
Capanema, o grupo modernista foi convidado a compor os seus quadros,
sendo responsável pela elaboração do anteprojeto que criaria o SPHAN,
atualmente IPHAN, função que foi direcionada para Mário de Andrade.
No anteprojeto, Mário de Andrade concebe a questão patrimonial de
uma maneira bem ampla:

Entende-se por Patrimônio Artístico Nacional todas as obras de


arte pura ou arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou
estrangeira, pertencentes aos poderes públicos, a organismos
sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros,
residentes no Brasil. (Andrade, 2002, p. 272)

O anteprojeto ainda propunha uma descentralização dos órgãos


relacionados às políticas de preservação em comissões estaduais e sugeria a
divulgação dos atos feitos pelo órgão em publicações de livros e revistas, além
de propor a abertura do Livro de Tombo 15 para consultas públicas.
O SPHAN se inaugurou como órgão responsável por proteger o acervo
artístico, histórico e cultural pertencente ao povo brasileiro, valorizando os
elementos nacionais. Apesar de o anteprojeto de Mário de Andrade ter previsto

15
O Livro do Tombo, que dá origem ao termo Tombamento, provém do Direito Português, no
qual a palavra tombar tem o sentido de registrar, inventariar, inscrever bens nos arquivos do
Reino. Tal inventário era inscrito em livro próprio que era guardado na Torre do Tombo, a torre
Albarrã, do castelo de São Jorge, em Lisboa (Portugal). Ali se guardavam, para além dos
referidos tombos de registro e demarc ação de bens e direitos, os doc umentos da Fazenda, os
capítulos das Cortes, os livros de c hancelaria, os registros de instituição de morgados e
capelas, os testamentos, os forais, as sentenças do juiz dos feitos da Coroa, as bulas papais,
os tratados internacionais, a correspondência régia e muitos outros documentos oficiais da
história do país, e muitos referentes à História do Brasil. Na atual designação oficial, o Instituto
dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo é uma instituição com uma longa história, maior do
que a da maioria dos próprios documentos que preserva.

47
meios de se salvaguardar bens culturais de natureza imaterial, o enfoque foi
dado para a preservação arquitetônica, como podemos ver em seu primeiro
capítulo, observando a forte influência francesa:

Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos


bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja
de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis
da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico
ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (BRASIL, 2012 a)

Rodrigo de Melo Franco de Andrade, na direção do SPHAN, segue as


influências francesa e das Cartas Atenas (1931 e 1933) 16, instaurando o
Tombamento 17 como a primeira forma de preservação do patrimônio no país.
Os monumentos são eleitos como a materialização dos elementos que
compõem os valores da nação, transformando -se, segundo o próprio Rodrigo
de Melo Franco de Andrade, em “documentos de identidade da nação
brasileira” (ANDRADE, 1987, p. 57).
A prática do tombamento se inicia, no país, em 1938, funcionando
como um importante meio de preservação. Entretanto, é preciso atentar para o
fato de que uma nação apresenta outros patrimônios, diferindo dos bens
materiais, e que apenas esse instrumento não garante a diversidade do
Patrimônio Cultural.
Uma peculiaridade no caso do Brasil com relação aos seus bens
tombados está relacionada com os tipos de patrimônio: a maioria nos remonta

16
As Cart as de Atenas foram feitas em duas edições: 1931 e 1933. Em 1931, o document o dá
providências sobre a conservação de monumentos. Em 1933, a documentação trata das
arquiteturas que compõem as cidades e os problemas urbanísticos que existem nos grandes
centros urbanos.
17
O tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público com o objetivo de
preservar, por intermédio da aplicação de legislação específica, bens de valor históric o,
cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população,
impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados. É uma das ações a ser tomada
para a preservação dos bens culturais, na medida em que impede legalmente a sua
destruição. No caso de bens culturais, preservar não é só a memória coletiva, mas todos os
esforços e rec ursos já investidos para sua construção. A pres ervação somente se torna visível
para todos quando um bem cultural se encontra em bom estado de conservação,
propiciando sua plena utilização. O nome tombamento advém da Torre do Tombo, o arquivo
público português, onde eram guardados e conservados documentos importantes.
No Brasil, ele foi criado com o Dec reto Lei nº25, de 30 de novembro de 1937, inspirado no
anteprojeto apresentado por Mário de Andrade, intelectual modernista muito engajado na
questão do Patrimônio Histórico nacional

48
a uma identidade cristã e branca, não deixando transparecer nossa diversidade
cultural e nossas raízes negras e indígenas.
Após décadas promovendo o tombamento apenas de bens de estilo
barroco, expandiu-se o olhar para o estilo neoclássico e moderno,
desvalorizando-se o estilo eclético e o neocolonial (OLIVEIRA, 2008, p.123).
Preservar esses bens era resgatar o passado e lançar -se ao futuro, uma vez
que o conhecimento do passado possibilitaria uma construção de um futuro
melhor, mais consciente e até politizado.
Coube aos intelectuais modernistas atuarem como mediadores
simbólicos dentro da política nacional de preservação dos bens, já que tiveram
que eleger e classificar como “universais”, em termos propriamente simbólicos,
bens que não representavam as identidades de todos os grupos sociais que
compõem a nação. Para legitimar os processos de seleção e proteção do
Patrimônio Cultural brasileiro, criou-se, nesse momento, um aparato legal
(FONSECA, 2009, p. 22), pelo viés do Decreto-Lei nº. 25/1937.
A atribuição do valor simbólico se justifica, segundo Bourdieu, na
medida em que se constituiu um campo intelectual e artístico que aos poucos
vai se afirmando enquanto grupo diferenciado, ganhando tanto uma visibilidade
que os coloca como superiores, quanto um status quo privilegiado a tal ponto
de eles mesmos poderem atribuir esses valores. É o que se desenha no
mercado das trocas simbólicas, no qual valorizam-se diversas formas de capital
entre elas o simbólico e o intelectual (BOURDIEU, 2009).
Após a gestão de Rodrigo Melo Franco de Andrade, quem assumiu
dando prosseguimento aos trabalhos, na mesma linha política foi Renato
Soeiro. Apenas em 1979, com a entrada de Aloísio Magalhães é que uma nova
visão de política preservacionista é implementada no país.
A política adotada se voltava para a valorização da diversidade cultural
brasileira, ressaltando as riquezas culturais do presente. Segundo a política de
Aloísio era necessário exaltar os elementos culturais brasileiros que
fomentaram a construção nacional e assinalou para discussões referentes às
naturezas imateriais desses bens.
Aloísio de Magalhães empreendeu medidas que marcaram a sua
preocupação em se mostrar esses bens culturais. Segundo ele

49
(...) arte e arquitetura popular; diferentes tipos de artesanato;
religiões populares; culturas étnicas; esportes; festas populares;
etc. Esses bens culturais são valorizados não por uma suposta
exemplaridade, mas como parte da vida cotidiana e como formas
de expressão de diferentes segmentos da sociedade brasileira. As
diferentes formas de cultura popular são vistas como a fonte
mesma de uma ‘autêntica’ identidade nacional (MAGALHÃES
apud GONÇALVES,1996, p. 56).

Durante a gestão de Aloísio, em 1975, criou-se o Centro Nacional de


Referência Cultural (CNRC), que tinha como objetivo providenciar um sistema
de referências culturais brasileiras que trabalharia também com os valores
atribuídos pelos indivíduos e grupos sociais aos bens e práticas culturais
(FONSECA, 2009, p. 146).
Para Aloíso Magalhães, entre os anos de 1950 e 1960 havia
acontecido

“um ‘achatamento’ de valores, uma homogeneização da cultura.


De um lado se tinha a cultura ‘oficial’ referida a um passado
‘morto’, que era museificado. De outro, se verificava a absorção
acrítica dos valores exógenos, da modernização, da tecnologia e
do mercado. A reação a esse processo deveria ser buscada na
cultura, domínio do particular, da diversidade. Mas não na cultura
‘morta’ do patrimônio do passado, referências concretas porém
estáticas e distantes da nacionalidade. Era preciso buscar as
raízes vivas da identidade nacional exatamente naqueles
contextos bens que o SPHAN excluíra de sua atividade, por
considerar estranhos aos critérios (histórico, artístico, de
excepcionalidade) que presidiam os tombamentos. (FONSECA,
2000 apud Secretaria de Cultura de Minas Gerais, 2002, p. 65).

As atividades do CNRC dividia-se em quatro áreas, como nos aponta


Fonseca: ciências humanas, ciências exatas, documentação e arte e literatura.
Cabia ao órgão fazer levantamento por todo o território nacional.
Posteriormente, as áreas sofreram alterações e se dividiram em: mapeamento
do artesanato brasileiro; levantamentos socioculturais; levantamento de
documentação sobre o Brasil e a história da Ciência e da Tecnologia no Brasil
(FONSECA, 2009, p. 146).
Nas décadas finais do século XX, iniciou-se um processo de
democratização da apropriação do que concebíamos como patrimônio, não se
tratando da difusão das significações produzidas pelos agentes institucionais,

50
mas de práticas que levavam em conta os “usos diferenciados que eram feitos
dos mesmos bens” (FONSECA, 2009, p.45) pelos diferentes grupos sociais.
A democratização passava pela tentativa de se compreender como
esses grupos recebiam e entendiam o patrimônio ou, de acordo com Fonseca,
como se davam as apropriações do Patrimônio Cultural que decorrem da
própria diversidade dos grupos, da dificuldade de acesso, do consumo e dos
códigos de leitura dos bens patrimoniais.
Ao observarmos o Patrimônio Cultural brasileiro antes dos anos finais
do século XX, teremos a nítida impressão de que dávamos a condição de
nosso patrimônio apenas aos conjuntos urbanos edificados, além de alguns
imóveis isolados (FONSECA, 2003, p.57), já que, até a edição do Decreto nº.
3551/200018, os requisitos para integrar o universo de bens considerados pelo
Estado patrimônio histórico e artístico nacional ainda não eram tão amplos.
Devido ao fato de o grupo dos intelectuais modernistas estar à frente
do processo de eleição e efetivação do patrimônio histórico brasileiro e, depois
pelas ações do CNRN, estar nas mãos de grupos de intelectuais, a população
acabou por acreditar que as questões relacionadas ao Patrimônio Cultural
eram uma atividade própria da elite intelectual, atribuindo aos bens culturais um
valor simbólico 19 ligado apenas aos grupos dominantes, que pouco se
esforçavam para encerrar essa visão e beneficiando-se do seu capital cultural 20
(BOURDIEU, 2009, p12).
Nas últimas décadas do século XX e início do XXI, essa visão mais
voltada para patrimônios apenas materiais, começou a se transformar e as
comunidades despertaram para o fato de que seus saberes, costumes e
produtos de suas ações também eram “dignos” de serem entendidos como
18
O Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, organiza a prot eção do patrimônio
histórico e art ístico nacional.
19
No momento em que atribuímos ao Patrimônio u m valor simbólico, admitimos que eles
possuem, também um poder simbólico, que para Pierre Bourdieu é o poder de construir o dado
pela enunciação, de faz er ver e fazer crer, de confirmar ou de trans formar a visão de mundo e,
deste modo, a ação sobre o mundo, portant o, o mundo; poder quase mágico que permite obter
o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico
de mobilização, só se exerc e se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto
significa que o poder simbólico não reside nos “sistemas simbólicos ” em forma de illocutionary
force mas que se define numa relação determinada – e por meio desta – entre os que ex ercem
o poder que lhes estão sujeitos, quer dizer, na própria estrutura do campo em que se produz e
reproduz a crenç a. (BOURDIE U, 2009, p. 14-15)
20
Para Pierre Bourdieu, Capital Cultural é o domínio de uma cultura tida como superior por um
indivíduo, possibilita a ele vantagens e recompensas, já consolidado nos grupos menos
esclarecidos a fim de manter o seu status quo na sociedade.

51
patrimônios culturais e segundo uma corrente internacional, novos olhares
foram lançados para a questão do Patrimônio Cultural.
Foi ao longo da década de 1970, que passamos a enxergar o
patrimônio em seu sentido mais amplo, denominando-o como “Patrimônio
Cultural”, que não só se preocupava com elementos de valor histórico para a
sociedade, mas também englobava elementos que tivessem relação profunda
com a cultura da sociedade, desprendendo-se das amarras de se tombar
apenas artefatos e, assumindo a ideia de que também são patrimônios os
saberes, os modos de fazer – artefatos ou festividades – que possuem valores
simbólicos e afetivos, sendo incorporados pela memória e se perpetuam no
cotidiano como tradições. Essa relação ficará mais clara ao estabelecermos a
relação entre patrimônio e identidade.
Seguindo as Cartas Patrimoniais, em 1981, surgem as “Diretrizes para
Operacionalização da Política Cultural do MEC – Ministério da Educação e
Cultura”, que englobava noções mais ampliadas de patrimônio, assinalando
que os bens de natureza imaterial eram tão relevantes para a construção da
identidade nacional quanto os de natureza material.
Em nossa trajetória política, a Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 216, já assinalava para uma abertura maior na visão de patrimônio, já
que estabeleceu o que se entenderia, a partir de então, como Patrimônio
Cultural brasileiro:

Os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente


ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I. As formas de expressão;
II. Os modos de criar, fazer e viver;
III. As criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV. As obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V. Os conjuntos urbanos e sítios de valores histórico,
paisagístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e
científico (BRASIL, 2011, p. 159). 21

21
A lei nº 3924, de 26 de julho de 1961, dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré -
históricos. A lei nº 8394, de 30 de dezembro de 1991, regulamentada pelo Decreto nº 3444, de
26 de agosto de 2002, dispõe sobre a preservaç ão, organização e proteção dos acervos
documentais privados dos presidentes da República;

52
Nesse momento já começou a se desenhar uma política diferenciada
com relação ao Patrimônio Cultural, assinalando para o entendimento de que

a representatividade dos bens, em termos da diversidade social e


cultural do país é essencial para que a função de patrimônio
realize-se, no sentido de que os diferentes grupos sociais possam
se reconhecer nesse repertório (FONSECA, 2003, p. 65).

À medida que o tom dos discursos internacionais se modificava,


nossas leis que versam sobre o patrimônio foram revistas e criadas de modo
que esses olhares valorizassem novos bens, o que pode ser notado
especialmente com as emendas apresentadas, a partir de 1994, ao texto
constitucional que ampliavam consideravelmente a noção de Patrimônio
Cultural.
Em toda nossa trajetória do desenvolvimento de política de
preservação, fomos diretamente influenciados pelo contexto internacional,
através das Cartas Patrimoniais, inclusive para que houvesse uma ampliação
do conceito de patrimônio, pelas determinações da Conferência de Nara 22.
Em 1994, esse documento apontou que reconhecer todas as culturas e
grupos sociais como agentes produtores de cultura, de história e de patrimôni o,
era uma necessidade fruto do processo de globalização, uma vez que ter essas
culturas reconhecidas é uma garantia de uma inserção dessas comunidades no
contexto nacional, e da nação no contexto mundial, trazendo avanços políticos,
econômicos e até sociais, com criação de possibilidades de trabalho,
explorando as novas oportunidades que surgem com o reconhecimento do
patrimônio como oficial (NARA, 1994).
Ampliando-se o conceito, ampliou-se também o leque de bens a serem
entendidos como Patrimônio Cultural e em 2000, com o Decreto-Lei nº
3551/2000, houve, oficialmente, a instituição de patrimônios culturais de
características imateriais ou intangíveis, relacionando -os diretamente à cultura,
possibilitando o registro (equivalente ao tombamento dos bens materiais)
desses bens intangíveis.

22
A Conferência de Nara ocorreu em 06 de novembro de 1994, na cidade de Nara, Japão, e
trata da convenção do P atrimônio Mundial, levando em consideração a diversidade cultural e
de patrimônios, tocando em pontos como a identidade cultural, a memória coletiva e sobre a
intangibilidade e imaterialidade de alguns patrimônios.

53
O termo “intangíveis” nos possibilita encaixar quase todos os
elementos da vida humana como patrimônios culturais: os modos de fazer
artefatos, as festas, os contos populares, os mitos, expressões religiosas, as
paisagens, desde que tenham uma forte relação com a cultura da sociedade.
Ressaltamos que muitos desses bens poderiam se perder das tradições, da
memória, porque não deixaram vestígios materiais, não sendo considerados
importantes/relevantes (FONSECA, 2009, p. 61). Daí percebemos claramente a
necessidade que tínhamos em ampliar o conceito: preservar nossas próprias
memórias.
Houve a inclusão das “sociedades folcloristas, os movimentos negros e
de defesa dos direitos dos indígenas, as reivindicações de grupos
descendentes” (FONSECA, 2009, p. 61) que até então não ganhavam o devido
destaque como membros formadores da cultura e da identidade nacionais.
De maneira geral as políticas públicas que se direcionam para o
Patrimônio Cultural no Brasil e que são mediadas pelo IPHAN, se relacionam
intimamente com a questão da identidade nacional dentro dos projetos políticos
de cada governo que se sucedem no poder (FUNARI, p. 47), mas ainda que
essas influências políticas sejam fortes, a partir dos anos 2000, a experiência
patrimonial no país tem sido realizada em sua maneira mais ampla.
O que vemos são ações sintonizadas com os diversos grupos que
compõem nosso Estado e que levam em conta conhecimentos antropológicos,
sociológicos, históricos, artísticos e arqueológicos. A implementação das
políticas de preservação patrimonial têm se importado muito mais com as
questões da comunidade que detém o bem, num processo democrático e
relacionado com a identidade do grupo – o que a comunidade quer preservar, o
que ela entende como elemento que a compõe e representa.
Ao observarmos a trajetória das políticas públicas relativas ao
Patrimônio Cultural no Brasil, vemos momentos de grandes avanços, outros de
retrocesso, mas, além disso, vemos um caminhar. Acompanhar a linha de
desenvolvimento de nossas políticas preservacionistas é, antes de tudo, notar
como o avanço no que tange a compreensão do conceito de Patrimônio se
deu. Encontramos hoje no mesmo caminho que grandes nações europeias –
fonte de nossas inspirações – no trato com os patrimônios, enquadrando-nos
no grupo dos detentores de patrimônio culturais da humanidade.

54
Desde nossa formação, recuando até o período de nossa colonização,
fomos marcados pelas desigualdades sociais que se refletiram em toda nossa
história política e social. A segregação urbana, a falta de inclusão social, as
marcas de um longo período de escravidão e de políticas econômicas que nos
deixaram economicamente dependentes, lançaram-nos grandes desafios a
serem superados, inclusive em nossas políticas patrimoniais.
Em aproximadamente 75 anos de políticas públicas tratando dos
nossos bens patrimoniais foi possível, a partir das últimas décadas, buscar um
reconhecimento de nossas raízes, fazer a valorização do outro, que
historicamente era desvalorizado, excluído. Procuramos estabelecer os laços
com aquilo que representa a nossa identidade e, por isso, a atuação dos
primeiros modernistas, que embora tivessem uma visão mais padronizada do
Patrimônio Cultural, nos ensinaram o caminho do reconhecimento, nos
apontando que era necessário nos descobrirmos, nos conhecermos para,
então, nos valorizar.

55
2.4. Identidade: As marcas de uma Sociedade

Ao adentrarmos no debate acerca das identidades temos que

na linguagem do senso comum, a identidade é construída a partir


do reconhecimento de alguma origem comum, ou de
características que são partilhadas com outros grupos ou
pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal (HALL, 1997, p.
106).

Bauman nos aponta que

a ideia de identidade nasceu da crise do pertencimento e do


esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha
entre o “deve” e o “é” e erguer a realidade ao nível dos padrões
estabelecidos pela ideia. (BAUMAN, 2005, p.26)

Para esse autor, essa necessidade de se criar a identidade vem no


momento em que a noção de pertencimento teria perdido o seu brilho e o seu
poder de solução, junto com a sua função integradora ou disciplinadora
(BAUMAN, 2005, p. 28). Houve a necessidade de se criar algo mais “atraente”
para se fixar os indivíduos à “nação nascente”. Ele nos coloca ainda a ideia da
fluidez, afirmando que existem múltiplas identidades.
Dessa forma, Woodward tem razão quando aponta que a identidade
depende, para existir, de algo fora dela, de outra identidade, que ela não é,
mas que fornece as condições para que elas existam (WOODWARD, 2011,
p.09) e coloca que existem momentos específicos que são favoráveis para a
formação, manutenção ou fortalecimento dessas.
A autora dialoga com Hall, que afirma que a identidade é marcada por
símbolos, o que explica o sucesso das identidades nacionais serem tão bem
construídas, já que ela se firma em cima de uma variedade simbólica, “as
identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são
formadas, transformadas no interior da representação” (HALL, 1997, p. 48).
Logo, quando o indivíduo assume as suas preferências, suas posturas,
coloca as suas marcas de modo a serem vistas e reconhecidas pelos outros,
ele está agindo dentro do escopo que Bauman coloca como fundamental para

56
a existência da identidade, que é um exercício de escolhas, de construção de si
mesmo a partir de uma gama de possibilidades que se estendem diante de
cada indivíduo em sociedades tão plurais quanto as que conhecemos hoje.

Candau nos afirma que, entre os vários debates sobre as identidades,


há, entre os pesquisadores um consenso: a identidade é uma construção
social, de certa maneira sempre acontecendo no quadro de uma relação
dialógica com o outro (CANDAU, 2011, p.11).
Quando partimos do consenso apresentado por Candau e vamos um
pouco mais adiante, traçando uma ligação direta entre a identidade e a
memória em uma relação de simbiose vital para ambas, aceitamos que a
mesma relação de poder que há nas disputas pela memória permeiam a
identidade.
Por entender essa relação de embates simbólicos que faze m parte
tanto da memória quanto da identidade, concluímos que há ações políticas
tomadas para direcionar cada uma delas a favor de ideais específicos em cada
momento histórico.

É a ação política, não necessariamente partidária, que faz


coincidirem memória, identidade e representação nacional,
confundindo identidade com pertencimento e operando no sentido
de transformar “uma” representação nacional “na” marca
expressiva do nacional (CHAGAS, 2003. p. 141).

Notamos que há um esforço por sinalizar o que deve ser mais ou


menos aceito dentro de um grupo como sua marca, seja na identidade, seja na
memória, mas ambos estão diretamente vinculados à ideia de Patrimônio
Cultural.
Esse esforço em demarcar o que deve ser perpetuado se deve ao fato
de que é justamente através da identidade e da memória que somos capazes
de reconhecer as nossas raízes, as nossas semelhanças e diferenças,
colocando-nos como membros de um grupo e opositores de um outro, como
bem vemos em Manuel Castells (2000) que nos aponta que a ação da
preservação se relaciona com o objetivo de conservar as nossas próprias
raízes, vinculando-nos ao nosso passado, formando a nossa identidade e
servindo como objeto de suporte às nossas memórias.

57
Há aqui, como salienta Woodward (2011, p. 12) uma redescoberta do
passado que é parte do processo de construção da identidade. Elas são
fixadas a partir de nossas escolhas, pautadas em nossas atividades culturais e
em nossos exercícios de memória que nos permite, entre outras coisas,
distinguir quais serão os nossos princípios, os nossos valores e os traços que
marcarão o nosso grupo. Memória e identidade estão interligados, desse
cruzamento, múltiplas possibilidades poderão se abrir para uma produção de
um imaginário histórico-cultural (SANTOS, 2004, p. 59).
As identidades indicam uma invocação de uma origem da qual elas
continuam sendo fiéis, adaptando-se apenas em situações cuja manutenção do
grupo exige, estando, então, ligadas ao meio de como esses grupos usam os
recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo
que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos (HALL, 1997, p. 109).
Woodward nos dá elementos que nos permitem traçar características
básicas das identidades: concordando com Hall, a autora nos diz que a
identidade está ligada a um sistema de representações e que se encontra na
base da estruturação de grupos sociais, como um reforço das práticas de
memória que eles exercem, citando Rurtherford:

[...] a identidade marca o encontro de nosso passado com as


relações sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora
[...] a identidade é a intersecção de nossas vidas cotidianas com
as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação
(RUTHERFORD apud WOODWARD, 2011, p.19)

Dessa forma a identidade se faz necessária para nossa afirmação


pessoal e coletiva e se estabelece a partir de signos e símbolos que possam
ser transmitidos e entendidos pelos outros.
É através da construção da identidade e da memória de uma
sociedade que o Patrimônio ganha força como um lugar de memória bem
definido, tornando-se fundamental no processo de transmissão de nossa
cultura para as gerações futuras e para o nosso reconhecimento diante de
outras sociedades.
Entendemos que o homem é um ser cultural (GEERTZ, 1978; LARAIA,
1988) e apoiamo-nos Hall (1997), para entender que os indivíduos são
“produtores” e consumidores de cultura, que as identidades são múltiplas e que
58
a necessidade de se valorizar a identificação que as comunidades possuem
entre si e com os seus bens culturais passou a ser uma grande ferramenta no
processo de preservação/conservação dos patrimônios já estabelecidos e dos
que começaram a ser inseridos na listagem de bens protegidos, inclusive a
pedido das comunidades que os detêm.
A partir dessa reflexão, ao observarmos as políticas públicas nacionais
voltadas para a educação, especialmente os PCN, encontraremos a temática
da identidade citada com bastante ênfase, colocando-a como elemento
fundamental para a compreensão não só do homem como ser criativo, mas
para que ele possa exercer a sua cidadania.
O primeiro eixo temático proposto pelos PCN de História é “História
local e do cotidiano”, logo este tema faz-se presente tanto nos currículos
quanto nos livros didáticos. Ele está intimamente ligado com o objetivo do
ensino de História na construção da identidade:

O objetivo fundamental da História, no ensino de primeiro grau


(ensino fundamental), é situar o aluno no momento histórico em
que vive. [...] O processo de construção da história de vida dos
alunos, de suas relações sociais, situados em contextos mais
amplos, contribui para situá-lo historicamente, em sua formação
intelectual e social, a fim de que seu crescimento social e afetivo
desenvolva-lhe o sentido de pertencer. (ZAMBONI apud
FONSECA, 2010, p.117-118)

Essa preocupação é reforçada com os PCN quando explicita que

[...] o ensino e a aprendizagem de História estão voltados,


inicialmente, para atividades em que os alunos possam
compreender as semelhanças e as diferenças, as permanências e
as transformações no modo de vida social, cultural e econômico
de sua localidade, no presente e no passado, mediante a leitura
de diferentes obras humanas. (BRASIL, 1997 a, p. 49)

Nesse sentido, temos que o processo de ensinar e aprender História


local é parte da (re)construção das identidades individuais e coletivas,
principalmente no atual contexto social em que vivemos, com as identidades
cada vez mais fluidas, como nos aponta Bauman (2005), já que é desafiador
relacionar os binômios local/global, singular/plural, universal/diverso em sala de
aula.

59
Entendemos que a identidade se constrói a partir do conhecimento dos
meios como os grupos sociais se organizaram no passado, como se
comportam diante das situações do presente , sendo fruto da cultura, moldada
por ela, mas também capaz de promover a ação inversa: a partir das
afirmações de identidade, alterar-se padrões culturais, já que o movimento
entre elas é dialógico.
Através das balizas construídas que construirão a identidade do
indivíduo é possível cada ente do grupo se reconhecer nele e possa nutrir um
sentimento de pertença. A construção da identidade é ao mesmo tempo um
exercício de memória, de olhar para o passado, e de afirmação que pode ser
materializado nos Patrimônios Culturais.

60
2.5. Memória: Relações entre o Passado e o Presente

Os estudos de memória frequentemente estão relacionados aos


estudos de identidade, colocando-se como conceitos fundamentais para várias
áreas do conhecimento das Ciências Humanas.
Ao tratarmos de Patrimônio Cultural, mais uma vez o termo ganha
destaque, mas se consideramos que há um consenso entre os pesquisadores
no que tange a identidade como as marcas de uma sociedade construída a
partir da relação entre os homens, precisamos considerar também que há outro
consenso, dessa vez relacionado à memória: o reconhecimento dela como uma
reconstrução continuamente atualizada do passado, colocando-a muito mais
como um conteúdo do que como um conceito (CANDAU, 2011, p.11).
Considerarmos que a memória é um “fenômeno individual e psicológico
e liga-se à vida social” (LE GOFF, 2006, p. 419), relacionado à capacidade de
recordação (YUNES, 1974, p. 490), a faculdade de reter ideias, sensações,
impressões adquiridas anteriormente. O estudo da memória perpassa várias
áreas do conhecimento, da biologia à psicologia, mas nos retemos a dar a ela
um enfoque mais sociológico, observando a sua relação estreita com a
História, a identidade e o Patrimônio Cultural.
Como a memória está relacionada à propriedade de conservar
informações, podemos dizer que o homem através de sua memória, de suas
lembranças, pode atualizar as suas impressões sobre o passado, logo, pode
dar matizes mais ou menos pessoais à sua própria História e à do grupo,
quando seu relato passa a ser divulgado e, aí, entendido como uma construção
da memória social (CANDAU, 2011; DUARTE, 2003; LE GOFF, 2006).
Os estudos da memória têm se ampliado muito, especialmente nas
Ciências Humanas, o que se explica, para Candau, pelo viés de que as
sociedades imergiram em uma “crise do presentismo” 23, bem delimitada por
Hartog (1995) ou ainda em uma “demanda do passado”, como aponta Rossi
(2010) ou ainda uma “obsessão por não esquecer” como salienta Ferreira e
23
O que François Hartog define como a expressão de um “profundo questionamento do regime
moderno de historicidade. O futuro, o progresso e as ideologias que aí se vinculam perdem sua
força de convicção da mesma forma como a diferença entre o horizonte de esp era e o campo
de experiências se tornava máximo” (HA RTOG, 1995).

61
Orrico (2002). Nessa crise, o desaparecimento de referências e a diluição das
identidades, processo naturalizado pela globalização de acordo com Hall
(1997), leva os homens a buscar as suas memórias como uma resposta às
identidades frágeis (CANDAU, 2011, p. 10) que eles temem perder por
completo.
A partir de então, podemos estabelecer que a relação memória e
esquecimento (amnésia), que no senso comum são colocados como termos
mutuamente excludentes, deve ser vista a partir de uma complementaridade
complexa, pois os mesmos processos sociais que formam um, formam outro
(POLLACK, 1989; HALBWACHS, 2004). Também Le Goff (2006, p. 422) nos
mostra que

tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das


grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos
que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os
esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes
mecanismos de manipulação da memória coletiva.

Vale destacar que o termo “amnésia coletiva” pode representar uma


perturbação na formação identitária da coletividade, ou seja, o “esquecimento”
pode ser provocado por um trauma social, como no episódio da cidade italiana
de Civitella, quando da ocupação alemã em seu território (MOTTA, 1998). A
mesma autora aponta também que o esquecimento “se produz no confronto
entre memórias em disputas, entre grupos cujos embates constroem versões
opostas, destruindo fatos relevantes para seus opositores” (MOTTA, 1998, p.
80).
Ao compreendermos a relação entre a lembrança e o esquecimento,
podemos citar, então, que

a memória nos dará esta ilusão: o que passou não está


definitivamente inacessível, pois é possível fazê-lo reviver graças
à lembrança. Pela retrospecção o homem aprende a suportar a
duração: juntando os pedaços do que foi numa nova imagem que
poderá talvez ajudá-lo a encarar a sua vida presente (CANDAU,
2011, p.17)

Nesse movimento, de que a memória nos reaviva e nos mantém no


presente, mas com os olhos voltados para os acontecimentos passados que

62
nos marcaram, ela está em constante processo de constituição de nossa
identidade e de reavivamento dela, podendo, ainda, assumir um papel de
“geradora” da identidade, como aponta Candau:

se a memória é “geradora” de identidade no sentido que participa


de sua construção, essa identidade, por outro lado, molda
predisposições que vão levar os indivíduos a “incorporar” certos
aspectos particulares do passado (CANDAU, 2011, p.19).

Ora, concluímos, então que a memória e a identidade são na verdade


ações que se cruzam o tempo todo e que não podem ser dissociadas, pois se
afirmam e reafirmam a cada instante, de modo que não há uma busca de
identidade sem o exercício da memória e nem há como fazer uma busca de
memória se não se tem um parâmetro inicial, uma identidade.
Há memórias individuais e memórias coletivas , assim como as
identidades. Nessa concepção, é preciso salientar que em alguns momentos
nos são transmitidos elementos pelo meio social dos quais não nos damos
conta e que já fazem parte dessa memória coletiva, devendo ser, aos poucos
incorporados à nossa memória individual.
Essa movimentação faz aproximar o estudo da memória da teoria de
habitus de Bourdieu (2009), já que adquirimos esses elementos de modo a
entendê-los como naturais, de modo imperceptível (CANDAU, 2011), como
parte integrante das nossas tradições inventadas (HOBSBAWN), sem que haja
a necessidade de serem verbalizados, já que muitos deles dizem respeito às
representações gestuais e corporais.
Nesse sentido, é possível notar que a aquisição da memória está
intimamente ligada aos processos de aprendizagem: “o processo da memória
no homem faz intervir não só a ordenação de vestígios, mas também a releit ura
desses vestígios” (LE GOFF, 2006, p. 420). A sua relação com o processo de
aprendizagem se deve às várias etapas pelas quais as sociedades já passaram
e pela importância que deram à memória.
Em grupos sociais ágrafos, a memória tinha um papel fundamental
para a manutenção dos costumes e tradições, valorizando-se os indivíduos que
eram seus detentores e transmissores, como na cultura da África Ocidental, por
exemplo, no Império Mali, que exaltava os Griots – contadores de história –

63
como sendo os maiores professores da sociedade. Na relação do homem com
sua memória encontramos o patrimônio, especialmente os patrimônios
intangíveis, os saberes dos povos, as festas e tradições passadas oralmente
para o seu grupo social.
Retornando à ideia de que a memória está ligada ao esquecimento,
que pode ser provocado ou não, o homem pode se valer de suportes artificiais
que o faça ter essa memória sempre reavivada. É nesse momento que os
Patrimônios Culturais ganham espaço como lugares de memória que exigem
conservação, preservação, mas que cumprem o seu papel como elementos
resguardadores da memória.
Para Nora (1993), é o sentimento de não saber o que será no futuro
que faz com que o homem busque esses suportes artificiais de memória. O
autor define os lugares de memória como sendo mais do que a materialidade
das edificações:

são lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material,


simbólico e funcional, simultaneamente, somente em graus
diversos. Mesmo um lugar de aparência puramente material.
Como um depósito de arquivos, só é um lugar de memória se a
imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um lugar
puramente funcional, somos um manual de aula, um testamento,
uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se
for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que parece
o exemplo extremo de uma significação simbólica, é, ao mesmo
tempo o recorte material de uma unidade temporal e serve,
periodicamente, para uma chamada concentrada da lembrança
(NORA, 1993, p. 21).

Temos nesses lugares de memória, então, além de um suporte à


memória que se teme perder, uma afirmação da identidade de um grupo que a
elegeu, sendo portanto, uma representação dessa memória. Mas há que se
lembrar que essa representação é, na verdade, uma expressão de cultura,
colocando dessa forma uma ligação estreita entre a memória, a identidade, os
lugares de memória, que podem ser entendidos como os Patrimônios Culturais
e a própria cultura.
Salientamos aqui que essa representação da qual nos referimos com
os lugares de memória só ocorrem quando se trata de uma memória coletiva.
Quando tratamos de um grupo social, precisamos nos lembrar que as

64
representações são escolhidas por membros determinados que elegem os
elementos que, supostamente, dizem respeito a todos os indivíduos e são
imbricados de sentidos e valores remetidos à coletividade. Chamamos a
atenção para a importância dos valores atribuídos aos lugares de memória, já
que para confirmar ou recordar uma lembrança, não são necessários
testemunhos no sentido literal da palavra, ou seja, indivíduos presentes sob
uma forma material e sensível (HALBWACHS, 2006, p.31), apenas os
sentimentos que eles despertam.
Para que esses elementos de memória coletiva tenham efeito,
Halbwachs continua nos apresentando as condições necessárias:

para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros


não basta que estes nos apresentem seus testemunhos: também
é preciso que ela não tenha deixado de concordar com as
memórias deles e que existam muitos pontos de contato entre
uma e outras para que a lembrança que nos fazem recordar
venha a ser reconstruída sobre uma base comum (HALBWACHS,
2006, p.39).

Apreender o que esses lugares de memória têm a dizer e dizem ao seu


grupo é, então, uma tarefa que conjuga tanto a dimensão objetiva quanto a
subjetiva de incorporação dos elementos pelos indivíduos do grupo. Devemos
levar em conta toda a estrutura de um sistema de imagens e de
representações que deve ser cuidadosamente arquitetado para que a
articulação entre eles permita uma aproximação entre todos – ou a maioria –
dos membros da sociedade em questão.
Esse quadro que se desenha entre membros do grupo, representações
dos Patrimônios Culturais e resultado que teremos da interação entre os dois
compõe o que chamamos de imaginário social, que como aponta Michel
Maffesoli (1988), é o que regula os comportamentos recíprocos dos indivíduos
e é com ele e a partir dele que se estabelecem os grupos cujas identidades são
semelhantes.
Ao tratarmos aqui de elementos que são selecionados por um grupo
determinado, é preciso que fique claro que lidamos, então, em grande parte do
tempo com as escolhas que são definidas pelo grupo dominante, mas Jekins
nos aponta que

65
a história é um discurso mutável e problemático – ostensivamente
a respeito de um aspecto do mundo, o passado –, produzido por
um grupo de trabalhadores cujas mentes são de nosso tempo (em
grande maioria, em nossa cultura, historiadores assalariados) e
que fazem seu trabalho em modalidades mutuamente
reconhecíveis que são posicionadas epistemológica, ideológica e
praticamente; e cujos produtos, uma vez em circulação, estão
sujeitos a uma série de usos e abusos logicamente infinitos mas
que, na realidade, correspondem a uma variedade de bases de
poder existentes em qualquer momento que for considerado, as
quais estruturam e distribuem os significados das histórias ao
longo de um espectro que vai do dominante ao marginal (JEKINS
apud CARDOSO; VAINFAS, 1997. p. 15).

Desse ponto de vista, é preciso que estejamos atentos às vozes dos


grupos tidos como mi noria ou menos importantes para a lógica do sistema
social que se vivenciava no momento em que essas memórias foram
escolhidas e esses Patrimônios Culturais foram forjados.
Uma vez que há o que se quer lembrar, há o que se deseja esquecer,
já que “a história é o jogo de revelação e encobrimento, de manifestação e
ocultação. O olvido ‘não é resultado de uma negligência do pensamento’, mas
é próprio do ser, ‘entra na essência do próprio ser’” (ROSSI, 2010, p.19-20).
Com base em Rossi (2010), Pollack, (1989), Halbwachs (2004) e Motta
(1998), há um entrelaçamento muito profundo entre a memória e o
esquecimento como já apontamos, sendo a prática dos apagamentos uma
constante ao longo do século XX. Rossi nos trás um fragmento de George
Orwell para nos mostrar que o tema do “esquecimento do passado” e da
construção artificial de um passado conveniente está presente em vários
autores:

“Existe um slogan do Partido que concerne ao controle do


passado”, disse, “Repita, por favor”. “Quem controla o passado
controla o futuro, quem controla o presente controla o futuro”,
repetiu Winston submisso. “Quem controla o presente controla o
passado”, disse O’Brien com um lento aceno de cabeça em
aprovação. “Você acredita mesmo, Winston, que o passado tenha
uma existência real? O passado é ‘atualizado dia a dia’ e o
controle do passado depende de uma espécie de educação da
memória. Verificar que todos os documentos escritos concordem
com a ortodoxia do momento só constitui um ato automático da
inteligência. Mas também é preciso, ao mesmo tempo, lembrar
que os fatos ocorreram daquela determinada maneira. E se
necessário corrigir a própria memória, e reajustá-la com

66
documentos escritos, é preciso que depois no esqueçamos de tê-
lo feito” (ORWELL, 1983 apud ROSSI, 2010, p.34).

O que temos aqui é uma tradução do processo do esquecimento que é


empregado em determinados momentos da construção das memórias
coletivas, fruto das tensões existentes entre os grupos formadores das
sociedades e que tentam o tempo todo impor os seus poderes simbóli cos, já
que admitimos que “a memória e a identidade são valores disputados em
conflitos sociais e intergrupais, e particularmente em conflitos que opõem
grupos políticos diversos” (POLLACK, 1992, p.200).
É esse jogo de poder que ao mesmo tempo pauta a escolha e a
institucionalização das memórias, das identidades e dos patrimônios que
também nos leva a entender como se organiza o imaginário social no qual as
relações de aceitação do que é apresentado se estabelece, pois é

Mediante a produção de bens simbólicos, sua difusão e


competente propaganda, que torna-se possível orientar, para não
dizer canalizar, a adesão emocional das pessoas às coisas que
elas precisam consumir (TEVES, 2002, p. 66).

Com essas colocações podemos então concluir que a relação entre


memória e identidade é estreita e se cruza a todo momento , já que uma
fornece elementos constitutivos e fortalecedores da outra . Tanto a memória
quanto a identidade são permeadas por disputas simbólicas e que essas
tensões levam a construções de sistemas bem elaborados capazes de
despertar sensibilizações nos grupos, garantindo o que chamamos de
memórias coletivas, tocando nas identidades e particularidades de cada
indivíduo, aproximando-os do coletivo.
Falar de memória, então, é ao mesmo tempo lidar com assuntos
pertinentes às identidades, às tensões simbólicas, às suas representações
tanto simbólicas quanto físicas que podem se materializar nos Patrimônios
Culturais, além de considerar a eficácia que esses elementos apresentarão
para a coesão social através de seu estabelecimento no imaginário social,
considerando que este pode ter múltiplas interpretações, mas que é forjado
para dar unidade e transmitir o sentimento de pertencimento a um grupo
determinado.

67
2.6. Pluralidade Cultural: A Diversidade em Foco

A temática da pluralidade cultural e da diversidade vem ganhando


espaço nas discussões políticas e sociais nas últimas décadas. Grupos sociais
que eram tidos como minorias e que não incorporavam efetivamente o escopo
de elementos formadores da nação passaram a ganhar voz e vez, levantando a
bandeira da diversidade.
Órgãos como a UNESCO apontam que no campo da cultura é
importante reconhecer a diversidade cultural para que as sociedades possam
se desenvolver plenamente, tanto que em 2001 foi publicada a Declaração
Universal sobre a Diversidade Cultural.
Nesse documento, a UNESCO trabalha com o conceito de cultura
cunhado na Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais, realizado no
México, em 1982, que diz que

a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços


distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que
caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange,
além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de
viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças
(CARTA DO MÉXICO, 1982).

Ora, essa definição por si só já deixa clara a importância da


diversidade e da diversidade cultural para as sociedades contemporâneas, já
que nossa história traz como herança séculos e mais séculos em que os
grande impérios adotavam uma postura de impor a sua cultura sobre os povos
conquistados como meio de legitimar o seu poderio.
Esses impérios promoviam um apagamento da cultura do outro por
meio da destruição dos patrimônios dos povos considerados inferiores, mas
ainda assim a miscigenação ocorreu entre eles, fazendo surgir sociedades
heterogêneas com traços de múltiplas culturas, como a contemporânea.
Sabemos que o Brasil, devido às suas matizes de formação, não
possui uma homogeneidade cultural, mas ao longo dos anos, várias políticas

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públicas se voltaram para a busca de pontos em comum capazes de formar a
identidade cultural.
Legisladores e intelectuais (BAUMAN) elencaram as representações
que foram definidas como os símbolos nacionais e procuraram meios de se
socializar esses elementos, de modo que os brasileiros se sentissem indivíduos
integrados à nação, sendo indissociáveis de seu país. Pouco se falava da
diversidade cultural nesse momento. Como a maioria das sociedades
contemporâneas, o Brasil baseou-se em documentos internacionais para
estruturar as suas políticas nacionais e promoveu uma sociedade fortemente
hierarquizada, ao mesmo tempo em que afirmava a igualdade de direitos civis
(TOURAINE, 1998, p.11).
A lógica para se construir uma identidade nacional é a de, mesmo em
meio a tanta diversidade, levantar traços específicos, singulares que agreguem
os indivíduos de modo que eles possam fazer parte de uma unidade, tarefa que
contou, na década de 1920, com o movimento antropofágico de Oswald de
Andrade que buscou mostrar a diversidade e a pluralidade cultural do país.
Nesse sentido, a UNESCO busca fomentar nas nações, atividades que
promovam o encontro desses pontos de entrosamento para que a identidade
nacional tenha um elo entre todos os indivíduos que pertençam à nação, mas
sem esquecer que cada indivíduo tem a sua cultura de grupo que precede essa
unidade nacional.
Ao levantarmos as discussões acerca da pluralidade cultural, estamos
levando em conta que ela carrega em si um acúmulo de experiências que os
homens tiveram e que se torna o seu maior legado, já que transmitem as
diferentes maneiras de existir socialmente desenvolvidas pelas sociedades. A
diversidade cultural trata das diferenças culturais que existem entre as
comunidades e está diretamente ligada ao processo associativo dos homens:
aqueles que possuem algo em comum tendem a se associar e a promover
seus costumes entre os seus, perpetuando-se, mantendo as suas diferenças
diante de outros grupos.
O termo diversidade nos remete à variedade e convivência de ideias,
costumes, elementos diferentes que fazem parte de um mesmo tema, de um
mesmo assunto.

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A cultura já diz respeito a como o homem interage com a sua própria
organização social no espaço e no tempo, às suas instituições, regras, ao
arranjo que se dá aos elementos que são tidos como comuns ao grupo e que
devem ser transmitidos à identidade do grupo.
A UNESCO hoje aponta a diversidade cultural como uma grande
riqueza da humanidade, sendo vital para a sobrevivência e manutenção das
sociedades humanas.
Ao tomarmos o Brasil como ponto de análise cultural percebemos que
a sua pluralidade vem desde o momento de sua colonização e da
miscigenação de tantos grupos sociais, mas dois pontos em comum fomentam
a nossa unidade: nossa língua e nossa religião majoritária, o português e o
cristianismo, respectivamente

a sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como


variantes da versão lusitana da tradição civilizatória europeia
ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios
americanos e dos negros africanos. O Brasil emerge, assim, como
um renovo mutante, remarcado de características próprias, mas
atado geneticamente à matriz portuguesa, cujas potencialidades
insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizariam
plenamente. (RIBEIRO, p. 16).

Por mais que nossa matriz cultural principal tenha sido lusitana, os
outros grupos étnicos nos marcam profundamente, com destaque para a
cultura indígena, a cultura africana e outros grupos europeus como os italianos,
alemães e japoneses que deixaram seus empréstimos culturais em nossa
língua, música, culinária, folclore, artesanato, festas populares.
Cada região brasileira recebeu mais ou menos influências desses
grupos, mas elas são sempre presentes, fazendo com que o desafio da
pluralidade cultural no Brasil seja a de respeitar esses diferentes grupos sociais
e culturas que compõem a nossa cultura através de incentivos para a
convivência dessas culturas, apontando -as como fator enriquecedor, fazendo
com que haja uma valorização da identidade cultural nacional e regional.
Dentro do grande tema da pluralidade cultural, podemos suscitar
discussões que sejam relevantes para entendê-la e para levantar meios de
uma convivência mais integrada com todos os elementos dessa diversidade
como o racismo, a questão indígena, a imigração, a diversidade religiosa. Por

70
se tratar de um tema tão rico, a pluralidade cultural é um dos temas
transversais proposto pelos PCN e que nas áreas de História e Geografia
podemos encontrar as bases para levantar, também, as discussões sobre o
Patrimônio Cultural e a própria Educação Patrimonial.
Vivemos em um mundo globalizado em que, de acordo com Hall (1997)
há um impulso por pulverizar as identidades, em uma tentativa de se ter uma
sociedade homogênea, mas os aspectos locais ganham cada vez mais força,
mantendo-se resistentes e vivos.
A questão de trabalhar com a pluralidade cultural e a diversidade está
em destacar a riqueza que ela representa, tornando o conhecimento como o
nosso maior bem e que esse legado deve ser usado para promover uma
melhoria na condição de vida das comunidades seguindo as determinações
das Cartas Patrimoniais24 no que tange o trato com os patrimônios e a sua
relação com a comunidade (CARTA DE VENEZA, 1964; NORMAS DE QUITO,
1967; RECOMENDAÇÃO DE PARIS, 1968; DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO,
1972; CARTA DE TURISMO CULTURAL, 1976) e a sua inclusão direta com a
educação formal e informal (COMPROMISSO DE BRASÍLIA 1970;
COMPROMISSO DE SALVADOR, 1970; RECOMENDAÇÃO DE SÃO
DOMINGOS, 1974; DECLARAÇÃO DE AMSTERDÃ, 1975; MANISFESTO DE
AMSTERDÃ, 1975) para que a própria comunidade tenha consciência de sua
importância no processo de produção, conservação, preservação e promoção
de seus patrimônios culturais, que são a representação de sua cultura.
Com relação à educação brasileira encontramos a questão da
diversidade e do pluralismo cultural presentes na Constituição Federal (1988),
na LDBEN (1996) e nos PCN (1997).
Para nós, ao nos reconhecermos e firmarmos nossa identidade através
de nossas práticas de memória, somos capazes de perceber a diversidade e a
pluralidade que nos cerca. Nesse momento, estamos prontos para nos
colocarmos como cidadãos críticos e atuantes, especialmente em espaços que
possibilitem discussões, estando aptos a exercer nossa cidadania. Esse
sentimento nos leva a compreender os processos que estão à nossa volta e,
quando são aliados a uma educação de qualidade, que inclua em seus temas a

24
Sobre as Cartas Patrimoniais observe os quadros das páginas 90 -95 deste trabalho.

71
Educação Patrimonial envolvida com a diversidade e a pluralidade cultural,
seremos capazes de nos enxergamos no nosso patrimônio.

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3. Conhecer para Preservar: A Educação Patrimonial
como Alternativa Fundamental de Preservação

Trabalhar com Educação Patrimonial é, sobretudo, despertar a ideia de


que o Patrimônio Cultural é vivo, que é para ser pensado, usado e transmitido.
É entendê-lo como herança do passado que deve ser incorporado em nossas
atividades no presente e repassado às gerações futuras.
Mais do que isso, é deixar claras as suas relações com a identidade e
a memória, levando em consideração a pluralidade cultural, elementos
intrínsecos ao Patrimônio Cultural.
Outro fator que precisamos destacar como função da Educação
Patrimonial é o seu caráter instrucional que fornece

conhecimentos basilares para o desenvolvimento de ações em


defesa da cultura e do meio ambiente, além de contribuir para o
desvendamento de alguns mitos que se criaram acerca do
tombamento e do desenvolvimento sustentável (PELEGRINI,
2009, p.11).

Ao longo dessa sessão, iremos aclarar a articulação entre a educação


e a consciência de preservação, mostrando que a escola e o patrimônio estão
vinculados com o exercício da cidadania e, logo, com a promoção do direito à
memória e à diversidade cultural (PELEGRINI, 2009; GONDAR, 2003).
Em pleno século XXI, vivemos na chamada era da informação, no qual
as notícias circulam por mídias das mais diversas e os assuntos são muito
amplos, cabendo aos receptores uma seleção do que mais lhe apraz. Essa
dinâmica, ao mesmo tempo em que facilita a divulgação de ideias e projetos,
nos deixa a par da situação do Patrimônio Cultural: não temos, de maneira
geral, a consciência do valor do nosso patrimônio ambiental e cultural.
Embora a sociedade nutra sentimentos de vinculação a algumas
tradições, desenvolvendo o sentimento de pertencimento e identidade com
alguns elementos, a nossa brasilidade ainda não é uma constante entre as
novas gerações, sendo marcadamente relacionadas com temas mais genéricos

73
como “o país do futebol e do carnaval” do que com bens mais próximos aos
indivíduos em suas comunidades.
Estabelecer essa relação de (re)conhecimento é um dos objetivos da
Educação Patrimonial, que ganhou força diante de problemas que ameaçavam
a vida no planeta, espalhando -se por diversos países, como nos aponta
Pelegrini:

A inclusão da Educação Patrimonial e ambiental nos currículos de


diversos níveis do ensino se deu no decorrer da década de 1990,
em parte dos países signatários da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). No
Brasil essa preocupação foi contemplada mediante a inclusão de
temas transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais no
Ensino Fundamental (PCN/1998) e por meio da organização de
novas grades das disciplinas dos cursos de graduação – conforme
o Parecer do Conselho de Educação Superior (CNE/CES
13/2002) (PELEGRINI, 2009, p.16-17).

Os cursos mais afetados por essas diretrizes estão na área das


Ciências Humanas, como a História e a Geografia, que receberam uma
abertura para debater assuntos do nosso tempo. Para se realizar essas
atividades, alguns procedimentos práticos precisaram ser adotados como a
viabilização de formação para os professores, valorização dos saberes
tradicionais, da história oral, da memória, da história local.
Na primeira metade do século XX, as preocupações com o Patrimônio
Cultural aumentaram e documentos sugerindo recomendações para o seu trato
começaram a despontar. São as chamadas Cartas Patrimoniais,

cujo objetivo fundamentava-se na proposição de diretrizes


capazes de resolver os principais problemas das grandes
metrópoles que estavam em pleno crescimento nas décadas de
1930 e 1940, sem comprometer os monumentos ou edificações
arquitetônicas consideradas portadoras de excepcionais valores
artísticos ou históricos (PELEGRINI, 2009, p.20)

A UNESCO passou a direcionar estratégias que levassem em


consideração atividades relativas à estimulação da implementação de políticas
públicas voltadas para o Patrimônio Histórico, sua conservação e promoção.
Nesse contexto algumas Cartas Patrimoniais foram escritas e influenciaram
diretamente o Brasil. Por mais que em meados da década de 1930, nossa

74
legislação já se preocupasse com o Patrimônio Histórico, voltado para
interesses do Estado, como veremos adiante, só nos finais da década de 1980
é que, de fato, as Cartas Patrimoniais tiverem parte de suas determinações
englobadas em nossa Carta Magna.
No que tange a Europa, desde 1931, com a Carta de Atenas, notava-se
um esforço para que os professores e educadores, de um modo geral,
levassem seus alunos a compreender a importância dos monumentos a fim de
que esses não fossem destruídos. Em 1975, com a Declaração de Amsterdã,
abriu-se a discussão para que a educação dos jovens fossem direcionadas de
modo a envolvê-los nas atividades de proteção dos patrimônios.
De fato, foi em 1987, com a Carta Internacional para a Salvaguarda
das Cidades Históricas que o campo da educação foi mais tocado no que tange
às suas relações com o patrimônio, pois o documento orientava a
implementação de projetos que visassem a informação e divulgação dos bens
desde a idade escolar.
Temos que a Educação Patrimonial é o resultado da ampliação dos
debates sobre o Patrimônio Cultural e os rumos que ele tomaria ao longo dos
anos, percebendo-se que para além das políticas públicas é necessário
envolver e sensibilizar a comunidade. O desafio da Educação Patrimonial
enquanto metodologia de trabalho é justamente fazer a ligação entre os
documentos oficiais, as políticas públicas, os pareceres especializados e a
comunidade, de modo eficiente.
Perceber que o processo de preservação deve se pautar tanto nas
técnicas científicas quanto nos conhecimentos que a comunidade que detém o
bem sugere um tom de troca, de colaboração, de mão dupla de concepção
educacional.
Efetivamente podemos definir a Educação Patrimonial como um

Processo permanente e sistemático de trabalho educacional


centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de
conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. [...] O
conhecimento crítico e a apropriação consciente pelas
comunidades contribuem para a preservação sustentável desses
bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos de
identidade e cidadania (HORTA, 1999, p.06).

75
Cabe à Educação Patrimonial buscar meios de mostrar ao indivíduo
que ele é um elemento importante na formação, preservação e perpetuação do
bem em questão, em um processo que Horta (1999) denomina “alfabetização
cultural”.
Esse processo de alfabetização visa apontar elementos que
possibilitem entender e compreender a grande diversidade cultural existente no
mundo através da estimulação do autoconhecimento por exercícios
historiográficos que partem do objeto mais próximo, mais real, mais presente
no cotidiano para voltar às origens da comunidade e (re)descobrir os vários
grupos envolvidos na formação das tradições perpetuadas, das festas típicas,
dos costumes, da identidade local e seus elementos culturais mais marcados.
A Educação Patrimonial levanta a discussão sobre o “Patrimônio Vivo”
(HORTA, 1999), como fruto da dinâmica da cultura, lidando com os patrimônios
materiais e imateriais, salientando o entendimento de que a cultura é um
sistema que ao mesmo tempo atua no coletivo, mas fortalece o individual, já
que como Geertz (1978) aponta , ela é uma teia de significados construída pelo
próprio homem e para as suas gerações futuras.
Despertar a curiosidade do homem e , através dela, promover e
estimular o conhecimento, fazendo surgir novos olhares sobre o Patrimônio
Cultural é, portanto, uma das atividades da Educação Patrimonial agindo de
modo a

provocar situações de aprendizado sobre o processo cultural e


seus produtos e manifestações, que despertem nos indivíduos o
interesse em resolver questões significativas para as suas
próprias vidas, pessoais e coletivas. O Patrimônio Cultural e o
meio-ambiente histórico em que está inserido oferecem
oportunidades de provocar sentimentos de surpresa e curiosidade,
levando-os a querer conhecer mais sobre eles (HORTA, 1999, p.
08).

Esse despertar leva à compreensão da relação do homem com os seus


semelhantes e a construção das simbologias que ele utiliza através de seus
monumentos, edifícios, festejos para representar a sua própria cultura, como já
vimos, o Patrimônio Cultural é uma das formas de representação da cultura.
A noção-chave para o sucesso da Educação Patrimonial é, portanto, a
participação ativa da comunidade, partindo desde o envolvimento dos

76
indivíduos nos trabalhos até a mostra dos resultados obtidos com as atividades
e pesquisas, construindo a investigação e servindo de pontapé inicial para
levantar conhecimentos primários que levarão a pesquisas maiores que se
entrelaçam nas diversas áreas, contribuindo, então para a transversalidade.
Não podemos deixar de destacar que a memória é um dos pontos
muito tocados pela Educação Patrimonial. Uma vez que todo trabalho se pauta
no trato de ações que orientam as vidas dos grupos sociais, logo, estamos
lidando diretamente com a questão da memória como agente capaz de induzir
– ou não – o estabelecimento dos Patrimônios Culturais ora através da
valorização de interesses de determinados grupos, ora através do
esquecimento de valores. Essa função da memória se dá através de forças
políticas necessárias, entre outras coisas, para a formação e manutenção dos
Estados Nacionais e para a formação das identidades e reforço das
características dos grupos sociais, cabendo à Educação Patrimo nial suscitar
esses debates.
Romper os tabus relacionados ao Patrimônio Cultural também é um
objetivo da Educação Patrimonial. Acentuar a diferença entre o Tombamento e
o Registro, ressaltar que os bens imóveis podem ter as suas funções sociais
alteradas ao longo de sua existência de acordo com as determinações das
Cartas Patrimoniais que sugerem que eles sejam incorporados ao cotidiano
das comunidades, além de se buscar meios para a sustentabilidade são
elementos fundamentais para que a sociedade entenda a importância e a
dinâmica dos Patrimônios e sua constituição.
Diante do exposto, não podemos deixar de destacar que a Educação
Patrimonial aparece como diretriz nas Cartas Patrimoniais desde 1931, com a
Carta de Atenas, e que figura nas documentações mais atuais, visando
adequar as situações locais às demandas sociais, econômicas e naturais que
se fazem necessárias ao longo dos anos.
Desde os primórdios de sua concepção, a Educação Patrimonial foi
pensada pelas instituições internacionais como uma linha de trabalho voltada
para toda a sociedade e envolvendo a educação em todos níveis (CARTA DE
ATENAS, 1931; DECLARAÇÃO DE AMSTERDÃ, 1975) de modo a promover a
sensibilização e a valorização dos bens patrimoniais no seio das comunidades,
tendo como meio de sua disseminação especialmente os espaços escolares.

77
Essa realidade não foi muito bem assimilada no Brasil, onde,
inicialmente, as metodologias aplicadas de maneira mais eficaz se
desenvolveram dentro dos espaços museais.
Em 1983, ao apresentar o 1º Seminário do Museu Imperial de
Petrópolis – MIP – (HORTA, 1999) fica claro que essa instituição, sob
orientação de trabalhos desenvolvidos na Inglaterra, faz uma adaptação das
práticas da Heritage Education para a aplicação nos museus brasileiros. O
trabalho apresentado pela equipe do MIP foi seguido por diversos outros
museus tendo como sua representante maior sua diretora Maria de Lourdes
Parreiras Horta, uma das maiores estudiosas de Educação Patrimonial no país.
Por mais que as diretrizes apontassem para que as discussões sobre o
Patrimônio chegassem às escolas, ou antes, partissem delas, e fizessem uma
ligação com a própria história local a fim de se colocar o processo de
valorização, aceitação, sensibilização e escolha dos bens como atividades
propriamente ditas da comunidade que deve se reconhecer nos bens, no
Brasil, ainda reservamos esses debates para os locais ditos de memória
(NORA, 1989), principalmente os museus, por mais que os temas tenham sido
abordados nas escolas como veremos adiante.
O esforço desse rompimento de paradigmas da relação da sociedade
com os Patrimônios Culturais e os ambientes reservados para eles também faz
parte das funções da Educação Patrimonial.
Dessa forma, concluímos que a Educação Patrimonial pode ocorrer de
maneira formal e informal e que “constitui uma prática educativa e social que
visa à organização de estudos e atividades pedagógicas interdisciplinares e
transdiciplinares” (PELEGRINI, 2009, p. 36) e cujos objetivos são, sobretudo,
“superar a excessiva fragmentação e linearidade dos currículos escolares” e
“adquirir uma visão mais compreensiva e crítica da realidade” (PELEGRINI,
2009, p.36), bem como a sua inserção e participação nessa realidade.
Essas características componentes da Educação Patrimonial faz com
que ela seja, então, entendida como uma estratégia fundamental para a
transmissão dos valores atribuídos aos bens culturais.

78
3.1. A Trajetória da Educação Patrimonial nas Cartas
Patrimoniais e suas Relações com as Constituições Federais e
os Planos de Salvaguarda no Brasil

As discussões sobre o patrimônio cultural remontam, como vimos,


desde a França pós-revolucionária e ganham mais força no século XIX,
quando o patrimônio tornou-se um objeto de interesse comum a todos os povos
para suas constituições e fortalecimento de suas identidades. Como um
esforço de elaborar diretrizes que fossem seguidas internacionalmente,
surgiram alguns documentos que são tidos como balizas nessas discussões:
as Cartas Patrimoniais.
As Cartas Patrimoniais são instrumentos teóricos, docume ntos que se
referem aos modos de como os profissionais e as instituições ligados ao
patrimônio devem agir para sua conservação, preservação e promoção. Não
cabe a elas legislar sobre os patrimônios, uma vez que cada nação terá os
aparatos legais que lhes convir para a gestão de seus bens, mas dar suportes
filosóficos e reflexivos sobre os bens. As Cartas Patrimoniais têm como intuito
uniformizar os discursos do cuidado ao bem cultural (SALCEDO, 2007, p.26).
Para tratarmos do tema do Patrimônio Cultural e de suas matérias,
organizações nacionais e internacionais reúnem seus esforços a fim de que
diretrizes eficazes sejam construídas. Os documentos originários dos
seminários, reuniões e conferências, normalmente são as Cartas Patrimoniais,
podendo também haver as declarações e os manifestos, que recebem o nome
da cidade onde são editadas e apresentam pontualmente questões referentes
a elementos específicos relacionados ao Patrimônio Cultural.
Ao observarmos a realidade de um país como o Brasil, com tamanha
diversidade cultural, temos que ter em vista que a Educação precisa se voltar
para o tema do Patrimônio Cultural e levar em conta a formação de seus
profissionais da educação, seus gestores e redes de ensino de modo geral, de
modo que reflexões sobre a preservação, a conservação e a identificação
sejam debatidos em todos os espaços.

79
Destacamos a questão da diversidade cultural e da necessidade de se
levantar o debate sobre o Patrimônio Cultural porque este trata de uma
representação cultural repleta de disputas e tensões políticas, sociais e
economias que precisam ser entendidas quando se discute a identidade
nacional e local.
Os Documentos Patrimoniais25 tratam da educação formal, nas redes
de ensino, como protagonista no que tange às discussões sobre o Patrimônio
Cultural, especialmente como agentes no processo preservacionista . Esse
caráter foi influenciador direto das políticas públicas brasileiras voltadas para a
Educação, sendo notado tanto na nossa Constituição Federal, de 1988, até em
programas elaborados diretamente para o trato com o Patrimônio Cultural.
Ao longo das Cartas vamos percebendo uma ampliação de seus
conceitos, que passaram a englobar aspectos naturais, arqueológicos e da
vivência humana. Os textos resultam sempre de um encontro técnico-científico
da área, o que lhes confere autoridade para referenciar conteúdos na
preservação. Elas refletem o momento teórico, o que se pensava a respeito do
patrimônio, no decorrer das épocas.
O primeiro ato normativo internacional que dispôs especificamente
sobre o Patrimônio Cultural e a importância da Educação para a sua
preservação foi escrito em 1931, conhecido como Carta de Atenas. Esse
documento assinala a importância da Educação no processo de compreensão
e valorização dos objetos culturais, vinculando-a como fundamental no
processo de preservação destes.
A pauta principal da Carta de Atenas era a “longevidade dos
monumentos históricos susceptíveis de ameaça externa” (SIM, s.d., p.01),
tratando exclusivamente de conservação preventiva e restauro dos bens
patrimoniais, o documento enfatiza o papel da educação nesse processo
quando recomenda que

25
Diana Farjalla Correia Lima (apud LIMA. COS TA, 2007, p.09) trata o conjunto dos
instrumentos normativos da UNESCO (Recomendações, Convenções e Declaraç ões), junto a
outros documentos que precederam a criação da ONU (Cartas e Compromissos), com a
designação de Documentos Patrimoniais, “cobrindo um período de atividades iniciado pelo
surgimento do primeiro documento, a Carta de Atenas de 1931” (LIMA; COS TA, 2007, p.09).

80
os educadores habituem a infância e a juventude a se absterem
de danificar os monumentos, quaisquer que eles sejam e lhes
façam aumentar o interesse, de uma maneira geral, pela proteção
dos testemunhos de toda civilização (CARTA DE ATENAS, 1931,
p. 04).

Vale ressaltar que no contexto da elaboração desse documento, o que


entendíamos como Patrimônio eram os monumentos históricos e artísticos
tidos como representação da unidade nacional, fonte de manutenção da
formação e coesão da identidade que se desejava marcar como nacionalidade
de cada Estado em questão (FONSECA, 2009; CHOAY, 2006; 2011;
PELEGRINI, FUNARI, 2004).
No Brasil, justamente entre as décadas de 1920 e 1930, o Estado
estava em busca do fortalecimento de uma noção de brasilidade que se ligasse
à modernidade (FONSECA 2009; CHAUÍ, 2010), incentivada tanto pela
Semana de Arte Moderna de 1922, quanto às demandas europeias que
sinalizavam para a força que o Estado Nacional deveria ter, sendo reconhecido
pelos seus cidadãos, especialmente através dos símbolos e representações
escolhidos e marcados pelo discurso da elite, permeado de tensões
(FOUCAULT, 2004).
Como o pensamento predominante entendia o Patrimônio como esses
bens de valores excepcionais históricos e artísticos, a educação, cada vez
mais, foi vista como meio indispensável para que esses bens fossem
preservados.
Pelo viés da educação era possível promover o conhecimento das
obras e inculcar os valores históricos e artísticos atribuídos a elas, num
processo de formação cultural que visava o benefício da nação, uma vez que
preservaria as suas raízes históricas.
Especialmente no Brasil dos anos de 1930, a educação era o veículo
fundamental para o fortalecimento da identidade nacional, prioridade no
governo de Getúlio Vargas, que buscava a aglutinação da nação.
A brasilidade almejada na década de 1930 dependia diretamente da
elaboração de um sistema de representação cultural que desse respaldo a uma
comunidade simbólica (HALL, 1997, p.49). Homogeneizar a cultura, ainda que
suprimindo diversas representações culturais, num processo de violência
simbólica (BOURDIEU, 2006) era o ideal do Estado, exercido por instituições
81
específicas como a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
SPHAN – mais tarde transformado no IPHAN.
O papel da educação na Carta de Atenas era deixado sob a
responsabilidade do Estado que deveria se organizar de modo a promovê-la
orientando para a preservação dos bens históricos, o que foi implementado
pelo discurso que o Estado brasileiro já aspirava: usou a educação como viés
de promover a brasilidade forjada pela seleção de bens que não
representavam toda a nossa cultura, deixando os grupos sociais tidos como
menos expressivos de fora. Vale lembrar que a brasilidade, nesse momento,
fora traduzida como o barroco mineiro, suas igrejas e casarões, pautados no
padrão europeu de civilidade e cultura (FONSECA, 2009).
Em 1934, na Constituição da República, no Brasil, a área do Patrimônio
já havia sido tocada, pois colocava como dever do Estado a proteção dos bens
naturais e culturais e regulamentando o Museu Histórico Nacional que atuava
em um serviço de proteção aos monumentos históricos e obras de arte
vinculados às cidades históricas mineiras (PELEGRINI, 2009, p.100).
A Constituição de 1937 ratificou essas posturas impondo o interesse
coletivo sobre a propriedade privada quando se tratasse de patrimônio histórico
e pelo decreto-lei nº25/1937, Gustavo Capanema empreendeu os primeiros
processos de tombamento no país, movimentados pelo Serviço de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).
Na década de 1940 algumas iniciativas isoladas de educação voltadas
para o patrimônio brotam pelo país, mas sem muito respaldo governamental.
Após 25 anos, na Índia, redigiu-se a Carta de Nova Délhi, pioneira em
salientar princípios internacionais relativos ao Patrimônio Arqueológico. O
documento propunha a criação de “um pequeno estabelecimento de caráter
educativo – eventualmente um museu – que permita aos visitantes
compreender melhor o interesse dos vestígios que lhes são mostrados” (MINC,
2006, p.208).
Segundo essa carta, era dever do Estado garantir não só o acesso aos
sítios arqueológicos, como a qualquer acervo dessa natureza e deveria contar
com ações educativas que contasse com a participação de jovens, dispondo
ainda de um subtópico “Educação para o Público”. Essa sessão determinava
que

82
a autoridade competente deveria empreender uma ação educativa
para despertar e desenvolver o respeito e a estima ao passado,
especialmente através do ensino de História, e da participação de
estudantes em determinadas pesquisas (MINC, 2006, p.208).

Pela primeira vez houve a menção da disciplina de História como


elemento importante nos planejamentos de educação voltados para o
conhecimento e promoção do Patrimônio Cultural.
Apenas em dezembro de 1962, com a Carta de Paris, primeiro
documento a tratar a questão da “salvaguarda da beleza, do caráter das
paisagens e dos sítios que fazem parte do quadro natural, identificando estes
elementos como pertencentes ao Patrimônio Cultural” (ANDRADE, 2002, p.57).
A década de 1960 foi marcante: nesse momento houve a ampliação do
conceito de Patrimônio Cultural, incorporando elementos naturais aos
construídos socialmente, reconhecendo também os desafios da preservação
em cada âmbito do patrimônio.
A Carta de Paris, no tópico Educação do Público, enfatizou a educação
formal como meio importante tanto na formação dos professores quanto como
espaço de elaboração e disponibilização de materiais didáticos que tratassem
do Patrimônio Cultural diretamente. De acordo com o documento “uma ação
educativa deveria ser empreendida dentro das escolas para despertar e
desenvolver o respeito público pelas paisagens e sítios” (RECOMENDAÇÃO
DE PARIS, 1962, p. 7).
A Carta de Veneza, lançada em 1964 instituiu a noção de bem cultural.
Alertava para a necessidade de se promover a educação patrimonial e a
promoção dos bens, assinalando que para que a preservação tivesse algum
sentido se fazia necessário que o bem tivesse alguma relação com a
comunidade que o detém.
Ainda em 1964, a UNESCO publicou a recomendação sobre as
medidas destinadas a proibir e impedir a exportação, a importação e a
transferência de propriedade ilícita de bens culturais (RECOMENDAÇÃO DE
PARIS, 1964, p. 1). Nessa abordagem para a ação educativa destacou
novamente o papel da educação formal,

83
onde cada Estado membro deveria agir de modo a estimular e
desenvolver entre seus cidadãos o interesse e o respeito pelo
Patrimônio Cultural de todas as nações. Tal ação deveria ser
empreendida pelos serviços educativos (RECOMENDAÇÃO DE
PARIS, 1964, p. 1).

A Recomendação de Paris, de 1964, deixou mais clara a ideia da


diversidade cultural, de modo que além de valorizar a cultural local, abria-se os
olhares para as culturas das outras nações e, mais uma vez a educação formal
e as escolas são apontadas como os melhores espaços a serem desenvolvidos
os debates sobre o Patrimônio Cultural.
Como a realidade da América Latina divergia da europeia e da dos
Estados Unidos da América (EUA), em 1967, a Organização dos Estados
Americanos (OEA) elaborou as Normas de Quito. Para Geraldes, as Normas
de Quito tiveram “o intuito de reiterar a importância de que os países da
América adotassem as normas europeias no que se refere à preservação de
forma generalizada” (GERALDES, 2004, p.05), mas o que percebemos é que o
documento levou em conta as dificuldades econômicas, políticas e sociais
vivenciadas no período pelas nações latino -americanas, como expresso em
seu texto original, que aponta que havia a necessidade de conter

o acelerado processo de empobrecimento que vinha sofrendo a


maioria dos países americanos como consequência do estado de
abandono e da falta de defesa em que se encontrava sua riqueza
monumental e artística (NORMAS DE QUITO, 1967, p. 01).

Para valorizar os seus bens patrimoniais, o documento discorria sobre


a difusão do conhecimento sobre eles de modo a utilizá-los como produtos a
serem explorados: a comunidade deveria ser envolvida desde a elaboração
dos planos de salvaguarda até às festividades que exaltassem o bem.
No que tange a educação consideraram a Educação Cívica como meio
no qual o conhecimento e o domínio sobre a cultura 26 deixariam de ser

26
Aqui atentamos para o que fala o antropólogo Luiz Gonzaga de Mello a respeito da cultura.
Para ele o uso popular do termo é quase sempre usado como menção à superioridade social
entre as classes urbanas (e também rurais), como meios de se reafirmar a hierarquia entre
elas. Lembra que “nas acepç ões técnicas do termo, jamais o antropólogo poderá diz er que
uma cult ura é superior a outra. O que se pode dizer é que determinada cultura dispõe de uma
tecnologia avançada ou determinada instituição sofisticada é desenvolvida. Isso em virtude de
cada cultura ser o melhor, o máximo legado deixado pelas gerações anteriores” (ME LLO, 2009,
p.46).

84
exclusivos de minorias eruditas para se tornarem mais abertas, de livre fruição
da maioria popular (NORMAS DE QUITO, 1967).
Ressaltamos que nos países da América Latina, como o Brasil que
estava imerso em uma ditadura militar, após 1964, a Educação Cívica mostrou-
se ineficiente no quesito a lidar com os Patrimônios Culturais, sendo, na
maioria das vezes, veículo de disseminação dos ideais autoritários do Estado
Militar.
Nesse mesmo ano de 1967, no Brasil, o Ministério da Educação
incorporou a responsabilidade do magistério no âmbito da cultura, do
patrimônio histórico, arqueológico, científico e artístico pelo decreto-lei nº.
200/1967 (PELEGRINI, 2009, p. 101).
O debate voltou para o cenário europeu em 1968, com a
Recomendação de Paris de Obras Públicas ou Privadas, que deliberava sobre
os meios de intervenções urbanas voltadas para a preservação do Patrimônio
Cultural. Esse documento propunha uma vinculação com a população,
deixando ao Estado a função de contribuir para fortalecer tais sentimentos
através de medidas adequadas (RECOMENDAÇÃO DE PARIS, 1968, p.02).
Mais uma vez a necessidade de se aproximar a comunidade das ações
relativas ao Patrimônio Cultural esteve presente, sinalizadas no texto original
através das “medidas adequadas” que podem ser entendidas como medidas
educacionais, especialmente se observarmos os documentos editados
anteriormente.
Foi indicado pela UNESCO aos Estados membros que se elaborassem
planejamentos e programas de educação e desenvolvimento do turismo e que
os órgãos responsáveis por esses setores fossem informados das
determinações.
A Recomendação de Paris de 1968, foi o documento que deixou mais
clara a responsabilidade dos Estados, seus ministérios e secretarias para a
educação e sua relação com o Patrimônio Cultural, deslocando a
responsabilidade de seu cuidado, preservação e promoção não só nas mãos
dos gestores, mas atribuindo aos educadores uma parcela importante dessa
tarefa.
O documento previa como um viés de preservação e salvamento dos
Patrimônios Culturais a criação e o desenvolvimento de programas

85
educacionais que deveriam ao mesmo tempo envolver as comunidades
promovendo o conhecimento e a valorização de seus bens patrimoniais, além
de tentar promover ações do campo do turismo.
No ano de 1970, no Brasil ainda sob a égide militar, acontece o 1º
Encontro dos Governadores de Estado, Secretários Estaduais da Área da
Cultura, Prefeitos de Municípios Interessados, Presidentes e Representantes
de Instituições Culturais, no qual surgiu o Compromisso de Brasília.
O documento versava especialmente sobre os cuidados relativos ao
Patrimônio Cultural brasileiro e previa a criação de cursos superiores voltados à
preservação dos bens culturais (CALDEIRA, 2010, p.98) e a sistematização
dos entes federados de modo descentralizado, que mais tarde daria margem
para o artigo 30 da Constituição de 1988 (SANTOS, 2001, p.44).
A partir desse documento foi pensado um programa educacional
abrangente que chegasse a todo o território nacional e no qual o culto ao
passado seria elemento básico da formação da consciência nacional
(COMPROMISSO DE BRASÍLIA, 1970, p. 02). Neste programa deveriam ser
incluídas disciplinas que levassem em conta o Patrimônio Cultural brasileiro e
deveria alcançar todos os níveis de ensino.
Como traço do governo ditatorial nacional, o programa educacional
brasileiro voltado para o Patrimônio Cultural teve o nacionalismo exacerbado e
aproveitou a disciplina de Educação Moral e Cívica, que de acordo com Menin:

tivemos no Brasil, durante a ditadura militar (1969-1986), um


exemplo de educação moral nas escolas realizada, também, de
forma doutrinária. As disciplinas Educação Moral e Cívica ou
Estudos dos Problemas Brasileiros eram consideradas matérias
específicas e por intermédio delas professores especialistas
deveriam passar certos valores assumidos como fundamentais.
[...] como essas disciplinas foram estruturadas pelo decreto-lei de
1969 com a clara finalidade de controlar a “desordem social” vista
como causadora dos malefícios da sociedade brasileira. Valores
como o nacionalismo, visto como o amor à pátria e aos seus
governantes para o alcance do progresso geral, foram colocados
como fins de toda a educação (MENIN, 2002, p.94).

Apesar de ter recebido muitas críticas por parte dos educadores, a


disciplina de Educação Moral e Cívica foi o primeiro movimento a assinalar a

86
preocupação estatal com a preservação patrimonial, já que o tema era
abordado, por mais que se apontem deficiências.
Em 1971, para reafirmar o Compromisso de Brasília, foi redigido o
Compromisso de Salvador, mais amplo, já que abrangia em suas discussões
temas referentes ao Patrimônio Histórico, Artístico, Natural e Arqueológico
nacional. O Compromisso de Salvador recomendava, entre outras demandas,

aos governos estaduais que incluam no ensino de 2º grau curso


complementar de estudos brasileiros e museologia, que permita
aos diplomados a prestação de serviços nos museus do interior,
onde não haja profissional de nível superior (COMPROMISSO DE
SALVADOR, 1971, p.3).

Houve um esforço estatal em inserir na educação formal novos


parâmetros sobre a Educação Patrimonial, a fim de capacitar novos
profissionais para atuarem diretamente com essa metodologia. O objetivo além
de colocar o Brasil no mesmo segmento que as nações europeias e latinas no
que diz respeito às discussões do patrimônio, visava sanar a falta de
profissionais na área da museologia.
A ONU, em 1972, divulgou a Declaração de Estocolmo, que se
configurou como “instrumento pioneiro em matéria de Direito Internacional
Ambiental [...], de modo que praticamente todas as constituições de países
contemplaram em seus textos os aspectos ambientais” (ARMELIN, 2009, p.43).
O destaque desse documento é a importância que ele atribui à
educação na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e a vincula
diretamente ao conhecimento e à possibilidade de desenvolvimento de
atividades de autogestão dos bens e de sustentabilidade, colocando o bem de
modo a ser provento para os seus detentores.
Esse documento preocupou-se especialmente com a Educação
Ambiental 27, que afirmava ser

27
Armelin nos coloca que “enquanto o Patrimônio Natural é a gar antia de sobrevivência física
da humanidade, que necessita do ecossistema – água, ar e alimentos – para viver, o
Patrimônio Cultural é a garantia de sobrevivência social dos povos, porque é produto e
testemunho de sua vida” (A RMELIN, 2009, p. 48). S alient amos aqui a diferença entre a
Educação Ambiental e a Educaç ão Patrimonial, pois embora ambas tratem de cuidar da
preservação, conhecimento e promoção do que entendemos como Patrimônio Cultural, cada
uma tem a sua especificidade, o seu foco central, as suas metodologias de trabalho.

87
indispensável um trabalho de educação em questões ambientais
[...], dando atenção especial às populações menos privilegiadas, a
fim de criar as bases de uma opinião pública bem informada e de
uma conduta responsável dos indivíduos (DECLARAÇÃO DE
ESTOCOLMO, 1972, 03).

Ainda em 1972, na França, foi aprovada outra Recomendação de Paris


sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural,

documento que propôs um programa de proteção nacional e


internacional do Patrimônio, através da sistematização de
programas educativos, no intuito de promover a consciência da
preservação na população no presente e para as gerações futuras
(MACHADO, 2007, p. 08-09).

Segundo Hartog (2006) foi esse documento que deixou clara a


patrimonialização do meio ambiente e que trouxe um artigo dedicado
diretamente aos Programas Educativos, recomendando a sua implementação
com a finalidade de aproximar as populações dos bens patrimoniais.
Em meados de 1974, foi publicada a Recomendação de São
Domingos, com propostas operativas elaboradas com o intuito de se alcançar
os resultados reais de maneira mais eficaz, das quais destacamos as seguintes
diretrizes:

na educação escolar dever-se-ão incluir programas de estudo


sobre a importância do patrimônio monumental. Para tal efeito é
necessário que a Organização dos Estados Americanos (OEA), a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) e demais organizações internacionais
preparem material didático para os programas (RESOLUÇÃO DE
SÃO DOMINGOS, 1974, p.4).

A Recomendação de São Domingos se direcionava especialmente às


instituições formais de ensino e ao cuidado com a elaboração e distribuição de
materiais didáticos sobre o Patrimônio Cultural.
A Declaração de Amsterdã e o Manifesto de Amsterdã, ambos de
1975, tiveram seus textos direcionados para a inserção e ampliação da
dimensão histórica e cultural no ambiente urbano e seu cotidiano, no que
chamamos de processo de Conservação Urbana Integrada, que nada mais é
do que

88
o patrimônio construído que não pode ser restrito a edifícios de
qualidade excepcional e área circunvizinha, deve ser estendido
aos núcleos urbanos e cidades de interesse histórico e cultural. A
conservação e a reabilitação dessas áreas passam a ser
consideradas objetivos fundamentais dentro do processo de
planejamento urbano e, para tal, recomenda-se expressamente
que tais ações não devem alterar de forma significativa a
composição do perfil social dos residentes locais (GERALDES,
2004, p. 07).

Os participantes dos documentos de Amsterdã são consensuais em


destacar que a educação escolar é essencial, já que salientam que o
patrimônio não teria valor se não fosse apreciado pelos cidadãos, inclusive as
novas gerações. Dessa forma, os programas educativos em todos os níveis
são considerados vitais para o Patrimônio Cultural.
No Manifesto de Amsterdã ainda se coloca o

patrimônio arquitetônico como possuidor de um valor educativo


determinante, sendo um importante recurso pedagógico, portanto,
a sobrevivência desses testemunhos só estará assegurada se a
necessidade de sua proteção for compreendida pela maior parte
e, especialmente, pelas gerações jovens, que por eles serão
responsáveis no futuro (MANIFESTO DE AMSTERDÃ, 1975, p.
03).

Outro documento que deu grande importância à educação foi a


Recomendação de Nairóbi, no Quênia, que tratava como fator decisivo incutir
nos cidadãos os valores atribuídos à importância dos Patrimônios Culturais.
Nesse documento a educação é ressaltada como sendo vetor de trabalhos
relacionados ao Patrimônio Cultural desde a pré-escola, chegando à
universidade (RECOMENDAÇÃO DE NAIRÓBI, 1976, p. 13).
No mesmo ano, 1976, foi publicada a Carta de Turismo Cultural, pelo
ICOMOS, que colocava a educação no seio da questão para a criação de
estratégias para minimizar os impactos danosos causados devido ao aumento
do fluxo de visitantes nos espaços patrimoniais. A educação estaria ligada não
só aos planos de elaboração de meios para conter os danos quanto à
direcionar o comportamento dos visitantes nos espaços patrimonializados.
Mais uma vez as construções tidas como Patrimônios Culturais foram
tomadas como elementos pedagógicos importantes, devendo ser exploradas
nas metodologias de educação Patrimonial.

89
Em 1982, publicou-se a Declaração de Nairóbi, na qual se reconhecia a
urgência de se intensificar os esforços no sentido da preservação dos
patrimônios culturais e especialmente os naturais, influenciados pela rápida
degradação dos espaços naturais considerados patrimônios. Esse documento
conversava diretamente com a Carta de Estocolmo, não tratando apenas dos
bens naturais, mas pautando a sua preservação e conservação em questões
culturais e ligadas à educação.
Destacamos que em 1983, no Brasil, realizou-se o 1º Seminário no
Museu Imperial de Petrópolis que adaptava as ações da Heritage Education às
realidades das instituições museológicas nacionais, inserido o país nas
questões referentes à Educação Patrimonial em espaços não formais de
educação.
A Declaração do México, de 1985, resultou dos trabalhos do ICOMOS.
Nesse texto entendeu-se “a educação e a cultura, cujo significado e alcance
tem se ampliado consideravelmente, são essenciais para um verdadeiro
desenvolvimento do indivíduo e da sociedade” (DECLARAÇÃO DO MÉXICO,
1985, p. 01).
Ao observarmos o texto completo notamos que a educação é
relacionada ao desenvolvimento das nações, levando à melhoria da qualidade
de vida, dialogando com as Normas de Quito (1967), que previa, através da
educação, favorecer meios de se explorar os bens de modo a promover a sua
sustentabilidade e a melhoria da vida da comunidade. Esse documento
também se vincula à Declaração Universal dos Direitos do Homem quando
reforça a ideia de que educação e cultura são inalienáveis aos homens.
Em 1986, escreveu-se a Carta de Washington, que complementava o
texto da Carta de Veneza (1964), tratando das cidades históricas como
representação de diversas culturas, trazendo também a noção de bairros
históricos. Esse documento salientava que todos os espaços urbanos são
produtores de cultura, mas que as cidades históricas apresentavam algumas
especificidades.
Essa afirmação de que todos os espaços são efervescências se fazia
necessária porque a maioria dos cidadãos moradores de cidades não
tombadas não se via como moradores de regiões produtoras de cultura.

90
Com tantas documentações sobre o Patrimônio Cultural e a sua ligação
direta com a educação formal sendo debatidos no cenário internacional e
nacional, no Brasil, em 1988, entrou em vigor uma nova Constituição Federal,
destacada por ser mais democrática e fortemente influenciada por essas
políticas internacionais no que diz respeito ao Patrimônio Cultural e ao seu
cuidado.
Os artigos 215 e 216 são os mais marcados pelas influê ncias
internacionais e tratam diretamente do Patrimônio Cultural e da cultura. O
artigo 225 ainda apresenta elementos que tratam da Educação Ambiental,
também encaixada como uma metodologia de Educação Patrimonial, já que os
Patrimônios Ambientais e Naturais foram englobados ao longo dos anos no
debate de preservação, conservação e promoção.
O fato de termos sido influenciados pelas políticas internacionais não
quer dizer que a valorização que atribuímos às relações entre Patrimônio
Cultural e educação foi a mesma.
Notadamente, em nosso país a Educação Patrimonial, ao final dos
governos ditatoriais, com a extinção da disciplina de Moral e Cívica e a
reelaboração de novas diretrizes para a educação nacional, foi tratada muito
mais como assunto relevante para os espaços não escolares de formação do
que no seio das escolas. Vivemos uma depreciação e uma secundarização no
papel da Educação Patrimonial nos espaços formais de educação, deixando
para eles apenas diretrizes que assinalam para o seu enfoque através de
temas transversais nos PCN.
No Brasil, mesmo com a Carta de Fortaleza, em 1997, que indicava a
preservação como tema a ser abordado de maneira global, através da qual
assinalou-se a necessidade e relevância de um programa nacional para a
Educação Patrimonial, nossa realidade não mudou.

Notamos que a expressão Educação Patrimonial vem se tornando


cada vez mais familiar e frequente no trabalho dos Museus e dos
responsáveis pela preservação, identificação e valorização do
Patrimônio Cultural em nosso país. A proposta metodológica para
o desenvolvimento das ações educacionais voltadas para o uso e
a apropriação dos bens culturais foi introduzida, em termos
conceituais e práticos, a partir do 1º Seminário realizado em 1983
(HORTA, 1999, p.05).

91
Nos centros históricos tombados pelo IPHAN foram desenvolvidas
dezenas de atividades extracurriculares e interdisciplinares que visavam ao
reconhecimento de referências culturais no âmbito regional e nacional
(PELEGRINI, 2009, p.101), mas foram atividades segmentadas e sem
continuidade, distanciadas do espaço escolar.
Nesses espaços reservado à memória, a população brasileira não
circulava tão livremente, pois ainda os caracterizava como espaços de cultura
para a elite, ou seja, os indivíduos ainda estavam inseridos em um ambiente
histórico em que acreditam que o contexto favorecia apenas a elite responsável
pelas primeiras escolhas dos bens patrimonializados ao longo de nossa
história.
Passados pouco mais de 80 anos de debates sobre a Educação
Patrimonial no mundo com organizações internacionais e cerca de 75 anos de
discussões sobre o Patrimônio Cultural no Brasil, percebemos que mesmo com
algum esforço por parte do governo estatal, sobretudo nos períodos em que o
país passava por ditaduras, não há vínculos fortes entre a educação informal e
a educação formal.
As medidas mais conhecidas no país com relação à Educação
Patrimonial se dão em espaços museais e outros não formais de educação,
sendo ainda um tema pouco abordado nas escolas e em seus planejamentos
políticos pedagógicos.
Essas observações nos levam a questionamentos sobre as aplicações
das determinações das Cartas Patrimoniais no Brasil: por que apesar de serem
tão claras, as relações estabelecidas entre educação formal e educação
patrimonial não são vinculadas nas nossas escolas? Por que não vemos a
escola como um espaço para discutir o Patrimônio Cultural? Ou ainda, será
que a escola é mesmo um lugar propício para se conhecer, debater e promover
o Patrimônio Cultural?

As questões da Educação Patrimonial não foram sistematizadas


nas grades curriculares dos diversos níveis do ensino brasileiro.
Enquanto a LDB destacou que cabia à educação superior
‘promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e
técnicos’ que constituíssem o ‘patrimônio da humanidade’, o Plano
Nacional de Educação Nacional – PNE – (aprovado pela lei nº.
10.172/2001), priorizou o ensino fundamental como meio capaz de

92
propiciar uma ‘formação mínima para o exercício da cidadania e
para o usufruto do patrimônio cultural da sociedade moderna’
(PELEGRINI, 2009, p. 102).

O fato é que seja analisando a LDB, os PCN ou o PNE, nossas escolas


estão longe de cumprir o seu papel nas estratégias de preservação do
Patrimônio Cultural porque nossas políticas públicas educacionais e culturais
não abarcam a Educação Patrimonial como uma prioridade, deixando-a
reservada aos espaços museais, nem sempre eficazes devido ao baixo número
de visitantes nesses espaços, especialmente se analisarmos as comunidades
de menor poder aquisitivo.

93
3.2. Escola é Lugar de Patrimônio?

Embora ao fazermos um estudo das Cartas Patrimoniais possamos


destacar que, em pelo menos 20 documentos a nalisados, a Educação
Patrimonial e os assuntos referentes ao Patrimônio Cultural sejam temas que
devam aparecer diretamente ligados à educação formal dos Estados membros
das organizações internacionais que redigiram essas documentações, no Brasil
o quadro é outro.
Desde meados dos anos 1920, Mário de Andrade 28, com o advento do
Movimento Modernista 29, já assinalava que o Patrimônio e os valores atribuídos
a ele eram formas fundamentais da constituição de uma identidade nacional.
Para ele, era essencial que se reconhecesse o valor de nossa cultura e de
suas múltiplas dimensões.
Notamos que a temática do patrimônio não é tão recente em nossa
história e que vem, ao longo dos anos, ganhando cada vez mais espaço. Oriá
destacou a necessidade de se inserir a temática nos currículos e enfatizou a
Educação Patrimonial como um viés de educar nossos alunos de maneira mais
consciente e diversificada. Ele afirma que

existe uma necessidade de inclusão dessa temática nos currículos


escolares de todos os níveis de ensino e introdução de conteúdos
programáticos que tratem do conhecimento e conservação do
Patrimônio Histórico (ORIÁ, 2012).

Observamos nas palavras de Oriá uma clara influência dos


documentos patrimoniais que defendiam a inserção da Educação Patrimonial
no ensino formal desde meados da década de 1950. Para o autor é necessário

28
Mário de Andrade assumiu, de 1934 a 1938, a direção do Departamento de Cultura da
Prefeitura de São Paulo no governo Armando Sales de Oliveira.
29
A proximidade com o movimento modernista deveu -se, entre outros motivos, ao fato de
Carlos Drummond de Andrade ser o chefe de gabinete do Ministro da Educação, Gustavo
Capanema. Outros intelectuais que participaram do SPHAN foram A fonso Arinos de Melo e
Franc o e Prudente de Moraes Neto como consultores jurídicos; Manuel B andeira, como
colaborador em várias publicaç ões; Gilberto Frey re, Sérgio Buarque de Holanda e muit os
outros de vários estados brasileiros. Colaboraram também especialistas estrangeiros como
Germain Bazin, Robert Smith e Hannah Levy (Fonseca, 2009, p.106).

94
que sejam feitos cursos de aperfeiçoamento e extensão por parte dos
professores e estudantes como meio de fornecer informações acerca do acervo
cultural para conscientização de preservação da memória histórica e interesse
pelo assunto.
Lemos (2004) afirma que existe uma falta de esclarecimento no que se
refere à preservação do Patrimônio. Para ele há uma “deseducação coletiva”
que só será modificada quando surgirem novos projetos educacionais voltados
para essa temática e cita o exemplo do México 30 que é um dos países da
América Latina que desenvolve uma educação de massa voltada para a
valorização do Patrimônio e da memória coletiva.
A preocupação com o Patrimônio Cultural e a sua inserção no sistema
educacional vem aumentando e se tornando tema de diversos congressos no
Brasil, nos quais foram aprovadas resoluções que demonstram essas
inquietações. Diversos autores enxergam na Educação Patrimonial o viés de
ligação e canal de direcionamento para as ações que conjuguem educação
formal e conhecimentos acerca dos patrimônios culturais.
Maria de Lourdes Horta (1999, p.08) coloca que “a Educação
Patrimonial provoca situações de aprendizado à medida que enfatiza uma
necessidade de repensar o passado para compreender o momento atual”.
Essas metodologias de trabalho em educação patrimonial são bastante
abrangentes, uma vez que lidam com projetos multidisciplinares e que,
segundo Monteiro, relacionam-se diretamente com:

diferentes conceitos, criam oportunidades para desconstruir


verdades estabelecidas, instigar questionamentos e despertar o
interesse para a diferença, pela experiência do outro, de forma a
buscar compreender alternativas e construção histórica da vida
social em perspectivas crítica. (MONTEIRO, 2009, p. 02)

Como vemos, são muitos os autores que defendem a inserção de


temas ligados ao Patrimônio Cultural nas escolas como meio de se promover o
conhecimento e a conservação e preservação dos bens, mas também como
elementos que são capazes de orientar os alunos a desenvolverem um senso

30
Com a Declaração do México, em 1985, o país iniciou um processo de educação patrimonial
voltado para a população a fim de que essa se visse integrada aos Patrimônios Culturais
nacionais. Os programas mexicanos, na América Latina, merec em destaque.

95
crítico mais aguçado e de retomar as discussões sobre identidade, cultura,
memória e diversidade.
Para Circe Bittencourt, o que mais chama a atenção e abre
possibilidades para trabalhos enriquecedores no entrelaçamento de temas é
justamente a abrangência da noção de Patrimônio Cultural, cujo

conceito mais abrangente de Patrimônio Cultural abre


perspectivas de adoção de políticas de preservação Patrimonial
(...) A preservação do Patrimônio Histórico Cultural deve pautar-se
no compromisso de contribuir com a identidade cultural dos
diversos grupos que formam a sociedade nacional.
(BITTENCOURT, 2009, p.278)

Nesse sentido é importante destacarmos o valor do professor nessas


atividades voltadas para o trato do Patrimônio Cultural. Não nos referimos às
ações e práticas como o mero repasse de informações aos alunos. Temos a
consciência de que a Educação, como nos aponta Paulo Freire, é uma via de
mão dupla e que os trabalhos devem ser apenas mediados pelos professores.
Quando se busca novos meios de trabalho com elementos
relacionados ao patrimônio, é preciso fazer com que os saberes se tornem
comunicáveis. Os educadores aqui assumem o papel de mediadores,
responsáveis pelo processo didático, buscando inserir as informações que
conduzirão as discussões no contexto social dos envolvidos, sendo agentes
ativos no processo do conhecimento.
Grande parte dessa discussão que se dá no meio acadêmico é relativa
à escola: é mister que se trabalhe mais e melhor as questões do patrimônio
cultural nas salas de aula, integrando os saberes e mostrando que o homem é
naturalmente um ser produtor de cultura e, logo, de patrimônio.
Por mais que nossas políticas públicas se apresentem como veículos
facilitadores da Educação Patrimonial, desde a década de 1960, os trabalhos
nessa vertente têm sido realizados pelas instituições museais, com destaque
para o Museu Imperial de Petrópolis, pioneiro nas metodologias desde a
década de 1980.
É fato que

96
a Educação Patrimonial na contemporaneidade vem adquirindo
proeminência e apontando possibilidades de inclusão do cidadão
e do desenvolvimento de economias locais por meio do turismo
cultural e do desenvolvimento sustentável, fortalecendo o
sentimento de pertencimento e de fraternidade entre os membros
de distintas comunidades (PELEGRINI, 2009, p.41),

mas essas atividades raramente têm sido desenvolvidas nas escolas de modo
efetivo ou, pelo menos, consciente por parte dos educadores.
Por mais que os PCN sugiram uma melhor compreensão da realidade
dos alunos, encarando-a como diversificada, múltipla, marcada por conflitos
diversos, tornando-a um emaranhado complexo (ZAMBONI, 1993), o tema
transversal da pluralidade cultural (BRASIL, 1997) integrado às disciplinas de
História e Geografia não dá conta de levar o debate a cabo por uma série de
fatores, entre eles a deficiência da formação dos professores, a falta de tempo
com o número de aulas dessas disciplinas reduzido em favorecimento às
disciplinas de Português e Matemática, por exemplo.
Como alternativa para essa debilidade no trato com os temas do
Patrimônio Cultural temos uma sugestão nos próprios PCN que além de indicar

a inserção do debate acerca do patrimônio nas salas de aula,


abordando-o como fontes documentais que sustentam a
‘produção do conhecimento sobre o passado’, passíveis de
elucidar o sentido dos monumentos e das efemérides celebrados
no presente. Recomenda a inclusão de ‘visitas aos museus,
arquivos e áreas preservadas’ de modo a favorecer o vislumbre
entre as gerações e as ‘raízes culturais históricas’ formadoras da
sociedade humana (BRASIL, 1997 b, p. 85).

Podemos notar que, dessa forma, a escola transforma -se no local de


introdução dos debates, já que a formação complementar deve se dar através
da promoção de visitas a espaços de educação não formal, para que o tema
seja abordado de maneira mais completa.
Por outro lado, percebemos que não há um incentivo por parte dos
órgãos ligados à educação que se preocupe efetivamente em fazer da escola
esse espaço de debate de maneira institucio nalizada.
É notável que a educação escolar tem se colocado no papel de
formadora para o exercício da cidadania, quando proporciona troca de
experiências baseadas na diversidade e se preocupando em escolher meios de

97
como fazer essa formação através de proje tos, de debates, de aproximação
com as comunidades nas quais está inserida.
Livramo-nos dos modelos em que a educação era tratada como um
instrumento de controle sobre a população, quando, por exemplo, a disciplina
de Educação Moral e Cívica era orientada diretamente pelo Estado para se
formar as bases de nossa identidade com parâmetros autoritários.
Há um crescimento em atividades extracurriculares e extraclasse que
visam proporcionar atividades paralelas com a sala de aula, mas ao mesmo
tempo mais atrativas, desenvolvendo-se projetos e oficinas nas escolas.
Se a escola se reconhece então no papel de formar cidadãos, ela deve
levar em conta as questões do Patrimônio Cultural, já que ao trabalharmos com
a Educação Patrimonial estamos falando do lugar dela na formação de
cidadãos e do papel da escola nessa discussão que já foi apresentada tanto
nos documentos patrimoniais quanto nas legislações nacionais para a
educação.
Ao entendermos o processo educativo, em qualquer área de
ensino/aprendizagem, como tendo o objetivo de levar os alunos a utilizarem
suas capacidades intelectuais para a aquisição e o uso de conceitos e
habilidades, na prática, em sua vida diária e no próprio processo educacional e
que o uso leva à aquisição de novas habilidades e conceitos (HORTA, 2004, p.
03), colocamos a escola como um espaço aberto a discutir as questões do
Patrimônio Cultural, uma vez que ele tem um grande potencial pedagógico
(NORMAS DE QUITO, 1967; DECLARAÇÃO DE AMSTERDÃ, 1975;
MANIFESTO DE AMSTERDÃ, 1975; CARTA DE TURISMO CULTURAL, 1976)
a ser explorado.
Dessa forma, podemos lidar com a escola como um espaço para se
tratar de Patrimônio Cultural, principalmente porque ela própria carrega em sua
essência elementos patrimoniais quando trabalha com linguagens, com
memórias, com culturas diversas.
Por mais que para as nossas escolas não haja propostas para a
inserção do Patrimônio Cultural como objeto específico de estudos, cabe a ela
promover o seu conhecimento por se tratar de um ambiente rico em
diversidade e pluralidade cultural e, principalmente por assumir o seu papel de
formadora de cidadãos.

98
As escolas podem participar do processo de apropriação dos
Patrimônios Culturais seja por meio de projetos, exposições e atividades
organizadas por ela mesma ou por meio da aproximação com os espaços não
formais de educação como sugerido pelos PCN promovendo visitas a museus,
arquivos e bibliotecas (Brasil, 1997).
Para que essa ação tenha bons resultados, então, precisamos dar
valor aos professores enquanto agentes que são os mediadores e peças
fundamentais nesse processo de reconhecimento e preservação. Salientando,
mais uma vez, que eles também constroem e mantêm o Patrimônio Cultural
local e nacional, já que

Aos professores cabe a missão de valorizar todo conteúdo e


ensinamento que é oferecido ao seu aluno, para que eles
encontrem diversos motivos para ler, estudar e pesquisar e para
que o professor possa ensinar o real motivo de estudar. (HORTA,
1999, 2012.)

Para tal, é preciso que cada professor compreenda a importância e o


valor do patrimônio cultural para que possa desenvolver projetos sociais e
culturais na escola, entendendo que a história local não se opõe à história
nacional e que

a escrita da história local costura ambientes intelectuais, ações


políticas, processos econômicos que envolvem comunidades
regionais, nacionais e globais. É exatamente esse um dos seus
grandes méritos: descrever os diferentes mecanismos de
apropriação – adaptação, resposta e criação – às normas que
ultrapassam as comunidades locais. (REZNIK, 2010, p. 92)

A partir desse entendimento, podemos estudar o Patrimônio Cultural a


partir da história local que passa a ser vista como um campo privilegiado de
estudos, propício para vários níveis de investigações que possibilitem enxergar
como se trançam e constituem relações de poder entre indivíduos, grupos e
instituições. Enquanto campo privilegiado para se observar, segundo Reznik,
toda sorte dos “sentimentos de pertencimento e dos vínculos afetivos que
agregam homens, mulheres e crianças na partilha de valores comuns, na
necessidade e no gosto de se sentirem ligados a um grupo” (REZNIK, 2010, p.
92).

99
Com uma visão mais ampla sobre as realidades locais, torna-se
possível a construção da mudança no modo em que concebemos o patrimônio,
livrando-o do estigma de que patrimônio se resume apenas nas velhas
edificações, uma vez que “é possível alterar a compreensão e o conhecimento
que se possui sobre o passado, a partir das questões pensadas no presente”
(ANDRADE, 2010, p.74) e nesse momento aliamos o uso das narrativas
referentes à história e à memória sobre o próprio patrimônio e suscitando a
importância dele no processo identitário da sociedade.
Quando trabalhamos com as noções de patrimônio, percebemos que o
homem sempre busca orientar-se através de espaços, pessoas, objetos, ideias,
imagens, tendo a necessidade de criar um sentimento de pertencimento e que
pode ser relembrado só na memória, ou perpetuado em seus patrimônios
materiais ou imateriais, ficando registrados para grupos posteriores.
Acreditamos que a escola é um espaço profícuo para se tratar de
Patrimônio Cultural porque uma sociedade que não respeita e nem valoriza o
seu patrimônio perde as suas referências e, assim, a sua identidade, afinal,
sempre que falamos em patrimônio nos referimos à história, memória e
identidade (OLIVEIRA, 2008, p.114) e, logo concebemos a diversidade como
peça desse mosaico.
Levantamos essas questões sobre o patrimônio, porque através dele
fica mais claro o nosso direito de ter resguardada a memória que é, acima de
outras questões, um instrumento de poder do cidadão, pois quando a
resguardamos estamos resgatando

[...] uma memória que nós gestamos, para além daquela que é
gestada em nós. Aqui não se trata de uma memória
institucionalizada – aquela dos saberes estratificados; e tampouco
de uma contramemória como tentativa de desconstrução de um
passado imposto, mas de uma memória do futuro, na medida em
que comporta uma possibilidade de criação.(GONDAR, 2003, p.
35)

Através do despertar da cidadania, desenvolve-se um reconhecimento


maior de nossos direitos culturais que são frutos de diversas culturas, grupos,
que compõem a sociedade, “entre eles o direito à memória, ao acesso à cultura
e à liberdade de criar” (FONSECA, 2009, p. 74), contribuindo para desenvolver

100
a personalidade e a sociabilidade, levando a questão do Patrimônio Cultural
além das fronteiras da nação.
Dada a importância do Patrimônio Cultural é preciso que nos
esforcemos para reconhecer nossos vínculos com ele, para mantermos nossa
memória e história que ele nos relembra e assegura, já que se configuram em
nossa orientação e referência no tempo e no espaço em que nos inserimos
enquanto membros de uma sociedade.
É necessário que haja cada vez mais uma política de valorização do
patrimônio e da nossa relação direta com ele, seja ela trabalhada nas escolas
ou em outros espaços de educação não formais, para que os nossos alunos –
cidadãos em formação – se identifiquem com sua história, sua comunidade e
se percebam como agentes formadores e transformadores de sua própria
história, cultura e, portanto, criadores e guardiões dos nossos patrimônios
culturais, mas precisamos que os nossos professores estejam conscientes de
seu papel de mediadores.
Ora, uma vez que concebemos a escola como um espaço de
discussão é natural que a vejamos também como um espaço para o
desenvolvimento de projetos que façam a inserção de temas ligados ao
Patrimônio Cultural, especialmente porque ele pode ser integrado ao grande
tema da pluralidade cultural proposto pelos PCN, já que essa ação iria

incluir e reconhecer nas nossas próprias ações culturais os bens


existentes do patrimônio local – carregados de vida, de memória e
de história. Esse é um caminho realista, transformador, flexível e
prazeroso que poderá fortalecer os profissionais e humanizar
ainda mais o trabalho, desenvolvendo, também, a autoestima e a
confiança em experimentar novos projetos (ANDRADE, 2010,
p.67)

Nesse sentido, reforçamos que a escola é, naturalmente, um espaço


de formação e de discussões e que não há espaço melhor pa ra que temas
como o Patrimônio Cultural seja abordado e debatido, favorecendo a formação
dos cidadãos.

101
3.3. A Escola como Espaço de Discussão de Educação
Patrimonial: Meios de Valorização Local

É uma tendência cada vez maior, desde meados do início do século


XX, no Brasil, que as questões relativas ao patrimônio sejam inseridas nas
pautas cotidianas das escolas e de espaços não formais de educação, como
museus e centros culturais.
Para autores como Maria de Lourdes Horta (1999, 2012), essa
temática deveria envolver não somente a rede escolar, mas também a
comunidade local, a família e até empresas que valorizassem toda a
importância da preservação do patrimônio cultural. Tratá-la nos currículos
possibilita a prática da cidadania e diálogo entre gerações.
A autora afirma que se trata de um processo permanente e sistemático
de trabalho educacional com o foco no Patrimônio Cultural como fonte primária
do conhecimento e enriquecimento individual e coletivo, que dão elementos
para que sejam incorporados novos dados ou fontes secundárias de
informação. Para que se consolide a preservação sustentável desses bens e se
fortaleça o sentimento de identidade e cidadania, o currículo precisa oferecer
ao aluno subsídios para que ele construa seu pensamento, para que seja
crítico e para que se aproprie conscientemente do Patrimônio Cultural
Brasileiro (HORTA, 2012).
Tomamos a escola como um ambiente provocador. Ela é o espaço
onde o aluno deve ser despertado para novas concepções de mundo que
serão construídas a partir da junção de várias experiências, agregando a
riqueza da diversidade e a prática constante do debate.
Mais do que isso, a escola é tida como o lugar da educação.
Entendemos por educação um processo, que em seu sentido originário, do
latim, sugere a ação de avançar; uma atividade reflexiva, cujo objetivo é
alcançar o conhecimento (JAPIASSÚ, 1996). A educação, então, é entendida
por nós como “processo de formação da competência humana , com qualidade
formal e política, encontrando no conhecimento inovador a alavanca principal
da intervenção ética” (Demo, 1996, p.1).

102
Levamos em consideração que, assim como o Patrimônio Cultural, a
educação e as legislações que a regem são resultados das ações dos homens
e que se modificam a cada cenário histórico, social e político que se estabelece
ao longo dos anos, obedecendo aos jogos de poder e tensões existentes entre
os grupos que disputam a hegemonia.
Estamos certos de que, na contemporaneidade, temas como a cultura
e o desenvolvimento são constantes nas escolas, porque para além de fazerem
parte das diretrizes curriculares, são fundamentais para a nossa sociedade.
Para que a educação se aproxime desses temas vem sendo recorrente a
interação entre as áreas de conhecimento dentro das escolas, salientando que
todo conhecimento se faz na troca, na relação entre as disciplinas e os vários
espaços sociais que os alunos frequentam.
Tratamos aqui de estabelecer uma relação entre a educação dentro e
fora da escola, colocando-a como resultado das ações produzidas tanto no
espaço escolar quanto nos espaços não escolares como a casa, a família, os
museus, os teatros, pois a “escola é uma, entre outras instituições, que busca
sistematizar e refletir sobre as nossas multifacetadas vivências. O saber
escolar é uma expressão da experiência social” (REZNIK, 2010, p.90).
Quando salientamos que vivemos na sociedade da informação,
precisamos estar cientes de que a educação de nossa sociedade deve basear-
se nas diversas habilidades comunicativas que temos nas mãos, para que
sejam mais atrativas e que possam instigar debates e reflexões nos indivíduos
que participam desse processo de formação educacional.
Explorar os vários meios de comunicabilidade que temos é uma
questão de adaptação dos trabalhos, de organização de atividades inter e
transdisciplinares e é um modo de tornar o ambiente escolar e o ato da
aprendizagem em uma atividade mais prazerosa, participativa e permanente
(PINSKY, PINSKY, 2010).
Extrapolar os muros da escola apresentando temas de debate que
fazem parte do cotidiano faz com que o processo de aprendizagem ocorra a
todo momento na vida do aluno (BEZERRA, 2010), dessa forma, a escola
torna-se um importante espaço de discussão a envolver professores e alunos,
famílias e comunidade. Cabe à escola buscar meios de não se prender à idei a

103
de repassar conhecimentos acadêmicos, mas de tornar sua atividade mais
comunicativa e aberta, convidativa e rica.

A educação propicia um exercício constante e rotineiro de reflexão


sobre o passado, visando a transformação de vivências em
experiências, construindo sentidos para a nossa ação no mundo
atual. O processo educativo possibilita a reelaboração permanente
de nossas identidades (REZNIK, 2010, p 91).

Dessa forma, a educação tem como referencial o próprio Patrimônio


Cultural e, então, toda educação passaria por uma forma de Educação
Patrimonial, já que é pelo viés escolar que transmitimos a nossa cultura. A
escola é uma instituição criada pelo homem e que faz parte do Patrimônio
Cultural e que ao mesmo tempo se alimenta de vários patrimônios como a
língua, os costumes, as tradições locais e que fornece esse mesmo alimento
aos seus alunos e professores, uma vez que o movimento de troca de
experiências entre eles é constante.
Faz-se importante ressaltar que, embora admitimos que a escola seja
um Patrimônio e que faz o papel de disseminadora dele, os conteúdos que são
transmitidos nas salas de aula obedecem a um padrão importado, nem sempre
levando em conta as especificidades locais. Daí a importância de se inserir as
metodologias de Educação Patrimonial e assumir as suas raízes, voltando-se
para a história local.
Assinalamos para essa necessidade porque nos apoiamos nos PCN e
porque encontramos no tema transversal da pluralidade cultural os elementos
básicos para a inserção do contexto local a fim de se promover uma educação
de qualidade e mais voltada para a sua relação com os valores do Patrimônio
Cultural, já que são imbricadas inconscientemente nos alunos e que

ao se enfatizar temas e objetos, espaços, indivíduos e costumes que


podem ser reconhecíveis entre pessoas que pertencem a um
determinado sistema cultural baseado em relações de vizinhança,
contiguidade territorial e proximidade espacial, espera-se ampliar o
potencial da reflexão histórica. (REZNIK, 2010, p. 92)

Ideal que além de ser profícuo no desenvolvimento da disciplina


histórica, está de acordo com os PCN, já que existe a abertura de se fazer

104
adaptações a cada região, inclusive com a adoção de temas especificamente
locais (BRASIL, 1997 b, p.65).
Ressaltamos que o trabalho com o patrimônio, a identidade a educação
patrimonial e a memória e a relação que esses temas apresentam com o
cotidiano dos professores e alunos, pode estabelecer uma aproximação da
teoria e da prática vivenciada com os alunos, especialmente pelo viés de se
trabalhar com a cultura popular através dos mitos e folclores regionais que
também leva à aproximação com a relação patrimônio-vida cotidiana, já que

o local, alçado em categoria central de análise, pode vir a


constituir uma nova densidade no quadro das interdependências
entre agentes e fatores constitutivos de determinadas
experiências históricas. [...] O estudo das experiências passadas
através do recorte local pode vir a ser mais permeável a um
inventário da diversidade comportamental, étnica e cultural
presente na sociedade. (REZNIK, 2010, p. 92)

Concluímos, então, que a escola lida com o Patrimônio Cultural o


tempo todo e que através das metodologias da Educação Patrimonial pode vir
a ser um grande facilitador do conhecimento entre a comunidade e suas raízes
históricas, seus bens patrimoniais, suas memórias e suas práticas, tornando os
seus alunos cidadãos mais críticos.

105
Quadro Esquemático: A Educação Patrimonial nos Documentos Patrimoniais e no Brasil31

Ano Documento Organizadores Educação Patrimonial Observações


 Educação como fator direto à
conservação
 Educadores  infância e
juventude contra os danos às Primeiro ato normativo
1931 Carta de Atenas I Congresso Internacional edificações internacional dedicado
de Arquitetos e Técnicos  Estado responsável pela exclusivamente ao Patrimônio
em Monumentos educação, mas não aponta Cultural
diretrizes específicas para a
Educação Patrimonial
 Criação de espaços de caráter
educativo, podendo ser um
museu Pioneiro em apresentar diretrizes
1956 Carta de Nova Délhi UNESCO  Ações educativas com para a preservação do patrimônio
participação dos estudantes arqueológico
 Ensino de História, ferramenta
fundamental
 Enfatizou o papel da educação Salvaguarda da beleza, do
formal  as atividades caráter das paisagens e dos
1962 Carta de Paris UNESCO deveriam ocorrer dentro das sítios que fazem parte do quadro
escolas natural.
 Função dos professores e da Ampliação da noção de
necessidade de sua Patrimônio Cultural
formação
 Elaboração de materiais
didáticos

31
Quadro esquemático idealizado pela autora como parte componente desta dissertação de mestrado.

106
Ano Documento Organizadores Educação Patrimonial Observações
 Alertava para a necessidade Instituiu a noção de bem cultural.
de se promover a educação
patrimonial e a promoção do
1964 Carta de Veneza UNESCO bens
 Para que a preservação
tivesse algum sentido se
fazia necessário que o bem
tivesse alguma relação com
a comunidade que o detém
 Educação formal, na qual o Proibição e impedimento de
Estado deveria estimular e exportação, importação e
1964 Recomendação de UNESCO desenvolver o interesse dos transferência de propriedade
Paris cidadãos ilícita de bens culturais
 Uso dos bens patrimoniais
como recursos pedagógicos
 Exploração dos bens culturais Adequação das determinações
1967 Normas de Quito OEA como meios de inserção da europeias às realidades latino-
comunidade nos processos americanas
de salvaguarda e proteção
 Implementação da Educação
Cívica nos espaços formais
 Documento que deixou mais Recomendações para obras
clara a responsabilidade dos públicas ou privadas e métodos
Estados, ministérios e de incorporação da sociedade
1968 Recomendação de UNESCO secretarias para a educação, nos assuntos referentes ao
Paris passando-a também aos Patrimônio Cultural
educadores

107
Ano Documento Organizadores Educação Patrimonial Observações
 Criação de cursos superiores
na área de preservação do
Patrimônio Cultural
 Culto do passado: elemento
principal da formação da
1970 Compromisso de Ministério da Educação e brasilidade Cuidados específicos para o
Brasília Cultura do Brasil  Inclusão de temas ligados ao Patrimônio Cultural brasileiro
Patrimônio Cultural no
currículo de todos os níveis
do ensino formal
 Aproveitamento da disciplina
de Educação Moral e Cívica
 Inclusão no ensino de 2º grau
1971 Compromisso de Ministério da Educação e um curso complementar de Reafirmar as posturas do
Salvador Cultura do Brasil estudos brasileiros e Compromisso de Brasília
museologia
 Educação profissionalizante
 Educação como fator
1972 Declaração de ONU importante para a melhoria Documento pioneiro em Direto
Estocolmo da qualidade de vida da Internacional Ambiental
comunidade
 Educação ambiental
indispensável
 Educação Ambiental
 Programa de proteção do Proteção do Patrimônio Mundial,
1972 Recomendação de UNESCO patrimônio através de ações Cultural e Natural;
Paris educativas Patrimonialização do Meio
 Programas educativos com Ambiente
objetivo de fortalecer a

108
apreciação e o respeito aos
patrimônios culturais
Ano Documento Organizadores Educação Patrimonial Observações
 A educação escolar deveria
incluir programas de estudo
sobre a importância do
Recomendação de OEA patrimônio monumental. Texto baseado na Carta de
1974 São Domingos e  OEA, UNESCO e as demais Veneza (1964) e nas Normas de
Governo Dominicano organizações internacionais Quito
deveriam preparar material
didático para os programas
 Preocupações diretamente
relacionadas com a
EDUCAÇÃO FORMAL
 Educação escolar como fator
fundamental no
conhecimento dos Ano Europeu do Patrimônio
Patrimônios Culturais Arquitetônico;
1975 Declaração de Congresso Patrimônio  As novas gerações são o Inserção e ampliação da
Amsterdã Arquitetônico Europeu futuro dos Patrimônios dimensão histórica e cultural no
Culturais, já que serão ambiente urbano
detentoras dele no futuro.
 Abrir espaço para pesquisas e
incluir os seus resultados nos
programas de educação e
desenvolvimento cultural.
1975 Manifesto de Amsterdã Congresso Patrimônio  Patrimônio arquitetônico com Reafirmação dos pontos
Arquitetônico Europeu valor pedagógico importante levantados na Declaração de
Amsterdã

109
Ano Documento Organizadores Educação Patrimonial Observações
 O papel da educação é incutir nos
cidadãos os valores relativos à
importância de se preservar o
Patrimônio Cultural Salvaguarda dos conjuntos
1976 Recomendação UNESCO  Valorização do trabalho de pesquisa históricos e sua função na vida
de Nairóbi  Tratar o Patrimônio Cultural dede a contemporânea
pré-escola até a universidade
 As ações educativas poderiam
contribuir para a elaboração de
estratégias de um turismo cultural Documento voltado para o turismo
sustentável e estratégias necessárias para a
 Usa os bens patrimoniais como sua manutenção, mas sem
1976 Carta de Turismo ICOMOS recursos pedagógicos – saindo dos desgastar os Patrimônios
Cultural muros da escola Culturais
 Educar a população através do
sistema educacional formal de
modo a promover o conhecimento e
o respeito
Necessidade de se intensificar os
esforços para a preservação do
A educação é entendida como método de Patrimônio Natural
1982 Declaração de ONU prevenção de agressões ao meio ambiente Reúne elementos da Carta de
Nairóbi através da conscientização, devendo Estocolmo (1972) e Nairóbi
ocorrer nos ambientes escolares e (1972) tratando de elementos do
difundida por meios diversos. Patrimônio Natural e também do
viés cultural.

110
Ano Documento Organizadores Educação Patrimonial Observações
 A educação e a cultura deveriam ter Texto voltado para as Políticas
o seu conceito ampliado, já que são Culturais;
entendidas como essenciais para o Recobra elementos da
desenvolvimento do indivíduo e da Declaração Universal dos
1985 Declaração do ICOMOS sociedade Direitos do Homem (Educação e
México  Educação como meio por excelência cultura são direito inalienáveis do
para se transmitir os valores homem)
culturais e nacionais
 Educação como elemento de
incorporação da sociedade ao meio
das cidades históricas Trata da preservação das
1986 Carta de ICOMOS  Salientar que todos os meios são cidades históricas;
Washington produtores de cultura Texto complementar à Carta de
 Programas de informações gerais Veneza (1964)
sobre as cidades históricas que
comece desde a idade escolar
 Assinalou-se a necessidade e
relevância de um programa
nacional para a Educação A preservação foi colocada como
1997 Carta de Fortaleza IPHAN Patrimonial tema a ser abordado de maneira
 No Brasil, a Educação Patrimonial global
vem se tornando cada vez mais
familiar e frequente no trabalho dos
Museus

111
4. Educação Patrimonial e Escola: Análises da Realidade de
Niterói

Esta pesquisa teve suas bases em nossa inquietação ao trabalhar com


um grupo de professores mineiros em um curso de aperfeiçoamento para a
Produção de Materiais Didáticos para a Diversidade, levando em conta a
questão do Patrimônio Cultural e da memória. Deslocamos nossos olhares
para a realidade da cidade de Niterói e buscamos enxergar em que pontos os
professores niteroienses apresentam preocupações com relação aos seus
trabalhos e ao trato com o Patrimônio Cultural em suas aulas.
Inserimo-nos no âmbito das pesquisas em Educação e nos
posicionamos na chamada pesquisa qualitativa, que para Minayo (2010, p. 27)
pode ser dividida em três momentos: fase exploratória, o trabalho de campo e a
análise do material adquirido. Na fase exploratória, estruturamos os debates
teóricos, apresentando as nossas bases conceituais de reflexão, a partir do
qual iniciamos o trabalho de campo, com a observação das atividades
escolares que pudessem levantar elementos relacionados ao Patrimônio
Cultural. Realizamos a aplicação de questionários e entrevistas com os
professores, coordenadoras e diretoras para ter material de análise.
Nas entrevistas realizadas, levamos em conta que cada professor
expressava as suas visões individuais que são marcadas pelas impressões do
coletivo, numa relação dinâmica que tende a

evidenciar o passado no presente imediato das pessoas, através


dos depoimentos orais, constitui essa possibilidade de
reconstrução e compreensão da história humana. Neste sentido, a
memória, a experiência e o tempo são fundamentais para essa
recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu.
Memória no sentido de fonte do passado no presente, como busca
daquele tempo no agora, transcendendo a mera cronologia, mas
como nas palavras de Walter Benjamin, 'como musa da
narratividade, que se constrói na experiência de vida',
possibilitando assim, revisitar o passado no presente,
'restabelecer uma ligação com o passado, e que este possa ser
salvo naquilo que tem de fundamental. O movimento de mergulhar
em busca da experiência perdida, de saltar para trás em direção
ao passado, poderá permitir a erupção de algo novo'. (Borelli,
1992, p.19)

112
Para que a pesquisa tomasse corpo nos guiamos inicialmente pela
questão: “o que é trabalhar com patrimônio cultural?”. A partir desse
questionamento começamos a desdobrar as nossas interrogações e chegamos
a uma seleção de questões-chave que nos nortearam ao longo do trabalho:
1) O que é o patrimônio cultural?
2) O que é identidade?
3) O que é memória?
4) O que é diversidade?
5) O que é Educação Patrimonial?
Como o que buscávamos era perceber como os professores trabalham
esses conceitos com seus alunos no cotidiano escolar, buscamos observar as
atividades dos docentes, independente da área de atuação deles. Partindo
para uma entrevista semiestruturada com os professores de História dessas
escolas.
Em um momento mais avançado da pesquisa, a finalidade era a de ir
além do que nos foi mostrado e falado pelos professores. Através dos vários
métodos e técnicas da análise de conteúdo, à luz de Laurence Bardin,
buscamos a “compreensão por meio das palavras, das imagens, dos textos e
dos discursos: descrever e interpretar opiniões, estereótipos, representações,
mecanismos de influência, evoluções individuais e sociais” (BARDIN, 2011,
p.11), já que por detrás de todo discurso geralmente simbólico e polissêmico
temos um sentido a ser desvendado (BARDIN, 2011, p.20).
Foi partindo da análise das falas dos professores e dos documentos
que regulam e orientam a educação na cidade de Niterói que observamos
como os conceitos que pegamos como eixos para essa pesquisa são
apreendidos e trabalhados pelos docentes. Percebemos até que ponto é
possível trabalhar as questões relativas ao patrimônio e os conceitos
relacionados a ele nas salas de aulas, sem que haja a necessidade de se criar
uma disciplina escolar específica ou um projeto para se debater esses temas.
O trabalho final foi o resultado da triangulação entre esses
instrumentos de pesquisa que nos deixou com uma margem maior para o
trabalho, já que nos possibilitou o uso de entrevistas, questionários, e ainda, a
observação do ambiente escolar. Essa triangulação metodológica
(GOLDENBERG, 2004) nos deu maior amplitude na descrição, e xplicação e

113
compreensão do tema abordado, enquanto fenômeno social, já que por se
tratar do modo de como são feitas as apropriações de conceitos não poderia
ser estudado de maneira isolada, revelando aqui nossa proximidade com as
Ciências Sociais.
Assinalamos que os dados estatísticos levantados, com os métodos da
análise documental, quando da elaboração de quadros categoriais (BARDIN,
2011, p.61), serviram apenas de suporte para as análises mais profundas de
conteúdo e para nortear melhor nossas inferências.
A pesquisa qualitativa foi útil para identificar conceitos e variáveis
relativas a situações que podem ser estudadas para perceber as sutilezas
(GOLDENBERG, 2004) presentes nos trabalhos docentes e nas vivências
escolares. Estes estão diretamente relacionados às questões
afetivas/emotivas, aos sentimentos de pertencimento e identidade.
Essas práticas foram importantes porque o que buscamos não era
apenas verificar se os entrevistados conheciam ou não o nosso tema do ponto
de vista acadêmico, mas também saber o modo de como eles lidam com as
questões diárias que colocam o Patrimônio Cultural, e os conceitos ligados a
ele, na ordem do dia, ainda que sem o conhecimento consciente dessas
ocorrências, nos dando elementos para compreender como se estabelecem as
relações com os esquecimentos (POLLACK, 1989), os silêncios, as omissões
que nos dizem tanto quanto as ocorrências encontradas na pesquisa.
Trabalhamos diretamente com as vivências, memórias, lembranças de
nossos entrevistados, já que elas estão diretamente vinculadas não só ao
passado, mas com a identidade e, assim (indiretamente), com a própria
perspectiva do futuro (ROSSI, 2010, p.24) e por conseguinte, às questões da
diversidade e do próprio patrimônio cultural, já que

o mundo em que vivemos há muito tempo está cheio de lugares


nos quais estão presentes imagens que têm a função de trazer
alguma coisa à memória (…) como acontece com os
monumentos, nos remetem ao passado de nossas histórias, à sua
continuidade presumível ou real com o presente. Nos lugares da
vida cotidiana, inúmeras imagens nos convidam a
comportamentos, nos sugerem coisas, nos exortam aos deveres,
nos convidam a fazer, nos impõem proibições, nos solicitam de
diversas maneiras (ROSSI, 2010, p.23).

114
Nossa pesquisa se deu com os professores de duas escolas
municipais de Niterói: Escola Municipal Francisco Torres , localizada à Rua
Professor Ismael Coutinho, 88, Centro e a Escola Municipal Santos Dumont,
localizada à Rua Manoel Correia, s/n., bairro de Fátima. As escolasestão em
áreas próximas e atende a um público semelhante.
O perfil de alunos das duas escolas é muito diversificado, mas a
maioria das crianças atendidas é da comunidade do Morro do Estado. Há ainda
um grupo de alunos de bairros próximos, cujos pais trabalham no centro e a
localização da escola facilita o acesso dos pais e alunos.
Foram analisados questionários apresentados a 20 professores de
todas as áreas de ensino, além da observação das atividades feitas pelas
escolas no segundo semestre letivo de 2012. Dos 20 questionários foram
retirados três professores de História das escolas, além de uma entrevista com
uma coordenadora e com uma diretora.
Os resultados colhidos foram tabulados em gráficos que serão
apresentados ao longo dessa sessão juntamente com os resultados obtidos em
todo o período de observação e entrevistas.

115
4.1. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Orientações
Curriculares para a Rede Municipal de Educação de Niterói e o
Trabalho Docente com a Educação Patrimonial

Enquanto política pública, no Brasil, a Educação Patrimonial foi


formalizada em escala nacional, tendo o Guia Básico de Educação Patrimonial
(HORTA, 1999) como recomendação pelo IPHAN. A obra é fruto das
experiências realizadas no Museu Imperial de Petrópolis e busca direcionar os
trabalhos dos docentes de História para a organização de trabalhos
multidisciplinares.
Mesmo com essa formalização a prática da Educação Patrimonial não
é uma constante em nossas escolas, ficando mais a cargo das instituições não
formais de educação, como os museus e centros culturais.
Em nossa trajetória política, a questão do Patrimônio Cultural foi
abordada desde a Constituição de 1934, ganhando mais vigor na atual Carta
Magna nacional, de 1988, que considera a diversidade e a pluralidade cultural
como elementos fundamentais na formação da identidade nacional, além de
dedicar dois artigos ao Patrimônio Cultural.
Na legislação específica para a educação nacional, LDBEN, em seu
artigo 26 apresenta com ênfase que os currículos escolares do ensino básico
em sua parte diversificada deixem espaços para englobar temas regionais e
locais da cultura, visando uma proposta de ensino que tenha por objetivo a
divulgação do acervo cultural regional.
Alves (1998) nos lembra que por muitos anos essa discussão esteve
ausente de nossas políticas educacionais:

Esta enorme diversidade de leituras da situação cultural do nosso


tempo tem estado, em geral, ausente dos sistemas educativos. O
debate, quando tem lugar, ocorre nas margens do sistema em
iniciativas extracurriculares dos professores e dos estudantes,
mas raramente penetram no currículo. (SANTOS, 1996, p. 29
apud ALVES, 1998).

Para a autora, com a LDB, as múltiplas discussões sobre as diferenças


culturais e as possibilidades de organizações de currículos de maneira
diferenciada foram incorporadas de modo variado e, algumas vezes, nada

116
coerentes (ALVES, 1998, p. 05). Segundo a autora de acordo com a estrutura
educacional brasileira não há grandes possibilidades de mudança, uma vez
que a grade curricular encontra-se limitada, não tendo uma abertura efetiva
para a inserção desses temas.
Para complementar a LDB, foram publicados os PCN que trouxeram
como inovação a interdisciplinaridade 32, com a inserção dos temas
transversais. Em pelo menos dois desses temas propostos pelos PCN
podemos inserir a temática do Patrimônio Cultural, que são o Meio Ambiente –
que suscitaria discussões sobre os patrimônios naturais – e a Pluralidade
Cultural, no qual demos enfoque neste trabalho.
O objetivo tanto da LDB quanto dos PCN é que se tenha um espaço
para que os alunos tomem conhecimento de assuntos relacionados com os
Patrimônio Culturais, mas salientamos que eles deixam essas determinações a
cargo dos órgãos locais: secretarias de educação estaduais e municipais que
devem promover a elaboração do currículo completo das escolas.
O ideal seria as parcerias com o IPHAN e com os órgãos de proteção
estaduais para a elaboração de cursos de formação, atividades pedagógicas,
materiais didáticos e meios diversos que capacitassem os professores para
lidar com as metodologias da Educação Patrimonial.
Em Niterói, as Orientações Curriculares da Rede Municipal de
Educação, se colocam em consonância com as propostas da LDBEN e dos
PCN e se propõe a “abraçar o multiculturalismo na sua visão de cidadania,
imbuídos na perspectiva de se respeitar a diversidade e de superar qualquer
tipo de preconceito ou discriminação em todos os eixos do currículo”
(ORIENTAÇÕES CURRICULARES, 2010, p. 3). Dessa maneira, busca-se que
as práticas docentes atendam ao cumprimento da função social dos temas
transversais que visam trabalhar com valores gerais e unificadores (BRASIL,
1997 a, p. 64).
Em seu texto final, o documento apresenta argumentos que o coloca
como um currículo multicultural (ORIENTAÇÕES CURRICULARES, 2010),
32
A Interdisciplinaridade nasceu como uma profunda crítica ao modelo de disciplinas
separadas, com tempos e temas próprios, avaliações espec íficas e até mesmo objetivos
pedagógicos que nem sempre coincidem. Piaget já havia demonstrado que esta separação
tinha algo de irracional. A interdisciplinaridade, segundo Piaget, pode ser explicada como a
atividade em que a c ooperação ent re várias disciplinas provoca intercâmbios reais, existin do
reciprocidade. (RICCI, 2010, p. 51)

117
trabalhando com conceitos apresentados por Homi Bhabha (2011) e Stuart
Hall, salientando que as culturas podem ser interpretadas como cada vez mais
mistas e diaspóricas (HALL, 2009). Esses conceitos se expandiram e, de
acordo com essas orientações curriculares podem ser trabalhados em três
dimensões diferenciadas no que diz respeito à diversidade cultural:

na perspectiva folclórica, em que mostre a influência dos diversos


povos na formação da cultura; na perspectiva multicultural crítica
de desafios a preconceitos, formação da cidadania e
questionamentos de desigualdade ou na perspectiva multicultural
pós-colonial, na qual pode questionar conceitos esteriotipados
[...]superar dicotomias e essencializações (ORIENTAÇÕES
CURRICULARES, 2010, p. 6).

Segundo o documento essa característica de ser multicultural permite


que os professores da rede execute m um trabalho voltado para a formação das
identidades, buscando a superação de binômios depreciativos que classificam
identidade e diferença, rompendo esse paradigma, entrando em consonância
com as orientações da UNESCO que valorizam a diversidade cultural como a
maior riqueza das nações.
As orientações inserem-se dentro do sugerido pelos PCN quando deixa
claro em seu texto que o contexto niteroiense está “presente nas matizes
desenvolvidas, conferindo a articulação do local ao global e conferindo o
elemento da niteroidade ao currículo” (ORIENTAÇÕES CURRICULARES,
2010, p. 6).
Na rede municipal de Niterói, de acordo com as Orientações
Curriculares cabe ao professor eleger temas educacionais que valorizem a
diversidade e que deem enfoque ao multiculturalismo presente nas escolas. As
habilidades que devem ser desenvolvidas pelos alunos, partindo das OCN são:

A – Valorizar a diversidade cultural, étnica, racial, de gênero, de


religião, linguística, de orientação sexual e outras contribuições
para a riqueza da sociedade local, nacional e global;
B – Combater preconceitos, discriminações, assédios e quaisquer
formas de intolerância e violência contra o outro, buscando
reconhecer suas origens e denunciar suas manifestações;
C – Reconhecer e valorizar o patrimônio histórico, bem como os
saberes linguísticos, artísticos e culturais (materiais e imateriais)
das comunidades e do município de Niterói, percebendo diálogos

118
dos mesmos com os de outras regiões brasileiras, em um
contexto multicultural;
D – Posicionar-se de forma crítica e autônoma em relação às
questões sociais, políticas, econômicas, culturais e ambientais;
E – Compreender a construção do conhecimento como histórica e
culturalmente situada, diretamente ligada à prática da pesquisa e
à resolução de situações-problema, articulando os conteúdos
curriculares aos saberes e vivências do cotidiano;
F – Relacionar-se de forma crítica, criativa e positiva com as
tecnologias, utilizando-as como recursos para o avanço do
conhecimento, da pesquisa e de sua inserção no mundo
contemporâneo e plural;
G – Participar de atividades que estimulem atitudes éticas, de
cooperação, respeito e solidariedade para como o próximo;
H – Articular os conteúdos curriculares entre si, nos eixos
integradores e/ou entre os diferentes eixos. [grifo nosso]
(ORIENTAÇÕES CURRICULARES, 2010, p. 6).

Com base nesse texto, a temática do Patrimônio Cultural deveria ser


inserida nas aulas em pelo menos um dos três eixos propostos pela Fundação
Municipal de Educação, que são: Linguagem, Identidade e Autonomia; Tempo,
Espaço e Cidadania; e Ciências, Tecnologias e Desenvolvimento Sustentável.
Ao observamos os três documentos que pautam a Educação na cidade
de Niterói percebemos elementos de uma linha freireana de educação:

(...) a educação ou ação cultural para a libertação, em lugar de ser


aquela alienante transferência de conhecimento, é autêntico ato
de conhecer, em que os educandos – também educadores –
como consciências ‘intencionadas’ ao mundo, ou como corpos
conscientes, se inserem com os educadores – educandos também
– na busca de novos conhecimentos, como consequência do ato
de reconhecer o conhecimento existente (FREIRE, 1984, p. 99).

A visão de Paulo Freire nos aponta para práticas de conhecimento a


partir de si próprio e do meio no qual está inserido, uma das metodologias
apontadas para a Educação Patrimonial e a valorização das realidades locais.
Por mais que as propostas sejam direcionadas à atividades
interdisciplinares ou transdisciplinares, o enfoque recai sobre as disciplinas de
História e Geografia, já que o modo de trabalhar o Patrimônio, por meio de
outras áreas/disciplinas, nem sempre é imediatamente percebido pelos
professores das demais disciplinas do currículo escolar (HORTA, 2005, p. 3).

119
Há ainda uma dificuldade de se efetivar os trabalhos com a Educação
Patrimonial por parte dos professores, ligada a interdisciplinaridade, uma vez
que toda a sua formação é voltada para a estrutura curricular fechada,
compartimentada, prezando a sua especialização, para além da deficiência nos
cursos superiores com relação à formação para o Patrimônio Cultural.
Muitos professores ainda hoje não conhecem a temática e não sabem
como deveriam lidar com ela na sala de aula e atribuem à sua falta de
atividades à deficiência de sua formação, como veremos mais adiante na fala
dos próprios professores.
O que vemos é que nos documentos oficiais que pautam a nossa
educação, a temática do Patrimônio Cultural é bem amparada, mas deixa a
cargo dos professores os meios de como ela será abordada ao longo do
período letivo.

120
4.2. Educação Patrimonial nas Escolas: Presença Constante,
mas Quase Despercebida

Ao chegarmos nas escolas que foram objetos dessa pesquisa, a


primeira coisa que foi percebida estava nos murais: muitas fotos de passeios
com os alunos no Museu de Arte Contemporânea – MAC – de Niterói,
exposições sobre a vida e a obra de Luiz Gonzaga, registros de um evento que
envolvia a cultura austríaca e as suas influências no Brasil, exibições de
catazes e frases sobre a utilização consciente da água e a proteção ao meio
ambiente.
Tanto a Escola Municipal Francisco Torres quanto a Escola Municipal
Santos Dumont estavam permeadas de projetos elaborados pelos professores,
com o aval das direções, que trabalhavam as questões relativas ao Patrimônio
Cultural sob vários aspectos.
O primeiro contato se deu a fim de conhecer as escolas, conhecer as
suas realidades, os seus espaços e os seus métodos de trabalho.
As duas escolas, por estarem localizadas próximas ao centro comercial
de Niterói e também ao Morro do Estado acolhem, em sua maioria, crianças
dessa comunidade, mas também algumas que são de outros bairros, que por
conveniência, acabaram por se matricular nelas.
Nesse ponto de vista, por ter uma diversidade de alunos muito grande,
as duas escolas não teriam maiores problemas em se adequar aos eixos
propostos pelas OCN que se colocam num papel de valorização dos saberes
plurais dos sujeitos, a inclusão das vozes marginalizadas, o diálogo entre os
saberes socialmente valorizados e os saberes trazidos pelos alunos
(ORIENTAÇÕES CURRICULARES, 2010, p. 5).
Na escola A 33, fizemos uma breve entrevista com a diretora que ao ser
questionada sobre a existência de projetos que contemplassem a temática do
Patrimônio Cultural, nos deu uma resposta negativa.

33
Optamos nessa pesquisa por não especificar em quais das escolas aconteceram os fatos
relatados, apenas indicando por “escola A” e “escola B”.

121
Fato que merece destaque é que nessa escola, por toda parte havia
registros de atividades que estavam voltadas para a Educação Patrimonial
como a visita ao MAC, a Semana sobre as influências da Áustria no Brasil e o
trabalho relativo à sustentabilidade e uso consciente da água.
A gestora nos afirmou não saber do que se tratava a expressão
Patrimônio Cultural, mas a todo tempo se referia à importância de se promover
visitas dos alunos aos museus e bibliotecas da cidade.
Na escola B, nossa entrevista se deu com a coordenadora pedagógica
que além de sua formação em Pedagogia, apresentava pós-graduação em
nível de especialização em Educação, mas em uma área que tratava do
Patrimônio Cultural.
Com relação aos professores, a maioria, como apontado no gráfico
abaixo (fig. 06), afirma ter conhecimentos sobre o Patrimônio Cultural,
entendendo-o como um ponto importante a ser trabalhado pela escola.

Gráfico sobre o conhecimento do que é Patrimônio Cultural

O quadro de professores pesquisados está, em sua maioria, atuando


na rede municipal de educação da cidade de Niterói há mais de dez anos.
Grande parte dos docentes possui especialização.
Todos afirmam conhecer os Planos Políticos-Pedagógicos de suas
escolas e as OCN, tendo, inclusive, participado das discussões e da
elaboração dos mesmos, o que aponta algumas questões intrigantes: partindo

122
do ponto de que conhecem as legislações que pautam os seus trabalhos e que
atuaram na construção dessas políticas, aliado ao fato de conhecerem também
as temáticas relacionadas ao Patrimônio Cultural, por que, ao serem indagados
sobre a existência de projetos que trabalham a temática em suas escolas a
maioria afirma que não?
A resposta foi encontrada nas entreli nhas das respostas dadas pelos
professores às entrevistas. Para os professores das diversas áreas a resposta
negativa se dava pela dificuldade de enxergar o Patrimônio Cultural, por
exemplo, no projeto sobre a sustentabilidade e o uso da água.
Muitos professores, especialmente os que não são da área da História,
ainda são detentores da ideia de que apenas são considerados como
patrimônio aqueles objetos históricos e artísticos, ou monumentos e centros
históricos designados como representativos da memória de uma nação, que
instituições e agentes governamentais deveriam proteger e resguardar
(FUNARI, 2004; FONSECA, 2009).
Os professores não concebem, em alguns casos, como na escola A,
que o meio ambiente é sim, questão fundamental de Patrimônio Cultural, tendo
sido, inclusive, alvo de Cartas Patrimoniais específicas como a Declaração de
Estocolmo (1972). Para eles a questão ambiental e paisagística era importante,
mas dissociada do patrimônio.
Nas respostas colhidas, apenas os professores de História se
mostravam mais firmes ao afirmarem conhecer os conceitos que envolvem o
trabalho com o Patrimônio Cultural e, a maioria dos projetos desenvolvidos nas
escolas ou partiram deles ou contavam com eles entre as disciplinas
envolvidas.
No projeto que trabalhava o uso da água e a sustentabilidade os
professores levantaram a questão dos banhos demorados, em que os alunos
buscaram descobrir a origem do hábito de se tomar banho, apresentaram
trabalhos em forma de cartazes com imagens e sugestões para um melhor
aproveitamento da água, sem desperdícios. Nesse projeto envolveram-se os
professores de ciências, história, geografia e artes.
Não encontramos projetos que conseguiram abarcar todas as
disciplinas da escola colocando em prática a transdiciplinaridade, mas nas
duas escolas os trabalhos se dão na interdisciplinaridade.

123
A Escola B apresentou um trabalho que mais agregou disciplinas sobre
o centenário de Luiz Gonzaga. A partir desse tema os alunos desenvolveram
oficinas, levantaram discussões sobre a identidade local com fortes influências
nordestinas, trabalharam os ritmos representados pelo músico, analisaram as
letras das músicas, fizeram trabalhos para exposição e o resultado foi
apresentado para a comunidade em uma feira cultural.
Cabe lembrar que nessa escola a coordenadora possui uma formação
voltada para as práticas de valorização do Patrimônio e também o maior
número de professores afirma ndo que a escola tem projetos que lidam com o
tema mesmo que não seja um objetivo específico, uma prática objetiva.
É consenso entre a importância desse tipo de projeto, que envolve o
aluno, os professores e a comunidade, especialmente porque

o aluno, pesquisando e expressando-se, passe a agir e interagir


com seu meio. E ao presentificar um olhar sobre o passado que a
disciplina de História possibilita que ele, o aluno, possa identificar-
se enquanto indivíduo, diferente, mas componente de uma
coletividade que o une e, portanto, que é sujeito da História
(BESSEGATTO, 2004, p. 18).

Citamos aqui a disciplina de História porque foi o nosso foco. A maioria


das 8 entrevistas foram feitas com historiadores, mas com os demais
professores o entendimento era o mesmo: os alunos parecem se interessar
mais, participam mais das atividades quando elas envolvem projetos e aulas
diferenciadas.
Sobre as visitas a espaços museais, as duas escolas empreenderam
visitas ao MAC. Para as duas direções, a visita aos museus ajuda a
desenvolver a nossa identidade, já que é um espaço que possibilita múltiplas
leituras do mundo.
Nesse ponto, percebemos que não há ainda uma ideia formada de que
a escola é um espaço permeado de pluralidade cultural e diversidade e que por
isso torna-se um meio profícuo de debates e construções de novas visões.
Logo, não a percebem como um lugar para se desenvolver atividades de
Educação Patrimonial, embora assinalem para a importância e a necessidade
de se falar da existência dos Patrimônios Culturais.

124
Há, entre os professores um desejo de inserirem a temática, mas falta-
lhes a metodologia para exercerem as atividades. Ao serem inquiridos sobre o
desejo de participar de oficinas e projetos na própria escola que trabalhassem
diretamente com a Educação Patrimonial, a maioria se mostrou interessada,
assinalando a falta de preparo conceitual para lidar com o tema.
De fato, observando a trajetória da educação no nosso país veremos
que a inserção do Patrimônio Cultural na educação formal nunca foi efetivada
com o sucesso esperado, o que reflete em nossos licenciados: as licenciaturas
não preparam os professores nem para lidar com os temas referentes à
transdiciplinaridade, interdisciplinaridade, nem tão pouco para a Educação
Patrimonial e o trato com o Patrimônio Cultural.
Essa falta de preparo faz com que os professores que disseram já ter
feito ou participado de projetos nas escolas tenham receio de se aventurar no
tema, criando um projeto específico para o Patrimônio Cultural. Muitos deles
ainda preferem manter a escola descolada desse processo, tendo apenas uma
aula introdutória sobe um museu no qual será feita uma visita com a turma.
Para o grupo que esboçou interesse em trabalhar com a temática em
um projeto específico ou, pelo menos, dar mais enfoque ao tema em suas
aulas, destacamos que as sugestões dadas vão de encontro ao que já é
pensado para o patrimônio em termos de políticas públicas e ações
pedagógicas.
Seja lá qual for o tema do projeto, os professores entendem que eles
devem ser desenvolvidos com a participação da comunidade. Para além de um
meio de expandir os conhecimentos produzidos pelos trabalhos, acreditam que
uma aproximação com a escola traga benefícios para a comunidade.
De frente para esse cenário das escolas , partimos para responder as
questões centrais da pesquisa. A primeira delas era a de buscar entender
como os professores das escolas municipais percebem as noções de
Patrimônio Cultural, identidade, memória, diversidade e Educação Patrimonial.
Ora, que o Patrimônio Cultural é importante para a sociedade e a
perpetuação de suas tradições e costumes, sendo um traço cultural da
humanidade, seja lá qual for o grupo social, nenhum professor tem dúvida, por
mais que o seu entendimento sobre o que de fato compõe esse patrimônio seja
limitado devido à sua falta de formação específica.

125
Sobre a identidade e a memória todos os professores disseram tratar
em suas aulas de temas pertinentes, inclusive agregando acontecimentos do
cotidiano para tornar as aulas mais palpáveis para os alunos, provocando-os a
participarem, a dar suas opiniões e a construírem novas visões.
Com relação à diversidade, como esta já faz parte da escola, está
indiretamente atrelada a todas as atividades que são desenvolvidas pela escola
sejam nas aulas ou nos projetos.
A questão mais delicada está com a Educação Patrimonial, completa
desconhecida enquanto metodologia de trabalho para a maioria dos
professores, incluindo a direção. Espontaneamente os professores não se
reconhecem como agentes facilitadores e desenvolvedores das práticas
dessas metodologias e alguns afirmam que não as aplicaria em projetos.
Aqui temos uma contradição entre a fala e a ação dos professores. Nos
projetos citados, todos usaram metodologias típicas da Educação Patrimonial
quando têm como objetivo:

 Promover a apropriação e a reapropriação do patrimônio cultural,


por meio de visitas em espaços museais, promovendo
atividades de pesquisa para apresentação, democratizando o
conhecimento;
 Tornar cada aluno um referencial para exercer a sua cidadania;
 Incentivar consumo moderado e a sustentabilidade;
 Chamar a comunidade para participar dos eventos e compartilhar
os resultados;

Esses são alguns dos objetivos da Educação Patrimonial (PELEGRINI,


2009; HORTA, 1999; ORIA, 2010) citado por vários autores e em vários
documentos patrimoniais, que são presentes na maioria dos projetos
vivenciados pelas escolas observadas.
Desejávamos ver o quanto a Educação Patrimonial é praticada nas
atividades escolares e, então, voltamos à questão anterior: embora ela seja
vivenciada o tempo todo nas atividades tradicionais da escola, especialmente
porque entendemos a linguagem, a cultura, os saberes dos alunos e a própria
educação como um patrimônio, ela não é percebida como tal. Os professores,
126
por não conhecerem as metodologias e por não se acharem devidamente
preparados, afirmam não praticá-la, cabendo aos professores de História
assumir que a utilizam em suas aulas, mas de modo tímido, com a inserção de
passeios e trabalhos, mas nada com tanto destaque a não ser quando se trata
de um projeto maior.
Ao longo das entrevistas fomos observando que os professores não se
sentem devidamente preparados para trabalhar com o tema e sugerem que o
problema esteja ligado às suas graduações e aos gestores da educação que
não proporcionam formação. Mas em tempos de meios de comunicação tão
avançados, o IPHAN e os órgãos estaduais disponibilizam em seus sites um
vasto material de informação além de cursos que poderiam ser aproveitados
por esses educadores.
Os professores ainda “não se sentem aptos a desenvolver projetos
temáticos, que pressupõem intenso trabalho coletivo e podem implicar a perda
da predominância de tarefas e avaliações individualizadas” (OLIVEIRA, 2003,
p. 105).
Ressaltamos que, na visão desses professores, tanto as OCN quanto
os planos políticos-pedagógicos das escolas abordam as questões do
Patrimônio Cultural com muita liberdade, deixando -os livres para estruturar os
trabalhos e atividades a serem abordados. Mas há queixa com relação ao
tempo, já que algumas disciplinas vêm sofrendo um achatamento de carga
horária e que implementar projetos e atividades deixaria o calendário apertado
com relação ao conteúdo básico que precisa ser dado.
Enfim, pudemos notar ao final das observações, que a escola não só é
lugar de patrimônio, como pode ser ela própria considerada um patrimônio, um
lugar de memória e que a Educação Patrimonial está presente em várias
atividades vivenciadas na escola, não havendo a necessidade de que ela seja
transformada em uma disciplina curricular propriamente dita, bastando que haja
uma formação voltada para as suas aplicabilidades no cotidiano escolar. O que
falta para que a Educação Patrimonial seja mais eficaz é o seu reconhecimento
e uma busca de formação mais efetiva entre os educadores.

127
5. Considerações Finais

Ao chegarmos nas escolas Francisco Torres e Santos Dumont, ambas


da rede municipal de Niterói e da região central, nossa busca pelos professores
da área de História e Ciências Humanas tinha como alvo entender como a
questão do Patrimônio Cultural era abordado nas práticas escolares.
Como nosso ponto de partida foi uma realidade conhecida, mas muito
diferente, geográfica e culturalmente, tínhamos expectativas traçadas que
apontavam para um desconhecimento acerca do tema e das práticas que lhes
fossem afins.
Ao início de nossa observação, já no primeiro contato com as escolas
mostrou-nos o contrário do que esperávamos. Encontramos escolas com
projetos bem construídos que abordavam o Patrimônio de várias maneiras e
envolvia não só os alunos, mas seus pais e a comunidade escolar como um
todo.
Dos vinte professores entrevistados, a maioria era familiarizada com a
noção de Patrimônio Cultural, tendo, inclusive uma das coordenadoras com
formação na área, o que fazia da escola um celeiro de projetos bem elaborados
e permeados de aulas de campo e atividades que extrapolavam as salas de
aula, construindo uma dinâmica diferente do processo de aprendizagem no
período em que os alunos estavam na escola.
A discussão aqui apresentada teve como base a observação das
práticas escolares referentes ao trabalho com o Patrimônio Cultural e a
Educação Patrimonial, considerando-se as práticas educativas como meios de
se valorizar as identidades culturais.
Considerando, de acordo com Horta (1999), a Educação Patrimonial
como fonte rica de conhecimento e enriquecimento individual, observamos
como tais questões se apresentava no dia a dia escolar, de modo a captar se o
trato diário com o Patrimônio Cultural era entendido como tal.
Por mais que as questões do Patrimônio Cultural e da Educação
Patrimonial estejam imbricadas nas escolas , ainda temos visões equivocadas

128
sobre ele. Para alguns professores e alunos a ideia principal é a de que o
Patrimônio refere-se às “coisas velhas”, “prédios antigos”, e “museus”,
atribuindo-lhe a concepção de que diz respeito apenas ao que se encerra no
passado.
O resultado, porém, não nos desanima. Ele aponta para experiências
bem sucedidas de experiências com o Patrimônio Cultural em projetos,
passeios, visitações e temas abordados ao longo das aulas.
Percebemos um direcionamento para a adoção de uma perspectiva

de educação bem mais abrangente, envolvendo o trabalho com os fatores


sociais e culturais da própria comunidade, levantando a reflexão sobre o
lugar do aluno na sociedade em que vive.
A Educação Patrimonial, que formalizou-se como uma política
pública nacional, especialmente quando o IPHAN recomenda o Guia
Básico de Educação Patrimonial (HORTA, 1999), acaba dessa forma
adquirindo significativa relevância no currículo.
Nesse guia, a Educação Patrimonial é entendida como

um instrumento de ‘alfabetização cultural’ que possibilita ao


indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia”, caracterizado por
ser um “processo ativo de conhecimento, apropriação e
valorização de sua herança cultural, capacitando-o para um
melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a
produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de
criação cultural. (HORTA, 1999, 16)

Embora a ideia apresentada por Horta deixa clara a dificuldade em se


lidar com a diversidade percebida com a expressão alfabetizar, o que nos vale
é que há a preocupação e a vontade de se apreender cada vez mais sobre o
Patrimônio Cultural e as suas metodologias.
Esta é a importância de a Educação Patrimonial se fazer esclarecer
entre os educadores e os alunos: para que a dialética da relação entre
patrimônio e tempo presente seja entendida e trabalhada. Só assim
passaremos a encarar o Patrimônio Cultural como elemento indissociável de
nosso cotidiano.

129
Quando assumimos a escola como um espaço de discussão atribuímos
a ela a função de repensar a nossa cultura, nossos costumes, questionar os
nossos referenciais e apontar novos problemas, novas abordagens, novas
respostas, inserindo a pesquisa e o trabalho transdisciplinar na ordem do dia
(DEMO, 1996).
Ressaltamos que a escola forma seus alunos para que eles sejam
cidadãos críticos e que possam exercer a sua cidadania plenamente, portanto,
práticas emancipatórias devem ser constantes. Através do conhecimento do
Patrimônio Cultural, podemos desenvolver essas habilidades nos alunos,
conforme já salientado pela legislação da educação brasileira e,
especificamente, no caso desta pesquisa, da cidade de Niterói.
Fazer a inserção da pesquisa no cotidiano escolar e extrapolando -se
as paredes da escola com trabalhos de história oral onde se valorizem as
memórias e suas influências na construção das identidades é, ao mesmo
tempo, incentivar o aluno a ser crítico e analítico, mas também de restabelecer
uma relação afetiva que pode existir entre o indivíduo e a educação, a escola, o
Patrimônio Cultural.
A participação da comunidade é fundamental, já que a identidade dos
alunos se dá formada nesse seio e entendê-lo é entender o próprio aluno, além
de ampliar a troca de conhecimentos entre escolas, pais, famílias e
comunidade como um todo. A inserção da comunidade (CARTA DE VENEZA,
1964) trará as suas próprias demandas para a escola e será possível trabalhar
o Patrimônio Cultural da perspectiva do seu grupo detentor. Pode-se partir
desse grupo para estender a discussão para o mais geral, mostrando todo o
processo no qual a dinâmica do Patrimônio Cultural está inserida e destacando
a importância do cuidado com ele.
Nesse sentindo é preciso atentar para as tantas Cartas Patrimoniais
que apontam que a Educação Patrimonial deve ser inserida nas escolas,
espaço de ensino formal, não necessariamente como disciplina buscando
parcerias com entidade locais para a valorização da própria região para atrair
um turismo sustentável, baseado na Carta de Turismo Cultural (1976).
Outro viés que desponta nas Cartas Patrimoniais e que pode ser
utilizado em larga escala pelas escolas é o uso dos Patrimônios Culturais como
meios didáticos (NORMAS DE QUITO, 1967).

130
Os bens do patrimônio cultural abrigariam o valor cognitivo
(conhecimento), o valor formal (estético), o valor afetivo
(subjetivo), o valor pragmático (uso). Nessa medida, ao se
identificar e apreciar um bem do patrimônio cultural – pelos
valores que lhe são atribuídos – percebe-se a complexidade de
sua constituição e a sua viva importância para a constituição
histórica da própria sociedade. (ANDRADE, 2010, p. 73)

Compreendermos os valores que são atribuídos aos bens patrimoniais,


bem como os jogos de poder (BORDIEU, 2006) que estão arraigados nesse
processo de elaboração dos valores é fundamental para os indivíduos que se
tornam mais críticos. Ao partir desse ponto de vista , o homem pode se
enxergar como agente histórico e construtor desses patrimônios.

Para nós professores, a compreensão da importância e do valor


do patrimônio, pode vir a desencadear possíveis ações educativas
e, também, projetos concretos de desenvolvimento social,
econômico, político e cultural na localidade em que vivemos e
trabalhamos. Pois, de fato, é possível construirmos mudanças de
observação, de atitudes e de intervenção em diferentes espaços
da nossa vida cotidiana – nos modos de se lidar com a educação,
com o trabalho, com a experimentação estética e artística, com o
lazer. (ANDRADE, 2010, p. 73)

Ao estar inserido no processo de aprendizagem que conte com a


Educação Patrimonial como ferramenta, o indivíduo ganha mais autonomia
para pensar si mesmo, desenvolver questionamentos sobre sua identidade, e
integrar-se à sua comunidade pelo viés de promoção dos bens culturais e
também como um dos produtores desse patrimônio, além de se colocar como
um mantenedor de suas raízes.
A Educação Patrimonial se coloca, então como elo entre comunidade e
escola, indivíduo e patrimônio, entre disciplinas que parecem distantes entre si
e promove uma troca de conhecimentos que só enriquece os envolvidos. Ao
ser bem trabalhada nas escolas, pode ser ainda usada no intercâmbio entre
escola e espaços de educação não formais como os museus e centros
culturais, espaços já dedicados à sua prática.
Com este trabalho, então, notamos o quanto a Educação Patrimonial
pode favorecer os grupos sociais detentores de Patrimônios Culturais a exercer

131
o seu direito de cidadania, possibilitando diálogos e construções inovadoras
entre os indivíduos.
Foi possível perceber que há uma preocupação internacional com a
Educação Patrimonial desde a década de 1930 e que as diretrizes para o
trabalho com ela foram se adequando às necessidades e demandas ao longo
dos mais de 80 anos de políticas públicas internacionais tratando do Patrimônio
Cultural e que esses documentos patrimoniais influenciaram diretamente as
políticas públicas brasileiras.
Por mais que tenhamos andado na contramão desses documentos
reservando as práticas de Educação Patrimonial aos espaços não formais de
educação, ela está sempre presente nas escolas, ambientes permeados de
cultura e de patrimônio, mas nem sempre os professores têm a consciência
disso e nem sempre percebem que suas atividades rotineiras são, na verdade,
aplicações das metodologias da Educação Patrimonial.
Assinalamos para a deficiência na formação dos professores que
sentem a necessidade de se aperfeiçoarem na área, mas não os eximimos da
culpa, uma vez que há uma ampla ação do IPHAN e dos órgãos estaduais de
proteção do Patrimônio Cultural para fornecer materiais sobre o tema em seus
portais na internet e promoção de cursos de formação de curta duração para
esse público.
Enfim, a escola se mostrou um meio muito fértil para se debater o
Patrimônio Cultural e a Educação Patrimonial, presentes na maioria dos
projetos realizados pelas escolas, sendo as discussões sobre identidade e
memória muito fortes, uma vez que a própria escola é a diversidade.
Notamos nas falas dos professores que

muitos dos nossos alunos conseguem se perceber como


membros pertencentes da comunidade, mas com raízes que nem
sempre estiveram na cidade de Niterói e que a partir de trabalhos
simples como a entrevista com familiares e vizinhos eles
percebem de onde vieram 34.

Fato que pode ser atestado com uma exposição sobre o centenário de
Luiz Gonzaga, explorado em uma das escolas, na qual a coordenadora, com
formação na área de Patrimônio Cultural relata:

34
Fala de uma das professoras pesquisadas, cuja identidade e a escola for am mantidas em sigilo.

132
Aproveitamos o centenário de Luiz Gonzaga e trabalhamos as
raízes nordestinas. Aos poucos os alunos foram se identificando
com os costumes do nordeste e descobrira que alguns de seus
parentes chegaram no Rio de Janeiro em busca de oportunidades.
Para eles, redescobrir o nordeste através da música de Gonzaga
foi um motivo de empolgação, que os levou a ter orgulho de suas
raízes.
Foi um trabalho demorado, de duas semanas, mas que valeu a
pena. Os alunos pesquisaram sobre a cultura nordestina.
Pesquisaram sobre seus parentes, suas raízes. Ao final, tudo foi
organizado em uma exposição aberta aos pais que compareceram
em grande número.
Foi um despertar importante para os alunos e os pais deles que se
viram representados em nossa mostra de arte espalhada pela
escola35.

A prática de visitação dos alunos em espaços não formais de educação


se mostrou uma das alternativas mais eficazes no processo de conhecimento
do Patrimônio Cultural e no desejo de preservá-lo.
Uma das escolas observadas desenvolveu um projeto de visitação a
museus de Niterói e do Rio de Janeiro, com o objetivo de aproximar os alunos
com esses espaços e despertar nele os olhares para os outros vieses da
educação.
Todas as visitações são elaboradas pela equipe de professores e
coordenadores da escola e o roteiro é previamente apresentado aos alunos, de
modo que eles tenham ciência do espaço que estarão visitando.
Uma aula antes da saída de campo todos recebem as informações
prévias do que verão, da ligação do acervo com o conteúdo abordado nas
aulas e em como se desenvolverão as tarefas no percurso.
Em alguns casos são confeccionados cadernos de campo com
espaços para anotações e atividades pré-elaboradas que contribuirão para a
avaliação dos alunos.
As saídas são muito bem recebidas pelos alunos que, embora não
chamem as atividades de aulas, mas de passeios, são participativos e superam
as expectativas dos professores.
Um dos alunos relata que

35
Fala de uma coordenadora do turno da manhã, responsável pela gerência do projeto sobre o
centenário de Luiz Gonzaga.

133
Passei a entender que o museu não é um lugar de silêncio e nem
chato. Lá a gente vê os objetos que já fizeram parte de nossa
história e pode perceber o quanto a vida mudou. É legal saber que
alguém se preocupou em guardar um pouco do passado pra gente
conhecer. É legal também sair da sala de aula. Os passeios são
muito divertidos. A gente aprende um monte de coisas que nem
sempre está no livro e que chama a atenção. Nos museus de arte
a gente ainda vê outros tipos de arte que nem conhecíamos 36.

Falas como essa marcam o sucesso das novas abordagens de ensino


e reafirmam o espaço que o Patrimônio Cultural vem tomando seja como
política pública, orientado pelos PCN, seja pela necessidade que os
professores encontram em abordar temáticas como a diversidade, a cultura e a
identidade.
Nosso trabalho nos mostrou que mesmo quando os professores não
tem uma ideia muito clara de que suas metodologias compreendem as
questões da Educação Patrimonial, ela é existente na escola, uma vez que o
Patrimônio é um tema muito abrangente.
Percebemos que há uma preocupação em tornar a escola um espaço
de discussão mais efetivo e acolhedor, tocando não só os temas orientados
pelos PCN ou OCN, mas que fazem parte do cotidiano da comunidade em que
está inserida, contribuindo, dessa forma, para a formação de alunos que sairão
das salas de aula conhecedores de seus direitos como cidadãos, de sua
realidade e de seu potencial modificador, sobretudo, ressaltando as suas raízes
preservadas pelo Patrimônio Cultural.
As discussões relativas à pluralidade cultural, à diversidade, como
apresentado por nós 37, por mais estejam esbarrando em dificuldades, já
assinalam para a escola como um espaço de debates e novos olhados estão
sendo delineados por grupos de professores.
Notamos que, ainda que exista o sentimento de despreparo por parte
de alguns professores eles são desejosos de participação em projetos e se
colocam com disponibilidade quando surge a oportunidade da discussão.
Enfim, concluímos que o Patrimônio Cultural mesmo com tantas
dificuldade vem ganhando espaço nas escolas e que as novas abordagens

36
Fala de um aluno do 8º ano, quando questionado sobre as aulas de campo desenvolvidas no Museu
Arte Contemporânea, em Niterói.
37
Ver página 120.

134
para o processo de ensino e aprendizagem tocam as metodologias da
Educação Patrimonial, caminhando para a construção de uma geração que tem
a oportunidade de conhecer melhor as inúmeras possibilidades de
conhecimento e de ação que a cultura proporciona.
Deixamos abertas lacunas que caminharão para novas observações e
construções sobre os rumos que a Educação Patrimonial tomará na educação
formal e não formal, dentro das políticas públicas e no dia a dia de professores
e alunos, ressaltando o visível crescimento que ela teve desde sua
implementação no Brasil.

135
Anexos

Anexo I

Apresentação do Projeto de Pesquisa Entrege à Fundação


Municipal de Educação de Niterói

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

IDENTIDADE , DIVERSIDADE, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL NO ESPAÇO


ESCOLAR

Edylane Eiterer

136
NITERÓI - RJ
MAIO DE 2012.

137
1. Introdução

Desde meados da década de 1990, no Brasil, com o decreto da Lei


nº.9394/1996, conhecida como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira (LDB), o debate sobre a qualidade escolar ganhou mais força. Nesse
sentido, em uma tentativa de se criar “um referencial de qualidade para a
educação no Ensino Fundamental em todo o país” (BRASIL, 1997 a, p.13),
foram montados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que se colocam
como sugestões norteadoras para os trabalhos a serem desenvolvidos nas
escolas.
Como para todas as outras disciplinas, os PCN de História apresentam
uma perspectiva flexível de currículo, assinalando que os conteúdos escolhidos
para esta disciplina “não devem ser considerados fixos. As escolas e
professores devem recriá-los e adaptá-los à sua realidade local e regional”
(BRASIL, 1997 b, p.45). Dando base a esta flexibilidade e apontando para uma
concepção de conhecimento interdisciplinar, os PCN apresentam os temas
transversais38 como elementos importantes de sua proposição curricular.
Segundo os PCN, em sua apresentação, os temas transversais trazem

necessariamente uma prática educacional voltada para a


compreensão da realidade social e dos direitos e
responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental.
Nessa perspectiva é que foram incorporadas como Temas
Transversais as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do
Meio Ambiente, da Saúde e da Orientação Sexual (BRASIL, 1997
a, p. 15).

Mesmo que os conceitos de diversidade, patrimônio cultural, identidade


e memória que desejamos trabalhar não apareçam explicitamente como temas
transversais, podem neles ser trabalhados. Estes são conceitos absolutamente
pertinentes ao tema da pluralidade cultural, já que ao lidar com as questões

38
Os temas transversais não compreendem grupos de novas disciplinas, mas novos objetivos
de abordagem dos temas dentro do conteúdo que é previsto para cada disciplina já existente.
Segundo os P CNs foi a forma de organizar o t rabalho didático que recebeu o nome de
trans versalidade, e esses temas correspondem a “questões important es, urgentes e present es
sob várias formas na vida cotidiana”. (BRASIL, 1997, p. 15 A)

138
sociais que constituem uma representação ampla e plural dos campos de
conhecimento e de cultura somos convidados a participar mais ativamente das
realidades locais de nossos alunos, o que levanta discussões sobre a suas
realidades, seus patrimônios, suas identidades.
Assim, cabe aos docentes, de acordo com os PCN, fazer escolhas
curriculares que correspondam à diversidade de realidades apresentadas por
seus alunos.
O professor, considerando a multiplicidade de conhecimentos em
jogo nas diferentes situações, pode tomar decisões a respeito de
suas intervenções e da maneira como tratará os temas, de forma
a propiciar aos alunos uma abordagem mais significativa e
contextualizada. (idem, p. 63).

Esses temas são colocados como desafios aos professores que a todo
tempo são chamados a lidar com eles. Compreendemos, como Piletti (2004),
que o currículo escolar abrange todas as experiências escolares e nesse caso,
ele é todo permeado por elementos que vão muito alé m dos livros didáticos,
das aulas expositivas. Sua dinâmica, para ser mais enriquecedora, depende
tanto da formação do professor, quanto do meio pelo qual ele desenvolve o seu
trabalho, neste incluídos os projetos que envolvem a comunidade escolar,
extrapolando as quatro paredes que compõem a sala de aula e trabalhando
com as experiências trazidas pelos alunos.
Já que a escola tem um grande papel na formação dos cidadãos, ela
deve estar em consonância com as demandas da sociedade. Para tal, é
necessário que trate de questões que sejam pertinentes à vida dos alunos, que
sejam relativas a suas experiências, envolvendo-os com as temáticas sociais e
incorporando-as em seus currículos (BRASIL, 1997 a, p.64).
É seguindo as diretrizes de discussões metodológicas e práticas
propostas pelos PCN para serem levadas até a sala de aula de modo mais
dinâmico e voltado para as questões relacionadas com o aluno, com a
comunidade e suas práticas de memória e seu patrimônio cultural, que nos
colocamos a questionar como determi nados conceitos são trabalhados dentro
do cotidiano escolar.

139
2. Justificativa

Nosso trabalho justifica-se a partir do momento em que nos colocamos


nas salas de aula, observando as práticas escolares e como os professores
lidam com os temas, colocando-nos no grupo de pesquisadores que seguem
seus estudos tentando compreender melhor como aproximar patrimônios
culturais, educação e as relações diretas que eles têm com a memória, a
identidade e a diversidade.
O que pretendemos é observar os professores niteroie nses e suas
práticas no seu cotidiano ao terem que lidar com questões tão complexas e
que, embora tenham diretrizes e aberturas nos currículos escolares, ainda são
atravancadas por uma série de problemas como a formação deficitária, as
dificuldades de articulação na própria escola e com os colegas de trabalho.
Ao colocarmos os profissionais e as suas impressões no centro de
nossa observação, teremos elementos para identificar que questões afetam
mais diretamente os meios de se trabalhar com o patrimônio cultural nas
escolas.
Entender como os professores se percebem nesse processo de
trabalhar com o patrimônio poderá dar um suporte para compreender as
relações que os alunos estão estabelecendo com seus patrimônios, sua
identidade e sua vivência no meio social em que estão inseridos e, então,
analisar as práticas de preservação e conservação dos bens.
Voltar os olhos para os professores e ouvir o que eles têm a dizer é
assinalar que as preocupações com o patrimônio cultural não se restringem
aos bens tombados ou registrados, mas também com os agentes que são os
mediadores e peças fundamentais nesse processo de reconhecimento e
preservação. É salientar, mais uma vez, que eles também constroem e mantêm
o patrimônio cultural local e nacional, já que

Aos professores cabe a missão de valorizar todo conteúdo e


ensinamento que é oferecido ao seu aluno, para que eles
encontrem diversos motivos para ler, estudar e pesquisar e para
que o professor possa ensinar o real motivo de estudar. (HORTA,
1999, 2012.)

140
Para tal, é preciso que cada professor compreenda a importância e o
valor do patrimônio cultural para que possa desenvolver projetos sociais e
culturais na escola, entendendo que a história local não se opõe à história
nacional e que

a escrita da história local costura ambientes intelectuais, ações


políticas, processos econômicos que envolvem comunidades
regionais, nacionais e globais. É exatamente esse um dos seus
grandes méritos: descrever os diferentes mecanismos de
apropriação – adaptação, resposta e criação – às normas que
ultrapassam as comunidades locais. (REZNIK, 2010, p. 92)

A partir desse entendimento, podemos estudar o patrimônio cultural a


partir da história local que passa a ser vista como um campo privilegiado de
estudos, propício para vários níveis de investigações que possibilitem enxergar
como se trançam e constituem relações de poder entre indivíduos, grupos e
instituições. Enquanto campo privilegiado para se observar, segundo Reznik,
toda sorte dos “sentimentos de pertencimento e dos vínculos afetivos que
agregam homens, mulheres e crianças na partilha de valores comuns, na
necessidade e no gosto de se sentirem ligados a um grupo” (idem, p.92).
Com uma visão mais ampla sobre as realidades locais torna -se
possível a construção da mudança no modo em que concebemos o patrimônio,
livrando-o do estigma de que patrimônio se resume apenas nas velhas
edificações, uma vez que “é possível alterar a compreensão e o conhecimento
que se possui sobre o passado, a partir das questões pensadas no presente”
(ANDRADE, 2010, p.74) e nesse momento aliamos o uso das narrativas
referentes à história e à memória sobre o próprio patrimônio e suscitando a
importância dele no processo identitário da sociedade.
Quando trabalhamos com as noções de patrimônio, percebemos que o
homem sempre busca orientar-se através de espaços, pessoas, objetos, ideias,
imagens, tendo a necessidade de criar um sentimento de pertencimento e que
pode ser relembrado só na memória, ou perpetuado em seus patrimônios
materiais ou imateriais, ficando registrados para grupos posteriores.
Acreditamos que nosso projeto é importante porque uma sociedade
que não respeita e nem valoriza o seu patrimônio perde as suas referências e,
assim, a sua identidade, afinal, sempre que falamos em patrimônio nos

141
referimos à história, memória e identidade (OLIVEIRA, 2008, p.114) e, logo
concebemos a diversidade como peça desse mosaico.
Levantamos essas questões sobre o patrimônio, porque através dele
fica mais claro o nosso direito de ter resguardada a memória que é, acima de
outras questões, um instrumento de poder do cidadão, pois quando a
resguardamos estamos resgatando

[...] uma memória que nós gestamos, para além daquela que é
gestada em nós. Aqui não se trata de uma memória
institucionalizada – aquela dos saberes estratificados; e tampouco
de uma contra-memória como tentativa de desconstrução de um
passado imposto, mas de uma memória do futuro, na medida em
que comporta uma possibilidade de criação.(GONDAR, 2003, p.
35)

Através do despertar da cidadania desenvolve -se um reconhecimento


maior de nossos direitos culturais que são frutos de diversas culturas, grupos,
que compõem a sociedade, “entre eles o direito à memória, ao acesso à cultura
e à liberdade de criar” (FONSECA, 2009, p. 74), contribuindo para desenvolver
a personalidade e a sociabilidade, levando a questão do Patrimônio cultural
além das fronteiras da nação.
Dada a importância do patrimônio cultural é preciso que nos
esforcemos para reconhecer nossos vínculos com ele, para mantermos nossa
memória e história que ele nos relembra e assegura, já que se configuram em
nossa orientação e referência no tempo e no espaço em que nos inserimos
enquanto membros de uma sociedade.
É necessário que haja cada vez mais uma política de valorização do
patrimônio e da nossa relação direta com ele, seja ela trabalhada nas escolas
ou em outros espaços de educação não formais, para que os nossos alunos –
cidadãos em formação – se identifiquem com sua história, sua comunidade e
se percebam como agentes formadores e transformadores de s ua própria
história, cultura e, portanto, criadores e guardiões dos nossos patrimônios
culturais, mas precisamos que os nossos professores estejam conscientes de
seu papel de mediadores.

142
3. Objetivos

Objetivo Geral

 Entender como os professores das escolas da rede


municipal de Niterói percebem as noções de Patrimônio
Cultural, Identidade, Memória, Diversidade e Educação
Patrimonial e como atuam com elas nas salas de aula.

Objetivos Específicos

 Verificar o quanto a prática de trabalhar com projetos


específicos de Educação Patrimonial ocorre nas escolas.
 Averiguar se os professores se sentem preparados para
trabalhar com o Patrimonial Cultural e os temas
diretamente ligados a ele como a memória, a identidade e
a diversidade.
 Compreender como os professores veem as diretrizes das
Orientações Curriculares para a Rede Municipal de Niterói
e se, na ótica deles, elas dão margens para bons trabalhos
relacionados à temática.
 Saber se os professores abordam os temas relacionados
ao Patrimônio Cultural em suas aulas, ainda que
inconscientes desse fato.

Nossos objetivos se entrelaçam e nos possibilitarão uma visão ampla


das atividades que os professores niteroienses vêm desenvolvendo nas
escolas e como colocam em prática as determinações da Secretaria Municipal
de Educação.

143
Anexo II
Carta de Apresentação do Projeto de Pesquisa entregue aos
professores

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO

Identidade, Diversidade, Memória e Educação Patrimonial no Espaço


Escolar39
Edylane Eiterer 40
Caro professor,
Você está sendo convidado a participar do projeto de pesquisa
“Identidade, Diversidade, Memória e Educação Patrimonial no Espaço Escolar",
cujo objetivo é detectar como os professores da rede municipal de educação de
Niterói entendem e trabalham com questões relativas ao Patrimônio Cultural,
seus desdobramentos em sala de aula e, especificamente, suas impressões
sobre a Educação Patrimonial.
Sua participação é fundamental, já que consiste a base empírica dessa
pesquisa de mestrado.
Você participará em dois momentos descritos a seguir:

1. Questionário
Nesse momento você será convidado a responder algumas perguntas
sobre a sua formação, sua ação em sala de aula, seus projetos e seu
conhecimento a cerca dos temas que são adjacentes ao Patrimônio Cultural.
Esses dados serão tabulados e seu resultado será usado como base
estatística para compor o embasamento teórico de nosso trabalho.
Por se tratar de um universo relativamente grande, do qual tiraremos
um grupo focal posteriormente, é preciso que os professores se identifiquem.

39
Pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós -Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense
40
Edylane Eiterer é Historiadora (UFJF), pós-graduanda em Gestão do Patrimônio Cultural
(Instituto Granbery/PERMEAR), mestranda em Educação (UFF) e professora da rede particular
de Educação Fundamental do Ri o de Janeiro. edylaneeiterer@yahoo.com.br

144
Salientamos que a identificação será apenas para que os perfis selecionados
sejam retomados para a formação do grupo focal. Para os dados que serão
publicados na pesquisa as identidades dos pesquisados será omitida.

2. Entrevistas
Após traçar o perfil dos professores pesquisados selecionaremos um
grupo menor para que sejam feitas entrevistas. O material coletado poderá ter
algumas de suas partes publicadas, mas asseguramos o sigilo com os nomes
dos colaboradores.
As entrevistas versarão sobre os temas que cerceam a questão do
Patrimônio Cultural e a prática de ensino dos docentes em seu dia a dia.

145
Anexo III

Questionário Inicial aplicado aos professores

Questionário

1. Identificação
Nome: _________________________________________________________

E-mail: _________________________________________________________

Escola: _________________________________________________________

Idade: _________________________ Sexo: ___________________________

2. Formação
Curso de Graduação: _____________________________________________

Instituição de Formação: ___________________________________________

Possui pós-graduação? ( ) Sim ( ) Não

Nível:

( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado ( ) Pós-doutorado

Área: __________________________________________________________

3. Atuação Profissional
Atua na educação como professor há quantos anos? ____________________

É satisfeito com a sua profissão? ( ) Sim ( ) Não

Já elaborou algum projeto com seus alunos? ( ) Sim ( ) Não

Qual a área desse projeto? ________________________________________

______________________________________________________________

Conhece o Plano Político e Pedagógico de sua escola? ( ) Sim ( ) Não

Atuou na construção dele? ( ) Sim ( ) Não

146
Conhece as diretrizes básicas norteadoras da educação de sua cidade
(Orientações Curriculares da Secretaria de Educação)? ( ) Sim ( ) Não

4. Contato com o Patrimônio Cultural e a Educação Patrimonial


Quando ouve a expressão Patrimônio Cultural, sente-se seguro e pode afirmar
que sabe do que se trata? ( ) Sim ( ) Não

Aborda temas relativos ao Patrimônio Cultural nas aulas? ( ) Sim ( ) Não

Discussões sobre as questões da comunidade acontecem em sua aula?

( ) Sim ( ) Não

Aborda temas relativos à identidade nas aulas? ( ) Sim ( ) Não

Aborda temas relativos à memória nas aulas? ( ) Sim ( ) Não

Já usou algum fato da realidade local para ilustrar as suas aulas?

( ) Sim ( ) Não

Conhece/aplicou alguma prática de Educação Patrimonial?

( ) Sim ( ) Não

Sua escola possui um projeto de Educação Patrimonial? ( ) Sim ( ) Não

Atuaria/atuou em um projeto de Educação Patrimonial? ( ) Sim ( ) Não

147
Anexo IV
Itens que nortearam o roteiro da entrevista semiestruturada

1. Conhece as Orientações Curriculares para a Educação da Rede Municipal da


cidade de Niterói?
2. Participou das discussões para a construção das OCE?
3. O que os professores entendem por identidade, diversidade, Patrimônio
Cultural, educação patrimonial e memória?
4. Como esses temas são trabalhados nas aulas?
5. Algum dos professores tem uma formação específica na área?
6. A escola dá suporte para o desenvolvimento de projetos?

Outras questões que podem ser colocadas


a) Hábitos culturais dos professores; (que pode nos levar a entender melhor se a
questão do capital cultural e intelectual está associada à relação que o professor
tem com o Patrimônio)
b) Visão a respeito do patrimônio local; (para estabelecer a relação de que a
preservação/conservação está diretamente ligada à afetividade e ao
conhecimento que se tem do bem)

148
ANEXO V
Gráficos levantados com a análise dos questionários

Gráfico sobre a formação dos docentes atuantes nas escolas estudadas

Gráfico sobre o tempo de atuação no magistério na Rede Municipal de Educação de


Niterói.

149
Gráfico relacionado ao conhecimento e/ou elaboração do Plano Político Pedagógico –
PPP – da escola e das Orientações Curriculares – OC – da Fundação Municipal de
Educação de Niterói

Gráfico relacionado á elaboração e participação de projetos sejam eles em quaisquer


áreas ou temas, na escola.

150
Gráfico sobre a satisfação dos docentes com a sua profissão

Gráfico sobre a abordagem de temas relativos ao Patrimônio Cultural durante as


aulas.

151
Gráfico sobre a inserção de temas relacionados ao cotidiano dos alunos e da
comunidade durante as aulas.

Gráfico sobre a abordagem de temas que discutam a memória e a identidade nas


aulas.

152
Gráfico sobre a experiência com o trabalho de Educação Patrimonial

Gráfico sobre a existência de projetos que abordem temas relativos ao Patrimônio


Cultural na escola.

153
Gráfico sobre a intenção de trabalhar de um projeto especificamente voltado para a
Educação Patrimonial.

154
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