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eISSN 2447-7443
DOI 10.25188/FLT-VoxScript(eISSN2447-7443)vIV.n2.p175-182.JRSP
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Setembro de 1994
VOX SCRIPTURAE 4:2 (setembro de 1994) 175-182
MONTANISMO:
UMA BREVE RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA
Júlio R. S. Pinto*
FONTES LI1ERÁRIAS
Há vasta evidência na literatura cristã primitiva de que o movimento
montanista tenha produzido numerosos tratados.' Porém, todos pereceram,
com exceção daqueles escritos por Tertuliano depois de sua adesão àquele
movimento.3 Portanto, nosso conhecimento do montanismo é totalmente
'Júlio Roberto de Souza Pinto, M.A. N.T., atualmente doutorando em Educação pela
Universidade Mackenzie, São Paulo, é o secretário executivo da AETAL/Brasil e professor
do Seminário Servos de Cristo da América do Sul (pós-graduação).
'Cf Patrick Johnstone, Operation World (R ed., Grand Rapids MI: Zondervan e OM
Publishing, 1993) 128-131, que estima os protestantes no Brasil em 19,2%, os evangélicos
em 17,8% e os carismáticos em 15,6% da população. Ou seja, dos 28.814.710 afiliados de
denominações protestantes, 23.475.000 são pentecostais ou carismáticos (82,4%).
2Entre os mont anistas referidos como autores de algum escrito estão o próprio Montano,
Maximila, Priscila (Eusébio, Historia Ecclesiastica 5.3.4; 5.16; Diálogo entre um montanista
e um cristão ortodoxo), Teódoto (H. E. 5.3.4) e Temiso (ibid., 5.18.5). Hipólito (de Roma)
fala ainda de "incontáveis livros" escritos por montanistas (Refutatio omitiam haeresium
8.19).
'Segundo Jerônimo, De viris illustribus 53, Tertuliano teria produzido vários livros em
defesa do montanismo, dentre os quais ele menciona De pudicitia, De fuga in persecutione,
De jejunio, De monogamia, De testimonio animae (seis volumes) e um outro, escrito contra
Apolônio. Outras obras de Tertuliano pertencentes à sua fase montanista sobrevivem até
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HISTÓRIA
O montanismo surgiu na Ásia Menor, o cenário de muitos movimentos
da igreja nesse período, porém não em Éfeso ou outra grande cidade, mas
em uma insignificante localidade da Frigia denominada Ardabar.9 O movi-
hoje.
Eusébio, H. E. 5.16.
'Ibid., 5.18.12.
6Epifânio (Constantiensis), Panaria' 48.15.
'R. E. Heine, The Montanist Oracles and Testemonia (Macon, GA: Mercer Univ. Press,
1989) x. Trata-se de uma coleção dos oráculos atribuídos a Montano e suas companheiras
e dos testemunhos dos pais da igreja a respeito do movimento.
'Heine, op. cit., entende que os escritos de Tertuliano não devem ser empregados na
reconstrução do montanismo frigi°, desde que suas posições divergem das do montanismo
conhecido a partir das demais fontes e parecem ser modificações introduzidas por ele
próprio. Douglas Powell, "Tertullianists and Cataphrygians", Vigiliae Christianae 29 (1975)
33-54, por outro lado, defende que Tertuliano nada conheceu do montanismo além da
"Nova Profecia" original e que seu desvio dela foi mínimo.
9Cf Anônimo, apud Eusébio, H. E. 5.16; Teodoreto, Haereticarum fabularum compendi-
um 3.1.
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PERFIL
Pelo menos num sentido mais lato, parece que o montanismo concorda-
va com a igreja católica. Tertuliano insistia que "a regra de fé... é única,
inalterável e irreforrnável".' Isso é de certa forma ratificado pelas fontes
de Epifânio,' Hipólite e Pseudo-Tertuliano." Não obstante, há razões
para crer que eles tenham abraçado algum tipo de visão monarquianista e
modalista da Trindade. O próprio Montano teria representado a divindade
como tendo dito: "Eu sou o Pai, eu sou o Filho e eu sou o Parácleto"."
Além disso, Hipólito e Pseudo-Tertuliano relatam que pelo menos uma
tanistas também acreditassem que o Espírito prometido por Jesus havia sido
dado a eles e não aos apóstolos, e que o teleion referido em 1 Coríntios
13:10 havia chegado com Montano."
De acordo com Apolônio, Montano teria renomeado de "Jerusalém"
as pequenas cidades frigias de Pepuza e Tímion." Porém, talvez Weizsãcher
esteja correto em afirmar que "essas duas cidades foram assim denominadas
não no contexto da Jerusalém celeste, mas sim no da Jerusalém de Atos —
da recriação de uma igreja primitiva altamente organizada mas espiritual-
mente orientada"." Isso pode explicar a crença montanista posteriormente
desenvolvida de que a Jerusalém celeste desceria em Papuza." Tertuliano
esperava a descida escatológica da Nova Jerusalém, porém na Judéia, e
indica que a Nova Profecia teria partilhado dessa mesma esperança."
Parece que os montanistas também insistiam que o verdadeiro profeta
teria de falar em êxtase, possivelmente negando a presença do dom profético
entre os católicos ou "psíquicos"." Tertuliano, tudo indica, partilhava da
mesma posição.' Na realidade, era exatamente esse o ponto em que o
montanismo era criticado com maior freqüência."
Outro alvo de constantes críticas era sua comprovada e rigorosa
disciplina." Segundo Hipólito, os montanistas teriam instituído um jejum
no sábado e outro no domingo, como também uma dieta especial baseado
em alimentos secos e repolho.' Tertuliano acrescenta que eles não bebiam
nada que tivesse sabor de vinho, e que também costumavam abster-se de
Profecia era rejeitada: "somos rejeitados simplesmente porque nossos jejuns são mais
numerosos que nossos casamentos".
"Hipólito, Commentarium in Daniel 4.20.
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CONCLUSÃO
Este trabalho, que se propôs a reconstruir a história e o perfil do
movimento montanista, começou tratando da questão das fontes. Notou-se
que toda a evidência documental de que se dispõe hoje, com exceção dos
escritos de Tertuliano, foi produzida pelos adversários do movimento.
Observou-se também que grande parte desses documentos nada mais é que
uma reprodução de escritos anteriores, muitos dos quais de origem pouco
confiável. E o que é ainda mais grave, verificou-se que tais fontes apresen-
tam inúmeras e sérias contradições.
O artigo continua fazendo uma rápida reconstrução da expansão do
montanismo, reunindo evidências do movimento na Asia Menor, Roma,
Gália, Norte da África e outros lugares do mundo de então. Apresenta
indícios de aceitação do montanismo, especialmente no Norte da África,
onde chegou a conquistar um dos maiores teólogos cristãos de todos os
tempos, Tertuliano, até ser condenado como "heresia" nos primeiros sínodos
convocados pela Igreja.
O opúsculo passa em seguida a reconstruir o perfil do movimento. A
despeito das evidências de que tenham abraçado uma posição um tanto
monarquiana da Trindade — o que não era nada incomum à época — os
montanistas em linha geral concordavam com a fé católica. Afinal, não se
pode esquecer que Tertuliano, um de seus mais ardorosos defensores, foi o
primeiro formulador da teologia trinitária ortodoxa.
Como explicar, pois, sua condenação? Teria sido ela ocasionada pela
então emergente teologia canônica, como insistem alguns historiadores? Ou
teria sido ela antes forçada pelo desenvolvimento organizacional e episcopal
da igreja que o montanismo atacava?
"Tertuliano,De jejunio 1.
'Tertuliano, De exhortatione castitatis 10; e De pudicitia 1. Isso talve a acusação feita
posteriormente de que os montanistas ordenavam a dissolução de casamentos (Cf também
De monogamia 15.2).
"Tertuliano, De fuga in persecutione 9.4; 11.3.
54Jerônimo,Epistula 41. A luz de toda essa evidência é no mínimo curioso que Apolônio
tenha acusado os montanistas de gula, suborno e imoralidade (cf. Eusébio, H. E. 5.6; 5.18).
O montanismo foi objeto de muitas outras calúnias, tais como sacrifício de crianças e servir
pão e queijo em seus "mistérios" (cf Epifânio, Panárion 49.2).
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