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SOB O DOMÍNIO DOS


MATADORES APARENTES
Autor
CLARK DARLTON

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização
VITÓRIO

Revisão
ARLINDO_SAN
Durante as operações de busca do misterioso planeta Kahalo, a
nova nave-capitânea de Perry Rhodan, a Crest II, penetrou no campo
de ação de um gigantesco transmissor solar e foi arremessada para o
abismo intergaláctico, indo parar num sistema solar artificial situado
a 900.000 anos-luz da Terra.
Este sistema, conhecido como o sistema de Gêmeos, ocultava
uma série de perigos para qualquer ser que o visitasse. Alguns
terranos foram mortos, mas o grosso da tripulação da Crest sempre
encontrou um meio de escapar.
Antes que aparecesse o guarda de Andrômeda, que frustrou os
planos dos terranos, até se poderia ter a impressão de que a Crest
tinha uma chance real de voltar à sua galáxia de origem.
Mas o guarda moribundo modificou no último instante as
coordenadas introduzidas no transmissor, fazendo com que a Crest
não materializasse na galáxia de origem, mas no centro de Horror,
um mundo oco artificial, que é uma gigantesca armadilha mortal.
Rhodan e seus companheiros já conseguiram livrar-se dos perigos do
centro e de mais dois níveis. Agora os ocupantes da Crest se dispõem
a avançar mais um pedaço em direção à superfície do planeta Horror
— mas ficam Sob o Domínio dos Matadores Aparentes...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Hajo Kuli — Um matador aparente.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar, que
sucumbe às influências do nível amarelo.
Gucky — O rato-castor que ameaça com o vibrador
pulmonar.
Melbar Kasom — Guarda pessoal de Mory Rhodan-Abro, que
é imune à onda emocional dos matadores aparentes.
Icho Tolot — Um halutense que dispensa um tratamento nada
delicado aos visitantes que não tinham sido convidados.
Major Curt Bernard — Oficial de intendências cujas
reservas de álcool são saqueadas.
Tenente Orson — Comandante da C-III.
1

O céu estava amarelo.


Era um amarelo irreal, cor de enxofre, que combinava muito bem com a paisagem
deprimente que se estendia até o horizonte distante. Este horizonte subia em curva,
misturando-se de certa forma com o céu amarelo. Tal qual a paisagem, possuía uma
coloração azul-esverdeada, entremeada de manchas amarelas.
Hajo Kuli estava sentado no meio de tanta irrealidade, limpando o couro amarelo.
Parecia gostar da paisagem.
Hajo Kuli não conhecia nenhuma paisagem diferente. Se alguém o levasse de
repente à Terra e o soltasse por lá, certamente os bosques, os rios e as cidades intactas lhe
pareceriam algo piores que irreais. Isto sem falar num oceano de verdade.
No nível amarelo do incrível planeta chamado Horror não havia oceanos, bosques,
rios ou cidades intactas. A única coisa que havia eram cidades em ruínas, que emitiam
radioatividade e estavam desabitadas há vários milênios. Só havia tormentas radioativas,
destruição, solidão, espera.
Espera do momento de vingança contra aqueles que há tempos tinham destruído este
mundo.
Hajo Kuli não era um ser humano. Não tinha mais de cinqüenta centímetros de
altura, andava de quatro e seu couro era grosso e amarelo. Uma cabeça que era do
tamanho de um punho humano, com dois olhos ovais dispostos na vertical, assentava
num toco de pescoço. Dois tentáculos capilares trêmulos saíam entre os olhos; tratava-se
de antenas receptoras supersensíveis aos desejos dos senhores desaparecidos.
Ou aos desejos de outros seres.
Hajo pertencia à raça dos chamados matadores aparentes. Ninguém sabia quem lhe
tinha dado este nome — e por quê. Acontece que os indivíduos da espécie de Hajo não
matavam ninguém. Eram seres bondosos e inofensivos, que só tinham um objetivo na
vida: servir seus senhores, tornar sua vida agradável e transmitir-lhes os sentimentos que
eles não possuíam ou conheciam. A memória dos matadores aparentes era deficiente. A
história da grande destruição continuava viva em seus cérebros, mas ninguém se
lembrava de como eram os senhores. A guerra tinha dado cabo deles. Tratava-se da
guerra que ainda desencadeava tempestades radioativas, e que tinha causado a destruição
daquele mundo.
Mas essa guerra também tinha trazido suas vantagens. A estranha radiação, de cuja
verdadeira natureza os matadores aparentes não sabiam absolutamente nada, causara um
aumento enorme de suas faculdades. Não se tornaram mais inteligentes, mas eram
capazes de teleportar. E de outras coisas mais.
A menos de duzentos metros de Hajo uma figura semelhante a uma rocha subia ao
céu amarelo. Devia ter alguns quilômetros de espessura e estava cheia de cavernas
irregulares. O mais estranho era que a montanha — se é que a figura podia ser chamada
assim — não possuía topo. Pelo menos não se via nenhum. E se não havia topo, era
porque a montanha subia até o céu amarelo, que se estendia oitocentos quilômetros acima
daquela paisagem de sonho.
Na verdade, aquela rocha era uma das gigantescas colunas que serviam de apoio à
abóbada, abóbada esta que na verdade não era nenhum céu, mas a camada que separava
dois dos níveis do planeta Horror.
Acontece que Horror era um mundo oco. Era um astro solitário situado no
gigantesco abismo que separa a Via Láctea e a nebulosa de Andrômeda, formando uma
perigosa estação pertencente aos misteriosos senhores da ilha, uma raça que até então
ninguém tinha visto.
No centro do planeta ficava a estação de transmissão de matéria.
Mas Hajo Kuli nem desconfiava dessas coisas.
Sentado na planície pedregosa que se estendia junto à rocha, estava limpando a pele.
Ficou triste ao lembrar-se dos antepassados, aos quais fora concedida a graça de poderem
servir a seus senhores. Estes senhores tinham sido criaturas lógicas, frias e calculistas.
Tinham construído as cidades outrora tão belas e criado coisas formidáveis. Depois
vieram os “superiores” e os destruíram.
Depois disso não havia mais senhores; somente matadores aparentes.
Hajo suspirou.
Aspirou profundamente o ar radioativo e sentiu-se saciado. Depois foi saltitando um
pedaço e levantou os olhos para o céu amarelo. Para ele era o céu, e o mesmo ficava
embaixo.
Embaixo!
Hajo não sabia por que o céu ficava embaixo e o chão em cima, mas era o que
tinham ensinado os professores, e eles deviam saber. Além disso os superiores tinham
vindo do chão para destruir este mundo, e por isso o céu ficava embaixo e o solo em
cima. Era lógico, não era mesmo? Mas os matadores aparentes nunca pensavam
logicamente, — e por isso eram tão perigosos. Para quem? Não havia mais ninguém para
quem pudessem tornar-se perigosos. Por enquanto.
Hajo fixou os olhos na montanha que servia de coluna de apoio e teleportou. Fez
isso com uma naturalidade que teria deixado qualquer outra criatura em estado de
perplexidade. Materializou na entrada de uma caverna ampla e olhou para baixo;
encontrava-se pelo menos sete quilômetros acima da planície pedregosa. Os matadores
aparentes não eram capazes de teleportar a distâncias superiores a dez quilômetros.
Além de larga, a caverna era muito profunda. As paredes lisas levavam à conclusão
de que a caverna tinha sido queimada na rocha. O teto era muito alto e apresentava-se
ligeiramente abaulado. O chão não era liso; estava cheio de escombros. Havia enormes
blocos de pedra mergulhados na penumbra, que irradiavam uma luz amarela difusa. A
intervalos regulares saíam corredores estreitos, que logo se ampliavam em verdadeiros
sistemas de cavernas. Em toda parte viam-se sinais de antigas habitações.
Hajo preferia as cidades arruinadas e radiantes que se estendiam sob o céu amarelo,
mas no interior da rocha sentia-se mais seguro. Não sabia qual era mesmo o perigo que
devia recear, pois o mundo em que se encontrava estava vazio e desabitado — com
exceção dos indivíduos de sua raça. Mas, dizia-se, um dia os superiores voltariam e
também destruiriam a raça dos matadores aparentes.
Mas também era possível que os senhores voltassem, pois segundo se dizia alguns
deles tinham conseguido fugir — descendo para o céu ou subindo no chão misterioso.
Hajo voltou à entrada da caverna e lançou os olhos para o céu. Gostava de fazer
excursões para este lugar, de onde via todo o mundo. Como as montanhas-pilastras eram
interrompidas constantemente por cavernas, podia saltar em etapas. Nem chegava a ser
cansativo.
Demorou menos de meia hora, e Hajo estava quinhentos metros acima da planície
pedregosa. O céu amarelo não estava muito distante, mas não havia mudado nem um
pouco. O horizonte parecia mais abaulado que de costume. Pelo menos dez cidades da
superfície brilhavam numa luz amarelo-avermelhada. Pareciam fogueiras semi-apagadas.
Evidentemente essas cidades tinham sido destruídas por forças atômicas. Mas isso
não foi feito por meio de bombas atômicas que detonassem instantaneamente, mas por
meio de uma reação em cadeia muito lenta, que ainda não chegara ao fim. Aquelas
cidades emitiriam radiações por mais alguns milênios.
O céu era de um amarelo uniforme. Hajo olhou algum tempo para o mesmo e de
repente teve a impressão de que havia uma modificação. No primeiro instante não teve
muita certeza, mas dali a pouco todas as dúvidas desapareceram.
Um pouco adiante havia uma mancha vermelho-clara na superfície amarela. A cada
instante, a mesma tornava-se mais escura.
Hajo ficou muito nervoso e saltou para perto da borda da caverna. Por pouco não
caiu na profundeza apavorante. Tremia como vara verde, pois nunca olhara para o céu
sem que o mesmo estivesse amarelo.
Além de tornar-se mais escura, a mancha vermelha parecia cada vez maior. Era
completamente redonda; até parecia ter sido traçada a compasso. Bem no centro voltou a
mudar de cor — tornou-se vermelho-claro, e depois quase branco. Hajo abaixou-se ao ver
fragmentos de rocha incandescente chover do céu e descer como projéteis. Vinham da
mancha vermelha, que já se tornara completamente branca. Da mancha partiam fendas
em forma de raio de círculo.
Um buraco no céu...?
Hajo não sabia o que era o céu, embora já tivesse chegado bem perto dele. Sem
dúvida era uma cobertura amarela muito firme. Mas o que havia atrás da mesma? E como
se explicava que de repente surgisse um buraco no teto?
Os fragmentos incandescentes continuavam a cair. De repente um raio de luz
ofuscante saiu do buraco aberto no céu, e apagou-se.
O buraco ficou bem negro; só as bordas continuavam incandescentes.
Mais trinta minutos se passaram.
Hajo teleportou outros duzentos quilômetros para cima, a fim de enxergar melhor. Já
superara o medo que sentira no início. Além disso a curiosidade era mais forte que o
temor.
A mancha vermelha não deveria estar no céu geralmente amarelo. Parecia um
portão, a entrada de uma caverna.
Ou a saída.
Quando esta idéia lhe passou pela cabeça, Hajo assustou-se; mas o susto logo cedeu
lugar a uma tímida alegria. O céu é embaixo, diziam os professores. Portanto, os temíveis
superiores não poderiam vir do céu — se é que viessem. Mas se não eram os superiores,
quem mais poderia ser?
Uma esfera negra saiu do buraco escuro e foi caindo. Caía na vertical, mas logo
descreveu uma curva. Hajo era uma criatura inteligente e isso bastou para que percebesse
que a esfera estava sendo dirigida por seres vivos que se encontravam em seu interior.
Não era uma esfera muito grande; tinha cerca de sessenta metros de diâmetro. Em
compensação o buraco no céu devia ter perto de dois quilômetros.
A esfera parou a certa distância dele e permaneceu imóvel sobre a planície
pedregosa que se estendia lá embaixo. Depois de algum tempo começou a descer bem
devagar.
Em cima e embaixo. Aos poucos estas expressões iam perdendo o sentido para
Hajo. Não sabia quem eram os desconhecidos que se encontravam no interior da esfera
voadora, mas tinha certeza de que não eram os superiores. Os veículos destes tinham sido
diferentes.
A esfera transformou-se numa manchinha negra e Hajo teleportou alguns degraus
para baixo, alcançando a mesma. Não tirava os olhos dela e ficou refletindo para
descobrir um meio de avisar os amigos. Dominava um pouco a telepatia, mas a mesma só
servia para a comunicação a grandes distâncias.
Quando finalmente chegou ao pé da montanha-pilastra, a esfera estava pousando a
pouco menos de três quilômetros de distância e ficou imobilizada. Hajo levantou os olhos
para o céu — ou baixou-os, se quisermos usar os conceitos dos matadores aparentes.
Via-se perfeitamente a mancha, e as fendas que partiam da mesma. Depois de algum
tempo Hajo percebeu que não era somente a mancha que estava vendo. A distância era
tão grande que não conseguia distingui-la muito bem. Era outra mancha, que crescia
constantemente e chegava cada vez mais perto.
Tratava-se de mais uma esfera, muito maior que a primeira. Foi caindo mas em certo
ponto interrompeu a queda. Logo, nessa esfera também havia seres inteligentes, que a
dirigiam.
A segunda esfera pousou ao lado da primeira e Hajo Kuli resolveu informar os
indivíduos de sua espécie.
Já não havia a menor dúvida. Os senhores desaparecidos acabavam de voltar.
A vida voltara a ter um objetivo!
Hajo teleportou em grandes saltos para a colônia mais próxima...
***
Depois de ter completado a ruptura da camada que separava o segundo e o terceiro
nível do planeta oco Horror, a Crest retornou ao segundo nível e fez sair a nave-girino C-
III, comandada pelo Tenente Orson. A nave-girino voou na frente e caiu do céu amarelo.
Pousou e ficou à espera de novas ordens.
A Crest seguiu-a mais devagar e com o maior cuidado. Rhodan e Atlan não estavam
dispostos a assumir qualquer risco, por menor que fosse. Cada um estava sentado de um
dos lados do comandante Cart Rudo, que fazia a pilotagem manual.
— Desta vez o céu é amarelo — disse Atlan, enquanto contemplava as telas de
imagem da sala de comando. — Quer dizer que já temos um nome para esta estação: o
nível amarelo.
— Pelos nossos cálculos, deve ser o último nível. Se rompermos novamente a
camada de rocha, deveremos chegar à superfície de Horror.
— Tomara — observou Atlan em tom desconfiado. — Estou preparado para
qualquer surpresa. O que temos visto é impossível, mas...
Atlan preferiu ficar calado.
Melbar Kasom pigarreou. Procurou colocar-se em primeiro plano, embora ninguém
pudesse deixar de notar sua presença.
— Vamos avançar logo, senhor?
Atlan sacudiu a cabeça.
— Não podemos desprezar nenhum dado, Kasom. Quem sabe se neste nível não
encontraremos, alguma indicação que nos possa levar mais um pedaço para a frente?
Horror é um planeta artificial, uma verdadeira impossibilidade científica. É uma
armadilha ou ao menos uma etapa de prova. Assim que tivermos examinado o nível
amarelo, avançaremos para a superfície. Não antes.
Rhodan acenou com a cabeça, mas não disse nada. Continuava a olhar fixamente
para as telas. O céu amarelo foi recuando para cima. Embaixo da Crest estendia-se a
paisagem azul-esverdeada com as cidades radiantes e as ruínas desoladas. Entre elas
erguiam-se as montanhas-pilastras que sustentavam o céu artificial.
O Coronel Rudo lançou um olhar para os instrumentos.
— Há uma forte radiação lá fora, senhor — disse, dirigindo-se a Rhodan. — É
bastante perigosa. Parece que...
Não teve necessidade de prosseguir, pois todos viram. Por ali tinha sido travada uma
guerra atômica durante a qual todas as formas de vida foram eliminadas. Só por meio de
medições mais precisas se poderia verificar há quanto tempo isso acontecera, e era
possível que isso fornecesse uma indicação valiosa sobre a idade do planeta maluco.
Rhodan levantou-se e foi até a sala de rádio. Levou apenas alguns segundos para
entrar em contato com a nave-girino, que era uma nave auxiliar da Crest com sessenta
metros de diâmetro.
— Tenente Orson, fique por perto, mas nunca se aproxime a menos de três
quilômetros. Se acontecer alguma coisa que o senhor não compreenda ou se não
respondermos mais, aja por sua conta, mas permaneça sempre a pelo menos três
quilômetros de distância. Entendido?
— Entendido, senhor. Manter constantemente uma distância de três quilômetros.
— Muito bem. Vamos pousar para fazer as necessárias análises. Depois
contornaremos este nível. Se não encontrarmos nenhuma forma de vida, avançaremos
para a superfície do planeta. Entendido?
— Entendido, senhor.
Rhodan voltou à sala de comando.
— Então? — perguntou Atlan.
—Vamos pousar. Uma vez tomadas as precauções necessárias, voltaremos a decolar
e daremos uma volta completa por este nível. Depois veremos o resto.
O halutense Icho Tolot, um homem alto e robusto parecendo um gigante, estava
parado no centro da sala de comando. Tinha pelo menos um metro a mais que Melbar
Kasom, e a altura deste chegava a dois metros e meio. Além de suas faculdades e dons
quase sobrenaturais, o cérebro programador de Tolot funcionava igualmente a um
computador positrônico.
— Tenho certeza — disse — de que encontraremos a solução do mistério na
superfície, não aqui. Por que estamos perdendo nosso tempo precioso?
Rhodan sorriu.
— Se deixarmos de considerar algum fato, perderemos ainda mais tempo, Tolot. O
que acha que há lá fora?
Tolot olhou para as telas.
— Um mundo sem vida. Não sei se isso estava na intenção de seus construtores.
Seja como for, por aqui houve uma guerra atômica controlada, que desencadeou uma
reação em cadeia lenta. Se não fosse assim, o planeta teria arrebentado de dentro para
fora.
— Vamos dar uma olhada neste mundo.
A Crest já tinha pousado a três quilômetros da C-III. As análises tiveram início.
Seriam concluídas dentro de meia hora.
Rhodan pediu que Atlan e os outros comparecessem a uma conferência na sala dos
oficiais.
O Coronel Rudo, Melbar Kasom, Icho Tolot e mais alguns oficiais estavam sentados
em torno da mesa, além dos dois ratos-castores chamados de Gucky e Geco e de alguns
mutantes que tinham participado do vôo fantástico da Crest para o hexágono de sóis.
— Todos sabem o que está em jogo — principiou Rhodan. — É a primeira vez que
uma nave como a nossa atravessa um planeta a partir do centro. Já percorremos o espaço
oco central e os revestimentos de dois níveis. Atingimos o último revestimento e dentro
em breve estaremos na superfície. Se tivermos sorte, encontraremos um meio de voltar à
nossa galáxia. Talvez possamos usar um novo transmissor ou coisa que o valha. Não sei.
Ninguém sabe. A raça desconhecida que costumava saltar de uma galáxia para outra
através de transmissores tomou suas precauções. E Horror insere-se no quadro dessas
precauções. Conseguimos enfrentar os dois sóis do sistema de Gêmeos e também
saberemos livrar-nos de Horror. Gostaria que apresentassem suas sugestões.
— Tenho uma — disse Gucky em tom petulante.
Todos o fitaram, entre curiosos e zombeteiros. Que sugestão seria esta que Gucky
poderia apresentar? Nem sequer sabia o que encontrariam no nível amarelo.
— Qual é a sugestão? — perguntou Rhodan em tom sério.
— Acredita-se que por aqui tenha havido uma guerra atômica, não é mesmo? Uma
guerra atômica que destruiu todas as formas de vida. É bem possível que isso seja um
engano. Ou será que não é? Não podemos excluir a possibilidade de o nível amarelo ser
habitado.
— E as cidades em ruínas?
— Não excluem esta possibilidade. Geco pode confirmar que vocês estão
enganados. Acontece que captamos impulsos mentais. São muito fracos, mas sempre são
impulsos. Indicam de forma clara que por aí existe vida. Não pode haver a menor dúvida.
Por isso minha sugestão é no sentido de examinarmos o nível amarelo, não de darmos o
fora imediatamente.
— Dar o fora? Esta é boa! Nem me fale — exclamou Melbar Kasom.
— Impulsos mentais? — Rhodan sobressaltou-se. — Que impulsos são estes?
— São praticamente indefiníveis. Muito confusos e apagados. Na verdade, não
fazem nenhum sentido. Além disso só conseguimos captar os impulsos por alguns
minutos. Agora já não há mais nada.
— Será que esses impulsos não vinham de dentro da Crest?
— Não. Em hipótese alguma.
— Hum — fez Atlan e sorriu. — É sensacional! Quer dizer que neste inferno
amarelo existe vida! Quem diria?
Um oficial entrou. Entregou um bilhete ao comandante. O Coronel Rudo lançou um
olhar ligeiro para o mesmo e disse:
— Ah! São os resultados da divisão analítica. Posso ler?
— Faça o favor — disse Rhodan.
— Tempestades radioativas de primeira grandeza. Se a exposição não for muito
prolongada, as radiações são inofensivas, mas depois de cinco horas as mesmas começam
a atacar o organismo humano. Há doses muito fortes vindas da direção das cidades em
ruínas. A composição da atmosfera é semelhante à da Terra. O ar é respirável e não
contém ingredientes prejudiciais; com exceção das radiações. Não há nenhuma vegetação
visível na superfície. As colunas de apoio parecem ser de origem natural, tal qual as dos
outros níveis, mas as cavernas foram artificialmente introduzidas nas mesmas. A
espessura provável da camada que separa este nível da superfície do planeta é de cem
quilômetros.
— Que mundo encantador — disse Tolot em tom sarcástico. — Bem, pelo menos
para mim as radiações devem ser inofensivas.
— E para os seres que vivem por aqui — disse Gucky em tom obstinado e um tanto
ofendido porque sua tese tinha sido abandonada sem mais aquela. — Vocês verão que
não somos os primeiros.
— Não pense que deixaremos de verificar isso — disse Rhodan em tom
tranqüilizador. — Você e Geco deverão prestar atenção a novos impulsos. Se perceberem
alguma coisa, avisem imediatamente.
Depois de discutidos mais alguns assuntos de rotina, Rhodan deu ordem para que a
nave decolasse. A planície seria atravessada a uma altura de dez quilômetros. O Tenente
Orson recebeu instruções para manter a C-III sempre à mesma distância, e não
interromper as comunicações pelo rádio.
A paisagem irreal foi desfilando embaixo deles como um filme em três dimensões.
Constantemente apareciam cidades em ruínas, que davam mostras dos excelentes
conhecimentos técnicos dos seres que as tinham construído. Nesse mundo — ou nesse
estágio —já devia ter existido uma civilização formidável. A única coisa que restava dela
eram montões de escombros e uma radioatividade mortífera.
— O que será que aconteceu por aqui? — perguntou Atlan. Sua voz revelava certa
emoção, embora não fosse este o primeiro mundo destruído que tinha visto, — Quem
penetrou aqui para eliminar uma raça que provavelmente era pacata?
— Quem penetrou aqui? — perguntou Rhodan, fitando-o. — Acha que foram seres
vindos de fora?
— É o que acredito. Que motivo eles poderiam ter tido para destruir-se?
Havia algumas montanhas não muito altas com rochas salientes e desfiladeiros
profundos. Até mesmo estes emitiam radioatividade. No fundo dos desfiladeiros havia
um brilho azul-esverdeado.
— Um mundo como este nem deveria existir — observou o Major Jury Sedenko,
imediato da Crest em tom inseguro.
— Acontece que existe. Temos de conformar-nos com isto. — Rhodan apontou para
a tela principal. — Está vendo esta cidade; ou o que sobrou da mesma? Por mais irreal
que possa parecer este mundo, sobre ele, ou melhor, dentro dele — já viveram seres
inteligentes, que criaram uma civilização respeitável. Alguém destruiu esta situação, de
forma cruel e impiedosa. Usou armas atômicas de ação lenta. Teria sido um acidente?
Será que os desconhecidos que construíram o transmissor tiveram a intenção de destruir
este mundo? Neste caso seriam ainda mais temíveis do que supúnhamos. Ainda não
sabemos, mas um dia vamos descobrir. — Rhodan passou a dirigir-se a Gucky. —
Nenhum impulso, baixinho?
— Nada, Perry.
Atlan, que estava sentado à direita do Coronel Rudo, olhou para Rhodan.
— A explosão atômica não provocou ondas de pressão, Perry: As cidades não foram
arrasadas. Diria que foram consumidas pelas radiações.
— Houve várias reações; é o que provam os destroços. Em vários lugares as
temperaturas devem ter subido a níveis altíssimos. É a única explicação para as colunas
derretidas. Foi sorte nossa que o céu não desabou.
— Que idéia fantástica! — disse o Major Sedenko. — O céu desabar! Será que isso
é possível?
— Aqui é possível, major. — Rhodan olhou para a paisagem que deslizava
lentamente embaixo deles. — Aqui o céu pode desabar, e se isso acontecer, nem ficarei
muito admirado.
Houve um pio agudo vindo dos fundos da sala. Gucky escorregou de cima do sofá
em que estivera sentado ao lado de Geco e caminhou para o posto de comando.
— Estou captando impulsos, Perry. Mas são muito fracos. E confusos. Não
compreendo. Estão pensando, mas ao mesmo tempo não estão...
— Quem?
— Ora! Os habitantes deste mundo.
Rhodan suspirou.
— Quantas vezes ainda terei que dizer que este mundo não pode ter habitantes? Pelo
menos habitantes normais.
— Os impulsos são anormais — insistiu Gucky. — Mas são impulsos. Aliás, já
desapareceram de novo.
— Quer que voltemos?
— Não é necessário. Vou farejar novos impulsos. São mais numerosos do que vocês
acreditam.
Gucky voltou a saltar para cima do sofá, fechou os olhos e envolveu-se no silêncio.
Procurava concentrar-se.
A três quilômetros da Crest a C-III descrevia sua trajetória. Apesar da
radioatividade, as comunicações pelo rádio eram perfeitas. O Tenente Orson comunicava
de cinco em cinco minutos que não estava acontecendo nada de especial.
— Aumente a distância para cinco quilômetros — ordenou Rhodan. — Talvez
assim seja melhor.
As duas espaçonaves deslizaram durante várias horas sob o céu amarelo. A
paisagem quase não mudava. Era igual por toda parte. Vazia, sem vida e desolada. Era a
imagem da morte e da destruição. Um mundo que não pertencia a ninguém e pelo qual
ninguém lutaria.
Finalmente o Coronel Rudo comunicou:
— Acabamos de contornar o nível amarelo, senhor. Quer que fixemos outra rota,
que talvez poderia ser perpendicular à primeira?
— Impulsos! — informou Gucky no mesmo instante.
— Isso mesmo! Impulsos! — confirmou Geco, que continuava a seu lado.
— Isso não é necessário, coronel. Vamos pousar. Se possível perto da coluna que o
senhor vê ali. Se não estou muito enganado, trata-se da mesma coluna junto à qual já
pousamos.
— Que impulsos são estes? — Só agora Rhodan tinha tempo para dedicar sua
atenção a Gucky e às observações que o mesmo acabara de fazer. — Os mesmos de
antes?
— Malucos e sem sentido como os outros — confirmou o rato-castor em tom de
perplexidade.
Rhodan levantou-se e foi para perto do sofá. Sentou ao lado de Gucky e acariciou o
pêlo do mesmo.
— Preste muita atenção, baixinho. O êxito de nossa operação depende em grande
parte de que consigamos descobrir a natureza e a origem desses impulsos. Acredito em
você quando diz que está captando os mesmos, mas as informações que você acaba de
dar são vagas demais. Não consegue verificar o que estão pensando os desconhecidos que
emitem estes impulsos?
— Pois é justamente isso — esbravejou Gucky. — Não estão pensando
absolutamente nada! Só estão sentindo. Parece impossível!
— Também sou dessa opinião. E você, Geco? Não conseguiu nada?
— Cheguei à mesma conclusão que Gucky.
Provavelmente estamos captando os mesmos impulsos. Mas por aqui vive alguém
que gera os mesmos. Quanto a isso não existe a menor dúvida.
— Aos poucos começo a acreditar nisso. Continuem a concentrar-se. Convém irem
ao seu camarote, onde terão mais sossego. Avisem assim que houver alguma novidade.
Quem sabe...
Não chegou a concluir a frase. Gucky fitou-o, sorriu, segurou a pata de Geco e os
dois desapareceram.
Gucky era um telepata muito melhor que o tal do Hajo Kuli, que nenhuma das
pessoas que se encontravam na Crest conhecia.
***
O Tenente Orsy Orson já estava começando a ficar cansado de olhar
ininterruptamente para a tela que não mostrava nada. A C-III estava pousada num lugar
situado a pouco menos de mil e quinhentos metros da montanha que desempenhava as
funções de coluna de apoio, e que representava a única variação na paisagem monótona.
A cidade ficava na direção oposta.
Seus limites ficavam a apenas dois quilômetros da C-III e a ampliação da tela de
imagem mostrava todos os detalhes da mesma. Antigamente a cidade devia ter possuído
edifícios muito altos e retilíneos, que em sua maioria tinham desabado. Mas ainda havia
algumas fachadas de pé. Davam a impressão de terem sido feitas de um material mole,
que se derretera no calor.
— O que foi isso? — perguntou Orson de repente, apontando para a tela
amplificadora do centro. — O senhor viu, Bender?
O Tenente Bender, imediato da C-III, respondeu que não.
— Estava olhando para outro lado. O que houve?
— Um movimento! Alguma coisa se mexeu entre os destroços.
— Não é possível.
— Não tenho tanta certeza. Acho que deveríamos avisar o Chefe.
— Isso só nos tornará ridículos. Não seria preferível esperarmos até que tenhamos
certeza?
Orson hesitou. Não tirava os olhos da tela.
— Talvez — disse depois de algum tempo. Em meio às pedras ainda se viam os
restos de uma antiga estrada, que ligava a cidade à montanha-coluna. Certamente fora
construída com um material relativamente resistente, pois as fendas e os pedaços
derretidos tinham uma extensão insignificante. A estrada terminava num monte de
edifícios desabados.
— O senhor tem razão, Orson — disse Bender de repente. — Houve um movimento
perto da coluna entrecortada. Como se explica que em meio a todas estas radiações possa
existir um animal?
— Talvez se trate de uma mutação que não é afetada pela radioatividade. Acho que
já está na hora de avisarmos Rhodan.
— Quer que eu...?
— Deixe para lá. Eu mesmo cuidarei disso. — Orson sorriu. — Se alguém tem de
passar vergonha, é bom que seja eu.
Ficou surpreso ao notar que ninguém riu dele.
— Tem certeza de ter visto um ser vivo? — perguntou Rhodan. — Qual foi o
tamanho aproximado?
— É difícil de dizer. Talvez do tamanho de um cachorro.
— Corria sobre quatro patas?
— Só vi por um instante, senhor, nos limites da cidade. Do lugar em que está o
senhor não pode ver a área. Quer que façamos sair um carro voador para dar uma olhada?
— Não. Fiquem na nave, haja o que houver. Se nesta cidade existir alguma forma de
vida, vamos aguardar para que chegue a nós. Fique na observação e mantenha-nos
informados.
Bender mostrou-se resignado.
— Está bem, Orson; vamos aguardar. Se realmente são cachorros, não pode
acontecer muita coisa.
Orson fechou a porta que dava para a sala de rádio.
— Não gosto de cachorros que andam no meio de ruínas contaminadas de radiações.
É preferível colocarmos o campo energético em torno da nave. Desta forma não
correremos nenhum risco.
Não demorariam a descobrir que se tratava de uma conclusão errada.
***
Hajo Kuli conseguiu pôr em alarme a colônia estabelecida na cidade.
Assim que a segunda esfera espacial dos seres desconhecidos pousou, os matadores
aparentes reuniram-se para conferenciar sobre o que deveriam fazer. Hajo era de opinião
que não deveriam precipitar nada, mas a maioria dos teleportadores manifestou-se a favor
de uma ação imediata. Acreditavam que os desconhecidos só podiam ser os descendentes
dos antigos senhores. Tinham voltado e queriam que alguém cuidasse deles. Como sua
vida devia ter sido triste e vazia sem os pequenos amigos. Nada de sentimentos, nada de
sensações alegres, só a realidade sem sonhos.
— Nós os deixaremos felizes! — anunciou um dos mais idosos e bateu com as
pernas no chão duro, como se quisesse reforçar sua mensagem telepática. — Quero que
saibam que ficamos à sua espera. Por que estão perdendo tempo? Hajo é cauteloso
demais; está com medo. Ainda é jovem.
— Os senhores não nos conhecem, da mesma forma que não os conhecemos —
ponderou Hajo. — O que sabemos a seu respeito? Nem sequer sabemos como eram. E
eles não sabem como nós somos. Pode haver um mal-entendido...
— Você se esquece do legado de nossos antepassados — advertiu o velho matador
aparente. — Não sabe qual era a tarefa à qual dedicavam sua vida? Estabeleceram uma
simbiose com os senhores. Recebiam tudo de que precisavam para viver, e em
compensação davam aos senhores a ilusão dos sentimentos. As coisas devem continuar
assim, mesmo que um número incontável de anos se tenha passado neste meio tempo.
Os apelos à prudência formulados por Hajo foram inúteis. O mesmo sugeriu o envio
de uma delegação que entraria em contato com os desconhecidos, mas a sugestão não foi
aceita. Tinham esperado tanto por este dia, e achavam que cada minuto que não fosse
aproveitado representaria um desperdício.
Um volume enorme de impulsos telepáticos atingiu Hajo. Mal conseguiu defender-
se contra os mesmos e muito menos estava em condições de responder. Emitiu um
assobio estridente e teleportou na direção das alturas da coluna, a fim de aguardar os
acontecimentos. Fizera o possível.
Se alguma coisa saísse errada, não seria culpado.
Mas o que poderia sair errado?
***
O mutante Ralf Marten era um teleótico. Possuía a capacidade de inserir sua
consciência por um tempo limitado no corpo de um ser estranho. Desta forma tinha a
possibilidade de enxergar através dos olhos de outra pessoa e de ouvir com os ouvidos da
mesma. A pessoa em cujo corpo penetrava não percebia nada, pois Marten deixava
intacto o consciente do outro ser.
Era portador de um ativador celular e por isso se tinha conservado jovem. Com sua
figura alta e esbelta tinha o aspecto de um homem de trinta anos. Pertencia ao exército
dos mutantes e tinha acompanhado Rhodan nesse vôo.
Gucky e Geco voltaram a informar que estavam captando impulsos telepáticos
muito confusos. Rhodan não perdeu mais tempo: mandou chamar o teleótico.
— Quem sabe se o senhor não poderá ajudar-nos, Marten? Estamos diante de
impulsos telepáticos que na verdade não são nada disso. Trata-se de seres estranhos que
têm uma porção de sentimentos, mas não pensam. Defrontamo-nos com seres estranhos
num mundo em que não deveria existir vida. É um mistério após o outro. O senhor tem
uma explicação sensata para isso?
Ralf Marten sacudiu a cabeça. Olhou para Gucky, mas este olhava para o alto com
uma expressão de indiferença. Não acreditavam nele, e assim queria que o deixassem em
paz. Provavelmente acreditavam que ele e Geco estavam loucos.
Ou que fossem incompetentes, o que era pior.
— Não existe nenhuma explicação para isso, senhor — disse Marten em tom
cauteloso. — Se pudesse pôr os olhos num desses seres, poderia usar minhas faculdades.
Mas mesmo sem isso posso tentar, desde que Gucky me forneça a direção aproximada do
ponto de origem dos impulsos.
Gucky permaneceu na mesma posição.
— Então, Gucky, como é? — Rhodan foi para perto dele. — Faça o favor de não
sentir-se ofendido só porque não queremos agir precipitadamente. Preferimos seguir as
normas da prudência. Dê uma ajuda a Marten, para que possamos progredir um pouco.
De onde vêm os impulsos?
— Dali!
Gucky girou duas vezes em torno do próprio eixo e estendeu o braço. Isso
significava que os impulsos vinham de toda parte e de lugar algum. De qualquer maneira,
não vinham de cima nem de baixo.
— Muito interessante — observou Rhodan em tom decepcionado, mas teve o
cuidado de não repreender o rato-castor. Sabia por experiência própria que, se Gucky se
ofendesse de verdade, não se poderia fazer mais nada com ele. De outro lado, nem
pensou em usar Geco contra Gucky, que era seu grande exemplo. Limitou-se a suspirar e
acrescentou:
— Que pena! Pensei que você pudesse fornecer os dados definitivos. O senhor terá
que tentar sozinho, Marten.
Gucky esticou o corpo, crescendo uns três centímetros.
— Tentar! Ora essa! Pode procurar muito tempo. Sei de onde vêm os impulsos. Da
cidade. Isto mesmo, da cidade. São milhares de impulsos, mas não fazem sentido. E não
vêm só da cidade, mas também das colunas de pedra.
— Quer dizer que vêm da cidade — disse Rhodan, satisfeito. — Quer dizer que
Orson não se enganou ao afirmar que viu um movimento por lá. O senhor poderia fazer
uma tentativa na cidade, Marten?
Marten fez que sim e deitou no sofá largo que era o lugar em que os dois ratos-
castores gostavam de acomodar-se. Geco escorregou para o lado, contrariado, e desceu ao
chão, quando Marten estendeu as pernas.
O teleótico fechou os olhos e dentro de alguns segundos as batidas de seu coração
ficaram bem fracas.
Seu espírito tinha abandonado o corpo para abrigar-se em outro.
Dentro de um segundo voltou a abrir os olhos e fitou Rhodan com uma expressão
assustada. Sentou.
— Encontrei um corpo para alojar-me, mas fui expulso imediatamente. Puseram-me
para fora. Não cheguei a ver muita coisa. Um bando de animais pequenos; foi uma
imagem confusa e apagada. Não têm mais de cinqüenta centímetros de altura. Mas o
tempo foi muito escasso, vi pouca coisa.
— Tente de novo, Marten. É muito importante.
Gucky e Geco piscaram um para o outro. Como que por acaso, seguraram-se pelas
mãos.
Marten fechou os olhos. Desta vez levou quase dez segundos para voltar. Ergueu-se
mais uma vez.
— Animais, senhor! Parecem inofensivos, têm certa semelhança com ursinhos. Mas
não são ursos. Tenho a impressão de que possuem um cérebro notável. Não no que diz
respeito ao quociente intelectual, que parece ser bem baixo. Até hoje ninguém conseguiu
afastar-me de sua consciência, mas os animais que habitam a cidade radioativa
conseguiram. Não tenho explicação para isso.
— Que mais viu ou ouviu?
— Não ouvi nada, mas vi. Parece que os animais estão fazendo uma espécie de
reunião. Estão sentados no meio dos destroços contaminados com radioatividade e
sentem-se muito bem. O que eu vi não pode estar certo, senhor. Devo estar enganado.
Ninguém pode sobreviver no meio de emanações radioativas tão fortes. Se não fossem os
campos energéticos, os ocupantes da Crest já estariam mortos.
— Nós estaríamos, mas estes desconhecidos não. Quer sejam animais, quer não
sejam. Ei, Gucky! O que pretende fazer...?
— Voltaremos logo.
— Fiquem aqui! — ordenou Rhodan, quando viu que os dois ratos-castores se
concentravam para fazer uma teleportação. Mas sua advertência chegou tarde.
Gucky e Geco desmaterializaram.
— O senhor não poderia fazer nada para evitar isso — procurou consolá-lo Marten,
sem que sua voz revelasse a menor preocupação. — Acho que não há perigo, desde que
não fiquem lá fora por muito tempo. Gucky também sabe.
— Ele vai esquecer. Além disso pode haver algum imprevisto que retarde o regresso
dos dois. Atlan, mande preparar uma gazela. A tripulação será de três homens, além do
comandante.
Atlan retirou-se sem comentários. Quando ainda estava na porta, Gucky e Geco
apareceram na sala de comando. Geco caminhou em direção ao sofá e encostou-se ao
mesmo. Seu rosto revelava um espanto enorme.
— Vocês me fazem cada uma...! — disse Rhodan em tom ameaçador, mas logo se
interrompeu. Não estava gostando da expressão do rosto de Gucky. — Que houve? Por
que voltaram tão depressa?
— Por que voltamos tão depressa? — chiou Gucky, indignado, e apoiou as mãos
nos quadris. — Nem quero ver o que aconteceria se tivéssemos ficado mais tempo. Tudo
que fazemos está errado. Da próxima vez vou...
— Não nos torture mais — interrompeu Rhodan. — Que houve?
— Vimos cachorros ou ursos com pêlos amarelos — resmungou Gucky. — Cabeças
pequenas e olhos salientes. Estes bichos são mutantes.
— Mutantes?
Rhodan e Marten fizeram a exclamação no mesmo instante. Rhodan logo perguntou:
— Que espécie de mutantes? E o que lhe deu essa idéia?
— Eu senti. Não conseguimos ler seus pensamentos, já que eles não pensaram nada,
mas descobrimos seus sentimentos. E estes oscilavam fortemente entre a alegria e a
felicidade de um lado, e a tristeza e o ódio de outro lado. Quando nos viram,
precipitaram-se sobre nós. Não estavam armados e não teríamos a menor dificuldade em
defender-nos, mas julgamos preferível voltar à Crest. Ah, mais um detalhe. Estes animais
tão estranhos são teleportadores.
— O quê? Teleportadores? — perguntou Rhodan em tom de perplexidade.
— Isso mesmo. Tive oportunidade de observá-los, embora não tivéssemos muito
tempo. Mas não sei se são capazes de dar grandes saltos.
— Receio que ainda tenhamos algumas surpresas pela frente. É possível que de
repente seus teleportadores apareçam na nave.
Gucky sorriu com uma expressão cansada e saiu caminhando em direção ao sofá.
Segurou a mão de Geco.
— Vamos dar o fora. Não gosto de cachorros que teleportam. Você também não?
Geco apressou-se a confirmar. Os dois ratos-castores desapareceram. Rhodan olhou
para Marten.
— Não quis confessar logo, mas acho que ainda vamos nos aborrecer. Se estes
estranhos seres ficaram submetidos por muito tempo à influência de fortes emanações
radioativas, eles podem ter desenvolvido os dons mais incríveis. Não deve ser só a
teleportação. Deveríamos...
Marten não pôde prosseguir. O intercomunicador emitiu um som estridente. O
Coronel Rudo calcou o botão. Imediatamente uma das telas pequenas que faziam o
contato com os diversos setores da nave iluminou-se. O rosto de um oficial apareceu na
mesma.
— Senhor... senhor...!
— Que houve? Fale logo, tenente!
— Senhor... Há estranhos na nave!
— O quê? — o Coronel Rudo fitou Rhodan com uma expressão estupefata.
Marten não disse uma palavra. Sentou no sofá e cobriu o rosto com as mãos. A
expressão do rosto de Atlan parecia indiferente.
— Sim. São animaizinhos de pêlos amarelos. Têm cabeça pequena, quatro patas...
— O campo energético! — interveio Rhodan com a voz tranqüila. — Verifique se
está ligado, coronel. Se estes seres estranhos realmente são teleportadores, os campos
defensivos não adiantarão muita coisa. Mande usar os raios narcotizantes no interior da
nave. Imediatamente!
Virou-se e saiu caminhando em direção à porta. Antes de chegar lá, ouviu o
comandante dizer:
— Marten, o que é isso que o senhor tem no ombro?
Rhodan parou e virou a cabeça.
Marten estava sentado no sofá. Sobre seu ombro via-se um animal de aspecto
delicado, que se pareceria com um ursinho se a cabeça não fosse tão pequena. Os olhos
ovais ficavam em posição vertical no rosto peludo. O animal tinha coloração amarela e
pêlos espessos.
— Marten! — gritou Rhodan. Sacuda isso. Depressa! — Rhodan sacou a arma e
regulou-a para uma potência reduzida. Esperava que o raio energético deixasse
inconsciente a pequena criatura, mas não a matasse. — Vamos logo! O que está
esperando?
O teleótico levantou os olhos. Sorriu. Havia uma expressão de felicidade em seu
rosto.
— Por que haveria de sacudir isto, senhor? Não faz mal a ninguém e é muito
bondoso. Sinto-me muito bem. Nunca me senti tão bem em toda a vida.
As pupilas de Rhodan se estreitaram. Foi enfiando a arma no cinto. Olhou para o
Coronel Rudo e ficou apavorado ao notar que em seu ombro também havia um dos seres
amarelos. O mesmo encostou-se à cabeça do comandante, dando a impressão de que
queria cochichar alguma coisa ao seu ouvido. Rudo parecia extasiado, seu rosto assumiu
uma expressão feliz e tranqüila.
As previsões de Rhodan acabavam de confirmar-se.
Mutantes! Os animaizinhos deviam ser mutantes; talvez fossem hipnos. Notava-se
perfeitamente o que pretendiam; logo se veria se conseguiriam.
— Coronel Rudo! — exclamou Rhodan em tom enérgico e pôs-se a observar a
reação de Rudo. — Ligue o intercomunicador. Imediatamente! Quero falar com a
tripulação.
O comandante acariciou o animal estranho que estava sentado em seu ombro e
mostrou um sorriso ingênuo.
— Por que, senhor? O que pretende dizer-lhes? Não venha me dizer que pretende
adverti-los contra nossos amiguinhos ou até ordenar-lhes que os matem! Neste caso será
preferível deixarmos o intercomunicador de lado. Se soubesse o que estou sentindo,
senhor! É uma felicidade enorme, uma grande alegria de viver e muita confiança no
futuro. Logo atingiremos nosso objetivo, senhor. Os superiores...
— Quem? — Rhodan aproximou-se de Rudo e segurou seu braço. — De quem está
falando, coronel? Quem são os superiores? O que sabe a respeito deles?
— Não sei nada. Só sei que dentro em breve nos encontraremos com eles. E então...
Não prosseguiu, mas a expressão de seu rosto modificou-se. De repente não parecia
mais pacato. Era exatamente o contrário. Mostrava ódio e uma raiva infinita. Rhodan
recuou instintivamente, mas logo reconheceu que o objeto da raiva não era ele, mas outra
coisa.
O animal peludo amarelo!
Não criava somente alegria no cérebro do ser humano, mas também ódio.
Sentimentos! Impressões!
Marten tinha razão.
De repente Rhodan sentiu um peso leve no ombro esquerdo. Com um movimento
rápido da mão direita varreu o hipno, ou fosse lá quem fosse essa criatura, para o chão,
saltou para junto dele e abaixou-se. Segurou o animal com ambas as mãos.
“Quem dera que Gucky estivesse aqui”, pensou Rhodan, desesperado, ao sentir as
primeiras tentativas titubeantes de seu prisioneiro, que queria penetrar em sua
consciência. “Ou Melbar Kasom! O gigante o ajudaria a domar a pequena fera. Onde
estava Tolot?”
Mas nem Gucky, nem Kasom ou Tolot vieram em seu, auxílio. Tinham de cuidar de
sua própria defesa.
Rhodan não podia saber disso. Por um instante sentiu-se abandonado pelos amigos,
mas logo se sentiu chocado ao dar-sé conta de que no resto da nave as coisas não deviam
ser muito diferentes da sala de comando.
Por ali não havia mais um único oficial em cujo ombro não estivesse sentado uma
das pequenas criaturas de pêlos amarelos.
Rhodan segurou firmemente o animal e levantou-se. A pequena criatura esperneava,
procurando libertar-se. Voltou a emitir seus hipnoimpulsos, mas Rhodan bloqueou seu
consciente. Dessa forma não emitia ondas mentais e Gucky não seria capaz de localizá-
lo. Mas nem haveria tempo para isso. O que importava era que o ser desconhecido não
conseguisse o que pretendia.
— Você me entende? — perguntou Rhodan sem muita esperança. — Se é um
telepata, deve compreender. Responda com um aceno de cabeça.
Logo voltou a bloquear sua mente. O prisioneiro fitou-o, mas não acenou com a
cabeça.
Fechou os olhos e desapareceu. Rhodan ficou com as mãos vazias.
— São teleportadores. Era o que eu imaginava — disse Rhodan e foi até a porta que
dava para a sala de rádio. Abriu-a e viu que todos os oficiais e tripulantes já estavam
sujeitos à influência dos estranhos visitantes. Havia um ursinho no ombro de cada um
deles. Os animais encostavam-se carinhosamente nos homens, cujos rostos só retratavam
alegria e felicidade.
Mais uma vez Rhodan sentiu abruptamente um peso, quando o matador aparente
materializou sobre seu ombro esquerdo, e mais uma vez conseguiu atirar o animal ao
chão com um movimento rapidíssimo da mão. O golpe foi tão forte que o ser não teve
tempo para teleportar. Perdeu os sentidos.
Rhodan abaixou-se e levantou-o cautelosamente. Sua respiração era regular e fraca.
Os olhos estavam fechados. Os membros pendiam molemente junto ao corpo. Rhodan
abriu cautelosamente o bloqueio cerebral e tentou captar alguns pensamentos de seu
prisioneiro. Não era um telepata de grande potência, mas a uma distância tão pequena
talvez fosse possível...
Não captou nada.
Voltou a fechar o bloqueio e colocou o animal inconsciente numa poltrona. Num
instante compreendeu o perigo tremendo em que se encontrava juntamente com todas as
pessoas que se encontravam na Crest II. Seria fácil defender a gigantesca nave contra um
ataque aberto. Um inimigo que lutava com armas normais e não escondia suas intenções
não era tão perigoso. Mas esses animaizinhos, que pareciam ser pacatos e inofensivos,
eram os adversários mais perigosos que alguém poderia imaginar. Suas intenções eram
desconhecidas — se é que tinham uma intenção definida.
Rhodan retornou para a sala de comando, aproximou-se do Coronel Rudo e golpeou
com o punho fechado. O urso amarelo caiu ao chão e permaneceu imóvel. O golpe
certamente o matara.
O Coronel Rudo fitou Rhodan com a expressão de quem acorda de um sonho.
— Que houve, coronel? Procure controlar-se. Diga logo! Que tipo de experiência
acaba de ter?
— Que tipo de experiência? Não... não tenho certeza.
— Quero saber alguma coisa sobre seus sentimentos. Como eram? O senhor se
esqueceu...
— Eu me senti feliz, senhor. — Olhou para o chão. — O senhor matou esta
criatura? Por que? Não, não me esqueci. Nem poderia. Mas de repente fiquei livre das
minhas preocupações. Foi maravilhoso. As intenções deles são boas, senhor.
Deveríamos...
Não conseguiu dizer mais nada.
Havia dois animais amarelos pousados sobre seus ombros. Rhodan quis saltar para
junto dele, paca afastar os animais que se encontravam perigosamente próximos de Rudo,
mas alguém o impediu. Sentiu imediatamente o peso sobre o ombro e ficou parado,
perplexo.
Apesar do bloqueio colocado em torno de seu cérebro, os impulsos emocionais
atingiram seu consciente. Sabia perfeitamente o que estava acontecendo, mas não
conseguia resistir à influência estranha. Nem queria.
Os hipnos amarelos só queriam o bem. Desejavam transmitir-lhe a ilusão da
felicidade. Uma felicidade que não poderia ter igual em toda a Galáxia, ou no Universo
inteiro.
Por que haveria de resistir a uma coisa dessas?
Deixou cair a mão levantada. O Coronel Rudo já estava rindo de novo. Era um
sorriso descontraído e satisfeito, livre de preocupações. A vida era maravilhosa, era
formidável e bela.
Uma sensação de felicidade inundou Rhodan. Onde estaria Mory, sua esposa? Em
seu camarote. Tomara que também tenha sido encontrada pelo hipno, um desses ursinhos
engraçados.
Precisava ir imediatamente para junto dela.
Rhodan cumprimentou Rudo com um gesto e retirou-se da sala de comando. Uma
vez no corredor, encontrou-se com alguns oficiais que caminhavam a passos leves, com
os intrusos que traziam a felicidade sobre os ombros. Sorriram amavelmente para
Rhodan. Não era um sorriso de subalterno para chefe, mas de amigo para amigo, que já
não é separado por qualquer barreira. Rhodan retribuiu o sorriso e estava satisfeito
consigo mesmo e com o rumo que estavam tomando os acontecimentos.
Antes que atingisse o camarote da esposa, foi detido. Melbar Kasom dobrou uma
curva do corredor. Fungava de raiva e mantinha os punhos erguidos em atitude
ameaçadora. Um dos ursinhos amarelos debatia-se em suas mãos, mas não por muito
tempo. Teleportou-se para um lugar seguro, e Kasom ficou parado, perplexo. Viu
Rhodan.
Deu um grito e precipitou-se sobre ele, na intenção de agarrar os dois hipnos que se
encontravam sobre seus ombros.
Rhodan recuou.
— Não faça isso, Kasom. Não se atreva a por as mãos nestes animais. — Com um
movimento rápido Rhodan arrancou a arma energética do cinto. — Não chegue mais
perto, Kasom. O senhor está avisado.
Kasom deu alguns passos para trás. Fitou Rhodan, estupefato.
— Até o senhor? — gritou, apavorado. — Meu Deus, até o senhor! — Deu um
passo em sua direção, resoluto e zangado. — Procure ser sensato, senhor. Só quero
ajudar. Estes animaizinhos ainda acabam roubando a inteligência de todo mundo. O
senhor sabe, mas não quer fazer nada. Ninguém quer fazer nada.
— É verdade, Kasom. Não quero que me roubem estes animaizinhos que trazem a
felicidade. Sinto-me muito bem. Nunca me senti tão feliz. Saia do meu caminho. Quero ir
para junto de minha esposa.
Kasom recuou lentamente.
Rhodan manteve a arma energética apontada para ele e saiu andando. Entrou em seu
camarote sem olhar para trás.
Kasom seguiu-o com os olhos. Sentia-se amargurado. Mais um dos animais
amarelos materializou sobre seu ombro. Kasom atirou-o contra a parede com um
movimento resoluto. O animalzinho caiu ao chão, esmagado.
— A mim vocês não agarram! — berrou Kasom. — A mim não!
Saiu correndo, para salvar o que pudesse ser salvo.
***
Não era muita coisa.
Kasom conseguiu tirar o hipno de um ou outro tripulante, usando a força ou a
astúcia, mas mal o coitado recuperava suas faculdades mentais e Kasom lhe dava as
costas, outro ser que proporcionava a felicidade acomodava-se sobre seu ombro e o
enfeitiçava.
Eram teleportadores e apareciam do nada. Seu número era inesgotável, e pareciam
dispostos a brigar para proporcionar sentimentos felizes aos humanos.
Só havia dois seres, além de Kasom, que até então tinham resistido à mais estranha
das invasões que já se verificara na Crest. Eram Icho Tolot, o halutense, e o rato-castor
Gucky.
Geco não demorara a ser atingido pela onda.
Quando os primeiros hipnos apareceram, encontrava-se no camarote, em companhia
de Gucky. O cérebro de Gucky logo armou suas defesas e evitou a penetração dos
impulsos hipnóticos estranhos. O ursinho esforçou-se até ficar exausto e desmaterializar
para procurar uma vítima mais fácil de influenciar.
Gucky recorreu à telecinesia para afastar o hipno que procurava influenciar Geco.
Mas foi inútil. Outro hipno apareceu, seguido por um terceiro e um quarto. Os
animaizinhos precipitaram-se sobre Geco e literalmente o soterraram sob seus corpos.
De repente Geco disse em tom enlevado:
— Por mais bonita que seja Biggy, eu quero Iltu!
Gucky quase caiu de cima do sofá, de tão assustado que ficou com a observação que
acabara de ouvir. Evidentemente os culpados eram os diabinhos amarelos, mas de
qualquer maneira Geco acabara de manifestar um desejo que violava o código moral dos
ratos-castores. Enquanto a moça pertencente à raça dos ratos-castores era solteira, não se
levava o deslize muito a sério. Era o que acontecia também com os humanos. Mas Iltu era
casada! E era casada com Gucky.
— Seu moleque! — chiou Gucky, furioso, ameaçando Geco com o punho fechado.
— Seu... seu...! — Não se lembrou de mais nada.
— Sinto-me tão feliz — ciciou Gucky e revirou os olhos.
Franziu os lábios para dar um beijo, mas o dente-roedor representava um grande
obstáculo. Abraçou sua parceira imaginária. Gucky acreditava que essa parceira era Iltu,
que estava à sua espera em casa, no planeta Marte.
E agora vinha esse Geco e...
Com um salto colocou-se ao lado do amigo e libertou-o dos hipnos, que saíram
correndo e teleportaram para longe, apavorados.
— Já está em condições de raciocinar novamente?
Geco acenou com a cabeça. Parecia atordoado.
— Sempre estive. O que aconteceu? Por que está tão zangado?
Gucky dispôs-se a falar, mas logo compreendeu que seria inútil. Era possível que
mais tarde aparecesse uma oportunidade melhor de ajustar contas com Geco.
Por enquanto havia coisa mais importante a fazer. Se os tais dos hipnos tinham
aparecido em toda parte na nave...
— Defenda-se das pequenas feras da melhor forma que puder, Geco. Vou cuidar de
Rhodan.
Isso era fácil de dizer, mas difícil de fazer. Rhodan continuava a bloquear seus
pensamentos. Devia ser antes uma atitude instintiva, da qual nem se dava conta. De
qualquer maneira, a mesma impedia a emissão de qualquer impulso telepático. Gucky
não encontrou Rhodan na sala de comando, e Rudo recusou-se obstinadamente a dar
qualquer informação. Estava brincando com seus dois ursinhos hipnóticos e esquecera-se
de que era o comandante da Crest.
Gucky continuou a procurar Rhodan e encontrou-se com Kasom. Graças às reações
instantâneas do especialista da USO, nenhum hipno conseguia ficar mais de um segundo
sobre seu corpo.
— Rhodan? Está no seu camarote. Espere aí, Gucky! — segurou o rato-castor pelo
braço. — No momento você não poderá fazer nada por ele. Está totalmente submetido à
influência desses desconhecidos. Se você tentar tirar o urso que está em cima dele, ele o
matará. Não adianta. Onde está Tolot? Acho que além de nós dois é a única pessoa que
consegue defender-se contra estas criaturas. Vamos procurá-lo, pois assim ficaremos em
três. Onde esta ele?
Gucky hesitou um pouco, mas logo compreendeu que Kasom tinha razão.
— Vamos procurá-lo.
Isso também era mais fácil de dizer do que fazer. Se quisessem vasculhar toda a
nave, gastariam alguns dias.
— O intercomunicador — sugeriu Melbar. — Uma das telas principais fica logo
depois da curva do corredor.
Caminharam o trecho pequeno que os separava da tela. Não se encontraram com
ninguém. Um silêncio apavorante reinava no interior da nave. O intercomunicador não
estava ligado. Melbar comprimiu o botão e ativou o videofone. Esperou que as estações
automáticas comunicassem que estavam de prontidão. Só assim teria certeza de que sua
mensagem seria ouvida em todas as partes da nave. Era bem verdade que somente a
pessoa que ainda não estava sujeita à influência dos hipnos responderia à mesma.
— Melbar Kasom falando! Gucky está comigo. Procuramos Icho Tolot! Repito.
Procuramos Icho Tolot! Responda, Tolot, e comunique sua posição. Todas as pessoas que
ainda estão lúcidas devem responder ao chamado.
Demorou bastante até que houvesse uma resposta. Melbar repetiu a mensagem.
Finalmente Tolot respondeu:
— Sinto muito, mas estava longe do videofone. Onde estão vocês?
— Onde está o senhor?
— Na sala de máquinas, setor de comando.
— Fique à nossa espera aí mesmo. Vamos teleportar. Somos as únicas pessoas que
ainda não se encontram sob o domínio dos hipnos. Precisamos fazer alguma coisa.
— Também acho. Mas o quê?
— Logo veremos. Até já.
Melbar deixou o intercomunicador ligado e segurou a mão de Gucky.
Não houve necessidade de fornecer instrução ao rato-castor. O mesmo sabia
perfeitamente onde ficava o setor de comando da sala de máquinas e fixou-se nessa
direção. Feito isso, teleportou com Melbar. Na teleportação o peso adicional não tinha a
menor importância, ao menos a uma distância tão pequena.
Tolot estava plantado à frente dos controles, com sua enorme arma energética na
mão. Algumas áreas queimadas no piso de plástico e nas paredes permitiam uma
conclusão sobre o que tinha acontecido. O halutense não perdia tempo com os hipnos.
Matava-os.
— Não adianta — observou Melbar. — Deve haver milhares deles nesta planície;
talvez sejam milhões. Só poderemos derrotá-los por meio da astúcia. A violência não
adianta.
— Qual é sua sugestão? — perguntou o halutense e enfiou a arma no cinto. — Pelo
que pude constatar, além de nós três não existe nenhuma pessoa que não tenha sido
influenciada.
— Pois é justamente isso — disse Melbar com a voz zangada. — Acho que temos
que dar o fora. — Interrompeu-se e com a mão esquerda afastou um dos animaizinhos
incômodos que acabara de materializar sobre seu ombro. — É a única possibilidade. Se
não fizermos isso, estamos perdidos.
— E os outros? — Gucky fitou seus companheiros com uma expressão de
perplexidade.
— Não podemos abandoná-los. — Fez um gesto enérgico. — Não contem comigo.
Ficarei na Crest e vou...
— Você não vai coisa alguma! — interrompeu o halutense, que compreendera
imediatamente as intenções de Melbar. — Sabe o que é um ataque diversionista?
— Um ataque diversionista? Vocês acham que devemos abandonar a nave para
atacá-la do lado de fora?
—Mais ou menos. Não se esqueça do Tenente Orson e da nave-girino. É mais fácil
de conquistar que a Crest. Quando estiver em nossas mãos, veremos o que fazer.
— É uma boa idéia — concordou Melbar.
— Não adianta ficar aqui. É verdade que somos imunes às insinuações telepáticas
dos hipnos ou matadores aparentes, conforme Gucky os chama...
— Eles mesmos se chamam assim — interrompeu o rato-castor. — Foi praticamente
a única coisa que consegui descobrir deles.
— Quer dizer que somos imunes — prosseguiu Melbar sem perturbar-se. — Mas
apesar disso não temos nenhuma possibilidade de libertar Rhodan ou um dos outros. Só
conseguimos por alguns segundos, e logo chega um substituto. Quem dera que estas
pequenas feras não fossem capazes de teleportar...
— Não conseguem ir muito longe. Dez quilômetros no máximo.
— Tem certeza, Gucky.
— Certeza absoluta. Estive Já fora e acompanhei um deles. A propósito, é um tipo
bem inteligente. Tentou entrar em contato comigo. Infelizmente não teve tempo.
— Quer dizer que são apenas dez quilômetros. Sempre é uma piscadela de luz.
— Não é uma piscadela muito grande — objetou Gucky. — O processo de
teleportação pode ser repetido à vontade. Seja como for, estas criaturas engraçadas são
mais rápidas que vocês.
— E você? — perguntou Tolot. — Ainda experimenta dificuldades ao saltar?
Gucky sacudiu fortemente a cabeça. Não gostava de ser lembrado das coisas
desagradáveis.
— Felizmente não. A força de atração do núcleo energético do centro deste planeta
já não é tão forte. Quase não a sinto mais. A última teleportação que realizei correu sem
incidentes.
— Excelente — disse Melbar em tom satisfeito e voltou ao ponto de partida da
palestra. — Neste caso será preferível sairmos imediatamente para fazer uma visita a
Orson.
Nos últimos dez minutos não tinha aparecido mais nenhum hipno.
— Talvez não sejam tão numerosos assim — disse Gucky — Ou então ficaram com
medo.
Esperem por mim. Quero ver o que está acontecendo com Rhodan. Volto logo.
Antes de Melbar e Tolot pudessem esboçar um protesto, o rato-castor teleportou na
direção dos camarotes residenciais. Com seus mil e quinhentos metros de diâmetro a
Crest quase chegava a ser um pequeno planeta, oco como Horror. Ninguém melhor para
orientar-se num couraçado da classe império que Gucky. Conhecia todos os cantos do
mesmo e chegava lá em perfeita segurança, mesmo que teleportasse às cegas, sem a
emissão prévia de um raio-vetor. Bastava pensar no ponto de destino e evocar o mesmo
em sua mente.
Materializou no camarote de Rhodan.
O Administrador-Geral do Império Solar estava sentado tranqüilamente em sua
poltrona, sorrindo. Sua esposa Mory estava de pé a seu lado. Segurava sua mão e fitava
os olhos do marido. Também sorria. Era um sorriso cheio de alegria e satisfação.
Os hipnos amarelos estavam pousados em seus ombros. Gucky não conseguiu
descobrir se os mesmos também estavam felizes, pois os traços de seus rostos lhe eram
estranhos, e os impulsos mentais que emitiam exprimiam simpatia e outros sentimentos
amistosos. Eram antes sentimentos que pensamentos, mas os mesmos sempre geravam
impulsos que Gucky conseguia captar e registrar. Pretendera atirar o hipno no canto mais
próximo, mas resolveu deixar isso para mais tarde.
— Olá, Perry — disse em tom indiferente e saltou para cima da cama, como se isso
fosse a coisa mais natural deste mundo. Era uma linda cama de casal, muito larga, coberta
com colchas coloridas. Gucky resolveu que um dia também compraria uma cama como
esta. — Olá, Mory. Como vão vocês?
Pôs-se a observar atentamente as reações de Rhodan, mas o Administrador-Geral
não deu a perceber se tinha compreendido o sentido mais profundo da pergunta.
— Obrigado, baixinho. Sentimo-nos muito bem. Por que faz essa pergunta? Há algo
de errado?
“Há uma porção de coisas erradas”, pensou Gucky, furioso. Poucas vezes em sua
vida longa e agitada vira-se numa situação em que se sentisse tão perplexo e
desorientado. O que deveria fazer? Prevenir Rhodan. Seria inútil, mas não poderia deixar
de tentar.
— Os hipnos, Perry — disse em tom cauteloso, para não provocar Rhodan. —
Chamam-se de matadores aparentes. Há dois deles sentados em seus ombros. Agarre-os e
atire-os no chão. Eles o influenciam e dominam. Trata-se de um processo de
condicionamento emocional telehipnótico.
— Por que diabo iria expulsar meus amiguinhos? Sinto-me bem, e a mesma coisa
acontece com Mory. Devemos isto exclusivamente a eles. Seria uma ingratidão.
— Mesmo que seja uma ingratidão, eles têm de sair daqui! — disse Gucky em tom
enfático. Escorregou cautelosamente para o chão e deu um passo na direção de Rhodan.
— Enfeitiçaram toda a tripulação da Crest. Todos se sentem felizes e nem sabem mais
onde estão. Como poderemos voltar à Via Láctea ou até à Terra, se temos a impressão de
sermos felizes e nos entregamos a um sonho ilusório, que só poderá terminar num
doloroso despertar?
— Nossos planos podem ficar para mais tarde. — A voz de Rhodan revelava certa
impaciência. — Não me esqueci de coisa alguma, Gucky. Mas no momento estou feliz, e
quero continuar assim. Há mais uma coisa... não sei mais o que é. Mas sei que se trata de
uma coisa muito importante que temos de fazer. Em benefício de nossos amiguinhos.
Acariciou os pêlos amarelos dos dois hipnos que se encostavam a seu corpo.
A finalidade do que Gucky fez em seguida não foi somente ajudar Rhodan. Também
se sentiu impelido pelo ciúme. Estendeu as mãos na direção dos dois animais — se é que
realmente eram animais — e segurou-os. Naturalmente foi em vão. Os seres
desmaterializaram.
— Perry, precisamos...
Gucky não conseguiu dizer mais nada. Já haviam chegado substitutos para Rhodan.
Não se sabia se eram os mesmos hipnos de antes. De qualquer maneira, Gucky
reconheceu que apesar de suas faculdades não seria capaz de vencer uma praga como
esta.
Desistiu.
Sem dizer uma palavra, teleportou de volta para junto de Melbar Kasom e Icho
Tolot.
— Nada feito — disse em tom deprimido. — Assim que a gente liberta Rhodan,
aparecem outros. Não dá tempo nem para contar até três. É o que está acontecendo com
todo mundo pela nave a fora. Eles nos evitam. Quer dizer que aprendem com a
experiência, do que se conclui que possuem certo grau de inteligência. No entanto, não
consigo captar nenhum pensamento sensato deles. Só irradiam emoções, e estas emoções
são muito amáveis. Suas emoções provocam efeitos hipnóticos em todos os ocupantes da
nave, menos em nós. É estranho, muito estranho mesmo.
— Por que não damos logo o fora? — disse Melbar em tom enfático. — Você viu
que não adianta. Nossa única esperança é a C-III. Será mais fácil controlar dezesseis
homens que dois mil.
— Os robôs! — disse Gucky de repente e ergueu-se em toda a altura de um metro!
— Mas é claro! Os robôs. Os hipnos não conseguem atingi-los.
— Já tentei — resmungou Tolot e fez um gesto de pouco caso. — Se necessário, os
mesmos poderão pilotar a nave. Mas não sabemos para onde. Não podemos sair do nível
amarelo sem ordens expressas de Rhodan, muito menos em direção à superfície. De outro
lado, seria inútil empregar os robôs contra os hipnos. Já tentei. As armas narcotizantes
produzem efeitos contra os tripulantes, mas não contra as feras amarelas.
— Que diabo! — disse Gucky e pôs-se a refletir intensamente.
Dali a dez minutos explicou seu plano aos dois companheiros.
2

Os seres que tinham feito do planeta Horror uma armadilha de transmissor deviam
possuir recursos técnicos inimagináveis. As simples condições gravitacionais encerravam
centenas de mistérios sem solução.
Gucky não podia teleportar na escavação central do planeta sem correr um perigo
imediato de vida. No primeiro e no segundo nível as coisas tinham melhorado, embora os
efeitos do sol central ainda se fizessem sentir. A gravitação atuava de fora para dentro, o
que era um fenômeno incrível, para o qual não havia explicação.
No terceiro nível, o amarelo, as coisas não eram diferentes. Seus ocupantes
encontravam-se sobre a face interna do envoltório exterior do planeta. Quais seriam as
condições quando atingissem a superfície? Será que de lá seriam arremessados para o
Universo? Ou as condições gravitacionais voltariam ao normal?
No momento nem Melbar, nem Tolot ou Gucky tiveram tempo para procurar
resposta a esta pergunta. Tinham outros problemas.
Nos últimos instantes tinham surgido dúvidas em sua mente. Melbar não achava
recomendável teleportar diretamente da Crest para a nave-girino. Tolot concordou com
eles.
— Será preferível nos encontrar lá fora. Talvez junto à montanha-coluna.
— E a radioatividade? — Gucky sacudiu a cabeça. — É possível que você não seja
afetado pela exposição às radiações, mas infelizmente Melbar e eu somos.
— Vocês agüentarão cinco horas — respondeu Tolot. — E não precisamos de mais
de cinco minutos. Não adianta que você leve um de cada vez para a G-3, já que não pode
teleportar com os dois ao mesmo tempo...
— É claro que posso! — disse Gucky, um tanto indignado.
— Se necessário sim — disse Melbar em tom apaziguador. — Mas não podemos
correr nenhum risco. Não se esqueça de que o núcleo energético atua até aqui. O que
Tolot quer dizer é que nenhum de nós sabe como estão as coisas no interior da C-III.
Orson não responde às nossas mensagens de rádio.
— Está bem — concordou Gucky. — Vamos nos encontrar ao pé da montanha.
Quem devo levar primeiro?
Tolot declarou-se disposto a saltar em primeiro lugar com Gucky, já que suas
condições especiais o tornavam praticamente inexpugnável. Colocou Gucky sobre os dois
braços superiores a fim de estabelecer o contato físico necessário à teleportação.
— Não me deixem esperar por muito tempo — pediu Melbar. — Já começo a ter
medo da Crest.
— Eu também!
Gucky concentrou-se no destino, do qual só tinha uma idéia vaga. A distância era de
cerca de três quilômetros, mas se fossem cem, isso não faria a menor diferença. Aliás,
havia uma pequena diferença: a precisão do salto e o desvio na chegada. Rematerializou
juntamente com Tolot nas proximidades da montanha cujos flancos subiam na vertical
em direção ao céu amarelo. Menos de um segundo se tinha passado.
— Pronto! Cá estamos. Volto logo.
— Ande depressa — preveniu Tolot e olhou rapidamente em volta. — Por aqui as
coisas não são mais bonitas que na nave.
— Mais uma vez estou sendo uma pessoa muito disputada — constatou Gucky com
um sorriso.
Logo desapareceu.
Tolot ficou parado. Observou a Crest por algum tempo. A nave parecia estar
assustadoramente próxima, embora se encontrasse a três quilômetros de distância. Depois
virou a cabeça e fez uma inspeção cuidadosa da montanha-coluna. No pé da mesma havia
vestígios evidentes de rocha derretida, que tinha pingado e endurecido. Havia uma
caverna a cinqüenta metros de altura. Seria impossível alcançá-la sem recursos
extraordinários, pois a parede embaixo dela era lisa e não apresentava nenhuma saliência.
Para os hipnos isso não representava nenhum obstáculo, pois os mesmos eram
teleportadores.
A caverna era de formato tão regular que de forma alguma poderia ser de origem
natural. Talvez servisse de residência a alguém, tal qual acontecia em outros níveis do
estranho planeta. A coluna de pedra devia ser totalmente escavada por dentro. Quem sabe
se em seu interior não havia verdadeiras cidades, que tinham escapado aos efeitos da
guerra atômica? Se houvesse um meio de examiná-las, talvez encontrassem informações
preciosas.
O que estava acontecendo com Gucky? Parece que não tinha pressa.
Tolot modificou sua estrutura celular, para resistir melhor à radioatividade. De
repente viu um movimento rapidíssimo pelo canto dos olhos.
Era um dos pequenos hipnos. Estava sentado na plataforma que ficava à frente da
caverna escavada na montanha e olhava para ele.
“Ah, ainda existe um que não encontrou um amigo”, pensou Tolot, amargurado.
“Que venha. Comigo ele vai quebrar os dentes.”
Mas o hipno não veio. Permaneceu a uma distância segura, observando o que
acontecia na planície que se estendia embaixo dele. Hajo Kuli era inteligente demais para
não aprender com as experiências dos indivíduos de sua raça.
Tolot respirou aliviado ao ver materializar Gucky e Melbar a seu lado.
— Que demora!
— Foram dois minutos — retrucou Gucky.
— Quisemos trazer Rhodan, mas foi impossível. Não conseguimos libertá-lo por
mais de dois segundos. Ao que parece, os hipnos estão firmemente decididos a não
entregar mais a Crest. Devem estar agindo assim com uma intenção bem definida.
— Vamos perguntar àquele lá em cima — sugeriu Tolot e apontou na direção da
caverna.
Só então Gucky e Melbar descobriram o hipno que os observava em silêncio.
Melbar pôs a mão instintivamente no ombro, mas não havia ninguém sobre o mesmo.
— Ele não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo — disse Tolot com uma
risada.
— É ao menos o que espero.
Gucky virou a cabeça e olhou para o halutense.
— É o que eu também espero — disse numa alusão vaga. — Aos poucos começo a
achar que nada é impossível. Vamos apressar-nos. Querem que primeiro dê uma olhada
na C-III?
— Que nada! Vamos enfrentar a situação — respondeu Melbar em tom resoluto. —
Por lá as coisas não podem ser piores que na Crest.
— Nesse caso poderíamos ter saltado diretamente da Crest. — Tolot voltou a olhar
para cima. — Gostaria de saber o que existe lá em cima. Que tal, Gucky? Pode saltar para
lá com os dois ao mesmo tempo? Quem sabe se o hipno não se assusta se de repente
aparecermos ao lado dele.
— Acho que não — respondeu Gucky. — É um teleportador. Acho que se assustaria
muito mais se tentássemos subir pela rocha nua. Vamos, segurem minhas mãos. Vamos
dar uma olhada nesse tipo solitário. Tenho um pressentimento esquisito.
O pressentimento de Gucky não deixava de ter sua razão de ser. Durante a primeira
incursão no nível amarelo estabelecera contato mental com um hipno. Fora um contato
vago e confuso, mas sempre um contato. Desta vez estava acontecendo a mesma coisa.
Se Gucky não estava enganado, o matador aparente que se encontrava lá em cima, na
entrada da caverna, era o mesmo com quem já tinha conversado antes.
Materializaram bem ao lado do hipno.
O animal deu um salto para o lado, mas voltou a sentar. Pelo menos não teleportou
para mais longe. Gucky soltou Melbar e Tolot. Procurou dar uma expressão amável ao
seu rosto, embora não tivesse a menor idéia do que vinha a ser um rosto amável para um
desses animais de pêlo amarelo. Para um desconhecido o dente-roedor à vista poderia ser
tudo, menos um bom sinal. Gucky pôs-se a pensar intensamente e enviar emanações
mentais. Se o animal de pêlo amarelo possuísse um dom telepático, por mais reduzido
que fosse, certamente captaria os sinais.
Realmente parecia que estava captando.
Virou o rosto esperto para Gucky. Estava com os olhos grandes muito abertos;
quase tinham perdido o formato oval. As antenas que havia entre eles, peludas e finas,
estenderam-se e começaram a vibrar.
Gucky sentiu alguma coisa tatear em seu subconsciente e preparou-se para formar
um bloqueio mental. Mas isso não foi necessário. Os pensamentos do hipno eram
amáveis, mas não tinham nada de insistente ou possessivo. Nenhuma pergunta direta
fluiu para Gucky, apenas sensações que continham uma indagação.
— Deve haver uma possibilidade de estabelecer contato direto — disse Gucky,
dirigindo-se a Melbar e Tolot, sem tirar os olhos do hipno. — Ele está pensando, mas por
assim dizer na faixa de ondas errada. Se eu conseguir captar corretamente suas
transmissões mentais e colocá-las em ordem, terei de entendê-lo.
— Estamos perdendo tempo — resmungou Melbar em tom irritado. — O que é que
ele poderia ter para nos dizer?
— Não sei. Acontece que temos alguma coisa para dizer a ele. Você não acha?
— A radioatividade! — preveniu Melbar. — Quem sabe o que ela pode nos fazer?
— É suportável por cinco horas, dizem os cientistas. — Gucky fez um movimento
quase imperceptível. — Esperem mais um pouco. Acho que estou chegando lá.
Melbar e Tolot esperaram. Não tinham nada a fazer, e por isso dedicaram sua
atenção exclusivamente à paisagem que os cercava. Lá embaixo ficava a planície
pedregosa na qual não havia nenhum sinal de vida. A Crest continuava no mesmo lugar.
À direita estava pousada a nave-girino, cujo pólo superior ficava dez metros acima da
caverna. Mais atrás via-se a cidade em ruínas. Por cima de tudo isso estendia-se o céu
amarelo, que ficava a quase mil quilômetros de altura e parecia feito de matéria sólida.
Tinha cem quilômetros de espessura e separava o nível amarelo do estágio seguinte,
situado mais para dentro.
— Você me compreende? — perguntou Gucky em voz alta, para reforçar o impulso
mental. — Se compreender, responda. Dê um sinal. Levante o corpo.
O hipno hesitou um instante e levantou o corpo.
— Pois então — suspirou Gucky, aliviado. — Foi o primeiro resultado positivo.
Procure intensificar seus pensamentos. Pense devagar e concentre-se bem. Não, está
muito ligeiro. Mais devagar! E mais concentrado.
Via-se que o hipno estava fazendo um grande esforço. Voltou a sentar sobre os
quatro membros e tinha perdido todo o medo. Provavelmente nunca sentira medo de
verdade.
De repente Gucky captou o primeiro pensamento nítido. Melbar e Tolot também o
captaram.
— Então vocês voltaram? — perguntou o ser.
Gucky sentiu-se confuso por um instante, pois teve a impressão de ter entendido
mal, se é que neste tipo de comunicação existe uma forma de entender. Mas a pergunta
foi repetida. Era clara e inconfundível. O hipno os estava confundindo com alguém.
Com quem?
Gucky resolveu não fazer rodeios. Queria saber a verdade, e para isso também tinha
que dizer a verdade.
— É a primeira vez que estamos no setor amarelo do planeta Horror — disse em voz
alta, para que Melbar e Tolot também o entendessem. — Nunca estivemos aqui antes.
Portanto, não podemos ter voltado. Com quem você está nos confundindo?
A resposta consistiu numa seqüência confusa dos sentimentos mais variados.
Demorou quase um minuto até que os impulsos voltassem a tornar-se compreensíveis.
— Os senhores. Pensamos que vocês fossem os senhores. Estamos aguardando sua
volta há muito tempo. Este mundo já pertenceu a eles. Não sabemos como eram, mas
temos certeza de que precisavam de nós. Precisavam porque só sabiam pensar, não
sabiam sentir. Fazíamos isso por eles.
Gucky começou a compreender o que tinha acontecido. Também compreendeu por
que os hipnos tinham entrado na Crest. Não foi por maldade, mas por amor ao próximo.
Isso não era nenhum consolo, pois só tornava a situação ainda mais difícil.
— Vocês estão enganados — disse com a voz tranqüila. — Será que você poderia
chamar seus amigos de volta?
— Já tentei. Não consegui. Estão convencidos de terem encontrado os senhores de
outros tempos. Não me ouvem. Afinal, sou apenas Hajo Kuli.
— Quer dizer que você é Hajo. Quem sabe se não pode ajudar-nos? Gostaríamos de
saber o que aconteceu por aqui. Houve uma guerra?
— Já faz muito tempo, tanto tempo que ninguém guarda uma lembrança disso. Nem
mesmo nossos antepassados. Não sabemos nada a respeito da guerra, apenas dos
senhores. Vivemos nas cidades e nas cavernas das montanhas. A vida sem os senhores é
triste e solitária. Eles nos davam tudo de que precisávamos para viver, e nós lhes
dávamos sonhos e sentimentos. Depois vieram os superiores.
“Quer dizer que foi uma verdadeira simbiose”, pensou Gucky. “Um completa as
qualidades que faltam ao outro.”
— Quem são os superiores? — perguntou.
— Foram eles que destruíram nosso mundo e expulsaram ou mataram os senhores.
Não sabemos como são. Mas segundo diz a tradição possuíam armas terríveis. Saíram
do chão e voltaram para lá. O chão é em cima. Trata-se de uma coisa que não
compreendemos. Mas é isso mesmo.
— É isso mesmo — confirmou Gucky em tom sério. — Vocês vivem num mundo
estranho, ou melhor, vivem dentro dele. Não sabem nada sobre o Universo do qual
viemos. Este Universo é formado por inúmeros planetas, mas em geral os habitantes
vivem na superfície, sob um céu verdadeiro salpicado de estrelas que vocês nunca viram.
Vocês são prisioneiros de seu mundo. Este mundo os envolve de todos os lados.
Conseguimos romper as muralhas, e dentro em breve venceremos a última barreira. Mas
é necessário que antes disso os indivíduos de sua raça voltem às cidades.
— Eles não voltarão, pois sentem-se felizes por poderem servir de novo.
Gucky percebeu que desse jeito não conseguiria nada. Mas antes de mudar de tática
queria descobrir mais alguma coisa.
— Vocês acreditaram que nós fôssemos os senhores que tinham voltado. Por que
ninguém acreditava que pudéssemos ser os superiores? Afinal, vocês não sabem como
eles eram.
Hajo Kuli não respondeu logo. Quando o fez, seu argumento era tão simples e
fulminante que Gucky perdeu a fala por algum tempo.
— Sempre desejamos que os senhores voltassem. Nunca desejamos que os
superiores aparecessem. Portanto, vocês eram os senhores.
— Parece lógico — disse Melbar. — Não há nada a objetar.
Gucky passou à parte tática do interrogatório. Precisava agir com cautela, pois se
Hajo desconfiasse de que havia algum perigo teleportaria imediatamente com destino
desconhecido. Seria difícil encontrá-lo. Gucky sabia disso por experiência própria.
Sempre era difícil seguir um teleportador, mesmo para quem também era um.
— Quantos de vocês vivem na cidade e quantos habitam estas rochas?
Os números eram difíceis de ser expressos telepaticamente, quando as condições
eram totalmente diversas. Demorou quase trinta minutos até que Gucky tivesse o
resultado.
Na cidade vivia cerca de um milhão de hipnos, e nas montanhas quase o dobro desse
número. Só dois deles podiam servir o mesmo senhor, e quem não encontrava um tinha
que esperar. Esperava e teleportava para dentro de uma das duas naves, assim que um dos
hipnos que se encontravam lá fosse morto ou expulso. Mesmo que empenhassem todas as
suas forças, Gucky, Melbar e Tolot levariam vários meses para afastar todos os hipnos do
interior da Crest, e isso mesmo se matassem os animaizinhos peludos.
Seria inútil tentar.
— Você poderia levar-nos à cidade? — perguntou Gucky, dirigindo-se a Hajo. —
Queremos falar com os anciãos. Talvez consigamos convencê-los.
— A radioatividade! — ponderou Melbar.
— É verdade! — respondeu Gucky. — Esperem por mim aqui. Teleportarei para
dentro da Crest para trazer trajes de combate. Com eles estaremos protegidos. Tolot não
precisa disso.
— Meu traje você encontrará no meu camarote — disse Melbar.
Gucky desapareceu. Voltou dali a dez minutos com os dois trajes especiais. Os
mesmos lhes permitiam que voassem, se tornassem invisíveis à vontade e se envolvessem
num campo energético. O traje os protegia contra todos os tipos de radiações e até
permitia que permanecessem no espaço por bastante tempo.
Uma vez colocados os trajes, Gucky repetiu seu pedido.
— Os anciãos encontram-se nas cavernas — disse Hajo Kuli depois de algum
tempo. — Temos de procurá-los. Mas eles não nos podem dar ordens. A única coisa que
os distingue é que sabem mais que nós. São os guardiões dos registros.
— Que registros?
— Os registros da guerra, que são o santuário de nossa raça. Por intermédio deles
sabemos quem eram nossos antepassados e o que faziam. Os registros não são
completos. Não dizem nada sobre o aspecto exterior dos senhores ou dos superiores.
Nem mesmo contêm uma descrição mais detalhada dos deuses.
— Dos deuses? — Gucky olhou para Melbar e Tolot. — Quem são esses deuses?
— Foram eles que criaram nosso mundo — foi a resposta espantosa, mas
convincente do pequeno hipno. — Estão acima de todas as outras raças.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida — confessou Gucky, na certeza de que
finalmente tinham descoberto mais uma pista da raça desconhecida que tinha construído
os transmissores solares situados entre a Via Láctea e a nebulosa de Andrômeda. —
Estamos à procura dos deuses. Será que vocês nos podem dar uma indicação a esse
respeito, se pedirmos?
Hajo Kuli fez um gesto que Gucky não conseguiu interpretar e disse:
— Talvez. Esperem por mim aqui. Volto logo. Se quiserem chegar ao destino, não
saiam daqui. Não demoro.
Mal acabou de pensar isso, desapareceu como se nunca tivesse estado ali.
Gucky contemplou o espaço vazio.
— Está bem — disse. — Vamos esperar. Neste planeta, ou melhor, dentro deste
planeta, só se encontram lugares desolados.
***
O próprio Hajo Kuli não sabia por que era diferente dos outros indivíduos de sua
raça. No início fora apenas o ceticismo e a desconfiança natural que fizera com que
duvidasse do regresso dos senhores. E agora via confirmado seus receios. Os forasteiros
que tinham vindo nas duas naves não tinham nada a ver com os senhores desaparecidos.
Era possível que todos tivessem sido mortos durante a guerra travada há tempos, e
que nunca voltassem.
Mas os superiores poderiam voltar, pois suas perdas tinham sido bem menores. E se
voltassem, não teriam como defender-se deles. Os matadores aparentes não possuíam
armas.
Hajo Kuli teleportou alguns andares para cima. Os anciãos viviam cerca de duzentos
quilômetros acima da superfície. Eram considerados os sábios conselheiros e os
sacerdotes de sua raça, embora não tivessem nenhuma influência na vida diária dos
hipnos. Mas todos lhes davam atenção quando precisavam de um conselho.
Não havia nenhum governo no nível amarelo. Os hipnos levavam uma vida livre e
independente. Além disso não havia nada neste mundo que tornasse necessário qualquer
forma de organização. Os seres viviam das emanações radioativas, que eram
superabundantes. Alguns minerais de que também precisavam ficavam espalhados pela
superfície. A água era encontrada nas montanhas, também, em quantidades mais que
suficientes. Nunca escurecia, porque não havia sol que se pusesse. O céu sempre era
amarelo e claro, e a temperatura permanecia constante. Era um mundo paradisíaco —
para os matadores aparentes.
A vantagem da liberdade absoluta transformou-se de repente numa desvantagem
enorme, quando houve necessidade de chegar a uma decisão. Hajo compreendeu isso
assim que tinha “falado” com Gucky. O que poderia fazer para convencer os anciãos ou
seus amigos de que deveriam afastar-se dos forasteiros? Nem acreditariam nele quando
dissesse que eram seres desconhecidos, e não os antigos senhores.
Os anciãos e sacerdotes estavam reunidos no templo, que era uma caverna enorme
situada no décimo pavimento da montanha-coluna. As paredes emitiam uma
luminosidade vinda de fora, e assim sempre era claro no interior do templo. Nenhum dos
hipnos sabia por que as paredes emitiam luminosidade, pois as cidades tinham sido
construídas pelos senhores.
Hajo materializou em plena reunião, o que representava uma violação imperdoável
do cerimonial. Nenhum dos hipnos mais jovens devia participar das reuniões dos anciãos,
a não ser que tivesse sido expressamente convocado.
Hajo sabia disso, mas não se importava. Afinal, tinha uma mensagem importante.
Viu os rostos indignados dos sacerdotes, que se voltaram para ele com uma expressão
indagadora. Alguns anciãos levantaram-se e apontaram em sua direção. Os impulsos
emocionais emitidos pelos mesmos penetravam furiosamente em sua mente. Não havia o
menor traço de amabilidade.
— O que lhe deu na cabeça? — perguntou o grande sábio por via telepática e voltou
a sentar. Apontou para o lugar livre que havia a seus pés e Hajo teleportou para lá. —
Como se atreve a entrar aqui sem ser anunciado?
— Peço perdão — respondeu Hajo com a calma que lhe era peculiar. — Não tive
alternativa, pois se não tivesse agido assim, teria perdido um tempo precioso. Um tempo
do qual poderá depender a existência de nossa raça.
— Palavras solenes — disse o grande sábio com um gesto de desprezo. —
Queremos as provas.
— Terei muito prazer em fornecê-las. Conversei com os forasteiros, ou melhor, com
alguns deles. Eles me explicaram que não são os senhores. Era o que eu pensava.
— Conversou? Como? Todos os hipnos afirmam que é impossível conversar com
estes seres. Os forasteiros não reagem aos nossos impulsos indagadores.
— Porque não entendem; ao menos a maioria não entende. Encontrei-me com três
seres que só têm uma semelhança remota com os forasteiros. Trata-se de indivíduos de
outras raças. Dois deles são muito grandes. Não consegui estabelecer contato com estes.
Mas o terceiro ser é pouco maior que eu. Consegui comunicar-me com ele. Confirmou
que é a primeira vez que os forasteiros que vieram nas duas esferas se encontram em
nosso mundo. Não são os senhores. O ser com quem me comuniquei manifestou o desejo
de conversar com os anciãos e sábios. Foi por isso que vim. Vocês cumprirão o desejo?
— Devagar — respondeu o grande sábio, que parecia um tanto perturbado. — Por
que esse ser pequeno quer falar conosco?
— Quer explicar de onde vem e por que não precisa de nosso auxílio para ele e
seus amigos. Quer saber tudo a nosso respeito e explicar o que aconteceu. Está à
procura dos deuses.
O grande sábio levantou-se de um salto. Parecia muito exaltado.
— O quê? Os forasteiros estão à procura dos deuses? Isto é... é...
Seus impulsos tornaram-se confusos e apagaram-se. Hajo compreendeu que o
grande sábio acabara de sofrer um choque. Alguém estava à procura dos deuses! Era a
blasfêmia mais pura. Os deuses existiam, mas quem quisesse duvidar deles ou até saísse à
sua procura estaria violando as leis não escritas dos matadores aparentes.
Finalmente o velho hipno recuperou o autocontrole.
— Traga os três forasteiros. Estamos curiosos para ouvir o que têm a dizer.
Concedo-lhes uma entrevista.
Hajo respirou aliviado. Esta parte estava liquidada. Parecia que sua visita não
anunciada fora perdoada.
Quando estava prestes a concentrar-se para o salto, um dos anciãos levantou-se e fez
um sinal. Hajo hesitou. Conhecia o homem. Não era nenhum sacerdote. Pertencia ao
grupo político que queria uma nova ordem. Era um dos revolucionários que nunca estão
satisfeito com as condições presentes e querem modificá-las, custe o que custar.
— Quero fazer algumas perguntas antes de recebermos os forasteiros, Hajo.
Gostaria que você e o grande sábio respondessem.
— Pode perguntar — disse o sacerdote.
Hajo também fez um gesto condescendente.
— Os forasteiros, se é que realmente não são os senhores que voltaram, poderiam
ajudar-nos. Por que não os obrigamos a fazer isso?
— Ajudar-nos? — Havia uma expressão de perplexidade no rosto do grande sábio.
— Como? Em quê?
— Já andei pensando nisso, mas não sabia quem eram eles. Os senhores também
poderiam ajudar-nos. Não possuímos esferas vindas do céu. Os superiores possuíam.
Nestas esferas pode-se abandonar nosso mundo. Se conseguirmos encher a mente dos
forasteiros com o ódio que sentimos pelos superiores, em vez da felicidade e da alegria
que não desejam, eles cumprirão o legado de nossa raça. E este legado significa ódio e
morte aos superiores.
— Ódio e morte aos superiores! — recitaram telepaticamente e em coro todos os
presentes.
— Só existe uma possibilidade de cumprirmos o legado — prosseguiu o hipno
revolucionário. — Os forasteiros abrirão caminho através do chão, em direção ao
mundo superior. Seguiremos as esferas e atacaremos os superiores. Investiremos contra
eles não com sentimentos de felicidade como os que costumávamos dispensar aos nossos
senhores, mas com o medo e o pavor. Viverão num medo constante e o pânico fará com
que se matem uns aos outros. Será nossa vingança pela guerra travada há tempos e pela
morte de nossos senhores. Mandem vir os forasteiros.
O grande sábio voltou a levantar-se.
— Raguvo tem razão! — disse, dirigindo-se aos anciãos reunidos. — Nunca dei
muito valor às suas idéias, porque pareciam revolucionárias e precipitadas. E realmente
são. Mas se os seres que vieram para cá não são os senhores, por que não haveríamos
de aproveitar a visita em nosso benefício? Hajo não informou que os forasteiros querem
prosseguir em direção ao mundo superior? Quer dizer que não vamos impedi-los. Pelo
contrário: insistiremos em que se apressem. A única coisa que queremos é encontrar um
caminho que nos leve ao mundo superior. Nosso objetivo é o mesmo dos forasteiros.
Hajo achou que estava na hora de intervir no debate.
— Sei que os forasteiros têm gênio pacato, especialmente o ser pequeno com o qual
conversei. Tenho certeza de que recusarão qualquer proposta nesse sentido. Nunca nos
ajudarão a desencadear uma nova guerra. Por que haveríamos de atacar seres inocentes
para vingar-nos do que aconteceu há milhares de anos?
— Seres inocentes? — O grande sábio parecia espantado e chocado.
— Isso mesmo. Quem seria atirado na desgraça? Os descendentes dos invasores
que já estão todos mortos. Por que haveríamos de responsabilizar o presente pelo que foi
feito no passado? Sou a favor da paz. Vivemos bem e somos felizes em nosso mundo,
mesmo sem os senhores e pensadores. Não precisamos mais deles, pois nossa raça
mudou. Antigamente precisávamos do auxílio dos senhores para garantir a própria
existência de nossa raça. A guerra e a destruição levaram tudo, mas recebemos alguma
coisa em substituição. A mesma radioatividade que matou nossos senhores hoje garante
nossa subsistência a cada dia que passa. Por que não haveríamos de dar-nos por
satisfeitos com isso?
— Hajo não pertence à nossa comunidade — protestou Raguvo em tom convicto.
— Está traindo nossa raça e o legado dos senhores. Não quer a vingança pela injustiça
que foi cometida. A injustiça sempre será injustiça, mesmo depois de milhões de anos.
— É mesmo? — Hajo sabia que nunca conseguiria convencer Raguvo. Talvez os
três forasteiros conseguissem. — Em sua opinião, quem é responsável pela irrupção da
terrível guerra? Os superiores? Os senhores? Ou quem sabe os deuses?
— Os deuses...?
— Isso mesmo os deuses. Foram eles que criaram nosso mundo, e dessa forma
criaram as condições necessárias para que acontecesse o que aconteceu. Pretende
castigá-los por isso? Em sua opinião são os culpados? Pergunto ao grande sábio quem
está blasfemando. É Raguvo ou sou eu?
O sacerdote viu-se em situação muito embaraçosa, mas não seria tão fácil convencê-
lo e levá-lo a abandonar as idéias tradicionais.
— Naturalmente não estamos responsabilizando os deuses, mas por outro lado não
podemos permitir que o legado dos antepassados caia no esquecimento. Hajo, traga os
forasteiros. Apresentaremos nossas propostas aos mesmos. Se não concordarem, nós os
obrigaremos.
— Ninguém pode obrigá-los, pelo menos os três com quem me encontrei — disse
Hajo com certa satisfação na voz.
Olhou para Raguvo com uma’expressão de triunfo e desapareceu.
Os anciãos ficaram para trás.
— As palavras de Raguvo não foram sábias. Hajo nunca deveria ter descoberto
nossos planos. Agora já os conhece. E os revelará aos forasteiros.
— E daí? — Raguvo agitou os braços finos. — Ele não poderá mudar nada. Meus
amigos já deram início ao trabalho no interior da esfera maior. Os forasteiros já não se
sentem dominados pela felicidade, pela alegria e pela satisfação. A única coisa que
sentem é um ódio feroz pelos superiores. E só conhecem uma tarefa: avançar para o
mundo dos superiores a fim de abrir caminho para nós.
O grande sábio fitou-o prolongadamente e sentou.
— Seja o que os deuses quiserem — disse depois de algum tempo por via telepática
e fechou os olhos ovais.
Não tinha poder para evitar que o destino se cumprisse.
***
— O diabinho está demorando bastante — disse Melbar depois de trinta minutos. —
Tomara que não estejamos perdendo tempo à toa.
— Ele voltará — garantiu Gucky. — Li seus pensamentos e sei que suas intenções
são sinceras. Quanto a isso não existe a menor dúvida. Talvez se tenha atrasado por
algum motivo.
— Vamos esperar mais dez minutos — sugeriu Tolot. — Depois sairemos à sua
procura. Ele disse que iria para cima. Saltaremos de um pavimento para outro. Em algum
lugar haveremos de descobrir seu modelo de vibrações cerebrais.
— Que idéia! — piou Gucky em tom irônico. — Você vai é cansar de tanto
procurar. Hajo voltará. Aposto qualquer coisa.
— Se eu fosse você, não apostaria — exclamou Melbar. — Já conheci pessoas que
perderam até o chapéu numa aposta. E você nem sequer possui um chapéu.
Antes que Gucky pudesse responder, Hajo materializou na entrada da caverna. O
rato-castor não perdeu o autocontrole.
— Ganhei — disse com um sorriso, dirigindo-se a Melbar. — Passe para cá seu
chapéu.
— Seria melhor perguntar ao baixinho o que houve — sugeriu Tolot.
Foi o que Gucky fez. O contato foi restabelecido imediatamente.
Hajo apresentou seu relato.
— Os sábios que habitam esta montanha só têm competência em relação à nossa
povoação. Existem algumas centenas de povoações em nosso mundo. Não sabemos se os
habitantes das demais tiveram conhecimento de sua chegada, mas é de supor que sim.
Mesmo que conseguisse convencer os sábios, mesmo que os habitantes de nossa
povoação resolvessem deixá-los em paz, ainda restariam os outros. Não nos
obedeceriam.
— Pela introdução conclui-se que sua missão não foi coroada de êxito — disse
Gucky. — Onde estão os sábios? Queremos falar com eles.
— Vou levá-los para junto deles, mas não acredito que atenderão ao seu pedido. —
Hajo hesitou. Poderia revelar aos forasteiros as verdadeiras intenções de sua raça? Ou
isso seria um ato de traição? Resolveu esperar mais um pouco. — Só você poderá
comunicar-se com eles. Não conseguimos estabelecer contato direto com seus amigos
grandes.
— Nem é necessário. — Por um instante Gucky lembrou-se da C-III e de sua
intenção de apoderar-se da nave-girino, mas logo percebeu que a comunicação com os
estranhos hipnos era mais importante. Devia-se arrancar o mal pela raiz. — Onde estão os
sábios? Preciso saber para teleportar.
— Eu o levarei para lá.
— Meus amigos me acompanharão. Não irei sozinho.
— Não poderíamos formar um bloco conjunto?
Isso era perfeitamente possível. Bastava que Gucky transmitisse sua energia
teleportadora a Hajo para que este levasse os três ao destino. Para isso era necessário o
contato físico. Não houve a menor dificuldade em estabelecer o mesmo.
O hipno só podia saltar dez quilômetros de cada vez, e por isso houve mais de vinte
interrupções. A planície pedregosa do terceiro nível foi ficando cada vez mais para trás, e
dentro de pouco tempo a própria Crest estava reduzida a uma pequena esfera. Não se via
mais nada da C-III. As ruínas da cidade mal se distinguiam da área coberta de vegetação.
— Chegamos — disse Hajo depois de algum tempo. — Os sábios estão à nossa
espera nesta caverna, num lugar que não fica longe. Podemos andar.
Hajo conduziu o grupo. Gucky caminhava atrás dele arrastando os pés. Não se
sentia nada satisfeito por ter de fazer um esforço físico. Melbar e Tolot caminhavam atrás
deles, olhando curiosamente para as coisas que os cercavam. O ambiente era tão estranho
que Gucky logo se esqueceu de que estava aborrecido. As paredes do corredor muito
comprido eram completamente lisas e brilhavam de dentro para fora. Não era
propriamente um corredor, mas antes um gigantesco pavilhão com o teto alto. Tinha-se a
impressão de estar numa catedral cujos limites se perdiam à distância. O ar era puro e
refrescante. Percebia-se isso apesar dos filtros contra radiações. A temperatura
permanecia dentro dos limites do suportável.
Havia construções no interior do gigantesco pavilhão.
Era a cidade!
— Não foi destruída — disse Melbar em tom de perplexidade. — Uma cidade no
interior da montanha. Por que estão morando nas ruínas, se por aqui existem cidades
habitáveis?
Tolot parou e passou os dedos pelas paredes das casas. A estrutura celular de seu
corpo modificou-se, para apalpar o material.
— É incrível como este material é resistente — disse em tom de espanto. — Trata-
se de uma liga que só pode ser trabalhada a temperaturas extremamente elevadas.
— Temperaturas iguais às que são geradas numa explosão atômica? — perguntou
Melbar.
Tolot fez que sim.
— Com isto explica-se como a cidade pode ser destruída. Resta saber como foi
construída...
Ninguém deu resposta a esta pergunta.
Hajo também parou. Gucky explicou-lhe o problema que estava preocupando os
dois amigos.
— Nunca pensamos nisso — respondeu o hipno. — As cidades foram criadas pelos
senhores, e estes não existem mais. As cidades que ficam no interior das montanhas
continuam de pé, as outras não existem mais. Não estamos em condições de reconstruí-
las. Portanto, não estamos interessados em saber como foram construídas.
— É um raciocínio bem convincente — observou Melbar, quando Gucky lhe
comunicou a mensagem do hipno. — Não se interessam mais pelo passado de sua raça.
Provavelmente não disporiam dos recursos técnicos necessários para compreender tudo
isso e continuar no ponto em que foi interrompida a evolução dos senhores. Será que a
gente pode entrar nesta casa?
Gucky perguntou a Hajo, mas este respondeu:
— Os sábios estão à nossa espera. Já deixamos passar muito tempo. Talvez eles
lhes permitam que visitem a cidade mais tarde. Vamos andando.
— É longe? — perguntou Gucky.
— Dentro de alguns minutos estaremos lá. Estão vendo aquela construção grande e
redonda? É onde os sábios, sacerdotes e anciãos fazem suas reuniões.
— Você sabe o que eles querem de nós? — perguntou Gucky. — Certamente não
teriam concordado tão depressa com nosso pedido, se não tivessem algum interesse.
Tentou ler os pensamentos de Hajo, mas teve a surpresa de notar que havia uma
espécie de bloqueio. Só conseguia captar os pensamentos que seu interlocutor queria que
ele captasse.
— Não sei — respondeu Hajo.
Gucky sabia que Hajo estava mentindo.
3

O ataque dos hipnos à nave-girino C-III foi realizado em condições bem diferentes
das que se verificaram na Crest.
O Tenente Orson foi avisado em tempo por meio de mensagens de rádio.
De repente as mensagens não chegaram mais. Os chamados ficaram sem resposta.
Imediatamente Orson deu o alarme. Os tripulantes assumiram seus postos de
combate. Os oficiais reuniram-se na sala de comando. Com seus dezesseis ocupantes a
nave-girino não estava devidamente tripulada e não tinha plenas condições de defesa.
— Alguma coisa aconteceu na Crest — principiou Orson. — Não sei bem o que é,
mas deve ter havido uma invasão de seres estranhos. Apesar dos campos defensivos. Só
acho estranho que o Coronel Rudo não tenha dado o alarme. Não compreendo.
— A vida é maravilhosa! — berrou o Tenente Bender de repente e deu uma risada
histérica.
Orson virou-se abruptamente e fitou-o com uma expressão de perplexidade. Logo
viu o ursinho pousado no ombro do imediato. O animalzinho encostou-se carinhosamente
ao pescoço do oficial e parecia cochichar alguma coisa ao seu ouvido.
Orson aproximou-se de um salto e agarrou o intruso. O estranho ser ficou se
debatendo por um segundo nas mãos robustas de Orson e desapareceu. Simplesmente não
estava mais lá.
Bender estava fora de si.
— Que foi isso, Orson? Senti-me tão leve, tão descontraído. Poderia gritar de tão
feliz que me senti, e agora...
— E agora?
— O que poderia ser? É tudo como antes. Que houve...?
— Acho que já sei o que aconteceu na Crest — disse Orson em tom enfático. — Foi
um ataque dos habitantes deste mundo. São teleportadores e hipnos. É difícil mantê-los
sob controle, a não ser que se desenvolva uma ação radical. Peguem suas armas, minha
gente. Rápido! Distribuam armas portáteis a todo mundo. As mesmas devem ser
reguladas para a potência média. Qualquer dessas criaturazinhas deverá ser morta assim
que aparecer por aqui. Não perca um segundo que seja. Diga aos homens. Vamos...
Atenção para a primeira aula ao vivo. Façam boa pontaria e só atirem quando tiverem
certeza de que não atingirão nenhum dos nossos. Ei, Tenente Dischel!
O jovem oficial foi virando lentamente a cabeça na direção de Orson. Sorria sem
motivo e parecia não compreender o que o comandante queria dele. Ao girar levemente,
colocou sem querer o urso amarelo pousado em seu ombro na posição certa.
Orson levantou a arma, fez pontaria prolongada e fez sair o raio energético da
grossura de um dedo humano. O animal foi atingido em cheio. Não emitiu nenhum som;
caiu ao chão, fez mais alguns movimentos convulsivos e ficou quieto. Morreu antes que
pudesse pôr-se em segurança por meio da teleportação.
— É assim que são as coisas — disse Orson sem colocar a arma no cinto. — É fácil
matá-los. Devo confessar que não gosto da violência, mas no momento não vejo outra
alternativa. Temos que evitar de qualquer maneira que estes animais nos submetam à sua
influência hipnótica. Não sei o que querem de nós, mas não consigo imaginar que
somente nos queiram fazer felizes. Só podem ter uma intenção oculta. Não vamos
assumir o risco de descobrir do jeito que eles querem.
Os oficiais distribuíram-se pela nave e transmitiram as ordens do comandante à
tripulação. O campo defensivo ficou ligado, apesar de ser inútil contra os teleportadores.
Bender, que estava na sala de rádio, fazia tudo que estava ao seu alcance para entrar em
contato com a Crest. Demorou uma hora até que alguém respondesse. Era o Coronel
Rudo.
— Que houve? — berrou, furioso. — Não sabe cumprir ordens? Faça o favor de
esperar...
— Senhor, poderia fazer a gentileza de pôr a mão em cima do ombro? Caso sinta
alguma coisa, agarre com força e mate o hipno.
— Meu amiguinho? O que lhe deu na cabeça?
Por um instante Bender ficou perplexo, mas logo balbuciou:
— Quer dizer que o senhor sabe...? Sabe e não procura defender-se?
— Por que iria defender-me? Nunca passei tão bem como agora. Além disso temos
uma tarefa a cumprir...
Bender sentiu um peso leve no ombro. Ouviu um movimento atrás de suas costas
seguido de um cochicho:
— Fique bem quieto, Bender! — Logo houve um chiado. Uma coisa quente e muito
luminosa passou junto ao seu ouvido. O peso desapareceu.
— Tudo bem — disse Orson com a voz tranqüila. — Aos poucos a gente vai
adquirindo prática. Ninguém deve ficar sozinho num recinto. Se fizermos isso, devemos
manter as coisas sob controle: O que disse o coronel?
— Não se consegue convencê-lo a fazer coisa alguma para defender-se. Receio que
no interior da Crest não haja mais ninguém que seja dono de sua vontade. Rudo aludiu a
uma tarefa que tinha de ser cumprida.
— Então é isso! — Orson bateu com o punho fechado na palma da mão. — Bem
que eu imaginava que havia alguma coisa atrás disso. Vamos, Bender! A postos!
Decolaremos imediatamente.
— Vamos decolar?
— Isso mesmo! Vamos decolar. Quero ver a que altura os hipnos conseguem saltar.
Desta vez foi Bender quem libertou Orson de um hipno. O raio energético passou
tão perto da cabeça do comandante que a orelha ficou vermelha.
A C-III decolou e logo subiu a dez quilômetros. Os ataques dos hipnos tornaram-se
mais raros, mas não pararam. Os mesmos só deixaram de aparecer quando se
encontravam a vinte quilômetros de altura. Orson mandou que a nave-girino
permanecesse imóvel em cima da Crest que continuava pousada lá embaixo e ligou o
piloto automático. Mais uma vez convocou os oficiais à sala de comando.
— Por enquanto o perigo foi afastado. É de supor que os saltos de teleportação dos
hipnos tenham uma distância limitada. Diria que são dez quilômetros. Aqui estamos em
segurança. Nossa tarefa consistirá em libertar a Crest do domínio dos seres estranhos.
Precisamos pensar numa maneira de lançar um ataque sem que tenhamos de correr
qualquer risco. Alguém tem uma sugestão?
O Tenente Dischel começou a falar.
— Não sei qual é a intenção desses estranhos seres, mas não posso deixar de
confessar que é maravilhoso estar sob sua influência. Já compreendo por que ninguém
procura resistir aos mesmos. Só assim se explica que os dois mil homens que se
encontram na Crest tenham sido submetidos à influência dos ursinhos.
— É isso mesmo, Dischel. É isso mesmo. — Orson olhou para os outros. — Então?
Ninguém estava em condições de apresentar uma sugestão viável. Bender até
chegou a dizer:
— Acho que devemos esperar. A Crest terá de chamar de novo. Rudo aludiu a uma
tarefa. Talvez isso tenha alguma ligação com os hipnos. Quando ele se dispuser a cumprir
a tarefa, ainda poderemos intervir. Enquanto isso faremos uma pausa para descansar.
— Uma pausa? — Orson sacudiu a cabeça.
— Nem pense nisso. Nossa obrigação é cuidar da segurança da Crest. Sabemos que
a tripulação, inclusive o Coronel Rudo, Rhodan e Atlan já não são donos de sua vontade.
E numa situação destas o senhor sugere que façamos uma pausa e aguardemos os
acontecimentos? Pelo contrário! Temos de fazer alguma coisa, e isso o mais depressa
possível. Resta saber o que.
— Vamos mostrar a estas feras amarelas que conosco não se brinca — sugeriu o
sargento Lopakat. — Vamos atacar a cidade em ruínas que eles habitam. Com armas
energéticas. Vamos destruir o que ainda está de pé. Talvez isso os leve a abandonar a
Crest.
— Talvez. — Orson tinha suas dúvidas. — Não sei se com isso não pioraremos a
situação. Mas de outro lado temos de fazer alguma coisa. Nem sempre se sabe antes se
estamos agindo certo ou errado. Mas sempre é melhor agir que manter uma atitude
passiva. Quem dos senhores é a favor do ataque às ruínas?
Ninguém teve qualquer objeção.
— Está bem — disse Orson em tom sério.
— Vamos mostrar aos hipnos que também podemos ser diferentes. Vamos mostrar-
lhes do que a C-III é capaz. Atacaremos exatamente dentro de dez minutos. Façam o
favor de ocupar seus postos.
Quando o prazo chegou ao fim, a nave-girino precipitou-se para baixo com os
canhões despejando os mortíferos feixes de raios energéticos sobre as ruínas. Os raios
abriram-se em leque e extinguiram todas as formas de vida que não se encontrassem bem
embaixo da superfície.
Mas foram poucos os hipnos que demoraram demais a compreender o que estava
acontecendo.
Dezenas de milhares de criaturas amarelas materializaram-se num raio de dez
quilômetros, em pleno deserto pedregoso, orientaram-se e prosseguiram nos seus saltos.
A C-III deu início à perseguição sem esperança.
4

O teto da sala de reuniões era abaulado e muito alto. Não havia bancos, cadeiras ou
outras peças de mobiliário. Os hipnos estavam sentados no chão ou permaneciam de pé
em sacadas estreitas que circundavam o pavilhão em forma de sacada.
Hajo conduziu os visitantes através das fileiras dos matadores aparentes que os
fitavam com uma expressão de curiosidade. O grupo chegou ao centro do pavilhão, onde
o grande sábio já estava à sua espera.
Enquanto Tolot não sentia o menor incômodo e Melbar só tinha a impressão de que
alguma coisa cavava em seu subconsciente, Gucky teve de fazer um grande esforço para
defender-se dos impulsos que investiam contra seu cérebro supersensível. Tratava-se de
impulsos que iam de um extremo a outro da escala emocional. Gucky não seria capaz de
dizer se o ataque mental era intencional ou se constituía apenas o resultado natural da
estranha atividade mental dessa raça. Defendeu-se da melhor forma possível e resolveu
teleportar-se a um lugar seguro assim que percebesse que não era mais capaz de resistir à
pressão.
Mas seus receios eram infundados. Dentro de dois ou três minutos os impulsos
foram diminuindo de intensidade e acabaram por cessar, de vez. Só ficou um único
impulso, que sofreu uma transformação. Aquilo que era puro sentimento transformou-se
na linguagem silenciosa de um telepata bem treinado.
O grande sábio, que era o nome dado por Hajo, dirigiu-se a ele.
— Quer dizer que você é o pequeno forasteiro do qual me falaram. Por, que é
diferente dos outros?
“Que pergunta tola”, pensou Gucky, mas não emitiu o pensamento. Mas era
possível que os hipnos nem conseguissem imaginar que houvesse outros seres além dos
superiores, dos antigos senhores e deles mesmos. No nível em que viviam só existiam
eles; mais ninguém. Até mesmo para o ser humano da idade pre-atômica do planeta Terra
teria sido fácil conceber a existência de raças estranhas, já que em seu mundo existiam
animais e plantas em grande variedade. Mas os hipnos não possuíam nada que pudesse
servir de estímulo à sua fantasia.
— Pertenço a outra raça — explicou Gucky. — Meus dois companheiros também
não pertencem à minha espécie. São somente meus amigos. No Universo existem milhões
de raças.
— O que vem a ser o Universo? — perguntou o sábio, espantado.
“Mas é claro”, pensou Gucky. “Eles vivem no seu mundo subterrâneo. Nem
poderiam saber como é o mundo fora de seu planeta.”
Fez um esforço enorme para descrever o Universo ao hipno. Falou sobre a estrutura
das galáxias, os sóis e seus planetas. Mencionou o grau de inteligência variável das
inúmeras raças que existiam nesses planetas. Tentou fornecer ao grande sábio uma idéia
das distâncias enormes que separavam os mundos e as galáxias e finalmente mencionou
que o planeta Horror era apenas um entre bilhões de mundos.
Por muito tempo não houve nenhum impulso de resposta. Finalmente veio um:
— Você está mentindo!
Gucky suspirou. Bem que poderia ter imaginado. Em tempos muito remotos já fora
difícil aos sábios terranos explicar aos seus semelhantes que a Terra girava em torno do
Sol, e não vice-versa. Os seres humanos não viviam sob o céu livre e acreditavam que
estavam em casa no interior de seu planeta? Nestas condições seria bem difícil convencer
os hipnos de que fora de seu mundo havia um Universo aparentemente infinito.
— Não estou mentindo — respondeu Gucky. — Estou tentando explicar-lhe a
verdade, para que você procure compreender a insensatez do ataque que está sendo
desfechado contra nós. As armas de nossa nave são tão poderosas que poderíamos
destruir o mundo de vocês, tal qual foi feito pelos superiores. Só que eles não
completaram a destruição.
— Quem sabe se vocês não são os superiores? — retrucou o grande sábio em tom
de espreita.
— Não somos — asseverou Gucky. — Se fôssemos inimigos de vocês, nós nos
teríamos defendido e matado vocês assim que entraram em nossa nave. Mas tivemos
esperança de poder entrar em acordo com vocês. Gostaria que respondesse a algumas
perguntas. Afinal, também respondi às perguntas que você me fez.
— Pode perguntar, forasteiro de um dente.
“Meu dente-roedor!” pensou Gucky, furioso. “Quer dizer que foi a única coisa que
notaram em mim. Ele vai ter uma surpresa, se continuar assim.”
— O que sabem a respeito dos superiores? Pelo que diz Hajo, existem registros a
seu respeito. Sabem alguma coisa a respeito dos deuses? Como são eles?
O velho hipno empertigou o corpo, mas provavelmente era antes uma defesa íntima
que o levava a fazer esse gesto.
— Ninguém sabe quem são os deuses ou como são eles. Nem sequer sabemos como
são os superiores. A única coisa que sabemos é que mataram nossos senhores e
devastaram nosso mundo.
— E os registros mencionados por Hajo? Posso vê-los?
— Não. Ninguém pode ver os registros. Não sou a única pessoa que decide sobre o
destino dos mesmos. Teria de consultar duzentos grandes sábios, e isso levaria muito
tempo. Os grandes sábios são velhos. Não podem teleportar mais.
“Droga!” pensou Gucky, decepcionado. “Se é assim, nunca conseguiremos reunir
estes caras. Estamos numa fria.”
— De qualquer maneira quero pedir que conte tudo que sabe a respeito dos deuses.
Como sabem que existem? Seus antepassados se encontraram com eles?
— Não podemos dizer-lhe nada. Nem queremos. Você é teleportador, da mesma
forma que nós. Sorte sua. Se não fosse assim, nós o prenderíamos. Só nos resta pedir que
procure compreender-nos. Nossas intenções para com vocês não são más, mas acontece
que vocês penetraram em nosso mundo e terão de conformar-se com as condições
reinantes no mesmo. A finalidade da vida de nossa raça consiste em transmitir felicidade
aos outros. Foi o que fizeram nossos antepassados, quando se tornaram companheiros
dos senhores. Estes eram apenas pensadores. Não conheciam emoções. Nós lhes
dávamos as mesmas, e em compensação eles nos proporcionavam todas as regalias dos
verdadeiros amigos. Queremos que vocês ocupem o lugar dos senhores. Estivemos à sua
espera. Ninguém nos impedirá de cumprir novamente uma finalidade na vida. Seus
amigos que estão na grande esfera sentem-se felizes por estarmos com eles. Não sentirão
falta de mais nada. Acreditam que possuem tudo com que já sonharam. Nunca mais
quererão sair deste mundo.
Gucky deu um passo na direção do grande sábio.
— Costumamos respeitar os costumes e as idéias das outras raças, mas também
exigimos que estas nos respeitem. Aqui isso não está acontecendo. Vocês exigem
concessões unilaterais. Querem que façamos o que vocês querem e abandonemos todos
os nossos planos. Querem até que abandonemos nossos sentimentos. É possível que em
outros tempos os pensadores se sentissem gratos por isso, mas nós não nos sentimos. Por
isso peço pela última vez que chame de volta todos os hipnos que se encontram na nave
esférica.
— Mesmo que quisesse, não teria poder para isso.
— Está bem. — Gucky voltou a recuar e olhou em torno. Melbar e Tolot estavam a
poucos metros de distância. Não precisava preocupar-se com os mesmos, ou pelo menos
com Tolot. — Neste caso nós nos defenderemos. Não se queixe se houver perdas
consideráveis de seu lado. Já disse que possuímos armas terríveis. Nós as utilizaremos.
— Seus amigos não as utilizarão, ao menos contra nós.
Gucky prestou atenção às vibrações do impulso mental. O tom do mesmo exprimia
satisfação e uma alegria reprimida a custo.
“...ao menos contra nós?”
Contra quem seriam usadas as armas?
— Meus dois amigos e eu somos imunes às suas influências. Não se esqueça disso.
O grande sábio não respondeu. Vários hipnos materializaram quase ao mesmo
tempo na sala, dando sinais evidentes de pânico e confusão. Gucky conseguiu captar seus
impulsos emocionais, que exprimiam pavor, surpresa e medo de morrer. Estes impulsos
abafaram no nascedouro a indignação que ameaçava tomar conta dos hipnos reunidos.
Nem mesmo o grande sábio pensou em levar a repreensão até o fim. Esperou que alguns
dos hipnos se aproximassem. Gucky, Melbar e Tolot abriram-lhes passagem.
— Oh, grande sábio, são os terríveis superiores que voltaram. Caem sobre nós com
suas armas terríveis e nos matam. Conseguimos fugir. A menor das naves esféricas...
— O que aconteceu? — interrompeu o grande sábio em tom impaciente.
Os hipnos ofereceram um relato do ataque da C-III contra a cidade em ruínas e
concluíram:
— A esfera nos persegue. Expele raios de luz que são tão quentes que nos queimam.
Tentamos submeter os forasteiros à nossa influência, mas não conseguimos. A nave voa
numa altura muito grande. Diga o que devemos fazer, grande sábio.
Gucky ficou satisfeito ao constatar que o grande sábio já não parecia tão sábio
assim. Concluiu que o Tenente Orson conseguira livrar-se dos hipnos. Descobrira a que
distância os matadores aparentes podem saltar e mantinha-se na altura necessária para
evitar suas investidas.
— Que tal um acordo amigável? — sugeriu Gucky. — Você chama de volta os seus
hipnos, e eu recomendarei aos meus amigos que estão na esfera que suspendam o ataque.
Além disso você nos mostra os registros...
— Atenção! — disse Melbar sem levantar a voz. Falava como se estivesse
conversando normalmente. — Estão tramando alguma coisa, Gucky.
— Já percebi, grandalhão. Fique perto de mim, para que possamos teleportar. Tolot,
quando eu lhe der um sinal, agarre o grande sábio. Vamos levá-lo como refém.
— Pode dar o fora com Melbar. Saberei lidar com estes anões amarelos.
Encontramo-nos junto à entrada da caverna, de lá você terá de levar-me. Não, não é
necessário. Hajo me ajudará. Vou levá-lo. O grande sábio fica por sua conta.
Aparentemente não aconteceu nada. O grande sábio levantou-se e aproximou-se de
Gucky. Transmitiu suas ordens telepáticas em silêncio. Os hipnos foram chegando mais
perto. Seus impulsos emocionais fluíram para Gucky e Melbar. Eram tão intensos que
quase se tornava impossível resistir aos mesmos. Não demoraria, e pelo menos Melbar
sucumbiria ao ataque mental.
— Então é esta sua disposição para a paz — transmitiu o grande sábio em atitude
zangada. Com o corpo bem empertigado, quase chegava ao peito de Gucky. Ao lado de
Melbar e de Tolot parecia bem pequenino. — Não lhes fizemos nada, e vocês nos matam.
Não possuímos armas e somos criaturas pacatas. Mas sabemos lutar. Vocês não
demorarão a descobrir.
— Você irá conosco — decidiu Gucky. Segurou o braço de Melbar com uma das
mãos, enquanto com a outra tocava o grande sábio. Viu que Tolot se tinha aproximado de
Hajo, que acompanhava os sentimentos com certo pavor. — Vamos mostrar que tem
melhores intenções para com o outro. Opa...
Antes que os hipnos, que de repente se tornaram bastante ativos, pudessem pôr as
mãos nele, Gucky desmaterializou com Melbar e o grande sábio.
Dali a instantes Tolot saiu correndo através da sala, levando o pequeno Hajo, e
desapareceu para os lados da cidade construída na caverna.
No pavilhão ficou um grupo de hipnos apavorados e desorientados.
***
Mantendo-se numa altitude de quinze quilômetros, a C-III corria atrás dos hipnos
em fuga. Era impossível encetar uma perseguição em regra, pela simples razão de que os
seres amarelos teleportavam constantemente, voltando a aparecer em lugares impossíveis
de prever.
— Não está adiantando muito — queixou-se o Tenente Bender, que se encontrava
no centro de artilharia, de onde comandava a ação dos canhões da nave. — Sempre
acabam escapando.
— O importante é que não lhes damos trégua — disse Orson. — Talvez até
consigamos atraí-los para fora da Crest. Quem dera que conseguíssemos levar Rudo a
decolar com a nave. Não consigo imaginar que na Crest não haja mais ninguém que
raciocine normalmente. Pelo menos o tal do halutense deveria ser capaz de enfrentar os
hipnos.
— Ou então Gucky — sugeriu Bender em tom esperançoso. Seu rosto aparecia
nitidamente na tela do intercomunicador. Até parecia que se encontrava ao lado de Orson,
na sala de comando. — Não existe nada de que estes ratos-castores não sejam capazes.
Orson confirmou com um gesto. Fez uma modificação de quase cento e oitenta
graus na rota da C-III e voltou a voar na direção da cidade em ruínas que acabara de ser
atacada.
— Acho que devemos permanecer nas proximidades da Crest. Suspenda o fogo,
Bender. Vamos descer e teremos de nos preparar novamente para ataques diretos no
interior da nave. Os homens devem ficar juntos dois a dois. As armas energéticas ficarão
preparadas.
Bender acenou com a cabeça. Parecia desconfiado. Via-se que não se sentia muito
satisfeito com as ordens do comandante.
Mas Orson tinha um objetivo bem definido.
Antes de mais nada, Rhodan lhe dera ordens expressas para que evitasse todo e
qualquer perigo, a fim de manter-se em condições de entrar em ação. Mas também lhe
cabia cuidar da segurança da Crest. No momento as duas tarefas eram incompatíveis. Se
era responsável pela Crest, não poderia esquivar-se ao perigo.
Pelo contrário. Teria de provocar o perigo.
Orson não tinha a menor idéia sobre os motivos que levavam os hipnos a agir
daquela forma. Também não sabia quantos deles existiam nesse mundo que parecia irreal.
E muito menos imaginava que os hipnos achavam que eles, os terranos, eram
descendentes de uma raça desaparecida.
A Crest era uma mancha redonda e escura pousada no deserto de coloração verde-
azulada. A três quilômetros da mesma a montanha erguia-se para o lato, perdendo-se no
céu amarelo. Mais adiante ficavam as ruínas da cidade.
Bender entrou na sala de comando.
— Tudo entendido, Orson. Os homens ficarão juntos dois a dois. — Olhou para os
instrumentos. Seu rosto parecia preocupado. — Estamos a apenas oito quilômetros de
altura. Se os pequeninos forem inteligentes, eles nos atacarão em massa. Nesse caso não
teremos defesa.
— Não tenha medo, Bender. Estou com a mão sobre o acelerador. Aconteça o que
acontecer, terei tempo para empurrá-lo. Nesse caso a C-III subirá dentro de alguns
segundos para vinte quilômetros. Como vê, tomei minhas precauções. Mas temos que
descer. Tente estabelecer contato pelo rádio.
— Ficarei de olho no senhor, Orson.
— Use este transmissor. Assim poderá cuidar de mim. Onde está Dischel?
— Com a tripulação. Está cuidando para que as medidas de segurança sejam
cumpridas. — Bender manipulou o pequeno aparelho de rádio que estava acoplado aos
transmissores e receptores da sala de rádio. — Estou curioso para ver se alguém
responde. Não tenho muita esperança. Da última vez que tentei Rudo me deu uma bronca
daquelas.
Bender chamou a Crest.
A C-III encontrava-se apenas a dois quilômetros acima do chão pedregoso, nas
proximidades da Crest, mas nenhum hipno apareceu. Até parecia que o ataque à cidade os
deixara tão assustados que resolveram desistir de seus esforços. O Tenente Orson
começou a sentir-se mais seguro. Fez a C-III descer mais um pouco e pousou a algumas
centenas de metros da Crest.
Esta estava protegida pelo campo energético cintilante. Não se via o menor
movimento. Os chamados de Bender ficaram sem resposta.
Tinha-se a impressão de que não havia mais ninguém no gigantesco couraçado.
— Estão em silêncio — disse Bender em tom nervoso. Havia um tremor quase
imperceptível em sua voz. — Meu Deus, o que será que aconteceu por lá?
Orson mordeu o lábio. Continuava com a mão direita pousada sobre o acelerador. O
propulsor vibrava na parte inferior da nave. Não fora desligado. Os oficiais e tripulantes
olhavam para dentro da sala de comando através das telas do intercomunicador.
A tensão cresceu ao infinito.
De repente, sem qualquer aviso, veio o ataque.
Deviam ser milhares de hipnos que materializaram de repente no interior da C-III.
Só na sala de comando eram mais de duzentos; Precipitaram-se sobre os dois homens e
literalmente os enterraram sob seus corpos. Seus impulsos mentais inundaram os cérebros
dos dois oficiais, paralisando suas atividades. Orson nem sequer teve tempo de fazer um
movimento instintivo. Sua arma energética continuou guardada no cinto.
Não demorou dez segundos, e todos os homens que se encontravam no interior da
C-III ficaram sob o domínio dos hipnos, que desta vez se haviam afastado dos métodos
que vinham usando. Era tal qual Bender previra.
Mas Bender não ficou contente com isso. No interior da C-III ninguém ficou
contente. Desta vez os hipnos não trouxeram felicidade e tranqüilidade, mas somente um
ódio ardente. O ódio não se dirigia contra os homens cujos conhecimentos e tecnologia
queriam aproveitar para alcançar seus objetivos, mas contra os superiores.
De um instante para outro este ódio transmitiu-se a Orson e a todos os terranos que
se encontravam na C-III. Era um ódio penetrante, que obrigava à ação, que via um
objetivo à sua frente sem conhecer o mesmo. Mas conhecia o caminho que conduzia a
esse objetivo.
A voz de Orson parecia inalterada quando começou a dar suas ordens:
— O Tenente Dischel e o sargento Lopakat abandonarão a nave num carro voador e
tentarão estabelecer contato direto com o Coronel Rudo. Depois disso entraremos na
Crest com a C-III. Vamos atacar. Os superiores esperaram muito tempo pelo castigo que
merecem. Chegou a hora desse castigo. Ajudaremos nossos amiguinhos. Sua vingança
será nossa felicidade.
Dischel e Lopakat saltaram para dentro do elevador antigravitacional e desceram ao
compartimento de carga. Por lá sempre havia um carro voador preparado. Sem trocar
uma palavra, os dois homens entraram na cabine pressurizada. No mesmo instante Orson,
que se encontrava na sala de comando, apertou um botão.
As escotilhas que ligavam a eclusa ao resto da nave fecharam-se, enquanto o ar era
sugado da mesma.
Mas antes que a escotilha externa se abrisse, um gigante e um anão materializaram
no interior da nave-girino.
O gigante ficou...
***
Os edifícios tinham até quinze andares e chegavam até o teto da gigantesca
escavação feita na montanha. Tolot desistira de explicar a Hajo que o mesmo deveria
teleportar. Por enquanto não era necessário recorrer a este meio de fuga. A teleportação
só se tornaria necessária quando quisesse chegar à planície. Continuava a segurar Hajo
embaixo do braço e corria pelas ruas silenciosas. Não se encontraram com nenhum hipno.
As pistas largas e lisas pareciam abandonadas. Estavam dispostas de tal maneira que
Tolot não poderia deixar de encontrar a saída da caverna, desde que seguisse pela rua
principal que se estendia em linha reta. Mas antes de fazer isso queria examinar um dos
edifícios. Tinha certeza de que no interior do mesmo encontraria alguma indicação sobre
os seres que o tinham construído.
Hajo não ofereceu nenhuma resistência. Ficou quieto e tranqüilo como quem não
tem medo de nada. Não havia nenhuma comunicação mental entre ele e Tolot. Esta só
poderia ser estabelecida por Gucky.
Tolot parou à frente de um dos edifícios. A entrada estava aberta; não havia portas.
As janelas também não passavam de aberturas retangulares feitas no material
desconhecido com que tinham sido construídas as casas.
“Este edifício é igual aos outros”, pensou Tolot e resolveu não perder mais tempo.
Quando pretendia entrar no hall, ouviu um chiado agudo vindo de trás. Virou a cabeça e
viu Gucky parado no meio da rua, com a mão esquerda na de Melbar e segurando o
grande sábio sob o braço esquerdo. O mesmo tentava resistir desesperadamente ao
tratamento rude que lhe estava sendo dispensado.
— Você está passeando enquanto eu o procuro feito um louco — disse Gucky em
tom indignado. — O que pretende fazer aí?
— Ainda bem que você chegou. — Tolot achava desnecessário responder à
pergunta do rato-castor. — Não queríamos dar uma olhada num destes edifícios? Afinal,
temos tempo.
— Temos tempo? Não tenho tanta certeza, mas podemos olhar. Uma vez que isso
tem de ser feito. Mas vamos escolher outro edifício. Esta beleza de sábio foi um pouco
descuidado com seus pensamentos, provavelmente o susto estimulou sua loquacidade.
Sabe onde estão os registros, ou ao menos parte dos mesmos. Não fica longe daqui.
Podemos andar para lá.
— Onde estão os hipnos? Pensei que por aqui houvesse milhares deles.
— Hajo contará. Pode soltá-lo, que não foge mais. Se quisesse poderia ter fugido
enquanto você estava passeando com ele nos braços.
Tolot colocou Hajo no chão. O hipno espreguiçou o corpo e apontou na direção de
um edifício alongado, cujo telhado plano ficava pelo menos cinqüenta metros embaixo do
teto de rocha.
— Ah, é ali — disse Gucky em tom de satisfação. — Este velho que eles costumam
chamar de sábio disse, ou melhor, pensou a verdade.
— O que há por lá? — perguntou Melbar. — Os registros?
— Isso ou coisa parecida. Vamos dar uma olhada.
O grande sábio deu as primeiras mostras de nervosismo enquanto se aproximavam
do edifício. Impulsos mentais desesperados atingiram Gucky, Melbar e Tolot, mas não
pareciam convincentes nem sérios. Tinha-se a impressão de que o hipno concordava
plenamente com a visita ao arquivo, apenas tinha certos escrúpulos morais.
Gucky compreendeu a origem dos sentimentos conflitantes.
O grande sábio estava curioso. Ele e sua raça nunca conseguiram desvendar os
mistérios do passado. Não sabia como tinham sido os senhores e os superiores. Fazia
votos de que os forasteiros conseguissem lançar um pouco de luz na escuridão. De um
lado era proibido mostrar os registros, mas de outro lado este era o único meio de
descobrir alguma coisa. E agora o grande sábio se tornara prisioneiro dos forasteiros. Já
não tinha a menor possibilidade de influenciar os atos dos mesmos. E não fez nenhuma
tentativa de atrapalhar seus passos.
— Isto já foram elevadores antigravitacionais — constatou Melbar quando se
encontravam no hall alongado. — Os hipnos não precisam deles, porque são capazes de
teleportar. Conclui-se que aqueles que eles costumam chamar de senhores não eram
teleportadores. Os elevadores não fornecem nenhuma indicação sobre o formato do corpo
de seus construtores. Nem as portas. O que acham dos degraus?
Havia poucos degraus, que levavam às galerias circulares que se estendiam junto às
paredes internas. A altura dos degraus correspondia aos padrões terranos, mas isso não
provava que os desconhecidos se parecessem com os habitantes do planeta Terra. E nem
se sabia se a cidade fora construída pelos antigos senhores dos hipnos ou pelos senhores
da ilha, as criaturas misteriosas que os hipnos designavam como deuses.
— Acho que devemos procurar nas abóbadas — disse Gucky de repente. — Tanto
Hajo como o grande sábio pensam intensamente nos porões, mas eles o fazem de maneira
tão provocadora que quase chegam a tornar-se suspeitos. Querem que encontremos os
registros. Hajo nunca os viu, e o sábio não conseguiu compreendê-los. Esperam que
possamos contar-lhes alguma coisa.
Os elevadores antigravitacionais não estavam funcionando mais. Gucky e Hajo
teleportaram, levando Melbar, Tolot e o grande sábio. A sala de projeções foi uma
decepção. Os aparelhos eram um sinal evidente de que por ali costumavam ser
apresentados filmes ou registros sonoros. Além disso havia grande quantidade de rolos.
Estavam guardados em prateleiras e eram assinalados por caracteres desconhecidos. Mas
a radioatividade chegava ao interior das cidades construídas na rocha. Os filmes estavam
estragados. E os aparelhos eram imprestáveis. Talvez seria possível repará-los com os
recursos técnicos existentes na Crest, mas provavelmente não valeria a pena.
— Que azar — disse Gucky em tom decepcionado quando Tolot anunciou o
resultado de suas pesquisas. — Não temos tanto tempo. Vamos embora. Havemos de
encontrar alguma coisa.
Realmente encontraram.
Encontraram registros escritos numa abóbada bem iluminada, feita de uma liga
desconhecida. Naturalmente não foi possível decifrar a escrita, mas quando Melbar tirou
de uma prateleira os rolos de plástico indestrutíveis cobertos com figuras geométricas,
Tolot exclamou em tom alegre:
— Era o que eu esperava. As leis da matemática são iguais em toda parte. As
pesquisas neste terreno sempre levam ao mesmo resultado. A fórmula definitiva é sempre
a mesma. Passe para cá, Kasom. Saberei o que fazer com isso.
Enquanto- Gucky e Melbar continuavam a revirar tudo, acompanhados por Hajo e
pelo grande sábio, Tolot pôs-se a examinar os registros. Seu cérebro programador
trabalhava tão depressa que deixava para trás qualquer cérebro positrônico.
Não descobriu muita coisa, mas viu confirmadas as indicações vagas fornecidas
pelos hipnos. Os antigos habitantes do nível amarelo sem dúvida tinham sido indivíduos
frios e objetivos, para os quais a matemática era o sentido e o objetivo da vida. E não era
só isto. Com base na técnica da evolução de certas fórmulas matemáticas básicas, Tolot
apurou que esses seres costumavam brincar com a matemática. A mesma lhes servia de
passatempo que os descontraía. Por isso não era de admirar que tivessem estabelecido
uma simbiose com os hipnos, que lhes davam os sentimentos que não possuíam e, sempre
que necessário, os teleportavam para qualquer ponto de seu mundo.
Era por isso que havia poucas estradas no nível amarelo. Quando Gucky e os outros
voltaram, Tolot disse:
— Não é muita coisa. Já temos certeza de que os hipnos não mentiram. Mas
continuamos a não saber absolutamente nada sobre o motivo e a natureza da guerra que
foi travada por aqui, e muito menos sobre os deuses atrás dos quais estamos. Vamos
continuar a procurar. Vocês encontraram alguma coisa?
— Encontramos. — Gucky acenou lenta e gostosamente com a cabeça. Via-se que
quase não agüentava mais a tensão. — Encontramos uma coisa. Venha conosco.
Caminharam quase cinco minutos. De repente uma sala abobadada redonda abriu-se
à sua frente. As paredes emitiam um brilho amarelento apagado. O teto abaulado era liso
e preto. Estava abaulado para baixo.
E a superfície redonda do mesmo mostrava claramente as estrelas do Universo.
— É o Universo! — exclamou Tolot, perplexo. — Será possível? Não conheciam as
estrelas. Não podem tê-las visto.
— É bem possível que as tenham visto, isto se você está se referindo aos senhores
— disse Gucky. — Mas não podemos excluir a possibilidade de que o nível amarelo
tenha sido construído pelos senhores da ilha, que simplesmente colocaram aqui os
senhores dos hipnos e desapareceram. Os senhores e os hipnos representariam uma prova
para qualquer um que descobrisse os transmissores solares. Mas houve um imprevisto. Os
superiores penetraram aqui e desencadearam a guerra que destruiu tudo. Os senhores da
ilha não contavam com isso. Seja como for, vemos em cima de nós a reprodução fiel do
Universo. Estão vendo a Via Láctea? Lá adiante fica Andrômeda. À esquerda há outra
galáxia. Entre as galáxias vêem-se alguns pontos luminosos. Provavelmente são outros
transmissores solares colocados no grande abismo. Tolot, procure guardar as posições, se
bem que as mesmas talvez não sejam corretas. Quem sabe quando foi construído este
planetário?
O grande sábio dirigiu-se a Gucky.
— O que é isso? — perguntou.
— São as estrelas de que eu lhe falei. É este o quadro que se vê fora do mundo de
vocês. Seu planeta é apenas um pontinho luminoso igual a bilhões e bilhões de outros.
Você já conhecia esta sala?
— Conhecia, mas era considerada um santuário. Ninguém tem permissão de entrar
nela, exceto os sacerdotes. Antigamente os deuses moravam aqui.
— Todos os deuses moram entre as estrelas — respondeu Gucky em tom sério.
O mistério não fora resolvido; tornara-se ainda maior. Por que os senhores da ilha
tinham construído um planetário nesse lugar? Qual seria a finalidade do mesmo?
Desconfiavam de que estas perguntas nunca mais obteriam respostas. Pelo menos
enquanto não se estabelecesse contato direto com os seres misteriosos que tinham criado
um sistema de defesa para evitar que pessoas não autorizadas utilizassem suas estações
de transmissor.
— Vamos andando — disse Melbar em voz baixa. — Já começo a preocupar-me.
— Pode ficar — disse Gucky, dirigindo-se ao grande sábio. — Vamos deixá-lo. Se
puder, chame os indivíduos de sua raça de volta. Têm que deixar-nos em paz, senão
haverá outra guerra. Receio que depois disso sua raça não terá mais oportunidade de ser
feliz. Chame-os de volta antes que seja tarde.
O grande sábio recuou até a parede.
— Vocês querem ir embora?
— Precisamos ir. Já descobrimos tudo que poderia ser descoberto. Você sabe que
não somos os senhores e que não precisamos de seus sentimentos de felicidade. Temos
pela frente uma tarefa imensa, cujo cumprimento ninguém poderá impedir. É possível
que mais tarde voltemos para cá. Quando isso acontecer, viremos como amigos. Agora
não temos tempo para isso. Procure compreender, grande sábio.
Gucky não teve resposta. Hajo adiantou-se.
— Ainda precisa de mim?
— Por que faz essa pergunta? Não posso impedi-lo de ir embora.
— Vocês foram bons para mim. Mas meus amigos farão questão de realizar seu
plano. Não querem trazer-lhes a felicidade, mas um ódio mortal contra os superiores.
Seus atos se inspiram no desejo de vingança.
Gucky fitou-o com uma expressão de curiosidade.
— O que quer dizer com isso, Hajo? Conte.
— Querem que vocês avancem para o mundo dos superiores, a fim de que
possamos segui-los. Quando isso acontecer, exerceremos a vingança pelo que fizeram há
tempos aos nossos amigos. Vingaremos os amigos que foram mortos por eles. Você
compreende?
— Compreendo — respondeu Gucky. — Quem teve essa idéia maluca?
— Os sábios e sacerdotes e nós.
— Você também?
— Não. Sou contra isso. Mas não pude impedir que tomassem essa resolução.
— Você está livre, Hajo. Talvez ainda possa ajudar-nos, ou melhor, talvez possa
ajudar sua raça. Chame os que estão no interior da grande nave esférica. Se continuarem
lá, estarão perdidos. Atacaremos imediatamente.
Gucky não esperou a resposta. Teleportou às cegas para fora da rocha e
rematerializou juntamente com os dois companheiros embaixo do céu amarelo.
Imediatamente começaram a cair. A Crest estava pousada lá embaixo. Ao lado dela via-
se um pontinho negro.
Era a C-III que tinha voltado.
Gucky deteve a queda. Os três companheiros tão desiguais foram descendo
lentamente em direção ao deserto pedregoso. — Alguma coisa aconteceu por lá — disse
Gucky.
— É verdade. — Tolot apontou com o braço livre para baixo. — Se Orson pousou,
ele não o fez por sua livre vontade. Quer dizer que os hipnos conseguiram apoderar-se
dele, Leve-me para dentro da nave-girino, Gucky. Colocarei as coisas em ordem lá
dentro. Precisaremos da nave-girino para libertar a Crest. Vamos; largue-me ao lado da
mesma. Não. Leve-me para dentro dela e dê o fora.
Gucky não fez nenhuma objeção. Teleportou para o pé da montanha, largou Melbar,
fez um segundo salto de teleportação para dentro da C-III, soltou a mão de Tolot e voltou
a desaparecer.
A última coisa que viu foi Tolot.
5

O plano de Tolot era simples e eficiente.


Achava que seria inútil matar os hipnos um após o outro a fim de libertar a
tripulação. Isso demoraria algumas horas e não adiantaria absolutamente nada. A única
coisa que poderia fazer seria decolar a C-III e prepará-la para o combate.
Sem a tripulação e sem os hipnos.
Tolot não perdeu tempo. Deu início imediatamente à execução de seu plano. Sabia
que não dispunha de muito tempo. Com alguns saltos colocou-se dentro do elevador
antigravitacional e subiu à sala de comando. O Tenente Orson e Bender fitaram-no à
entrada. Seus rostos não revelavam o que se passava em sua mente. Os hipnos estavam
sentados em seus ombros.
Tolot agarrou os dois oficiais, prendeu-os embaixo dos robustos braços inferiores e
continuou a correr. Nem sentiu como os dois procuravam resistir. Eram muito fracos,
quer estivessem sob influência hipnótica, ou não. E para aquilo que Tolot pretendia fazer
os seres humanos de qualquer maneira eram fracos demais. Não poderiam ser úteis no
interior da nave. Na sala de máquinas encontrou mais dois membros da tripulação.
Prendeu-os embaixo dos braços superiores. Tolot desceu correndo mais um andar,
dirigindo-se ao compartimento de carga, onde Dischel e Lopakat permaneciam trêmulos
ao lado do blindado voador, à espera do momento em que a eclusa se abrisse. Tolot fez
um gesto zangado e abriu a eclusa para eles.
Feito isso, atirou os seis homens para fora da nave.
Dali a dez minutos o Tenente Orson e mais quinze homens estavam parados no
meio do deserto verde-amarelado e olhavam para a Crest com uma expressão de
perplexidade. Os hipnos esforçaram-se em vão para levá-los de volta à nave. Sua
experiência no transporte de objetos pesados era igual a zero, embora os antepassados
tivessem feito teleportações em companhia dos senhores.
Tolot correu de volta para a sala de comando, depois de fechar a eclusa inferior.
Desligou o campo energético, para que Orson e seus homens não corressem perigo
durante a decolagem, e fez avançar a alavanca do acelerador.
Os propulsores uivaram e a C-III precipitou-se para o céu amarelo. Não havia
ninguém a bordo, com exceção de Tolot e uns mil hipnos, que se esforçavam em vão para
esmagar o gigante com seu peso. Tolot sacudia o corpo, fazendo com que os
animaizinhos voassem pela sala de comando como se fossem bolas de borracha.
Tolot desligou os neutralizadores de pressão e aceleração.
Numa questão de segundos acelerou a nave a toda força.
Os hipnos, que não possuíam muita resistência física, foram atingidos pelas pressões
tremendas e atirados ao chão. Logo perderam os sentidos. Metade deles teve suficiente
presença de espírito para teleportar-se a um lugar seguro antes que fosse tarde.
Tolot regulou a rota de tal maneira que a C-III subiu obliquamente ao céu amarelo e
depois de algum tempo descreveu uma curva. Estava voando paralelamente à superfície.
Já não havia nenhum perigo de que batesse em algum obstáculo. Além disso o piloto
automático fazia com que a nave-girino se desviasse em tempo da montanha-coluna.
Dessa forma Tolot teve tempo para livrar-se dos hipnos. Fez isso de maneira
drástica. Percorreu a nave esférica e recolheu os pêlos amarelos inconscientes. Empilhou-
os no compartimento de carga inferior, nas proximidades da eclusa de ar. Alguns
recuperaram os sentidos e teleportaram imediatamente.
Quando Tolot teve certeza de que não havia mais nenhum hipno escondido na nave,
fechou hermeticamente a escotilha interna do compartimento de carga e abriu a eclusa de
ar. Graças à sua estrutura celular flexível, a atmosfera rarefeita daquela altitude não podia
afetá-lo. Foi atirando os hipnos calmamente através da eclusa e deixou-os cair no espaço.
A maioria recuperou-se e teleportou antes de atingir o solo. Só uns poucos tinham
sido afetados pela pressão a ponto de não recuperarem os sentidos antes que fosse tarde.
A C-III estava livre dos hipnos.
Tolot voltou a fechar a eclusa e retornou à sala de comando. Já tinha elaborado seu
plano. Antes de mais nada teria de encontrar o lugar em que estava pousada a Crest, e no
qual Gucky e Melbar estavam à sua espera. Teria de recolher os dois companheiros tão
depressa que nenhum hipno tivesse oportunidade para entrar na nave. Naturalmente não
haveria tempo para recolher a tripulação original.
Tolot teve dificuldade em orientar-se. As cidades em ruínas eram todas iguais, bem
como as montanhas-coluna. Sobrevoou as primeiras a pequena altura e passou perto das
colunas, procurando alguma característica que as distinguisse das outras. Certa vez o
aparecimento de um hipno serviu-lhe de advertência para que não descesse além do
limite de segurança. Meteu um susto tão grande no coitado que o mesmo desapareceu e
não voltou nunca mais.
Finalmente descobriu a cidade em ruínas recém-destruída, viu a Crest pousada a
alguns quilômetros de distância e por meio da tela localizou Gucky e Melbar. Os dois
amigos estavam parados ao pé da montanha e levantavam os olhos para ele.
Tolot não teve vontade de assumir um risco. Pôs-se a pensar intensamente.
“Gucky! Se você está recebendo meus pensamentos, aja imediatamente. Salte
juntamente com Melbar para dentro da C-III. Não vou arriscar um pouso e não quero
chegar mais perto da montanha. Quando atacarmos a Crest, não deverá haver nenhum
hipno a bordo. Vamos, Gucky! Teleporte!”
Observou as reações de Gucky na tela. Viu perfeitamente o rato-castor olhar para ele
e acenar com a cabeça. Não demorou dez segurados, e Gucky materializou juntamente
com Melbar na sala de comando da nave-girino. O veículo espacial permanecia suspenso
vinte quilômetros acima da Crest, mas em posição oblíqua, de tal maneira que se
encontrava a pelo menos doze quilômetros da montanha.
— Consegui captar alguma coisa — principiou Gucky, saltou para o sofá e alisou o
pelo — Mas não compreendo inteiramente seus pensamentos. Você deve ter colocado um
dispositivo de distorção.
Tolot sorriu.
— Ora, amiguinho! Sou capaz de criar um bloqueio que protege completamente
meu cérebro, tal qual você. Às vezes filtra alguma coisa, mas com isso não se pode fazer
muita coisa, conforme você constatou. Mas vamos falar francamente. Temos de expulsar
os pequenos hipnos que se encontram na Crest. Quanto a isso não pode haver a menor
dúvida. Como fazer isso? Infelizmente não podemos aplicar o mesmo método empregado
na C-III, pois não teríamos meios de expulsar dois mil homens dessa nave gigantesca. E
um vôo acelerado com os neutralizadores desligados e a tripulação a bordo mataria os
homens. Vamos encarar o assunto a partir das origens do mal. Os hipnos querem tornar
outros seres felizes. Portanto, seu motivo não é condenável. Vocês não podem deixar de
reconhecer isso. Por este motivo quero poupar os hipnos. Você concorda com isso, não
concorda, Gucky?
— Se concordo! — disse Gucky em tom enfático.
— Está bem. Vamos fazer um blefe com os hipnos. Só poderão fazer alguma coisa
com os homens da Crest enquanto os mesmos estiverem conscientes. Em outras palavras,
se estes homens dormem um sono profundo, já não constituirão um objeto apropriado
para os hipnos.
Melbar começou a rir. Finalmente acenou com a cabeça.
— Muito bem bolado, Tolot. Bombardearemos a Crest com a arma narcotizante. Foi
o que o senhor quis dizer, não foi?
— Exatamente! A experiência mostra que os hipnos não são afetados pelos raios
narcotizantes, mas isso não importa. Pelos meus cálculos, deveremos atingir nosso
objetivo assim mesmo. Os humanos não serão prejudicados. Ficarão inconscientes, e é só.
Mas os hipnos acreditarão que seus novos senhores morreram.
— Será que são tão bobos? — objetou Gucky. Olhou para a galeria panorâmica e
estremeceu de repente. Estendeu o braço e exclamou: — O que vem a ser bobo num caso
como este...? Quer sejam bobos, quer não, temos de apressar-nos. Olhem! A Crest está
decolando.
Tolot e Melbar olharam para a tela.
O gigantesco veículo espacial esférico, que estava totalmente em poder dos hipnos,
acabara de ligar os propulsores. Foi-se erguendo lenta e levemente e subiu para o alto.
Acelerando cada vez mais, afastou-se na direção oeste.
— Atrás deles! — berrou Melbar e saltou para junto dos controles.
6

Era uma situação estranha.


Rhodan sabia perfeitamente que já não era dono de sua vontade. Sabia que o ursinho
amarelo que estava sentado em seu ombro dirigia seus atos e determinava seus
sentimentos, más não fez nada para impedir que isso acontecesse. Não sentia a menor
necessidade de fazer alguma coisa contra a tutela mental. Pelo contrário. Estava gostando
dela.
Era o que estava acontecendo com toda a tripulação.
Já fazia bastante tempo que o comandante, Coronel Rudo, tinha levantado o alarme.
Os tripulantes estavam preguiçosamente deitados na cama ou divertiam-se com os
microfilmes e as fitas gravadas que corriam ininterruptamente. O racionamento que
prevalecia no bar da nave também tinha sido suspenso. Oficiais e cadetes estavam
confraternizando numa alegria contagiante e festejavam o sentimento infindável de
descontração com verdadeiros rios de sintocol e vurguz.
Atlan e o Major Jury Sedenko, imediato da Crest, cantavam com a voz rouca uma
canção alegre. Nas profundezas do subconsciente algumas dúvidas martirizavam o
arcônida imortal, mas as mesmas eram fracas demais para chegar à superfície. Às vezes
seu olhar caía no urso amarelo que estava sentado no ombro de Jury e revirava os olhos
ovais de tão contente que estava. Atlan ainda se lembrava que havia certa ligação entre
este urso e a vida fácil que ele e as outras pessoas que se encontravam a bordo da Crest
podiam levar. As preocupações tinham sido esquecidas. Só o presente contava, e este era
maravilhoso.
Havia um único homem na Crest que não conseguia conformar-se com a situação.
Era o intendente, Major Curd Bernard. Era responsável pela distribuição dos
equipamentos e mantimentos. Entre estes evidentemente também se incluía o álcool. E
ele não fora consultado a respeito. Os cadetes carregavam ininterruptamente, por ordem
dos oficiais, as pesadas caixas de vinho vindos dos mais diversos sistemas solares para o
bar, onde eram saudadas com uma gritaria alegre.
O robusto intendente com seus cabelos louros ralos e o temperamento colérico
estava refletindo há horas sobre os motivos por que não fazia nada para impedir isso.
Atlan, que estava de pé junto ao balcão, fez um sinal para que se aproximasse. Enquanto
Atlan bebesse do vinho, tudo estava em ordem. Apesar disso Bernard ficou se
recriminando. Naturalmente o vinho que estava sendo desperdiçado não lhe pertencia,
mas era responsável pelo mesmo.
Com um gesto distraído acariciou o urso amarelo sentado em seu ombro. Que
bichinho encantador. Bernard gostava de animais, pelo menos a partir do momento em
que conhecera os ursos amarelos. Antes disso só se interessara pelos animais assados.
Por que haveria de preocupar-se à-toa? Que consumissem o vinho e as outras
bebidas enquanto não acabassem. O que é que ele tinha com isso? Até mesmo o
comandante estava dormindo num camarote, curtindo sua ressaca. E Rhodan...? Fazia
algumas horas que não o via. Provavelmente o Chefe tinha conhecimento do que estava
acontecendo no bar e concordava com isso.
Tudo isso ultrapassava a capacidade de compreensão de Bernard, mas o mesmo não
teve ânimo para salvar seus preciosos estoques de vinho. Suspirou, levantou o copo e
brindou para Atlan.
Voltou a acariciar o urso amarelo e perguntou a si mesmo se o mesmo talvez não era
branco.
A modificação veio de repente.
A porta do bar abriu-se. O Coronel Rudo e Rhodan entraram correndo. Não deram
atenção aos presentes. Dirigiram-se a Atlan, que não sorria mais, mas parecia muito
resoluto!
— Vingança! — gritou Rhodan. — Não abandonaremos nossos amiguinhos, se os
mesmos quiserem vingar a destruição de seu mundo. Temos meios para ajudá-los. Vamos
aos postos de combate! A Crest decolará dentro de dez minutos. Avançaremos para o
mundo de cima e levaremos a morte e a destruição aos superiores. Eles são inimigos
mortais de nossos amigos. Portanto, são nossos inimigos.
— Morte aos superiores! — gritaram oficiais e tripulantes em uníssono. A alegria e
a felicidade foram esquecidas. Os copos ficaram sobre as mesas. — Morte aos
superiores! Vingança!
A mudança dos sentimentos foi tão rápida que apagou todas as lembranças do
passado. Em menos de vinte segundos o bar ficou vazio. Atlan e o Coronel Rudo
correram para a sala de comando. Até mesmo o Major Bernard esqueceu os copos
quebrados e as bebidas alcoólicas desperdiçadas. Correu o mais depressa possível que o
seu corpo permitia para o elevador antigravitacional e subiu ao centro de armamento,
para controlar a utilização dos canhões. Afinal, era responsável pelas provisões de
energia, e de outras provisões.
Rhodan ficou para trás alguns passos. Olhou para as costas de Atlan e Rudo. Havia
ursos sentados nas mesmas. Até então a presença dos mesmos estivera ligada à felicidade
e aos sentimentos alegres, mas naquele momento estava tudo mudado.
Mais uma vez as dúvidas martirizaram o espírito de Rhodan. Havia algo de errado!
Onde estava seu raciocínio, seu pensamento objetivo? Pois era justamente isso! Pensava
clara e objetivamente. Clara e objetivamente demais. Enquanto isso, todos os sentimentos
vinham dos ursos — ou fossem eles quem fossem. Eram eles que determinavam os
sentimentos dos humanos que se encontravam a bordo da Crest. Rhodan sabia, mas não
tinha força de vontade para impedir que isso acontecesse.
E agora os ursos queriam que os terranos os ajudassem.
Naturalmente teriam de ajudar.
Rhodan entrou na sala de comando depois de Atlan e Rudo. Os oficiais mais
importantes já estavam a postos. A sala de rádio estava com a guarnição completa. O
Major Kinser Wholeu estava um pouco pálido e balançava ligeiramente, mas quando fez
sua apresentação ao comandante, notava-se perfeitamente que estava imbuído da vontade
firme de cumprir seu dever.
— Decolaremos dentro de quatro minutos — disse Rudo em tom enérgico.
— Dentro de quatro minutos — confirmou Rhodan em tom não menos enérgico e
decidido. — Temos tempo para discutir ligeiramente a situação. Não há dúvida quanto ao
objetivo. Subiremos a cinco quilômetros de altura e abriremos fogo contra o solo do nível
amarelo. Perfuraremos um canal através do envoltório exterior e avançaremos para a
superfície do planeta Horror. Dessa forma abriremos caminho para nossos amiguinhos,
enquanto nós mesmos... enquanto nós mesmos...
De repente Rhodan parou de falar. Olhou em torno, bastante confuso.
— Enquanto nós mesmos poderemos dedicar-nos aos nossos problemas. Não foi o
que você quis dizer, Perry?
Rhodan confirmou com um gesto. Parecia perplexo.
— Sim. Era isso mesmo. Ajudando nossos amiguinhos, estaremos ajudando a nós
mesmos. — Olhou para a parede onde estava o relógio de bordo. — Faltam dois minutos
para a decolagem.
Os propulsores começaram a zumbir. As telas só mostravam a paisagem nua do
nível amarelo. Havia um pontinho escuro no céu. Ninguém deu atenção ao mesmo.
— Mais um minuto.
O Coronel Rudo fez avançar a alavanca do acelerador e a Crest ergueu-se
lentamente.
— Siga para o oeste — ordenou Rhodan, dando a impressão de que só neste
momento tivera esta idéia. — Temos de afastar-nos da montanha, para não pôr ninguém
em perigo. — Olhou para a tela. — Lá embaixo não há gente?
Havia dezesseis figuras solitárias paradas no deserto amarelo, fazendo sinais para a
Crest. Os ursos amarelos estavam sentados em seus ombros, mas os mesmos não se
arriscavam a teleportar com suas vítimas para a Crest, que voava a pouca altura.
— É o Tenente Orson e seu grupo — disse Rudo em tom indiferente. — Devem ter
abandonado a C-III. Por que será?
— Vamos recolhê-los? — perguntou Atlan.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não temos tempo. — Ele mesmo se admirou com a decisão que acabara de
tomar, pois não era de seu feitio abandonar os homens. Acontece que suas reflexões
estavam impregnadas pelos sentimentos de vingança impostos por via hipnótica. — A
tarefa vem em primeiro lugar. Mais tarde viremos buscá-los.
As dezesseis figuras foram ficando para trás. Faziam sinais, até que a Crest
desaparecesse no horizonte abaulado do mundo oco.
Uma sombra seguiu a nave.
Era a nave-girino.
Ninguém se incomodou com ela. Nem mesmo Rhodan, embora tivesse percebido
sua presença. Ficou pensando em quem poderia estar pilotando a mesma, mais uma vez a
vontade de encontrar e castigar os superiores foi mais forte. Essa vontade determinava
seus atos e pensamentos.
Quando a Crest tinha percorrido cerca de duzentos quilômetros na direção oeste,
Rhodan deu ordem para que parassem. A gigantesca nave esférica estava parada vinte
quilômetros acima da planície. Não havia nenhuma povoação num raio de cinqüenta
quilômetros, mas mesmo que houvesse, naquele momento nenhum hipno teria tido a idéia
de exercer uma influência negativa sobre o curso dos acontecimentos.
A Crest foi descendo lentamente.
Rhodan examinou o altímetro.
Dez quilômetros.
Oito quilômetros.
Cinco quilômetros seriam suficientes. Quando as massas de poeira radioativa
subissem ao ar, poderiam subir mais. Havia pressa. A vingança estava esperando. Já
estava esperando há alguns milênios e tornara-se todo-poderosa.
Os superiores...
— Cinco quilômetros — disse o Coronel Rudo.
A Crest manteve-se imóvel sobre a planície.
Rhodan fez uma ligação com o centro de tiro.
— Major Wiffert falando, senhor. Centro de tiro pronto para entrar em ação.
Rhodan esteve a ponto de responder, mas estacou. Resolveu examinar melhor o
rosto do homem louro e baixo. A cicatriz na face era mais pálida que de costume. Havia
um brilho cansado e indeciso em seus olhos. Os mesmos chegaram a fechar-se, dando a
impressão de que Wiffert tinha de fazer um grande esforço para mantê-los abertos.
— O que houve com o senhor, Wiffert?
— Não sei, senhor... de repente sinto-me tão cansado. Não posso... Senhor... não
posso mais.
Seu rosto desapareceu da tela.
Rhodan virou-se abruptamente. Também sentiu um cansaço repentino. Véus
pareciam cobrir seus olhos e os joelhos tremiam como se não suportassem o peso do
corpo.
Acabaram vergando.
Enquanto caía ao chão, Rhodan percebeu que não era o único com quem estava
acontecendo isso. Atlan já dormia, todo encolhido na poltrona.
Ou estaria morto?
Não. De repente Rhodan teve certeza de que Atlan não estava morto. Por um
instante percebeu que os sentimentos de ódio e vingança do urso pousado em seu ombro
se transformavam em medo e pânico, mas o ódio logo voltou.
Eram raios narcotizantes!
Rhodan fez um esforço sobre-humano para conservar-se acordado. Resistiu com
todas as forças contra a influência vinda de fora, e como conhecia a causa; conseguiu
defender-se por algum tempo. Reforçou seu bloqueio hipnótico e até conseguiu afastar os
impulsos emocionais do urso amarelo. De repente admirou-se por não ter feito isso mais
cedo. E subitamente compreendeu a desgraça para a qual tinha voado a Crest.
Os ursos amarelos! Eram hipnos que tinham imposto sua vontade a ele e a todas as
pessoas que se encontravam a bordo da Crest. Na verdade, não sua vontade, mas seus
sentimentos. E destes sentimentos resultava a vontade de ser feliz ou exercer a vingança.
Eram hipnos indiretos, mas nem por isso eram menos perigosos.
E agora estes raios narcotizantes.
Como a tripulação, inclusive o Tenente Orson, não estava mais na C-III, a nave
certamente estava sendo pilotada por outras pessoas.
Quem eram essas pessoas?
Rhodan percebeu que a Crest começava a descer e entrou em queda. O Coronel
Rudo devia ter tocado nos controles ao cair ao chão.
Rhodan tentou levantar, mas não conseguiu resistir aos raios narcotizantes por muito
tempo. Os mesmos foram avançando lentamente em direção ao seu consciente e o
puseram fora de ação. Mas num bruxulear final de sua vontade Rhodan abriu os olhos e
viu uma coisa que esclarecia todas as dúvidas.
Uma figura pequena materializou na sala de comando.
Era Gucky! Estava usando traje de combate e tinha ligado o campo defensivo.
O rato-castor saltou para junto dos controles da Crest e colocou a alavanca do
acelerador na posição original, para depois empurrá-la mais um pedaço para a frente. A
nave reagiu imediatamente e começou a subir aos poucos. O nível amarelo foi descendo
nas telas. Finalmente, quando Gucky modificou a direção do vôo, ela sofreu um
deslocamento. Depois de algum tempo Gucky fez parar a Crest.
Rhodan tentou erguer-se, mas neste exato momento perdeu os sentidos.
Não viu Gucky desmaterializar e desaparecer de novo.
7

Quando a C-III pretendia acelerar para sair em perseguição à Crest, um dos hipnos
materializou na sala de comando.
Melbar registrou o fato espantoso de que o pêlo amarelo ficou sentado no centro da
sala, não em seu ombro, mas sua reação foi instantânea.
Agarrou o intruso e levantou-o.
— Dê o fora antes que eu lhe aperte o pescoço! — gritou, furioso. — Não queremos
ninguém que nos perturbe.
Tolot já tinha iniciado a perseguição da Crest.
— Então? — perguntou Melbar em tom zangado, embora soubesse perfeitamente
que o hipno não o compreendia.
— Não faça isso! — advertiu Gucky. — É nosso amigo Hajo. Veio para ajudar.
Melbar colocou o animalzinho no chão é recuou um passo.
— Quer dizer que é Hajo? — disse, estupefato. — Como poderia saber? São todos
iguais.
— Os terranos também são todos iguais. Todos eles têm o nariz no meio do rosto.
Apesar disso consegue-se distinguir um do outro. Estou curioso para ver quanto tempo
vocês levarão para compreender isso.
— Está bem — disse Melbar em tom apaziguador e sorriu. — Quer dizer que o
baixinho veio para ajudar? Estou curioso para saber como pretende fazer isso.
— Ele mesmo ainda não sabe. Onde está a Crest?
— Tolot não tira os olhos dela. E olhe que tem três.
Gucky voltou a acalmar-se e comunicou seu plano a Hajo. O hipno ficou
entusiasmado e prometeu que mais tarde tentaria convencer os indivíduos de sua raça a
deixarem os terranos em paz. Era bem verdade que nas profundezas de seu subconsciente
havia um pensamento que ele não conseguia esconder do rato-castor. Quando notou o
olhar penetrante de Gucky, já era tarde. Num gesto embaraçado alisou os pêlos da nuca.
Gucky sorriu como quem compreende e disse:
— Nenhum amigo presta um serviço sem esperar uma retribuição. Tudo bem. Não é
necessário que os outros saibam, não é mesmo? Isto fica entre nós. Só peço um prazo.
Você promete?
Hajo prometeu.
A Crest já alcançara a posição desejada. Começou a descer e ficou parada. Era o
momento pelo qual Tolot e Melbar estavam esperando. Enquanto o halutense fazia a C-
III seguir cautelosamente a nave maior, mantendo a distância correta, Melbar fez pontaria
com a arma narcotizante. Regulou o suprimento de energia para o nível baixo, pois queria
ter certeza de que ninguém saísse prejudicado, e informou Tolot que estava preparado
para atirar.
— Pois então — vamos lá! — respondeu o halutense.
O resultado apareceu dentro de alguns minutos, quando a Crest começou a cair.
— Droga! — exclamou Tolot, apavorado. — Alguém deve ter tocado os controles
na queda.
Depressa, Gucky, senão haverá um desastre.
Dali a pouco Gucky voltou a C-III. A Crest mantinha-se imóvel na posição anterior.
— Vocês nem imaginam a confusão que está havendo lá dentro — informou o rato-
castor e sacudiu o corpo. — Os ilustres terranos estão jogados por toda parte como quem
não tem nada a fazer. Os hipnos levaram um susto terrível. Estão cuidando de seus
pensadores e esforçam-se para despertá-los novamente para a vida. Continue a enviar os
raios narcotizantes, Tolot! Só podemos parar quando todo mundo estiver dormindo. Já
me sinto contente ao pensar nos rostos estúpidos que verei quando eles acordarem e
notarem que seus amiguinhos não estão mais por lá. Mas primeiro temos de livrar-nos
deles.
Hajo Kuli viu chegada sua grande hora. Desde o início prevenira os indivíduos de
sua raça para que não agissem de forma precipitada e irrefletida. Naturalmente em sua
mente também dormia, tal qual na de todos os hipnos, o desejo de vingança pelos
pensadores mortos ou desaparecidos. Acontece que era cauteloso ou até medroso por
natureza. Sua suspeita de que os forasteiros talvez não fossem os senhores que tinham
voltado acabara de confirmar-se. Isso fortaleceu sua autoconfiança. Hajo resolvera
arriscar um lance hábil para assumir o comando de sua raça. Estava na hora de os
empedernidos velhos serem afastados de seus postos, pois não sabiam mais o que fazer
com os mesmos.
Dessa forma não estaria traindo sua raça se naquela altura ajudasse os forasteiros,
especialmente o pequeno pêlo marrom de um dente, como costumava chamar Gucky no
seu íntimo.
— Saltarei para dentro da grande esfera — comunicou a Gucky.
— Eu o acompanharei.
— Por quê?
— Porque... porque quero ver com meus próprios olhos com quanta competência
você cumprirá sua tarefa grandiosa, Hajo.
Hajo sorriu. Sentiu-se lisonjeado.
— Está bem. Veja você mesmo. E se convencerá que será um trabalho rápido e bem
feito.
Seguraram-se pelas mãos e teleportaram para dentro da Crest.
***
Os hipnos estavam desesperados.
Esforçavam-se em vão para despertar para a vida os pensadores recém-encontrados.
Saltavam nervosamente em torno dos homens inconscientes e os acariciavam. Suas
emanações emocionais tornaram-se tão intensa que uma onda de emoção de vários tipos
inundou toda a nave, mas as mesmas não encontraram eco, pois não havia nenhum
receptor.
Nenhum dos seres humanos que se encontravam no interior da Crest era capaz de
sentir emoções, muito menos de recebê-las de fora. Estavam todos dormindo. Seus
cérebros descansavam. A irrigação constante com raios narcotizantes evitava que
qualquer um deles pudesse despertar antes da hora.
Gucky e Hajo materializaram no interior da sala de comando.
Três hipnos estavam cuidando de Rhodan. Faziam isso com um carinho que enervou
o rato-castor, despertando ciúmes no mesmo. Como estes tipos audaciosos se atreviam a
tratar Rhodan como se ele fosse um velho amigo? Estavam indo longe demais.
O alerta de Hajo veio em tempo. Gucky controlou-se e rechaçou os ataques mentais
de alguns hipnos que haviam notado sua presença e se precipitavam sobre ele.
Provavelmente acreditavam que os pensadores estivessem mortos e sentiam-se satisfeitos
por terem encontrado alguém que pudesse substituí-los.
Acontece que Gucky não gostava de ser visto como um substituto.
— Vamos! Comece logo — disse em voz alta, dirigindo-se a Hajo. — Está na hora
de cumprir sua promessa.
O hipno já não parecia sentir-se tão seguro. Aproximou-se em atitude hesitante do
grupo que cercava Rhodan e começou a agir telepaticamente sobre os mesmos. Gucky
ficou espantado ao notar que Hajo só emitia impulsos emocionais. Não havia nenhum
pensamento ou comando claro.
— Que patife — disse em tom aborrecido.
— Quer dizer que é uma espécie de linguagem secreta. Seus pensamentos são
codificados sob a forma de sentimentos. Que esperto! Mas hei de descobrir suas manhas.
Consolou-se com esta resolução e atirou alguns hipnos que investiam contra ele para
fora da sala de comando. Para sua surpresa não voltaram. No mesmo instante percebeu
que os três hipnos que tanto se haviam esforçado por Rhodan também tinham
desaparecido.
— Foram embora? — perguntou, dirigindo-se a Hajo.
— Foram. Não foi nada fácil convencê-los a se retirarem. Dentro de alguns dias
estará tudo resolvido.
— Você está louco. A nave tem de ser liberada dentro de trinta minutos. Não
podemos esperar mais que isso. — Gucky tinha razão. A exposição mais prolongada aos
raios narcotizantes seria prejudicial ao organismo humano. — Não pode ser mais
depressa?
— É difícil.
Gucky já aprendera a ler no rosto de Hajo. O hipno estava sendo honesto.
Realmente não via nenhuma possibilidade de afastar seus companheiros da nave, a não
ser convencendo-os um por um. E isso levaria vários dias.
— Pois é — disse em tom pensativo. — Neste caso não temos alternativa. Somos
obrigados a usar a violência.
— A violência?
— Isso mesmo. Espere aqui. Ficarei na sala de rádio, bem ao lado.
Gucky andou os poucos metros e abriu a mente de lado a lado. Queria que Hajo
compreendesse o que estava dizendo. Talvez isso o tornasse mais rápido e criativo. Não
demorou a estabelecer contato com a nave-girino. Melbar respondeu ao chamado.
— Preste atenção, grandalhão — disse Gucky e piscou para o gigante cujo rosto
aparecia na tela. — Os hipnos não querem ser razoáveis. Hajo faz o que está ao seu
alcance, mas nunca conseguirá. Desligue os raios narcotizantes e ligue o vibrador
pulmonar. Depois...
Piscou tanto que seus olhos quase saltaram das órbitas.
— O vibrador pulmonar. Que mais poderia ser? O ultrassom rasgará os pulmões dos
hipnos, que são bem menores, mas os terranos agüentarão por algum tempo. Sinto muito
pelos pequeninos, mas não existe outra solução. Teleportarei antes que seja tarde. Daqui a
cinco minutos. Está bem?
Melbar contorceu o rosto, como se tivesse uma terrível dor de barriga.
— Entendido. O vibrador pulmonar. Meu Deus! Tenho tanta pena dessas criaturas
pequenas. O vibrador pulmonar é pior que o raio da morte.
— Pelo menos não haverá derramamento de sangue — disse Gucky com o rosto
muito sério e fez um gesto zangado.
Vira que Hajo estava parado na porta. Os olhos arregalados estavam tão abertos de
susto que quase chegaram a ficar redondos. — Mais tarde os cadáveres dos hipnos serão
jogados para fora da nave.
— Os robôs poderão cuidar disso — sugeriu Melbar, que também notara a presença
de Hajo e já compreendera o truque de Gucky. O hipno lia as palavras de Melbar no
cérebro do rato-castor. — Melhor ainda. Podemos jogá-los para dentro do conversor. Isso
nos fornecerá energia para algumas horas de vôo.
— De acordo. Daqui a cinco minutos. Gucky fez de conta que estava ligando o
intercomunicador e virou a cabeça.
Fitou Hajo com a maior tranqüilidade e pôs-se a esperar.
— Você realmente seria capaz de fazer uma coisa dessas? —perguntou Hajo em
tom apavorado.
— Naturalmente. Você andou escutando? Ah, já ia me esquecendo. Você é telepata.
Não dê importância a isso. Você pode sair da nave comigo.
— Você quer assassinar mais de dois mil indivíduos de minha raça, Gucky! E eu
pensei que você fosse meu amigo.
— Você vê alguma alternativa? Dezesseis amigos meus esperam lá no deserto que
nós os recolhamos. Se não formos buscá-los, morrerão, pois a radioatividade os matará. E
os humanos que se encontram nesta esfera? Quer que sejam escravizados para sempre aos
seus sentimentos de vingança? Providencie para que os mesmos sejam libertados, e eu
revogarei a ordem de destruição. Você ainda dispõe de quatro minutos.
— Como poderei fazer isso?
— Pense em alguma coisa. — Gucky olhou para o relógio. — Ainda tem muito
tempo.
Hajo olhou fixamente para Gucky, mas a expressão do rosto do mesmo só poderia
convencê-lo de que estava falando sério. Muito sério. Resolveu revelar mais um dos
segredos de sua raça.
— Será que você poderia estabelecer comunicação com todos os cantos da nave
através do equipamento de transmissão de palavras? Quero que todos os hipnos me
ouçam.
— Poder posso, mas será que adianta alguma coisa? Vocês não ouvem nada.
— Ouvimos, sim. Somos capazes de captar as ondas sonoras. Poderia fazer isso?
Gucky sorriu no seu íntimo.
— É claro que posso. O que pretende fazer?
— Vou reunir meus amigos na maior sala da nave e falarei com eles. Você me dá
algum, tempo para isso?
— Está bem. Dou-lhe meia hora. Só isso. Enquanto Gucky avisava Melbar, Hajo
convocava seus hipnos. Dali a alguns minutos o grande cassino dos oficiais ficou repleto
dos pequenos seres amarelos, que tinham atendido ao chamado urgente de outro
indivíduo de sua raça. Vieram de todos os lados e materializavam às centenas. Houve
colisões e brigas em torno dos melhores lugares, mas quando Hajo explicou o que estava
havendo, todos ficaram em silêncio de repente.
— Vocês viram os forasteiros destruir nossa cidade — prosseguiu Hajo. — Eles
possuem armas terríveis, com as quais podem matar-nos e destruir nosso mundo. A arma
mais horrível é o vibrador pulmonar. Li os pensamentos do ser marrom de um dente e
sei que não existe defesa contra essa arma. Se não abandonarmos imediatamente a nave,
estamos perdidos.
Uma onda de indignação, raiva e tristeza investiu sobre Hajo.
— E nossa vingança? O que acontecerá com os superiores? Vamos deixar de
aproveitar a única chance de chegar ao lugar em que estão?
Hajo estava tão desesperado que não se importava com mais nada. Nem mesmo com
o fato de que Gucky entendia tudo que dizia.
— Nunca desistiremos dessa chance — exclamou Hajo, reforçando seus impulsos
mentais, que não estavam sendo codificados mais em forma de sentimentos. — Os
forasteiros avançarão para o mundo dos superiores para poder avançar pelo Universo.
Abrirão caminho para nós. Um dia descobriremos e percorreremos este caminho. Será a
hora da vingança. Mas no momento precisamos retirar-nos. Nem sempre a violência é o
melhor meio de atingir um objetivo. Além disso os forasteiros não querem nossos
sentimentos, pois têm os seus.
Antes que Hajo concluísse sua fala, os primeiros hipnos desapareceram.
Teleportaram para fora da nave, colocando-se em segurança.
A simples menção do fato que os forasteiros abririam caminho para o lugar em que
estavam os superiores bastara para chamá-los à razão.
Quando Hajo concluiu, os últimos hipnos desmaterializaram.
O recinto ficou vazio.
Gucky segurou o braço de Hajo e teleportou diretamente para a sala de rádio.
Melbar olhou-os na tela com uma expressão de curiosidade.
— Ordem revogada! — disse Gucky em tom solene e com a pose de um almirante
espacial. — O inimigo já bateu em retirada. Suspender o fogo das armas narcotizantes.
Pousem ao lado da Crest.
— E o vibrador pulmonar? — perguntou Melbar em tom inocente. — Já fiz o
aquecimento.
— Pois esfrie-o — exclamou Gucky em tom alegre.
A nave-girino pousou bem ao lado da Crest, que Gucky fizera descer à superfície
com toda segurança, com o auxílio do piloto automático. O Coronel Rudo já começava a
mexer-se. Rhodan também abriu os olhos e fitou o rato-castor com uma expressão de
espanto. Atlan endireitou o corpo, olhou em torno, viu Gucky e exibiu um sorriso
descontraído.
— Você de novo! — disse e abanou a cabeça. — Gostaria de saber o que seria feito
da Terra se não fosse você. Ali está um desses diabinhos amarelos.
— É nosso amigo Hajo, Atlan. Ele nos ajudou. Bem, Melbar e Tolot também
ajudaram um pouco.
Os outros oficiais foram acordando aos poucos. A lembrança do passado não se
apagara. Todos sabiam perfeitamente o que tinha acontecido. Admiravam-se de que
tinham sucumbido aos sentimentos que lhes foram impostos sem oferecer nenhuma
resistência. Rhodan aproximou-se e bateu no ombro de Gucky.
— Muito bem, pequeno. Obrigado.
Não disse mais que isso, mas Gucky sabia quanta coisa encerravam estas palavras.
Apertou a mão de Rhodan como se quisesse esmagá-la e disse em tom modesto:
— Ora, não foi quase nada. Foi fácil. Vamos fazer entrar a nave-girino? Tolot e
Melbar estão a bordo.
— E Orson?
— Está à nossa espera a duzentos quilômetros daqui.
Gucky fez um relato ligeiro dos acontecimentos. Prometeu que mais tarde
apresentaria um relatório minucioso e recomendou pressa. Tinha seus motivos para isso,
pois não queria que os hipnos tivessem tempo de recuperar-se do susto. Ao pensar no
vibrador pulmonar que inventara, teve de sorrir.
De repente Hajo contemplou-o com os olhos bem redondos.
— Então é isso? — telepatou, indignado. — Essa arma nem existe? Fugimos de
uma arma que não existe. Isso é...
— Calma! — disse Gucky em tom paternal e inclinou-se sobre a pequena criatura,
para dar-lhe uma palmadinha amistosa no ombro. — Temos armas muito mais poderosas.
No fundo não o enganei. Acredite em mim, por favor. No interesse do seu povo. Não se
esqueça do que combinamos.
Hajo caminhou em torno de Gucky e pôs-se a observar Rhodan. Teve de ficar na
ponta dos pés e mal chegou aos seus joelhos.
— É o mais idoso dos seus sábios? — perguntou, dirigindo-se ao rato-castor.
Gucky hesitou, mas acabou acenando com a cabeça.
— Pergunte-lhe se posso ir com vocês. Gostaria de ver aquilo que vocês chamam
de estrelas e Universo.
Gucky traduziu a pergunta para Rhodan. Este sacudiu a cabeça.
— Não é possível, Hajo. Você nos prestou um grande serviço. Mas poderá prestar
um serviço ainda maior à sua raça. Pode evitar que façam uma tolice. Pode conduzi-los e
chefiá-los. Nesta altura é mais inteligente que qualquer um dos seus amigos. Soube desde
o início que não somos os pensadores que voltaram, e já sabe que existe um Universo.
Talvez vocês consigam um dia encontrar o caminho para o mundo de cima, para
encontrar-se com os superiores livres de qualquer sentimento de vingança. Eles não têm
nenhuma culpa do que fizeram seus antepassados remotos. Façam uma aliança com eles.
Talvez sejam novos pensadores, que vocês poderão deixar felizes.
Hajo refletiu sobre estas palavras, enquanto a C-III entrava pela eclusa da nave e
Tolot e Melbar ofereciam um relato a Rhodan. Conversou muito com Gucky. Quando
finalmente se despediu, parecia calmo, mas resoluto.
De repente desapareceu.
Dali a meia hora o Tenente Orson e seus quinze homens foram recolhidos. Os
hipnos já os haviam abandonado há muito tempo, e os homens tinham vagado
desesperadamente pelo deserto, à procura de um sinal da nave desaparecida.
A Crest subiu ao céu amarelo e voltou a seguir na direção oeste.
— Vamos enganá-los — sugeriu Rhodan. — Percorreremos várias vezes o nível
amarelo, mudando constantemente de rota. Os hipnos não possuem nenhum sistema de
comunicação organizado e nos perderão de vista, se voarmos bem alto. Algumas semanas
se passarão antes que encontrem o poço que queimaremos para atingir a superfície do
Horror. Até lá Hajo terá dado início à sua campanha de esclarecimento e possivelmente
até a terá terminado.
Gucky ficou em silêncio. Estava pensando, mas julgou preferível não comunicar
seus pensamentos. Mesmo que todos subestimassem Hajo Kuli, ele não o faria.
Arrastou os pés, todo empertigado, através da sala de comando. Aproximou-se de
Melbar e Tolot e bateu em suas costas gigantescas com uma expressão condescendente
no rosto.
— Mais uma vez, muito obrigado pelo apoio — disse. — Teria conseguido sem
vocês, mas assim também foi possível. Sempre é bom poder contar com alguns
auxiliares. Vou dormir um pouco.
Mal concluiu sua fala, desapareceu.
Melbar e Tolot entreolharam-se e soltaram uma estrondosa gargalhada.
Era a primeira risada que se ouvia há muitas horas no interior da Crest.
***
Hajo Kuli estava parado sozinho no deserto pedregoso e levantava os olhos para o
céu. A grande esfera negra foi ficando menor, até desaparecer de vez no infinito amarelo.
Não. Não era o infinito.
O infinito ficava sob seus pés. Pouca coisa tinha mudado, e os relatos do passado
não tinham mentido. Ele, Hajo, estava com os pés sobre a eternidade e sobre o Universo.
Teria de comunicar isso à sua raça. Era mais inteligente que seus semelhantes, pois
falara com o deus estranho. O deus lhe explicara, e Gucky também, que era amigo do
deus.
E amigo dele.
Já tinha certeza de que os forasteiros não eram outros senão os deuses lendários que
tinham criado seu mundo. Tinham voltado para submetê-los a uma prova. Ainda bem que
ele, Hajo, descobrira isso em tempo.
Mas não podiam proibir que trilhassem o caminho que levava ao mundo de cima.
Um dia encontraria o mesmo. Para ele isso não era importante por causa da vingança,
mas por causa das estrelas. Queria vê-las com os próprios olhos, pois deviam ser a maior
maravilha do Universo. Eram luzes que brilhavam pela eternidade a fora e iluminavam a
escuridão do infinito para sempre.
Tornara-se amigo de seu emissário, o estranho ser de um dente, cujas palavras
pesavam tanto que ficaram ancoradas na alma de Hajo.
Hajo deu mais um salto e teleportou para a reunião dos sábios, a fim de receber as
homenagens dos mesmos.

***
**
*

Até mesmo o Administrador Geral sucumbiu


à investida dos pêlos amarelos, cuja onda
emocional era mais poderosa que muitas armas de
fogo.
De qualquer maneira, a Crest pôde
prosseguir em sua viagem. Quando rompe o último
envoltório do mundo oco, já está sendo esperada
por uma estranha espaçonave, que seguiu Na Pista
da Crest... próximo volume da série.

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