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OS CONQUISTADORES
DO TEMPO
Autor
WILLIAM VOLTZ
Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Os homens do tender da Frota iludiram o alçapão do
tempo de Vario. Penetraram no passado, para levar ajuda a
Perry Rhodan.
Apesar de não chegarem a tempo para um encontro com a
Crest, os homens do tender encontraram um meio para entrar
em contato com Perry Rhodan.
Memotransmissores foram colocados em pontos
estrategicamente importantes — e os vivos ouviram a mensagem
dos mortos.
Com os propulsores kalup encontrados junto com o tender,
a Crest consegue, por caminhos sinuosos, deixar a galáxia e
voar para a Nebulosa de Andrômeda, de onde deve ser
organizado o salto de cinqüenta mil anos no tempo.
Pioneiros e preparadores do caminho desse ousado
empreendimento são nove sujos “vagabundos espaciais” e o
rato-castor Gucky, que pousam, em missão secreta, na nova
Lemúria.
Os supostos vagabundos espaciais querem apoderar-se de
Nevis-Latan, um dos senhores da galáxia, para poderem
novamente chegar ao tempo real do ano 2.404.
Gucky e estes nove homens são, na realidade, os
verdadeiros Conquistadores do Tempo.
Dromm olhou, alternadamente, para suas mãos muito bem tratadas, e para aquele
homem alto, que parecia como se tivesse dormido, estes últimos meses, ao ar livre. O
sujeito não apenas parecia isso, ele também cheirava correspondentemente mal. O olhar
de Dromm voltou-se novamente para suas mãos. E viu que as mesmas estavam tremendo.
— O que foi que o senhor disse que quer comprar? — perguntou ele, incrédulo.
O estranho com a barba em desalinho e os cabelos em pior estado cruzou os braços
sobre o peito, e sorriu para Dromm, com zombaria.
— Uma nave espacial — repetiu ele. — Eu quero comprar uma espaçonave.
Dromm deixou-se cair para trás, gemendo. Ele estava acostumado a receber
lemurenses que vinham procurá-lo com as mais diversas exigências. Mas que um sujeito
que parecia estar prestes a morrer de fome quisesse comprar uma espaçonave,
sobrepujava tudo que ele tinha visto até agora.
Dromm abriu uma gaveta de sua escrivaninha e pescou de lá uma moeda. Atirou-a
sobre a mesa.
— Tome — disse ele. — Pegue-a. A piada foi boa. Nunca em minha vida eu me
diverti tanto. Mas agora suma daqui!
O estranho aproximou-se ainda mais da escrivaninha. Instintivamente Dromm
tentou recuar mais um pouco. Porém isso não era possível, já que o encosto do seu
cadeirão o impedia. Os olhos desse estranho, na realidade, não combinavam
absolutamente com a sua aparência exterior, achou Dromm. Eles o olhavam, frios e
desafiadores.
O homem apanhou a moeda, jogando-a de volta à gaveta, com incrível precisão.
— Meu nome é Ob Tolareff — disse o estranho, pacientemente. — Sou um
alariano. Eu quero comprar uma nave espacial.
Dromm sentiu que a sua testa começava a suar. De esguelha olhou para o lugar
onde conservava a sua arma.
— Isso não é tão simples — conseguiu dizer, finalmente. — Uma espaçonave,
afinal de contas, não é... bem... não é um veículo qualquer.
— Sei disso — interrompeu-o o alariano. — Se eu quisesse comprar um veículo
qualquer, não teria vindo aqui, procurá-lo. A nave que eu procuro não poderá ter mais de
sessenta metros de diâmetro.
Dromm fechou os olhos, questionando-se se, por acaso, não estava ficando maluco.
Enquanto isso, o estranho continuou falando.
— Se permitir, vou buscar meus amigos que estão aí fora. Eles poderão confirmar-
lhe que tenho as melhores e mais honestas intenções.
Dromm sabia que, na ante-sala, duas outras figuras, esfarrapadas e fedorentas,
esperavam. A idéia de que eles também pudessem entrar na sala era-lhe insuportável. Ele
ergueu os braços.
— Não, não! — gritou ele. — Pode deixar! Nós vamos encontrar um meio de
entrarmos num acordo.
— Certamente — garantiu-lhe Ob Tolareff, com um sorriso quase imperceptível.
Dromm olhou para aquele seu cliente esquisito, esperando.
— O senhor tem conhecimento de que, para uma nave dessas, vai precisar de...
quero dizer... de uma soma muito alta? — perguntou ele.
— Estou informado sobre os preços — retrucou Ob Tolareff, calmo.
Dromm começou a tremer. Suas mãos aproximaram-se do botão de disparo do
alarme.
— O senhor está querendo me dizer que dispõe de uma soma dessas? — quis saber
ele, em desespero.
Pela primeira vez o alariano mostrou-se pouco cordial. Curvou-se por cima da
escrivaninha. Os seus olhos fixaram-se no lemurense.
— Eu tenho o dinheiro! — disse Tolareff, com ênfase.
Em Dromm despertou o homem de negócios. De vez em quando aconteciam dessas
histórias malucas. Talvez esses porcalhões alarianos realmente fossem ricos. Havia
boatos de que eles costumavam negociar com quartzos oscilantes. Dromm umedeceu os
lábios secos com a ponta da língua. Raciocinou febrilmente. Esse poderia ser o negócio
de sua vida. Certamente seria fácil impingir uma nave, já na sucata, a esses bárbaros,
ganhando um bom dinheiro. Dromm sorriu, cordialmente.
— Então está bem — disse ele. — Talvez possamos fazer o negócio.
Ele percebeu, aliviado, que o alariano ergueu-se novamente. Rapidamente procurou
nas suas gavetas, colocando sobre a escrivaninha algumas fotos dos mais diferentes tipos
de espaçonaves lemurenses. Ajudou a espalhá-las, diante de Ob Tolareff.
— Minha empresa compra as naves diretamente da frota — disse ele, com orgulho.
— Portanto pode ter certeza que...
— Quer dizer que se trata de velhas naves militares — certificou-se o alariano, sem
mostrar-se impressionado. — Pois isso não serve para nós.
Dromm ergueu as mãos, para acalmá-lo.
— Por favor. Todas as naves estão em excelente estado. Não creia que negociamos
com naves de instrução, nas quais incontáveis cadetes andaram metendo a mão sem saber
o que estavam fazendo.
Atlan começou a remexer aquela papelada que o lemurense espalhara diante dele.
Dromm olhava-o, visivelmente contrariado. Finalmente o alariano retirou uma folha de
papel do monte.
— Esta aqui me interessaria — disse Ob Tolareff.
Instintivamente Dromm engoliu em seco. Este sujeito nada civilizado escolhera
exatamente a melhor das suas naves menores disponíveis.
Dromm deu uma risada zombeteira.
— A Pertagor! — e sacudiu a cabeça, incrédulo. — Justamente a Pertagor! Meu
caro amigo, com esta nave o senhor nem mesmo conseguiria fazer com que ela se
erguesse do chão — com um gesto hábil, Dromm retirou do monte de papel uma outra
folha. — Esta aqui, a Baradas, esta seria exatamente a compra certa para o senhor.
O estranho pegou o papel e olhou-o detidamente.
— Quando foi feita esta foto? — perguntou ele.
— Há alguns dias atrás — mentiu Dromm. — Pelo que está vendo é uma nave
pequena, mas de grande capacidade de vôo. Aí embaixo, à direita, o senhor tem todos os
dados técnicos anotados. Raramente o senhor encontrará uma nave espacial desta classe,
que seja capaz de uma aceleração tão incomum.
— Aqui está anotado que a Baradas tem uma propulsão convencional. Pelo que
estou informado, uma propulsão destas é absolutamente incapaz de alcançar a aceleração
que está anotada aqui — nem de longe.
Dromm sorriu, desconcertado.
— Deve ser um engano — disse ele, infeliz. — Mas eu ainda tenho uma série de
outras naves, à sua escolha. Caso o senhor quiser.
— Eu quero esta nave — interrompeu-o Ob Tolareff. — Eu quero a Pertagor.
Dromm levantou-se de um salto.
— Eu não posso responsabilizar-me por ela — gemeu ele. O seu corpo arredondado
chegava a tremer, de tão agitado. — Seria assassinato, se eu lhe vendesse a Pertagor. O
senhor e seus acompanhantes voariam ao encontro da morte certa.
— Se esta nave é tão ruim, o senhor poderá vendê-la, naturalmente, com um bom
desconto — sugeriu o estranho, imperturbável.
Dromm voltou para o seu cadeirão, e deixou-se cair nele, com um gemido. O sujeito
sujo era um osso bem mais duro de roer do que ele imaginara.
— Olhe, eu não vou vender-lhe nave nenhuma — declarou Dromm. — Nem a
Pertagor, nem qualquer outra. Não vou arruinar o meu bom nome, como homem de
negócios sério e honrado.
Neste momento o videofone sobre a mesa de Dromm tocou. O lemurense atendeu,
apertando uma tecla. Esperou, inutilmente, para o alariano sair do recinto, para que ele
pudesse falar em particular. Na tela apareceu um rosto juvenil. Dromm fez um gesto de
espanto.
Uma voz quase infantil saiu do receptor.
— Meus amigos já o procuraram, Dromm?
— Que amigos? — quis saber o comerciante. — Ouça, Tannwander, neste
momento estou muito ocupado.
— Nós somos os amigos dele — disse o estranho alto.
Dromm engasgou-se. Como hipnotizado ele olhou a tela do aparelho. E viu
Tannwander sorrir.
— Como é que são os seus amigos, quero dizer, sua aparência? — conseguiu
Dromm dizer finalmente.
— Como vagabundos — disse Tannwander. — São três alarianos. O chefe deles diz
chamar-se Ob Tolareff. Quero que o senhor os atenda muito bem. O pagamento fica por
minha conta.
Dromm bateu com o punho fechado no aparelho. A ligação foi interrompida.
— Por que não disse logo que são amigos de Tannwander? — gritou ele, indignado.
— Isso nos teria poupado muito tempo.
— Pensei que não era necessário — disse o estranho, como que se desculpando.
Dromm, entretanto, ouviu claramente a nuance de zombaria na voz suave do outro. —
Pensei que o senhor vendesse para qualquer um que quisesse comprar.
— O senhor pode comprar a Pertagor — resmungou Dromm, enxugando a testa,
molhada de suor. — Ela é uma nave maravilhosa.
Ele abriu violentamente uma gaveta e procurou contratos e documentos de
propriedade.
— Por que está tão nervoso? — perguntou o alariano. Dromm lançou-lhe um olhar
torturado. Pegou sua caneta e escreveu o seu nome num dos papéis. Depois empurrou-o,
por cima da mesa para Ob Tolareff.
— Naturalmente o senhor precisa de uma carta de piloto — disse ele.
— A mesma encontra-se em mãos do conselheiro Ostrum — declarou Ob Tolareff.
— Tannwander irá recuperá-la, em tempo útil.
Dromm amarrotou a foto da Pertagor e jogou o papel no cesto.
— Hoje é o dia mais infeliz de minha vida — disse ele, chateado.
Atlan curvou-se sobre a mesa, assinando os contratos.
— O senhor nem sabe o que é ser infeliz — disse ele ao comerciante lemurense. —
Não, eu tenho certeza que o senhor não o sabe.
Na mente de Dromm surgiu uma suspeita indefinida. Nem ele mesmo sabia por que
perguntou:
— Para que, afinal, o senhor precisa dessa nave?
O alariano encolheu os ombros, e não respondeu. Dromm apertou os lábios, furioso.
Logo que conseguisse falar com o rapaz iria fazer-lhe muitas perguntas.
“Naturalmente é bastante duvidoso que Tannwander me responda a estas
perguntas”, raciocinou Dromm.
Ele pegou os contratos assinados, entregando um deles ao alariano.
— Vou voar com o senhor até o espaçoporto — ofereceu-se ele. — Lá poderá dar
uma olhada na nave.
O alariano agradeceu e esperou até que Dromm saísse de trás de sua escrivaninha.
Na ante-sala, estavam esperando os dois acompanhantes de Ob Tolareff. Um deles era
um rapaz enorme, que sacudiu a mão de Dromm tão fortemente que este quase se
ajoelhou.
— Será que não tem educação alguma? — queixou-se o comerciante, indignado.
O jovem gigante olhou para os seus dois amigos, intrigado.
— O que é que ele tem? — perguntou.
Dromm saiu rapidamente para o corredor, porque não queria ouvir a resposta
zombeteira do sujeito que dizia chamar-se Ob Tolareff.
Mas, por mais que se apressasse, as risadas dos três alarianos ainda o alcançaram.
5
O rumor monótono das ondas dava sono. Rhodan olhou para a superfície cinzenta,
parecendo infinita, do mar. Em algum lugar debaixo da água, Tako Kakuta e André Noir
esperavam pelo regresso do senhor da galáxia. Rhodan deu as costas para o mar. Em
pouco tempo o sol surgiria. Aqui, bem junto da água, estava fresco e ventoso.
Doutreval, Redhorse, Surfat, Gucky e Rhodan estavam acocorados entre os
rochedos da costa íngreme da ilha-parque, que ficava bem em frente do porto de Palar.
No porto tudo ainda permanecia quieto. Apenas alguns pescadores desportistas haviam
saído para o mar aberto, nos seus barcos, antes da chegada do novo dia. Bem no alto,
acima da ilha, pairavam alguns pássaros parecidos com gaivotas.
A Lemúria, achou Rhodan sonhador, era uma segunda Terra. Se não conseguissem
mais regressar ao tempo real, ele poderia tentar, junto com seus amigos, recomeçar uma
nova vida neste mundo. Mas isso realmente seria possível? Rhodan duvidava. Os
acontecimentos os empurravam para uma decisão. Eles encontrariam o presente ou
seriam vencidos pelos seus adversários. Não havia outra alternativa.
Gucky, dormindo, acabou soltando alguns pios, muito baixinho. Ele encolhera-se
sobre a jaqueta do sargento Surfat. De vez em quando o seu corpo estremecia. Rhodan
sorriu. O baixinho parecia bastante indefeso. Também Brazos Surfat dormia. Em
intervalos regulares ele gemia. Surfat era um homem que era capaz de dormir nas
situações mais inacreditáveis.
O Major Don Redhorse estava sentado, como uma estátua, sobre um rochedo, bem
junto da água. O seu olhar era dirigido ao mar aberto. Rhodan perguntava-se que
pensamentos iriam na mente do índio americano. O cheiene era um homem estranho, e
apesar de toda a sua franqueza, uma parte do seu caráter ficava inteiramente fechada a
Rhodan.
Olivier Doutreval estava acordado. Encostara-se contra uma rocha alisada pela força
das ondas. Parecia estar procurando conchas na areia. O rádio-operador parecia cansado.
Ergueu os olhos, quando sentiu o olhar de Rhodan sobre sua pessoa. Rhodan sorriu e fez-
lhe um sinal.
— Quer que eu vá substituir Kakuta agora, sir? — perguntou Doutreval.
— Não — respondeu Rhodan. — Noir e Kakuta podem ficar por tempo ilimitado
dentro da água. Os seus ativadores de células impedem que eles se sintam cansados.
— Quando clarear não vamos poder ficar aqui — disse Redhorse. E ele apontou
para a costa íngreme acima. — Logo que os primeiros visitantes aparecerem aqui na ilha-
parque, naturalmente virão mergulhar aqui nos recifes. Se nos virem em nossos trajes,
ficarão intrigados quanto aos nossos propósitos.
Rhodan juntou uma pedra e atirou-a na água. Um olhar para o porto convenceu-o de
que, ali, tudo ainda estava quieto. Redhorse tinha razão. Dentro de duas ou três horas,
todos eles teriam que esconder-se sob a superfície da água. Apenas Gucky ficaria em
terra, porque não tinham nenhum traje para ele. O rato-castor se esconderia entre os
rochedos.
— Talvez Nevis-Latan não volte mais — disse Doutreval, erguendo-se.
— Ele vai voltar — garantiu Rhodan. — A tarefa dele é esperar por nós.
— Talvez ele saiba que nós já pousamos em Vario — disse o rádio-operador de
cabelos pretos. — Talvez ele esteja a caminho, para preparar a sua estação contra um
ataque nosso.
— Tudo isso são apenas suposições — disse Rhodan. — Por que Nevis-Latan
deveria já estar informado sobre a nossa estada aqui? Não há nenhuma razão sensata para
crer nisso.
Doutreval começou a tirar o seu traje protetor.
— O senhor se importa se eu tomar um banho?
— É claro que não — disse Rhodan. — Só receio que, sem sabão, o senhor não vai
conseguir livrar-se dessa sujeira toda. O máximo que vai conseguir é pegar um resinado.
— É melhor um resfriado do que ter que continuar carregando essa fedentina —
disse Doutreval. Ele despiu-se e mergulhou, com um salto, na água. Surfat acordou,
dando um último ronco, erguendo-se assustado. Sem entender, olhou para as roupas de
Doutreval.
— O que foi que aconteceu? — perguntou ele, perturbado.
— Olivier afogou-se — disse Redhorse. — Não conseguia mais suportar os seus
roncos.
— Eu não ronco — indignou-se Brazos Surfat. — Apenas sussurro como um
ventinho da primavera.
A poucos metros da margem, Doutreval emergiu da água, bufando.
— Está fria! — gritou ele. — Mas faz um bem! Surfat estremeceu todo.
— Alguém entende isso? — perguntou ele a Rhodan. — Quero dizer, que alguém
entre na água, de livre e espontânea vontade?
Doutreval voltou, em direção a suas roupas. Surfat correu para trás de algumas
rochas, quando o rádio-operador ameaçou jogar-lhe água com as mãos.
— Proíba-lhe isso, major! — pediu ele a Redhorse. — Cada pingo de água faz mal
à minha cútis alariana.
— Essa crosta de sujeira, tem coragem de chamar a isso de “cútis” alariana? — riu
Doutreval.
O sargento saiu novamente, hesitante, de trás do rochedo. Neste instante, Redhorse
ouviu um estalo no receptor do seu rádio-operador.
Era a voz de Tako Kakuta.
— Um barco aproxima-se do porto! — avisou o teleportador, nervoso.
— Um submarino? — perguntou Rhodan, rápido.
— Acho que sim, sir — veio a resposta. Rhodan fez um sinal com a cabeça para os
outros.
— Coloquem os trajes! — ordenou ele. — Vamos mergulhar!
Ele acordou Gucky e informou-o que um submarino aproximava-se da costa.
— Só pode tratar-se de nosso amigo muito especial — explicou ele. — Vamos dar
uma olhada nessa embarcação. Conserve-se em ligação telepática comigo. É importante
que você, junto com Kakuta, possa teleportar, no mesmo instante, para dentro do
submarino. Vocês terão que imobilizar Nevis-Latan com os paralisadores, antes que ele
possa fazer uso de suas armas de defesa paraenergética.
Gucky empunhou a sua arma, e levantou-se.
— Não se esqueça — insistiu Rhodan. — Tudo tem que acontecer com a velocidade
de um raio. O senhor da galáxia está preparado para um ataque de mutantes. Ele não pode
ter tempo para qualquer tipo de ação.
— Com toda essa conversa, você acaba perdendo o barco — retrucou Gucky.
Os quatro homens haviam vestido seus trajes. Rhodan fechou o capacete e abriu a
entrada de oxigênio. Um atrás do outro eles entraram no mar, e logo começaram a nadar.
Rhodan deu o sinal para submergir. A visibilidade não era especialmente boa, uma vez
que o sol ainda não brilhava. Rhodan tomou a ponta.
Logo em seguida, eles encontraram André Noir que veio nadando ao encontro
deles, fazendo-lhes um sinal. Rhodan sabia que Kakuta estava esperando mais para fora.
— É o mesmo barco que nós já vimos no porto — disse o teleportador, pelos
radiocomunicadores dos seus capacetes. — Aproxima-se lentamente da costa.
— O senhor terá que saltar para bordo, junto com Gucky — ordenou Rhodan. — Eu
darei o sinal. O mesmo servirá, ao mesmo tempo, para o rato-castor. Imediatamente após
chegar à nave, faça uso do seu paralisador.
Rhodan pôde ouvir o mutante respirar com dificuldade. Kakuta, evidentemente,
estava agitado. Isso só acontecia muito raramente com ele. O mutante tinha consciência
do significado deste instante. Se eles não conseguissem dominar Nevis-Latan, não
haveria nenhum caminho de volta ao presente.
— Estou pronto — retrucou Tako Kakuta.
— Atenção, baixinho! — pensou Rhodan, com insistência. — Logo vai começar!
— ele sabia que Gucky, concentrado, à espreita, seguia os seus pensamentos
telepaticamente.
— Agora! — disse Rhodan, calmo.
Redhorse, Doutreval, Surfat e ele nada mais podiam fazer, neste instante. Agora
tinham que esperar, para saber o que Kakuta e o rato-castor conseguiriam. Havia sido
planejado que Kakuta abriria a eclusa do submarino, logo que estivesse em situação de
fazê-lo.
“Talvez”, pensou Rhodan, “aquela eclusa jamais se abrirá.” Era absolutamente
possível que Nevis-Latan rechaçaria o ataque, transformando o seu submarino numa
armadilha para Gucky e o teleportador.
Entretanto Rhodan nem queria pensar nessa possibilidade.
***
Tako Kakuta tentou explicar-se o nervosismo esquisito que se apoderara dele. Era
uma sensação de opressão, mas também de uma espera impaciente. O japonês sacudiu a
cabeça, intrigado. O que não lhe acontecera em algumas milhares de missões, agora
parecia uma realidade. Ele estava nervoso.
Talvez a água tivesse culpa disso, raciocinou ele, enquanto esperava pela ordem
para entrar em ação, vindo do Administrador-Geral. O mar, aliás, era para ele um
ambiente ao qual não estava acostumado.
Tako Kakuta estava pronto para saltar para dentro do submarino, que deslizava, em
diagonal, diante dele, como um peixe gigante, preguiçosamente sob a água. Kakuta sabia
que o seu projetor de campo energético era, ao mesmo tempo, uma proteção contra
rastreamento, mas não conseguia livrar-se da idéia de que o senhor da galáxia podia estar
sentado, em algum lugar, diante de uma tela de rastreamento, observando-o com um
sorriso zombeteiro nos lábios.
“Por todos os planetas”, raciocinou Kakuta, furioso. “Talvez ele esteja me
observando, como alguém que observa um inseto. Certamente apenas está esperando
para poder esmagar-me como se esmaga uma mosca”.
— Pronto? — escutou ele Rhodan perguntar.
O desejo insensato de teleportar para a praia surgiu em Kakuta. Ele respirou fundo.
— Estou pronto — disse ele.
Tudo nele era pura tensão. Ele sabia que apenas segundos ainda o separavam
daquele salto decisivo, que iria decidir sobre o seu destino. E não apenas sobre o dele,
mas também de incontáveis outros seres humanos. Kakuta sentiu-se oprimido. O seu traje
protetor parecia-lhe um peso gigantesco, opressor.
— Agora! — disse Rhodan.
Kakuta reagiu imediatamente. No fundo, ele, durante todo este tempo, receara que
no instante decisivo pudesse falhar. Pensou em falta de concentração ou num desgaste da
energia psiônica. Porém tudo isso agora manifestou-se como um erro. Ele saltou como
sempre. O seu corpo despedaçou-se dentro do campo de força parapsíquica sendo
catapultado por um meio sobreposto. Era o mesmo fenômeno inconcebível de sempre.
Ele sentiu-se materializar, era aquela sensação quase dolorosa, de estar sendo
metido à força dentro de uma couraça apertada demais, a sensação de pele que se esticava
até o máximo. Kakuta gemeu. Tudo isso levou apenas frações de um segundo, e tudo à
sua volta clareou.
De golpe, ele deu-se conta do que acontecera. Tomou consciência do que havia ao
seu redor. Seus pensamentos começaram a trabalhar com a velocidade do raio.
Ele executara o salto teleportador.
Encontrava-se a bordo de um submarino que era dirigido por um inimigo
implacável da raça humana. Antes de levar este pensamento ao fim, Kakuta já estava com
o seu paralisador na mão.
6
A uma distância de três metros de Tako Kakuta, o senhor da galáxia estava sentado
num imenso cadeirão, fixando o mutante. O teleportador viu Gucky materializar atrás de
Nevis-Latan. Os pensamentos do japonês eram um turbilhão. Aquela calma total com que
o adversário o olhava o perturbara.
E então o senhor da galáxia entrou em ação. E foi rápido como um raio, fazendo
com que Kakuta tivesse que reconhecer que aquela sua hesitação de um segundo poderia
ter-lhe sido funesta, se Gucky não tivesse acudido em tempo.
Quando Nevis-Latan deixou-se cair para a frente, tentando alcançar uma alavanca
com as mãos estendidas, Gucky disparou o paralisador. Inconscientemente também
Kakuta apertou o gatilho. Nevis-Latan ficou paralisado, rijo, enquanto ainda caía para a
frente, e o seu rosto tomou a expressão de uma máscara. Caiu de costas, batendo contra o
painel de controles.
Gucky não deu mais atenção ao homem paralisado.
— Rápido! — gritou ele, com sua voz estridente. — Temos que parar o submarino.
Somente com muito esforço Kakuta conseguiu tirar os olhos daquele senhor da
galáxia. Ele não conseguia entender que aquele adversário perigoso estava caído a seus
pés, sem se mexer.
Dentro de poucos instantes eles tinham a embarcação sob controle.
— Agora o comando para a eclusa — disse Gucky.
Kakuta espantou-se com a calma do rato-castor. Em momentos como este, podiam
confiar em Gucky. Em missões decisivas, nos segundos que podiam decidir entre a vida e
a morte, Gucky renunciava às suas gracinhas.
Eles inundaram a câmara da eclusa. Depois, Gucky abriu a parede externa da
eclusa. Pela pequena tela de imagem, eles podiam ver que tudo estado acontecendo
conforme o desejado.
— Agora vamos ter que esperar alguns minutos, até que os outros possam
aproximar-se — disse Gucky. Ele trepou para o grande cadeirão de Nevis-Latan. Kakuta
olhou-o, desaprovando. Ele abriu o capacete do seu traje protetor. Depois arrastou o
corpo retesado do senhor da galáxia para longe dos controles. Ao fazê-lo, teve
oportunidade de observar aquele homem um pouco melhor.
Nevis-Latan parecia um desportista, apesar de ter uma pequena tendência para
engordar. As sobrancelhas muito cheias davam ao seu rosto um aspecto ameaçador.
— Aí está ele, esticado no chão — disse Kakuta. — Eu, antes de mais nada, tenho
que me acostumar à idéia de que fomos capazes de surpreendê-lo.
— Eu gostaria de ranger o meu dente roedor — disse Gucky. — Quem ouve você
falar, sabe perfeitamente que você está sempre esperando por algum acontecimento
desagradável, como se Nevis-Latan fosse algum mago, que, até mesmo em estado
inconsciente, é capaz de tornar-se perigoso.
Kakuta sorriu, forçado. Gucky, naturalmente, não estava sem razão.
— Aí vêm eles! — gritou Gucky, apontando para a tela de imagens.
Kakuta pôde ver cinco figuras comprimindo-se dentro da câmara da eclusa. Esperou
até receber o sinal. A água foi retirada da eclusa. O oxigênio entrou, rapidamente, no
local. Kakuta fez deslizar para um lado a parede interna da eclusa. Logo depois os cinco
homens entraram na sala de comando.
Rhodan tirou o seu capacete e olhou para o senhor da galáxia inconsciente. Não
demonstrava sua agitação interior, porém Kakuta conhecia o Administrador-Geral há
bastante tempo, para poder interpretar até os menores sinais de sua emoção. Havia um
ligeiro tremer das sobrancelhas, e a tensão, quase imperceptível, ao empurrar para a
frente o lábio inferior.
— Isso seria motivo para uma festa — disse Surfat. — Se tivéssemos tempo para
festejar.
— Você poderá oferecer-me uma cenoura — sugeriu Gucky.
— Tudo correu conforme esperado? — quis saber Rhodan.
Ele curvou-se para Nevis-Latan, colocando-lhe uma mão sobre os olhos. O
inconsciente não mostrou qualquer reação.
— Ele mostrou-se muito espantado — disse Kakuta. — Apesar disso, tentou
alcançar os controles, antes que o paralisássemos.
— Eu não consigo penetrar nos seus pensamentos — disse Gucky. — Mesmo neste
estado, o bloqueio de sua vontade funciona.
Rhodan contara com isso. Não era possível chegar a Nevis-Latan com meios
parapsíquicos. Pelo menos não por enquanto.
— Nós precisaríamos de semanas, para afastar esse bloqueio — disse André Noir.
— Trata-se de uma proteção extremamente forte no centro do seu consciente. Suponho
que o mesmo tenha sido implantado com o auxílio de meios parapsíquicos.
— Não temos muito tempo — concedeu Redhorse. Sem olhar para Rhodan, ele
acrescentou: — Em dadas circunstâncias, acho que devíamos pensar se o
neurodestramador não seria o meio apropriado para quebrar a resistência desse homem.
— Vamos esperar até a chegada de Atlan — disse Rhodan, esquivando-se. Ele
voltou-se para Tako Kakuta. — Dê um salto até o planador — ordenou ele ao
teleportador. — Logo que Atlan, Bradon e Papageorgiu chegarem, devem colocar seus
trajes protetores para reunir-se a nós, aqui no submarino. Vamos levar a embarcação até
as proximidades dos recifes.
— Quanto a isso, quem decide é o comandante! — gritou Gucky.
— Que comandante? — perguntou Rhodan enquanto Kakuta desmaterializava. —
O comandante está inconsciente.
Gucky espichou-se, indolentemente, naquele cadeirão exageradamente grande para
ele.
— De acordo com uma velha lei dos piratas, é comandante aquele que consegue
conquistar o navio, pondo o comandante fora de combate. E foi exatamente isso que eu
fiz. Além disso, no momento, estou ocupando o lugar do comandante.
— O que é que está dizendo esse anão engraçado? — perguntou Surfat, como se
não tivesse ouvido bem. — Isso quer dizer que ele agora poderá dar-nos ordens?
— Suspendam as velas! — gritou Gucky. Um homem na gávea!
Ele fez um sinal, brincalhão, para Redhorse.
— Você, imediatamente, vai ocupar-se da cantina — disse ele. — Dê uma olhada se
não consegue encontrar algumas cenouras.
— Aye, aye, siri — Redhorse fez continência.
— Chega de brincadeira! — Rhodan interrompeu a gozação de Gucky. Ele sabia
que o baixinho, com o sucesso obtido, estava outra vez na crista da onda, e não terminaria
tão cedo com suas gracinhas, pregando as mais diversas peças nos seus amigos.
— O grumete está ficando malcriado — indignou-se Gucky. — Joguem-no por
cima de bordo.
Depois, com um pulo, fugiu do cadeirão, antes que Rhodan pudesse alcançá-lo.
Rhodan familiarizou-se com os controles do submarino. Ninguém, em toda a Lemúria,
tinha idéia do que ocorrera, nas proximidades de Wo-Kartan. Certamente levaria algum
tempo, para que dessem pela falta do conselheiro. Este tempo deveria ser aproveitado por
eles para encontrarem a estação submarina secreta do senhor da galáxia.
Somente Nevis-Latan sabia onde essa estação subaquática ficava. Rhodan ficou
imaginando, se sob estas condições, não seria adequado fazerem uso do
neurodestramador. O senhor da galáxia era um assassino. E não apenas isso: ele
representava uma organização que estava crescendo, tornando-se um perigo para todos os
povos estelares amantes da paz.
Redhorse e Surfat encontraram algumas cordas. Nevis-Latan foi amarrado.
Entrementes, Rhodan levou o submarino em direção aos recifes. Ele esperava que Atlan
tivesse conseguido, com a ajuda de Tannwander, comprar uma espaçonave adequada.
Nevis-Latan deu um gemido fraco. Rhodan entregou os controles a Redhorse, e
voltou-se para o senhor da galáxia. O conselheiro ainda tinha os olhos fechados, mas
Rhodan não duvidava que ele já estava consciente. A paralisia física, entretanto, ainda
permaneceria por algum tempo.
— O senhor ficou admirado, por nosso aparecimento repentino? — perguntou
Rhodan.
O piscar nas pálpebras de Nevis-Latan denunciou-lhe que o homem amarrado o
entendia. Os lábios do conselheiro tremiam. Era evidente que Nevis-Latan estava
tentando falar. Entretanto, ainda não conseguira controlar o seu corpo.
Rhodan fez um sinal para Gucky, porém o rato-castor sacudiu a cabeça.
— Eu não consigo alcançá-lo por via parapsíquica — disse ele. — A sua
consciência está totalmente bloqueada.
— E o senhor, André? — voltou-se Rhodan ao hipno.
— É inútil, sir — disse Noir. — Neste estado, Nevis-Latan está protegido contra
qualquer ataque paranormal.
O senhor da galáxia deu uma espécie de grunhido de triunfo.
— Ainda é cedo para essa alegria — disse Rhodan ao prisioneiro. — Vamos
encontrar caminhos e meios para penetrar no seu bloqueio protetor. Temos experiência
nisso. Também o parabloqueio do agente do tempo Frasbur foi destruído.
— A minha proteção... é... bem mais... forte — conseguiu dizer Nevis-Latan, com
muito esforço. — Os senhores não têm... nenhuma... chance — ele respirava com
dificuldade.
— O senhor também não contava que nós pudéssemos surpreendê-lo. Apesar disso
o conseguimos — Rhodan queria deixar aquele senhor da galáxia furioso, com raiva.
Deste modo, eles conseguiriam ficar sabendo dos planos do adversário, muito mais
depressa.
Porém Nevis-Latan não mostrou qualquer reação. Ele disse:
— Se violarem... à força... o meu bloqueio protetor, eu morrerei, antes... de ficarem
sabendo... qualquer coisa.
Rhodan trocou um olhar com André Noir. Era absolutamente possível que no
consciente do senhor da galáxia houvesse uma ordem de segurança final. Antes do
conselheiro poder revelar segredos importantes, ele se autodestruiria. Rhodan já contara
com estas dificuldades. Entretanto, ele estava decidido a superar todos os problemas. Ele
conseguira prender o senhor da galáxia que possuía a chave para o tempo real. Nevis-
Latan viera do tempo real, para interceptar a Crest III e sua tripulação em Vario. Ele
conhecia um caminho para o presente.
— Chegamos ao nosso destino, sir — avisou o Major Redhorse, interrompendo,
desse modo, as reflexões de Rhodan.
— Qual é a profundidade da água? — perguntou Rhodan.
— Dezessete metros — respondeu o cheiene.
Eles agora estavam parados a pouca distância da costa. Rhodan sabia que eles
teriam que desaparecer daqui, logo que Atlan, Bradon e Papageorgiu estivessem a bordo.
O risco de que algum mergulhador desportista pudesse tentar aproximar-se do submarino
era grande demais.
— Ponha a embarcação no fundo, até que os três homens estejam a bordo —
ordenou Rhodan.
— O que pretende fazer? — perguntou Nevis-Latan.
A sua voz ainda era arrastada, mas num tempo espantosamente curto ele
desenvolvera uma técnica respiratória que lhe permitia falar coerentemente.
— Vamos fazer uma viagem com o senhor — avisou-lhe Rhodan. — Iremos visitar
a sua estação submarina.
O senhor da galáxia riu, zombeteiro.
— Essa estação não existe — declarou ele. — O senhor tem uma imaginação
superdesenvolvida. Eu uso o meu tempo livre na Lemúria para praticar a caça submarina.
E o senhor tirou conclusões inteiramente erradas, baseado no meu hobby.
O conselheiro para todas as questões de transporte da Lemúria portanto decidira
conservar os seus segredos. Bem, Rhodan aliás não imaginara nunca que Nevis-Latan
falasse de livre e espontânea vontade.
— Nós podemos retirar-lhe o ativador de células, se não estiver pronto a cooperar
conosco — ameaçou ele ao senhor da galáxia.
— Faça-o e verá o que acontece — retrucou Nevis-Latan, indiferente.
Rhodan sabia o que aconteceria. Ele ainda lembrava-se muito bem da sorte do
primeiro senhor da galáxia que eles prenderam. Regnal-Orton morrera imediatamente,
após lhe haverem retirado o ativador celular. Nevis-Latan não deveria morrer de modo
algum. A sua morte significaria um exílio definitivo da Crest e sua tripulação, no
passado.
Nevis-Latan parecia adivinhar os pensamentos de Rhodan, pois sorriu satisfeito.
— É muito desagradável para o senhor — disse ele. — Justamente agora, quando o
sucesso lhe parecia seguro, o senhor tem que verificar que a minha prisão não lhes trouxe
qualquer benefício.
Rhodan tirou o seu traje protetor. A autoconfiança de Nevis-Latan não o
surpreendia.
— Como é que o senhor sabia que nós viríamos para Vario? — perguntou ele.
— Suponho que Vario seja o nome que os senhores deram a este planeta, quando
ainda se encontravam no tempo real — disse Nevis-Latan, sagaz.
“Através dos resultados exatos dos rastreamentos do sensor de campo de zero
absoluto, conseguimos perseguir os movimentos de sua espaçonave. Além disso,
tínhamos informações de nosso agente do tempo Rovza, o qual, infelizmente, não
conseguiu destruir a sua nave, antes de sua partida do sistema solar.”
A Crest III não era somente a maior nave que até então voara no espaço cósmico
sob a bandeira do Império Solar. Ela parecia-se também, como nenhuma antes dela, a
uma imensa cidade, completamente autônoma. Talvez, mais tarde, construiriam naves
maiores e de maior poder de combate, mas nenhuma destas certamente teria uma divisão
tão perfeita e acabada dos conveses intermediários e do principal, com seus fantásticos
equipamentos e aparelhos.
O ultracouraçado, pensava John Marshall, ao pôr os pés na sala de comando, era
uma das maiores realizações técnicas que a raça humana jamais efetuara.
Uma nave destas induzia os membros da tripulação, facilmente, a se sentirem em
segurança até mesmo quando algum perigo os ameaçava. Marshall sabia que também
agora a maior parte da tripulação sentia-se apenas aliviada sobre o fim do tempo de
espera, mas pouco se preocupava com o que poderia acontecer nas proximidades do sol
gigante, Big Blue.
John Marshall lançou um olhar ao relógio. Dentro de cerca de dez minutos a nave-
capitânia da Frota Solar deixaria o espaço linear, dirigindo-se para a proteção contra
rastreamentos que lhe era oferecida pela proximidade de Big Blue. Ali, Perry Rhodan e
seus acompanhantes deveriam ser trazidos para bordo.
Através dos curtos impulsos de rádio transmitidos por Gucky, da Lemúria, a bordo
da Crest III estava-se razoavelmente informado sobre o que acontecera no único planeta
de Big Blue. Entrementes haviam começado, no interior da nave gigante, os preparativos
para o regresso ao tempo real.
O otimismo da tripulação parecia prematuro ao telepata, mas ele compreendia a
reação dos cosmonautas, que já tinham perdido praticamente todas as esperanças de uma
volta, ao presente.
Marshall não sabia como Perry Rhodan tinha conseguido que o senhor da galáxia
convencesse a tripulação que controlava a estação do tempo, no tempo real, a deixar a
Crest III passar pela barreira do tempo. Para transmitir este tipo de detalhes, os impulsos
de rádio recebidos haviam sido curtos demais. Marshall suspeitava, entretanto, que
Rhodan devia ter usado de algum truque.
O mutante ficou parado junto de Icho Tolot e Melbar Kasom. Ao lado do halutense,
até mesmo Kasom parecia um anão. O ertrusiano sorriu para Marshall. O seu nervosismo
era patente. Quase todos os oficiais da Crest III haviam se reunido na sua sala de
comando. Os homens discutiam, agitados. O Coronel Cart Rudo estava em contato
ininterrupto com todas as dependências da nave, para passar as ordens necessárias. Como
já tantas vezes antes, Marshall, também agora, sentiu uma certa admiração pelo
epsalense. As tarefas do comandante, para um leigo, poderiam parecer imensas. Rudo
tinha que pensar em tantas coisas, que tinha-se certeza, era impossível que não acabaria
esquecendo de uma ou outra por mais necessária que fosse. Mas Rudo jamais esquecia
alguma coisa. Entretanto, mesmo que isso ocorresse, um sistema de segurança, muito
inteligente, evitaria o acontecimento de alguma pane. Antes de toda grande missão, todos
os computadores eram programados, auxiliando, assim, ao comandante, em grande parte
do seu trabalho.
Rudo tirou alguns instantes para voltar-se para Tolot, Marshall, e Kasom, sorrindo-
lhes, confiante.
— Nunca gostei tanto de levar a “Gorda” para um passeio — afirmou ele com a sua
voz de trovão. A “Gorda” era apenas um dos muitos apelidos carinhosos que ele dava a
essa nave gigantesca. Alguns cosmonautas juravam que Rudo se sentia tão ligado à sua
nave, que até dormia na sua cadeira de comandante. Marshall nunca se dera ao trabalho
de verificar essa afirmação.
— Faltam ainda seis minutos — disse Icho Tolot, que lançara um olhar aos
relógios.
Marshall não conseguia livrar-se da sensação de que o halutense olhava toda aquela
operação planejada com muito ceticismo. Tolot, entretanto, até agora, não dera sua
opinião sobre as notícias recebidas de Gucky, pelo rádio. E silenciava, renitente, quando
era perguntado. Tolot sempre tivera períodos de silêncio, mas justamente agora a
tripulação da Crest poderia precisar do apoio do seu amigo halutense.
Marshall decidiu-se a fazer com que o halutense lhe expusesse suas opiniões.
— Nós vamos passar pelos mesmos acontecimentos, em nosso salto através do
tempo, como aqueles que temos na memória, ocorridos na primeira vez? — perguntou ele
a Tolot.
— Ou acha que tudo vai acontecer completamente diferente?
— Isso depende — disse Tolot, desviando-se. Mas de repente pareceu decidir-se a
falar, e acrescentou: — Para mim, continua um mistério, como é que Perry Rhodan
pretende conservar em segredo para o senhor da galáxia a chegada da Crest ao tempo
real. Eu receio que nós já estaremos sendo esperados ali, com uma recepção muito bem
preparada.
Então era isso! Marshall lançou um olhar significativo para Kasom. Tolot
naturalmente acreditava que eles poderiam alcançar o tempo real, mas duvidava que
continuariam vivos por muito tempo ali.
— A Crest se movimentará quase que exclusivamente através do tempo — disse
Tolot. — Isso significa que ela ressurgirá praticamente no mesmo lugar no qual entrará
no campo de zero absoluto. Eu acho que ali estaremos sendo esperados por uma leva de
espaçonaves tefrodenses, que abrirão fogo, no exato momento em que a Crest se tornar
visível. E nós não vamos conseguir nem disparar um só tiro, antes disso.
Na central fez-se o silêncio. A maioria dos cosmonautas havia também ouvido as
palavras de Tolot.
— Mais três minutos! — disse alguém, em voz alta.
— Perry Rhodan também deve ter pensado nisso — disse Marshall para Tolot. —
Por alguma razão, entretanto, ele parece estar convencido de que o acontecimento
descrito pelo senhor não se dará.
— Rhodan está desesperado — retrucou Tolot, calmamente. — Todos nós sabemos
o quanto são diminutas as chances de regressarmos ao tempo real. Nessa situação,
Rhodan tem que aproveitar a oportunidade que se lhe oferece.
— Tolot fez uma pausa, depois acrescentou: — Provavelmente eu não teria agido
de modo diferente.
Como sempre, as ponderações de Tolot pareciam inteiramente lógicas. Porém
Marshall recusava-se a acreditar nelas. Rhodan ficaria no passado, se não houvesse
chances genuínas de escapar dos senhores da galáxia.
Ficaria mesmo?
John Marshall mordeu o lábio. Eles ficariam sabendo da verdade logo que Rhodan
se encontrasse a bordo do ultracouraçado.
— Estamos deixando o espaço linear e diminuímos a velocidade. A nave entrará na
proteção contra rastreamento de Big Blue. Atenção, alerta geral de primeiro grau para
todas as centrais de tiro — a voz de Rudo parecia calma como sempre.
A superfície flamejante de Big Blue tornou-se visível nas várias telas de imagens.
Rastreadores de massa, tradutores de impulsos e sensores de freqüências entraram em
ação. O campo energético de proteção da Crest III foi ligado. Com a velocidade do raio,
os computadores analisaram todos os dados recebidos.
— Neste setor do espaço há centenas de naves — verificou Rudo.
Eles haviam contado com isso. A proteção contra rastreamento do ultracouraçado
entrou em funcionamento. Além disso, havia ainda a grande proximidade do sol gigante.
Somente por um acaso, ou então através de aparelhagem muito sofisticada, a Crest III
poderia agora ser descoberta.
— Onde ficou a nave de Rhodan? — perguntou o Tenente Son Hunha.
— Vamos com calma — resmungou Cart Rudo. — Nossa missão é encontrar a
pequena nave.
— Se é que ela estará neste setor do espaço — acrescentou Tolot.
O comandante não seu atenção a Tolot. Levou a nave a uma órbita ao redor do sol.
Toda nave que eles rastreassem dentro deste setor do espaço, podia ser a nave procurada.
Marshall ficou de olhos grudados nas telas de imagem do rastreamento espacial. As
flotilhas de vigilância, que haviam perseguido a ele e a Hegmar, quando haviam
penetrado na atmosfera de Lemúria com o seu jato-mosquito, movimentavam-se em
formação-V, a cerca de duzentas mil milhas de distância, afastadas do seu planeta natal,
através do espaço. Não parecia a Marshall que este esquadrão estivesse à caça de alguma
nave. Se Rhodan já estivesse por aqui, ninguém o estava perseguindo.
— Objeto no setor C-quatro-amarelo, aproximando-se do sol! — gritou um dos
homens, que estava diante dos aparelhos de rastreamento.
— Não modifiquem o rumo! — resmungou Rudo.
— Tamanho aproximado do objeto cerca de sessenta metros — veio a próxima
informação. A velocidade e a rota da nave espacial desconhecida foram avaliadas.
— A nave está numa órbita em torno do sol!
— São eles! — gritou Rudo, agitado. A sua voz parecia tão alta, que chegou a
vibrar nos tímpanos de Marshall. Um dos oficiais chegou a dar um grito de alegria.
— Impulso curto para a nave estranha, Sparks! — ordenou Rudo ao rádio-operador.
— E cuidado para que não possam determinar nossa posição.
Segundos depois veio a resposta. A Pertagor confirmava recebimento do rádio. O
campo energético de proteção do ultracouraçado foi desligado. A Crest III voou ao
encontro da pequena nave. Uma eclusa dos hangares abriu-se. Exatamente quatro
minutos mais tarde, a nave lemurense estava pousada entre as corvetas no hangar.
Rhodan e seus companheiros estavam novamente a bordo da nave-capitania. Porém
eles não tinham vindo sozinhos.
Em sua companhia encontrava-se Nevis-Latan, um dos senhores da galáxia.
***
A Crest III dirigiu-se para o ponto indicado por Nevis-Latan nas proximidades da
corona solar de Big Blue. Em poucos instantes aquela nave formidável, com um diâmetro
de dois mil e quinhentos metros, deveria ser catapultada para o futuro, por um fantástico
campo de força que sugava sua energia do sol.
Nevis-Latan estava sentado num cadeirão bem ao lado do do comandante. Perry
Rhodan estava atrás, de pé, não tirando os olhos dele nem por um instante. Não havia
qualquer dúvida que o ex-conselheiro para transportes na Lemúria estava totalmente sob
controle do hipno André Noir, porém Rhodan continuava desconfiado. Ele contava com o
fato do senhor da galáxia ter podido tomar determinadas medidas de segurança para
repelir algum ataque inesperado.
Rhodan segurou o encosto do cadeirão, com ambas as mãos. A Crest III não sairia
desprevenida no tempo real. Controles especiais e extensas programações dos
computadores positrônicos cuidariam para que a nave, sem mesmo a intervenção da
tripulação, começasse a atirar logo após a entrada no tempo real. O alvo do ataque devia
ser a estação do tempo em Vario. Rhodan sabia que tudo tinha que acontecer muito
depressa, tão depressa que os duplos em Vario não tivessem tempo de erguer um campo
energético de proteção, que salvaria o planeta das bombas e dos canhões conversores.
A Crest III agora encontrava-se perigosamente perto de Big Blue. Somente os
poderosos campos energéticos de proteção e os impulsores evitavam que a nave-capitania
fosse destruída. Rhodan não se preocupava com a sorte da Crest III. Ele sabia que podia
confiar inteiramente no Coronel Rudo.
Dentro da sala de comando, exceto pelo ruído das máquinas, o silêncio era total. Os
rostos dos cosmonautas, à luz dos controles, pareciam pálidos e tensos. Cada um dos
membros de tripulação sabia o risco que o Administrador-Geral tomara sobre si, ao
iniciar esta operação.
— Agora estamos chegando ao ponto calculado — avisou Rudo.
Rhodan viu que Nevis-Latan curvou-se para a frente. O senhor da galáxia parecia
calmo. Parecia que ele iria apenas repetir uma manobra várias vezes ensaiada antes.
De repente Rhodan teve a impressão de que estava acontecendo alguma
modificação com a nave. Pela fração de segundos, diminuiu o ruído das máquinas, para
logo depois voltar com todo o seu vigor.
— O campo de zero absoluto! — gritou Atlan. — Estamos sendo puxados em
velocidade espantosa diretamente para o campo de zero absoluto!
Nas telas de imagens do rastreamento de espaço desenhou-se o campo de tempo,
mantido estável por uma energia imensa. Rhodan sabia que agora não havia mais volta.
Eles já estavam sob a influência do fluxo do tempo.
O couro cabeludo de Rhodan começou a cocar. Qualquer ordem agora era
supérflua, no estágio presente. Apesar disso ele voltou-se para Nevis-Latan.
— Tudo transcorre normalmente? — perguntou ele ao senhor da galáxia.
Nevis-Latan anuiu, satisfeito.
— Naturalmente — disse ele, de boa vontade. — Por que alguma coisa não deveria
transcorrer normalmente?
O movimento através do tempo tinha começado definitivamente. E somente pararia
no tempo real. A Crest III penetrava no futuro, do qual saíra originalmente.
Mais uma vez, o ruído forte das máquinas transformou-se num zunir quase
inaudível. As estrelas visíveis nas telas de imagem pareciam subjugadas por uma força
estranha, pois chamejavam inquietas, e movimentavam-se através do cosmos, aos
trancos.
Vario transformou-se num anel luminoso em volta do sol, e sua órbita desenhava-
se, como um desenho normal, nas telas de imagens.
Apesar de Rhodan dever sentir-se aliviado, ele se encontrava inteiramente fascinado
pelo monstruoso fenômeno. Ele agora não pensava nem no que os esperava, nem naquilo
que haviam deixado para trás. A sua mente concentrava-se no movimento através do
tempo, ao qual a nave e sua tripulação eram submetidos.
Ninguém falava. Os homens fixavam as telas de imagens e controlavam os
aparelhos de medições, que davam os valores. Apenas Icho Tolot movimentava-se, de um
lado para o outro, na sala de comando. O halutense parecia preocupado em recolher o
máximo possível de impressões.
De repente o anel de fogo que era formado por Vario ruiu em si mesmo. A Crest III
saiu do campo de zero absoluto. Materializou bem perto do planeta deserto, no qual se
transformara a Lemúria.
Somente um microssegundo, depois que o movimento retrógrado através do tempo
tinha passado totalmente, os computadores positrônicos da nave entraram em ação,
ligando as armas previamente preparadas.
Um ataque de fogo destruidor a Vario teve início.
Os canhões de bordo abriram fogo, canhões com mísseis nucleares e
desintegradores entraram em ação. A nave encontrava-se a apenas centenas de milhas
acima das instalações energéticas do transmissor de tempo de Vario. Rhodan esperava
que tudo acontecesse tão depressa que até mesmo o computador-robô central da estação
não tivesse mais possibilidade de erigir o campo de proteção, alimentado pela energia
solar, em torno do planeta. Este campo teria transformado todo o ataque da Crest numa
ilusão.
Um olhar às telas de imagem, entretanto, garantiu ao terrano que suas preocupações
eram infundadas. Com o ímpeto de bombas atômicas detonando, os feixes energéticos
atingiam a superfície desprotegida de Vario e penetravam nas instalações subterrâneas,
onde ocasionavam fantásticas explosões. O alçapão do tempo foi abalado nos seus
alicerces. Ninguém estava preparado para resistir àquela desgraça que caíra sobre o
planeta tão inesperadamente. Os poucos duplos que havia lá embaixo morreram, antes de
poderem raciocinar sobre o que estava acontecendo. À espera de uma nave lemurense de
pesquisas, eles haviam ficado observando os acontecimentos com uma despreocupação
exagerada.
Logo após abrir fogo, a Crest III emitiu, através de um campo espiral ultraluz,
diversas bombas-árcon, que provocariam em Vario explosões atômicas em cadeia,
impossíveis de serem controladas. Este era o começo do fim. Em pouquíssimo tempo,
Vario se transformaria num sol.
Quando o computador dos controles automáticos fez a Crest III acelerar novamente,
fazendo as turbinas rugirem, ficou atrás deles um planeta moribundo. A estação do tempo
não existia mais. Não havia mais, para os senhores da galáxia, nenhuma possibilidade de
enviar qualquer corpo ou objeto ao passado.
Tudo se passara tão depressa, que Rhodan ainda se encontrava inteiramente sob a
impressão dos acontecimentos, quando o ultracouraçado, acelerando ao máximo,
precipitou-se para as linhas das naves armadas tefrodenses.
Também com a presença dessas naves Rhodan contara, tendo tomado medidas de
segurança correspondentes. Agora eles não se viam diante dos lemurenses, mas dos
duplos, cujos corpos originais os senhores da galáxia, em sua maior parte, haviam trazido
do passado. De passagem, Rhodan lembrou-se de que esta fonte agora secara para os seus
adversários. Isto, entretanto, não significava uma grande vitória, pois os senhores da
galáxia e seus auxiliares tefrodenses continuavam tendo à sua disposição uma quantidade
suficiente de moldes estruturais com os quais podiam substituir sempre as baixas havidas
nos seus exércitos de milhões de componentes de duplos.
Rhodan concentrou sua atenção nas telas de imagens. Cuspindo fogo com todos os
canhões, a nave-capitânia da Frota Solar entrou diretamente na formação de naves
tefrodenses. Rhodan tentou imaginar o que agora estaria acontecendo nas salas de
comando das naves adversárias. Provavelmente estavam tão perplexos, que nem
chegariam a um ataque concentrado à nave terrana.
Três cosmonaves tefrodenses começaram a atirar no atacante, mas os seus tiros
eram descontrolados demais, para tornarem-se perigosos à Crest III.
— Conservar o rumo, coronel! — gritou Rhodan para o epsalense.
Como um fantasma, o ultracouraçado atravessou o círculo de unidades tefrodenses.
Desesperados, os comandantes-duplos aceleravam as suas naves, porém suas reações
sempre chegavam tarde demais.
A Crest III atingira a velocidade necessária. Os kalups entraram em funcionamento.
Uma massa titânica de aço, plástico e energia atravessou os limites do Universo
einsteiniano, atirando-se para a zona do semi-espaço.
Somente agora Rhodan percebeu que estivera o tempo todo completamente tenso,
parado atrás do cadeirão de Nevis-Latan. Ele soltou as mãos do encosto da cadeira,
lançando um olhar interrogador para Atlan. O arcônida conseguiu formular um sorriso
vago.
— Parece que conseguimos — declarou ele. — Apenas, vai ser difícil dar-se conta
de que, agora, vamos continuar vivendo num tempo que é o nosso próprio tempo.
Um gemido evitou que Rhodan respondesse. O mesmo veio de Nevis-Latan, que se
encolhera todo no cadeirão.
Rhodan pegou o senhor da galáxia pelos ombros, puxando-o para cima. O homem
parecia completamente alquebrado. André Noir encolheu os ombros, como pedindo
desculpas, quando Rhodan olhou para ele. O Administrador-GeraL supôs que Nevis-
Latan, durante o movimento através do tempo, devia ter escapado do controle do hipno.
Nem mesmo Noir era um super-homem. Ele estivera sob as mesmas tensões que todos os
demais. Sua influência paranormal sobre o senhor da galáxia naturalmente sofrerá com
isso.
— O que aconteceu? — perguntou Nevis-Latan, erra voz sumida.
Rhodan decidiu-se a contar a verdade ao senhor da galáxia. Em poucas palavras ele
descreveu as reais circunstâncias. De repente Nevis-Latan começou a rir, sem parar.
— Destruído? — gritou ele. — O alçapão do tempo, destruído? Ninguém é capaz,
sequer, de danificar esta estação.
— Mas é como eu lhe disse — enfatizou Rhodan. — A sua organização sofreu uma
derrota decisiva.
Nevis-Latan ergueu-se de um salto. O cadeirão caiu para trás. Imediatamente três
oficiais aproximaram-se para segurarem o senhor da galáxia.
— Levem-me à estação do tempo! — berrou Nevis-Latan.
— Eu receio que ele esteja ficando louco — murmurou Atlan para Rhodan. — A
pressão constante e a influência do bloqueio de segurança destruíram a sua mente. Se
quisermos saber de mais alguma coisa dele, vamos ter que operar com o
neurodestramador.
Rhodan hesitou. A Crest III no momento encontrava-se em relativa segurança. A
estação do tempo tinha sido destruída. Não havia, portanto, um motivo forte para
submeter Nevis-Latan a um interrogatório violento.
— Nós temos que descobrir alguma coisa sobre a organização de nosso adversário
— insistiu Atlan. — Decida-se, antes que seja tarde.
Os oficiais forçaram Nevis-Latan de volta ao cadeirão, amarrando-o. O senhor da
galáxia continuava gritando, ininterruptamente. Suas palavras estavam cada vez mais
incoerentes.
Rhodan tomou uma resolução.
— Pode interrogá-lo mais uma vez — disse ele a Atlan. A um sinal do arcônida, o
Major Redhorse trouxe o aparelho.
Rhodan teve sua atenção desviada, quando a Crest III penetrou novamente no
espaço normal. Eles se encontravam a menos de cem anos-luz de distância do sistema
Big Blue. O Coronel Rudo aproximou-se da proteção contra rastreamento oferecida por
um sol desconhecido.
O rastreamento de energia de velocidade ultraluz entrou em funcionamento.
Minutos mais tarde, a avaliação denunciou que no setor de Vario tinha havido uma
descarga monumental de energia. O planeta no qual os senhores da galáxia haviam
erigido o seu alçapão do tempo transformara-se num pequeno sol.
Os rastreamentos continuaram. Rhodan deixou a Cart Rudo controlar os resultados
e tomar as providências cabíveis. Nenhuma nave tefrodense estava nas proximidades.
— Podemos começar! — chamou Atlan. — O neurodestramador está ligado.
— Os pensamentos de nosso prisioneiro estão perturbados — informou John
Marshall. — Não recebo nenhum impulso claro.
— Correto — confirmou Gucky. — Eu receio que o senhor da galáxia não esteja
mais em condições de ser interrogado.
— Vamos tentar — decidiu Atlan. Ele fez algumas ligações, depois aproximou-se
de Nevis-Latan. A testa do senhor da galáxia estava coberta de suor. Os seus olhos
injetados de sangue olhavam Rhodan e o arcônida, sem entender.
— Nevis-Latan! — gritou Atlan. — Nevis-Latan! Está me ouvindo?
O homem amarrado resmungou. O seu corpo estremeceu. As cordas se esticaram,
enquanto ele se debatia.
— O senhor e sua organização cometeram mais crimes do que qualquer outra
potência dentro de duas galáxias — disse Atlan. — Mas agora o seu fim chegou.
Rhodan lançou um olhar aborrecido ao arcônida, mas Atlan preferiu desconsiderá-
lo.
— O que é que... o senhor quer? — conseguiu dizer Nevis-Latan, com um tremor na
voz.
— Quantos membros tem a sua organização? — perguntou Atlan.
Nevis-Latan fez ouvir um ruído gargarejante que lhe escapou da garganta. O seu
queixo caiu. Ele ria, loucamente.
— Você terá que colocar a pergunta de modo diferente — interveio Gucky.
— Quantos senhores da galáxia existem? — perguntou Atlan, rápido.
Nevis-Latan chegou a empinar parte do corpo. Nos seus olhos refulgia um ódio
violento. A sua risada, que ecoava pela sala de comando, fez passar um frio na espinha
dos cosmonautas presentes.
— Sete! — berrou Nevis-Latan, com voz estridente. — São apenas sete!
Estas foram suas últimas palavras. O seu corpo ficou mole. Por mais uma vez uma
força vital muito forte parecia conseguir vencer, porém logo então aquele bloqueio de
segurança venceu o consciente do senhor da galáxia.
Nevis-Latan morreu, antes de poderem livrá-lo das amarras.
— Ele já estava louco — disse John Marshall. — Ele já nem mais sabia do que
estava falando.
Atlan retirou as conexões do neurodestramador da cabeça do senhor da galáxia. Mas
continuou em silêncio.
— E então? — perguntou Rhodan asperamente. — Onde é que está o sucesso do
seu interrogatório? Talvez no fato de que nós o levamos definitivamente para a morte?
— Não — retrucou Atlan. — Nós agora sabemos que só existem sete senhores da
galáxia.
Rhodan olhou-o, incrédulo.
— Você acha que...?
— Eu acho que ele falou a verdade — retrucou Atlan.
— Nós já sabíamos que os senhores da galáxia são um povo muito pequeno. Agora
temos a certeza...
— Mas sete homens... — começou Rhodan.
— Eu estou tão perplexo como você — disse Atlan. — Entretanto, não temos
nenhuma razão para duvidarmos de suas palavras.
Rhodan não respondeu. Ele estava pensando sobre as últimas palavras de Nevis-
Latan. Talvez tivessem sido uma mentira, uma tentativa desesperada de prejudicar o
adversário, ainda no último instante.
Eles, algum dia, ficariam sabendo da verdade?
— Levem-no para a enfermaria! — ordenou Rhodan.
Atlan abriu a jaqueta do morto, tateando o seu corpo.
— O ativador de células, evidentemente, deve ter se dissolvido logo após a sua
morte — informou ele aos homens da Crest III. — De qualquer modo, ele desapareceu.
Rhodan anuiu. Este era ainda um outro mistério, que Nevis-Latan lhe deixara após a
sua morte, para resolver. Em silêncio Rhodan ficou olhando os dois medo-robôs levando
o morto para fora da sala de comando. Na enfermaria eles confirmariam a morte do
senhor da galáxia. O seu cérebro fora destruído, e ele não podia mais ser trazido de volta
à vida.
Rhodan sorriu, forçadamente.
— Eu esperava que nosso regresso ao tempo real fosse um motivo para festejarmos
— disse ele. — Mas, no momento não sinto muita vontade de festejar.
— Nós estamos muito cansados — disse Atlan.
Rhodan bateu contra o seu ativador de células.
— Cansados? — ele sacudiu a cabeça. — Nós não conhecemos o cansaço.
— Existem diferentes tipos de cansaço — retrucou Atlan.
Rhodan viu que uma figura suja, barbada, entrou na sala de comando. Era Olivier
Doutreval, o rádio-operador, que evidentemente ainda não encontrara tempo para
desfazer-se de sua fantasia de alariano.
Rhodan voltou-se para Cart Rudo.
— Nós temos que alcançar KA-barato, o mais depressa possível, coronel — disse
ele. — Logo que os rastreamentos forem executados, vamos partir.
Rudo confirmou, e Rhodan olhou para Doutreval, interrogativamente.
— Por favor, sir, eu lhe peço para dar uma contra-ordem — disse o rádio-operador,
desesperado.
Rhodan olhou-o, sem entender.
— Que contra-ordem? — quis ele saber.
— O senhor está exigindo de nós que continuemos a representar o papel de
alarianos — disse Doutreval. — De qualquer modo, é isso que afirma o sargento Surfat.
— O sargento Surfat não tem autoridade para dar esse tipo de ordens, invocando o
meu nome para isso — declarou Rhodan, tentando esconder um sorriso.
Doutreval coçou a sua barba desgrenhada.
— Isso quer dizer, sir, que eu posso tomar banho?
— É claro — disse Rhodan.
Doutreval disse, agitado:
— Eu jamais poderia imaginar que algum dia poderia desejar uma ducha quente
com tanta sofreguidão, sir.
E saiu quase correndo. Rhodan voltou-se para Gucky.
— Eu tenho uma missão especial para você, baixinho. Tome todas as providências
para que o sargento Surfat seja lavado, escovado, barbeado, e vestido conforme o
regulamento.
Gucky mostrou o seu dente roedor, cheio de entusiasmo, esfregando as patas.
— Olhe, não há nada que eu gostaria mais de fazer! — piou ele.
Alguns minutos mais tarde, os gritos desesperados de Surfat, pedindo socorro,
chegavam até a sala de comando, vindos dos banheiros. Eles apenas pararam quando os
outros membros do comando “alariano” já estavam lavados e vestidos. Gucky declarou,
mais tarde, que o sargento Brazos Surfat tinha sido o mais sujo de todos. Mas ninguém,
muito menos o sargento, acreditou nele.
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