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OS CONQUISTADORES
DO TEMPO
Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Os homens do tender da Frota iludiram o alçapão do
tempo de Vario. Penetraram no passado, para levar ajuda a
Perry Rhodan.
Apesar de não chegarem a tempo para um encontro com a
Crest, os homens do tender encontraram um meio para entrar
em contato com Perry Rhodan.
Memotransmissores foram colocados em pontos
estrategicamente importantes — e os vivos ouviram a mensagem
dos mortos.
Com os propulsores kalup encontrados junto com o tender,
a Crest consegue, por caminhos sinuosos, deixar a galáxia e
voar para a Nebulosa de Andrômeda, de onde deve ser
organizado o salto de cinqüenta mil anos no tempo.
Pioneiros e preparadores do caminho desse ousado
empreendimento são nove sujos “vagabundos espaciais” e o
rato-castor Gucky, que pousam, em missão secreta, na nova
Lemúria.
Os supostos vagabundos espaciais querem apoderar-se de
Nevis-Latan, um dos senhores da galáxia, para poderem
novamente chegar ao tempo real do ano 2.404.
Gucky e estes nove homens são, na realidade, os
verdadeiros Conquistadores do Tempo.

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — O Administrador-Geral faz o papel de um
vagabundo.
Atlan — O companheiro de Perry Rhodan mantém preparado
um “neurodestramador” — para qualquer emergência.
Gucky — O rato-castor quase mata de medo dois policiais.
Tannwander — Chefe de uma organização subversiva — e
auxiliar involuntário dos terranos.
Nevis-Latan — Quem conseguir iludir este homem — iludirá o
tempo.
André Noir — Hipno do Exército de Mutantes.
Dromm — Um homem de negócios lemurense.
1

O pesado planador à turbina, de construção lemurense, teria possibilidade de voar


com muitas vezes a velocidade do som. Entretanto apenas pairava devagar por cima da
gigantesca cidade, como se seus onze passageiros, oito terranos, um arcônida e dois
lemurenses, tivessem todo o tempo do Universo à sua disposição.
Mas esse tempo eles não tinham. Muito ao contrário: exatamente cinqüenta mil anos
separavam os oito terranos e o arcônida do seu tempo real. A distância, no espaço, de sua
pátria, não era menos fantástica. Consistia em exatamente 1.450.000 anos-luz, ou seja,
1.450.000 vezes 9.463 bilhões de quilômetros.
Tannwander, o jovem chefe da maior organização subversiva lemurense, estava, de
pé, atrás do piloto, olhando a cidade lá embaixo. De um lado, o lemurense viu uma
comprida serra de montanhas, cujo cume mais elevado alcançava quase dez mil metros de
altura. Do outro, estendia-se o espaçoporto de Atarks, adentrando a grande planície de
Taman.
Atarks era mais bonita que Stolark, a outra grande cidade da Lemúria. Tannwander
sorriu. Também em Atarks ele não gostaria de morar. O seu reino era uma ilha em meio
ao oceano, cujas instalações subterrâneas lhe eram tão familiares.
Que ele se encontrasse, já há dias, fora do seu reino, tinha a ver principalmente com
os nove estranhos, que afirmavam serem alarianos. Sujos e esfarrapados como alarianos
legítimos eles estavam — e até fediam como estes.
Mas esta era a única coisa que eles tinham em comum com os habitantes de Alara
IV. Porque, perguntava-se Tannwander, ele continuava ajudando esses sujeitos? Às vezes
ele não conseguia livrar-se da sensação de que os estranhos o estavam influenciando
secretamente. Mas como, perguntava-se ele, era possível que eles o fizessem?
Logo que eles haviam saído de Stolark, Tannwander, a princípio, decidira separar-
se dos falsos alarianos. Porém agora, a sete mil metros acima de Atarks, ele ainda
continuava com eles. Ele informara ao seu lugar-tenente, Ogip, de que não regressaria,
tão cedo, à ilha.
— Acha que podemos arriscar-nos a pousar, depois do que aconteceu em Stolark?
— uma voz arrancou-o dos seus pensamentos.
Tannwander virou-se. O chefe alto, delgado, dos estranhos havia falado. Ele dizia
chamar-se Schintas, mas Tannwander estava convencido de que este não era o seu
verdadeiro nome.
— Nós podemos pousar tranqüilamente — retrucou ele. — Depois da morte de
Trahailor, Ostrum certamente estará muito ocupado para poder nos caçar.
Perry Rhodan, que agora dizia chamar-se Schintas, anuiu, pensativo. Estava
pensando se não seria mais vantajoso se informasse Tannwander a respeito dos reais
motivos do fim de Trahailor. Tannwander acreditaria que o Conselheiro Trahailor fora
assassinado pelo seu colega Nevis-Latan?
Tannwander acreditaria que Nevis-Latan era um dos senhores da galáxia, um ser
que não recuava diante de nada, para consolidar o poder de sua organização?
“Não”, pensou Rhodan. Ele lembrou-se que já haviam tentado, uma vez, falar
claramente, e dizer tudo ao lemurense. Tannwander não acreditara no que lhe haviam
dito. Aliás, era difícil fazer com que ele entendesse as verdadeiras razões por trás dos
acontecimentos ocorridos em Vario.
Seria melhor que Tannwander ficasse sabendo apenas uma parte da verdade,
ficando permanentemente sob o controle do hipno André Noir.
— Pouse! — ordenou Tannwander ao piloto do planador.
Waynton, o piloto, estava com a cabeça enfaixada. Numa luta com os homens de
Ostrum, ele sofrera queimaduras. Apesar dos seus ferimentos, entretanto, ele continuava
no seu trabalho. Para Rhodan, esta era mais uma prova da admirável fidelidade com a
qual os seguidores de Tannwander apoiavam o chefe de sua organização.
Em círculos cada vez menores, o planador foi descendo, em direção a um campo de
estacionamento.
Rhodan tinha esperanças de que Gucky ainda estaria escondido em alguma parte em
Atarks, esperando por eles. Ele agora precisava, sem falta, da ajuda do rato-castor. O
teleportador Tako Kakuta não podia iniciar a caçada a Nevis-Latan sem o apoio de
Gucky. Os planos de Rhodan, sobre esta caçada, ainda não estavam muito claros. Tudo
dependia se Kakuta ou Gucky ainda conseguiriam, uma vez mais, penetrar no escaler, no
qual eles haviam chegado a Vario.
Era quase no fim da tarde, quando o aparelho de Tannwander pousou no campo de
estacionamento.
— Ordeno-lhe que procure, imediatamente, um tratamento médico — disse
Tannwander a Waynton.
O piloto hesitou, porém logo deixava o planador, sem retrucar. Tannwander voltou-
se para os nove homens.
— O que pretendem fazer agora? — quis saber ele.
— Precisamos de um alojamento — disse Atlan. — E precisamos arranjar um, sem
chamarmos a atenção. Talvez o senhor possa arranjar-nos um quarto grande, numa parte
tranqüila da cidade.
— Não seria melhor entrarmos em contato com Juvenog? — sugeriu Don Redhorse.
Rhodan sacudiu a cabeça. Juvenog era o representante alariano em Vario, que
atualmente era chamado de Lemúria. Bastava que Tannwander fosse informado sobre as
suas metas. Quanto mais pessoas fossem informadas do seu regresso a Atarks, maior
seria o perigo de que as suas intenções fossem descobertas.
— Como, de qualquer jeito, eu ainda vou ficar alguns dias em Atarks, os senhores
poderão ficar em minha casa — declarou Tannwander. — É ali que eu fico sempre, cada
vez que tenho alguma coisa para resolver por aqui. Mas vou ter pouco tempo disponível
para vocês. Tenho que tentar retomar de Ostrum os quartzos oscilantes que ele lhes
roubou.
Rhodan declarou-se de acordo. Para ele seria até bom que Tannwander não
estivesse constantemente por perto. O Administrador-Geral deu uma olhada nas suas
roupas, e fez cara de nojo. Do jeito que eles estavam, seria impossível aparecerem na rua.
Até mesmo alarianos não apareceriam em público imundos desse jeito.
Tannwander parecia também ter a mesma preocupação, pois ofereceu-se, antes de
mais nada, para ir arranjar nove capas usadas.
— Os senhores podem esperar por mim dentro do planador — disse ele. — Logo
estarei de volta.
O lemurense deixou o planador. Pela carlinga Rhodan pôde ver que ele se afastava
rapidamente. Rhodan sabia que seus acompanhantes, que não dispunham de um ativador
celular, estavam exaustos e abatidos. Brazos Surfat, Olivier Doutreval,
Lastafandemenreaos Papageorgiu, Chard Bradon e Don Redhorse precisavam,
urgentemente, de um dia de descanso. Os mutantes Kakuta e Noir, bem como ele e Atlan,
poderiam, entretanto, dedicar-se, sem interrupção, ao seu problema, que, em poucas
palavras, consistia no seguinte: achar Nevis-Latan e induzir o senhor da galáxia a
possibilitar o regresso deles ao tempo real.
Bem no meio da espaçosa carlinga ocorreu, repentinamente, uma cintilação que
interrompeu os pensamentos de Rhodan. Gucky materializou, pousando nos joelhos de
Rhodan.
— Eu já estava com medo de nunca mais rever vocês — disse ele, em tom de
queixa. — O tempo todo tive que me esconder no canal de esgotos subterrâneo. À noite
eu ia dormir em lojas de departamentos — a lembrança dessas lojas lemurenses fez-lhe
fazer um gesto pejorativo. — Em toda a cidade é impossível conseguir-se uma única
cenoura. Não é de admirar que todos esses sujeitos estejam tão pálidos, já que não se
dedicam ao cultivo de cenouras.
— Nós temos um novo amigo — interrompeu Rhodan a verborragia do rato-castor.
E cocou Gucky, aliviado, atrás das orelhas.
— Eu tomei a liberdade de pegar esses fatos no seu pensamento — disse Gucky. —
Tannwander vai voltar a qualquer momento, para dar a todos vocês um aspecto mais
digno, de homens de bem. E então eu terei que sumir novamente.
— Sim, mas com uma tarefa — disse Rhodan. — Você terá que tentar chegar ao
escaler. De lá você retira o aparelho de microrrádio, sempre que os lemurenses ainda não
tenham descoberto o seu esconderijo. Depois disso você precisa tentar contatar a Crest,
via rádio. A tripulação precisa ficar sabendo que nós descobrimos um senhor da galáxia.
Não esqueça que você poderá apenas emitir um impulso muito curto, caso contrário
poderão detectar o transmissor, por rastreamento.
— Quer dizer que o homem que precisamos encontrar chama-se Nevis-Latan —
disse Gucky, que mais uma vez espionava nos pensamentos dos seus amigos. — Como
ele é um conselheiro, vai ser difícil nos aproximarmos dele.
— Existe uma possibilidade sobre a qual, até então, nada sabíamos — disse
Rhodan. — Tannwander chamou-nos a atenção para a mesma.
Gucky mostrou o seu dente roedor.
— Nevis-Latan é um entusiasta da pesca submarina de profundidade — tirou ele
dos pensamentos de Rhodan. — Mas o que é que isso tem a ver com nossos planos? Ah!
Já estou entendendo...
— Chega de falatório — interrompeu-o Rhodan. — Está na hora de você começar o
seu trabalho. A vida nas lojas de departamentos lemurenses parece que não lhe fez muito
bem. Engordou muito.
— Os gordos são bonachões — declarou Gucky, gravemente. — Olhe só Brazos
Surfat. Ele é um sujeito tão bonachão que...
Gucky desmaterializou, quando o sargento Surfat precipitou-se na sua direção, com
um gesto inequívoco.
— Nevis-Latan virá para Atarks — disse Rhodan, depois que o rato-castor
desaparecera. — Isso pode acontecer amanhã mas também pode levar dez ou mais dias.
De qualquer modo, nós vamos esperá-lo. E num lugar no qual ele não pensaria, nem
mesmo se soubesse de nossa presença por aqui.
2

Os despenhadeiros das montanhas íngremes pareciam como se alguém tivesse


derramado cera líquida por cima dos seus picos. A tempestade tocava, diante de si,
nuvens de cristais de amoníaco, em torvelinho, que faziam com que se agregassem,
formando bolotas informes que caíam ao solo recoberto de gelo, onde dançavam para
cima e para baixo, como bolinhas brancas.
“Caos”, pensou John Marshall, ao olhar para o grande telão de imagem, no qual
aparecia nitidamente o ambiente que rodeava a Crest III. O caos de um mundo destruído
pela violência. Antigamente, neste planeta, haviam vivido os maahks, porém as bombas
dos lemurenses haviam destruído as suas cidades. O planeta todo irradiava radiatividade.
“Um esconderijo macabro”, pensou John Marshall.
Ele olhou para o pequeno calendário-relógio, por cima dos controles.
30 de outubro de 2.404. Esta data era válida para o tempo real. A bordo do
ultracouraçado havia-se mantido a contagem de tempo original. Os calendários pareciam
a Marshall um símbolo da decisão da tripulação, de regressar novamente ao tempo real.
O mutante baixou a cabeça. Há treze dias atrás, Perry Rhodan e seus acompanhantes
haviam partido para Vario. Até agora não se tivera qualquer notícia do pequeno grupo, a
bordo da nave-capitânia da Frota Solar, de 2.500 metros de diâmetro.
Isso não era motivo de pânico, mas certamente inquietava. O que deveriam fazer, se
Rhodan não voltasse mais? Marshall nem ousava pensar numa tal possibilidade.
Novamente ele olhou ateia de imagem. Como um animal indomável, a tempestade
lançava-se montanhas abaixo, atirando-se com uma fúria inacreditável contra a superfície
externa da Crest III. Mas ela poderia tentar sacudir as montanhas, com o mesmo efeito. A
nave mais poderosa que jamais a mão dos homens construíra, mantinha-se, inabalável,
diante das forças naturais deste mundo.
No pequeno vale, diante do qual a Crest III pousara, havia as ruínas de um
povoamento maahks. Os restos de colunatas, antes maciças, lembrava Marshall de
gigantescos dentes cariados. Dentro de poucos anos, a sua vigília solitária chegaria ao
fim. Ruiriam, sendo recobertas pela neve amoniacal.
Quando Marshall mais uma vez tirou os olhos da tela de imagem, deu-se conta outra
vez do fato de que não estava sozinho na sala de comando da Crest III.
Cart Rudo, o comandante epsalense da nave, bem como alguns oficiais, estavam
com ele. Também Icho Tolot estava parado, silencioso, junto à entrada de um elevador
antigravitacional. O gigante halutense, até agora, não encontrara respostas para as
perguntas que ocupavam as mentes da tripulação.
Nenhum dos homens que agora estavam na sala de comando tinha uma razão
precisa para estarem reunidos ali. Mas a sua inquietação acabava sempre trazendo-os a
este recinto. Apesar de ninguém falar do assunto, todos aguardavam ansiosamente uma
notícia de Rhodan.
Dificilmente um oficial podia ser encontrado no seu camarote. Parecia que todos os
homens responsáveis queriam conjurar o destino, apenas com sua presença física na sala
de comando.
O sol deste planeta-metano ficava afastado 5,6 anos-luz de Big Blue. Com o
telescópio do observatório de bordo, Big Blue seria facilmente visível, se não houvesse
uma atmosfera turbulenta de hidrogênio e metano, que impossibilitava qualquer visão do
espaço cósmico.
A Crest III estava em segurança, mas que tipo de segurança era essa?
Era a segurança do mais fraco, que se refugiara aqui, para esconder-se, mas que
teria que sair novamente deste esconderijo, se quisesse continuar vivendo.
John Marshall sabia que ele, com seu ativador de células, podia sobreviver durante
décadas no interior desta nave, enquanto os membros da tripulação lentamente iriam
envelhecendo e morreriam. Não era uma idéia agradável, ter que viver com os outros
mutantes, sozinhos, numa nave gigantesca, cinqüenta mil anos longe do seu próprio
tempo.
O telepata esforçou-se para pensar em alguma outra coisa, porém suas reflexões
teimavam em voltar sempre ao mesmo ponto.
Marshall deixou o seu lugar diante da tela de imagens e atravessou a sala de
comando, sem ter uma meta definida. Perto de Icho Tolot ele resolveu parar. O halutense
olhou-o, fixamente.
“Curioso”, pensou Marshall, “eu agora já o conheço tão bem, que sou capaz de
reconhecer determinados sentimentos, até mesmo nas suas feições nada humanas.”
— O senhor está inquieto — verificou Tolot. Marshall teve que rir.
— E quem não está? — perguntou ele, irônico. — Nós somos a tripulação mais
inquieta que já houve.
— Está cheio de preocupações — continuou Tolot.
“Meu Deus”, pensou Marshall, horrorizado. “Certamente ele não vai me fazer um
monólogo a respeito do meu estado de ânimo...”
Um ruído fez com que ele se voltasse imediatamente, olhando para a cabine de
rádio. O receptor do hiper-rádio dera um sinal.
— Passe-me imediatamente a notícia, Sparks! — gritou o Coronel Rudo.
Com passadas formidáveis Tolot passou por Marshall, uma figura monstruosa, a
cuja visão, entretanto, todos os terranos já se haviam acostumado há muito tempo.
Marshall também encaminhou-se.
— A transmissão de rádio durou apenas alguns nanosegundos, sir! — gritou o
rádio-operador. — Trata-se de um microssinal “S”.
Era o sinal previamente combinado. Marshall gostaria de poder dar um grito de
alegria. Os homens haviam se levantado, de um salto, dos seus lugares, falando todos ao
mesmo tempo. Marshall sabia por que apenas este micro impulso fora passado para eles.
Qualquer transmissão de rádio maior, com toda certeza teria sido interceptada pelos
lemurenses.
— Rhodan encontrou um dos senhores da galáxia, em Vario — disse o Coronel
Rudo. — Com a ajuda do seu rastreador de impulsos ele descobriu o portador do ativador
de células.
Os oficiais congratulavam-se. O Coronel Rudo comunicou a feliz notícia a toda a
tripulação, através do intercomunicador de bordo. A mensagem do Administrador-Geral
daria novo ânimo aos cosmonautas já tão abatidos.
John Marshall voltou-se para Icho Tolot.
— O senhor continua sem dizer nada — certificou-se ele. — Tem alguma dúvida,
com respeito à mensagem?
A pergunta de Marshall foi recebida com um silêncio imediato na sala de comando.
Os homens, todos, olharam para Icho Tolot.
— Encontrou outro cabelo na sopa, Tolot? — gritou-lhe o Capitão Conrad
Nosinsky.
— Lastimo ter que conter um pouco o entusiasmo dos senhores — retrucou Tolot,
imperturbável. — Mas os senhores mesmos terão que convir que a descoberta de um
senhor da galáxia em Vario, a nova Lemúria, traz consigo determinadas conseqüências.
— Do que está falando? — perguntou o Tenente Drav Hegmar. — Afinal, o que
está querendo dizer? O senhor mesmo deu o seu sinal verde para a missão de Rhodan em
Vario. A meta do Administrador-Geral e dos seus acompanhantes, afinal de contas, era
exatamente esta — encontrar um senhor da galáxia, e através dele, um caminho para o
tempo real.
Tolot esperou, paciente, por outros reparos.
— Eu recomendei a missão de Rhodan, está certo — concedeu ele. — Porém nunca
pensei que os homens fossem encontrar um senhor da galáxia em Lemúria.
Suas palavras provocaram um verdadeiro tumulto. Se Icho Tolot dizia uma coisa
dessas, é porque tinha razões de peso para isso. O halutense possuía um cérebro-
computador, com a ajuda do qual ele chegava, com a velocidade do raio, a combinações
lógicas.
— O senhor acha, portanto, que o microssinal recebido é um blefe? — quis saber
Melbar Kasom.
— Ao contrário, estou convencido de que Rhodan realmente encontrou o nosso
grande adversário — disse Tolot, sem se importar com o novo tumulto que suas palavras
provocaram. — Não lhes parece estranho, que exatamente na hora certa, um senhor da
galáxia surge no passado de Vario? — perguntou Tolot, agora agitado.
Marshall sentiu como o seu alívio inicial se esvaía. Ele imaginava o que Tolot
estava querendo dizer, e sabia que o halutense tinha razão.
— O senhor supõe que o senhor da galáxia está em Vario, para esperar pela Crest
— deduziu o coronel Cart Rudo. E ele pôs em palavras exatamente o que Marshall
também estava pensando.
— E não é apenas isso! Além disso, está exatamente informado sobre o tempo em
que a Crest fugiu para a Nebulosa de Andrômeda — disse Icho Tolot. — Ele está
exatamente no lugar certo, para impedir que nós possamos regressar ao presente.
— O senhor pode estar com a razão — observou o Major Hefrich, cauteloso.
Tolot fez um gesto decisivo. - Para que vamos nos enganar? — disse ele. — Os
senhores da galáxia têm a possibilidade de rastrear toda e qualquer transposição do tempo
com seus detectores de campos de zero absoluto. Eles sabem exatamente, no minuto,
onde a Crest se encontra. Caso a linha do tempo tivesse sofrido uma transposição de
apenas um minuto, o senhor da galáxia jamais teria sido encontrado por Rhodan e seus
homens. Nosso adversário não está em Vario, para tomar medidas contra os lemurenses.
Ele recebeu, isso sim, a incumbência de procurar por nós, de nos destruir.
— Nesse caso, o grupo de Rhodan encontra-se em grande perigo! — gritou o Major
Bernard, agitado.
Tolot fez que sim. Marshall questionou-se porque ele mesmo não chegara a esta
conclusão. Por que um senhor da galáxia se submeteria à complicada transposição no
tempo, se não tivesse uma meta muito especial em mente? E por que ele se dirigiria
exatamente para o ano 49.488 antes de Cristo, se não esperasse encontrar a Crest III ali?
Cart Rudo ergueu-se de sua cadeira.
— Não podemos responder a Rhodan pelo rádio — disse ele. — Isso apenas
aumentaria o perigo para ele. Eu tenho uma outra sugestão. Dois voluntários partirão num
jato-mosquito para o sistema de Big Blue, e tentam entrar em contato com o grupo de
Rhodan. Uma nave tão pequena e ágil certamente poderá avançar sem grande perigo.
— Um dos voluntários terá que ser um mutante, para, em caso de necessidade,
poder fazer contato com Gucky — disse Marshall. — Por esta razão eu irei.
— Se concordar, eu o acompanharei — disse o Tenente Drav Hegmar.
Marshall lançou um olhar para o oficial de cabelos pretos, e anuiu. Hegmar era um
homem decidido, exatamente o homem certo para a missão planejada.
— Não temos tempo a perder — disse o mutante.
***
O caça-mosquito, de 26 metros de comprimento, surgiu repentinamente, saindo do
espaço linear. O Tenente Drav Hegmar estava nos controles de pilotagem. John Marshall
estava sentado, bem próximo, atrás dele. Quando o mutante se virava, conseguia ver a
diminuta eclusa de ar do caça de dois homens.
As duas telas de imagem eram tomadas inteiramente por Big Blue. Marshall
examinou a aparelhagem de rastreamento.
— Quatro espaçonaves estão neste setor do espaço — disse ele para Hegmar. —
Mas estão demasiadamente longe, para poder rastrear-nos.
— Nos aproximamos de Vario? — perguntou Hegmar.
— Sim — decidiu John Marshall.
Por um instante, ele penetrou com seus dons parapsicológicos nos pensamentos de
Hegmar, não para espioná-lo, mas para certificar-se do estado de espírito do homem.
Curiosamente, Hegmar estava calmo, talvez até mais calmo que Marshall.
“Tanto melhor”, pensou o mutante.
— Vou ligar o campo energético de proteção — disse Hegmar.
Marshall deu sua aprovação. O micro conversor de construção kalup fora desligado
por Hegmar. Marshall sabia que os pequenos mas eficientíssimos hiperpropulsores dos
jatos-mosquitos, eram construídos em Siga. De passagem, ao ter esta idéia, Marshall
lembrou-se do siganês Lemy Danger.
— Uma nave espacial desapareceu da tela de rastreamento — informou Marshall ao
piloto. — Provavelmente mergulhou no hiperespaço.
Hegmar disse, com a voz gelada:
— Temos conosco três bombas para o canhão conversor. Elas seriam exatamente
suficientes para estas três naves restantes.
— Mas não é para isso que nós estamos aqui — censurou-o Marshall. — Não sabia
que o senhor gostava de batalhas espaciais.
Hegmar sorriu.
— Na realidade não gosto, sir. Mas, na medida em que penso num contato com o
inimigo, não receio, absolutamente, pela nossa sorte.
Marshall olhou, perplexo, para as costas largas de Hegmar. Parecia que cada
membro da tripulação da Crest III, ultimamente, tinha desenvolvido o seu método
próprio, para não precisar pensar onde se encontravam. “Acho que já chegou a hora”,
refletiu o telepata, “de que também eu procure uma distração para mim.”
O planeta Vario, chamado Lemúria pelos lemurenses, agora mostrava-se claramente
na tela de rastreamento. Marshall ficou observando as três naves, das quais uma também
se dirigia para aquele mundo de oxigênio. Hegmar estava assobiando baixinho para si
mesmo. Provavelmente estava contente, por não precisar ficar esperando a bordo de Crest
III, sem ter nada para fazer.
— Logo que chegarmos a um milhão de quilômetros de distância de Vario, o senhor
vai ter que acelerar — disse
' Marshall para Hegmar. — O principal é que tudo se faça muito depressa.
Hegmar fez que sim com a cabeça. O aparelho de rádio da micronave havia sido
ligado. Marshall contava com a possibilidade de serem rastreados por alguma nave
lemurense, que certamente os interpelaria pelo rádio. Neste caso, eles teriam que pensar
em alguma coisa, para enganar os lemurenses.
— Vou acelerar agora, sir! — gritou Drav Hegmar. Um jato-mosquito tinha a
capacidade de acelerar até 700 km/seg2. Entretanto, Hegmar não precisou chegar até este
ponto.
Nas telas de imagem parecia que o caça estava caindo ao encontro do planeta.
Marshall viu que, mais de vinte pontos luminosos surgiram na tela de rastreamento
espacial. Isto era, sem dúvida, uma esquadrilha de vigilância lemurense, que até então se
mantivera na proteção do Big Blue, para evitar rastreamentos.
— Vinte e três novos rastreamentos, tenente! — disse Marshall, calmo.
Hegmar bateu no canhão energético, que junto com o canhão conversor, fazia do
jato-mosquito um adversário muito perigoso.
— Acha que nos rastrearam?
Marshall ficou olhando a tela de imagens. A rota de vôo da esquadrilha, até o
momento, não era motivo para preocupações. Porém isso poderia modificar-se
rapidamente.
— Tudo em ordem! — Marshall tranqüilizou o piloto. O jato se precipitava ao
encontro de Vario. Big Blue agora ficava perpendicularmente “atrás” e já não mais podia
ser visto nas telas. Uma das três naves que haviam sido rastreadas previamente,
desapareceu no hiperespaço.
— Não penetre na atmosfera — ordenou Marshall. — Agora eu logo irradiarei o
impulso curto codificado.
Os diversos continentes de Vario podiam ser distinguidos nitidamente. Também
grandes formações de nuvens podiam ser vistas por Marshall sem dificuldade.
— Chegamos ainda mais perto? — quis saber Hegmar.
— Tem alguma dúvida?
— Uma sensação esquisita, sir! — disse Hegmar.
Sua voz, entretanto, parecia divertida.
O jato passou, em grande velocidade, por cima do lado-dia de Vario, sem penetrar
na atmosfera. Marshall curvou-se sobre a aparelhagem de rádio. Segundos depois havia
sido irradiado um microimpulso.
— Agora só precisamos ainda esperar pela resposta — disse Marshall.
Uma olhada nas telas de imagem mostrou-lhe que a esquadrilha de vigilância
mudara a sua rota. Aproximava-se de Vario. As naves, visivelmente, estavam acelerando
ao máximo.
— Vamos ter visitas! — avisou o mutante, com a voz abafada.
Hegmar curvou-se para trás, para poder ver as telas de imagem. Não disse nada.
Marshall gostaria de dar a ordem para a fuga, mas eles tinham que esperar, o maior tempo
possível, pela confirmação pelo rádio. O impulso curto, codificado, que o mutante
irradiara, devia servir para chamar a atenção de Perry Rhodan, para as constatações de
Tolot.
As vinte e três naves lemurenses abriram-se em leque. Esta era a prova de que eles
haviam descoberto a micronave. Outros sinais do rastreamento indicavam que, da
superfície de Vario, outras naves partiam, para participar da caçada ao objeto voador
desconhecido.
O receptor deu sinal. Marshall recostou-se para trás e respirou aliviado. Porém, em
lugar do esperado impulso curto, ecoou a voz de um lemurense.
— Aqui fala o Comandante Zabot. Rádio ao comandante do objeto voador
desconhecido no setor três. Identifique-se! Repito: identifique-se imediatamente!
Marshall inverteu e disse em perfeito tefrodense:
— Poderia imaginar que eu sou sua avó, que veio visitá-lo, Zabot?
— Não! — gritou Zabot, irritado. Depois a ligação foi interrompida. Marshall
apertou os lábios. Os lemurenses começariam a atirar, tão logo alcançassem a distância
apropriada.
— Como é que está a coisa? — quis saber Hegmar.
— Vão tratar de nos rodear — disse Marshall.
Neste instante veio a confirmação da superfície do planeta. Marshall bateu no
ombro de Hegmar.
— É o sinal, tenente! Rhodan recebeu nossa comunicação cifrada. E agora, pé na
tábua!
O jato-mosquito acelerou novamente. Passou por cima do término, o limite entre dia
e noite. Imediatamente os perseguidores mudaram de rota. E aproximaram-se até uma
distância ameaçadora.
— Está ficando feio — disse Marshall.
O primeiro raio energético tateou através do espaço. Entretanto já perdera tanto de
sua força de impacto, que o campo energético de proteção da nave pôde absorvê-lo, sem
dificuldade. E então o jato adquirira a necessária velocidade. O kalup entrou em ação.
Seu fantástico desdobramento energético fez com que aquele pequeno objeto voador
explodisse a dimensão espaço-tempo.
O caça encontrava-se no espaço linear e em segurança.
Marshall tirou suas mãos dos controles da aparelhagem de rádio. Hegmar recostou-
se na sua cadeira e ligou o piloto automático. Logo eles estariam voando para dentro de
um dos hangares da Crest III.
O Tenente Drav Hegmar voltou-se para o mutante e sorriu.
— O que foi que o deixou tão alegre? — quis saber
Marshall.
Hegmar baixou os olhos.
— Uma avó lemurense — disse ele — eu sempre a imaginara de modo bem
diferente.
3

Gucky colocou os aparelhos, um depois do outro, na mesa baixa bem no meio do


recinto. E fez isso com certo orgulho, pois não fora inteiramente sem perigo que o rato-
castor conseguira penetrar no escaler, que em outros tempos pertencera à Eskila.
— Nove microprojetores de campos energéticos — disse Gucky, apontando para os
aparelhos oblongos, que acabara de colocar diante dos olhos dos seus amigos. — Um
micro aparelho de radiocomunicação com uma peça de decodificação. E — ele fez um
sinal com a cabeça para Atlan — um neurodestramador.
Rhodan ergueu-se de um salto, atravessou o recinto e primeiramente ficou parado
diante da mesa. Olhou o aparelho que Gucky dissera ser um neurodestramador.
— Foi uma excelente idéia, embutir estes elementos unitários nos elementos de
controle do escaler — disse Gucky, como se não tivesse observado o nervosismo de
Rhodan' — Os lemurenses naturalmente revistaram a pequena nave, mas nada
encontraram. Descobri o escaler num pavilhão abandonado, perto do espaçoporto.
Rhodan continuava com os olhos fixos no neurodestramador. Ouviu alguém
levantar-se, atrás dele, e se aproximar. Ele sabia que era Atlan.
— Furioso? — perguntou o arcônida.
— Eu nunca poderia imaginar que realmente iria trazer esse aparelho com você —
retrucou Rhodan, em voz baixa.
— Não mesmo? — Atlan riu, sem convicção. — Você vai achar isso impossível,
mas eu até pretendo fazer uso desse aparelhinho.
— É desumano — disse Rhodan.
— Não se preocupe com isso — recomendou Atlan. — Exatamente como você e
todos os outros membros da Crest eu gostaria de regressar ao presente. E para vencer os
seres que nos impedem de fazê-lo, qualquer meio é permissível.
— Uma tal opinião, quase podia ser chamada de primitiva — deixou escapar
Rhodan.
Ele sabia que não devia atacar o seu amigo com palavras desse quilate, mas agora
elas haviam sido pronunciadas, e ressoaram no recinto como um desafio que ninguém
pudera deixar de ouvir.
Atlan aproximou-se mais de Rhodan e tirou o neurodestramador da mesa. Segurou-
o com tanta força que os ossos dos seus dedos chegaram a ficar salientes e brancos.
— Talvez seja primitivo, lutar por sua própria vida — disse ele fazendo um esforço
para se controlar. — Mas eu irei...
— Ora, parem de brigar, vocês dois! — gritou Gucky, na sua vozinha estridente,
pois sabia que alguém tinha que fazer alguma coisa, e já. Uma desavença entre Rhodan e
Atlan só podia complicar as coisas ainda mais. — Além desses aparelhos, eu também
trouxe notícias ruins comigo — acrescentou o rato-castor.
— O que aconteceu? — perguntou Rhodan.
— Um jato-mosquito da Crest penetrou no sistema de Big Blue. Eles receberam
nosso microimpulso de rádio. Tolot receia, entretanto, que a presença, aqui, de um senhor
da galáxia prova que nossos adversários já estavam esperando por nós. Eles calcularam
os movimentos no tempo e no espaço do ultracouraçado com toda a exatidão, e tomaram
providências baseados nisso.
— Compreendo — disse Rhodan. — Quer dizer que Nevis-Latan está em Vario
para impedir que nós possamos regressar ao tempo real. Até agora, tínhamos esperança
de pegar o senhor da galáxia de surpresa.
Rhodan perguntou-se se os seus planos agora estariam caducos. Mas, apesar da
nova situação, eles teriam que tentar encontrar a estação secreta do senhor da galáxia.
Esta estação devia existir, pois Nevis-Latan não poderia controlar o transmissor de
tempo, de algum lugar numa cidade lemurense. O fato de que Nevis-Latan era conhecido
como entusiasta desportista mergulhador submarino deu aos nove homens o primeiro
indício procurado. A estação encontrava-se, provavelmente, em alguma parte no fundo de
um oceano lemurense.
— Será que Nevis-Latan já está informado sobre nossa presença aqui? — perguntou
Redhorse.
Redhorse olhou para o cheiene. Pelo seu aspecto aventureiro, o major dava a
impressão de membro de algum povo bárbaro.
— Não creio que o conselheiro saiba de alguma coisa a nosso respeito — disse
Rhodan. — Mas, a partir de agora, vamos ter que redobrar de cuidado, em todas as nossas
ações. O senhor da galáxia está contando com nossa aparição por aqui. Portanto estará
observando tudo à sua volta, constantemente.
Rhodan sabia que, no momento, eles estavam em segurança, na casa de
Tannwander. O jovem lemurense fora procurar Ostrum, para exigir de volta os quartzos
oscilantes, que ele adquirira, através de contratos legalmente feitos, dos nove supostos
alarianos. Ostrum não teria outra alternativa que entregar a Tannwander aqueles minerais
valiosos, caso contrário ele se exporia a violentas críticas de parte dos outros
conselheiros.
Ao mesmo tempo, Tannwander aproveitaria para dar uma olhada em Atarks,
informando-os imediatamente, caso Nevis-Latan surgisse por lá.
— Está chegando a hora de procurarmos uma nave espacial que possamos usar —
disse Atlan. — Caso conseguirmos apoderar-nos de Nevis-Latan, a nave terá que estar
pronta para partir.
— Tannwander vai nos ajudar a comprar uma — respondeu Rhodan. — Com os
quartzos oscilantes ele poderá adquirir várias, por isso não perde nada se nos devolver um
pouco de sua riqueza. Se ele, por acaso, recusar, André Noir o convencerá que é melhor
para ele trabalhar em conjunto conosco. A nave não deve medir mais de sessenta metros.
Logo que Tannwander voltar, vamos falar com ele sobre este assunto.
Antes de poderem continuar a conversa, o videofone tocou. Rhodan olhou,
hesitante, para o aparelho.
Papageorgiu, que estava sentado bem perto do mesmo, olhou para o Administrador-
Geral.
— Vamos atender?
Rhodan ficou refletindo por um instante. Não sabia quem estava chamando. Caso
alguém quisesse falar com Tannwander, e não soubesse nada dos hóspedes do lemurense,
provavelmente se assustaria, se visse aquelas figuras esfarrapadas e sujas na tela de
imagem. Por outro lado, seria um erro ligar apenas o gravador. Isso poderia despertar
suspeitas de algum lemurense curioso.
O aparelho tocou pela terceira vez.
— Se nós não atendermos ao chamado, a pessoa provavelmente virá procurar
Tannwander aqui em casa — disse Atlan.
Rhodan aproximou-se do videofone e ligou-o. A telinha começou a piscar. Rhodan
respirou aliviado, quando o rosto juvenil de Tannwander apareceu na mesma.
— Por que demorou tanto para atender? — perguntou o lemurense, chateado.
— Não sabíamos se devíamos atender — declarou Rhodan. — Poderia ter sido
algum estranho.
Uma prega apareceu, na vertical, na testa de Tannwander.
— Só amigos ligam para mim. E para estes eu não tenho segredos.
— Por que ligou para cá? — Rhodan desviou a conversa.
Tannwander sorriu.
— Acho que vão se interessar em saber que Nevis-Latan chegou à cidade, há uma
hora atrás.
Rhodan curvou-se para a frente.
— O que sabe a esse respeito?
— Muita coisa — retrucou Tannwander. — O conselheiro deu uma entrevista a
vários repórteres. Declarou que a morte repentina de Trahailor o deixou chocado. Por isso
pretende fazer caça submarina por alguns dias, para se distrair um pouco.
— Hum — fez Rhodan. — O senhor sabe a hora exata em que o conselheiro vai
partir para essa sua diversão?
— Dentro de algumas horas, acho eu — Tannwander fez um gesto impaciente. —
Acho melhor agora interromper essa chamada. Ainda tenho muito que fazer.
— Conseguiu os quartzos oscilantes? — perguntou Rhodan, rápido.
O lemurense sorriu, em triunfo. Aquilo dizia mais que muitas palavras. Rhodan
entendeu que Ostrum transigira.
— Quando voltar para sua casa, o senhor, junto com três homens, terá que liquidar
um assunto — disse Rhodan. — Todos juntos irão comprar uma pequena espaçonave.
— O quê? — deixou escapar Tannwander. — Uma espaçonave? Mas vocês não têm
dinheiro!
— Mas o senhor tem mais do que o bastante — retrucou Rhodan, suave. — O
suficiente. O senhor sabe muito bem o que valem os nossos quartzos oscilantes.
Tannwander não disse nada. Rhodan achou que o rapaz ia interromper a ligação,
porém logo Tannwander perguntou:
— Para que precisam de uma nave?
— Queremos voltar para Alara IV — disse-lhe Rhodan.
Tannwander bateu palmas e riu.
— Para Alara IV? Este, provavelmente, é o último planeta na Nebulosa de
Andrômeda que os senhores procurarão.
Rhodan fez que não ouviu.
— De onde Nevis-Latan vai partir para sua expedição submarina? — quis saber ele,
curto.
— Do porto de Palar, a cerca de duas milhas do centro de Atarks. O porto fica bem
perto da pequena cidade costeira de Wo-Kartan.
— O senhor vai ter que nos arranjar nove trajes espaciais e alguns paralisadores —
pediu Rhodan. — Além disso, precisamos de um planador. Será melhor se o senhor
deixar logo os trajes e as armas dentro do planador. Precisamos desse aparelho, à nossa
disposição, pronto para partir, dentro de uma hora.
Tannwander sorriu, zombeteiro.
— É só isso? — perguntou ele.
— No momento é — disse Rhodan. — O senhor vai conseguir arranjar tudo?
Tannwander sacudiu a cabeça, espantado.
— Eu acho que estou ficando biruta — disse ele. — Vou arranjar-lhes tudo. Só
gostaria de saber por que estou fazendo isso.
Rhodan poderia ter-lhe respondido esta pergunta facilmente. Porém não queria
perturbar a cabeça do lemurense inutilmente. Mais tarde, depois que eles tivessem saído
de Vario, Tannwander ficaria pensando, inutilmente, por que ele fizera diversas coisas
sem retrucar. Provavelmente jamais ficaria sabendo que ficara sob a influência do hipno
André Noir, transformando-se numa ferramenta destituída de vontade própria, de alguns
terranos desesperados.
Quando Rhodan novamente levantou a cabeça, a tela do aparelho se apagara. O
lemurense encerrara a ligação. O Administrador-Geral voltou para o seu lugar.
— As coisas estão acontecendo melhor do que eu esperava — disse ele. — Nevis-
Latan vai iniciar uma viagem submarina. Sem dúvida alguma ele irá procurar sua estação
submarina. Temos que estar no porto de Palar antes dele.
— O que pretende fazer? — quis saber Tako Kakuta.
Rhodan explicou. Era um plano desesperado. Um plano que só poderia ter sido
imaginado por um homem que não recuava diante de nenhum risco.
***
Tannwander atirou-se porta a dentro, agitando os braços, muito irritado.
— O senhor sabe o que significa arranjar nove trajes espaciais e nove paralisadores,
além de um planador, e para fazê-lo ter que esquivar-se de uma porção de perguntas
desagradáveis?
Rhodan levantou-se indo ao encontro do lemurense. Ainda não se passara uma hora,
desde que haviam conversado por videofone.
— Conseguiu tudo? — perguntou ele.
— Naturalmente! — gritou Tannwander. — Só os quartzos oscilantes ainda não
tenho, porque até agora não tive tempo de me ocupar com isso.
— Mas Ostrum vai entregá-los? — interveio Atlan.
— Naturalmente! — disse Tannwander. — Inclusive já tenho sua promessa. Ele
ficou furioso quando lhe mostrei os contratos.
Rhodan apontou para Atlan, Papageorgiu e Chard Bradon.
— Estes homens, juntos com o senhor, irão comprar uma espaçonave. A mesma
será comprada em nome de Ob Tolareff. Tudo se fará de modo perfeitamente legal.
entrementes, nós vamos ocupar-nos com Nevis-Latan. Onde está estacionado o planador?
— No telhado — gemeu Tannwander, capitulando. — Eu só não sei se...
Ele nem chegou a terminar o que ia dizer. Seis daqueles homens esfarrapados e
sujos passaram correndo por ele. Tannwander olhou para Atlan, com uma expressão de
enorme espanto.
— Até parece que eles estão querendo alcançar o tempo — disse ele.
Atlan, Papageorgiu e Bradon entreolharam-se, e então, como que a um comando
secreto, irromperam numa enorme gargalhada.
— Ei! — gritou Tannwander. — O que é que há para rir, nisso?
— Cinqüenta mil anos! — gritou-lhe Atlan, sem conseguir parar de rir. — O senhor
acha que é possível recuperar um tempo desses?
Tannwander cobriu a testa com a palma da mão e fechou os olhos.
— Eu acho que estou mesmo maluco — disse ele, abatido.
***
Perry Rhodan precisou de apenas alguns minutos para familiarizar-se com os
controles do planador. Tannwander mantivera a sua promessa. Dentro do aparelho eles
encontraram nove trajes espaciais e o mesmo número de paralisadores. Enquanto o
planador erguia-se acima do telhado, Gucky materializou dentro da carlinga. Enquanto
Tannwander ficava em sua casa, o rato-castor mantinha-se nos porões. Rhodan queria
evitar que o lemurense visse Gucky. Isso apenas teria complicado a situação ainda mais.
Rhodan tomou diretamente a rota da costa. Ele não sabia como era o porto de Palar,
mas certamente devia tratar-se simplesmente de um porto para embarcações de esporte,
pois os lemurenses não necessitavam de uma marinha, nem por motivos militares, nem
para fins comerciais.
Enquanto ainda estavam voando por cima de Atarks, Rhodan prestou atenção para
que o planador se mantivesse dentro das vias sinalizadas por bóias aéreas. Queria evitar
ser interceptado pela polícia aérea, devido a um possível delito de trânsito.
Depois de terem deixado a cidade para trás, Rhodan acelerou o aparelho. A
duzentos metros de altura, voaram por cima de terras baixas. Abaixo deles viam
gigantescas máquinas-robôs, que se arrastavam sobre imensos campos arados. Os
lemurenses praticamente já nem precisavam mais cuidar pessoalmente de suas
plantações. Só alguns poucos técnicos eram necessários para dirigir as máquinas.
Também nisso, a Lemúria praticamente não se diferenciava da Terra. Uma rede de
instalações de irrigação atravessava os extensos campos. Máquinas de semear passavam
bem rente ao chão, espalhando as sementes através de suas turbinas.
Nas áreas mais próximas às florestas, Rhodan descobriu algumas povoações. Aqui
viviam os técnicos, que controlavam a agricultura. Quase todos os lemurenses viviam nas
gigantescas cidades, que entretanto tinham uma construção bastante espaçosa.
Lentamente o terreno tomou-se ondulado, cheio de colinas e rochedos. O planador
aproximava-se da costa. Rhodan sabia que dentro de poucas horas o sol estaria se pondo.
E ficou contente que ainda havia tempo de chegarem ao porto, com a luz do dia.
— Lá embaixo está o mar! — gritou Brazos Surfat.
— Água! — gemeu Olivier Doutreval. — Cada vez que vejo água, lembro-me do
centímetro de sujeira que cobre minha pele.
Surfat espreguiçou-se, com tanto gosto, que os seus membros estalaram.
— Nunca me senti tão bem — afirmou ele. — Finalmente posso levar uma vida
totalmente ligada à natureza.
— Ligada à natureza? — disse Doutreval, indignado. — Pois eu acho um horror
que um ser humano possa sentir-se bem, desse jeito!
Surfat procurou nos seus bolsos esburacados, tirou de um deles um dente de alho,
parecendo mofado, e começou a mastigá-lo, com evidente prazer.
— De volta à casa paterna — disse ele, sonhador. — Há muito tempo tinha este
sonho secreto.
Doutreval deu-lhe as costas. Rhodan sorriu. Ele sabia o quanto o rádio-operador
sofria, na sua apresentação atual.
Olivier Doutreval, de quem se dizia que costumava tomar três banhos por dia, há
vários dias já não podia mais tomar banho.
Agora eles passaram voando por cima da costa. A uma distância de três milhas,
Rhodan viu surgir uma paisagem tipicamente costeira, que ficava dentro de uma extensa
enseada.
— Isso deve ser Wo-Kartan — a cerca de uma milha afastada da margem, Rhodan
descobriu uma pequena ilha, que ficava bem defronte ao porto de Palar.
— A ilha parece ter sido transformada num parque — disse Don Redhorse. — Está
vendo aqueles barcos de esporte, que navegam entre a ilha e a costa?
— Não podemos pousar na ilha — verificou Rhodan. — Com isso apenas
chamaríamos desnecessariamente muita atenção. Vou fazer o aparelho pousar próximo à
povoação.
Finalmente chegaram a Wo-Kartan. Rhodan descobriu um estacionamento para
planadores, mas ali o tráfego era intenso demais. A algumas centenas de metros de
distância do porto de Palar, a costa ficava mais rochosa. Rhodan pôde ver aficcionados de
caça submarina movimentar-se por entre as rochas. Também havia pescadores por ali.
Alguns desses lemurenses haviam simplesmente estacionado seus planadores nas
proximidades, em terreno aberto.
— É ali que vamos pousar — decidiu Rhodan, apontando em determinada direção.
— E quando vamos ficar sabendo a hora em que Nevis-Latan vai aparecer? — quis
saber Redhorse.
— Logo que pousarmos, Kakuta e eu vamos dar uma olhada no porto.
Provavelmente o conselheiro é proprietário de um submarino nuclear. Não deve ser muito
difícil distinguir uma embarcação dessas entre os pequenos barcos de esporte.
— E o que é que nós vamos fazer, enquanto isso? — perguntou Gucky.
— Esperar — retrucou Rhodan. — Não se preocupe, pois logo, logo, você vai ter
muito trabalho.
Rhodan pousou o planador numa minúscula enseada entre os recifes. Os penhascos,
aqui, erguiam-se a uma altura de quase quinze metros, de modo que escondiam o
aparelho das vistas dos mergulhadores, que se mantinham nas proximidades.
Rhodan e Tako Kakuta colocaram seus trajes espaciais. Afixaram os projetores de
campos energéticos nos seus cinturões. Agora eles poderiam movimentar-se, sem perigo,
sob a superfície da água.
— Nós vamos entrar na água já desde aqui, nadando até o porto — disse Rhodan
para Kakuta. — Logo que tivermos encontrado a embarcação do conselheiro, procuramos
um lugar adequado, onde possamos interceptar o senhor da galáxia.
Kakuta anuiu e fechou o capacete do seu traje. Redhorse saiu de dentro do planador,
indo certificar-se se havia lemurenses por perto. Logo depois voltou, fazendo um sinal
para Rhodan, de que não havia ninguém por ali. Rhodan ligou o intercomunicador e
deixou o capacete encher de oxigênio.
— A coisa vai começar, Tako! — disse ele. — Fique sempre abaixo da superfície
da água, e preste atenção para não encontrar-se com nenhum dos mergulhadores.
Eles saíram do planador e rapidamente deixaram para trás os poucos metros que os
separavam da beira da água. Rhodan mergulhou, nadando em frente, com fortes braçadas.
Kakuta manteve-se ao seu lado. Rhodan viu surgir, abaixo de si, rochas recobertas de
vegetação submarina. Peixes minúsculos, de um colorido maravilhoso, nadavam à sua
frente em cardumes imensos. Depois apareceram lugares mais fundos. Rhodan viu peixes
maiores, e plantas aquáticas, de longas hastes, que oscilavam suavemente de um lado
para o outro. Formações amarelas, parecidas com abóboras, colavam-se às rochas.
Centenas de conchas podiam ser vistas por toda a parte. Era uma imagem
maravilhosamente colorida, tal como também os mares da Terra a ofereciam.
Agora eles passavam por lugares que eram tão profundos que não se enxergava
mais o fundo. Quando Rhodan olhava para cima, via o sol refulgindo sobre a superfície
da água. Um grande peixe aproximou-se dele, curioso, mas quando Rhodan fez um
movimento brusco, o mesmo afastou-se, rápido como um raio, indo esconder-se entre a
vegetação subaquática. Formações parecidas com medusas passavam nadando. Onde o
fundo era visível, vermes da grossura de um antebraço passavam arrastando-se por cima
da areia clara.
Kakuta nadou, agora, um trecho à frente de Rhodan, e apontou para o fundo.
Rhodan viu um peixe gigantesco, deitado, imóvel, no fundo do mar, olhando para eles
com olhos que pareciam fixos. Enquanto Rhodan observava o animal, este modificou a
sua cor. Agora mal se destacava da areia. Muitos peixinhos pequenos aproximaram-se,
descuidados. De repente o peixe gigante atirou-se para o alto, como se tivesse sido
atirado por uma catapulta. A areia ficou toda revolta. Uma grande quantidade de bolhas
subia para a superfície da água. O caçador, entretanto, havia pegado uma vítima,
arrastando-a consigo para o fundo.
— Cuidado! — disse Kakuta, pelo intercomunicador.
Rhodan virou-se, rápido. Em diagonal, acima dele, apareceu a quilha de um
pequeno barco. O barco dirigiu-se em direção à terra, enquanto o seu motor revolvia o
fundo do mar. Rhodan sabia que, sob a água, tudo lhe parecia aumentado, e que aquele
barco levava no máximo de três a quatro pessoas.
Eles continuaram nadando em frente. O mar aqui estava novamente mais baixo.
Rhodan arriscou-se a emergir rapidamente, para orientar-se. Eles já haviam chegado ao
porto, mas o pier ainda estava demasiadamente longe para que se pudesse reconhecer
detalhes. Rhodan viu vários barcos maiores. Mergulhou e indicou o rumo a Kakuta. Eles
nadaram diretamente para o cais. Rhodan perguntava-se se Nevis-Latan estava
desconfiado, já que se decidira, tão repentinamente, a procurar a sua estação submarina.
Rhodan estava convencido de que o interesse de Nevis-Latan pelo esporte subaquático de
profundidade era apenas um pretexto para que pudesse executar, sem ser incomodado,
suas tarefas como senhor da galáxia. Rhodan já não mais duvidava que o conselheiro para
Assuntos de Transporte era um senhor da galáxia, desde que Nevis-Latan tinha
assassinado Trahailor. Além disso Nevis-Latan era portador de um ativador de células, o
que era a mais segura prova de sua identidade.
Eles agora tinham que nadar com mais cuidado e numa profundidade maior, pois
constantemente encontravam navios que se dirigiam ao porto ou saíam dele para alto-
mar. Por sorte, por aqui não havia mergulhadores praticando o seu esporte. A área destes
homens ficava junto aos recifes, mais perto da costa. Aqui, o máximo que havia eram
alguns pescadores, ou então o lixo que era jogado de bordo e agora cobria o fundo do
mar.
Tako Kakuta apontou para a frente. Eles haviam chegado junto ao cais. Rhodan
sabia que teria que aproximar-se até junto ao muro do cais, se quisessem descobrir o
barco de Nevis-Latan. E este somente podia ser um submarino.
Rhodan deixou-se flutuar para cima. Prestou atenção para sair entre os cascos de
dois navios ancorados, de modo que pudesse olhar para o muro do cais. Kakuta emergiu
do seu lado. No porto havia muito movimento. O sol já havia baixado muito, estando
quase no horizonte, junto ao mar. Os lemurenses estavam regressando de suas excursões
marítimas.
Perry Rhodan viu dois submarinos, presos com cabos, ao muro do cais. Eles se
diferenciavam apenas pelo tamanho.
— E agora? — perguntou Kakuta, que também descobrira os dois barcos.
— Um deles pertence a Nevis-Latan — disse Rhodan, preocupado.
— Ou os dois — achou Kakuta. — Por que ele não poderia ter dois submarinos à
sua disposição?
— Possível seria — concedeu Rhodan. — Mas não creio que seja assim. Vamos
nadar até lá, para tentar descobrir qual o barco que pertence ao conselheiro.
— Fico me perguntando como é que o senhor da galáxia, em tão pouco tempo,
conseguiu transformar-se num conselheiro da Lemúria — disse Kakuta, intrigado.
— Existem muitas possibilidades — disse Rhodan. — Não se esqueça que a maior
potência técnica de duas galáxias foi construída pelos nossos adversários. Certamente não
foi um problema para Nevis-Latan transformar-se em conselheiro para todos os assuntos
de transportes da Lemúria.
— Sabe no que estou pensando? — perguntou o teleportador, depois que os dois
submergiram outra vez. Ele não esperou pela resposta de Rhodan, mas continuou em voz
baixa: — Estou pensando em que nós não vamos poder fazer nada para impedir, se, no
tempo real, alguns senhores da galáxia surgirem na Terra, e ali assumirem posições
importantes.
— Pare com isso! — gritou Rhodan. — Pensamentos desse tipo nos desviam de
nossa tarefa.
— Eu sei — concordou o mutante. — Mas não consigo esquecê-lo.
Rhodan poderia dizer-lhe que tinha receios semelhantes. Mas por que iria piorar
ainda mais o humor dos seus homens, dando expressão aos seus pensamentos ou duas
preocupações? No momento, eles não podiam ajudar aos seres humanos do tempo real. O
máximo que podiam fazer era cuidarem de si mesmos.
Perto do cais a água era suja, porém a visibilidade ainda era tão boa, que se podia
ver o fundo dos cascos dos navios, de alguns metros de profundidade. Os dois homens
chegaram ao muro do cais, nadando ao longo do mesmo, até que surgiu diante deles um
daqueles dois barcos que eles haviam conseguido ver quando ainda estavam mais
afastados.
— É realmente um submarino — disse Kakuta, enquanto tateava, puxando-se pelo
casco arredondado do barco.
Rhodan examinou a hélice. Ele não queria arriscar-se e emergir tão perto da
margem. Depois examinaram o segundo barco submarino. Era maior que o primeiro, mas
isso não significava que pertencesse a Nevis-Latan.
— Temos que examinar o outro lado do barco — disse Rhodan.
— Ele está próximo demais do muro do cais — interveio Kakuta. — Acho que não
conseguiremos penetrar ali.
Rhodan mergulhou por baixo do barco maior. Avaliou o seu comprimento em cerca
de dezoito metros. No estreito espaço entre o muro do cais e o casco do submarino,
sobrenadavam as coisas mais incríveis. Pedaços de pau, lixo, papel, plantas aquáticas e
peixes mortos nadavam na superfície da água. A visibilidade era ruim, mas nem por isso
Rhodan desistiu. Mais ou menos no centro do barco, ele descobriu uma eclusa. Chamou a
atenção de Kakuta para a mesma.
— Acho que agora já sabemos qual é o barco certo — disse Rhodan.
Examinaram o segundo submarino, mas este não tinha nenhuma eclusa.
— Agora, tudo que temos a fazer é esperar — disse Kakuta.
— Aqui? — Rhodan sacudiu a cabeça. — Certamente há alguns lemurenses
vigiando o conselheiro, quando ele sumir no seu barco. No máximo uma hora depois, eles
ficariam se indagando preocupados, por que Nevis-Latan não zarpou. Não, aqui não
podemos atacar o senhor da galáxia.
— Lá fora em mar alto? — quis saber Kakuta. — Depois que o submarino deixar o
porto, poderá dirigir-se aos lugares mais diferentes.
— De qualquer modo terá que passar pela ilha — explicou Rhodan.
Kakuta deixou escapar um assobio.
— Esqueci — disse ele. — Portanto vamos nadar até a ilha, e esperar pelo
conselheiro ali. Provavelmente, quando passar por lã, já terá submergido, de modo que
não precisamos preocupar-nos com possíveis assistentes.
— Agora vamos voltar para ir buscar os outros — disse Rhodan.
Um ao lado do outro, eles saíram nadando de dentro da pequena enseada do porto.
Rhodan esperava que ainda tivessem tempo suficiente à sua disposição. O conselheiro
poderia chegar a Wo-Kartan a qualquer momento. Quando já estavam fora do porto,
Rhodan emergiu mais uma vez. E olhou para o pier.
— Kakuta! — chamou ele.
Ao seu lado fendeu-se a superfície da água. A cabeça de Kakuta apareceu. Em
silêncio, os dois homens ficaram olhando o porto. O submarino maior zarpara e agora
dirigia-se, em grande velocidade, para o mar alto.
— É impossível, agora, ainda alcançá-lo — disse Rhodan.
Kakuta praguejou, chateado. Rhodan só muito raramente vira o pequeno japonês tão
decepcionado.
— Não perca a calma — disse Rhodan, tranqüilo. — Afinal de contas, Nevis-Latan
vai ter que voltar. E então nós estaremos esperando por ele, nas proximidades da ilha.
Tako Kakuta lançou um olhar para a vastidão do mar, onde justamente o sol havia
baixado.
— Pode levar dias, até que ele volte — refletiu ele.
— Seja quando for — disse Rhodan. — Estaremos esperando por ele.
4

Dromm olhou, alternadamente, para suas mãos muito bem tratadas, e para aquele
homem alto, que parecia como se tivesse dormido, estes últimos meses, ao ar livre. O
sujeito não apenas parecia isso, ele também cheirava correspondentemente mal. O olhar
de Dromm voltou-se novamente para suas mãos. E viu que as mesmas estavam tremendo.
— O que foi que o senhor disse que quer comprar? — perguntou ele, incrédulo.
O estranho com a barba em desalinho e os cabelos em pior estado cruzou os braços
sobre o peito, e sorriu para Dromm, com zombaria.
— Uma nave espacial — repetiu ele. — Eu quero comprar uma espaçonave.
Dromm deixou-se cair para trás, gemendo. Ele estava acostumado a receber
lemurenses que vinham procurá-lo com as mais diversas exigências. Mas que um sujeito
que parecia estar prestes a morrer de fome quisesse comprar uma espaçonave,
sobrepujava tudo que ele tinha visto até agora.
Dromm abriu uma gaveta de sua escrivaninha e pescou de lá uma moeda. Atirou-a
sobre a mesa.
— Tome — disse ele. — Pegue-a. A piada foi boa. Nunca em minha vida eu me
diverti tanto. Mas agora suma daqui!
O estranho aproximou-se ainda mais da escrivaninha. Instintivamente Dromm
tentou recuar mais um pouco. Porém isso não era possível, já que o encosto do seu
cadeirão o impedia. Os olhos desse estranho, na realidade, não combinavam
absolutamente com a sua aparência exterior, achou Dromm. Eles o olhavam, frios e
desafiadores.
O homem apanhou a moeda, jogando-a de volta à gaveta, com incrível precisão.
— Meu nome é Ob Tolareff — disse o estranho, pacientemente. — Sou um
alariano. Eu quero comprar uma nave espacial.
Dromm sentiu que a sua testa começava a suar. De esguelha olhou para o lugar
onde conservava a sua arma.
— Isso não é tão simples — conseguiu dizer, finalmente. — Uma espaçonave,
afinal de contas, não é... bem... não é um veículo qualquer.
— Sei disso — interrompeu-o o alariano. — Se eu quisesse comprar um veículo
qualquer, não teria vindo aqui, procurá-lo. A nave que eu procuro não poderá ter mais de
sessenta metros de diâmetro.
Dromm fechou os olhos, questionando-se se, por acaso, não estava ficando maluco.
Enquanto isso, o estranho continuou falando.
— Se permitir, vou buscar meus amigos que estão aí fora. Eles poderão confirmar-
lhe que tenho as melhores e mais honestas intenções.
Dromm sabia que, na ante-sala, duas outras figuras, esfarrapadas e fedorentas,
esperavam. A idéia de que eles também pudessem entrar na sala era-lhe insuportável. Ele
ergueu os braços.
— Não, não! — gritou ele. — Pode deixar! Nós vamos encontrar um meio de
entrarmos num acordo.
— Certamente — garantiu-lhe Ob Tolareff, com um sorriso quase imperceptível.
Dromm olhou para aquele seu cliente esquisito, esperando.
— O senhor tem conhecimento de que, para uma nave dessas, vai precisar de...
quero dizer... de uma soma muito alta? — perguntou ele.
— Estou informado sobre os preços — retrucou Ob Tolareff, calmo.
Dromm começou a tremer. Suas mãos aproximaram-se do botão de disparo do
alarme.
— O senhor está querendo me dizer que dispõe de uma soma dessas? — quis saber
ele, em desespero.
Pela primeira vez o alariano mostrou-se pouco cordial. Curvou-se por cima da
escrivaninha. Os seus olhos fixaram-se no lemurense.
— Eu tenho o dinheiro! — disse Tolareff, com ênfase.
Em Dromm despertou o homem de negócios. De vez em quando aconteciam dessas
histórias malucas. Talvez esses porcalhões alarianos realmente fossem ricos. Havia
boatos de que eles costumavam negociar com quartzos oscilantes. Dromm umedeceu os
lábios secos com a ponta da língua. Raciocinou febrilmente. Esse poderia ser o negócio
de sua vida. Certamente seria fácil impingir uma nave, já na sucata, a esses bárbaros,
ganhando um bom dinheiro. Dromm sorriu, cordialmente.
— Então está bem — disse ele. — Talvez possamos fazer o negócio.
Ele percebeu, aliviado, que o alariano ergueu-se novamente. Rapidamente procurou
nas suas gavetas, colocando sobre a escrivaninha algumas fotos dos mais diferentes tipos
de espaçonaves lemurenses. Ajudou a espalhá-las, diante de Ob Tolareff.
— Minha empresa compra as naves diretamente da frota — disse ele, com orgulho.
— Portanto pode ter certeza que...
— Quer dizer que se trata de velhas naves militares — certificou-se o alariano, sem
mostrar-se impressionado. — Pois isso não serve para nós.
Dromm ergueu as mãos, para acalmá-lo.
— Por favor. Todas as naves estão em excelente estado. Não creia que negociamos
com naves de instrução, nas quais incontáveis cadetes andaram metendo a mão sem saber
o que estavam fazendo.
Atlan começou a remexer aquela papelada que o lemurense espalhara diante dele.
Dromm olhava-o, visivelmente contrariado. Finalmente o alariano retirou uma folha de
papel do monte.
— Esta aqui me interessaria — disse Ob Tolareff.
Instintivamente Dromm engoliu em seco. Este sujeito nada civilizado escolhera
exatamente a melhor das suas naves menores disponíveis.
Dromm deu uma risada zombeteira.
— A Pertagor! — e sacudiu a cabeça, incrédulo. — Justamente a Pertagor! Meu
caro amigo, com esta nave o senhor nem mesmo conseguiria fazer com que ela se
erguesse do chão — com um gesto hábil, Dromm retirou do monte de papel uma outra
folha. — Esta aqui, a Baradas, esta seria exatamente a compra certa para o senhor.
O estranho pegou o papel e olhou-o detidamente.
— Quando foi feita esta foto? — perguntou ele.
— Há alguns dias atrás — mentiu Dromm. — Pelo que está vendo é uma nave
pequena, mas de grande capacidade de vôo. Aí embaixo, à direita, o senhor tem todos os
dados técnicos anotados. Raramente o senhor encontrará uma nave espacial desta classe,
que seja capaz de uma aceleração tão incomum.
— Aqui está anotado que a Baradas tem uma propulsão convencional. Pelo que
estou informado, uma propulsão destas é absolutamente incapaz de alcançar a aceleração
que está anotada aqui — nem de longe.
Dromm sorriu, desconcertado.
— Deve ser um engano — disse ele, infeliz. — Mas eu ainda tenho uma série de
outras naves, à sua escolha. Caso o senhor quiser.
— Eu quero esta nave — interrompeu-o Ob Tolareff. — Eu quero a Pertagor.
Dromm levantou-se de um salto.
— Eu não posso responsabilizar-me por ela — gemeu ele. O seu corpo arredondado
chegava a tremer, de tão agitado. — Seria assassinato, se eu lhe vendesse a Pertagor. O
senhor e seus acompanhantes voariam ao encontro da morte certa.
— Se esta nave é tão ruim, o senhor poderá vendê-la, naturalmente, com um bom
desconto — sugeriu o estranho, imperturbável.
Dromm voltou para o seu cadeirão, e deixou-se cair nele, com um gemido. O sujeito
sujo era um osso bem mais duro de roer do que ele imaginara.
— Olhe, eu não vou vender-lhe nave nenhuma — declarou Dromm. — Nem a
Pertagor, nem qualquer outra. Não vou arruinar o meu bom nome, como homem de
negócios sério e honrado.
Neste momento o videofone sobre a mesa de Dromm tocou. O lemurense atendeu,
apertando uma tecla. Esperou, inutilmente, para o alariano sair do recinto, para que ele
pudesse falar em particular. Na tela apareceu um rosto juvenil. Dromm fez um gesto de
espanto.
Uma voz quase infantil saiu do receptor.
— Meus amigos já o procuraram, Dromm?
— Que amigos? — quis saber o comerciante. — Ouça, Tannwander, neste
momento estou muito ocupado.
— Nós somos os amigos dele — disse o estranho alto.
Dromm engasgou-se. Como hipnotizado ele olhou a tela do aparelho. E viu
Tannwander sorrir.
— Como é que são os seus amigos, quero dizer, sua aparência? — conseguiu
Dromm dizer finalmente.
— Como vagabundos — disse Tannwander. — São três alarianos. O chefe deles diz
chamar-se Ob Tolareff. Quero que o senhor os atenda muito bem. O pagamento fica por
minha conta.
Dromm bateu com o punho fechado no aparelho. A ligação foi interrompida.
— Por que não disse logo que são amigos de Tannwander? — gritou ele, indignado.
— Isso nos teria poupado muito tempo.
— Pensei que não era necessário — disse o estranho, como que se desculpando.
Dromm, entretanto, ouviu claramente a nuance de zombaria na voz suave do outro. —
Pensei que o senhor vendesse para qualquer um que quisesse comprar.
— O senhor pode comprar a Pertagor — resmungou Dromm, enxugando a testa,
molhada de suor. — Ela é uma nave maravilhosa.
Ele abriu violentamente uma gaveta e procurou contratos e documentos de
propriedade.
— Por que está tão nervoso? — perguntou o alariano. Dromm lançou-lhe um olhar
torturado. Pegou sua caneta e escreveu o seu nome num dos papéis. Depois empurrou-o,
por cima da mesa para Ob Tolareff.
— Naturalmente o senhor precisa de uma carta de piloto — disse ele.
— A mesma encontra-se em mãos do conselheiro Ostrum — declarou Ob Tolareff.
— Tannwander irá recuperá-la, em tempo útil.
Dromm amarrotou a foto da Pertagor e jogou o papel no cesto.
— Hoje é o dia mais infeliz de minha vida — disse ele, chateado.
Atlan curvou-se sobre a mesa, assinando os contratos.
— O senhor nem sabe o que é ser infeliz — disse ele ao comerciante lemurense. —
Não, eu tenho certeza que o senhor não o sabe.
Na mente de Dromm surgiu uma suspeita indefinida. Nem ele mesmo sabia por que
perguntou:
— Para que, afinal, o senhor precisa dessa nave?
O alariano encolheu os ombros, e não respondeu. Dromm apertou os lábios, furioso.
Logo que conseguisse falar com o rapaz iria fazer-lhe muitas perguntas.
“Naturalmente é bastante duvidoso que Tannwander me responda a estas
perguntas”, raciocinou Dromm.
Ele pegou os contratos assinados, entregando um deles ao alariano.
— Vou voar com o senhor até o espaçoporto — ofereceu-se ele. — Lá poderá dar
uma olhada na nave.
O alariano agradeceu e esperou até que Dromm saísse de trás de sua escrivaninha.
Na ante-sala, estavam esperando os dois acompanhantes de Ob Tolareff. Um deles era
um rapaz enorme, que sacudiu a mão de Dromm tão fortemente que este quase se
ajoelhou.
— Será que não tem educação alguma? — queixou-se o comerciante, indignado.
O jovem gigante olhou para os seus dois amigos, intrigado.
— O que é que ele tem? — perguntou.
Dromm saiu rapidamente para o corredor, porque não queria ouvir a resposta
zombeteira do sujeito que dizia chamar-se Ob Tolareff.
Mas, por mais que se apressasse, as risadas dos três alarianos ainda o alcançaram.
5

O rumor monótono das ondas dava sono. Rhodan olhou para a superfície cinzenta,
parecendo infinita, do mar. Em algum lugar debaixo da água, Tako Kakuta e André Noir
esperavam pelo regresso do senhor da galáxia. Rhodan deu as costas para o mar. Em
pouco tempo o sol surgiria. Aqui, bem junto da água, estava fresco e ventoso.
Doutreval, Redhorse, Surfat, Gucky e Rhodan estavam acocorados entre os
rochedos da costa íngreme da ilha-parque, que ficava bem em frente do porto de Palar.
No porto tudo ainda permanecia quieto. Apenas alguns pescadores desportistas haviam
saído para o mar aberto, nos seus barcos, antes da chegada do novo dia. Bem no alto,
acima da ilha, pairavam alguns pássaros parecidos com gaivotas.
A Lemúria, achou Rhodan sonhador, era uma segunda Terra. Se não conseguissem
mais regressar ao tempo real, ele poderia tentar, junto com seus amigos, recomeçar uma
nova vida neste mundo. Mas isso realmente seria possível? Rhodan duvidava. Os
acontecimentos os empurravam para uma decisão. Eles encontrariam o presente ou
seriam vencidos pelos seus adversários. Não havia outra alternativa.
Gucky, dormindo, acabou soltando alguns pios, muito baixinho. Ele encolhera-se
sobre a jaqueta do sargento Surfat. De vez em quando o seu corpo estremecia. Rhodan
sorriu. O baixinho parecia bastante indefeso. Também Brazos Surfat dormia. Em
intervalos regulares ele gemia. Surfat era um homem que era capaz de dormir nas
situações mais inacreditáveis.
O Major Don Redhorse estava sentado, como uma estátua, sobre um rochedo, bem
junto da água. O seu olhar era dirigido ao mar aberto. Rhodan perguntava-se que
pensamentos iriam na mente do índio americano. O cheiene era um homem estranho, e
apesar de toda a sua franqueza, uma parte do seu caráter ficava inteiramente fechada a
Rhodan.
Olivier Doutreval estava acordado. Encostara-se contra uma rocha alisada pela força
das ondas. Parecia estar procurando conchas na areia. O rádio-operador parecia cansado.
Ergueu os olhos, quando sentiu o olhar de Rhodan sobre sua pessoa. Rhodan sorriu e fez-
lhe um sinal.
— Quer que eu vá substituir Kakuta agora, sir? — perguntou Doutreval.
— Não — respondeu Rhodan. — Noir e Kakuta podem ficar por tempo ilimitado
dentro da água. Os seus ativadores de células impedem que eles se sintam cansados.
— Quando clarear não vamos poder ficar aqui — disse Redhorse. E ele apontou
para a costa íngreme acima. — Logo que os primeiros visitantes aparecerem aqui na ilha-
parque, naturalmente virão mergulhar aqui nos recifes. Se nos virem em nossos trajes,
ficarão intrigados quanto aos nossos propósitos.
Rhodan juntou uma pedra e atirou-a na água. Um olhar para o porto convenceu-o de
que, ali, tudo ainda estava quieto. Redhorse tinha razão. Dentro de duas ou três horas,
todos eles teriam que esconder-se sob a superfície da água. Apenas Gucky ficaria em
terra, porque não tinham nenhum traje para ele. O rato-castor se esconderia entre os
rochedos.
— Talvez Nevis-Latan não volte mais — disse Doutreval, erguendo-se.
— Ele vai voltar — garantiu Rhodan. — A tarefa dele é esperar por nós.
— Talvez ele saiba que nós já pousamos em Vario — disse o rádio-operador de
cabelos pretos. — Talvez ele esteja a caminho, para preparar a sua estação contra um
ataque nosso.
— Tudo isso são apenas suposições — disse Rhodan. — Por que Nevis-Latan
deveria já estar informado sobre a nossa estada aqui? Não há nenhuma razão sensata para
crer nisso.
Doutreval começou a tirar o seu traje protetor.
— O senhor se importa se eu tomar um banho?
— É claro que não — disse Rhodan. — Só receio que, sem sabão, o senhor não vai
conseguir livrar-se dessa sujeira toda. O máximo que vai conseguir é pegar um resinado.
— É melhor um resfriado do que ter que continuar carregando essa fedentina —
disse Doutreval. Ele despiu-se e mergulhou, com um salto, na água. Surfat acordou,
dando um último ronco, erguendo-se assustado. Sem entender, olhou para as roupas de
Doutreval.
— O que foi que aconteceu? — perguntou ele, perturbado.
— Olivier afogou-se — disse Redhorse. — Não conseguia mais suportar os seus
roncos.
— Eu não ronco — indignou-se Brazos Surfat. — Apenas sussurro como um
ventinho da primavera.
A poucos metros da margem, Doutreval emergiu da água, bufando.
— Está fria! — gritou ele. — Mas faz um bem! Surfat estremeceu todo.
— Alguém entende isso? — perguntou ele a Rhodan. — Quero dizer, que alguém
entre na água, de livre e espontânea vontade?
Doutreval voltou, em direção a suas roupas. Surfat correu para trás de algumas
rochas, quando o rádio-operador ameaçou jogar-lhe água com as mãos.
— Proíba-lhe isso, major! — pediu ele a Redhorse. — Cada pingo de água faz mal
à minha cútis alariana.
— Essa crosta de sujeira, tem coragem de chamar a isso de “cútis” alariana? — riu
Doutreval.
O sargento saiu novamente, hesitante, de trás do rochedo. Neste instante, Redhorse
ouviu um estalo no receptor do seu rádio-operador.
Era a voz de Tako Kakuta.
— Um barco aproxima-se do porto! — avisou o teleportador, nervoso.
— Um submarino? — perguntou Rhodan, rápido.
— Acho que sim, sir — veio a resposta. Rhodan fez um sinal com a cabeça para os
outros.
— Coloquem os trajes! — ordenou ele. — Vamos mergulhar!
Ele acordou Gucky e informou-o que um submarino aproximava-se da costa.
— Só pode tratar-se de nosso amigo muito especial — explicou ele. — Vamos dar
uma olhada nessa embarcação. Conserve-se em ligação telepática comigo. É importante
que você, junto com Kakuta, possa teleportar, no mesmo instante, para dentro do
submarino. Vocês terão que imobilizar Nevis-Latan com os paralisadores, antes que ele
possa fazer uso de suas armas de defesa paraenergética.
Gucky empunhou a sua arma, e levantou-se.
— Não se esqueça — insistiu Rhodan. — Tudo tem que acontecer com a velocidade
de um raio. O senhor da galáxia está preparado para um ataque de mutantes. Ele não pode
ter tempo para qualquer tipo de ação.
— Com toda essa conversa, você acaba perdendo o barco — retrucou Gucky.
Os quatro homens haviam vestido seus trajes. Rhodan fechou o capacete e abriu a
entrada de oxigênio. Um atrás do outro eles entraram no mar, e logo começaram a nadar.
Rhodan deu o sinal para submergir. A visibilidade não era especialmente boa, uma vez
que o sol ainda não brilhava. Rhodan tomou a ponta.
Logo em seguida, eles encontraram André Noir que veio nadando ao encontro
deles, fazendo-lhes um sinal. Rhodan sabia que Kakuta estava esperando mais para fora.
— É o mesmo barco que nós já vimos no porto — disse o teleportador, pelos
radiocomunicadores dos seus capacetes. — Aproxima-se lentamente da costa.
— O senhor terá que saltar para bordo, junto com Gucky — ordenou Rhodan. — Eu
darei o sinal. O mesmo servirá, ao mesmo tempo, para o rato-castor. Imediatamente após
chegar à nave, faça uso do seu paralisador.
Rhodan pôde ouvir o mutante respirar com dificuldade. Kakuta, evidentemente,
estava agitado. Isso só acontecia muito raramente com ele. O mutante tinha consciência
do significado deste instante. Se eles não conseguissem dominar Nevis-Latan, não
haveria nenhum caminho de volta ao presente.
— Estou pronto — retrucou Tako Kakuta.
— Atenção, baixinho! — pensou Rhodan, com insistência. — Logo vai começar!
— ele sabia que Gucky, concentrado, à espreita, seguia os seus pensamentos
telepaticamente.
— Agora! — disse Rhodan, calmo.
Redhorse, Doutreval, Surfat e ele nada mais podiam fazer, neste instante. Agora
tinham que esperar, para saber o que Kakuta e o rato-castor conseguiriam. Havia sido
planejado que Kakuta abriria a eclusa do submarino, logo que estivesse em situação de
fazê-lo.
“Talvez”, pensou Rhodan, “aquela eclusa jamais se abrirá.” Era absolutamente
possível que Nevis-Latan rechaçaria o ataque, transformando o seu submarino numa
armadilha para Gucky e o teleportador.
Entretanto Rhodan nem queria pensar nessa possibilidade.
***
Tako Kakuta tentou explicar-se o nervosismo esquisito que se apoderara dele. Era
uma sensação de opressão, mas também de uma espera impaciente. O japonês sacudiu a
cabeça, intrigado. O que não lhe acontecera em algumas milhares de missões, agora
parecia uma realidade. Ele estava nervoso.
Talvez a água tivesse culpa disso, raciocinou ele, enquanto esperava pela ordem
para entrar em ação, vindo do Administrador-Geral. O mar, aliás, era para ele um
ambiente ao qual não estava acostumado.
Tako Kakuta estava pronto para saltar para dentro do submarino, que deslizava, em
diagonal, diante dele, como um peixe gigante, preguiçosamente sob a água. Kakuta sabia
que o seu projetor de campo energético era, ao mesmo tempo, uma proteção contra
rastreamento, mas não conseguia livrar-se da idéia de que o senhor da galáxia podia estar
sentado, em algum lugar, diante de uma tela de rastreamento, observando-o com um
sorriso zombeteiro nos lábios.
“Por todos os planetas”, raciocinou Kakuta, furioso. “Talvez ele esteja me
observando, como alguém que observa um inseto. Certamente apenas está esperando
para poder esmagar-me como se esmaga uma mosca”.
— Pronto? — escutou ele Rhodan perguntar.
O desejo insensato de teleportar para a praia surgiu em Kakuta. Ele respirou fundo.
— Estou pronto — disse ele.
Tudo nele era pura tensão. Ele sabia que apenas segundos ainda o separavam
daquele salto decisivo, que iria decidir sobre o seu destino. E não apenas sobre o dele,
mas também de incontáveis outros seres humanos. Kakuta sentiu-se oprimido. O seu traje
protetor parecia-lhe um peso gigantesco, opressor.
— Agora! — disse Rhodan.
Kakuta reagiu imediatamente. No fundo, ele, durante todo este tempo, receara que
no instante decisivo pudesse falhar. Pensou em falta de concentração ou num desgaste da
energia psiônica. Porém tudo isso agora manifestou-se como um erro. Ele saltou como
sempre. O seu corpo despedaçou-se dentro do campo de força parapsíquica sendo
catapultado por um meio sobreposto. Era o mesmo fenômeno inconcebível de sempre.
Ele sentiu-se materializar, era aquela sensação quase dolorosa, de estar sendo
metido à força dentro de uma couraça apertada demais, a sensação de pele que se esticava
até o máximo. Kakuta gemeu. Tudo isso levou apenas frações de um segundo, e tudo à
sua volta clareou.
De golpe, ele deu-se conta do que acontecera. Tomou consciência do que havia ao
seu redor. Seus pensamentos começaram a trabalhar com a velocidade do raio.
Ele executara o salto teleportador.
Encontrava-se a bordo de um submarino que era dirigido por um inimigo
implacável da raça humana. Antes de levar este pensamento ao fim, Kakuta já estava com
o seu paralisador na mão.
6

No lusco-fusco da manhã, o campo de pouso do espaço-porto parecia cinzento e


sóbrio. Alguns lemurenses com cara de sono começavam com o trabalho de reparos em
diversas naves, que estavam pousadas nesta parte do campo. Pequenos carros de
montagem passavam, rápidos, de um lado para o outro. Nas salas dos edifícios da
administração e de controles, ainda havia luzes acesas.
Dromm apoiou-se, exausto, no balaústre da gangway, que levava à Pertagor. Jamais
esqueceria esta noite. Ele a passara, na companhia de três malucos, no interior da nave
especial que já fora dele. Primeiramente ele duvidara que os três alarianos pudessem
saber qualquer coisa sobre naves espaciais. Agora mudara de opinião. Durante toda a
noite eles o haviam feito correr por toda a nave, fazendo reclamações. E o que era pior:
esses sujeitos entendiam mais de astronáutica do que Dromm. Descobriam falhas
minúsculas, de cuja existência Dromm nem suspeitara.
Mas agora eles pareciam completamente satisfeitos. Aquele sujeito alto, que dizia
chamar-se Ob Tolareff, estava parado lá em cima, na eclusa, observando o espaçoporto.
Este homem parecia, aliás, nunca ficar cansado. Ele trabalhara a noite inteirinha.
Dromm respirou fundo. Eles eram amigos de Tannwander. E ninguém poderia ousar
opor-se aos desejos de um amigo de Tannwander. Ninguém que gostava de sua vida. E
Dromm amava a sua vida, mesmo se, na noite passada, ele se amaldiçoara — e aos outros
— muitas vezes.
Ob Tolareff veio descendo, lentamente, a gangway. Dromm seguiu sua
aproximação, com um olhar muito inquieto. Ele desejava, de todo o coração, que o
período das reclamações já passasse.
— O senhor parece cansado — verificou Ob Tolareff, parando ao lado do
lemurense. — Parece que, normalmente, o senhor não costuma trabalhar muito.
— Eu sou um homem de negócios — respondeu Dromm, chateado. — Não sou
nenhum mecânico.
— Olhe, não faz mal, quando aprendemos mais alguma coisa que não sabíamos —
disse o alariano, filosoficamente.
— De qualquer modo, a nave agora está em ordem. Agora somente temos que
esperar que Tannwander traga os nossos documentos.
— Está me dizendo que pretendem voar na Pertagor
— apenas os três? — perguntou Dromm. Desses estranhos, nesta altura, ele
esperava qualquer coisa. Ele nem teria ficado muito espantado, se eles tivessem partido
para o espaço, numa bolha de sabão superdimensional.
— Levamos ainda mais alguns amigos conosco — explicou Ob Tolareff.
— Alarianos? — quis saber Dromm.
Ob Tolareff anuiu. Dromm viu os dois outros homens surgirem na eclusa.
Carregavam as ferramentas que Dromm, no decorrer da noite, trouxera até a nave, com
muito custo. Pareciam toneladas, pensou Dromm, cansado. Ele acenou para o alariano,
como quem pretende ir embora.
— Espere um pouco! — chamou Ob Tolareff. — Temos ainda só mais um pequeno
desejo.
Dromm suspirou, resignado, parando, preparado para o que viria.
— Dê-nos algum dinheiro — pediu o alariano. — Gostaríamos de beber alguma
coisa, na cantina, lá do outro lado.
Dromm fez um gesto desesperado.
— Com isto está querendo dizer que os senhores não têm dinheiro algum?
— Dinheiro miúdo — explicou o alariano.
Dromm procurou nos bolsos e entregou ao comprador de sua melhor espaçonave
algumas moedas.
— Não se esqueçam de levar as ferramentas de volta — disse ele. — Caso contrário
vou ter aborrecimentos.
Sem despedir-se, ele saiu praticamente correndo. Atlan olhou atrás dele, sorrindo.
Provavelmente Dromm jamais se esqueceria dessa transação comercial. Papageorgiu e
Chard Bradon trouxeram as ferramentas para baixo. Carregaram as mesmas num pequeno
carro de montagem. No momento em que iam partir com o mesmo, Tannwander veio ao
encontro deles, vindo do edifício da administração.
— O que acha de nossa nova nave? — cumprimentou-o Atlan.
O jovem lemurense olhou, rapidamente, para a Pertagor.
— Bonita — disse ele. — Bonita e cara.
— Está com nossos papéis?
Tannwander pegou um amarrado de documentos, parecendo de papel muito sujo, de
cima do assento do seu carro, entregando-o a Atlan.
— Ostrum teve que liberar os quartzos oscilantes. Entretanto, ele irá causar-nos
dificuldades. Vai tentar acusá-los da morte de Trahailor.
— Ele pode permitir-se tal coisa?
Tannwander anuiu.
— Agora, depois que ele teve que devolver o que pertencia aos senhores, nós não
temos mais meios de pressioná-lo. Ele está furioso e magoado. E, neste estado, ele é
capaz de tudo.
— O que devemos fazer? — perguntou Atlan.
— Por agora, nada — retrucou Tannwander. — Ostrum precisa de alguns dias para
fazer a queixa e instaurar um processo, sem pôr-se em perigo próprio por isso. Ele terá
que apagar os indícios de suas atividades ilegais em Stolark. Logo que tiver feito isso, vai
golpear. Provavelmente, em primeiro lugar, tratará de conseguir uma proibição para
levantarem vôo.
— Então, quer dizer que está na hora de sumirmos daqui?
— Exatamente — concordou Tannwander. — Eu não posso usar minha organização
contra um conselheiro que tem a opinião pública do seu lado. Apenas poderei oferecer-
lhe um esconderijo, quando a coisa ficar preta.
— Antes de mais nada, vamos tomar alguma coisa — sugeriu Atlan, a quem o ódio
e as pretensões de Ostrum preocupavam menos do que Tannwander poderia imaginar.
O jovem lemurense fez uma careta.
— Eu não tenho nem tempo nem vontade de acompanhá-lo — declarou ele. —
Acho que nestes últimos dias já me dediquei aos senhores até demais. Na minha ilha,
praticamente, já nem sabem mais se eu ainda existo.
Atlan sorriu.
— Certamente logo se lembrarão do senhor, no instante em que pisar nela. Mas
agora nós ainda precisamos do senhor. Precisa levar-nos até Wo-Kartan.
Com poucos movimentos, Tannwander programou o automático do seu carro.
Desceu e o veículo partiu, sozinho. O lemurense subiu no transportador guiado por
Papageorgiu e suspirou.
— Vou sentir falta dos senhores, quando não estiverem mais na Lemúria — disse
ele, sarcástico.
Papageorgiu arrancou de repente. Chard Bradou segurou-se no assento, lançando
um olhar ameaçador ao jovem grego.
— É um veículo lemurense — desculpou-se Papageorgiu. — Não estou muito
acostumado a ele ainda...
Com aceleração máxima, ele dirigiu o veículo na direção dos prédios da
administração.
— Leve de volta as ferramentas que nos emprestaram — ordenou-lhe Atlan. —
Depois venha até a cantina, onde estaremos esperando.
Tannwander olhou a capa, muito suja, de Atlan.
— Mais uma vez vamos ter chateações, logo que entrar na cantina, nesse estado —
profetizou ele.
Atlan não respondeu. Eles desceram do carro, e Papageorgiu prosseguiu no mesmo.
Tannwander conduziu Atlan e Bradou a uma entrada lateral. Subindo uma escada de
pedra, chegaram ao salão-restaurante. Atlan sentiu-se aliviado quando viu que havia
apenas poucos lemurenses sentados às mesas. Chamados irritados fizeram-se ouvir,
entretanto, quando Bradon e Atlan resolveram sentar-se. Um lemurense gordo, de cabelos
ruivos, saiu de trás do balcão do bar, vindo até a mesa deles. Os olhos pequeninos do
homem quase sumiram atrás de suas sobrancelhas franzidas raivosamente.
Atlan olhou o homem de frente, depois que este parou diante de sua mesa, apoiando
ambas as mãos sobre o tampo.
— O lavatório fica lá, do outro lado — disse ele.
Atlan lançou um olhar desinteressado na direção apontada.
— Obrigado pelo aviso — disse ele.
— O que significa isso? — gritou o lemurense.
Ele ergueu-se, colocando os polegares no cinto do seu guarda-pó.
— Eu lhes mostrei o lavatório, para que o usem, e não para que me façam
observações idiotas.
— Meus amigos são alarianos — interveio Tannwander, rapidamente. — Eles ainda
não conhecem nossos costumes.
— Então já é tempo que os conheçam — afirmou o gordo.
Ele pegou Chard Bradon pela gola, puxando-o para cima. Bradon ficou vermelho de
raiva, mas não se defendeu.
— Sente-o novamente na cadeira! — pediu Tannwander.
O lemurense riu apenas, e tentou arrastar Bradon em direção ao lavatório. Neste
momento um outro homem veio até a mesa, murmurando alguma coisa, no ouvido do
gordo. O lemurense soltou Bradon e olhou para Tannwander como se o visse pela
primeira vez.
— Eu não sabia quem o senhor é — disse ele, rápido.
— Sinto muito. Foi tudo apenas uma brincadeira.
— Suma! — gritou-lhe Tannwander, furioso.
Atlan anuiu para Bradon, que parecia querer explodir, para acalmá-lo. Depois
voltou-se para Tannwander.
— O senhor é um homem muito temido — disse ele. — A cada passo pode-se
constatá-lo.
O rapaz ergueu os ombros. Apertou as teclas debaixo da mesa, para fazer o seu
pedido. Segundos depois, uma parte do tampo da mesa girou. Três canecas de bebida
foram colocados sobre a mesa. Antes, entretanto, dos homens poderem servir-se, foram
desviados na sua atenção para um barulho que vinha da entrada principal da cantina.
Atlan viu três lemurenses uniformizados entrarem.
— Polícia! — disse Tannwander. — Só espero que ainda não seja um golpe de
Ostrum.
Os três policiais aproximaram-se da mesa na qual estavam sentados o jovem
lemurense, Atlan e Bradon. Atlan olhou em volta, sem chamar atenção, em busca de
alguma saída de emergência, para uma eventual fuga. Ele amaldiçoou sua idéia de ir à
cantina. Se eles tivessem voado imediatamente para Wo-Kartan, agora não teriam que dar
explicações às autoridades.
Um dos policiais voltou-se para Tannwander.
— O senhor faz parte do grupo desses homens? — quis saber ele, apontando para
Atlan e Chard Bradon.
— Eles são meus amigos — disse Tannwander, calmo.
— O que há contra eles?
— Lá fora está um jovem alariano de nome Assaraf — informou o policial. — Ele
afirma que o senhor se responsabilizaria pelos danos.
— O quê? — deixou escapar Tannwander. — De que danos o senhor está falando?
O policial fez um gesto irritado.
— Há três anos nós não tivemos mais qualquer acidente aqui no espaçoporto. O seu
jovem amigo, entretanto, bateu com um transportador carregado, contra uma das pernas
do trem de pouso de uma nave particular. Isso o deixou tão nervoso, que ele
simplesmente subiu a gangway, fazendo-a ruir. Tivemos que retirá-lo de baixo de um
monte de destroços. O que não foi um trabalho muito agradável, pois o sujeito... quero
dizer... não tem um cheiro propriamente agradável.
— Ele está ferido? — perguntou Atlan.
O lemurense fez que não.
— Entretanto, vamos ter que detê-lo até que o prejuízo tenha sido pago. O homem,
afinal, não é natural daqui.
Atlan olhou para Tannwander. Tannwander baixou a cabeça, e respirou fundo.
— Muito bem — resmungou ele, entregando-se ao seu destino. — Quanto custa a
brincadeira?
O policial informou-o.
— Ó! — fez Tannwander. Depois assinou um cheque. Os policiais desapareceram.
Tannwander empurrou o seu caneco para trás. — Perdi a vontade de beber — disse ele,
infeliz. — Vocês só me trazem dificuldades. Atlan levantou-se.
— Leve-nos, no seu aparelho, para Wo-Kartan — disse ele. — Assim se livrará de
nós mais depressa.
Eles deixaram a cantina. Na entrada do edifício da administração, Papageorgiu
esperava por eles. Alguém lhe colara um enorme esparadrapo na testa. E ele veio,
mancando, ao encontro dos três homens.
— É simples de explicar... — começou ele.
Atlan ergueu ambos os braços e Tannwander disse, furioso:
— É melhor ficar quieto. Com a sua conversa fiada eu não conseguirei que
devolvam o meu dinheiro.
Papageorgiu esperou até Atlan e Tannwander terem caminhado alguns passos
adiante.
— Eu sou o único terrano que fez dívidas em Vario — murmurou ele para Chard
Bradon. — Isso, por acaso, não vale alguma coisa, tenente?
Bradon revirou os olhos.
— Até parece que o senhor ainda se orgulha disso — disse ele.
Papageorgiu empurrou, teimosamente, o queixo para a frente.
— Os senhores deviam ficar satisfeitos por eu ter freado em tempo — disse ele. —
Eu quase entrei com essa coisa pela eclusa a dentro.
Era sempre a mesma coisa com esses aspirantes a oficial. Eles tentavam desculpar
os seus erros, explicando o quanto as conseqüências de suas ações poderiam ter sido
piores, se, no último instante, eles não tivessem tomado a providência certa.
7

A uma distância de três metros de Tako Kakuta, o senhor da galáxia estava sentado
num imenso cadeirão, fixando o mutante. O teleportador viu Gucky materializar atrás de
Nevis-Latan. Os pensamentos do japonês eram um turbilhão. Aquela calma total com que
o adversário o olhava o perturbara.
E então o senhor da galáxia entrou em ação. E foi rápido como um raio, fazendo
com que Kakuta tivesse que reconhecer que aquela sua hesitação de um segundo poderia
ter-lhe sido funesta, se Gucky não tivesse acudido em tempo.
Quando Nevis-Latan deixou-se cair para a frente, tentando alcançar uma alavanca
com as mãos estendidas, Gucky disparou o paralisador. Inconscientemente também
Kakuta apertou o gatilho. Nevis-Latan ficou paralisado, rijo, enquanto ainda caía para a
frente, e o seu rosto tomou a expressão de uma máscara. Caiu de costas, batendo contra o
painel de controles.
Gucky não deu mais atenção ao homem paralisado.
— Rápido! — gritou ele, com sua voz estridente. — Temos que parar o submarino.
Somente com muito esforço Kakuta conseguiu tirar os olhos daquele senhor da
galáxia. Ele não conseguia entender que aquele adversário perigoso estava caído a seus
pés, sem se mexer.
Dentro de poucos instantes eles tinham a embarcação sob controle.
— Agora o comando para a eclusa — disse Gucky.
Kakuta espantou-se com a calma do rato-castor. Em momentos como este, podiam
confiar em Gucky. Em missões decisivas, nos segundos que podiam decidir entre a vida e
a morte, Gucky renunciava às suas gracinhas.
Eles inundaram a câmara da eclusa. Depois, Gucky abriu a parede externa da
eclusa. Pela pequena tela de imagem, eles podiam ver que tudo estado acontecendo
conforme o desejado.
— Agora vamos ter que esperar alguns minutos, até que os outros possam
aproximar-se — disse Gucky. Ele trepou para o grande cadeirão de Nevis-Latan. Kakuta
olhou-o, desaprovando. Ele abriu o capacete do seu traje protetor. Depois arrastou o
corpo retesado do senhor da galáxia para longe dos controles. Ao fazê-lo, teve
oportunidade de observar aquele homem um pouco melhor.
Nevis-Latan parecia um desportista, apesar de ter uma pequena tendência para
engordar. As sobrancelhas muito cheias davam ao seu rosto um aspecto ameaçador.
— Aí está ele, esticado no chão — disse Kakuta. — Eu, antes de mais nada, tenho
que me acostumar à idéia de que fomos capazes de surpreendê-lo.
— Eu gostaria de ranger o meu dente roedor — disse Gucky. — Quem ouve você
falar, sabe perfeitamente que você está sempre esperando por algum acontecimento
desagradável, como se Nevis-Latan fosse algum mago, que, até mesmo em estado
inconsciente, é capaz de tornar-se perigoso.
Kakuta sorriu, forçado. Gucky, naturalmente, não estava sem razão.
— Aí vêm eles! — gritou Gucky, apontando para a tela de imagens.
Kakuta pôde ver cinco figuras comprimindo-se dentro da câmara da eclusa. Esperou
até receber o sinal. A água foi retirada da eclusa. O oxigênio entrou, rapidamente, no
local. Kakuta fez deslizar para um lado a parede interna da eclusa. Logo depois os cinco
homens entraram na sala de comando.
Rhodan tirou o seu capacete e olhou para o senhor da galáxia inconsciente. Não
demonstrava sua agitação interior, porém Kakuta conhecia o Administrador-Geral há
bastante tempo, para poder interpretar até os menores sinais de sua emoção. Havia um
ligeiro tremer das sobrancelhas, e a tensão, quase imperceptível, ao empurrar para a
frente o lábio inferior.
— Isso seria motivo para uma festa — disse Surfat. — Se tivéssemos tempo para
festejar.
— Você poderá oferecer-me uma cenoura — sugeriu Gucky.
— Tudo correu conforme esperado? — quis saber Rhodan.
Ele curvou-se para Nevis-Latan, colocando-lhe uma mão sobre os olhos. O
inconsciente não mostrou qualquer reação.
— Ele mostrou-se muito espantado — disse Kakuta. — Apesar disso, tentou
alcançar os controles, antes que o paralisássemos.
— Eu não consigo penetrar nos seus pensamentos — disse Gucky. — Mesmo neste
estado, o bloqueio de sua vontade funciona.
Rhodan contara com isso. Não era possível chegar a Nevis-Latan com meios
parapsíquicos. Pelo menos não por enquanto.
— Nós precisaríamos de semanas, para afastar esse bloqueio — disse André Noir.
— Trata-se de uma proteção extremamente forte no centro do seu consciente. Suponho
que o mesmo tenha sido implantado com o auxílio de meios parapsíquicos.
— Não temos muito tempo — concedeu Redhorse. Sem olhar para Rhodan, ele
acrescentou: — Em dadas circunstâncias, acho que devíamos pensar se o
neurodestramador não seria o meio apropriado para quebrar a resistência desse homem.
— Vamos esperar até a chegada de Atlan — disse Rhodan, esquivando-se. Ele
voltou-se para Tako Kakuta. — Dê um salto até o planador — ordenou ele ao
teleportador. — Logo que Atlan, Bradon e Papageorgiu chegarem, devem colocar seus
trajes protetores para reunir-se a nós, aqui no submarino. Vamos levar a embarcação até
as proximidades dos recifes.
— Quanto a isso, quem decide é o comandante! — gritou Gucky.
— Que comandante? — perguntou Rhodan enquanto Kakuta desmaterializava. —
O comandante está inconsciente.
Gucky espichou-se, indolentemente, naquele cadeirão exageradamente grande para
ele.
— De acordo com uma velha lei dos piratas, é comandante aquele que consegue
conquistar o navio, pondo o comandante fora de combate. E foi exatamente isso que eu
fiz. Além disso, no momento, estou ocupando o lugar do comandante.
— O que é que está dizendo esse anão engraçado? — perguntou Surfat, como se
não tivesse ouvido bem. — Isso quer dizer que ele agora poderá dar-nos ordens?
— Suspendam as velas! — gritou Gucky. Um homem na gávea!
Ele fez um sinal, brincalhão, para Redhorse.
— Você, imediatamente, vai ocupar-se da cantina — disse ele. — Dê uma olhada se
não consegue encontrar algumas cenouras.
— Aye, aye, siri — Redhorse fez continência.
— Chega de brincadeira! — Rhodan interrompeu a gozação de Gucky. Ele sabia
que o baixinho, com o sucesso obtido, estava outra vez na crista da onda, e não terminaria
tão cedo com suas gracinhas, pregando as mais diversas peças nos seus amigos.
— O grumete está ficando malcriado — indignou-se Gucky. — Joguem-no por
cima de bordo.
Depois, com um pulo, fugiu do cadeirão, antes que Rhodan pudesse alcançá-lo.
Rhodan familiarizou-se com os controles do submarino. Ninguém, em toda a Lemúria,
tinha idéia do que ocorrera, nas proximidades de Wo-Kartan. Certamente levaria algum
tempo, para que dessem pela falta do conselheiro. Este tempo deveria ser aproveitado por
eles para encontrarem a estação submarina secreta do senhor da galáxia.
Somente Nevis-Latan sabia onde essa estação subaquática ficava. Rhodan ficou
imaginando, se sob estas condições, não seria adequado fazerem uso do
neurodestramador. O senhor da galáxia era um assassino. E não apenas isso: ele
representava uma organização que estava crescendo, tornando-se um perigo para todos os
povos estelares amantes da paz.
Redhorse e Surfat encontraram algumas cordas. Nevis-Latan foi amarrado.
Entrementes, Rhodan levou o submarino em direção aos recifes. Ele esperava que Atlan
tivesse conseguido, com a ajuda de Tannwander, comprar uma espaçonave adequada.
Nevis-Latan deu um gemido fraco. Rhodan entregou os controles a Redhorse, e
voltou-se para o senhor da galáxia. O conselheiro ainda tinha os olhos fechados, mas
Rhodan não duvidava que ele já estava consciente. A paralisia física, entretanto, ainda
permaneceria por algum tempo.
— O senhor ficou admirado, por nosso aparecimento repentino? — perguntou
Rhodan.
O piscar nas pálpebras de Nevis-Latan denunciou-lhe que o homem amarrado o
entendia. Os lábios do conselheiro tremiam. Era evidente que Nevis-Latan estava
tentando falar. Entretanto, ainda não conseguira controlar o seu corpo.
Rhodan fez um sinal para Gucky, porém o rato-castor sacudiu a cabeça.
— Eu não consigo alcançá-lo por via parapsíquica — disse ele. — A sua
consciência está totalmente bloqueada.
— E o senhor, André? — voltou-se Rhodan ao hipno.
— É inútil, sir — disse Noir. — Neste estado, Nevis-Latan está protegido contra
qualquer ataque paranormal.
O senhor da galáxia deu uma espécie de grunhido de triunfo.
— Ainda é cedo para essa alegria — disse Rhodan ao prisioneiro. — Vamos
encontrar caminhos e meios para penetrar no seu bloqueio protetor. Temos experiência
nisso. Também o parabloqueio do agente do tempo Frasbur foi destruído.
— A minha proteção... é... bem mais... forte — conseguiu dizer Nevis-Latan, com
muito esforço. — Os senhores não têm... nenhuma... chance — ele respirava com
dificuldade.
— O senhor também não contava que nós pudéssemos surpreendê-lo. Apesar disso
o conseguimos — Rhodan queria deixar aquele senhor da galáxia furioso, com raiva.
Deste modo, eles conseguiriam ficar sabendo dos planos do adversário, muito mais
depressa.
Porém Nevis-Latan não mostrou qualquer reação. Ele disse:
— Se violarem... à força... o meu bloqueio protetor, eu morrerei, antes... de ficarem
sabendo... qualquer coisa.
Rhodan trocou um olhar com André Noir. Era absolutamente possível que no
consciente do senhor da galáxia houvesse uma ordem de segurança final. Antes do
conselheiro poder revelar segredos importantes, ele se autodestruiria. Rhodan já contara
com estas dificuldades. Entretanto, ele estava decidido a superar todos os problemas. Ele
conseguira prender o senhor da galáxia que possuía a chave para o tempo real. Nevis-
Latan viera do tempo real, para interceptar a Crest III e sua tripulação em Vario. Ele
conhecia um caminho para o presente.
— Chegamos ao nosso destino, sir — avisou o Major Redhorse, interrompendo,
desse modo, as reflexões de Rhodan.
— Qual é a profundidade da água? — perguntou Rhodan.
— Dezessete metros — respondeu o cheiene.
Eles agora estavam parados a pouca distância da costa. Rhodan sabia que eles
teriam que desaparecer daqui, logo que Atlan, Bradon e Papageorgiu estivessem a bordo.
O risco de que algum mergulhador desportista pudesse tentar aproximar-se do submarino
era grande demais.
— Ponha a embarcação no fundo, até que os três homens estejam a bordo —
ordenou Rhodan.
— O que pretende fazer? — perguntou Nevis-Latan.
A sua voz ainda era arrastada, mas num tempo espantosamente curto ele
desenvolvera uma técnica respiratória que lhe permitia falar coerentemente.
— Vamos fazer uma viagem com o senhor — avisou-lhe Rhodan. — Iremos visitar
a sua estação submarina.
O senhor da galáxia riu, zombeteiro.
— Essa estação não existe — declarou ele. — O senhor tem uma imaginação
superdesenvolvida. Eu uso o meu tempo livre na Lemúria para praticar a caça submarina.
E o senhor tirou conclusões inteiramente erradas, baseado no meu hobby.
O conselheiro para todas as questões de transporte da Lemúria portanto decidira
conservar os seus segredos. Bem, Rhodan aliás não imaginara nunca que Nevis-Latan
falasse de livre e espontânea vontade.
— Nós podemos retirar-lhe o ativador de células, se não estiver pronto a cooperar
conosco — ameaçou ele ao senhor da galáxia.
— Faça-o e verá o que acontece — retrucou Nevis-Latan, indiferente.
Rhodan sabia o que aconteceria. Ele ainda lembrava-se muito bem da sorte do
primeiro senhor da galáxia que eles prenderam. Regnal-Orton morrera imediatamente,
após lhe haverem retirado o ativador celular. Nevis-Latan não deveria morrer de modo
algum. A sua morte significaria um exílio definitivo da Crest e sua tripulação, no
passado.
Nevis-Latan parecia adivinhar os pensamentos de Rhodan, pois sorriu satisfeito.
— É muito desagradável para o senhor — disse ele. — Justamente agora, quando o
sucesso lhe parecia seguro, o senhor tem que verificar que a minha prisão não lhes trouxe
qualquer benefício.
Rhodan tirou o seu traje protetor. A autoconfiança de Nevis-Latan não o
surpreendia.
— Como é que o senhor sabia que nós viríamos para Vario? — perguntou ele.
— Suponho que Vario seja o nome que os senhores deram a este planeta, quando
ainda se encontravam no tempo real — disse Nevis-Latan, sagaz.
“Através dos resultados exatos dos rastreamentos do sensor de campo de zero
absoluto, conseguimos perseguir os movimentos de sua espaçonave. Além disso,
tínhamos informações de nosso agente do tempo Rovza, o qual, infelizmente, não
conseguiu destruir a sua nave, antes de sua partida do sistema solar.”

Rhodan lembrava-se ainda, e muito bem, do ataque de fogo do bastião lunar, ao


qual eles só haviam conseguido escapar a muito custo.
— Apesar do senhor estar nos esperando, nós conseguimos surpreendê-lo — disse
ele a Nevis-Latan. — O senhor não é invencível, conselheiro.
— Por favor, deixe de usar esse título ridículo — sugeriu Nevis-Latan. — Ele só me
servia como pretexto para poder movimentar-me mais livremente na Lemúria.
— Por que o senhor assassinou o conselheiro Trahailor? — perguntou Rhodan.
Nevis-Latan ergueu, surpreso, as sobrancelhas. Ele não contava com o fato dos seus
adversários saberem desse assassinato.
— O senhor estava querendo tomar o lugar dele, não é? — perguntou Rhodan.
— Trahailor era um homem esperto — retrucou Nevis-Latan. — Ele não conseguia
entender como um homem desconhecido, da província, pudesse ter chegado, em tão
pouco tempo, a uma importante posição política.
— Ele estava na sua pista. Por isso tinha que morrer.
— Ele era um perigo para a nossa organização — declarou Nevis-Latan,
calmamente. — Aliás, o senhor já devia saber que nós costumamos liquidar esse tipo de
pessoa.
— Assassinar — corrigiu-o Rhodan.
Tako Kakuta materializou no meio da sala de comando. Ele fez um sinal, com a
cabeça, para Rhodan.
— Há poucos minutos atrás, Atlan chegou com seus companheiros, num planador
— informou o teleportador. — Os três homens deverão chegar aqui em pouco tempo.
Tannwander está com eles. Ele esperará, próximo ao planador, por nós.
— Tannwander? — intrometeu-se Nevis-Latan. — Isso quer dizer que os senhores
estão mancomunados com o chefe da organização subversiva da Lemúria?
— Nós nos aliamos — disse Rhodan.
Nevis-Latan riu, zombeteiro. Ele parecia imaginar que Tannwander fora obrigado a
essa cooperação.
— Presumo que começarão a me “espremer”, logo que seus amigos estejam a bordo
— disse ele.
— Sim — confirmou Rhodan. — Pense bem, se não acha melhor falar antes disso.
— Eu tenho apenas um pedido — disse o senhor da galáxia. — Lavem essas suas
mãos fedidas antes de tocarem em mim.
8

Na companhia do Tenente Chard Bradon e do aspirante a oficial


Lastafandemenreaos Papageorgiu, Atlan estava de pé, na câmara da eclusa do submarino,
esperando que toda a água fosse bombeada para fora da mesma. Curiosamente ele não
sentia qualquer alívio, ao lembrar-se de que Rhodan e seus homens haviam conseguido
prender um dos senhores da galáxia. Atlan via-se diante de discussões sem fim com;
Rhodan, apenas para resolverem como o criminoso devia ser tratado.
Uma luz acendeu-se. A parede interna da eclusa deslizou para um lado. Os três
homens penetraram na sala de comando. Numa mesa, bem no meio do recinto, um
homem estava amarrado sobre uma mesa. Atlan não duvidou que se tratava de Nevis-
Latan. O arcônida tirou o seu capacete e o traje protetor.
— Conseguimos uma nave — informou ele a Rhodan. — Está em ordem, e à nossa
disposição, a qualquer hora. Entretanto, vamos ter que apressar-nos em desaparecer da
Lemúria, pois o conselheiro Ostrum abriu a caçada atrás de nós.
— Tudo depende de quanto tempo vamos levar para fazer Nevis-Latan falar —
disse Rhodan.
“Agora chegamos ao ponto”, pensou Atlan. “Eu vou sugerir-lhe o uso do
neurodestramador, e ele me fará um sermão.”
— Nas circunstâncias atuais, acho que devíamos pensar no uso do
neurodestramador — ele ouviu Perry Rhodan dizer.
Atlan não quis acreditar nos seus ouvidos. E teve dificuldade em ocultar o seu
alívio.
— Nevis-Latan possui um forte bloqueio protetor, que não pode ser atravessado
nem por Gucky nem por Noir — explicou Rhodan. — Ele nos disse que morreria se nós
removêssemos esse bloqueio.
— Isso depende de André Noir — disse Atlan. — No instante em que conseguirmos
penetrar no bloqueio com o neurodestramador, o hipno terá que intervir imediatamente
para deter o impulso suicida.
— Isso, portanto, quer dizer que nós não podemos ter certeza de obtermos êxito,
com esse aparelho? — afirmou Rhodan.
— Exatamente, mas é a nossa única chance — disse Atlan.
Ele não duvidava que no centro do consciente do senhor da galáxia existia um
impulso de autodestruição. Logo que surgisse o perigo de Nevis-Latan papagaiar
segredos dos senhores da galáxia, ele sofreria uma apoplexia cerebral, ou encontraria a
morte certa, de algum outro modo. E isso eles somente poderiam evitar se André Noir
fosse capaz de intervir no instante correto, para conseguir o controle psíquico.
Gucky veio andando, na sua ginga característica, tomando lugar entre o arcônida e a
mesa, sobre a qual Nevis-Latan estava amarrado.
— Nós agora agarramos esse sujeito amaldiçoado, e não vamos deixar de fazer
alguma coisa com ele — piou ele, agitado. — Eu acho que não há nada para se discutir,
quanto a isso.
— O baixinho é nosso comandante! — gritou Redhorse, explicando.
Gucky lançou-lhe um olhar, furioso.
— Parece que todos os senhores são uns doidos — disse Nevis-Latan.
— Amarrem a cabeça dele — disse Atlan.
— Está querendo me matar? — quis saber o conselheiro.
Na sua voz não havia nenhum medo, e sim um interesse pragmático, como se ele
fosse um assistente não-participante de um experimento científico.
Doutreval e Redhorse amarraram a cabeça do senhor da galáxia de modo que ele
não mais podia movê-la. Atlan colocou o neurodestramador logo atrás do crânio de
Nevis-Latan sobre a mesa.
— Vai doer? — perguntou o senhor da galáxia.
— Cale-se! — resmungou Rhodan.
Nevis-Latan riu, divertido. Revirou os olhos e tentou lançar um olhar ao aparelho.
Quando não o conseguiu fez uma careta de desagrado. Atlan enfiou a tira de borracha
com os contatos dos cabos por cima da cabeça do prisioneiro.
— Vai ser desagradável para o senhor — profetizou ele. — Quem sabe o senhor se
decide a falar de livre e espontânea vontade?
— Comece — exigiu-lhe Nevis-Latan.
Atlan lançou um olhar hesitante para Rhodan. O Administrador-Geral não recusara
o uso do aparelho, mas também ainda não dera sua permissão para que ele fosse
utilizado. Na sala de comando tudo ficou muito quieto. Sem que se dessem conta do fato,
todos os homens olhavam fixamente para Rhodan.
— Ligue! — ordenou Rhodan.
Para Atlan aquilo foi como uma redenção. Ele ligou o aparelho. Nevis-Latan
estremeceu, empinando o corpo, e revirando os olhos de tal modo que só se lhe via ainda
o branco. Depois o seu corpo ficou mole.
— Isso é tudo? — perguntou Rhodan, rouco.
— É o começo — explicou Atlan. — É um bloqueio muito forte.
— Eu mato vocês todos! — gritou o senhor da galáxia numa voz estridente. —
Arranco a pele dos seus corpos.
— Por todos os planetas — disse Redhorse. — Ele está ficando louco.
— Noir! — gritou Atlan, cortante. — Cuidado, agora! O senhor da galáxia
continuava falando inarticuladamente. Seu rosto estava pálido e encovado. As narinas
tremiam. Os olhos tinham uma estranha paralisia. Parecia que as pupilas tinham inchado.
Atlan mordeu os lábios.
— Gira, polichinelo, gira! — gemia Nevis-Latan. Nos seus olhos havia um brilho
de loucura. — Gira, gira, sempre em volta, gira, gira!
— Desligue! — gritou Rhodan. — Não podemos fazer isso!
— Por favor, espere, sir! — André Noir aproximara-se da mesa. — Eu acho que
vou conseguiu segurá-lo.
Atlan olhou para Rhodan. O terrano tinha as mãos fechadas em punhos nervosos.
Parecia que, a qualquer instante, ele se atiraria sobre o neurodestramador para destruí-lo
com um só golpe. A gritaria de Nevis-Latan chegou ao seu auge. Atlan mal entendia as
palavras que o conselheiro emitia em altos brados.
Noir começou a tremer. Na sua testa apareceram gotas de suor. Com a cabeça
abaixada, ele continuava parado ao lado da mesa.
De repente Nevis-Latan acalmou-se.
— Ele está morto? — perguntou Kakuta.
Noir deu-lhe as costas e deixou-se cair no cadeirão do comandante. Cobriu o rosto
com ambas as mãos. Atlan curvou-se sobre o senhor da galáxia. O homem respirava
normalmente. E olhou para Atlan, sem entender.
— Eu o tenho — declarou André Noir. — Eu o controlo.
— Parabéns! — disse Atlan, reerguendo-se.
Noir sacudiu a cabeça, com raiva. Tirou os cabelos da testa.
— Não — disse ele. — Não me dê os parabéns.
Atlan sentiu que as palmas de suas mãos estavam úmidas.
Retirou a fita da cabeça de Nevis-Latan e desligou o neurodestramador. Apressou-
se a tirar o aparelho de cima da mesa. Surpreso, deu-se conta de que sentia-se como um
criminoso apanhado em flagrante.
— Os seus pensamentos estão claramente abertos, diante de mim — avisou Gucky.
— Ele pensa na estação do tempo.
— Ele está sob meu controle — declarou Noir. — Ele vai receber um bloqueio
hipnótico. E enquanto estiver neste estado, somente pensará ainda em coisas nas quais
deve pensar.
— Nós, agora, podemos interrogá-lo? — quis saber Perry Rhodan.
— Sim — disse Noir. — O senhor pode começar, sir.
Atlan afastou-se da mesa. Redhorse desamarrou o conselheiro. Lentamente Nevis-
Latan ergueu-se. Parecia que ele podia controlar os seus membros somente com muito
esforço. Atlan quase sentiu pena desse homem. Nevis-Latan sofrerá uma queda
formidável.
Do alto do seu poder ele se transformara numa vítima, sem vontade própria, dos
mutantes terranos. Não era nada do que alguém pudesse orgulhar-se, pensou Atlan. As
exigências da luta sem tréguas, contra os senhores da galáxia, traziam consigo essas
coisas. E não haviam sido os terranos e sim os senhores da galáxia que tinham fixado as
regras desse confronto.
— Gucky, você dá um salto à terra, levando o micro comunicador de rádio, para
informar a tripulação da Crest III, através de um curto sinal codificado, sobre a nova
situação — disse Rhodan ao rato-castor. — Logo que isso estiver liquidado, você volta
para bordo. Major Redhorse, o senhor assume os controles desta embarcação. Vamos sair
diretamente para o mar aberto. Nevis-Latan vai conduzir-nos à sua estação submarina.
Gucky desmaterializou. Neste instante, Olivier Doutreval saiu do recinto que ficava
ao lado, muito apressado.
— Sir, eu descobri uma coisa maravilhosa! — gritou ele.
— O que foi? — perguntou Rhodan.
— Um chuveiro num box diminuto — disse o rádio-operador, entusiasmado. —
Finalmente vamos poder tomar banho.
Rhodan olhou aquela figura suja do astronauta.
— Ninguém vai tomar banho — decidiu ele. — Afinal de contas, precisamos voltar
de novo à terra, onde teremos que continuar representando nosso papel de alarianos.
***
Nevis-Latan estava sentado diante dos controles, guiando o seu submarino ao
encontro de sua estação no fundo do mar. André Noir controlava-o agora totalmente, de
modo que o senhor da galáxia nem sequer pensava que estava fazendo exatamente o jogo
dos seus adversários.
Num curto interrogatório, Perry Rhodan e seus acompanhantes ficaram sabendo que
Nevis-Latan realmente estava em Vario, para interceptar a Crest III. Os senhores da
galáxia haviam calculado precisamente, com antecedência, a chegada do ultracouraçado
terrano, e enviado um membro de sua organização, Nevis-Latan, para Lemúria, utilizando
a sua máquina do tempo, para que ele ali estivesse na hora certa.
Depois disso, o conselheiro dissera que, nos flancos de uma cordilheira submarina,
havia uma estação que ele visitava em intervalos regulares. Ali havia até um sensor de
campo de zero absoluto, à sua disposição. Além disso, ele podia contatar os seus homens
no tempo real, passando-lhe notícias do tipo-Morse, usando esse mesmo sensor de campo
de zero absoluto, com o qual, inclusive, recebia comunicados.
Essas informações fizeram com que Perry Rhodan mandasse que o submarino,
imediatamente, tomasse a rota da estação submarina.
O grande problema para o Administrador-Geral consistia no fato de ter que
provocar os especialistas dos senhores da galáxia, que, em algum lugar no tempo real,
estavam sentados atrás dos controles da estação do tempo, a buscar a Crest III para o
presente.
Neste ponto, os planos de Rhodan poderiam fracassar, pois como é que se poderia
deixar claro aos senhores da galáxia, sem que eles desconfiassem de nada, que uma
espaçonave devia ser buscada, de qualquer maneira, do passado? A situação devia ser
exposta com tanta urgência, que os amigos de Nevis-Latan não esperassem nem por um
instante pela passagem da nave ao tempo real.
Eles não poderiam simplesmente dizer a Nevis-Latan:
“— Aqui estão nove alarianos que gostariam de voltar ao tempo real.”
Como, entretanto, perguntava-se Rhodan, a Crest III poderia ser promovida a um
objeto tão importante, sem que alguém, no tempo real, desconfiasse de nada?
Rhodan voltou-se, com novas perguntas, a Nevis-Latan, que, calmo, como se nada
tivesse acontecido, vigiava os controles do submarino.
— Os seus contatos no tempo real esperam que o senhor entre em ligação com eles?
— quis saber Rhodan.
— Somente quando acontece alguma coisa importante — respondeu o senhor da
galáxia de boa vontade.
— Isso teria a ver alguma coisa com a sua tarefa especial?
— Eu não saberia de outra coisa, que fosse importante na Lemúria — disse Nevis-
Latan.
— Em que circunstâncias os especialistas de sua organização estariam preparados
para executar uma transposição no tempo?
Nevis-Latan virou-se. Os seus olhos fixaram em Rhodan, penetrantes.
— Eles apenas encaminharão a transposição no tempo, quando minha tarefa tiver
sido executada, e eu possa regressar ao tempo real — disse ele.
Rhodan mordeu os lábios. Era inconcebível passar um objeto gigantesco como a
Crest III, em lugar do conselheiro, através da barreira do tempo. Com a ajuda do sensor
de campo de zero absoluto, os especialistas no tempo real imediatamente descobririam o
truque, tomando as medidas correspondentes. Não, dentro da estação do tempo era
necessário que se estivesse esperando um objeto da grandeza de uma espaçonave.
Rhodan simplesmente tinha que encontrar um meio para tomar uma cosmonave tão
importante para os senhores da galáxia, que eles mesmos a buscariam do passado. E
nisso, o adversário nem poderia suspeitar de que, com essa nave, se tratava da Crest III.
Atlan interveio. Perguntou a Nevis-Latan:
— A sua organização certamente está interessada em coisas que até agora não tinha
à sua disposição?
— Naturalmente — concordou Nevis-Latan. — Nós estamos sempre empenhados
em aperfeiçoar, ao máximo, nossos equipamentos e armamentos.
— Pois então ouça-me muito bem — pediu-lhe Atlan. — Uma nave lemurense de
pesquisadores descobriu um planeta no qual vivem seres interessantíssimos. Trata-se de
telepatas naturais, natos. Esse dom telepático, entretanto, só se torna eficaz, quer dizer, só
funciona, quando estes seres conseguem incorporar-se a um corpo-hospedeiro. Os
pequenos parasitas são totalmente inofensivos aos corpos-hospedeiros e dependentes da
influência da vontade destes.
— Os corpos-hospedeiros, portanto, poderiam usar, para os seus fins, os dons
telepáticos de seus parasitas? — quis saber Nevis-Latan.
— Exatamente — disse Atlan. — E eu posso imaginar que estes seres seriam de
grande valor para a sua organização no tempo real.
— Sem dúvida — concedeu Nevis-Latan. — Como, entretanto, poderíamos nos
apoderar dessa nave?
— A nave está voando, agora, em direção ao sistema de Big Blue — continuou
mentindo Atlan, deslavadamente. — Se o senhor conseguir, em tempo útil, a autorização
dos seus contatos, nós poderíamos atrair a nave para dentro do campo de zero absoluto,
para que a mesma rompa a barreira do tempo.
— Uma idéia brilhante — disse Nevis-Latan, que estava tão influenciado pelo
bloqueio hipnótico de Noir, que aceitou a história improvisada por Atlan como
verdadeira.
— O senhor entrará em contato com a estação do tempo, em futuro próximo? —
perguntou Rhodan, que aceitou o plano de Atlan.
— Naturalmente — garantiu Nevis-Latan. — Se existir a possibilidade de
seqüestrar essa nave, ela terá que ser aproveitada.
Rhodan anuiu com a cabeça para o arcônida. Eles tinham levado o senhor da galáxia
a contatar sua estação do tempo no tempo real, para apresentar-lhes a sua história. Tudo
agora iria depender de como os especialistas reagiriam a ela.
Talvez a idéia de Atlan significasse a salvação.
Gucky materializou no meio da sala de comando e comunicou que o impulso curto
para a Crest III havia sido irradiado. Rhodan via nisso mais um bom indício. Sem querer,
ele teve que sorrir. Na situação atual, a perspectiva de um progresso parecia-lhe já uma
grande vitória.
Ele olhou a sala de comando. Os homens que não possuíam um ativador de células
tinham se deitado no chão, e dormiam. Usavam os seus trajes de proteção como
travesseiros. Rhodan sentiu uma espécie de ternura. Ele sabia que podia contar com cada
um deles. Eles tinham aprendido a se adaptar a toda e qualquer situação.
— Agora estamos chegando próximos da estação — a voz de Nevis-Latan
interrompeu suas reflexões.
— Vamos ter que desembarcar? — perguntou Rhodan.
— Não — disse o senhor da galáxia. — Existe uma eclusa para o submarino. Eu
posso abri-la por impulso remoto.
Nevis-Latan tinha ligado os dois fortes holofotes da proa do submarino. Eles
iluminavam a água numa circunferência de muitos metros. Na tela do rastreador, os
contornos da cúpula de aço submarina eram visíveis como um anel fluorescente. Na
segunda tela de imagem, Rhodan podia ver o mar iluminado pelos holofotes. Peixes
multicoloridos, de todos os tamanhos, surgiam no círculo luminoso.
— Dentro da estação há alguns robôs, que fazem caça submarina para mim —
informou Nevis-Latan a Rhodan. — Deste modo, sempre posso demonstrar admiráveis
sucessos em minha caça subaquática, quando volto para Wo-Kartan.
Rhodan anuiu. Também nesse caso, os senhores da galáxia não tinham esquecido
nada. Aos olhos dos lemurenses o conselheiro para Serviços de Transportes era um
entusiasta da caça submarina.
Na segurança com que Nevis-Latan executou a manobra seguinte, Perry Rhodan
pôde notar que ele já tinha muita prática nisso. Os impulsos de rastreamento da estação
mantinham a embarcação no curso correto. A mesma movimentava-se apenas com
velocidade muito reduzida.
— Por aqui há imensos rochedos por toda a parte — explicou Nevis-Latan
apontando para a tela do rastreador. O micro ponto luminoso que representava o
submarino parecia perdido entre os pontos cintilantes.
Finalmente a superfície externa da cúpula surgiu. A abertura da eclusa era
iluminada pelos holofotes. A embarcação entrou na mesma lentamente.
— Agora parte da água é bombeada para fora da câmara, de modo que aparecerá
um cais em miniatura — disse Nevis-Latan. — E então vamos poder desembarcar.
— Vamos precisar de trajes protetores? — perguntou Rhodan.
— É claro que não, mas se tem alguma dúvida ou receio, poderão envergar os seus
trajes.
O senhor da galáxia, apesar do bloqueio hipnótico que Noir lhe colocara, não
perdera nada do seu sarcasmo. Eles esperaram até que a eclusa estivesse fechada.
— Vamos desembarcar pela escotilha da torre — disse Nevis-Latan. — O
submarino já está encostado no cais.
Rhodan acordou os homens e comunicou-lhes que eles já se encontravam dentro da
cúpula.
— Há alguém, dentro da cúpula? — perguntou Atlan ao senhor da galáxia.
— Somente os robôs — retrucou Nevis-Latan.
Brazos Surfat coçou, sonolento, sua barba suja.
— Um verdadeiro marinheiro, nosso prisioneiro, não acha também? — murmurou
ele para Bradon.
O Tenente Bradon piscou, nervoso, com os olhos. Seus pensamentos ainda estavam
atados ao sonho pelo qual ele acabara de passar. E levou alguns segundos até acostumar-
se às novas situações.
Nevis-Latan foi o primeiro a sair da embarcação. Foi seguido de Rhodan e Noir.
— O que acha que vai acontecer se esta cúpula desmoronar? — perguntou Surfat a
Papageorgiu, que estava parado do seu lado, esperando para subir a escada da escotilha.
— Eu nem penso nisso — disse o aspirante a oficial, bocejando.
Surfat resmungou alguma coisa, cocando a barba, e cutucando o jovem grego nas
costelas.
— Eu vou lhe dizer o que acontecerá, rapaz. Nós seremos esmagados, está
entendendo? Depois seremos arrojados para fora e levados pelas correntes marítimas
como um monte de sujeira.
— Fique quieto! — ordenou o Tenente Bradon. — É claro que a cúpula suporta a
pressão da água. Por que ela deverá desmoronar justamente agora?
— Porque nós entramos nela, todos juntos, só por isso.
— insistiu Surfat, na sua teoria. — Aposto que dentro da cúpula existe algum
dispositivo de segurança. Logo que entrar nela alguém mais que Nevis-Latan começa a
desgraça.
O rosto de Bradon ficou cinzento.
— O senhor pode estar com a razão — disse ele. — Por que, diabos, não falou nisso
antes?
Antes de Surfat poder retrucar, Bradon subiu rapidamente pela escada de ferro que
dava na escotilha. Encontrou Atlan, que tinha justamente subido. Em rápidas palavras
Bradon informou-o da suposição de Surfat.
Atlan apontou para cima.
— Nevis-Latan, Noir, Gucky e Kakuta já estão lá fora — disse ele. — Se existisse
um dispositivo de segurança, o mesmo agora já teria sido acionado.
Bradon teve a sensação de que lhe haviam puxado o tapete. Engoliu em seco.
— O senhor... — começou ele.
Atlan ergueu a mão.
— Esqueça, Bradon — disse ele. — Se nós cometemos um erro, agora já é tarde
para pensarmos nisso.
Bradon ficou olhando o arcônida subir ainda mais. Surfat veio subindo também.
Bradon lançou-lhe um olhar selvagem e começou a subir também para a escotilha. Atrás
de Surfat surgiu Redhorse.
Ele olhou, primeiro para a torre, depois mediu a grande circunferência de Surfat
com um olhar preocupado.
— Acha que vai poder passar por aí, Brazos? — perguntou ele.
— Talvez nem seja mais necessário — disse Surfat, chateado.
Redhorse quis saber o que ele queria dizer com essas palavras, e Surfat informou-o
de sua preocupação. O major encolheu os ombros, e sumiu dentro da torre.
— Até agora ainda nada aconteceu — disse Doutreval, aliviado. — Acho que
podemos seguir os outros.
Gemendo, Surfat pôs-se em movimento. Quando pôs a cabeça para fora da
escotilha, olhou para um passadiço que ia dar numa larga saliência rochosa. Naquela
saliência os homens que já tinham deixado o submarino estavam reunidos. Na parede,
Surfat pôde ver uma porta, através da qual era possível atingir o interior da estação.
A pinguela balançou quando Surfat passou sobre ela. Mesmo assim, o sargento
conseguiu atingir terra firme.
Perry Rhodan esperou até que todos os passageiros do submarino estivessem
reunidos. Os holofotes do submarino eram mais que suficientes para iluminar o pequeno
cais, numa luz muito brilhante.
— Do outro lado da cúpula, existe um segundo porto, igual a este — disse Nevis-
Latan. — Ali, os robôs costumam sair para suas expedições de pesca submarina. Os
peixes recolhidos são colocados num tanque, até que eu precise deles.
O senhor da galáxia abriu a porta e conduziu seus acompanhantes através de um
corredor iluminado de cerca de dez metros de diâmetro. Do teto abaulado, diversas
luminárias iluminavam uma série de máquinas e aparelhos. Rhodan passou rapidamente
os olhos nas instalações. Aqui provavelmente encontrava-se o centro da cúpula.
Nevis-Latan fez um gesto abrangente.
— Nos recintos próximos encontram-se meu quarto de dormir e as instalações de
suprimento de energia e força para a cúpula. Pensou-se em tudo. A cúpula estava
praticamente pronta e acabada, quando numa noite tempestuosa, foi lançada ao fundo do
mar, aqui neste mesmo lugar.
Rhodan, mais uma vez, deu-se conta do poder dessa organização que esticava as
suas garras, através do tempo e do espaço, à vontade, para garantir e fortalecer sua
posição.
— O que acontece se os lemurenses descobrirem esta cúpula? — perguntou
Redhorse.
— A cúpula dispõe de um campo energético protetor, muito eficaz e suficiente,
especialmente contra rastreamento — disse Nevis-Latan. — Caso algum caçador
submarino, contra toda a expectativa, surgir por aqui, nesta área, ele será imediatamente
liquidado pelos robôs — ele sorriu. — Depois, isso, naturalmente, pareceria um
lamentável acidente.
— Onde é que fica o sensor de campo de zero absoluto? — perguntou Rhodan, só
conseguindo, a muito custo, esconder a raiva pela desumanidade do senhor da galáxia.
Nevis-Latan passou por algumas máquinas, tateando-as com as pontas dos dedos.
Parecia que ele as saudava, após uma longa ausência. Depois, parou diante de um
aparelho oblongo, encostado contra uma parede.
— Aqui — disse ele. — Com isto é possível executar a transposição de um objeto
dentro do tempo ou num transmissor de tempo. Ao mesmo tempo, o sensor de campo de
zero absoluto serve também para levar e trazer notícias através da barreira do tempo.
Rhodan puxou Noir para mais perto de si.
— O senhor agora terá que prestar muita atenção, para que não ocorra nenhum erro
— disse ele, com ênfase.
Noir anuiu, franzindo as sobrancelhas. Ele parecia exausto. Como ele era portador
de um ativador celular, esta exaustão só poderia ser de natureza psíquica. Rhodan sabia o
esforço que Noir era obrigado a fazer, para manter constantemente sob seu controle um
homem da força de vontade de Nevis-Latan, que ainda por cima possuía, no seu
consciente, um dispositivo de segurança.
— Avise os seus contatos no tempo real a respeito da nave de pesquisas com os
parasitas telepáticos a bordo. Informe aos especialistas que nós estamos preparados a
interceptar esta nave.
Nevis-Latan hesitava. Nervoso, passou ambas as mãos pelos seus cabelos curtos,
despenteados.
— Os lemurenses certamente aguçarão os ouvidos, quando a nave sumir,
repentinamente, bem no meio do seu sistema solar — disse ele.
— Mas isso certamente é um risco que vale a pena assumir — interveio Atlan.
— Eu tenho uma missão definida — disse Nevis-Latan, com a testa enrugada. — É
alguma coisa que é bem mais importante que esta nave com os telepatas...
Rhodan não ficou escutando mais nada, lançando um olhar desesperado para André
Noir, que estava parado, tremendo, espasmodicamente, entre dois mastros.
De repente Nevis-Latan sentou-se diante do sensor de campo de zero absoluto,
ligando a alavanca de fornecimento energético.
— Ele deve ter ainda um bloqueio adicional no seu consciente, no qual nós não
conseguimos penetrar — disse Gucky. — E ele é tão diabolicamente teimoso que André
Noir tem que trabalhá-lo incessantemente por vias paranormais.
— Se nada der certo, nós o ligamos novamente ao neurodestramador — disse Atlan.
— Não querem dar uma olhada como este aparelho funciona? — disse Nevis-Latan,
chamando-os.
Eles rodearam o senhor da galáxia, fazendo um semicírculo. Rhodan ficou
observando as mãos carnudas do conselheiro deslizarem por cima dos controles.
“Talvez”, pensou Rhodan, com repentino sobressalto, “Nevis-Latan está justamente a
caminho de nos atrair para uma armadilha certa.” Apesar dessa possibilidade
assustadora, Rhodan não conseguiu tomar a coragem de mandar desligar o aparelho. Eles
tinham que correr o risco, se quisessem regressar ao tempo real.
— Qualquer objeto deixa para trás de si determinadas conseqüências dentro do
tempo no qual se mantém — explicou Nevis-Latan. — Estas conseqüências, por mais
insignificantes que sejam, são rastreadas por este aparelho sensível.
Ele abrange a escala total do tempo para o qual está sintonizado. Pressuposto
indispensável, entretanto, é que em qualquer altura dentro do espaço de tempo que ele
abrange, já tenha sido erguido um campo de zero absoluto — Nevis-Latan curvou-se para
a frente. Lâmpadas de controle se acenderam. — O sensor de campo de zero absoluto não
faz nada mais que ponderar um contra o outro entre causa e efeito. Depois ele confronta
as medições conseguidas com medições anteriores e consegue, através dessa comparação,
um conhecimento exato sobre se um corpo se movimentou através do tempo. Como ele
pode perseguir todos os efeitos de volta, na linha do tempo, até a causa, é possível
calcular, com exatidão de segundos, a transposição de um corpo no tempo.
— Ótimo — disse Rhodan, impaciente. — E agora, por favor comece de uma vez,
caso contrário a nave terá pousado, antes mesmo de podermos intervir.
— Com a transmissão de notícias para o tempo real a coisa é semelhante —
continuou Nevis-Latan, imperturbável. — Este sensor de campo de zero absoluto indica
alguma causa, cuja avaliação é efetuada por um aparelho semelhante no tempo real, e
interpretado corretamente. No fundo, tudo não passa de um fluxo constante de energia
através da barreira do tempo, efetuada por estas máquinas.
O sargento Brazos Surfat, que, junto com Papageorgiu, ficara mais à retaguarda,
olhou para o aspirante a oficial, de esguelha.
— Está entendendo uma só palavra do que o sujeito está falando? — perguntou ele,
em voz baixa.
— Não — confessou Papageorgiu.
— Afinal, o senhor é aspirante a oficial — insistiu Surfat. — A quem é que um
sargento sem instrução pode perguntar essas coisas, se não a homens como o senhor?
— Por que não pergunta ao Chefe? — sugeriu Papageorgiu.
— Prefiro engolir um sapo — declarou Surfat.
— Silêncio! — ordenou Rhodan. — Pare com essa conversa fiada, Surfat.
Ele ouviu o clique da máquina, e logo em seguida fez-se um silêncio pesado. Surfat
esticou o pescoço, para poder ver alguma coisa.
— Isso é tudo — disse Nevis-Latan, finalmente. — Vai levar algum tempo, até que
nos chegue uma resposta.
Surfat suspirou, procurando, com os olhos, algum lugar para sentar-se.
— André Noir devia forçar o senhor da galáxia a fritar-nos alguns peixes — disse
ele para Chard Bradon.
— Será que não pode pensar noutra coisa, do que em encher essa sua barrigona? —
perguntou o tenente, chateado.
— Olhe, esse é um pensamento honesto, macho — informou-o Surfat. — Ou acha
melhor eu pensar nessas malucas transposições de tempo, até morrer de fome?
— O senhor realmente não passa de um bárbaro alariano — resmungou Bradon.
O senhor da galáxia se levantara. Ele comunicou aos homens que se passaria algum
tempo, até que uma resposta pudesse ser esperada. Rhodan viu chegada a oportunidade
para fazer mais algumas perguntas a Nevis-Latan.
— Como é que a nave é transportada ao tempo real, sem que os lemurenses fiquem
sabendo desse fato? — perguntou Rhodan.
— O transporte de um corpo ao tempo real somente pode ocorrer através de um
campo de zero absoluto. Ele ocorre perto do sol gigante Big Blue e não pode, devido à
sua natureza hexadimensional, jamais ser rastreado pelos habitantes, deste tempo, de
Vario.
— E por que não? — interveio Rhodan.
— Por favor, entenda que o rastreamento de uma tal unidade energética não pode
ser efetuado com aparelhos existentes atualmente nesse planeta. Para isso são necessários
aparelhos de construção especial.
— Mas como é que, afinal, o campo de zero absoluto pode ser encontrado?
— Através de um feixe rastreador, irradiado de minha central, que trabalha no
mesmo plano energético e também não pode ser rastreado. Nós tomamos todas as
medidas para que o desenvolvimento de sensores apropriados fosse interditado.
— Onde é que fica o rastreador especial, com o qual se pode ajustar o feixe
direcional?
Aquele homem sem vontade própria também desta vez deu a informação certa.
Um minuto mais tarde, Rhodan tinha nas suas mãos uma execução portátil do
rastreador hexadimensional. Não era maior que um aparelho de rádio convencional, de
fabricação terrana.
— Já é hora de nós o interrogarmos sobre a sua organização — disse Atlan.
Rhodan não sabia por que, até agora, ele ainda não fizera este tipo de perguntas,
apesar de o interessarem vivamente. Há muito tempo ele quisera saber de alguma coisa a
respeito dos senhores da galáxia, tão misteriosos. Alguma coisa, entretanto, dizia-lhe que
ele não devia fazer destas perguntas a Nevis-Latan.
— O que é que você está esperando? — perguntou Atlan.
Rhodan hesitou mais uma vez. Ele não podia explicar ao arcônida que não queria
fazer estas perguntas, baseado apenas num receio indefinido. Isso simplesmente o teria
feito parecer ridículo. Por isso lançou um olhar para Gucky, como pedindo por ajuda.
— Não parece haver perigo, que estas perguntas possam ativar o bloqueio de
segurança — disse o rato-castor.
— Conte-nos alguma coisa sobre os senhores da galáxia — exigiu Rhodan do
conselheiro.
Uma curiosa e estranha modificação ocorreu com Nevis-Latan. O seu corpo como
que enrijeceu. Ele fixou os olhos em Rhodan. Rhodan pôde sentir como aumentava sua
tensão interior.
— O senhor terá que me perguntar o que quer saber — pediu Nevis-Latan.
A sua voz soava estridente, quase histérica.
— De que modo os senhores da galáxia dominam toda a Nebulosa de Andrômeda,
onde encontra-se a sua matriz, e qual é o tamanho do seu povo? — estas perguntas
praticamente saíram da boca de Rhodan aos borbotões. Ele tinha a sensação de que
precisava terminar o mais rapidamente possível com este interrogatório.
Nevis-Latan encolheu a cabeça entre os ombros e começou a rolar os olhos nas
órbitas. Suas mãos transformaram-se em garras. Ele as estendeu para longe de si, como se
procurasse algum apoio. O seu rosto mudou de cor.
— Sir, eu... — começou Noir, perturbado. Nevis-Latan emitiu um grito animalesco.
Ele atravessou velozmente a sala de comando, em diagonal, desaparecendo por uma porta
lateral, antes mesmo de um dos homens poder reagir.
— Nós não devíamos ter-lhe perguntado isso — disse Noir, em voz baixa. — Eu
acho que ele ficou louco.
Rhodan voltou à sua superioridade habitual. Eles ainda precisavam de Nevis-Latan.
Não poderiam voltar ao tempo real, com um senhor da galáxia maluco.
— Atrás dele! — ordenou ele.
Kakuta e Gucky desmaterializaram. Rhodan e os outros homens perseguiram o
conselheiro, através da porta. De algum lugar dentro da estação veio a voz de Kakuta.
— Ele está aqui! Aqui na eclusa!
Rhodan atravessou dois recintos menores e finalmente chegou com seus
acompanhantes a um pequeno porto, que se assemelhava exatamente àquele através do
qual eles haviam chegado.
Nevis-Latan estava rolando na água da eclusa. Kakuta também se atirara na água,
tentando retirar de lá o homem enlouquecido.
— Noir! —gritou Rhodan. — Dê um jeito de controlá-lo! O hipno estava à beira do
pequeno cais. Rhodan viu alguns peixes que fugiam de Nevis-Latan. Papageorgiu e
Surfat pularam na água jogando-se em cima do senhor da galáxia.
Juntos com o teleportador finalmente conseguiram tirá-lo da água.
Tremendo muito e com o rosto pálido o senhor da galáxia estava, de pé, na beira da
água. E dizia coisas inarticuladas.
— O controle especial — observou Gucky. — Ele tem um bloqueio de segurança,
que também não é possível penetrar com o neurodestramador. Se nós lhe fizermos
perguntas que têm a ver com o seu povo, ele acabará enlouquecendo.
O corpo de Nevis-Latan ficou mole. Ele gemeu, e comprimiu a testa com ambas as
mãos. De repente ele começou a soluçar desordenadamente. Rhodan respirou fundo. A
força de vontade deste homem, mais uma vez, triunfara sobre a loucura.
Finalmente Nevis-Latan ergueu a cabeça. Olhou, intrigado, a grande poça de água,
que se formara a seus pés.
— O que foi que aconteceu? — perguntou ele, perturbado.
Rhodan fez um sinal para André Noir. O mutante anuiu, em silêncio.
— O senhor queria mostrar-nos o segundo porto, e acabou caindo na água —
mentiu Atlan. — E não se comportou exatamente como um aficcionado da caça
submarina.
— É mesmo? — Nevis-Latan continuava muito sério.
— Bem, é melhor voltarmos todos à sala de comando. A resposta de minha
mensagem pode chegar a qualquer momento.
— E nós? Vamos andar por aí com a roupa toda molhada? — queixou-se Brazos
Surfat.
— O que é que acha mais agradável, sargento — um resinado ou a perspectiva de
continuar vivendo no passado? — perguntou o Major Redhorse.
— Está bem, está bem — resmungou Surfat. — Lentamente estou entendendo que
meus modestos pedidos são constantemente negados. É simplesmente porque ninguém
quer...
Ele interrompeu-se, porque verificou que ainda era o único a permanecer no
portinho. Os outros já estavam a caminho da sala de controles. Surfat deu vazão à sua
raiva, com um palavrão saboroso. Depois saiu correndo para alcançar os outros. Nevis-
Latan sentara-se novamente, mesmo de roupas molhadas, diante do sensor de campo de
zero absoluto. Rhodan e Noir estavam de pé, logo atrás dele.
— Hum — fez o senhor da galáxia, pensativo. — A resposta já devia ter chegado.
Rhodan nem ousava pensar na possibilidade de que os especialistas dos senhores da
galáxia no tempo real pudessem ter descoberto o truque, e agora calculavam como
poderiam destruir a Crest III e sua tripulação.
— Por que está demorando tanto? — perguntou Atlan.
— Aparentemente, no presente, ainda não chegaram à conclusão se devem fazer
passar a nave pelo alçapão do tempo ou não — declarou Nevis-Latan. Ele levantou-se e
apontou para um dos pequenos recintos laterais da cúpula. — Acho que vou buscar
roupas secas para mim — disse ele. Rhodan entretanto fê-lo sentar-se novamente na
cadeira.
— Vamos esperar — disse ele, calmo.
Nevis-Latan conformou-se com a sua sorte, porque André Noir o mantinha sob
controle. Seu desejo de trocar de roupa, ele já havia esquecido novamente.
O tempo passou, sem que acontecesse alguma coisa. Mais uma vez Atlan voltou-se
ao senhor da galáxia.
— O senhor tem certeza que nossa mensagem conseguiu passar? — quis ele saber.
— Não é possível que o senhor tenha cometido algum erro?
Nevis-Latan sorriu, zombeteiro.
— Eu controlo este aparelho de olhos fechados. Acha que me teriam enviado a este
tempo, se minha organização não pudesse ter certeza de que eu trabalho sem erro?
Atlan puxou Rhodan alguns passos para trás, para afastá-lo do aparelho.
— Nós temos que fazer alguma coisa — murmurou o arcônida. — É possível que
não se receba notícia alguma. Como é que poderemos, então, passar pela barreira do
tempo, com a Crest?
— Vamos esperar — decidiu Rhodan. Ele esperava, desesperadamente, que a
mensagem ainda seria respondida. Não havia, simplesmente, qualquer outro caminho
para voltar ao tempo real.
Quatro minutos mais tarde acenderam-se três pequenas lâmpadas do painel de
controle. Nevis-Latan curvou-se para a frente e fez uma ligação.
— Chegou o momento — declarou ele, sem dar atenção aos rostos tensos dos que o
observavam. — Uma notícia do tempo real está passando.
Rhodan ouviu um zunido indefinido, depois o sensor de campo de zero absoluto
cuspiu, de uma fenda, uma tira de papel, que Nevis-Latan, com toda a calma, enrolou nas
suas mãos.
— A notícia será imediatamente decodificada — disse ele.
— O que é que os seus colaboradores dizem de sua sugestão? — perguntou Rhodan.
Nevis-Latan levantou-se, empurrando a cadeira para trás. Ele piscou, perturbado, na
direção dos que assistiam a tudo aquilo. Depois rasgou a tira de papel no seu final e disse:
— Os responsáveis, dentro da estação do tempo, estão prontos a buscar a nave
exploradora dos lemurenses para o tempo real. Meus amigos estão interessados naqueles
parasitas, que podem desenvolver dons telepáticos.
Só agora Rhodan sentiu que sua boca estava completamente seca. Por isso teve que
engolir em seco, várias vezes, antes de poder falar.
— O que é que nós teremos que fazer, agora?
— É muito simples — retrucou o senhor da galáxia. — Precisamos apenas indicar o
momento exato quando levarmos a nave para as proximidades do campo de zero
absoluto. Todo o resto será controlado pela estação do tempo.
— Mas como é que poderemos indicar o momento exato? — quis saber Rhodan.
— Quem é que está falando de um tempo exato? — disse Nevis-Latan. — É
suficiente que o senhor indique o momento aproximado.
Rhodan trocou um olhar indeciso com Atlan.
— Acho que podemos fazer tudo isso em quatro horas — disse o arcônida,
confiante. — Se Gucky agora passar um impulso curto para a Crest, tudo deve dar certo.
Entrementes nós estaremos a bordo da Pertagor. Antes da Crest penetrar no campo de
zero absoluto, a Pertagor dará entrada numa de suas eclusas.
— Cinco horas — decidiu Perry Rhodan. — Em dadas circunstâncias, o Coronel
Rudo poderá adiar a chegada do vôo.
— Eu salto adiante e fico esperando junto aos planadores — disse Gucky, e
desmaterializou.
Nevis-Latan seguiu toda essa conversa e os acontecimentos totalmente como se não
participasse dos mesmos. André Noir dava um jeito para que o senhor da galáxia
esquecesse imediatamente os acontecimentos, ou então que os interpretasse erradamente.
Sem o hipno esse jogo teria sido impossível.
Rhodan disse ao conselheiro o momento, a hora que ele achava a certa. Nevis-Latan
transmitiu-a aos seus homens no tempo real, com a ajuda do seu sensor de campo de zero
absoluto.
— Precisamos esperar por uma confirmação? — perguntou Rhodan.
— Isso não é necessário — disse Nevis-Latan.
— Então podemos sumir daqui — disse Rhodan. — Vamos ao submarino e
regressamos com ele para a costa.
Rhodan perguntava-se se os contatos do conselheiro no tempo real acreditavam na
história do navio de pesquisas, ou se imaginavam a verdade. Se esta última hipótese fosse
o caso, a tripulação da Crest poderia preparar-se para uma recepção muito desagradável.
Não havia nenhuma possibilidade de ficar-se sabendo se os especialistas no presente
haviam sido avisados. Nem mesmo Nevis-Latan poderia descobrir isso.
Apesar de todas as dúvidas, Rhodan não hesitou em continuar com os seus planos.
Se eles quisessem chegar, algum dia, ao seu próprio tempo, tinham que se arriscar.
Arriscar-se, inclusive, à total destruição do ultracouraçado terrano Crest III e de toda a
sua tripulação.
Quando Rhodan penetrou na torre do submarino lemurense, ele não pôde deixar de
sorrir discretamente.
A Crest III não chegaria despreparada ao presente. No mesmo instante em que o
campo de zero absoluto ruísse, a nave-capitânia do Império Solar começaria a lutar com
todas as armas que tinha à sua disposição.
9

Tannwander estava deitado, de olhos fechados, na areia, e dormitava. O vento que


vinha do mar trazia-lhe frescura e bem-estar. Ele ouvia as ondas batendo nas rochas. De
vez em quando o grito de uma ave marinha chegava-lhe aos ouvidos. Apesar de sua
inquietação interior, à qual ele agora já estava lentamente se acostumando, ele sentia-se
excepcionalmente bem. Por que ele não deveria tomar mais alguns dias de férias da ilha e
de sua organização? Ogip, o seu lugar-tenente, cuidaria de tudo. Afinal de contas ele não
voltaria de mãos vazias, mas levando valiosos quartzos oscilantes que, em dadas
circunstâncias, eram difíceis de obter, até mesmo por sua organização.
O ruído monótono de turbinas tirou-o do seu sono. Ele abriu os olhos. Os dois
planadores estavam parados, abandonados, entre os rochedos. Tannwander quis fechar os
olhos novamente, tranqüilizado, quando uma sombra caiu-lhe no rosto. Ele piscou,
perturbado, contra a luz do sol.
Um planador a turbina estava pousando, muito próximo dali.
Isso não era, absolutamente, incomum, pois muitos caçadores submarinos preferiam
pousar ali do que nos pousos de estacionamento perto de Wo-Kartan.
Quando o planador já estava bastante baixo, para que Tannwander, apesar do sol
forte, pudesse ler a sua inscrição, ele pôs-se imediatamente de pé. E sacudiu a areia de
sua capa.
Um planador da polícia! Tannwander não pôde deixar de dar um assobio. Esses
sujeitos tinham que meter o nariz em toda parte. Ele recostou-se numa rocha e ficou
observando, negligentemente, o pouso do aparelho. Logo em seguida dois homens
uniformizados pularam para fora. Olharam por pouco tempo os dois planadores entre os
rochedos. Discutiram, acaloradamente, mas o jovem lemurense não conseguia entender o
que diziam.
Depois eles o viram. Imediatamente vieram na sua direção. Tannwander nem
pensou em fugir. Ele sabia como lidar com policiais metidos.
— Quem é o senhor? — perguntou o mais alto dos dois agentes. — O que está
fazendo, aí de pé?
— Fiquei o tempo todo deitado — declarou Tannwander, de maus modos. — Se
não estiverem satisfeitos com a minha posição atual, naturalmente poderei ficar
novamente na horizontal.
E começou a deitar-se novamente na areia.
O policial, que o interpelara, ficou de cara vermelha.
— Levante-se! — gritou ele. — Eu perguntei quem é o senhor?
Tannwander levantou-se.
— Para que quer saber disso? — perguntou ele, indiferente.
— Porque — retrucou o agente, furioso — aqui por perto dizem que devem estar
nove astronautas alarianos, que estão sendo procurados, em relação com o assassinato do
conselheiro Trahailor.
Tannwander ficou levantando areia com o dedão do pé direito.
— Por que não dão uma olhada? — sugeriu ele aos policiais. — Há alguns minutos
atrás, eu enterrei todos os nove, aqui mesmo, na areia.
— Vamos levá-lo conosco — decidiu o menor dos dois homens. — Rapazes como
o senhor, de vez em quando é bom que sejam colocados um pouco sob pressão.
— É uma pena para os senhores que eu não acompanhe qualquer um que gostaria
que eu o fizesse — disse Tannwander, lastimando.
Eles o revistaram em busca de armas, e tiraram-lhe um paralisador e uma pequena
arma energética dos bolsos. Tannwander encolheu os ombros.
— Ele tem alguma coisa a ver com essa história — disse o mais alto dos policiais.
— O que é que você acha, Bargo?
— Não sei — resmungou Bargo. — Ele é praticamente um menino. Por que deveria
ter alguma coisa a ver com isso?
— Como é o seu nome? — perguntou o outro, novamente.
— Tannwander — disse Tannwander.
— Ha! — fez Bargo e sorriu, meio sem jeito. — Esse é realmente um piadista.
Vamos levá-lo conosco, Allors.
Allors agarrou Tannwander pelo braço e queria puxá-lo na direção do planador da
polícia. Tannwander colocou uma perna diante do policial, e deu um soco nas costas do
homem. Allors aterrissou pesadamente na areia.
Bargo olhou, por um momento, admirado, para o seu acompanhante. Depois ele
atirou-se sobre Tannwander, agarrando-o na gola de sua jaqueta.
Tannwander deslocou-lhe o braço e deu um passo para trás, cuidadosamente. Bargo
ficou dançando, aos gritos, em volta de Allors, que continuava meio desmaiado no chão.
Finalmente Allors tinha puxado a sua arma. Passou a mão pelo rosto, e disse ameaçador:
— Isso basta — disse ele. — Posse de armas sem licença e resistência à autoridade
constituída.
Tannwander sorriu.
— Acha mesmo que eu tenha vindo sem meus amigos? — perguntou ele, e apontou
para os planadores.
Allors sacudiu a cabeça.
— Você é até bem espertinho — disse ele. — Mas desta vez os seus truques não
pegam.
Ele ainda não terminara de falar quando o seu boné saiu de sua cabeça e começou a
pairar lentamente no ar. De boca aberta ele ficou olhando aquilo. Tannwander, que não
estava menos admirado, perguntava-se se não estava sofrendo uma alucinação.
E agora Bargo viu o boné do seu colega e começou a choramingar.
— Isso não vai ajudá-lo em nada — declarou Allors, aparentemente decidido a
prender aquele rapaz de qualquer jeito. — Vamos, para o planador!
O gesto com a arma era inequívoco. Porém, de repente, o cano de seu blaster
curvou-se para trás. Depois abriu-se a fivela do cinto da calça de Allors. O policial
deixou cair a arma, como se a mesma estivesse incandescente, e agarrou a sua calça que
caía.
Tannwander olhou tudo aquilo de boca aberta. Não queria acreditar no que estava
vendo.
Enquanto Allors lutava com a sua calça, Bargo fugia para o planador da polícia.
— Nós vamos voltar! — gritou ele. — Vamos voltar com reforços!
Ele tropeçou numa rocha que, de repente, apareceu à sua frente, e fez um esforço
para entrar no interior do veículo, vociferando o tempo todo.
— Quem é o senhor? — gaguejou Allors, cheio de medo, olhando para Tannwander
com os olhos esbugalhados.
Depois virou-se e saiu correndo para o planador. O seu boné flutuava um metro
atrás dele.
Quando o planador finalmente levantou vôo, as suas turbinas faziam um ruído
esquisito, irregular. O aparelho quase voou contra um rochedo muito alto, irregular.
Balançava perigosamente quando finalmente conseguiu acelerar.
Neste instante, Tannwander viu uma figura que parecia como um rato que tivesse
crescido demais, vindo de onde estavam pousados os dois planadores.
— Ei! — gritou aquela figurinha, com um pio de voz.
Numa ginga esquisita aquele ser estranho aproximou-se.
Os pensamentos de Tannwander eram um turbilhão. Ele estava convencido de que
estava tendo um pesadelo.
— Na realidade, de acordo com o planejado, você não deveria me ver — disse a
criatura estranha parando diante de Tannwander. Mostrou um enorme dente roedor, cujo
tamanho não tinha qualquer relação com o restante do corpo.
— Mas André Noir certamente vai tirar-lhe novamente a lembrança de tudo isso,
antes de nós desaparecermos daqui hoje — continuou o desconhecido.
Lentamente uma luzinha brilhou no consciente de Tannwander. Ele apontou para o
mar alto.
— Você faz parte deles, não é?
— Eu sou o comandante deles — disse Gucky, cheio de si. — Sou a eminência
parda, por trás de tudo, você entende?
— Não — disse Tannwander. — Nem uma só palavra.
— Não faz mal — consolou-o Gucky. — Até mesmo meus melhores amigos muitas
vezes não me entendem. Eu tive que intervir, antes que aqueles dois sujeitos levassem
você com eles.
— Eles vão voltar — profetizou Tannwander, preocupado.
— Não tenha tanta certeza assim — disse Gucky. — Eles certamente vão evitar
contar a sua história a quem quer que seja. Eles imediatamente seriam declarados loucos.
Provavelmente não falarão disso a lemurense algum.
— Durante todo esse tempo eu achei que podia ajudar vocês — disse Tannwander,
lembrando-se de tudo. — E, pelo que vejo, vocês nem precisavam de minha ajuda.
— Você é nosso amigo — disse Gucky, emocionado.
— Porém o pior é que, em nossa pátria, não vamos poder contar a ninguém sobre
você.
— Por quê? — quis saber Tannwander, espantado.
— Porque você é um criminoso — declarou Gucky, lacônico.
E mais não disse. Diante dos olhos de Tannwander ele dilui-se e sumira. Porém,
praticamente no mesmo instante, tornou-se visível novamente diante de um dos
planadores.
— Venha para cá! — gritou ele na sua voz estridente. — Os outros vão chegar a
qualquer momento. Não temos muito tempo a perder.
Com grandes passadas, o lemurense pôs-se em movimento. Havia muita coisa em
que ele teria que pensar agora.
Mas por onde, perguntou-se ele, perturbado, deveria começar?
***
O Major Don Redhorse colocou o submarino do senhor da galáxia no fundo do mar,
a dez metros da costa apenas. Os homens vestiam novamente seus trajes protetores.
Também Nevis-Latan colocara o seu traje de mergulho, que trazia constantemente
consigo na embarcação.
— Temos que desembarcar, aos poucos — disse Rhodan- — A câmara da eclusa
não é suficientemente grande para comportar dez homens de uma só vez.
Ele mandou Bradon, Atlan, Nevis-Latan, Redhorse e Surfat na frente. Passaram-se
apenas poucos minutos até que os cinco homens deixaram a embarcação.
— O que vai acontecer com o submarino, sir? — quis saber Olivier Doutreval.
— Fica aqui mesmo, no fundo do mar — decidiu Rhodan. — Mais cedo ou mais
tarde, algum caçador submarino o descobrirá. Então ficarão imaginando o que terá
acontecido com o conselheiro. Vão verificar que a eclusa está aberta. Tudo parecerá um
acidente. Os lemurenses entrarão em contato com a polícia, pois pouco depois do
assassinato de Trahailor, toda essa coisa se parece com um novo crime. Entretanto,
jamais descobrirão o que realmente aconteceu.
— E isso até é bom — achou Tako Kakuta, pensativo. — Quem é que pode
concordar com o fato de que estranhos, vindos de um outro tempo, procurem influenciar
o fluxo dos acontecimentos de acordo com a sua vontade?
“Do ponto de vista dos lemurenses, o passo através do tempo é uma
monstruosidade”, pensou Rhodan. Mas também ele jamais poderia ter certeza de que eles
não tivessem influenciado alguma coisa que iria acontecer no distante futuro, pelo seu
surgimento no ano de 49.488 antes do nascimento de Cristo. Mas era inútil pensar nisso.
A viagem no tempo era uma coisa perigosa, que poderia abalar os alicerces da existência
de toda a Vida no Universo.
“Cada um pertence à sua própria época do tempo”, pensou o Administrador-Geral.
Eles dirigiram-se à câmara da eclusa. Kakuta tomou os controles e inundou o
pequeno recinto. Poucos minutos depois eles se deixaram pairar para a superfície.
Rhodan avaliou que a embarcação devia estar a menos de vinte metros de profundidade.
Portanto, era certo de que logo seria descoberta.
Ele chegou à superfície e viu, junto aos rochedos, cinco figuras saindo de dentro da
água. Os outros haviam chegado à margem. Com largas braçadas, Rhodan nadou em
direção à costa rochosa. Não queria que, a esta altura, ainda fossem descobertos por
algum entusiasta mergulhador lemurense.
Olhou detidamente toda a margem. Não se via ninguém. Um pouco mais longe, nas
proximidades da praia de areia, viam-se alguns veleiros. Os seus passageiros, entretanto,
com toda certeza, não poderiam ver o que se passava ali por entre os rochedos.
Rhodan tinha esperanças de que Gucky entrementes tivesse irradiado o impulso
curto para a Crest III, e estivesse esperando junto aos planadores.
Ele chegou à margem e abriu o seu capacete.
— Para os planadores! — gritou ele aos outros. — Cuidado para que não sejamos
vistos!
Papageorgiu e Surfat colocaram o senhor da galáxia entre eles. Kakuta
desmaterializou, porém logo depois estava de volta novamente.
— Gucky e Tannwander estão juntos num dos planadores — informou ele. — O
que devemos fazer?
Rhodan ordenara ao rato-cantor para não entrar em contato com Tannwander. Não
sabia por que razão Gucky teria desobedecido a ordem, mas a coisa agora acontecera.
André Noir, que já tinha muito que fazer com Nevis-Latan, teria que desdobrar-se ainda
mais, para tirar todas as lembranças do lemurense.
Finalmente chegaram junto aos planadores. Gucky esperava-os no interior. Com
poucas palavras ele descreveu para Rhodan o que acontecera. Tannwander se levantara, e
esperava, visivelmente impaciente, para que lhe respondessem algumas perguntas. Mas
quando viu Nevis-Latan, arregalou os olhos.
— Aí está o assassino de Trahailor — disse Rhodan, de cara fechada.
Tannwander olhou o conselheiro, desconfiado.
— O senhor matou Trahailor? — perguntou ele, rápido. Nevis-Latan olhou o rapaz
sem demonstrar qualquer emoção.
— Quem é ele? — perguntou a Rhodan.
— Um amigo — disse Rhodan. — Ele vai ajudar-nos a seqüestrar a nave.
— Ah — Nevis-Latan sorriu. — É claro que eu liquidei Trahailor. Ele estava na
minha pista. Isso o deixa perturbado, meu rapaz?
— Não sei — resmungou Tannwander. — Às vezes fico pensando que já nem sou
mais capaz de distinguir entre o sonho e a realidade.
Rhodan lançou-lhe um olhar.
— Tudo que o senhor vivenciou, foi real — disse ele, enfático. — Não comece a
pensar outra coisa, caso contrário acabará sendo-lhe difícil ver as coisas como elas
realmente são.
— Por que então não me dizem, finalmente, o que realmente está acontecendo? —
gritou Tannwander, elevando a voz. — Eu não passo, para os senhores, de uma figura de
xadrez, que os senhores empurram de um lado para o outro, à sua vontade?
— Não — disse Rhodan, apesar de não estar convencido se o lemurense não tinha
razão. Não era um crime usar o rapaz para os seus fins? Ele era um fora-da-lei, mas as
leis da Lemúria e do Império Solar, nada tinham a ver entre si. Mas logo Tannwander
voltaria à sua autoconfiança. E então, tudo que ele vivenciara nestes poucos dias lhe
pareceria simplesmente um pesadelo. — Vamos deixar um planador aqui, voando até
vem perto do espaçoporto com o outro — decidiu. — Certamente ali ainda vamos ter
dificuldades para obter autorização de levantar vôo. Por isso Tannwander terá que ajudar-
nos, mais uma vez.
— A polícia já está atrás de nós — disse Gucky.
— Era apenas a polícia de trânsito — declarou Tannwander, cansado. — Eu não
creio que Ostrum já tenha conseguido pôr no circuito as autoridades de segurança ou o
Serviço de Controle Espacial.
— Está bem — Rhodan empurrou Tannwander para o assento do piloto. — De
qualquer modo vamos ter que tentar partir com a Pertagor. Em último caso partimos até
mesmo sem a permissão, apesar de, então, provavelmente, não chegarmos muito longe.
Tannwander ligou as turbinas. Os seus jatos fizeram duas estrias na areia por entre
os rochedos. O aparelho subiu. Nevis-Latan estava de pé, muito quieto, parado atrás do
assento do piloto, e olhando para o mar, lá embaixo. Para ele os acontecimentos se
passavam em dois planos de sua consciência. Ele vivia a realidade — e vivenciava aquilo
que André Noir o obrigava a pensar.
Tannwander voava velozmente a duzentos metros de altura por cima de Wo-Kartan.
O porto de Palar ficou para trás. Logo a cidadezinha costeira era apenas uma mancha
clara no horizonte.
— Como é que vamos levar Nevis-Latan a bordo da Pertagor? — era a voz de Atlan
que penetrava nos pensamentos de Rhodan.
— Logo que pousarmos, Kakuta teleportará com o senhor da galáxia para bordo da
espaçonave. Deste modo impedimos que o conselheiro seja visto por alguém.
— E se eles resolverem examinar a Pertagor antes da partida? — interveio Chard
Bradon.
— Nisso ainda podemos pensar mais tarde — disse Perry Rhodan. —
Provavelmente vamos ter que enfrentar muitas dificuldades. Porém, de alguma maneira,
vamos ter que enfrentá-las, para podermos dar partida em nossa nave lemurense.
— Se houver a intervenção do Serviço de Controle Espacial, será o seu fim — disse
Tannwander. — Zabot disparará contra os senhores, ainda antes de poderem sair da
atmosfera do planeta.
Rhodan apenas anuiu. Em pensamentos ele lá estava naquele instante em que a
Crest atravessaria a barreira do tempo, saindo do campo de zero absoluto.
— Em que você está pensando? — quis saber Atlan.
— No futuro — retrucou Rhodan. — No verdadeiro sentido da palavra.
— Os senhores continuam correndo atrás desses cinqüenta mil anos? — perguntou
Tannwander, zombeteiro.
Os arredores de Atarks surgiram diante deles. Rhodan já podia ver o gigantesco
espaçoporto.
— Pouse bem perto da Pertagor — disse ele para Tannwander.
O jovem lemurense apenas anuiu. As primeiras bóias aéreas de sinalização
apareceram. O planador meteu-se no fluxo dos incontáveis outros aparelhos voadores.
Eles só conseguiam progredir muito lentamente. Rhodan estava ficando impaciente,
apesar de saber que Tannwander não tinha qualquer possibilidade de sair daquelas linhas
demarcadas de vôo.
Finalmente entraram no largo corredor que ia dar no espaçoporto. Rhodan viu um
planador da polícia surgir, porém o aparelho logo desviou-se, seguindo uma via lateral.
Ninguém parecia interessado no planador de Tannwander.
Rhodan esperava que a sorte, mais uma vez, ficaria do seu lado.
— O senhor precisa ajudar-nos a conseguir a permissão para levantar vôo — disse
ele para Tannwander.
— O senhor pode solicitar a permissão pelo rádio, isso será mais rápido — declarou
o lemurense. — Entretanto, também poderá ir apanhá-la, diretamente no prédio da
administração.
— Acho melhor fazermos isso pelo rádio — decidiu Rhodan. — Como é esse
processo?
— Somente casos de urgência são liquidados pelo rádio. Declare ao controle que o
senhor tem um membro da tripulação muito doente a bordo, e que este terá que ser levado
com a máxima urgência de volta para Alara Quatro. Eles vão dar graças por não
precisarem tratar do enfermo no hospital de Atarks.
— Boa idéia — concordou Rhodan.
Eles chegaram ao espaçoporto. Rhodan viu duas enormes naves de transporte, que
estavam sendo descarregadas por operários e robôs. A atenção dos visitantes do
espaçoporto concentrava-se nesses dois gigantes da náutica espacial. Rhodan pôde ver
também muitas crianças, que provavelmente eram escolares em visita ao espaçoporto.
Ninguém certamente se interessaria em visitar a pequena Pertagor.
Tannwander levou o planador para um estacionamento perto dos edifícios da
administração.
— Por que o senhor não voa diretamente para junto de nossa nave? — quis saber
Atlan.
Tannwander respondeu:
— Nenhum planador particular pode pousar no campo de pouso do espaçoporto.
Não queremos provocar a polícia de trânsito, não dando atenção a esta determinação.
O aparelho pousou num estacionamento quase vazio.
— Tako, dê um salto até a nave, e verifique se não há ninguém dentro dela —
ordenou Rhodan. — Se tudo estiver em ordem, volte para buscar Nevis-Latan.
— Isso eu também posso fazer — ofereceu-se Gucky, mas Rhodan sacudiu a
cabeça. Para estas tarefas, Kakuta era o homem certo. O teleportador jamais tomava um
risco inútil. Com Gucky sempre havia o perigo de que ele se deixasse levar por uma de
suas gracinhas habituais.
Kakuta desmaterializou. Rhodan olhou até onde se encontrava a nave, que ficara a
cerca de quinhentos metros de distância deles. Mas não conseguiu distinguir maiores
detalhes, em meio a todos aqueles transportadores e carrinhos de montagem, que
passavam rapidamente, de um lado para o outro. Depois de alguns minutos Kakuta
voltou.
— Na ponte de desembarque pude ver quatro sujeitos, que estavam por ali, como
quem não quer nada — informou ele. — Entretanto, não me parece tratar-se de policiais.
Dentro da nave não há ninguém.
— Isso são homens de Ostrum — resmungou Tannwander. — Ele mandou alguns
vigilantes, que naturalmente logo avisarão a polícia, no instante em que os senhores
aparecerem.
— E agora? — perguntou o Tenente Brazos, cansado.
— Gucky e Tako Kakuta poderão levar-nos, individualmente, para a Pertagor,
teleportando conosco até lá, sem que esses sujeitos nos vejam — sugeriu Atlan.
— Isso poderá levar a outras dificuldades — declinou Rhodan. — Os espiões
certamente não ficarão sem fazer nada, ao verem uma nave levantar vôo, aparentemente
sem qualquer tripulação. Precisamos pensar em outra coisa.
— Eu cuido desses sujeitos — disse Gucky, decidido.
— Eles vão se arrepender de espionar por aí!
Rhodan sabia que, também isso, não seria uma solução sensata. Se ele enviasse o
rato-castor lá para fora, poderia acontecer que, em poucos minutos, algumas centenas de
lemurenses estariam em volta da Pertagor, perguntando-se por que quatro homens
fugiam, apavorados, sem qualquer motivo aparente.
— Tannwander é o único que, agora, poderá ajudar-nos a sair dessa enrascada —
disse Rhodan.
— Eu sabia que a bomba acabaria estourando na minha mão! — deixou escapar o
lemurense. — E como é que o senhor acha que eu posso ajudar?
— O senhor acha que um desses quatro homens o conhece? — quis saber Rhodan.
Quando Tannwander fez que não, o Administrador-Geral continuou:
— Vá até lá e apresente-se como um colaborador de Dromm. Explique-lhes que os
nove alarianos estavam prestes a entrar, às escondidas, a bordo de um cargueiro, porque
ainda deviam dinheiro a Dromm. Diga aos homens de Ostrum que o senhor viera para
tomar conta da Pergator. Dromm queria evitar, a todo custo, que levassem consigo ainda
alguns equipamentos valiosos de sua nave.
Tannwander sorriu, irônico. Conforme Rhodan esperara, ele gostara da história,
achando-a divertida. Agora tudo iria depender dos homens de Ostrum morderem a isca,
dirigindo-se ao cargueiro para encontrar os nove astronautas alarianos.
Tannwander saiu do planador. Rhodan olhou o relógio. Entrementes, haviam-se
passado quase duas horas, desde que eles haviam deixado a cápsula submarina de Nevis-
Latan. Era urgente que eles levantassem vôo, para encontrar-se com a Crest III.
— O que fazemos se Tannwander não tiver sorte? — perguntou Redhorse.
— Então não nos resta outra alternativa que fazer com que Tako e Gucky nos levem
secretamente para bordo — disse Rhodan.
Passou-se um quarto de hora, até que Tannwander surgisse novamente diante do
planador. Ele acenou para os homens e finalmente entrou.
— Eles já se foram — disse ele, sorrindo. — Caíram na minha conversa. E agora
estão caminhando para um dos grandes transportes, que estão pousados, do outro lado do
espaçoporto. E eu acho que eles irão causar uma grande confusão por ali.
— Bem feito — elogiou Rhodan. — Agora é a sua vez, Tako, salte com Nevis-
Latan para a Pertagor. Você também salta, Gucky. E nós iremos até lá, a pé.
Ele esperou até que Kakuta, junto com o senhor da galáxia e Gucky tivessem
sumido. Depois voltou-se, mais uma vez, ao jovem lemurense.
— Nós agora vamos deixar a Lemúria — disse ele. — O senhor nos ajudou muito
mais do que talvez possa imaginar. Além dos quartzos oscilantes, que o senhor recebeu
de nós, não possuímos mais nada com o que pudéssemos expressar nossos
agradecimentos.
Tannwander baixou a cabeça.
— Que tal se me contassem a verdade?
Quase Rhodan aceitou a sugestão. Porém depois disse que se o lemurense soubesse
de todos os motivos ulteriores, isso apenas lhe serviria de uma carga adicional. Ele fez
um sinal para André Noir.
Tannwander notou o sinal e interpretou-o corretamente.
— Provavelmente agora chegou a hora em que me tirarão a lembrança de tudo
aquilo que eu não devo saber? — perguntou ele, amargamente.
Rhodan anuiu, perturbado.
— É melhor assim.
— Um momento! — gritou Tannwander, exaltado. — O senhor sabe muito bem que
eu jamais vou poder fazer uso do que sei, já que ninguém acreditaria em mim. Estão
querendo somente tirar-me a memória, porque temem que eu iria passar toda a minha
vida tentando descobrir a verdade. Por que acham que têm o direito de manipular a minha
memória?
— Porque é preciso, é uma necessidade — disse Rhodan. Este argumento,
entretanto, pareceu-lhe fraco. Ele sabia que teria objetado com a mesma violência, se
estivesse na mesma situação de Tannwander.
— Precisamos ir — insistiu Atlan.
— Devo começar? — perguntou Noir.
Apesar de sua voz parecer indiferente, Rhodan sabia que o rapaz tinha a simpatia do
hipno.
— Não, André — disse Rhodan. — Deixe-o.
— Você não pode fazer isso! — protestou Atlan. — Se algum dia algum outro
senhor da galáxia surgir por aqui, ele certamente destruirá o rapaz.
— Se nós chegarmos ao tempo real, nenhum senhor da galáxia terá mais uma
oportunidade de vir para a Lemúria — retrucou Rhodan.
— É um sentimentalismo irresponsável deixar-lhe toda a sua memória, que só lhe
servirá de carga — disse o arcônida, chateado.
— Mas é um direito de um terrano, de vez em quando ser um pouco sentimental —
declarou Rhodan. Com isso a decisão estava tomada. Tannwander pareceu entendê-lo,
pois a sua cara fechada abriu-se num enorme sorriso. Ele anuiu, agradecido, para Rhodan,
deixando-se cair no assento do piloto do seu planador. Sem despedir-se do lemurense,
Atlan deixou o planador.
— Como é que o senhor permite que os seus homens o contrariem desse modo? —
perguntou Tannwander, admirado.
Rhodan teve que rir.
— Ele não é um dos meus homens — disse ele. — Não pense muito mal dele. No
fundo, ele está tão aliviado, pela decisão que tomei, quanto eu e o senhor.
Tannwander recostou-se no grande assento do piloto e respirou fundo.
— Quer saber de uma coisa? — perguntou ele. — Eu vou sentir falta de vocês,
pretensos alarianos — inclusive desse seu cheiro.
***
Rhodan curvou-se sobre o microfone do rádio normal. Eles se encontravam agora
na Pertagor. As eclusas de ar estavam fechadas, a ponte de embarque havia sido
recolhida. Porém a nave ainda não podia partir porque a permissão para levantar vôo,
solicitada por Rhodan, ainda não chegara. O terrano olhou o relógio. Há mais de vinte
minutos ele já estava esperando pela resposta do edifício da administração.
— Acho que vou passar-lhes, mais uma vez, nosso pedido — disse ele para Atlan.
— Caso contrário, os lemurenses nos farão ainda esperar por muito tempo.
Primeiramente ele chamou a torre de controle correspondente. A tela de imagens
por cima da aparelhagem de rádio iluminou-se. E mostrou o rosto de um lemurense.
— O que deseja? — perguntou ele, chateado.
— Nós temos um homem com doença grave a bordo — lembrou-lhe Rhodan. —
Quanto tempo ainda vai demorar para recebermos permissão de levantar vôo? Já estamos
esperando há mais de vinte minutos.
— É mesmo? — fez o homem. — O seu pedido ainda está sendo examinado.
E o lemurense interrompeu a ligação. Rhodan deixou-se cair, furioso, na cadeira.
Dentro de menos de uma hora a Crest III surgiria no sistema de Big Blue, e então a
Pertagor devia estar no lugar predeterminado.
— Eu garanto que eles avisaram a polícia — disse Gucky.
— Além do mais não vai demorar para os homens de Ostrum estarem de volta.
Entrementes eles devem ter virado o cargueiro de cabeça para baixo, sem nada encontrar.
Antes de Rhodan poder responder, foi chamado pelo rádio. O mesmo funcionário da
torre de controle, com o qual ele acabara de falar, pôde ser visto na tela de imagem.
Entretanto estava de cara ainda mais fechada que antes.
— Os senhores podem levantar vôo dentro de três minutos — disse ele. —
Normalmente isso não vai tão depressa, mas a empresa que lhes vendeu a Pertagor pediu-
nos para que liquidássemos o seu pedido o mais depressa possível.
— Dromm — disse Redhorse, espantado, quando Rhodan agradecera e desligara.
— Como é que justamente Dromm podia...?
— Tannwander — explicou Perry Rhodan, com um olhar de soslaio para o
arcônida. — Às vezes um pouco de sentimentalismo pode até ser muito útil.
Exatamente três minutos mais tarde, veio a ordem para decolarem, da torre de
controle. A Pertagor elevou-se acima do campo de pouso do espaçoporto de Atarks. A
grande cidade ficou para trás, abaixo da nave. Rhodan, Redhorse e Bradon assumiram os
controles.
A execução dos planos de Perry Rhodan até agora havia funcionado praticamente
sem incidentes. Porém os homens ainda se encontravam cinqüenta mil anos no passado.
A fase decisiva da operação ainda estava por começar.
10

A Crest III não era somente a maior nave que até então voara no espaço cósmico
sob a bandeira do Império Solar. Ela parecia-se também, como nenhuma antes dela, a
uma imensa cidade, completamente autônoma. Talvez, mais tarde, construiriam naves
maiores e de maior poder de combate, mas nenhuma destas certamente teria uma divisão
tão perfeita e acabada dos conveses intermediários e do principal, com seus fantásticos
equipamentos e aparelhos.
O ultracouraçado, pensava John Marshall, ao pôr os pés na sala de comando, era
uma das maiores realizações técnicas que a raça humana jamais efetuara.
Uma nave destas induzia os membros da tripulação, facilmente, a se sentirem em
segurança até mesmo quando algum perigo os ameaçava. Marshall sabia que também
agora a maior parte da tripulação sentia-se apenas aliviada sobre o fim do tempo de
espera, mas pouco se preocupava com o que poderia acontecer nas proximidades do sol
gigante, Big Blue.
John Marshall lançou um olhar ao relógio. Dentro de cerca de dez minutos a nave-
capitânia da Frota Solar deixaria o espaço linear, dirigindo-se para a proteção contra
rastreamentos que lhe era oferecida pela proximidade de Big Blue. Ali, Perry Rhodan e
seus acompanhantes deveriam ser trazidos para bordo.
Através dos curtos impulsos de rádio transmitidos por Gucky, da Lemúria, a bordo
da Crest III estava-se razoavelmente informado sobre o que acontecera no único planeta
de Big Blue. Entrementes haviam começado, no interior da nave gigante, os preparativos
para o regresso ao tempo real.
O otimismo da tripulação parecia prematuro ao telepata, mas ele compreendia a
reação dos cosmonautas, que já tinham perdido praticamente todas as esperanças de uma
volta, ao presente.
Marshall não sabia como Perry Rhodan tinha conseguido que o senhor da galáxia
convencesse a tripulação que controlava a estação do tempo, no tempo real, a deixar a
Crest III passar pela barreira do tempo. Para transmitir este tipo de detalhes, os impulsos
de rádio recebidos haviam sido curtos demais. Marshall suspeitava, entretanto, que
Rhodan devia ter usado de algum truque.
O mutante ficou parado junto de Icho Tolot e Melbar Kasom. Ao lado do halutense,
até mesmo Kasom parecia um anão. O ertrusiano sorriu para Marshall. O seu nervosismo
era patente. Quase todos os oficiais da Crest III haviam se reunido na sua sala de
comando. Os homens discutiam, agitados. O Coronel Cart Rudo estava em contato
ininterrupto com todas as dependências da nave, para passar as ordens necessárias. Como
já tantas vezes antes, Marshall, também agora, sentiu uma certa admiração pelo
epsalense. As tarefas do comandante, para um leigo, poderiam parecer imensas. Rudo
tinha que pensar em tantas coisas, que tinha-se certeza, era impossível que não acabaria
esquecendo de uma ou outra por mais necessária que fosse. Mas Rudo jamais esquecia
alguma coisa. Entretanto, mesmo que isso ocorresse, um sistema de segurança, muito
inteligente, evitaria o acontecimento de alguma pane. Antes de toda grande missão, todos
os computadores eram programados, auxiliando, assim, ao comandante, em grande parte
do seu trabalho.
Rudo tirou alguns instantes para voltar-se para Tolot, Marshall, e Kasom, sorrindo-
lhes, confiante.
— Nunca gostei tanto de levar a “Gorda” para um passeio — afirmou ele com a sua
voz de trovão. A “Gorda” era apenas um dos muitos apelidos carinhosos que ele dava a
essa nave gigantesca. Alguns cosmonautas juravam que Rudo se sentia tão ligado à sua
nave, que até dormia na sua cadeira de comandante. Marshall nunca se dera ao trabalho
de verificar essa afirmação.
— Faltam ainda seis minutos — disse Icho Tolot, que lançara um olhar aos
relógios.
Marshall não conseguia livrar-se da sensação de que o halutense olhava toda aquela
operação planejada com muito ceticismo. Tolot, entretanto, até agora, não dera sua
opinião sobre as notícias recebidas de Gucky, pelo rádio. E silenciava, renitente, quando
era perguntado. Tolot sempre tivera períodos de silêncio, mas justamente agora a
tripulação da Crest poderia precisar do apoio do seu amigo halutense.
Marshall decidiu-se a fazer com que o halutense lhe expusesse suas opiniões.
— Nós vamos passar pelos mesmos acontecimentos, em nosso salto através do
tempo, como aqueles que temos na memória, ocorridos na primeira vez? — perguntou ele
a Tolot.
— Ou acha que tudo vai acontecer completamente diferente?
— Isso depende — disse Tolot, desviando-se. Mas de repente pareceu decidir-se a
falar, e acrescentou: — Para mim, continua um mistério, como é que Perry Rhodan
pretende conservar em segredo para o senhor da galáxia a chegada da Crest ao tempo
real. Eu receio que nós já estaremos sendo esperados ali, com uma recepção muito bem
preparada.
Então era isso! Marshall lançou um olhar significativo para Kasom. Tolot
naturalmente acreditava que eles poderiam alcançar o tempo real, mas duvidava que
continuariam vivos por muito tempo ali.
— A Crest se movimentará quase que exclusivamente através do tempo — disse
Tolot. — Isso significa que ela ressurgirá praticamente no mesmo lugar no qual entrará
no campo de zero absoluto. Eu acho que ali estaremos sendo esperados por uma leva de
espaçonaves tefrodenses, que abrirão fogo, no exato momento em que a Crest se tornar
visível. E nós não vamos conseguir nem disparar um só tiro, antes disso.
Na central fez-se o silêncio. A maioria dos cosmonautas havia também ouvido as
palavras de Tolot.
— Mais três minutos! — disse alguém, em voz alta.
— Perry Rhodan também deve ter pensado nisso — disse Marshall para Tolot. —
Por alguma razão, entretanto, ele parece estar convencido de que o acontecimento
descrito pelo senhor não se dará.
— Rhodan está desesperado — retrucou Tolot, calmamente. — Todos nós sabemos
o quanto são diminutas as chances de regressarmos ao tempo real. Nessa situação,
Rhodan tem que aproveitar a oportunidade que se lhe oferece.
— Tolot fez uma pausa, depois acrescentou: — Provavelmente eu não teria agido
de modo diferente.
Como sempre, as ponderações de Tolot pareciam inteiramente lógicas. Porém
Marshall recusava-se a acreditar nelas. Rhodan ficaria no passado, se não houvesse
chances genuínas de escapar dos senhores da galáxia.
Ficaria mesmo?
John Marshall mordeu o lábio. Eles ficariam sabendo da verdade logo que Rhodan
se encontrasse a bordo do ultracouraçado.
— Estamos deixando o espaço linear e diminuímos a velocidade. A nave entrará na
proteção contra rastreamento de Big Blue. Atenção, alerta geral de primeiro grau para
todas as centrais de tiro — a voz de Rudo parecia calma como sempre.
A superfície flamejante de Big Blue tornou-se visível nas várias telas de imagens.
Rastreadores de massa, tradutores de impulsos e sensores de freqüências entraram em
ação. O campo energético de proteção da Crest III foi ligado. Com a velocidade do raio,
os computadores analisaram todos os dados recebidos.
— Neste setor do espaço há centenas de naves — verificou Rudo.
Eles haviam contado com isso. A proteção contra rastreamento do ultracouraçado
entrou em funcionamento. Além disso, havia ainda a grande proximidade do sol gigante.
Somente por um acaso, ou então através de aparelhagem muito sofisticada, a Crest III
poderia agora ser descoberta.
— Onde ficou a nave de Rhodan? — perguntou o Tenente Son Hunha.
— Vamos com calma — resmungou Cart Rudo. — Nossa missão é encontrar a
pequena nave.
— Se é que ela estará neste setor do espaço — acrescentou Tolot.
O comandante não seu atenção a Tolot. Levou a nave a uma órbita ao redor do sol.
Toda nave que eles rastreassem dentro deste setor do espaço, podia ser a nave procurada.
Marshall ficou de olhos grudados nas telas de imagem do rastreamento espacial. As
flotilhas de vigilância, que haviam perseguido a ele e a Hegmar, quando haviam
penetrado na atmosfera de Lemúria com o seu jato-mosquito, movimentavam-se em
formação-V, a cerca de duzentas mil milhas de distância, afastadas do seu planeta natal,
através do espaço. Não parecia a Marshall que este esquadrão estivesse à caça de alguma
nave. Se Rhodan já estivesse por aqui, ninguém o estava perseguindo.
— Objeto no setor C-quatro-amarelo, aproximando-se do sol! — gritou um dos
homens, que estava diante dos aparelhos de rastreamento.
— Não modifiquem o rumo! — resmungou Rudo.
— Tamanho aproximado do objeto cerca de sessenta metros — veio a próxima
informação. A velocidade e a rota da nave espacial desconhecida foram avaliadas.
— A nave está numa órbita em torno do sol!
— São eles! — gritou Rudo, agitado. A sua voz parecia tão alta, que chegou a
vibrar nos tímpanos de Marshall. Um dos oficiais chegou a dar um grito de alegria.
— Impulso curto para a nave estranha, Sparks! — ordenou Rudo ao rádio-operador.
— E cuidado para que não possam determinar nossa posição.
Segundos depois veio a resposta. A Pertagor confirmava recebimento do rádio. O
campo energético de proteção do ultracouraçado foi desligado. A Crest III voou ao
encontro da pequena nave. Uma eclusa dos hangares abriu-se. Exatamente quatro
minutos mais tarde, a nave lemurense estava pousada entre as corvetas no hangar.
Rhodan e seus companheiros estavam novamente a bordo da nave-capitania. Porém
eles não tinham vindo sozinhos.
Em sua companhia encontrava-se Nevis-Latan, um dos senhores da galáxia.
***
A Crest III dirigiu-se para o ponto indicado por Nevis-Latan nas proximidades da
corona solar de Big Blue. Em poucos instantes aquela nave formidável, com um diâmetro
de dois mil e quinhentos metros, deveria ser catapultada para o futuro, por um fantástico
campo de força que sugava sua energia do sol.
Nevis-Latan estava sentado num cadeirão bem ao lado do do comandante. Perry
Rhodan estava atrás, de pé, não tirando os olhos dele nem por um instante. Não havia
qualquer dúvida que o ex-conselheiro para transportes na Lemúria estava totalmente sob
controle do hipno André Noir, porém Rhodan continuava desconfiado. Ele contava com o
fato do senhor da galáxia ter podido tomar determinadas medidas de segurança para
repelir algum ataque inesperado.
Rhodan segurou o encosto do cadeirão, com ambas as mãos. A Crest III não sairia
desprevenida no tempo real. Controles especiais e extensas programações dos
computadores positrônicos cuidariam para que a nave, sem mesmo a intervenção da
tripulação, começasse a atirar logo após a entrada no tempo real. O alvo do ataque devia
ser a estação do tempo em Vario. Rhodan sabia que tudo tinha que acontecer muito
depressa, tão depressa que os duplos em Vario não tivessem tempo de erguer um campo
energético de proteção, que salvaria o planeta das bombas e dos canhões conversores.
A Crest III agora encontrava-se perigosamente perto de Big Blue. Somente os
poderosos campos energéticos de proteção e os impulsores evitavam que a nave-capitania
fosse destruída. Rhodan não se preocupava com a sorte da Crest III. Ele sabia que podia
confiar inteiramente no Coronel Rudo.
Dentro da sala de comando, exceto pelo ruído das máquinas, o silêncio era total. Os
rostos dos cosmonautas, à luz dos controles, pareciam pálidos e tensos. Cada um dos
membros de tripulação sabia o risco que o Administrador-Geral tomara sobre si, ao
iniciar esta operação.
— Agora estamos chegando ao ponto calculado — avisou Rudo.
Rhodan viu que Nevis-Latan curvou-se para a frente. O senhor da galáxia parecia
calmo. Parecia que ele iria apenas repetir uma manobra várias vezes ensaiada antes.
De repente Rhodan teve a impressão de que estava acontecendo alguma
modificação com a nave. Pela fração de segundos, diminuiu o ruído das máquinas, para
logo depois voltar com todo o seu vigor.
— O campo de zero absoluto! — gritou Atlan. — Estamos sendo puxados em
velocidade espantosa diretamente para o campo de zero absoluto!
Nas telas de imagens do rastreamento de espaço desenhou-se o campo de tempo,
mantido estável por uma energia imensa. Rhodan sabia que agora não havia mais volta.
Eles já estavam sob a influência do fluxo do tempo.
O couro cabeludo de Rhodan começou a cocar. Qualquer ordem agora era
supérflua, no estágio presente. Apesar disso ele voltou-se para Nevis-Latan.
— Tudo transcorre normalmente? — perguntou ele ao senhor da galáxia.
Nevis-Latan anuiu, satisfeito.
— Naturalmente — disse ele, de boa vontade. — Por que alguma coisa não deveria
transcorrer normalmente?
O movimento através do tempo tinha começado definitivamente. E somente pararia
no tempo real. A Crest III penetrava no futuro, do qual saíra originalmente.
Mais uma vez, o ruído forte das máquinas transformou-se num zunir quase
inaudível. As estrelas visíveis nas telas de imagem pareciam subjugadas por uma força
estranha, pois chamejavam inquietas, e movimentavam-se através do cosmos, aos
trancos.
Vario transformou-se num anel luminoso em volta do sol, e sua órbita desenhava-
se, como um desenho normal, nas telas de imagens.
Apesar de Rhodan dever sentir-se aliviado, ele se encontrava inteiramente fascinado
pelo monstruoso fenômeno. Ele agora não pensava nem no que os esperava, nem naquilo
que haviam deixado para trás. A sua mente concentrava-se no movimento através do
tempo, ao qual a nave e sua tripulação eram submetidos.
Ninguém falava. Os homens fixavam as telas de imagens e controlavam os
aparelhos de medições, que davam os valores. Apenas Icho Tolot movimentava-se, de um
lado para o outro, na sala de comando. O halutense parecia preocupado em recolher o
máximo possível de impressões.
De repente o anel de fogo que era formado por Vario ruiu em si mesmo. A Crest III
saiu do campo de zero absoluto. Materializou bem perto do planeta deserto, no qual se
transformara a Lemúria.
Somente um microssegundo, depois que o movimento retrógrado através do tempo
tinha passado totalmente, os computadores positrônicos da nave entraram em ação,
ligando as armas previamente preparadas.
Um ataque de fogo destruidor a Vario teve início.
Os canhões de bordo abriram fogo, canhões com mísseis nucleares e
desintegradores entraram em ação. A nave encontrava-se a apenas centenas de milhas
acima das instalações energéticas do transmissor de tempo de Vario. Rhodan esperava
que tudo acontecesse tão depressa que até mesmo o computador-robô central da estação
não tivesse mais possibilidade de erigir o campo de proteção, alimentado pela energia
solar, em torno do planeta. Este campo teria transformado todo o ataque da Crest numa
ilusão.
Um olhar às telas de imagem, entretanto, garantiu ao terrano que suas preocupações
eram infundadas. Com o ímpeto de bombas atômicas detonando, os feixes energéticos
atingiam a superfície desprotegida de Vario e penetravam nas instalações subterrâneas,
onde ocasionavam fantásticas explosões. O alçapão do tempo foi abalado nos seus
alicerces. Ninguém estava preparado para resistir àquela desgraça que caíra sobre o
planeta tão inesperadamente. Os poucos duplos que havia lá embaixo morreram, antes de
poderem raciocinar sobre o que estava acontecendo. À espera de uma nave lemurense de
pesquisas, eles haviam ficado observando os acontecimentos com uma despreocupação
exagerada.
Logo após abrir fogo, a Crest III emitiu, através de um campo espiral ultraluz,
diversas bombas-árcon, que provocariam em Vario explosões atômicas em cadeia,
impossíveis de serem controladas. Este era o começo do fim. Em pouquíssimo tempo,
Vario se transformaria num sol.
Quando o computador dos controles automáticos fez a Crest III acelerar novamente,
fazendo as turbinas rugirem, ficou atrás deles um planeta moribundo. A estação do tempo
não existia mais. Não havia mais, para os senhores da galáxia, nenhuma possibilidade de
enviar qualquer corpo ou objeto ao passado.
Tudo se passara tão depressa, que Rhodan ainda se encontrava inteiramente sob a
impressão dos acontecimentos, quando o ultracouraçado, acelerando ao máximo,
precipitou-se para as linhas das naves armadas tefrodenses.
Também com a presença dessas naves Rhodan contara, tendo tomado medidas de
segurança correspondentes. Agora eles não se viam diante dos lemurenses, mas dos
duplos, cujos corpos originais os senhores da galáxia, em sua maior parte, haviam trazido
do passado. De passagem, Rhodan lembrou-se de que esta fonte agora secara para os seus
adversários. Isto, entretanto, não significava uma grande vitória, pois os senhores da
galáxia e seus auxiliares tefrodenses continuavam tendo à sua disposição uma quantidade
suficiente de moldes estruturais com os quais podiam substituir sempre as baixas havidas
nos seus exércitos de milhões de componentes de duplos.
Rhodan concentrou sua atenção nas telas de imagens. Cuspindo fogo com todos os
canhões, a nave-capitânia da Frota Solar entrou diretamente na formação de naves
tefrodenses. Rhodan tentou imaginar o que agora estaria acontecendo nas salas de
comando das naves adversárias. Provavelmente estavam tão perplexos, que nem
chegariam a um ataque concentrado à nave terrana.
Três cosmonaves tefrodenses começaram a atirar no atacante, mas os seus tiros
eram descontrolados demais, para tornarem-se perigosos à Crest III.
— Conservar o rumo, coronel! — gritou Rhodan para o epsalense.
Como um fantasma, o ultracouraçado atravessou o círculo de unidades tefrodenses.
Desesperados, os comandantes-duplos aceleravam as suas naves, porém suas reações
sempre chegavam tarde demais.
A Crest III atingira a velocidade necessária. Os kalups entraram em funcionamento.
Uma massa titânica de aço, plástico e energia atravessou os limites do Universo
einsteiniano, atirando-se para a zona do semi-espaço.
Somente agora Rhodan percebeu que estivera o tempo todo completamente tenso,
parado atrás do cadeirão de Nevis-Latan. Ele soltou as mãos do encosto da cadeira,
lançando um olhar interrogador para Atlan. O arcônida conseguiu formular um sorriso
vago.
— Parece que conseguimos — declarou ele. — Apenas, vai ser difícil dar-se conta
de que, agora, vamos continuar vivendo num tempo que é o nosso próprio tempo.
Um gemido evitou que Rhodan respondesse. O mesmo veio de Nevis-Latan, que se
encolhera todo no cadeirão.
Rhodan pegou o senhor da galáxia pelos ombros, puxando-o para cima. O homem
parecia completamente alquebrado. André Noir encolheu os ombros, como pedindo
desculpas, quando Rhodan olhou para ele. O Administrador-GeraL supôs que Nevis-
Latan, durante o movimento através do tempo, devia ter escapado do controle do hipno.
Nem mesmo Noir era um super-homem. Ele estivera sob as mesmas tensões que todos os
demais. Sua influência paranormal sobre o senhor da galáxia naturalmente sofrerá com
isso.
— O que aconteceu? — perguntou Nevis-Latan, erra voz sumida.
Rhodan decidiu-se a contar a verdade ao senhor da galáxia. Em poucas palavras ele
descreveu as reais circunstâncias. De repente Nevis-Latan começou a rir, sem parar.
— Destruído? — gritou ele. — O alçapão do tempo, destruído? Ninguém é capaz,
sequer, de danificar esta estação.
— Mas é como eu lhe disse — enfatizou Rhodan. — A sua organização sofreu uma
derrota decisiva.
Nevis-Latan ergueu-se de um salto. O cadeirão caiu para trás. Imediatamente três
oficiais aproximaram-se para segurarem o senhor da galáxia.
— Levem-me à estação do tempo! — berrou Nevis-Latan.
— Eu receio que ele esteja ficando louco — murmurou Atlan para Rhodan. — A
pressão constante e a influência do bloqueio de segurança destruíram a sua mente. Se
quisermos saber de mais alguma coisa dele, vamos ter que operar com o
neurodestramador.
Rhodan hesitou. A Crest III no momento encontrava-se em relativa segurança. A
estação do tempo tinha sido destruída. Não havia, portanto, um motivo forte para
submeter Nevis-Latan a um interrogatório violento.
— Nós temos que descobrir alguma coisa sobre a organização de nosso adversário
— insistiu Atlan. — Decida-se, antes que seja tarde.
Os oficiais forçaram Nevis-Latan de volta ao cadeirão, amarrando-o. O senhor da
galáxia continuava gritando, ininterruptamente. Suas palavras estavam cada vez mais
incoerentes.
Rhodan tomou uma resolução.
— Pode interrogá-lo mais uma vez — disse ele a Atlan. A um sinal do arcônida, o
Major Redhorse trouxe o aparelho.
Rhodan teve sua atenção desviada, quando a Crest III penetrou novamente no
espaço normal. Eles se encontravam a menos de cem anos-luz de distância do sistema
Big Blue. O Coronel Rudo aproximou-se da proteção contra rastreamento oferecida por
um sol desconhecido.
O rastreamento de energia de velocidade ultraluz entrou em funcionamento.
Minutos mais tarde, a avaliação denunciou que no setor de Vario tinha havido uma
descarga monumental de energia. O planeta no qual os senhores da galáxia haviam
erigido o seu alçapão do tempo transformara-se num pequeno sol.
Os rastreamentos continuaram. Rhodan deixou a Cart Rudo controlar os resultados
e tomar as providências cabíveis. Nenhuma nave tefrodense estava nas proximidades.
— Podemos começar! — chamou Atlan. — O neurodestramador está ligado.
— Os pensamentos de nosso prisioneiro estão perturbados — informou John
Marshall. — Não recebo nenhum impulso claro.
— Correto — confirmou Gucky. — Eu receio que o senhor da galáxia não esteja
mais em condições de ser interrogado.
— Vamos tentar — decidiu Atlan. Ele fez algumas ligações, depois aproximou-se
de Nevis-Latan. A testa do senhor da galáxia estava coberta de suor. Os seus olhos
injetados de sangue olhavam Rhodan e o arcônida, sem entender.
— Nevis-Latan! — gritou Atlan. — Nevis-Latan! Está me ouvindo?
O homem amarrado resmungou. O seu corpo estremeceu. As cordas se esticaram,
enquanto ele se debatia.
— O senhor e sua organização cometeram mais crimes do que qualquer outra
potência dentro de duas galáxias — disse Atlan. — Mas agora o seu fim chegou.
Rhodan lançou um olhar aborrecido ao arcônida, mas Atlan preferiu desconsiderá-
lo.
— O que é que... o senhor quer? — conseguiu dizer Nevis-Latan, com um tremor na
voz.
— Quantos membros tem a sua organização? — perguntou Atlan.
Nevis-Latan fez ouvir um ruído gargarejante que lhe escapou da garganta. O seu
queixo caiu. Ele ria, loucamente.
— Você terá que colocar a pergunta de modo diferente — interveio Gucky.
— Quantos senhores da galáxia existem? — perguntou Atlan, rápido.
Nevis-Latan chegou a empinar parte do corpo. Nos seus olhos refulgia um ódio
violento. A sua risada, que ecoava pela sala de comando, fez passar um frio na espinha
dos cosmonautas presentes.
— Sete! — berrou Nevis-Latan, com voz estridente. — São apenas sete!
Estas foram suas últimas palavras. O seu corpo ficou mole. Por mais uma vez uma
força vital muito forte parecia conseguir vencer, porém logo então aquele bloqueio de
segurança venceu o consciente do senhor da galáxia.
Nevis-Latan morreu, antes de poderem livrá-lo das amarras.
— Ele já estava louco — disse John Marshall. — Ele já nem mais sabia do que
estava falando.
Atlan retirou as conexões do neurodestramador da cabeça do senhor da galáxia. Mas
continuou em silêncio.
— E então? — perguntou Rhodan asperamente. — Onde é que está o sucesso do
seu interrogatório? Talvez no fato de que nós o levamos definitivamente para a morte?
— Não — retrucou Atlan. — Nós agora sabemos que só existem sete senhores da
galáxia.
Rhodan olhou-o, incrédulo.
— Você acha que...?
— Eu acho que ele falou a verdade — retrucou Atlan.
— Nós já sabíamos que os senhores da galáxia são um povo muito pequeno. Agora
temos a certeza...
— Mas sete homens... — começou Rhodan.
— Eu estou tão perplexo como você — disse Atlan. — Entretanto, não temos
nenhuma razão para duvidarmos de suas palavras.
Rhodan não respondeu. Ele estava pensando sobre as últimas palavras de Nevis-
Latan. Talvez tivessem sido uma mentira, uma tentativa desesperada de prejudicar o
adversário, ainda no último instante.
Eles, algum dia, ficariam sabendo da verdade?
— Levem-no para a enfermaria! — ordenou Rhodan.
Atlan abriu a jaqueta do morto, tateando o seu corpo.
— O ativador de células, evidentemente, deve ter se dissolvido logo após a sua
morte — informou ele aos homens da Crest III. — De qualquer modo, ele desapareceu.
Rhodan anuiu. Este era ainda um outro mistério, que Nevis-Latan lhe deixara após a
sua morte, para resolver. Em silêncio Rhodan ficou olhando os dois medo-robôs levando
o morto para fora da sala de comando. Na enfermaria eles confirmariam a morte do
senhor da galáxia. O seu cérebro fora destruído, e ele não podia mais ser trazido de volta
à vida.
Rhodan sorriu, forçadamente.
— Eu esperava que nosso regresso ao tempo real fosse um motivo para festejarmos
— disse ele. — Mas, no momento não sinto muita vontade de festejar.
— Nós estamos muito cansados — disse Atlan.
Rhodan bateu contra o seu ativador de células.
— Cansados? — ele sacudiu a cabeça. — Nós não conhecemos o cansaço.
— Existem diferentes tipos de cansaço — retrucou Atlan.
Rhodan viu que uma figura suja, barbada, entrou na sala de comando. Era Olivier
Doutreval, o rádio-operador, que evidentemente ainda não encontrara tempo para
desfazer-se de sua fantasia de alariano.
Rhodan voltou-se para Cart Rudo.
— Nós temos que alcançar KA-barato, o mais depressa possível, coronel — disse
ele. — Logo que os rastreamentos forem executados, vamos partir.
Rudo confirmou, e Rhodan olhou para Doutreval, interrogativamente.
— Por favor, sir, eu lhe peço para dar uma contra-ordem — disse o rádio-operador,
desesperado.
Rhodan olhou-o, sem entender.
— Que contra-ordem? — quis ele saber.
— O senhor está exigindo de nós que continuemos a representar o papel de
alarianos — disse Doutreval. — De qualquer modo, é isso que afirma o sargento Surfat.
— O sargento Surfat não tem autoridade para dar esse tipo de ordens, invocando o
meu nome para isso — declarou Rhodan, tentando esconder um sorriso.
Doutreval coçou a sua barba desgrenhada.
— Isso quer dizer, sir, que eu posso tomar banho?
— É claro — disse Rhodan.
Doutreval disse, agitado:
— Eu jamais poderia imaginar que algum dia poderia desejar uma ducha quente
com tanta sofreguidão, sir.
E saiu quase correndo. Rhodan voltou-se para Gucky.
— Eu tenho uma missão especial para você, baixinho. Tome todas as providências
para que o sargento Surfat seja lavado, escovado, barbeado, e vestido conforme o
regulamento.
Gucky mostrou o seu dente roedor, cheio de entusiasmo, esfregando as patas.
— Olhe, não há nada que eu gostaria mais de fazer! — piou ele.
Alguns minutos mais tarde, os gritos desesperados de Surfat, pedindo socorro,
chegavam até a sala de comando, vindos dos banheiros. Eles apenas pararam quando os
outros membros do comando “alariano” já estavam lavados e vestidos. Gucky declarou,
mais tarde, que o sargento Brazos Surfat tinha sido o mais sujo de todos. Mas ninguém,
muito menos o sargento, acreditou nele.

***
**
*

A Crest regressou ao tempo real do ano 2.404. A


odisséia do tempo de Perry Rhodan chegou ao fim.
Não chegou ao fim, entretanto, a grande disputa
entre o Império Solar e os senhores da galáxia.
Estes começam agora a servir-se de outros meios
para dominar o Império da Humanidade.
Detetives Cósmicos Entram em Ação é o título do
próximo volume da série Perry Rhodan.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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