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Com efeito, com base nas relações entre “raça” e “racismo”, o racismo seria
teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão da
humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm
características físicas hereditárias comuns, sendo estas últimas suportes das
características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa
escala de valores desiguais. Visto deste ponto de vista, o racismo é uma
crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação
traumas psicológicos e físicos que a reprodução do racismo causou, e continua causando, nas
famílias negras é urgente. Esse processo surge da possibilidade criativa de reconstruímos
nossas histórias e a afetividade entre o povo negro, dando margem à criação de novas
narrativas à luz de perceptividades negras, efetivando por meio da circulação e da ampliação
da rede de contatos e trocas que emerge do encontro de personagens que experimentam o
mesmo universo sob ângulos de vivências diferentes.
Indeed African and African Diasporic people have been forced to deal not
only whith individual trauma, but also with the collective and historical
trauma of colonialism, revived and re-actualized by racism. In such an
environment, exchanging greetings becomes a short moment – the time for a
smile – where one fabricates a setting in winch to overcome loss and racial
isolation, and at the same time develop a sense of beloing. (KILOMBA,
2015, p.130)
culturais globais causam grande impacto na operacionalização do modo de vida das pessoas e,
também, na forma como os indivíduos se comportam, consomem e agem diante os seus
contextos locais. A cultura se torna, não apenas, pertencente ao indivíduo como, também,
agente provedor de constantes atualizações no capital cultural desse indivíduo, uma vez que
cada processo de experiência cultural pode vir a ser transformador para o capital global dele.
A cultura está presente na subjetividade cotidiana, ela se apresenta de forma imaterial
em cada dimensão de nossas vidas. As dinâmicas sociais implicam na significação de alguma
coisa e, consequentemente, a cultura está condicionada à existência dessas práticas sociais, e
que em toda prática social há uma dimensão cultural. Nesse quesito, é preocupante pensarmos
que, nos dias de hoje, é a mídia que exerce esse papel de comunicador social e que essas
informações são distribuídas e manipuladas pelas grandes corporações midiáticas, fazendo
com que essa notícia venha a ser tendenciosa e favorecedora de apenas uma perspectiva de
verdade ou de uma realidade absoluta. A história já nos alertou do risco de se ter uma
narrativa contada de uma única forma. Foi assim que a hegemonia eurocêntrica e ocidental se
estabeleceu em todas as dimensões culturais não ocidentais; apagando a memória cultural dos
povos e impondo os seus contextos narrativos através da epistemologia para propagar suas
concepções de realidade:
Ou seja, existe uma grande disputa na luta de poderes e essa luta é cada vez mais
simbólica, discursiva e cultural, pois, em vez de tomar uma forma material e palpável, ela se
infiltra, sutil e diariamente, na consumação de informação da sociedade. O funcionamento
econômico depende da formação discursiva da sociedade. Dessa forma, a cultura exerce um
papel fundamental na dinâmica econômica. O monopólio midiático depende desse controle
discursivo para sua manutenção e estabelecimento, gerando, assim, uma insalubre
dependência da alienação do discurso ao seu favor, impondo os modelos culturais que
enaltecem as práticas capitalistas. Pensar a centralidade da cultura na vida dos indivíduos é
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constatar a dimensão que a cultura toma nas mais diversas formas de influenciar os modelos
de vida, assim como compreender a cultura como meio, não apenas como fim, nas agendas
governamentais e como centro nas discussões políticas e como estratégia para promoção dos
indicadores sociais e econômico. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que as políticas culturais
exercem uma função determinante para as agendas desenvolvimentistas e, ainda mais, sua
regulação, também, viria a ser uma competência governamental. Para dessa forma, sim,
assegurar, de maneira comprometida, a circulação das diferentes ideias e diversas
representatividades, compreendendo as múltiplas subjetividades e a importância da cultura
para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática e isentas de privilégios
sociais. Portanto, é preciso haver uma construção de um elo forte entre a cultura, o Estado, a
política e a economia. Precisa-se que as ações das respectivas esferas atuem em comum
acordo para que, assim, exista um governo comprometido com o seu povo e com a
complexidade das diferentes e diversas culturas.
A ideia de cultura, como algo que precisa ser colonizado e sofrer constante domínio
regulatório, indica o medo da supremacia branca da existência de uma sociedade em que os
indivíduos, identificados com sua cultura, sejam livres para escolher as suas representações,
seja de etnia, gênero ou sexualidade. Para Eagleton (2003), a cultura é uma espécie de
pedagogia ética que nos torna aptos para cidadania política através da libertação do “eu ideal”
ou coletivo sepultado em cada um de nós; um eu que encontra a sua suprema representação no
domínio universal do Estado. Ele, ainda, acrescenta que aqueles que proclamam a necessidade
de um período de incubação ética, para preparar homens e mulheres para a cidadania política,
incluem os que negam aos povos coloniais o direito à autonomia até serem suficientemente
civilizados. (EAGLETON,2003, p. 18)
cívica. As escolas, como agente formador, proporcionarão, a essa fase da vida, novas
perspectivas de leitura da vida, de letramento e de capacidade de interpretação, ampliando as
possibilidades de representação de suas subjetividades e identidades. Os desafios e as
repressões que as juventudes enfrentam são altamente repressivos, uma vez que a força
conservadora insiste em estabelecer seus padrões normativos baseados em um sistema
representativo ainda colonizado por uma cultura eurocêntrica heteronormativa. A cultura,
mais uma vez, vem exercer o seu papel de agente transformadora do ser indivíduo, agindo
como ferramenta de extrema importância nessa fase da vida. Se o jovem é a força marginal
que contrapõe o novo sobre o velho, a cultura é o instrumento que essa juventude utilizará
para a quebra dos antigos paradigmas que insistem em sugerir o que se deve ou precisa fazer.
O acesso às culturas possibilitará o contato do jovem com a arte e suas diversas linguagens.
Dessa forma, constrói-se caminhos para novas representações desse indivíduo no sistema que
possibilita diálogos com velhos e novos problemas.
Por outro lado, se a escola é quem exerce essa função de formadora do indivíduo nessa
fase da vida e se ela vem a ser uma instituição regulada pelo Estado ou, até mesmo, pela
iniciativa privada, ela inclinará para os velhos modelos estabelecidos, que instiga a prática de
conservação de pensamento tradicionalista. Então, mais uma vez, é preciso encarar novas
dinâmicas de rupturas. Faz-se necessário que exista, dessa potencial juventude, a coragem
questionadora de, no emaranhado de alienações, encontrar suas verdades individuais. Em um
mundo onde, a todo momento, são vendidas representações induzidas para manutenção
capitalista, o desafio é mergulhar dentro de si e resistir a sua integridade subjetiva.
Ainda assim, mesmo que seja possível esse encontro com as verdades individuais
subjetivas, a manutenção de privilégios permanecerá estabelecida pela mobilidade de acesso
da juventude aos bens de consumo que agreguem valor à sua consumação cultural. A
estratificação social, que subloca os indivíduos por suas acumulações capitais, nunca
concederá as mesmas oportunidades para todos os grupos sociais. Os que pode ter acesso a
uma educação de qualidade, cursos de idiomas e viagens, não terão o mesmo processo de
formação daqueles que estudaram em escolas com sistema sucateado, que moram em
periferias e que sofrem com as violências sociais reproduzidas pelo sistema colonial. Se a
formação se inicia na escola, é nela que se entrava os primeiros desafios a serem subvertidos
pelas juventudes, visto que os privilégios são distribuídos por cor e dinheiro no bolso e a
exclusão começa por apenas não ser. No modelos social que vivemos, é por não ser branco e
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rico que o indivíduo não irá ter. Sim, a realidade é que os impasses nessa fase da vida
aumentam e as tentações que fazem com que a juventude privada de direitos básicos desista
acabam se tornando guerras diárias, demandando, dos jovens, estratégias de sobrevivência.
Em meio a tantas dificuldades que ser jovem, e, principalmente, ser jovem no Brasil,
implica, continuo insistindo que a cultura que existe em cada um de nós, e que nasce junto
com o lugar que nos originou, não pode ser colonizada. A força da cultura subjetiva dos
indivíduos pode vir a ser reverberação necessária para a transformação revolucionária.
Mesmo com as estatísticas que insistem em matar a juventude pobre, negra e periférica, a
potência que sua cultura e identidade carrega é mais expoente do que o silenciamento causado
pelas opressões. A ressignificação da história de jovens negros surge das brechas oportunas de
furar as bolhas de privilégios, ou melhor, surge pelos entraves diários da disputa de poderes
por sobrevivência. Enquanto os letramentos hegemônicos são escolarizados, reconhecidos
como a única forma legítima de escrita, índice de inteligência e prestígio, os letramentos
vernaculares estão relacionados com as escritas incipientes e ordinárias e, além disso, são
formas de letramentos, frequentemente, ignoradas e tidas como irrelevantes pelas instituições
dominantes, principalmente, pelas escolas (STREET, 2014 apud FACINA, 2018, p. 685).
Compreendemos, então, que a escola funciona como um espaço importante no
processo formativo do indivíduo jovem e oferece práticas fundamentais para o exercício
democrático da cidadania, como ler e escrever, mas que, infelizmente, é limitado e engessado.
Determina práticas hegemônicas do que é tido, tradicionalmente, hegemônico e que reproduz
exclusões perigosas nessa fase da vida, em que as experiências carregam um valor simbólico
importante. Por outro lado, as experiências vividas no interior do espaço escolar contribuem,
de forma significativa, para as experiências fora desses espaços, pois o conhecimento é poder
e, assim, vivendo em uma sociedade em que há constantes disputas por poderes, a narrativa
discursiva é uma estratégia de sobrevivência dentro do sistema colonial. Facina (2018) afirma
que a vida não pode ser vista como algo independente de sua adequação em histórias,
tampouco as histórias podem ser compreendidas, independentemente, de sua conexão com a
vida e a forma pela qual é vivida. Quando o sujeito toma suas experiências individuais para
reconstruir narrativas a partir do seu local de fala, ele está performando o seu discurso em
uma verdade que lhe cabe subjetividade e representação. Trabalhar com narrativas é, então,
situar-se politicamente, decidir fazer escolhas entre performances narrativas possíveis. Em um
universo imerso a processos do que o Hall (1997) chama de McDonaldização da vida, é
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preciso estar atento às emboscadas capitalistas. As mídias nos impõem padrões e segmentos
que não representam verdadeiras construções identitárias. Descolonizar narrativas se torna um
processo emergente na construção de representatividades plurais e livre de segmentações
estereotipadas. Para além de padrões de representatividade estética, a descolonização de
narrativas se torna um processo de reconstrução de histórias com perspectivas da diversidade.
Por muito tempo, o homem branco foi autor e proprietário de narrativas que não os
competiam, os movimentos sociais e políticos, junto às políticas públicas de acesso e inclusão
social, permitiram que negros, indígenas e outros grupos oprimidos pelo sistema colonial,
retomassem a propriedade de suas histórias.
A episteme eurocêntrica insiste na construção de um imaginário pós-colonial, mas
excluem a massiva intervenção capitalista em práticas de reprodução colonialista. A ferida
colonial ainda dói. Como podemos viver em um mundo apagando os traumas e os problemas
estruturais causado por um processo tão invasivo quanto o colonialismo? Como podemos
reconstruir a história de famílias assassinadas, escravizadas e violentadas pelos
colonizadores? Como sobreviver em uma estrutura social desigual, racista e genocida? Como
resgatar a afetividade e afirmação de identidades negras em um mundo idealizado para corpos
brancos? Que forma tomam os fantasmas coloniais e como interagem com a feitura do mundo
nas ex-colônias? Como a colonialidade está presente na relação das corporalidades marcadas
pela geopolítica da racialidade? Que forças esses fantasmas movem? Que ficções
materializam? São fantasmas encarnados, inscritos na latência incontornável da ferida
colonial, como uma tensão muscular ou uma pontada sentida no osso, nas ossaduras dos
corpos e da terra ex-colonial. Pensar em uma estrutura pós-colonial é eliminar e silenciar toda
uma história de massacre que se reproduz no cotidiano de vidas negras através do racismo.
Diante disso, precisamos entender como corpos negros em diáspora estão se movendo
em busca de liberdade, reconectando-se pela possibilidade de resistência para criar Áfricas.
Esse entendimento pode ser construído na nossa partilha da fala através da arte, da
comunicação e da política, mas, também, por meio da ocupação de espaços e da utilização da
energia das resistências voltadas à produção de estratégias de sobrevivência e ao combate do
genocídio da população negra. Esse movimento implica, também, uma preocupação relativa a
ações diretas para o crescimento dos indicadores sociais e econômicos de negros e na
afirmação da cultura e da identidade. Necessita-se que haja mobilização para o planejamento
de estratégias para criação de novos dados e perspectivas de desenvolvimento. Tais estratégias
surgem do acesso aos meios de inclusão social, como a educação, a criatividade e o
empreendimento de possíveis ideias inovadoras na construção de espaços de
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como, também, para o futuro das próximas gerações, objetivando que experiências reais sejam
compartilhadas. Dessa forma, a resistência de nossos ancestrais serão validadas por nossas
ações, enfrentando o que existe de errado no mundo.
REFERÊNCIAS
EAGLETON, Terry.. Versões de cultura In: A ideia de cultura. São Paulo: Unesp, 2003. p.
11-30.
FANON, Frantz. Peles negras, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. Disponível
em: <https://www.geledes.org.br/frantz-fanon-pele-negra-mascaras-brancas-download/>
HALL, Stuart. Quando foi o pós-colonial? Pensando no limite. In: Da Diáspora: identidades
e mediações culturais. Belo Hotizonte: UFMG, 2003. P.101-12.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo.
Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº 2, p. 15-46, jul./dez. 1997. Disponível em:
www.ufrgs.br/neccso/word/texto_stuart_centralidadecultura.doc
NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do povo negro. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2016.
p.133-151
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. Trad. Laura Teixeira Morta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. Disponível em: <http://stoa.usp.br/carlagd/files/-1/18591/1c+-
+SEN+-+des+como+liberdade.pdf>.