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UMA BREVE
INTRODUÇÃO
À TEORIA DE
SCHENKER
Orlando Fraga
DeArtes | UFPR
Curitiba | 2009
ABREVIAÇÕES viii 5.5 Registro obrigatório 39
5.6 Transferência de registro 40
INTRODUÇÃO ix 5.7 Acoplamento 42
5.8 Superposição 42
1. CONTRAPONTO POR ESPÉCIE 1 5.9 Aproximação superior 45
5.10 Nota de cobertura 46
1.1 Fundamentos Pedagógicos do Contraponto – 5.11 Substituição 46
As Espécies 1 5.12 Interrupção 49
1.2 Sumário das Espécies 1 5.13 Ligação 52
1.3 Regras Gerais para o Cantus Firmus 2 5.14 Paralelismo 52
1.4 Primeira Espécie 2
1.5 Segunda Espécie 6 6. MODELOS DE ANÁLISE 57
1.6 Terceira Espécie 11
1.7 Quarta Espécie 13 6.1 Caso 1 – Primeiro Movimento da
1.8 Quinta Espécie 16 Sinfonia 6, de Beethoven (Desenvolvimento) 60
6.2 Caso 2 – Estudo para violão Op. 35,
2. PROLONGAMENTO MELÓDICO 20 n. 17, de Fernando Sor 63
6.3 Caso 3 – Prelúdio em Dó Menor do
2.1 Progressão Melódica 20 Cravo bem temperado, vol. 1, de Bach 66
2.2 Melodia Polifônica 21 6.4 Caso 4 - Variações sobre a Arietta "Lison
dormait" de N. Dezède, K. 264 (315d),
3. PROLONGAMENTO DE FUNÇÃO 25 de Mozart 70
vii
ABREVIAÇÕES
An Antecipação
Ap Apojatura
CaF Cadência Frígia
CAI Cadência Autêntica Imperfeita
CAP Cadência Autêntica Perfeita
CE Cadência de Engano
CF Cantus Firmus
CPl Cadência Plagal
CP Contraponto
LF Linha Fundamental
MC Mais Cadência
p Nota de Passagem
r Retardo
RF Registro Fundamental
s Suspensão
sc Salto Consonante
TR Transferência de Registro
Vz Tom Vizinho
Vzi Tom Vizinho Incompleto
viii
INTRODUÇÃO materializadas em uma análise podem ganhar um novo status.
Ao teórico é dado o direito à especulação filosófica, tanto quanto
é dado ao compositor o direito à liberdade de expressão
artística.
A análise schenkeriana, como toda análise, tenta
demonstrar relações entre as diversas estruturas de uma obra Na outra ponta estão os intérpretes. Muitos deles tendem a
musical que não são prontamente aparentes. Caso os considerar que a simples análise os exime de se aprofundar nos
componentes constituintes de uma composição fossem demais aspectos que compõem o estudo de uma obra – história,
apreendidos em uma simples audição, a análise seria estilo, idiossincrasia de autor em particular, considerações de
redundante e até mesmo indesejada. Por este ponto de vista, é fraseio, articulação e dinâmica, além de outros. No entanto,
possível afirmar que um indivíduo que tem absoluta consciência todos estes elementos devem compor um conjunto de ações,
do que está ouvindo não tem a estrita necessidade de formalizar que podem resultar em um melhor entendimento da obra.
qualquer tipo de análise. A necessidade criada pela falta de
familiaridade com uma determinada linguagem é subordinada a Não sem razão, muitas análises são criticadas por sua
questões de tempo e espaço; isso significa dizer que para se aridez e formalismo exacerbado cuja principal preocupação é a
entender em toda sua plenitude uma obra de Corelli, por mera classificação, com pouca aplicação artística. Fica, assim,
exemplo, que pertence à Europa [espaço] do século XVIII evidente que a análise depende muito da habilidade do analista.
[tempo], é necessário agregar todo e qualquer tipo de Isto é uma desvantagem, pois aqueles menos treinados farão
informação que possa substanciar a sua interpretação. O pouco mais que afirmar o óbvio de uma maneira complexa e
mesmo não ocorre com uma obra do folclore brasileiro, onde a muitas vezes pretensiosa. A tática mais comum é o uso de um
intimidade com a linguagem dispensa procedimentos analíticos tipo de jargão que exclui aqueles não iniciados. Esta é uma
mais sofisticados, pelo menos para os ouvintes locais. situação muito comum nos livros didáticos. Poucos autores
tornam suas estratégias de análise explícitas o suficiente para
Aprender um novo estilo musical é como aprender um permitir que o estudante possa estendê-las ao restante do
idioma estrangeiro. O processo geralmente envolve o domínio repertório. Outros analistas, em particular aqueles da linha
da dicção, da gramática e da sintaxe. Quanto mais perfeito se estruturalista, formulam suas observações de modo a não
pretende o domínio desta nova língua, mais trabalho é permitirem leituras alternativas, assumindo que suas
necessário. Algo semelhante ocorre com o intérprete de música interpretações refletem o consenso geral e suas idéias não
quando trabalha um repertório que não lhe é nato. precisam ser corroboradas.
A análise como disciplina A tarefa não é simples. É verdade que uma abordagem
estruturalista explica “como” a música funciona, mas
O raciocínio analítico diverge do raciocínio dirigido à dificilmente “por que”. É como se tomássemos os fenômenos
composição. O este constrói; aquele “des-constrói”. O fato do musicais congelados, paralisados em um dado momento no
compositor não considerar conscientemente certas relações tempo e desconsiderássemos a natureza orgânica da
estruturais, não significa que as mesmas não estejam lá e que interpretação musical, além da relação dinâmica que existe
não possam ser observadas pelo analista. Idéias assim entre o intérprete e o seu ouvinte. Explicar a relação entre a
Introdução
estrutura e o seu significado é ainda o maior desafio da análise de abusos e torna-se irreconhecível nas mãos de intérpretes mal
e não pode ser arbitrariamente subjugado. preparados.
Não obstante a influência que possa ter, a análise O que contém o livro
schenkeriana é apenas uma entre as diversas ferramentas
existentes para explicar como a música funciona. Cada estilo ou Harmonia e forma são duas ferramentas fundamentais
gênero musical exige uma abordagem diferente e para a análise, mas por razões práticas foram omitidas neste
conseqüentemente, o emprego da técnica analítica livro. Ambas poderão ser supridas pela ampla literatura em
correspondente. Seja como for, os aspectos didáticos da teoria português já existente. Menos correntes são as definições de
de Schenker continuam a ser expandidos e desenvolvidos, posto expansão melódica e harmônica e a elas é dedicado um capítulo
que o próprio Schenker não produziu nenhum texto didático. introdutório. Contraponto por espécie é disciplina regular nas
graduações; mesmo assim, um capítulo inteiro é dedicado ao
Para quem é este livro assunto, porém de tal forma a dirigi-lo ao pensamento
schenkeriano.
Embora o título especifique que se trata de uma
introdução, pode-se dizer que este livro é uma absoluta À medida que os gráficos avançam, os textos explicativos
introdução. Explico melhor: todos os textos que estampam diminuem, em conformidade com a idéia de Schenker de que os
como título “Introdução à Teoria de Shenker” são, na verdade, gráficos devem ser auto-explicativos. Assim, é importante para
textos dirigidos a um público avançado. Ao contrário, este o estudante conviver com eles por algum tempo, reproduzir as
trabalho tem a pretensão de se dirigir àqueles que não apenas experiências aqui desenvolvidas e, se possível, sugerir outras
são novos no pensamento schenkeriano, mas também possuem leituras.
pouco treinamento prévio em análise de qualquer espécie,
sejam eles instrumentistas, compositores, professores ou Também por questões práticas, não é possível em um livro
teóricos, estudantes ou profissionais. Não obstante, um cert6 deste porte apresentar análises de obras de maior porte. As
domínio de harmonia, contraponto e forma ajudarão o quatro análises integrais apresentadas aqui obedecem a um
estudante a tirar proveito mais rápido deste livro. critério de progressividade cujos modelos analíticos poderão ser
estendidos à maior parte do repertório de música tonal.
Uma das maiores causas de insucesso na análise
schenkeriana é o total, ou quase total, desconhecimento das Longe de ser completo, este livro busca apenas dotar o
regras que permeiam o tonalismo. Em outras palavras, falha-se estudante de condições mínimas para decifrar um gráfico já
por não se saber “como” e “por que” a tonalidade funciona. Um existente ou substanciar a criação de seu próprio, sugerindo
estilo ou gênero musical está subordinado a uma sintaxe que para tal, estratégias simples de abordagem. Para aqueles que
lhe é peculiar e lhe dá identidade. Consideremos, como desejarem se aprofundar no assunto, sugerimos na referência
exemplo, a música do período Clássico. Por causa de sua bibliográfica uma pequena lista de obras que consideramos
construção formal regular, de sua quadratura de frase, de seu chaves para a continuidade dos estudos.
vocabulário harmônico convencional, sua textura homofônica,
seu ritmo muitas vezes uniforme, esta música é alvo constante
x
Progressão linear: uma introdução à teoria de Schenker
Quem foi Schenker vários campos de estudo e vem aumentando desde sua morte.
Seu pioneirismo com relação a uma prática editorial rigorosa,
Heinrich Schenker nasceu na Galícia (hoje parte da fez com que grandes nomes da música, como Fürtwangler e
Polônia) em 1868 e morreu em Viena em 1935. Foi durante o Hindemith, viessem a prestar mais atenção às suas formulações
seu curso de Direito em Viena que decide se dedicar em tempo teóricas. Com a tradução para língua inglesa dos seus trabalhos
integral à música, transferindo-se para o Conservatório de Viena nas décadas de 1960 e 1970, o rigor analítico de Schenker
onde estudou composição com Anton Bruckner. Logo se tornou passou também a atrair teóricos importantes como Allen Forte,
um competente músico de câmara, crítico, editor e professor. Adele Katz e Felix Salzer.
Suas composições receberam a atenção de Brahms e Bussoni e
seus ensaios sobre crítica musical foram publicados em diversos Por um lado, a teoria de Schenker está intrinsecamente
periódicos. O crescente interesse de Schenker pelo processo ligada aos desenvolvimentos da lingüística (os estruturalistas,
criativo dos grandes mestres motivou seu trabalho editorial. em particular) empreendidos na Europa durante as últimas
Entre os mais importantes estão as revisões das cinco últimas décadas do século XIX. Por outro, estão as teorias da Gestalt,
sonatas para piano de Beethoven, publicadas entre 1913 e que tiveram grande influência no pensamento contemporâneo.
1921. Porém, foi a sua crescente insatisfação com as teorias As tentativas de Schenker de demonstrar como as partes
musicais de seu tempo que o levou a escrever o que viria a ser funcionam em relação ao todo podem ser entendidas em termos
sua obra mais influente, a trilogia Neue musikalishe Theorien destes conceitos.
und Phantasien (Nova Teoria Musical e Fantasias). A primeira
publicação foi Harmonielehre (Harmonia), de 1906. Depois foi
Kontrapunkt (Contraponto, em dois volumes publicados
respectivamente em 1910 e 1922), culminando com Der freie
Satz (Composição Livre, 1935).
1
Plano Frontal, Plano Médio e Plano de Fundo.
xi
1. CONTRAPONTO POR ESPÉCIES 1.2 Sumário das Espécies
Ex. 1.3 Narvaez: Diferencias sobre Guardamelas Vacas, para vihuela (1538)
4 Contraponto por espécies
No exemplo 1.3a temos a música propriamente dita, ou redução ao máximo possível da aplicação das regras de
seja, como ela se apresenta em sua superfície. Na primeira contraponto. No exemplo 1.4a temos a música em seu acaba-
redução (exemplo 1.3b), são eliminadas as notas repetidas e as mento final, ou seja, como ela se apresenta em sua superfície. A
notas decorativas como notas de passagem, tons vizinhos1 e partir daí, inicia-se um processo de redução eliminando-se
outras. O tipo de construção da primeira voz em arpejo ajuda primeiro as notas repetidas e depois todo tipo de decoração,
na identificação dos pontos ou notas estruturais. De um modo como tons vizinhos e notas de passagem. Este processo é reali-
geral, a primeira nota de cada compasso da melodia sustenta a zado de forma graduada através de sucessivos gráficos; desta
estrutura. O conjunto destas notas melódicas da primeira maneira pode-se chegar a conclusões mais precisas sobre as
semifrase (cc. 1-4) forma um tetracorde descendente que, decisões tomadas, além de se deixar a abordagem mais clara
quando agregado ao baixo do mesmo trecho, configura um para o leitor. No exemplo 1.4b, eliminam-se as vozes internas,
desenho melódico-harmônico que é típico do gênero Roma- cuja função é de incremento rítmico e estabelecimento de modo
nesca.2 No segundo compasso, a segunda nota ré foi escolhida (maior, menor, diminuto, aumentado). Estes elementos são
como nota estrutural, em detrimento da primeira nota si (que substituídos pelas cifras harmônicas abaixo da nota. No exemplo
poderia também ser correta) porque forma uma linha diatônica 1.4c, são eliminadas as repetições na melodia e no baixo. Em
contínua descendente, mais coerente com as regras estritas do 1.4d, são considerados os ornamentos, que neste caso foram
contraponto de 1a espécie. Uma linha melódica em grau grafados com notas pequenas a fim de diferenciá-las das notas
conjunto atenua ou compensa a instabilidade da segunda voz, mais importantes, grafadas com notas brancas. É um conceito
que se move por saltos. As ligaduras agrupam as notas importante — aquele da hierarquia estrutural, cuja organização
pertencentes ao mesmo conjunto ou universo de notas e que se visual ajuda a estabelecer o grau de importância que cada nota
relacionam internamente de alguma forma. A segunda semi- possui. Este conceito será desenvolvido mais adiante.
frase (cc.5-8) é um pouco diferente, pois acomoda a cadência;
por isso existe um incremento rítmico para mantê-la dentro dos Estamos prontos agora para explorar alguns detalhes.
quatro compassos da frase. Finalmente, no exemplo 1.3c são Vejamos o gráfico 1.4d: a primeira nota lá é anacruse de fá#,
eliminadas todas as ligaduras e notas não essenciais, restando que é a primeira nota da melodia propriamente dita – a
apenas as notas estruturais. anacruse é apenas um gesto ou impulso em direção a esta nota.
No compasso 2, as notas pretas formam o arpejo do acorde de
O exemplo seguinte mostra as várias etapas de tônica. No terceiro compasso, a nota mi, apesar de pertencer ao
depuração de outra frase musical. Na aplicação das regras acorde de dominante, tem a função de tom vizinho incompleto
estritas de contraponto no repertório clássico e romântico, da nota ré. No compasso seguinte, temos três situações: a
pode-se encontrar uma quantidade de variantes, como veremos primeira nota do compasso, ré, é apojatura do dó#; a terceira
neste exemplo extraído de um estudo de Fernando Sor (1778 - nota mi é arpejo do acorde de dominante; por fim, a última nota
1839). Em situações como esta, é importante aproximar a do compasso lá é anacruse do compasso seguinte. No compasso
7, a segunda nota si é arpejo do acorde de ii6, e a última nota
mi é arpejo do acorde de dominante. Todas as notas descritas
1
O termo corrente em português é bordadura. Não obstante, adotamos a acima são subordinadas a outras mais relevantes para a estru-
nomenclatura tom vizinho por ser esta denominação mais internacional. tura e por esta razão são menores na notação.
2
Guardame las Vacas é baseada na romanesca, um ground muito popular
no século XVI. A romanesca também é a base de Greensleeves, a
conhecida melodia inglesa.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 5
Um aspecto importante se apresenta quando temos de devem prevalecer as regras de estilo da obra analisada. Este
escolher uma entre duas notas consecutivas harmonicamente estudo de Sor é um exemplo típico do período clássico, com oito
corretas. Em situações como esta se aplica o critério do compassos divididos em duas frases, sendo a primeira
contraponto, elegendo-se a nota que melhor define a linha interrompida no compasso 4 pela semicadência. As duas frases
melódica. Como exemplo, podemos citar o segundo compasso se relacionam de forma análoga a nível local (as duas
do gráfico acima, onde temos três notas harmonicamente semifrases) e a nível global (a frase completa). Desta forma, o
possíveis. Analisemos as três no gráfico 1.4c: com a nota fá# dó# interrompido no compasso 4 será resolvido no ré do último
cria-se um movimento fá#-mi-fá# que, apesar de correto, é compasso.
redundante. A nota lá provoca um salto melódico indesejado
para o início da linha melódica. A escolha natural recai sobre a
nota ré, pois esta forma uma linha diatônica descendente que
catalisa e equilibra com perfeição o salto de 4a no baixo. Outra
situação, neste mesmo exemplo, está no compasso 3: a segun-
da nota mi e a terceira nota ré pertencem ao acorde de V7. A
escolha do ré como nota ideal baseia-se em dois critérios:
primeiro, com a nota mi, temos dois saltos consecutivos de 4a e Ex. 1.6 Organização estrutural da primeira frase do Estudo de Sor
de 3a, respectivamente; por outro lado, com a nota ré, temos
um salto ascendente compensado por um movimento cromático Apenas para reforçar o argumento, observe que os
na direção oposta, que dilui a tensão gerada pelo salto anterior. respectivos conseqüentes de cada frase são diametralmente
opostos, criando uma relação perfeita de equilíbrio, caracte-
A primeira frase é formada por quatro compassos rística fundamental do estilo clássico. Frisamos que, em redu-
organizados dois a dois, numa relação de antecedente e ções, nem sempre é possível aplicar as regras estritas do
conseqüente. O estabelecimento desta relação também justifica contraponto e cada caso deve ser julgado segundo os critérios
a escolha da nota ré como nota hierarquicamente mais de estilo do período em foco.
importante. A nota mi neste caso passa a assumir, em outro
nível estrutural, a função de apojatura.
1.5 Segunda Espécie
Resta uma explicação sobre a quebra das regras estritas 3. A finalis deve ser uníssono ou 8a;
de contraponto no compasso 4. A resolução lógica do dó# neste
compasso deveria ser a nota ré. Porém, em casos como este,
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 7
4. A primeira nota de cada compasso deve ser consonante Os princípios do contraponto estrito podem aparecer de
com o CF; diferentes formas e em diferentes níveis estruturais de uma
música. Assim, por exemplo, um trecho na superfície baseado
5. A segunda nota de cada compasso pode ser dissonante
na 2a espécie, pode aparecer no plano de fundo na 1a espécie.
se for atingida e deixada por grau conjunto;
Os exemplos de 2ª espécie operando na superfície são inúmeros
6. Os saltos devem ser consonantes; e abrangem todos os períodos da história da música. Os chorais
de Bach costumam ser considerados como referência para o
7. O movimento contrário é preferível por dar maior estudo de notas estranhas dentro de uma harmonização.3
independência às vozes;
8. O Contraponto (CP) pode começar com uma pausa de No período barroco a idéia de um único affekt4 favorece
mínima; o aparecimento de texturas uniformes, como neste exemplo de
Henry Purcell (1659 - 1695):
9. A penúltima nota pode ser uma semibreve;
10. As notas de passagem são sempre dissonantes. A única
exceção é o movimento 6-5 ou 5-6 (consonância de
passagem);
11. Existem dois tipos básicos de dissonância: notas de
passagem e tons vizinhos;
Ex. 1.8 Purcell: Dido & Aeneas, 2º ato
12. Saltos de 8a ou maior representam uma transferência
de registro. Este moto continuo em colcheias no baixo é ornamen-
tado por notas de passagem (p) e tons vizinhos (Vz). Além de
decorar, o tom vizinho tem a função de prolongar a nota, ao
mesmo tempo em que acentua o contorno melódico da linha.
Evidentemente, isto também representa um incremento rítmico.
É interessante observar esta operação com mais detalhe. No
primeiro compasso, a nota dó# está prolongando a primeira
nota ré:
Ex. 1.7 Exemplo de contraponto da 2ª espécie
3
Notas estranhas são: notas de passagem, tons vizinhos, retardos,
apojaturas, entre outras.
4
De acordo com a Teoria dos Afetos.
8 Contraponto por espécies
Ex. 1.9
6
Ritmo harmônico é a freqüência com que os acordes mudam.
7
Edward Cone chama isto de structural downbeat (tempo forte estrutural).
CONE, Edward. Musical Form and Musical Performance. New York : W. W.
5
O número 6 indica primeira inversão. Norton & Company, 1968, p. 24.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 9
Desta forma fica mais clara a função de anacruse do Esta terceira redução elimina as notas repetidas e ornamentais.
primeiro compasso. Anacruse é um gesto, um impulso em A ligadura pontilhada mostra qual nota está sendo prolongada.
direção à primeira nota real da melodia — neste caso a nota sol, A linha contínua embaixo da clave de fá mostra até onde I está
que recebe o firme suporte do acorde de tônica em seu estado sendo prolongado. O resultado pode ser analisado da seguinte
fundamental. O segundo acorde deste compasso é um acorde forma: primeiro temos um gesto, ou anacruse, em direção ao
vizinho (IV) cuja função é a de prolongar o acorde de tônica sol, primeira nota da melodia; a partir daí segue uma escala
que retorna logo em seguida. Podem-se observar estes detalhes descendente até o dó. Porém, antes da escala iniciar o seu
no exemplo que segue: movimento descendente, o sol é prolongado por um tom
vizinho, o lá.
8 9
Nota cambiata (it.: nota trocada), termo introduzido no século XVII para Embora o exemplo contradiga a regra de 4 notas contra uma, sua
designar uma nota dissonante no segundo tempo fraco que é seguida por construção melódica possui todas as características desta espécie, o que,
salto de terça descendente. aliado a outras peculiaridades, justifica sua inclusão neste capítulo.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 11
11
Referido, também, como retardo.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 13
Adágio
Ao se reduzir a passagem, elimina-se a segunda voz, extra. Entre todas as espécies, esta é a que mais se aproxima
permanecendo apenas o baixo e a melodia. Por fim, reorganiza- da composição livre graças à maior variedade proporcionada
se o registro para fins de análise. Como sempre, na redução pela mistura de valores rítmicos, criando um tipo mais rico de
eliminamos as notas repetidas. No caso do baixo, a 8a significa embelezamento da linha melódica. O tipo de ornamentação que
incremento rítmico da mesma nota — portanto mantemos uma decorre da 5a espécie é tradicionalmente conhecido por
nota só nos compassos 1 e 2. No segundo compasso, o salto de “diminuição” e era assim que Schenker se referia a ela. Este é
8a do láb da primeira voz provoca o que se chama transferência um ponto importante para o entendimento da sua teoria.
de registro; neste caso, sua função é puramente dramática, pois
aumenta a tensão do discurso que é explicitamente vocal. Na
segunda redução (ex. 1.24c), este salto é readequado,
permanecendo a linha melódica no mesmo registro. Bach usa
aqui suspensões 6-5 e 7-6, menos conclusivas que o movimento
4-3, que é sempre associado à cadência.
Neste exemplo, a primeira frase completa está na Em polifonia do século XVI, os princípios da 5a espécie
primeira linha. Em seguida a frase é repetida, desta vez podem ser alargados através de diversos tipos de manipulações
ornamentada com diminuições, na linha inferior. Observe que as de um tema ou sujeito, seja por cânone, imitação, retrógrado,
notas originais da melodia (indicadas em círculos) são preserva- inversão, entre outros. No Ex. 1.27, um trecho de uma Missa de
das quase que inteiramente na repetição, o que constitui uma Josquin des Près (ca. 1440-1521), a forma é delimitada pela
das maiores características deste estilo. ocorrência de pontos de imitação. Cada novo tema é, em geral,
derivado do tema inicial.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 17
Uma das principais vantagens da análise schenkeriana Na passagem acima cada nota da escala ascendente
está na possibilidade de se revelar progressões simples por trás está sendo decorada por tons vizinhos que, ao mesmo tempo,
de passagens aparentemente complexas. Isto pode se dar em prolongam cada uma destas notas. Na primeira linha temos o
diferentes níveis: dentro da frase, da seção ou na obra toda. fragmento melódico como se apresenta na sua superfície. A
Vamos examinar mais de perto as duas principais dimensões da segunda linha mostra as notas principais com haste para cima.
música tonal: a melodia, neste capítulo, e a harmonia, no capí- A ligadura pontilhada indica a nota que está sendo prolongada e
tulo seguinte. as notas sem haste são aquelas usadas para o prolongamento –
neste caso, tons vizinhos. A última linha mostra a estrutura
2.1 Progressão Melódica primária do fragmento – uma escala ascendente. Vejamos mais
dois exemplos que seguem este mesmo princípio:
Quando uma nota permanece ativa dentro de certo
contexto, mesmo com a intervenção de outras, diz-se que esta
nota está sendo prolongada. A variação é uma das principais
modalidades de prolongamento. Outro tipo em especial foi
usado por Schenker para basear sua teoria: a diminuição. Como
já vimos anteriormente, diminuições são basicamente passa-
gens ornamentais constituídas com notas de passagem, tons
vizinhos, apojaturas, saltos consonantes, retardos, entre outros,
que formam uma unidade linear.
Ex. 2.2
diminuição na Renascença. Nesta operação, a nota mais impor- No exemplo acima, a ligadura é contínua porque a nota
tante (ou nota estrutural) é mantida sempre na mesma posição prolongada não está sendo repetida como nos exemplos ante-
dentro do compasso, sendo o ornamento agregado no entorno. riores. Entretanto, é possível notar, não apenas neste, mas em
Assim, sempre temos uma referência auditiva do que está todos os exemplos até aqui apresentados, que as notas
sendo decorado. Para se chegar à estrutura linear primária intermediárias decoram as notas principais sem interferir no
realiza-se um progressivo “depilamento” das diversas camadas movimento contínuo da linha. O exemplo seguinte mostra uma
estruturais: notação gráfica um pouco mais sofisticada:
Ex. 2.3
Este exemplo serve para ilustrar diferentes níveis Neste exemplo temos os quatro compassos iniciais do
estruturais. O nível mais alto é o da superfície, ou seja, a músi- primeiro violino de um quarteto de Haydn (ex. 2.7a). Aqui, o
ca como se apresenta em seu acabamento final (ex. 2.6a). À ritmo harmônico regular entre I e V pode nos ajudar a deter-
medida que se avança na análise, é possível distinguir as notas minar quais são as notas estruturalmente mais importantes. O
subsidiárias ou secundárias (notas pretas sem haste em 2.6b) segundo gráfico (ex. 2.7b) coloca estas notas em uma pers-
das outras mais importantes (notas pretas com haste). Vistos pectiva hierárquica. Em cada compasso temos duas notas de
desta forma, estes dois elementos formam planos estruturais passagem (a nota principal aparece com haste para cima ligada
diferenciados — estabelecemos um novo nível de coerência ao colchete). Temos então uma escala descendente de ré a lá.1
melódica distinto da figuração ornamental da superfície (2.6c). As notas com haste para baixo representam um nível estrutural
Outras construções melódicas podem ser mais complexas que secundário – são notas que comentam a nota principal. Por
as apresentadas acima, como nos próximos dois exemplos: estabelecer o gênero (maior ou menor) elas se colocam em um
nível intermediário. Observamos que dentro de cada compasso
existe um arpejo de terça cujas notas são grafadas com haste
cruzada por estarem dentro do mesmo contexto harmônico (ex.
1
No terceiro compasso temos duas notas possíveis como notas estruturais,
o sol e o si. Esta última foi escolhida como nota estrutural mais importante
por proporcionar uma linha mais estável em direção ao lá.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 21
2.7c). Estas são agrupadas no ex. 2.7d, onde podemos Na primeira linha do exemplo 2.8atemos a música
observar uma escala descendente em terças. As notas de passa- propriamente dita, ou seja, a sua superfície. Na segunda linha
gem pertencem a um nível estrutural subordinado, por isso são (ex. 2.8b), já estabelecemos uma hierarquia, com as notas
eliminadas.2 brancas representando as notas principais da melodia. No
primeiro compasso, a nota sib é prolongada por um tom vizinho.
O segundo exemplo é um pouco mais complexo, pois A resolução deste mesmo sib é retardada no segundo compasso
envolve a relação de três vozes dentro de uma única linha: por deslocamento métrico, criando uma suspensão no primeiro
tempo que é resolvida no segundo tempo (os compassos 3 e 4
a) são análogos aos dois anteriores – ver ex. 2.9).
2
No último compasso, foi acrescentada a nota fá# (entre parênteses). Este
é um recurso comum em análise, pelo qual se recompõe a linha de acordo
com a lógica de seu movimento implícito.
22 Prolongamento melódico
Ex. 2.10 Bach: Partita II para Violino Solo, BWV 1004 - Chaconne
Posto de maneira simples, prolongamento de função é a Os parênteses no exemplo 3.1a, indicam o local que
inserção, entre dois acordes, de material que o estende de pode ser preenchido por harmonias intermediárias entre I e V.1
forma análoga ao prolongamento melódico, retardando assim, Os três exemplos seguintes, b, c, e d, mostram algumas das
sua resolução. A figura abaixo demonstra de maneira simples possibilidades, entre muitas, de acordes usados com esta
como isto ocorre: finalidade. Ainda sobre o exemplo 3.1, cabe uma explicação
quanto à notação. O traço abaixo dos parênteses indica que a
função tônica prevalece até o aparecimento da dominante. Nos
exemplos seguintes, vemos o prolongamento da função tônica
por intermédio de diferentes tipos de acordes. O emprego de
tonalidades próximas juntamente com um movimento melódico
constante reforça a continuidade da progressão harmônica. Em
outras palavras, a integração destas harmonias com a função
tônica é garantida pela proximidade harmônica e pelo movimen-
to por grau conjunto das vozes individuais.
Ex. 3.1
1
As harmonias que estão mais próximas à dominante preparam a chegada
desta e, por esta razão, são conhecidas como “harmonias pré-dominan-
te”.
24 Prolongamento de função
1. Acorde vizinho
2. Acordes de passagem
(Bach: Coral)
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 25
6. Omnibus2
8. Seqüência
a)
b)
2
Palavra latina que significa “para todos”. Introduzida em música por Victor
Fell Yellin (1924), professor da New York University. Refere-se a uma
progressão cromática em movimento contrário que serve para expandir
um acorde, quase sempre com função de dominante. Este artifício foi
bastante usado pelos compositores associados ao período da prática
comum. (PISTON, Walter. Harmony, pág. 440)
4. COMBINAÇÃO DE HARMONIA E
CONTRAPONTO — PROGRESSÃO LINEAR
No Ex. 4.1a vemos um intervalo harmônico de terça Comum em todos os exemplos acima é a nota de
sendo desdobrado em um intervalo melódico. Usando a técnica passagem intermediando a distância entre as notas que com-
de diminuição apresentada no capítulo anterior, podemos põem o acorde. A diferença está apenas no número maior ou
intermediar este intervalo com uma nota de passagem, neste menor destas notas de passagem. Outro conceito importante
caso a nota ré. No Ex. 4.1b, temos a mesma situação anterior, que se observa aqui é o da dissonância usada para prolongar
porém com um acorde de três notas. Aplicando-se novamente a uma função, de acordo com os princípios do contraponto por
técnica da diminuição encontramos duas notas de passagem. espécie.
Este intervalo de 3a, intermediado por uma nota de passagem,
pode receber o suporte da segunda dimensão musical, que é a
dimensão vertical ou harmônica, como embasamento tonal.
1
Estes são intervalos que compõem o acorde perfeito na sua segunda
inversão.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 27
4.4 Harmonizando a Dissonância No exemplo acima, a nota ré continua sendo uma nota de
passagem entre dois acordes estáveis de tônica. Não obstante,
Observe o seguinte exemplo: ela pode receber um suporte consonante sem que isto altere
seu status de nota de passagem.
Dentro de uma obra musical isto pode ocorrer em
diferentes locais e a agregação destes núcleos forma um ciclo
contínuo (uma espiral ascendente) limitado somente pela imagi-
nação do compositor. Estabelecem-se, então, vários níveis.
Estes níveis (bem como os eventos agregados a qualquer parte
da estrutura musical) podem ser harmonizados e estas harmo-
Ex. 4.8 nias, por sua vez, podem ser prolongadas em um círculo
recursivo cuja conseqüência é a criação de níveis hierárquicos
Aqui temos uma progressão de terça com suporte dentro da música.
harmônico na primeira e terceira notas. O que é significante
aqui é a dinâmica do movimento melódico que, neste caso, Vejamos mais um exemplo:
traduz-se em uma meta a ser atingida (dominante e subdomi-
nante, respectivamente). Música tonal é movimento. Está sem-
pre indo ou vindo de algum lugar. Esta dinâmica pode dar-se
em vários níveis, acontecendo localmente (entre dois acordes)
ou através de uma amplitude mais global (entre duas frases ou
seções).
Ex. 4.9
2
Daí o termo “progressão harmônica”, ou em outras palavras, avanço
contínuo em direção a uma meta.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 29
a) Plano Frontal
b) Plano Médio
c) Plano de Fundo
Ex. 4.12
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 31
Formas
1
Head Tone (ing.), Kopfton (alem.) - ver Glossário.
2
Em muitos casos a ascensão inicial coincide com o downbeat estrutural
(ver Glossário).
Progressão linear: uma introdução à teoria de Schenker 33
5.2 DESDOBRAMENTO (Unfolding; Ausfaltung) conecta os intervalos que estão dentro do mesmo
contexto harmônico.
Resultado do desmembramento de um intervalo harmô-
nico. É uma técnica conceitual, pois horizontaliza um intervalo c) É o plano de fundo composto por uma progressão de 5a.
que, em um plano estrutural mais fundo, é simultâneo. Ocorre
sempre em melodias polifônicas. Eis alguns exemplos de
desdobramentos:
5.3 MOVIMENTO DE/PARA UMA VOZ INTERNA a tornar mais clara a estrutura, mostrada aqui em b. É
(Motion to/from na Inner Voice; Untergreifen) importante lembrar que redução textural não é a mesma coisa
que plano frontal.4 Na redução eliminamos notas repetidas,
Este é um tipo de progressão linear de alcance mais notas dobradas, ornamentação, algumas ou todas vozes inter-
local (ou seja, aparece em uma pequena área ou parte da nas e realizamos a simplificação rítmica.
música) e que conecta uma nota da LF a uma voz interna em
um nível estrutural mais profundo. Na primeira parte deste tema predomina a harmonia de
tônica. Este é um tipo muito comum de construção harmônica
em música tonal, especialmente no classicismo. A segunda
parte do tema inicia com movimento melódico ascendente de
uma voz interna para a voz externa, cobrindo a extensão de
uma 8a (sol1 – sol2). Embora exista na primeira parte, um
movimento para voz interna, este não é tão claro quanto na
segunda parte. O gráfico c mostra o plano frontal e esclarece o
que ocorre: após uma rápida ascensão inicial, chegamos à nota
sol, que tem a dupla função de primeiro tom da LF (que se
prolonga até o sol do compasso 16) e a primeira nota da
Ex. 5.4
progressão de 5a (que compõe a primeira parte da peça). Como
O movimento contrário — quer dizer, da voz interna para a o primeiro tom da LF está sendo prolongado por toda a
voz externa — assume várias configurações, entre elas a extensão da passagem, esta progressão de 5a passa a ser
ascensão inicial. considerada como um movimento para uma voz interna.
O movimento de/para uma voz interna é característico O gráfico seguinte d pertence ao plano médio. Nele
das melodias polifônicas. Nesta técnica, a conexão das vozes se vemos que a ascensão inicial de uma 8a sobre I é replicada de
dá através de uma progressão por grau conjunto, enquanto que forma distendida na segunda parte com o mesmo salto de 8a,
no desdobramento a progressão é feita por salto. Estas são agora sobre V. Na primeira parte podemos observar um
técnicas comuns para expandir a melodia com conseqüente paralelismo motívico (assinalado pelas chaves) de 10as consecu-
expansão da forma.3 tivas. Seu papel é o de retardar a chegada da próxima função.
3
O movimento de/para uma voz interna pode dar origem a uma seção
4
independente dentro de uma grande forma. Daí o conceito de que análise schenkeriana não é exclusivamente redução.
Progressão linear: uma introdução à teoria de Schenker 35
5
Notas de passagem, tons vizinhos, apojaturas, e outros.
38 Técnicas de progressão linear
6
Tal qual ocorre em algumas linhas de baixo de certas obras de autores
barrocos, como Bach, que descem até o limite do registro grave do
instrumento, saltando obrigatoriamente para assim, dar continuidade ao
movimento descendente.
Progressão linear: uma introdução à teoria de Schenker 39
Esta é uma técnica de transferência de registro onde Outra técnica que usa a transferência de registro. Neste
notas estruturais ocorrem em dois registros diferentes. O caso, a superposição acontece quando uma ou mais vozes
acoplamento está geralmente associado ao intervalo de 8a e internas aparecem acima da voz principal ou registro obrigató-
sempre envolve um certo grau de elaboração entre um registro rio.
e outro.7 Pode ocorrer em vários níveis da estrutura.
No Ex. 5.13, arpejo do acorde de tônica é uma ascensão
Qualquer transferência de registro implica em inicial que retarda a chegada do primeiro tom da LF, a nota sol.
prolongamento. Esta Sonata de Beethoven é exemplar neste O movimento continua ascendendo até atingir o dó agudo por
sentido (Ex. 5.12). Na primeira linha a, todos os acordes são salto consonante. Esta transferência de registro de uma voz
analisados individualmente. Na redução de textura e de ritmo interna para além da LF chama-se superposição.
que se segue b, observamos que os compassos 3 e 4 compreen-
dem uma única função de dominante. Vemos uma seqüência de É muito comum a superposição aparecer apenas no
dominantes individuais que conduzem ao iv, no compasso 5, plano frontal ou no plano médio como no Ex. 5.14. Neste caso,
gerando grande tensão dramática. vemos na redução textural que a mão direita do piano é uma
sucessão de 6as paralelas. Para completar o movimento, e por
A técnica de acoplamento sempre deve envolver um questões de lógica, foram acrescentadas as duas últimas notas
certo grau de paralelismo motívico, além de uma certa da progressão (ré e dó). No primeiro compasso do gráfico c, a
elaboração entre os diferentes registros. A repetição do motivo voz interna do tenor, com a nota lá, indica que houve uma
inicial nos compassos 6 e 7 nos dá a primeira idéia de que transferência desta voz para o registro agudo (ver seta no
temos um acoplamento. Neste caso, o acoplamento não é de 8a, compasso 1). Também notamos que neste acorde falta uma
como normalmente ocorre, mas de 9a, pois a passagem recebe nota para completar a harmonia de 4 sons. Ao restaurarmos a
o suporte da dominante num movimento de tensão que voz mais aguda à sua posição original (ver gráfico c), temos
resolverá na tônica no compasso 9 (primeiro tempo estrutural então uma progressão de acordes a 4 vozes completa, com
deste movimento). Observamos também que os compassos 6 e movimentos melódicos muito próximos um do outro. O gráfico
7 são uma condensação do seu referencial anterior no grave. É d, então, nos mostra que a passagem é uma simples progressão
este trabalho elaborado entre os dois registros que mais descendente de terças.
caracteriza o acoplamento.
7
Composing-out, em inglês e Auskomponierung, em alemão.
Progressão linear: uma introdução à teoria de Schenker 41
Ex. 5.15
8
Outros intervalos também são possíveis.
44 Técnicas de progressão linear
5.10 NOTA DE COBERTURA (Cover tone; Deckton) aparecer no barroco graças a um estilo praticado pelos
alaudistas, principalmente os franceses, chamado de style brisé.
Uma nota proeminente que, apesar de sua aparente Trata-se de arpejos irregulares de acordes, de caráter
independência, mantém estreita relação com vários aspectos da improvisado, que criam uma malha complexa de harmonias que
condução das vozes. Por conta disso, não deve ser confundida se sobrepõem umas às outras. Este estilo foi então adotado
com pedal, embora acumule esta função em algumas circuns- pelos compositores de teclado, particularmente Couperin, e
tâncias. A característica da nota de cobertura é a de uma voz passou a ser difundido por todo o período.
interna que transpassa a voz principal.
Em a temos a superfície musical analisada harmônica-
No Ex. 5.17, a representa a superfície musical analisada mente do ponto de vista da tonalidade inicial. Já na redução b,
harmonicamente. Já na redução textural b, percebemos que a a análise harmônica leva em consideração a área tonal local,
mão direita é constituída de duas vozes: uma formada por uma pois estamos considerando o trecho isoladamente, fora de seu
escala cromática descendente9, e outra formada por duas notas contexto harmônico global.
longas no registro agudo. Estas últimas são as notas de cober-
tura. No gráfico c do plano médio vemos que a primeira nota
da LF, a nota fá, é atingida após uma rápida ascensão inicial.
O gráfico do plano médio é apresentado em c. A haste Esta primeira nota acumula a função de primeira nota da
cruzada agrupa as notas que compõem os acordes de SIb e RÉ, progressão de 5a, que é um evento mais local. A 5-prg aparece
respectivamente. Estes são os acordes prolongados em cada aqui com notas pretas e hastes para cima. A resolução natural
uma das metades desta frase. desta progressão seria o primeiro grau da escala de Si Maior;
porém, em seu lugar na superfície, aparece a nota fá#. Para
5.11 SUBSTITUIÇÃO (Substitution) restaurar a lógica do movimento, a nota si é restituída entre
parênteses. Outra inclusão aparece na mão esquerda no
Ocorre quando o contexto melódico ou harmônico exige compasso 13: a nota de resolução do baixo não aparece, pois a
uma certa nota e esta é “substituída” por razões puramente resolução (dó#) está embutida dentro do acorde da mão direita.
composicionais. Na análise, a nota implícita pode ser agregada Para que a lógica do baixo seja mantida, esta nota foi
dentro de parênteses para destacar sua situação (Ex. 5.18). Não restaurada. O parêntese indica a nota que foi acrescentada.
se deve confundir com cadência evitada, onde isto pode
também ocorrer.
9
A escala no compasso 3 foi acomodada uma 8ª abaixo, dando assim
continuidade natural à escala.
10
Descending leading tone, em inglês.
Progressão linear: uma introdução à teoria de Schenker 45
O Ex. 5.22 (página anterior), extraído de um Quarteto de (Ex. 5.24). Na transição para a seção D, Haydn usa exatamente
Haydn, mostra o mesmo tipo de progressão de 5a com as mesmas notas, com ligeira diferença rítmica. Quando analisa-
interrupção. Esta é uma típica frase interrompida, com articu- mos o Rondó em um plano estrutural mais profundo, esta
lação bem clara entre as partes constituídas da frase. A linha diferença desaparece e percebemos que as duas partes são
superior a mostra a música propriamente dita com a indicação idênticas (Ex. 5.25).
de sua harmonia. Abaixo, no gráfico b, temos a sua redução
textural. É importante buscar aqui uma linha descen-dente com 5.14 PARALELISMO (Paralellism)
suporte no baixo para formar a LF. Como sugestão, pode-se
buscar esta linha examinando as notas de cada frase de trás Representação ou reprodução local (ou em área local) da
para frente. Examinemos, então, as frases separadamente. A estrutura da peça inteira. É preciso considerar a diferença entre
primeira termina no compasso 4 com a nota lá. Partindo daí, paralelismo e paralelismo motívico. O primeiro diz respeito ao
vemos que a melhor escolha recai nas notas lá – si – dó – ré plano médio e plano de fundo, enquanto que o segundo perten-
(ver gráfico c e a indicação da seta). Se aplicarmos o mesmo ce à superfície e ao plano frontal. Pode-se observar no gráfico
procedimento para a segunda frase, teremos o resultado que é abaixo a forma conceitual de como esta relação opera.
mostrado no gráfico c.
Este exemplo de um lied de Schubert (Ex. 5.26) já se
5.13 LIGAÇÃO (Linkage; Knüpftechnik) apresenta em sua forma reduzida de textura e sem a letra. O
trecho é composto de duas frases fechadas harmonicamente.
Técnica de associação motívica onde uma nova frase
repete a idéia motívica da frase anterior, tanto para dar conti- A [cc.4-11] B [cc. 12-20]
nuidade a esta como iniciar algo novo. I ________________ I, I __________________ I
Ex. 5.24 Haydn: Sonata para Piano, Hob. XVI, No. 47 - iii
Ex. 5.25
Progressão linear: uma introdução à teoria de Schenker 53
Neste capítulo vamos mostrar de forma metódica alguns - Reformulações quanto à escolha preliminar da LF são comuns.
procedimentos de análise necessários à elaboração de gráficos Os gráficos são orgânicos e estão sempre evoluindo;
de relativa complexidade. Embora o escopo deste trabalho não
permita análise de obras inteiras, os procedimentos analíticos - Tentar agregar toda e qualquer informação paralela que possa
demonstrados em pequenas passagens podem ser aplicados, apoiar as decisões: peculiaridades do período, clichês do
em sua grande maioria, em obras inteiras. estilo, idiossincrasias do autor, aspectos de instrumentação,
e outros;
Não existe uma única maneira de tratar uma análise e a
qualidade do resultado final depende da base teórica e, é claro, - Lembrar que sucesso na análise depende de experiência;
da experiência do analista. A primeira abordagem precisa ser experiência depende de persistência. Apenas com o tempo
clara e objetiva. É necessário ter metas bem estabelecidas sobre consegue-se gerar gráficos convincentes;
o que se pretende do objeto a ser analisado. Em outras pala-
vras, o tipo de abordagem tem a ver com o que se pretende - Simplificar a textura harmônica e o ritmo ajuda na compreen-
enfatizar na obra em questão. Algumas generalizações podem são geral da obra;
ser observadas:
- Tentar manter os sucessivos gráficos ou níveis estruturais
- Enumerar os compassos, identificar e classificar todas as notas alinhados, um abaixo do outro. Isto ajuda na leitura.
estranhas, como apojaturas, notas de passagem, notas
vizinhas, e outros; Já foi dito antes que um gráfico schenkeriano não é redução.
No máximo pode-se dizer que é um tipo de redução muito
- Fazer um apanhado geral da forma e da harmonia; sofisticada. Estes gráficos vão além disto. Seu objetivo principal
é o de desvendar os elementos orgânicos constituintes, esclare-
- Havendo letra, tentar entender seu significado e buscar rela- cendo a sintaxe sobre a qual a obra foi montada. Um gráfico
ções mais explícitas entre o texto e a música, tais como schenkeriano permite uma visão multidimensional da música –
imagens musicais; esquerda/direita ou superfície/fundo. Com freqüência, um
gráfico sobrepõe algumas destas dimensões simultaneamente.
- Observar se é possível estabelecer de forma genérica uma LF
cuja progressão seja de 3a ou de 5a (com ou sem interru- Não obstante, a redução propriamente dita é uma ótima
pção);1 ferramenta de apoio para a análise. Pode-se entender redução
de duas formas: primeiro, aquela em que se eliminam as notas
- Em caso de dificuldade para encontrar uma possível LF, tentar ornamentais e notas repetidas, os acordes são simplificados ou
o caminho inverso, ou seja, buscar esta linha de trás para a condução harmônica se resume a um baixo cifrado,
frente; mantendo-se apenas duas vozes (soprano e baixo); o ritmo
também pode ser simplificado. Pode-se referir a esta modali-
1 dade reducionista como “simplificação”. Outra forma de redução
Em geral, isto já pode ser observado durante as considerações
é aquela cujo o observador se distancia do objeto, da mesma
preliminares de forma.
56 Modelos de Análise
forma que uma lente zoom se distancia de uma imagem para O sucesso de um gráfico vai depender grandemente da
que se possa incluir o máximo desta imagem em um único qualidade da preparação envolvida. Uma boa preparação para a
campo de visão. Em geral, esta modalidade envolve uma realização de um gráfico pode considerar os seguintes pontos:
redução rítmica a uma razão pré-estabelecida. É uma técnica
muito útil para se entender o funcionamento de trechos longos e 1) Preparação da superfície: observação de aspectos
complexos e de textura muito densa como, por exemplo, a gerais como forma, harmonia, construção de frase,
seção de desenvolvimento de uma grande sinfonia. Um motivos, temas, e outros. Em muitos casos, uma redu-
excelente exemplo do emprego desta técnica pode ser ção ou simplificação ajuda a tornar a obra mais
observado no seguinte trecho extraído da 9a Sinfonia de manejável. Cuidados devem ser tomados ao se eliminar
Beethoven (Ex. 6.1). Primeiro, reduz-se a orquestra para duas as vozes internas quando for o caso, pois estas, às
vozes. Em seguida, o ritmo é reduzido à razão de .= . . Desta vezes, são importantes para o entendimento do todo.
forma, chegamos à conclusão que o trecho em questão é
formado por um simples cânone. 2) Nível Frontal: procurar estabelecer os principais
movimentos harmônicos, determinando as metas locais
A análise schenkeriana examina a inter-relação entre e as metas globais. Neste ponto já podemos tentar en-
melodia, contraponto e harmonia dentro de uma estrutura tonal. contrar em caráter provisório, uma linha fundamental de
Estrutura não é forma. Entende-se por estrutura a construção e 3a ou de 5a (com ou sem interrupção) que abranja a
a característica de cada um dos aspectos citados acima, obra toda.
tomados individualmente ou em conjunto. Uma estrutura pode
envolver uns poucos compassos, uma frase, uma seção ou 3) Análise das camadas - elaboração do(s) gráfico(s):
mesmo a obra toda. Forma, por outro lado, pode ser definida não existe uma regra sistemática para se iniciar a
como a articulação ou subdivisão de uma obra em seções que confecção de um gráfico. Pode-se começar pela melodia
têm entre si uma relação de repetição, contraste ou variedade. ou pelo baixo. Pode-se optar pelo estabelecimento de
Em outras palavras, forma é o design da composição.2 uma LF geral, concentrando-se depois nos detalhes. Ou,
pelo contrário, pode-se trabalhar conjuntamente os
Embora a análise schenkeriana não trate diretamente de detalhes de melodia e de baixo paulatinamente à medida
aspectos como dinâmica e ritmo, estes são elementos de apoio que o trabalho avança. Para se chegar a um resultado
preponderantes e sempre devem ser considerados no momento satisfatório nesta fase pode ser necessário vários
de uma decisão. Um aspecto importante a ser lembrado é o de gráficos. É comum a divergência entre gráficos de uma
que as técnicas de análise schenkeriana estão longe de serem mesma obra por diferentes autores, pois não é apenas o
padronizadas. Nota-se ao longo dos anos uma acentuada que se vê, mas também como se vê.
divergência principalmente entre teóricos europeus e america-
nos. Na base desta discussão está o fato de que gráfico é 4) Plano de fundo: explica o funcionamento da grande
orgânico e depende muito da percepção auditiva em relação ao estrutura quanto ao seu movimento linear. É interes-
que se pretende mostrar com a análise. sante que cada gráfico seja acompanhado de
observações que expliquem por escrito os principais
pontos da análise, embora Schenker tenha sempre
2
defendido a idéia de que um gráfico devesse ser auto-
Uma analogia simples: em arquitetura, a estrutura é composta pelos explicativo e isento de notas.
pilares da obra. Estes pilares podem dar origem a qualquer forma -
quadrangular, retangular, esférica, entre outros.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 57
3
Obs.: O número entre os pentagramas representam o hipermetro.
3
Para definição de hipermetro, ver Definições, p. 88.
58 Modelos de Análise
Este primeiro exemplo demonstra como uma redução ou razão de redução aqui é de = , o que significa dizer que cada
simplificação pode ajudar a desvendar o conteúdo de uma compasso de 2/4 foi reduzido para o equivalente ao tempo de
passagem. O trecho em questão é a seção de desenvolvimento uma semicolcheia. É isto o que o gráfico no Ex. 6.3a reproduz.
do primeiro movimento da Sinfonia Pastoral de Beethoven. A Por razões de conveniência, os acordes foram simplificados e
técnica de fragmentação temática de Beethoven nos auxilia a ordenados como um coral a quatro vozes.
determinar como esta seção é articulada. Beethoven construiu
este desenvolvimento sob dois motivos extraídos do primeiro Não obstante, procurou-se manter a condução do baixo o
tema da sinfonia (Ex. 6.2): mais próximo possível do original. Estes acordes estão ligados
por colchete em grupos principalmente de 4 semicolcheias, de
acordo com a articulação original de cada 4 compassos (motivo
+ orquestração).
4
Grupos de compassos são chamados de hiper-compasso, cuja organização
5
é análoga ao compasso. Ver Glossário.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 59
Fernando Sor (1778 - 1839) é um típico representante do Por fim, no gráficoc, procedemos a uma simplificação
período clássico. O estudo seguinte, de textura homofônica, é rítmica e harmônica. Na melodia eliminamos todas as notas
construído de acordo com o período, aproximando-se do estilo repetidas, e uma nota no baixo acompanhada da respectiva cifra
de lied de Schubert. O nosso foco de atenção é a primeira frase, harmônica é suficiente para indicar a função tonal. A esta altura,
formada por um período paralelo interrompido. Este período é já é possível deduzir uma possível LF. Observe que a frase é
dividido em duas semi-frases que têm entre si a relação de formada por um período interrompido. Assim, só temos duas
antecedente/conseqüente. O movimento harmônico da frase é opções para este tipo de movimento linear: progressão de 3a ou
tonalmente fechado, isto é, começa e termina na tônica, de 5a. Como a melodia começa com o ‡, o mais provável é que
passando pelos principais graus da escala (ver gráfico abaixo). se trate de uma progressão 3a com interrupção (ver setas acima
do pentagrama no gráfico c).
8
Bach usou este tipo de desenho em vários de seus prelúdios, entre eles o
Prelúdio para alaúde BWV 999 e o Prelúdio em Dó Maior do CBT 1.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 65
9
O último acorde em terça de Picardia, como era comum na época.
66 Modelos de Análise
11
Tecnicamente, precipitação à cadência.
70 Modelos de Análise
DEFINIÇÕES
Antecipação (An)
Nota que antecipa o acorde seguinte, normalmente na
cadência. Aparece sempre em posição métrica fraca.
Área pré-cadencial
Região da estrutura tonal que prepara a chegada da
cadência e que quase sempre está associado à função de
subdominante. Em muitos casos este papel é realizado pelo
acorde de ii6 posicionado antes da dominante. Em outros,
esta área pode ser elaborada e estendida por vários
Apojatura (Ap) compassos antes de atingir a dominante.
Nota estranha ao acorde atingida por salto e deixada por
grau conjunto descendente. Acontece sempre em posição Cadência Autêntica Imperfeita (CAI)
métrica forte. Pode ser vista como uma suspensão sem prepara- O mesmo que em CAP, mas com 3º ou 5º grau da
ção. escala no soprano.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 75
Pode ter também ambos os acordes cadenciais invertidos. Cadência de Engano (CE)
Ocorre quando a dominante resolve no vi grau.
Forma
Estrutura, design ou princípio organizacional da música.
Diz respeito ao arranjo de elementos dentro de uma obra
musical a fim de torná-la coerente para o ouvinte. O termo
forma é intrinsecamente associado ao plano estrutural de um
movimento que, ao se constituírem em esquemas, dão origem a
diferentes formas, como a binária, ternária, sonata, rondó e te-
ma com variações. Outras podem ter estruturas mais livres Meia Cadência (MC)
como alguns prelúdios e tocatas. Quando a frase termina em V, dando assim uma sensação
de suspensão.
Fragmentação
Menor redução possível de um motivo. O fragmento não
contém necessariamente material rítmico-melódico discernível
como entidade independente.
Função Harmônica
Significado de uma harmonia dentro de uma tonalidade. 1
São três as funções básicas: tônica, sub-dominante e dominan- Motivo
te, cujo significado é, respectivamente, de repouso, afasta- Coleção de notas que constitui o menor segmento rítmico
mento e tensão. Todas as demais funções são derivadas destas. e/ou melódico com significado musical.
Hipercompasso (Hypermeasure)
Unidade métrica do hipermetro.
1
Esther Scliar usa o termo inciso. (SCLIAR, 1982, 21). Outros autores
usam o termo célula.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 77
Pedal
Nota que permanece constante enquanto a harmonia ao
seu redor muda.
No registro grave:
Nota de passagem acentuada:
No registro agudo:
78 Símbolos, definições e glossário
Progressão Harmônica
Uma sucessão coerente de acordes, de acordo com a Tema
sintaxe tonal. Material musical no qual uma obra é baseada parcialmente
ou totalmente. Normalmente um tema implica em uma melodia
Retardo (R) reconhecível. Um tema pode ser usado para identificar uma
Suspensão com resolução ascendente.2 obra musical tanto quanto pode servir de base para um
conjunto de variações.
2
KOSTKA e PAYNE, pág. 182. Alguns autores, entre eles Piston e Hindemith,
consideram suspensão e retardo a mesma coisa.
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 79
GLOSSÁRIO
Acoplamento(Coupling, Kopellung). Técnica pela qual impor- Elaboração (Composing-out, Auskomponierung). Elaboração
tantes notas estruturais ocorrem em dois registros diferentes por ornamentação ou diminuição de uma nota que forma a
abrangendo uma extensão considerável da música. linha fundamental.
Aproximação Superior (Reaching Over, Uebergreifen). Quan- Estrutura Fundamental (Fundamental Structure, Ursatz). O
do uma voz interna sobe uma oitava e descende um grau. plano de fundo de uma composição tonal, que compreende a
Linha Fundamental e o Arpejo do Baixo. Dentro da teoria de
Ascensão Inicial (Initial Ascent, Anstieg).Coleção de notas do Schenker, existem três tipos de Estruturas Fundamentais
inicio da melodia que conduz via progressão linear, ao tom baseadas em uma Linha Fundamental descendente em
inicial. Sua extensão pode variar de umas poucas notas até relação à tônica: terça, quinta e oitava.
alguns compassos. Pode ser constituída por graus conjuntos,
arpejo ou uma combinação de ambos. Gráfico (Graph, Urlinie-Tafel). Descrição detalhada das dimen-
sões melódica e harmônica de uma música segundo a teoria
Baixo Fundamental (Bass Arpeggiation, Bassbrechung). Linea- de Schenker e que pode operar em três planos ou níveis:
rização da tríade do acorde fundamental no baixo através de plano frontal, plano médio e plano de fundo.
arpejo, que envolve o movimento I-V-I.
Graus da escala [no baixo] (Scale-step, Stufe). Refere-se à
Desdobramento (Unfolding, Ausfaltung). Dimensão horizontal idéia de Schenker de uma função harmônica abstrata, que
de um ou mais intervalos que, em outro plano estrutural, é pode existir em um único acorde ou compreender várias har-
conceitualmente vertical. monias. Serve como pilar harmônico de uma passagem ou de
uma composição.
Diminuição (Diminution, Diminuition). Subdivisão de uma nota
longa por outros valores menores. O termo está fortemente Interrupção (Interruption, Unterbrechung). O movimento é
associado a um tipo especifico de ornamentação no estilo interrompido quando a Linha Fundamental atinge † sobre V,
elizabethano do século XVI. Schenker também usa o termo
sendo o movimento retomado desde o início para descansar
para designar a superfície da música.
finalmente em … sobre I. Em geral a interrupção está asso-
Divisor (Divider, Teiler). Uma nota que divide um intervalo ciada à repetição motívica. Interrupção implica em uma
grande em dois intervalos mais ou menos iguais, estrutura formal binária que envolve sempre a relação
normalmente em uma progressão do baixo. A dominante, por antecedente/conseqüente.
exemplo, pode atuar como divisora entre a tônica e sua
oitava. A terça pode ser a divisora da quinta. O termo pode Ligação (Linkage, Knüpftechnik). Meio pelo qual as diferentes
ser especialmente útil para distinguir função harmônica seções de uma música são conectadas. Tipicamente, um
(Stufen) de contraponto harmônico. motivo subordinado ao final de uma seção é repetido (litera-
lmente ou não) no início da seção seguinte.
80 Símbolos, definições e glossário
Linha Fundamental (Fundamental Line, Urlinie). A linha melo- envolver graus cromáticos como também pode ocorrer entre
dica que compõe o plano de fundo, composta por graus uma voz externa e outra interna.
conjuntos descendentes abrangendo um intervalo de 3a, 5a
ou 8a. Plano Estrutural (Structurallevel, Schicht).Um dos conceitos
mais importantes de Schenker, segundo o qual os eventos de
Melodia Polifônica (Polyphonic Melody). Uma melodia que ar- uma composição tonal são ordenados de forma hierárquica.
ticula uma ou mais vozes distintas. Os eventos mais importantes ocorrem no plano de fundo, o
qual constitui a estrutura fundamental. Eventos de impor-
Movimento de/para uma voz interna (Motionfrom/to na tância mais local ocorrem em planos estruturais mais altos,
Inner Voice, Untergreifen, Untergreifzug). Peculiaridade das no plano frontal e no plano médio. Os eventos mais
melodias polifônicas onde uma segunda voz implícita dentro detalhados, como motivos e ornamentações, ocorrem na
da melodia principal se afasta desta em direção a uma voz superfície musical.
interna por progressão linear (movimento para uma voz
interna). Este movimento pode ser ao contrário, ou seja, de Plano Frontal (Foreground, Vordergrund). O plano estrutural
uma voz interna para uma externa. mais próximo da superfície, que mostra mais detalhes que o
plano médio, mas omite vários dos elementos decorativos da
Nota de Cobertura (Cover Tone, Deckton). Uma nota proe- superfície, particularmente notas repetidas e ornamentação.
minente, muitas vezes repetida, que está acima do registro
fundamental ou da progressão linear principal. Em alguns Plano Médio (Middleground, Mittlegrund). O gráfico do plano
casos pode ser confundida com o tom inicial. Em outros, médio ocupa uma posição intermediária entre os planos fron-
pode acumular a função de pedal. tal e de fundo. O número de gráficos para representar este
nível varia de acordo com a complexidade da obra.
Nota Inicial (Head Tone, Kopfton). A primeira nota estrutural a
compor a Linha Fundamental. É estabelecida perto do come- Plano de Fundo (Background, Hintergrund). O plano ou nível
ço de uma peça e em muitos casos pode ser atingida por estrutural mais baixo, mostrando a estrutura fundamental da
uma ascensão inicial. Em geral ela é referência para progres- composição. É composto apenas pela Linha Fundamental e
sões lineares subordinadas e em muitos casos seu pelo Arpejo do Baixo.
predomínio abrange uma longa extensão de música.
Progressão Seqüência de 3 a 8 notas em grau conjunto que
Paralelismo (Parallelism). Repetição de uma estrutura dentro forma um dado plano estrutural cuja abreviação é x-prg,
de outra estrutura. onde “x” corresponde ao intervalo da progressão (ex.: 3–prg
= progressão de terça). A Linha Fundamental é essencial-
Paralelismo Motívico (Motivic Parallelism). Repetição interna mente uma progressão.
de um motivo. Pode ocorrer em diversos níveis estruturais. É
assinalado um por colchete chamado colchete motívico. Progressão Linear (Linear Progression, Zug). Progressão de
graus conjuntos abrangendo uma terça ou mais e que
Permuta (Voice Exchange). Técnica de prolongamento pela conecta as notas de uma ou mais harmonias. A Linha
qual as vozes externas de dois acordes trocam de posição Fundamental é uma progressão linear no Plano de Fundo.
entre si. A permuta pode abranger dois acordes (conse-
cutivos ou não). Em algumas situações, a permuta pode
Progressão Linear: uma introdução à teoria de Schenker 81
Bach: Ach Gott, erhör mein Seufzen und Wehklagen, BWV 254
84 Suplemento de exercícios
c)
d)
Ex.:
e)
f)
Progressão linear: uma introdução à teoria de Schenker 85
h)
Beethoven: Variações sobre “God save the King”
m)
Bach:Suite
Bach: Suite22para
paracello
cello––Menuett
MenuettIIII
i)
Beethoven: Variações sobre “God save the King”
n) Bach: Pequeno Prelúdio, BWV 943
j)
Beethoven: Sonata Op. 22 o) Bach: Suíte Francesa em Mí Maior - Gavotte
k)
Bach: Suite 2 para cello – Menuett I
86 Suplemento de exercícios
r)
Bach: CBT II - Prelúdio
e)
Chopin: Op. 67, No. 2
Melodia Polifônica
f) Bach: Invenção 2
Progressão linear: uma introdução à teoria de Schenker 87
g) Bach: Invenção 2
Na lista de exemplos que se segue, uma ou mais técnicas
podem estar envolvidas no prolongamento. Busque prolonga-
mentos locais e/ou globais baseados nas técnicas descritas no
capítulo 4.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS