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Capítulo XVI Ano da morte de Ricardo Reis

Ficção História – Noticias dos Jornais

Composição de uma ode a Merenda Revoluções e greves na Europa

Lídia comunica a sua gravidez a Ricardo Reis Sofrimento dos portugueses – fome e privação

Encontro com Fernando Pessoa Festividades do 10 de junho «Festa da Raça»

Juventudes Hitlerianas de Hamburgo

A Mocidade Portuguesa

O AMOR
Neste capítulo encontramos referências às duas figuras femininas que estabelecem uma relação
amorosa com o protagonista: Lídia, a empregada do hotel, e Marcenda, a menina de Coimbra, que vem
a Lisboa periodicamente por motivos de saúde. Estas duas mulheres representam duas relações
amorosas antagónicas, mesmo contraditórias.

Lídia representa o amor incondicional, desinteressado e libertador. É uma mulher humilde, com quem
Ricardo Reis nunca pensa ter uma relação séria. Neste capítulo Lídia, sempre disponível, depois de um
momento amoroso interrompido com um tremor de terra que não lhe tira a tranquilidade, revela a
Ricardo Reis a sua gravidez ao que o mesmo reage de uma forma desinteressada como se pode ver no
seguinte excerto: “Ricardo Reis procura as palavras convenientes, mas o que encontra dentro de si é um
alheamento, uma indiferença, assim como se, embora ciente de que é sua obrigação contribuir para a
solução do problema, não se sentisse implicado na origem dele, tanto a próxima como a remota.”

No entanto, quando Lídia lhe afirma que quer ter o filho, finalmente se apercebe de toda a situação e
sente algo nunca sentido por ele. “Então, pela primeira vez, Ricardo Reis sente um dedo tocar-lhe o
coração.”

Inteligente e perspicaz como é, Lídia resolve assumir o filho sozinha, libertando Ricardo Reis das suas
responsabilidades. “Se não quisesse perfilhar o menino, não faz mal, fica sendo filho de pai incógnito,
como eu.”

Contudo, apesar de ir ter um filho com Lídia, o coração de Ricardo Reis não se esquecia de Marcenda.
Sente por ela um fascínio, a quem dedica um poema. É um amor diferente, quase platónico. Ao querer
mostrar o poema a Fernando Pessoa, este ridiculariza-o insinuando que já o conhecia. “Conheço os seus
versos de cor e salteado, os feitos e os por fazer novidade seria só o nome de Marcenda, e deixou de
ser”

Podemos concluir que, neste capítulo, como em toda a obra, Ricardo Reis está dividido entre um amor
de dimensão física (Lídia) e um amor com características platónicas (Marcenda). Pessoa, ironicamente,
alerta-o para o problema da situação.

DEAMBULAÇÃO

Neste capítulo, a deambulação geográfica de Ricardo Reis limita-se ao espaço circundante da sua nova
residência no Alto de Santa Catarina, local da vista para o rio, da estátua do Adamastor, da proximidade
da Estátua de Camões.

Alterou os seus hábitos anteriores de grandes deambulações pela cidade. “Ricardo Reis, agora, levanta-
se tarde”
Esta limitação de espaço prejudica as suas deambulações pelo espaço citadino, mas não as suas
deambulações psicológicas e literárias. Cada coisa observada o leva a uma reflexão, deixando-se guiar
pelo livre curso do pensamento.

Podemos referir como exemplo a sua deambulação “linguística” acerca do nome guarda-chuva e da sua
utilidade. “concluiremos que mais importa a serventia que as coisas têm do que o nome que lhes
damos, ainda que, afinal, este dependa daquela”

De igual modo, quando Fernando pessoa visita Ricardo Reis no momento este mais necessitava dele
(“Numa destas noites Fernando Pessoa bateu-lhe à porte, não aparece sempre que é preciso, mas
estava a ser preciso quando aparece, a alguém, (…)”) na sua conversa aproveitando para falar com
algum sarcasmo das estatuas a serem retiradas e Fernando pessoa aproveita para criticá-las: “A mim
nunca me levantarão estátuas, só se não tiverem vergonha, ei não sou homem para estátuas, Estou de
acordo consigo, não deve haver nada mais triste que ter uma estátua no seu destino. Façam-nas a
militares e políticos, eles gostam, (…)”.

Fernando pessoa reflete sobre Os Lusíadas e Mensagem com Ricardo Reis e o facto de nunca ter
dedicado nenhuma parte da sua obra, nem um poema a Camões e quanto isso o atormenta (“Quis
Fernando Pessoa, na ocasião, recitar mentalmente aquele poema da Mensagem que está dedicado a
Camões, e levou tempo a perceber que não há na Mensagem nenhum poema dedicado a Camões,
parece impossível, só indo ver se acredita”).

Concluímos que neste capítulo, embora a deambulação geográfica não seja uma constante, a
deambulação psicológica e literária continuam a ser uma marca na escrita de José Saramago.

INTERTEXTUALIDADE
A intertextualidade resulta do facto de a leitura de um texto nos lembrar, de certa forma, ecos de outros
textos, mantendo mesmo, por vezes o diálogo com eles. Em O Ano da Morte de Ricardo Reis, Saramago
estabelece vários diálogos intertextuais, de que este capítulo é também um exemplo, quer colocando
esses diálogos na pessoa do narrador, quer na pessoa de Fernando Pessoa.

A intertextualidade assume diversas formas. Ao referir-se a Camões, homenageado no dia 10 de Junho,


utiliza a citação de uma parte de um verso de Os Lusíadas (“apagada e vil tristeza”), que retratam o
estado da nação no século XVI aos olhos de Camões e insinuando, de modo irónico, que hoje isso não
acontece.
Ou quando coloca Fernando Pessoa a refletir sobre o facto de não ter referido este poeta em
Mensagem, nem “uma palavrinha, uma só, para o Zarolho” ter-se-á lembrado de todos os heróis “de
Ulisses a Sebastião não lhe escapou um, nem dos profetas se esqueceu, Bandarra e Vieira, (…) e esta
falta, omissão, ausência, fazem tremer as mãos de Fernando Pessoa”.

REPRESENTAÇÃO DO CONTEMPORÂNEO
O romance situa-se num ano particularmente crítico, não só em Portugal como em toda a Europa, o que
acaba por ter um grande impacto no desenrolar de acontecimentos que conduziram à segunda guerra
mundial. Essa realidade não escapou a Saramago e está particularmente presente neste capítulo de
duas formas: por um lado a referência a acontecimentos históricos, nacionais e estrangeiros que
antecipam esse conflito posterior e, por outro lado, uma acérrima crítica social à sociedade sua
contemporânea.
Em conclusão, o capítulo XVI, como aliás toda a obra, apresenta de certo modo um retrato da sociedade
Lisboeta, dominada por um ditador, Salazar (“usar no cinto um S de servir e de Salazar, ou servir Salazar,
portanto duplo S, SS, estender o braço direito à romana, em saudação,”) e adormecido à sombra das
glórias do passado.

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