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A QUESTÃO DA PRODUTIVIDADE

António Luis M. Coelho da Costa1

2.1. INTRODUÇÃO — CONCEITOS BÁSICOS


Se procurarmos descobrir qual o significado exato dos termos eficiência e produtividade, tendo como
ponto de partida os usos que se fazem dessas palavras em textos provenientes de diferentes autores e
tendências, verificaremos que são raros os termos que se prestam a uma variedade tão grande de
interpretações diferentes e mesmo antagônicas. Para um engenheiro de produção de tradição taylorista,
produtividade é simplesmente a quantidade produzida por unidade de tempo. Para um economista
neoclássico, é a relação entre a quantidade de produção e a quantidade de um dos fatores de produção
utilizados. Para um administrador de empresas, produtividade é a relação entre o lucro bruto e o investimento
total. Para um ecologista, o controle da poluição é produtivo e a fabricação de armas improdutiva; para o
proprietário da indústria de armas, pode ser exatamente o contrário.
Nossa tese é de que essa diversidade de conceitos não significa que um desses conceitos esteja correio e
os demais errados: a diversidade de conceitos de eficiência e produtividade reflete a diversidade de objetivos
de diferentes agentes sociais conforme sua classe social, relação com o processo produtivo ou mesmo
conforme suas ambições individuais. Em outras palavras, produtividade e eficiência só se definem em
relação a um objetivo.
Para introduzir nossa discussão, vamos começar por apresentar definições de alguns conceitos básicos:
l. Objetivo — é um estado de determinado sistema que algum indivíduo, grupo ou classe tem interesse
em que seja atingido ou nele permaneça.
2. Ordem hierárquica — é uma relação entre sistemas tal que o objetivo do sistema de ordem inferior é
determinado em função da necessidade de se atingir o objetivo do sistema de ordem superior.
3. Recurso — é algo que é necessário fornecer a um sistema x para que sua existência seja preservada e
seus objetivos sejam atingidos.
4. Produção — é o processo pelo qual são criados os recursos, isto é, pelo qual um sistema x transforma
algo não utilizável como recurso pelo sistema y em algo utilizável.
5. Produto — é o recurso transformado pelo sistema x de forma a se tornar utilizável pelo sistema y.
6. Eficiência — é o grau em que um sistema qualquer atinge um dos objetivos que lhe foram atribuídos.
7. Produtividade — é o grau em que um sistema atinge um objetivo de produção, portanto é um conceito
aplicável apenas a sistemas produtivos.
8. Eficácia — é o grau em que um sistema de ordem inferior tem seus objetivos determinados de forma a
servirem aos objetivos do sistema de ordem superior.
9. Desempenho — é a relação entre o grau efetivo de atendimento de um objetivo e um grau estabelecido
teoricamente como padrão, segundo algum critério.
Podemos exemplificar o conceito de ordem hierárquica pela relação entre o engenheiro de produção e a
administração superior da empresa. Esta determina para aquele o objetivo de aumentar a produção de
unidades por homem-hora para que o objetivo da administração de aumentar a lucratividade seja atingido.
Fica criada então uma ordem hierárquica em que o objetivo do engenheiro de produção é um meio para o
objetivo da administração, e esta fica sendo o sistema de ordem superior.
A distinção entre sistema produtivo e não produtivo pode ser exemplificada pela comparação entre uma
fábrica e uma loja. Do ponto de vista do consumidor, a fábrica é produtiva, pois transforma matérias-primas
difíceis de utilizar em produtos mais utilizáveis; já a loja não é produtiva, pois nada acrescenta ao produto.
Isso não a impede de ser eficiente do ponto de vista do mesmo consumidor, à medida que venda o produto a
preços baixos, ofereça um ambiente agradável e mantenha um estoque bem abastecido. Em outras palavras,
ela não cria recursos, mas serve a outros tipos de objetivos do consumidor.
A distinção entre eficiência e eficácia pode ser exemplificada considerando-se uma divisão burocrática
encarregada de classificar e arquivar certo tipo de documento que mais tarde se descobre ser inútil para os
objetivos da empresa. Essa divisão pode ter sido extremamente eficiente no cumprimento de seu objetivo de
classificar e arquivar correia e rapidamente esses documentos, mas era totalmente ineficaz do ponto de vista

1
Engenheiro de Produção pela EPUSP (1980). Mestre em Economia pela PUC-SP.
da empresa. Observe-se que, como o objetivo era determinado pelo sistema de ordem superior, a ineficácia da
divisão implica ineficiência da empresa ou de sua administração, não da própria divisão.
O conceito de desempenho e sua diferença em relação à eficiência ficarão claros se considerarmos um
operário que remove 900 kg de terra por hora com uma pá e outro que remove 60.000 kg por hora com uma
escavadeira mecânica. É evidente que o segundo é muito mais eficiente e produtivo que o primeiro. Mas
digamos que o padrão de produtividade para o trabalho com pá seja de 1.000 kg/h e para o trabalho com
escavadeira seja de 100.000 kg/h: nesse caso, o desempenho do segundo operário seria 60% inferior ao do
primeiro, que seria de 90%.
2.2. A NOÇÃO DE OBJETIVO
Definimos produtividade, eficiência e eficácia em função de objetivos e insistimos em que antes de
medir produtividade é preciso esclarecer qual o objetivo que se pretende atingir. Essa noção de objetivo não
deve ser interpretada em sentido ideológico (tentativa de explicar um fato através de seus fins); não se trata
de afirmar que o sistema esteja preordenado a um fim, e sim que os sujeitos capazes de agir sobre o sistema
procuram manter os parâmetros desse sistema dentro de certas restrições e orientá-lo de acordo com certos
sistemas de valores, o que caracteriza um objetivo. O objetivo não é uma qualidade do sistema e sim uma
imposição de sujeitos sócio-econômicos que pretendem agir sobre ele. Eles podem exercer tendências
contraditórias entre si, que podem variar em número, intensidade e natureza ao longo do tempo, de acordo
com as circunstâncias e as transformações sociais. Se, negamos a existência de tais objetivos, estamos
negando sentido à tomada de decisões e reduzindo a sociedade a mero mecanismo automático. Se, ao
contrário, atribuímos um objetivo próprio ao sistema produtivo, independente dos objetivos humanos,
estamos promovendo-o a ser consciente supra-humano. O sistema é adequado a certos objetivos, mas não
tem, por si, objetivos. O objetivo pode ser "descoberto" pela observação, identificando-se a que tendem as
ações de um sujeito; pode ser deduzido teoricamente a partir dos valores e interesses do sujeito e pode
também ser proposto por nós como a melhor forma de atender as necessidades nossas ou de outrem. Em
qualquer dos casos, o objetivo expressa a atitude de um indivíduo, grupo ou classe em relação a um sistema,
não uma característica do sistema, se bem que este possa ser mais adequado ao atendimento de um objetivo
que ao de outro.
Qualquer que seja a natureza do objetivo, é preciso criar uma forma de medir seu grau de atendimento para
se obter um conceito preciso de produtividade. Uma das maneiras de fazê-lo seria definir com precisão o
objetivo e definir que a produtividade é zero, se o objetivo não foi perfeitamente atingido e é l se o foi. Outra
seria avaliar todos os parâmetros do sistema em função do seu afastamento ou proximidade do objetivo e
ponderar essas avaliações segundo um sistema de valores, chegando a um número real qualquer. A primeira
maneira é inútil para a maioria dos fins por não se prestar à quantificação e, a segunda, é impraticável porque
é impraticável colocar em termos quantitativos o afastamento / proximidade do objetivo de muitos dos
parâmetros, que são qualitativos. A forma mais adequada de avaliar o atendimento de objetivos é uma síntese
dos extremos: estipula-se certo número de restrições mínimas dentro das quais o sistema precisa operar e um
sistema de valores para as variáveis quantificáveis medida apenas em função dessas variáveis, supondo-se
que, se o sistema que o sistema pode apresentar dentro das restrições. A produtividade é não cumpre as
restrições, a produtividade é nula, ou melhor, nem tem sentido medi-la.
Para o caso do sistema produtivo, a quantidade de produto e a quantidade de recurso são os parâmetros
quantificáveis mais importantes. O objetivo pode, na maioria das vezes, ser definido como maximizar a
quantidade de produto para determinada quantidade de recursos escassos disponível, sob determinadas
restrições. Por isso, a relação produto / recurso é o indicador de produtividade mais comum.

2.3 TIPOS DE OBJETIVO


O objetivo é a expressão de uma atitude de uma classe social, de uma função profissional ou de um
indivíduo em relação a um sistema, e assim também o é o conceito de produtividade. A distinção mais
fundamental entre formas diferentes de medir produtividade está no objetivo que serve de ponto de referência
para avaliar o desempenho do sistema. Em uma primeira análise, podemos distinguir três tipos de objetivos:
1. Objetivos sociais — são os de nível hierárquico mais alto e abarcam todos os valores relevantes para
o grupo social, instituição ou indivíduo: valores econômicos, políticos, estéticos, morais e outros. Um
exemplo de objetivo social, para determinada classe social, é preservar a estrutura social presente; para
outra, pode ser criar uma sociedade nova. Para um indivíduo, pode ser manter o seu presente status e modo
de vida; para outro, mais ambicioso, pode ser atingir um status mais elevado.
2. Objetivos econômicos — são objetivos de ordem hierárquica intermediária: não representam fins em
si mesmos, mas sua realização é a condição mais importante e necessária (mas não necessariamente
suficiente) para a continuação da existência e da expansão do sistema e para a realização dos objetivos
sociais. Um exemplo de objetivo econômico é maximizar o lucro em relação ao capital.
3. Objetivos técnicos — são os de nível hierárquico mais baixo, constituindo-se em meios para a
realização dos objetivos econômicos e sociais. Por isso mesmo, são necessários e primordiais para o
atendimento daqueles objetivos. Referem-se, geralmente, a produtos físicos e insumos físicos, por exemplo:
maximizar a quantidade de peças que um operário produz em uma hora, minimizar a quantidade de coque
consumida para produzir uma tonelada de aço. As unidades utilizadas para medir produtividade técnica são,
quase sempre, físicas: peças por homem-hora, quilômetros por litro, quilogramas de coque por tonelada de
ferro-gusa etc.
Os objetivos sociais têm caráter de princípios, os objetivos econômicos têm caráter estratégico e os objetivos
técnicos têm caráter tático. Por isso, enquanto os objetivos sociais e econômicos revelam sem grande
dificuldade os interesses a que se ligam, os objetivos técnicos podem parecer “neutros", isto é, não atender a
um interesse específico, mas a todos. Pode ser preciso investigar a estrutura, em que se situam para descobrir
a que objetivos econômicos e sociais eles se subordinam. Por exemplo, minimizar o tempo despendido para
o operário executar uma operação poderia tanto estar subordinado aos interesses do trabalhador como do
capital. Para se resolver esta questão, seria necessário levantar pontos tais como os seguintes:
• Esse objetivo é acompanhado por restrições que levam em consideração a saúde, a segurança e
o bem-estar do trabalhador?
• Esse objetivo está subordinado ao objetivo econômico de maximização do lucro da empresa ou
ao de reduzir a jornada de trabalho, mantendo constantes os ganhos do trabalhador (ou vice-
versa)?
• Esse objetivo está subordinado ao objetivo social de aumentar o poder da classe dominante ou
ao de proporcionar ao trabalhador maiores possibilidades de desenvolver suas potencialidades
humanas?
Vemos, portanto, que tanto ao nível social quanto ao nível econômico e técnico os objetivos podem ser
distinguidos em função da espécie de interesse que apresentam. Podemos distinguir na sociedade capitalista,
em primeira instância, duas grandes classes de interesse: a do capital e a do trabalho. Cada uma delas pode
ser subdividida em múltiplos grupos de interesses comuns (por exemplo, capital industrial, capital
financeiro, capital agrícola etc.), que por sua vez podem ser subdivididos nos indivíduos que os compõem.
A noção de objetivo de classe ou grupo não é tão clara quanto a noção de objetivo individual, pois uma
classe não pensa nem formula objetivos. Deve-se entender, quando falamos de objetivo de classe, uma de
duas coisas: ou é a intersecção, empiricamente identificável, dos conjuntos de objetivos dos membros da
classe, ou então é o conjunto, racionalmente dedutível, dos objetivos-meio que devem ser atingidos para a
obtenção do objetivo-fim de aumentar o poder relativo e / ou absoluto da classe. A distinção pode ser
importante: no caso dos trabalhadores, por exemplo, o objetivo comum em determinado tempo e lugar pode
incluir ascender à classe dos capitalistas, mas o objetivo de aumentar o poder da classe trabalhadora não
pode incluir isso — incluiria, por outro lado, todos os meios que podem elevar o nível de vida e de
organização do conjunto dos trabalhadores sem que deixem de ser trabalhadores. Para assinalar essa
distinção, falaremos, no primeiro caso, de objetivos do trabalhador, e no segundo, de objetivos do trabalho.
Analogamente, o objetivo econômico fundamental do capital não poderia deixar de ser a acumulação de
capital, mesmo que todos os capitalistas de algum país resolvessem abrir mão de suas propriedades e de sua
classe para contribuir para a construção de uma sociedade comunista (caso extremamente improvável, mas
não formalmente absurdo).
Além das duas categorias de capital e trabalho, existe outra de especial interesse que é o governo. Seus
objetivos estão relacionados com os das classes, mas têm determinações especiais que merecem
consideração à par te, pois não coincidem exatamente com as do capital ou do trabalho abstratamente
considerados.
2.4. EFICIÊNCIA E PRODUTIVIDADE PARA O CAPITAL E PARA O CAPITALISTA
A produtividade e a eficiência para o capital, como vimos, devem ser definidas, em função dos
objetivos comuns da classe capitalista. Sabemos que muitos capitalistas desejam elevar seu status e poder no
seu meio social e que como capitalistas só podem consegui-lo mediante um maior controle sobre o processo
econômico, o que implica a posse de um capital maior. Mesmo os capitalistas não especialmente
interessados em conseguir poder e status por esses meios certamente não querem ver seu capital reduzido e
muitas vezes são obrigados a aumentá-lo para não serem absorvidos pela concorrência. Assim, podemos
concluir que o objetivo econômico fundamental do capital é acumular mais capital. Isso só pode ser
conseguido através da geração de um excedente além do necessário para repor os equipamentos e materiais
consumidos e para pagar os trabalhadores empregados. Esse excedente é o recurso básico do capital.
Podemos, portanto, definir como produtivo para o capital todo sistema que transforma um bem de forma
que aumente sua utilidade para obter um excedente, ou seja, que aumente a diferença entre seu valor de troca
e seu custo de produção. Ao mesmo tempo, definimos como eficiente para o capital todo sistema que,
mesmo sem transformar bens, apóia de alguma forma o funcionamento dos sistemas produtivos para o
capital: é o caso dos sistemas que facilitam a venda efetiva do produto e a efetiva incorporação do excedente
ao capital (como o comércio e a publicidade), dos sistemas que organizam a alocação dos capitais (como o
sistema financeiro) e dos sistemas que garantem o cumprimento das regras que permitem a existência do
capitalismo (como o Estado). Observe-se que todos estes são exemplos de atividades improdutivas para o
capital, mas que podem ser produtivas para o capitalista ou para quem as controla, permitindo-lhes obter
certa quantidade de excedente gerado em sistemas produtivos para o capital. Assim, o comerciante obtém
uma parcela do excedente associado a uma mercadoria em troca do serviço prestado ao capital industrial,
mas essa parcela é uma geração de recurso apenas do ponto de vista dele — do ponto de vista do capital,
esse recurso já estava gerado, faltando apenas efetuar sua troca por moeda.
Note-se que, pela nossa definição, são sistemas improdutivos para o capital (ainda que eventualmente
possam ser eficientes) todas as atividades que não geram excedente para o capital: a produção artesanal, o
trabalho da dona de casa, as indústrias não lucrativas e a pesquisa básica, entre outras.
Vimos que para determinado objetivo de nível social é necessário estabelecer objetivos de nível
econômico e técnico que a ele se articulam, e que para cada um desses níveis existem conceitos definidos e
diferentes de produtividade. Vamos agora procurar aplicar esse modelo ao caso do capitalista individual,
desenvolvendo o conceito de produtividade para o capitalista.
Para exemplificar o conceito, tomaremos o caso de um sistema concreto: uma empresa capitalista
dinâmica. O objetivo que nos interessa aqui é o dos seus controladores efetivos (pessoa ou pessoas físicas
que em última instância tomam as decisões em nome da empresa, ainda que não necessariamente sejam as
proprietárias da maior partes do capital). Estes controladores, como capitalistas individuais, têm o objetivo
social de preservar seu status, prestígio e poder dentro da ordem social em que vivem e, como capitalistas
dinâmicos, têm o objetivo de elevá-los na medida do possível. Este é, para eles e somente eles, um objetivo
de ordem superior, para a realização do qual procurarão impor aos sistemas que constituem a empresa
objetivos de ordem inferior. Estes, em ordem de prioridade decrescente, poderiam ser:
1. Preservar a sobrevivência física e a prosperidade social e econômica dos controladores.
2. Garantido o item l, preservar a existência da empresa como tal (o que equivale a garantir o item l no longo
prazo). Isto implica agir de forma que se preserve a existência de um sistema capitalista no seu ambiente e se
preserve a disciplina dos seus empregados no seu interior. Implica gerar produto econômico suficiente para
repor os recursos consumidos, pagar os empregados e ainda fornecer um mínimo de excedente aos
proprietários não controladores de seu capital (acionistas e instituições financeiras).
3. Garantidos os itens l e 2, procurar expandir o tamanho, o poder e a geração de produto da empresa além
dos seus limites presentes. Isto implica, além de gerar aquele mínimo de excedente, gerar também um
excedente adicional que permita investir na expansão da empresa e no aperfeiçoamento de sua organização.
Ou se, o objetivo da empresa, para seus controladores, é:
1. sustentar os controladores;
2. a reprodução simples do capital;
3. a reprodução ampliada.
Os dois primeiros itens são indispensáveis à manutenção do sistema e podem ser considerados como
restrições. O terceiro item, facilmente quantificável, dá-nos o grau de atendimento dos objetivos da empresa
para seus controladores, isto é, sua eficiência para o capitalista individual; este item pode ser expresso como
gerar o máximo de excedente a partir de uma quantidade dada de capital, ou seja, maximizar a taxa de
retorno. A eficiência, por outro lado, será nula para os controladores se os dois primeiros itens não forem
observados, por maior que seja a taxa de retorno: eles não hesitarão em sacrificar parcialmente a
lucratividade à medida que sua condição for eliminar os proventos dos controladores ou eliminar o sistema
capitalista.
O objetivo social, portanto, condiciona um objetivo econômico geral, que, por sua vez, condiciona
objetivos econômicos mais particulares ou de prazo mais curto. É ao nível destes objetivos que trabalha,
tipicamente, o administrador de empresas: seus conceitos de eficiência e produtividade são determinados
pelas metas impostas pêlos controladores e expressos em formas tais como lucro bruto / investimento total,
produção / capacidade, lucro antes das despesas financeiras / ativo total, geração própria de recursos / dívida
etc.
Em função destes objetivos econômicos estabelecem-se objetivos técnicos, ao nível dos quais trabalha o
engenheiro de produção: reduzir o consumo de combustível, aumentar a produção, reduzir os estoques etc.
Isto implica conceitos de produtividade e eficiência técnica: peças por homem-hora, quilômetros por litro,
quilos de carvão por tonelada de aço produzida e outros que se caracterizam geralmente pelo uso de
unidades físicas. Assim como os administradores, os engenheiros freqüentemente encaram seus objetivos
como fins em si ou como meios para a realização de seus próprios objetivos sociais (promoção, auto-
realização etc.), mas a verdadeira origem de sua determinação está no objetivo social do controlador: uma
inovação que resulte em aumento de produtividade técnica, mas reduza o lucro dificilmente será aceita; isto
também pode ocorrer com uma inovação que resulte em aumento de produtividade econômica, mas coloque
em perigo a situação dos controladores em relação à empresa (por exemplo, formas de autogestão).
Mais uma vez, chamamos a atenção para o fato de que tudo isso é um exemplo: nem todas as empresas
se comportam desta forma. Existem empresas cujos proprietários e controladores estão satisfeitos com sua
posição social presente e não desejam de maneira especial expandir sua empresa; existem empresários tão
fascinados pela alta tecnologia que estariam dispostos a sacrificar a lucratividade, até certo ponto, para
colocar sua empresa entre as mais avançadas do setor e, existem capitalistas de mentalidade utópica, capazes
de abrir mão de parte dos seus lucros e de seus poderes em troca de um melhor relacionamento com seus
empregados. Cada uma destas empresas terá um sistema peculiar de objetivos e restrições que deveria
implicar um conjunto peculiar de conceitos de produtividade (o que nem sempre acontece devido à falta de
consciência dessas peculiaridades). Não obstante, o nosso exemplo anterior é mais representativo, pois
descreve o tipo de empresa capitalista cujos objetivos estão mais próximos dos objetivos do capital, a
empresa mais bem adaptada e que mais se desenvolve no capitalismo, tendendo a predominar política e
socialmente.
É pensando neste tipo de empresa que os economistas neoclássicos elaboram seus modelos
microeconômicos, procurando esclarecer como seus controladores devem agir para atingir seus objetivos.
Os economistas neoclássicos chamam de produtividade a relação entre a produção e um dos fatores de
produção, basicamente o capital e o trabalho. Estes não são concebidos como componentes concretos de
uma forma de organização de trabalho, como equipamentos e homens, mas como quantidades homogêneas
que exigem uma remuneração, na forma de custo de capital e de salários, respectivamente. A análise
marginalista dos fatores de produção visa garantir a existência da combinação que minimiza o custo unitário
do produto, minimizando a remuneração total do trabalho e do capital de terceiros por unidade produzida.
Ela reflete o objetivo econômico do empresário individual: a maximização do seu lucro.
Em tese, a produtividade assim concebida pode ser aumentada de três formas:
1. Poupando trabalho — exemplo: todas as formas de mecanização e automatização.
2. Poupando capital — exemplo: controle de estoques, poupança de energia, barateamento de
equipamentos.
3. Poupando capital e trabalho na mesma proporção — exemplo: todas as formas de
intensificação e racionalização do trabalho.
Não obstante isso, a primeira forma tem clara predominância na história do progresso. Nas fases de
expansão, o capitalismo acumula capital mais rapidamente do que a população de trabalhadores cresce.
Como esse capital precisa ser transformado em meios de produção, há todo o interesse em descobrir
equipamentos que necessitem de menos trabalho, pois a desproporção crescente entre a quantidade de
capital e a de trabalhadores levaria, de outra forma, a uma escassez de mão-de-obra que criaria concorrência
generalizada entre os capitalistas para obter trabalhadores que operassem seus equipamentos. Isto teria o
efeito de elevar drasticamente os salários e encorajar reivindicações, pois não existiria mais o desemprego a
temer. Portanto, não é de se admirar que a mecanização seja implantada numa escala maior do que a
indicada por uma análise meramente microeconômica — a sua não-implantação determinaria alta drástica
dos custos de salários e abalos da estrutura social a partir de certo momento. Cabe lembrar também que a
automatização tende a centralizar o processo de produção, aumentando o controle da administração superior
sobre a empresa e facilitando a substituição de trabalhadores, o que certamente contribui para atrair o
interesse dos empresários para ela.
O empresário individual não precisaria, necessariamente, automatizar sua empresa para atingir seus
objetivos: haveria muitos outros meios para melhorar o grau de atendimento de seus objetivos. Enquanto
existir uma reserva de trabalhadores desempregados, o número de postos de trabalho dentro da empresa
pode crescer impunemente. Mas quando todas as empresas fizerem isso, a reserva acaba por desaparecer e a
automatização ou mecanização torna-se imperativa.
Concluímos assim que a mecanização e a automatização são as formas normais pelas quais o capitalismo
próspero adequa a organização do trabalho a seus objetivos sociais e econômicos e eleva a produtividade.
Embora a motivação para a automatização e/ou mecanização possa parecer estar no nível técnico, ela não
está, em última análise, nem sequer no nível econômico do empresário individual: está ao nível da
preservação da própria estrutura do sistema capitalista, que impele o empresário a automatizar-se até contra
a sua vontade e contra seus objetivos mais imediatos, para que seus objetivos “como classe fiquem
salvaguardados. Sob certas condições, o mesmo objetivo pode impor um limite superior ao ritmo da
automatização: é quando o desemprego gerado se torna tão grande que surgem tensões sociais graves e o
consumo se contrai excessivamente”.
As outras formas de aumento de produtividade têm também o seu papel, ainda que não seja tão central.
O aumento da produtividade pelo aumento de desempenho do trabalhador, que poupa capital e trabalho na
mesma proporção, ganha importância em três situações:
1. quando a escassez de capital ou a contração do mercado não permitem a realização dos
investimentos necessários à automatização;
2. quando a abundância relativa de mão-de-obra torna a automatização economicamente inviável; e
3. quando a automatização é tecnicamente inviável com os recursos disponíveis.
Existem várias formas de aumentar o desempenho do trabalhador. A mais conhecida é certamente o
taylorismo, que se caracteriza pelo planejamento minucioso dos métodos de trabalho por especialistas
(engenheiros de produção), que visam aumentar a produtividade pela minimização do tempo de trabalho
despendido no atendimento de um objetivo e pela separação absoluta entre as funções de planejamento e
execução. O taylorismo serve indiretamente não só aos objetivos sociais do capitalismo, permitindo o
atendimento de objetivos técnicos e econômicos, mas também tem um papel diretamente social ao colocar o
trabalho sob o controle mais preciso possível da administração e ao transformar o trabalhador em
instrumento facilmente substituível (por uma máquina ou por um trabalhador concorrente), reduzindo sua
capacidade de reivindicar salários melhores. Muitas empresas se contentam com este segundo papel do
taylorismo, pois se limitam a "rotinizar" o trabalho, isto é, a padronizar o método de trabalho sem se
preocupar em aumentar o desempenho do trabalhador.
Outras formas de aumentar o desempenho do trabalhador baseiam-se num princípio muito diferente: é o
caso do movimento de "relações, humanas", cuja prática poderia ser descrita como procurar minimizar os
antagonismos entre os objetivos do capitalista, ou do capital, e os do trabalhador individual. Raciocina-se
que o trabalhador terá um desempenho muito superior se as mesmas ações que levarem ao atendimento dos
objetivos sociais e econômicos da empresa levarem ao atendimento dos objetivos sociais e econômicos do
trabalhador (ou seja, se os objetivos técnicos da empresa e do trabalhador coincidirem plenamente). Levado
às últimas conseqüências, este método acaba por se opor ao próprio princípio básico do taylorismo —
separação do planejamento e da execução — ao reconhecer a necessidade de uma motivação intrínseca ao
trabalho que só pode ser dada deixando-se os trabalhadores organizarem o próprio trabalho em alguma
medida. O mais comum, no entanto, é que o método se limite a condicionar o atendimento dos objetivos
sociais e econômicos do trabalhador individual (ascensão social, promoção, aumento salarial ou outros) ao
atendimento dos objetivos técnicos propostos pela empresa.
Enquanto o taylorismo se propõe a anular o trabalhador como ser social e consciente, o movimento de
relações humanas procura remodelar as relações sociais e a consciência do trabalhador de forma que as
harmonize com os objetivos da empresa. Isto requer um conhecimento psicológico e sociológico eficaz, pois
requer que o trabalhador assuma como seus objetivos sociais e econômicos compatíveis com os da empresa
e acredite na possibilidade de atingi-los melhorando o seu desempenho.
Quanto ao aumento de produtividade pela poupança de capital, é um método que interessa
principalmente ao capitalismo individual, pois, ao conseguir isso, ele está reduzindo a obtenção de
excedente por parte de outros capitalistas (fornecedores e financiadores). Não obstante isso, o capital como
um todo geralmente também ganha com esses avanços, embora alguns de seus setores possam ser
fortemente prejudicados. Se todas as indústrias, por exemplo, reduzirem para a metade seu consumo unitário
de combustível e mantiverem o preço unitário de seus produtos, o excedente total gerado na sociedade
provavelmente aumentará, mas os produtores de combustível perderão. Ainda assim, é uma forma que gera
antagonismos com capitalistas em vez de com trabalhadores, e por isso tem um caráter de "último recurso",
ao qual o capitalista apela quando a concorrência é muito aguda, o custo de capital de terceiros muito alto, o
preço de matérias-primas sobe repentinamente ou a resistência dos trabalhadores a mudanças nos métodos
de organização do trabalho é muito forte. Note-se que a poupança de energia só se tomou prioritária após os
"choques do petróleo" e que países subdesenvolvidos fortemente endividados continuam importando
equipamentos caros para poupar trabalho.
25. EFICIÊNCIA E PRODUTIVIDADE PARA O TRABALHO E PARA O TRABALHADOR
Tentaremos agora definir eficiência e produtividade em termos dos objetivos do trabalho. Poderíamos
pensar em seguir o mesmo caminho que usamos para definir os objetivos do capital, partindo do pressuposto
de uma vontade de conseguir maior status e poder, mas isto seria uma pista falsa: conseguir tal coisa
significaria deixar de ser trabalhador, e, portanto, não pode ser um objetivo do trabalho, segundo nossa
definição. O objetivo do trabalho deve ser aquilo que o trabalhador pode obter sem se tornar membro da
classe superior ou do sistema de dominação. Para nós, o objetivo do trabalho seria, em última instância, a
máxima realização como ser humano, ou, mais concretamente, a combinação da posse de recursos materiais
que permitam a máxima realização das potencialidades humanas de produzir, consumir e divertir-se com a
posse de uma cultura científica e humanista que lhe permita fruir da melhor maneira possível esses recursos.
Vale notar que, para uma avaliação do grau de atendimento desses objetivos, é indispensável considerar sua
distribuição: cada trabalhador é um ser humano com necessidades tão válidas quanto às de qualquer outro. E
os objetivos da classe são atingidos quando cada um recebe na medida de suas necessidades. A consideração
sobre a distribuição, por outro lado, não se aplica ao capital — suas "necessidades" são indefinidas e
ilimitadas, para ele uma distribuição é eficiente se beneficia aqueles que são capazes de acumular capital
mais rapidamente e, portanto, fazem crescer mais rapidamente o capital total da classe (portanto, a
distribuição é eficiente à medida que é desigual).
Tal objetivo social do trabalho deve implicar um objetivo econômico que lhe dê as condições materiais
de realização. O objetivo econômico básico do trabalho é manter e ampliar seu recurso básico, que é a
capacidade do trabalhador. Este recurso não é tão facilmente quantificável quanto o capital, que pode ser
facilmente trocado e dividido. Na sociedade capitalista, o padrão de comparação é o salário: a capacidade do
trabalhador mede-se pelo salário que recebe. Porém, desejaríamos medir a capacidade do trabalhador pela
sua contribuição aos objetivos do próprio trabalho, não aos do capital. O mais razoável, na falta de um
critério objetivo, é considerar como equivalentes às capacidades de cada indivíduo trabalhador.
O objetivo econômico do trabalho poderia ser definido como obter, a partir da capacidade do
trabalhador, o máximo de bens e serviços úteis e o máximo de fruição desses bens e serviços, o que implica
utilizar o mínimo possível dessa capacidade em tarefas mecânicas e desagradáveis. Em outras palavras, é
produzir com um mínimo de sacrifício de tempo e energias, de forma que o tempo livre possa ser dedicado
ao aproveitamento do que foi produzido. É produzir o que é mais necessário com um mínimo de uso da
capacidade, isto é, com um mínimo de tempo.
A hera é a medida mais usual da utilização da capacidade de trabalho. Vale notar que, se todas as
capacidades de trabalho são iguais, então nem todas as horas são iguais. Se uma forma de trabalho produz
um desgaste físico e mental maior que o usual, de forma que exija que o trabalhador execute esse trabalho
por um número menor de horas diárias a fim de não prejudicar sua saúde, então seu homem-hora vale mais
do que a média. Por exemplo, ao se admite que mil horas de trabalho de um piloto de avião causam o mesmo
desgaste que duas mil de um mecânico, cada hora do piloto vale duas do mecânico.
O valor do produto obtido deveria ser o seu grau de necessidade, medido pela quantidade que a classe
trabalhadora julgaria conveniente despender para obtê-lo. Tal valor, a rigor, não existe, pois só poderia ser
definido através de uma discussão democrática. Por isso, a única medida utilizável é o valor de troca, valor
definido pela quantidade de trabalho necessária à produção, dados os recursos tecnológicos disponíveis na
sociedade.
A plena realização do valor do produto não depende apenas, de sua venda, como acontece no caso do
capital. Depende, sobretudo, de sua utilização pêlos segmentos da população que dele têm maior
necessidade. Material de construção vendido para a construção de uma mansão tem seu valor perfeitamente
realizado do ponto de vista do capital, mas não do trabalho, enquanto existirem trabalhadores sem moradia
decente.
Quando medirmos a eficiência global de uma sociedade do ponto de vista do trabalho, teremos então de
considerar o valor do produto e sua efetiva distribuição de um lado e a capacidade de trabalho efetivamente
empregada na sua consecução de outro. A capacidade de trabalho empregada inclui não apenas os homens-
hora empregados na transformação final, mas também o que se gastou na obtenção das matérias-primas,
com a parcela dos equipamentos e instalações depreciada ao longo da produção e com os serviços auxiliares
que, se fizeram necessários.
A diferença de objetivos entre o capital e o trabalho implica diferentes avaliações de eficiência e
produtividade. Um aumento de salário implica redução de eficiência para o capital e aumento para o
trabalho; um aumento de preço tem efeito contrário. A existência de desemprego é eficiência para o capital e
ineficiência para o trabalho, tendo o mesmo significado para as desigualdades na distribuição da renda.
Essa diferença também implicará oposições ao nível de objetivos técnicos. O controle da poluição e a
melhora de condições de trabalho são objetivos para o trabalho, decorrentes do objetivo de preservar seu
recurso básico, mas não são objetivos para o capital. Isto, aliás, explica por que na sociedade capitalista o
consumo é um paraíso e a produção um inferno: a indústria que se esmera em produzir automóveis
silenciosos, eletrodomésticos artisticamente projetados e móveis confortáveis não apresenta a menor
preocupação em manter um ambiente agradável, ou pelo menos saudável, em suas instalações, pois o luxo
nos artigos de consumo facilita a obtenção de lucro para o capital enquanto nos meios de produção só
facilita a vida dos trabalhadores à custa do capital. Se a economia fosse controlada por trabalhadores, esse
desequilíbrio certamente não existiria, como se pode ver no ambiente de trabalho dos empresários,
tipicamente tão luxuoso quanto sua própria residência.
Boas condições de trabalho implicam maior eficiência para o trabalhador e podem até implicar maior
produtividade, quando consideramos o desperdício de capacidade de trabalho implícito em condições que
geram acidentes e doenças profissionais.
Menos fácil de perceber é que mesmo ao nível puramente mecânico, sem considerar a pessoa do
trabalhador, podem surgir diferenças na avaliação de um sistema produtivo. Se uma máquina custa tanto
quanto a força de trabalho que substitui, do ponto de vista do capitalista, é certo que do ponto de vista do
trabalho ela custa menos. Por exemplo, se uma máquina custa o mesmo para o capitalista que o trabalho de
100 trabalhadores que ela substitui ao longo de sua vida útil de 10 anos (ou seja, 1.000 salários anuais), é
indiferente para ele usá-la ou continuar empregando os trabalhadores. Mas, se supusermos que o salário dos
trabalhadores que construíram a máquina é igual ao dos trabalhadores que a substituem e que a máquina deu
lucro para o capitalista que a vendeu (digamos, 50%), então apenas uma parte do seu valor se refere a
salários pagos (50%, ou 500 salários anuais). Portanto, o trabalho total utilizado na construção da máquina é
menor que o trabalho que ela substitui (500 homens-ano, contra 1.000 homens-ano). Isto sugere que a
automatização é ainda mais produtiva para o trabalho que para o capital, mas é preciso considerar que na
sociedade capitalista essa vantagem pode ser anulada pela desvantagem causada pelo desemprego gerado e
conseqüente piora da distribuição da renda.
Os objetivos do trabalhador, como indivíduo ou grupo, não coincidem necessariamente com os
objetivos do trabalho, conforme os definimos. Aí está, sem dúvida, o grande dilema do sindicalismo: o
trabalhador individual muitas vezes tem como objetivo social tornar-se capitalista e os trabalhadores de uma
mesma empresa ou setor muitas vezes têm como objetivo comum apenas obter um salário maior que permita
sua promoção social, mesmo que isto implique aceitar péssimas condições de trabalho (físicas ou
organizacionais) ou apoiar as estratégias e táticas monopolísticas de suas empresas, às custas de outros
trabalhadores. É mais fácil para o sindicato aceitar como seu esse objetivo e concentrar-se unicamente na
questão salarial, mesmo porque, se seguisse o exemplo dos profissionais de relações humanas da empresa e
procurasse fazer o trabalhador reconhecer como seus os objetivos do trabalho, o sindicato seria acusado de
"fazer política" e "trair suas finalidades".
2.6. EFICIÊNCIA E PRODUTIVIDADE PARA O GOVERNO
A relação entre eficiência para o governo e eficiência para o capital ou para o trabalho depende dos
objetivos do grupo político considerado e da sua maneira de ver a realidade.
Para um adepto do laissez-faire, a eficiência para o governo não se distingue da eficiência para o capital
individual: se houver liberdade total de negociação e competição entre as empresas, as leis do mercado
garantirão que as empresas trabalhem para o bem comum da sociedade. A eficiência do governo deve ser
julgada apenas pela sua eficácia em manter a ordem capitalista contra perturbações internas e externas.
Considera-se o sistema econômico como eficiente à medida que ele se aproxima de um ótimo de Pareto, isto
é, de uma situação onde não existe qualquer realocação possível de fatores entre produtores que possibilite
aumentar a produção de um bem sem diminuir a de outro e, o que é mais importante, não existe nenhuma
alocação de recursos que aumente o bem-estar de um consumidor sem diminuir, simultaneamente, o de
outro. Em outras palavras, economia eficiente é aquela em que todos os recursos são utilizados e todos os
produtos são consumidos, não importa por quem ou como. Redistribuir a riqueza não aumenta de forma
alguma a eficiência econômica para o liberalismo econômico.
Para outros defensores do capitalismo, a eficiência para o governo não se identifica com a eficiência
para o capital individual, seja porque as imperfeições do mercado impedem que um ótimo de Pareto seja
atingido, seja porque razões morais ou políticas fazem com que alguns étimos devam ser preferidos a outros.
É admissível para estes que o governo intervenha no mercado, concedendo incentivos e desincentivos,
fixando preços e salários ou mesmo organizando empresas estatais. O critério de avaliação da eficiência é
mais complexo: o indicador mais importante é, para a maioria, o Produto Nacional Bruto per capita, isto é, o
produto econômico total, tal como é valorizado pelo mercado e sem considerar sua distribuição, dividido
pelo número de habitantes.
Outros índices tornam-se importantes conforme a orientação política precisa de quem os considera e
conforme as necessidades específicas da sociedade se tornarem mais agudas: geração de divisas por capital
investido, geração de empregos por capital investido, distribuição de renda (índice Gini2), preservação
ambiental, qualidade de vida etc. Se a degradação da natureza atinge níveis críticos, sua preservação toma-se
objetivo privilegiado; se a balança de pagamentos está desequilibrada, gerar divisas torna-se o primeiro
objetivo; se as tensões sociais se tornam perigosas, trata-se de criar empregos e melhorar a distribuição de
renda. O sentido comum de todos esses objetivos é preservar a existência continuada do sistema e preservar
a possibilidade de cada indivíduo melhorar seu bem--estar sem que isso exija a expropriação de outro
indivíduo. Em resumo, trata-se de preservar o capitalismo mesmo contra os interesses do capital individual,
acrescentando o bom-senso social e econômico ao conceito do ótimo de Pareto.
Para os adversários do capitalismo, socialistas, comunistas ou anarquistas, o objetivo é exatamente o
oposto: destruir a estrutura do capitalismo. O sistema capitalista já cumpriu seu papel histórico de elevar a
produtividade da sociedade até o ponto em que se torna possível substituí-lo por um sistema superior e mais
capaz de atingir eficientemente os objetivos do trabalho, que, no fundo, são os da humanidade. A eficiência
política está em realizar o mais rapidamente possível essa substituição.
2.7. CONCLUSÃO
Pretendemos ter demonstrado que medir produtividade e eficiência não é assunto meramente técnico e
econômico, que produtividade e eficiência não podem ser definidos dentro dos limites da tecnologia e da
economia, e que o técnico e o economista só podem avaliar eficiência e produtividade em função de
objetivos sociais implícitos ou explícitos.
Todo objetivo técnico ou econômico se subordina a um objetivo social. O técnico ou economista que
nega isto ou ignora como se insere no mundo ou pretende ocultar os fatos. A sociedade que ignora isto está
deixando seus sistemas funcionarem sem objetivo e ignorando seus próprios interesses. Um exemplo
interessante do que pode acontecer neste caso nos é dado pela União Soviética: até 1965, a produtividade foi
medida em função do valor bruto da produção e os gerentes de empresas recebiam incentivos para
maximizar essa produtividade, e o resultado foi freqüentemente uma produção desnecessariamente cara
(para elevar o valor bruto) e de qualidade insuficiente (para facilitar a maximização da quantidade), ou seja,
a falta de uma consciência precisa da necessidade de relacionar os objetivos técnicos aos sociais resultou
num crescimento econômico extremamente rápido, mas que não atendeu aos objetivos da população. Fatos
ainda mais dramáticos ocorreram em países capitalistas cujos, governos procuraram promover o crescimento
econômico a qualquer custo, sem atentar para em que medida esse crescimento atendia aos objetivos sociais
da maioria da população. Nos países já desenvolvidos, a aceitação do objetivo do lucro como objetivo social
leva a que os recursos sejam desperdiçados irracionalmente na produção de bens de durabilidade reduzida,
que parte não desprezível dos recursos seja empregada para convencer o consumidor a comprar o que não
precisa e que o trabalho seja realizado em condições desnecessariamente desagradáveis e insalubres.
Uma sociedade humana civilizada digna deste nome deve definir seus objetivos sociais de forma
democrática e consciente, e conscientemente definir objetivos técnicos e econômicos que nada mais são que
meios para atingir objetivos sociais. Ou a sociedade molda seus conceitos de eficiência e produtividade de
acordo com aquilo em que ela deseja transformar--se ou acabará sendo moldada de acordo com eles. Todo
conceito de eficiência ou produtividade traz em si um projeto de sociedade.

2
Índice de Gini, que varia de zero a um, é um indicador da igualdade ou desigualdade de uma determinada
distribuição (renda, serviços educacionais ou de saúde, por exemplo). Quando o índice é igual a zero, significa que há
situação teórica de igualdade. Quando igual a um, ocorre a situação de máxima desigualdade. Portanto, à medida em
que se aproxima de um significa que uma dada distribuição está-se concentrando.

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