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ISBN: 978-85-67781-15-0
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E-book - PDF
1. Jornalismo e literatura. 2. Jornalismo – Técnica. 3. Rio Grande do
Norte. I. Veloso, Maria do Socorro Furtado. II. Lopes, John Willian.
III. Título.
CDD-070.43
Maria do Socorro Furtado Veloso
John Willian Lopes
(Orgs.)
JORNALISTAS
ESCRITORES
DO RN:
ENTREVISTAS
Natal (RN) | 2017
Escrever é uma transfusão
de sangue para o lado de fora.
José Saramago
Créditos
Entrevistado: Adriano Cruz
Fotos: Helliny França
Entrevistado: Adriano Gomes
Fotos: Edmo Nathan
Entrevistado: Antonino Condorelli
Fotos: Sandro Fortunato / Editora Fortunella
Entrevistado: Emanoel Barreto
Fotos: Luciana Salviano
Entrevistado: Flávio Rezende
Fotos: Elizabeth Soares
Entrevistada: Glacia Marillac
Fotos: Denyse Campos
Entrevistado: Gustavo Sobral
Fotos: Cícero Oliveira
Entrevistada: Josimey Costa
Fotos: Arquivo pessoal
Entrevistado: Luan Xavier
Fotos: Arquivo pessoal
Entrevistado: Rafael Duarte
Fotos: Arquivo pessoal
Entrevistados: Rafael Barbosa e Paulo Nascimento
Fotos: Editora Tribo
Entrevistada: Themis Lima
Fotos: Editora Tribo
SUMÁRIO
Sobre jornalistas,
livros e a vida
Maria do Socorro F. Veloso é docente do curso de Jornalismo e do
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia, da UFRN.
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e as páginas dos jornais, por limitação natural, nem sempre po-
dem dar conta dessas necessidades. Assim acontece com os 13
personagens entrevistados para este livro que ora chega a nossos
prezados leitores.
Jornalistas escritores do RN: entrevistas reúne conversas com pro-
fissionais da imprensa potiguares, ou radicados no Rio Grande
do Norte. Parte dos personagens do livro hoje atua na docência,
enquanto outros permanecem em redações ou assessorias de
imprensa, tanto no setor público, como no privado. Em comum,
além da profissão escolhida, o fato de que decidiram enveredar
também pela literatura, em seus diferentes gêneros - da poesia à
prosa, do livro-reportagem ao conto, das narrativas de suspense
às histórias infantis.
As histórias desses personagens vêm à luz, nesta obra, como re-
sultado do esforço conjunto de um grupo de 44 estudantes do
curso de Jornalismo da UFRN. Eles aceitaram o desafio proposto
pela professora de Estilos Jornalísticos, esta que vos escreve, e
pelo mestrando John Willian Lopes, estagiário de docência: pro-
duzir material jornalístico suficientemente interessante para ser
reunido em um livro, ao final da disciplina.
Ao longo do segundo semestre de 2016, a turma trabalhou na
produção das pautas, e na realização, redação, edição e revisão
das 12 entrevistas – numa delas, excepcionalmente, foram ou-
vidos dois jornalistas, escritores e amigos: Paulo Nascimento e
Rafael Barbosa. Nas tarefas de escrita e edição, na checagem de
dados na revisão dos textos, em todas as etapas, os estudantes
se empenharam em oferecer o melhor resultado possível de seus
esforços.
Eles ouviram homens e mulheres que têm em comum a formação
em jornalismo, a experiência profissional e o irresistível pendor
para a palavra escrita incapaz de se conformar ao espaço-tempo
das notícias. Isso porque trata-se de palavra de outra natureza:
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habita o terreno das artes literárias, esse terreno exigente, pedre-
goso, não raro angustiante, mas extremamente compensador de
ser percorrido, como atestam os nossos entrevistados.
As conversas giraram em torno de diferentes assuntos, incluin-
do o amor aos livros, a opção pelo jornalismo como profissão e
a tarefa do escritor. E a todos foi feita uma única pergunta em
comum: A literatura salva? Gustavo Sobral recorre a Ferreira
Gullar para dizer que sim: “Porque a vida não basta”. Themis
Lima, ao contrário, recusa-se a pensar na literatura como forma
de salvação: “Acho que a literatura está no mesmo patamar do
ato de entrar no mar e mergulhar. É uma vivência. Ela transfor-
ma, na medida em que qualquer vivência humana transforma”.
Para alguns, a salvação está na chance de se perder: “Na litera-
tura, a gente se perde, e perder-se é o mais importante na vida”,
diz Antonino Condorelli. Para outros, no entanto, talvez seja a
oportunidade de se encontrar, como é o caso de Josimey Costa:
“[a literatura] salva de me perder dentro de mim mesma. Salva
você de você mesmo. E essa é a grande salvação”.
Em alguns casos, é pelo acionamento dos sentidos que a lite-
ratura pode ser pensada como uma forma de resguardo pesso-
al. Para Adriano Gomes, “leitura é catarse, é prazer, é contenta-
mento”. Com ele concorda Flávio Rezende: “A literatura é um
prazer (...) se salva, se não salva, eu não sei, mas acredito que
é prazerosa e proporciona outras virtudes”. Pela mesma vereda
seguem Adriano Cruz, para quem a literatura “sufoca, emociona,
desestabiliza, violenta, mata, cura”; Glácia Marillac, que vê, na
poesia, ferramentas para que se possa levar “uma vida mais leve,
mais sábia”; e Rafael Duarte, que atribui aos livros a tarefa de
alimentar a alma.
A literatura pode não salvar a quem pretenda viver da venda
de livros, atesta, como bom humor, Rafael Barbosa, mas ajuda a
constituir a e nutrir nossas visões do mundo porque nos leva a
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pensar, observa Emanoel Barreto. Com ele faz coro Paulo Nas-
cimento, para quem o livro é uma poderosa arma de combate à
ignorância: “É um objeto capaz de fazer com que tiremos as ven-
das dos olhos para enxergar um mundo novo a cada página”. No
entanto, como enfatiza Luan Xavier, “falta uma política pública
de incentivo à leitura”, o que se evidencia na baixa aquisição de
livros no Brasil, quando comparado a outros países.
A despeito das dificuldades, a vida parece funcionar melhor na
companhia das palavras e dos livros. Porque, no fundo, a leitura
e a escrita são duas potentes formas de autoconhecimento, como
nos ensinou José Saramago, ao constatar: “Somos todos escrito-
res, só que alguns escrevem e outros não”. De Saramago, aliás,
diga-se que também viveu do jornalismo por algum tempo, antes
de transformar no único Prêmio Nobel de Literatura da língua
portuguesa.
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EMANOEL BARRETO
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à literatura. Desde cedo, contou com a imaginação fértil para
criar suas próprias brincadeiras e histórias mirabolantes, que se
desenvolviam no quintal de sua casa, até que seus pensamentos
extrapolaram a barreira do imaginário e ganharam forma através
das letras. Logo se afeiçoou aos livros e passou a visitar a bibliote-
ca do Sesc Rio Branco. Também foi muito incentivado pela mãe,
que comprava livros clássicos em versões infantis, o que ajudou
Barreto a refinar o gosto pela leitura.
Mas nem sempre foi assim. “Deixe-me contar como fugi do jar-
dim de infância. A turma foi ensaiar uma música e o meu instru-
mento eram dois pauzinhos, que achei muito sem graça. Queria
a bateria, mas a professora, que era uma freira, não deixou. Eu
não tinha a menor ideia de como tocar bateria, mas o objeto me
encantou. E quando fui contrariado, saí correndo sem saber para
onde e prometi que não voltaria mais, como de fato não voltei”.
Barreto só retomou os estudos aos sete anos, bem longe daquela
escola e sempre com convicções bem claras.
Numa manhã de domingo, fomos recepcionadas pelo professor
aposentado da UFRN, que nos mostrou seu refúgio - “um pre-
sente de Teresinha [a esposa], que preparou tudo para que fi-
casse com a minha cara”. E ficou. Logo ao entrar nos deparamos
com sua biblioteca, na qual guarda os livros que começaram a
acompanhá-lo ainda na infância. Na parede ao lado, lembranças
dos tempos áureos como jornalista, como a reportagem que fez
sobre a vinda do Papa João Paulo II a Natal e uma carta de agra-
decimento do Vaticano pela matéria, motivos de grande orgulho
para ele. Também estão lá o quadro pintado pela neta - e que
“vale mais que Monalisa”, diz, orgulhoso -, sua primeira máquina
de escrever, câmeras fotográficas antigas, uma vitrola onde ouve
seus vinis e um relógio artesanal, feito por ele mesmo. “Esse é o
único relógio que uso, porque não tem números e escolho que
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horas são”, explica, bem-humorado, justificando que tem aversão
a números e a tudo que esteja relacionado a eles.
Mestre Barreto, como costuma ser chamado por diferentes ge-
rações de jornalistas potiguares, fez questão de nos tranquilizar
logo no início da entrevista: “Não estou aqui no papel de profes-
sor. Sintam-se como colegas”. E assim, começamos.
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EB: Lembro bem que uma das primeiras coisas que escrevi foi
a história de um vaqueiro que perdia sua vaca, a Mangaba, e saía
do interior para a cidade grande, à procura dela. Aquela figura
vestida de couro, em cima de seu cavalo Soberano (inspirado em
animais que existiam no sítio de minha mãe), de repente se via na
cidade grande, que poderia ser qualquer cidade, como São Paulo,
por exemplo, um lugar em que aquele homem não se encontra-
va, que não era ambiente para ele. Eu, com 17 anos, consegui ter
essa sacada sem ter nenhum conhecimento de mundo que tenho
hoje, aos 65 anos. Esse homem saiu em busca de Mangaba e não
terminou bem. Se não me engano, ele acabou virando pedreiro na
cidade grande. Essa história foi publicada no jornal A República.
Sempre tive apreço pelo fantástico. Eu gostava muito de inven-
tar, e escrevia muito, mesmo sem referenciais. Minha cabeça era
cheia de ideias. Talvez os quadrinhos tenham influenciado essas
criações fantasiosas, mesmo que de maneira subliminar.
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mento em que passei a literalmente odiar os números. Não tenho
relógio, não sei a placa do meu carro. Eu sou um homem da palavra.
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Por isso, busco me afastar ao máximo de influências externas. A
minha temática é urbana e universal.
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tivo, acordei no meio da noite. O que vejo: a minha tia flutuando
no ar. Eu fiquei olhando. Ninguém nunca tinha me falado sobre
alma. Nem sabia que existia alma e fantasma. Era absolutamente
inocente a respeito de assuntos místicos, a não ser o fato de ir à
missa e acreditar em Deus. Ela ficou olhando para mim e eu dis-
se: “Benção, tia Cença!”. Corri para o quarto de mamãe, gritando:
“Mamãe, tia Cença voltou!”. E quando retornei, ela tinha desa-
parecido. Essa experiência fantasmagórica, absolutamente inex-
plicável, pode, de alguma maneira, ter me influenciado a abordar
essa temática e a criar esses personagens sombrios, que questio-
nam os aspectos existenciais, no livro Os crimes do padre Heusz.
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meiro blog do mundo quem fez fui eu, quando ainda nem existia
esse nome. Não tenho como provar, mas se não fui o primeiro
blogueiro, fui um dos primeiros. Foi nos anos 1990, logo que sur-
giu a internet. Naquela época, era preciso comprar uma placa de
internet para colocar no computador e se inscrever em um prove-
dor. Um dia tive a ideia de sugerir ao provedor que eu escrevesse
diariamente um noticiário para eles, e eles ganhariam dinheiro
através da quantidade de acessos, porque a internet era paga por
hora. Eles toparam, e então criei um blog chamado Natal Urgen-
te. O pessoal do provedor não sabia como fazer a página, então
eu mesmo fiz o layout. Foi um trabalho muito sofisticado. Con-
videi amigos para escrever colunas, um pessoal mais jovem para
fazer umas charges. Tinha artigos, espaço para cartas e notícias
em geral. Esse blog estourou. Teve milhares de acessos e batia
cabeça com os portais que já existiam na época. Inclusive, um
grupo de cubanos que moravam em Miami descobriu o blog e
mandava cartas pra mim, protestando contra Cuba. Tinha gente
de esquerda que escrevia e eu publicava também. Era atualizado
todos os dias. Infelizmente, não tenho o registro do conteúdo,
porque o provedor deletava uma postagem para colocar a outra.
Aí, perdeu-se tudo. A página acabou quando o provedor quis que
eu pagasse para hospedar o blog, e eu não podia, porque não ti-
nha patrocínio. Quando eu ia às agências, eles diziam que não
queriam, porque aquilo não tinha futuro. Mas eu estava adiante,
no tempo.
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Em sua opinião, a literatura salva?
EB: Eu acho que salva, a partir do momento que você faz uma
reflexão sobre si, sobre o outro e as circunstâncias. A literatura
salva à medida que te leva a pensar, a se antecipar, a se colocar
diante de si próprio como se fosse um espelho da alma - me des-
culpem a palavra meio romântica. Em alguns casos, é possível ver
a alma do autor colocada naquela obra. A pessoa imerge na lei-
tura, e não apenas lê, mas vive aquela história. A literatura pode
até suprir algumas limitações. Por exemplo, você não necessaria-
mente estuda filosofia, mas a partir da leitura de um livro, pas-
sa a ter determinada visão de mundo. A leitura também é muito
importante para melhorar a escrita.
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GLÁCIA MARILLAC
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meiras poesias não foram bem sucedidas, como conta, mas ela
não se deu por vencida e pouco tempo depois nasceu O amor é.
Com prêmios acumulados na longa carreira como jornalista,
dois livros lançados e um a caminho, Glácia procura harmonizar
seu lado profissional com o espiritual. Considera-se uma pessoa
espiritualizada e leva esta noção para seus livros. “Preciso viver o
que escrevo, senão não adianta de nada”, completa.
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No seu livro há 108 mandalas. Por quê?
GM: Foi um pedido da escola, mas não fui eu quem fez. Foi
outra mãe de aluna do colégio. O livro tem 108 poesias, igual ao
terço do rosário. Para eles, este é um número que leva ao infinito.
Um exemplo.
GM: A minha filha, Helena, tem cinco anos. Ela tem um gênio
muito forte. Quando estou brava com ela, lembro de algumas das
poesias, para que eu me acalme e fale da maneira correta com ela.
O livro virou uma espécie de bíblia pra mim.
Você lê poesias?
GM: Sim, gosto muito de cordéis. Escrevi três para minha filha
e também um que fez parte de um grande projeto da InterTV
durante a Copa do Mundo de 2014. Gosto dos poetas clássicos,
como Fernando Pessoa, e alguns que surgiram recentemente,
como o Zack Magiezi.
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O que você diria para um escritor iniciante?
GM: Meta a cara! Se você tem vontade de fazer alguma coisa,
faça. Ninguém tem obrigação de nada – aquela história de plan-
tar uma árvore, ter um filho, escrever um livro. Você tem que fa-
zer o que deseja. Vá, sem expectativa.
O que é a felicidade?
GM: A felicidade é compreender que você está numa vida, está
vivo, mas que daqui a algum tempo estará morto. Isso faz parte
de um processo que você tem de aceitar. A perfeição é impossí-
vel. É preciso aceitar a vida como ela é. Se é boa, é porque você
mereceu que seja. Se não está boa, é porque você ainda vai ter de
aprender alguma coisa com aquilo ali.
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E espiritualidade?
GM: Espiritualista é aquela pessoa que entende que não é a re-
ligião que salva, é o amor. Porque Deus está em todo canto, basta
você enxergar. Perguntaram ao Dalai Lama se ele se sentia um ser
iluminado e ele respondeu: “Se ser iluminado é ver todo mundo
como igual, é me sentir igual a todo mundo, eu sou iluminado”.
Acho que ser uma pessoa espiritualizada é ser assim. A pessoa
espiritualizada não briga por religião, porque ela sabe que Deus
é amor. E o amor não briga, o amor cede.
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RAFAEL DUARTE
Porque escrever
sempre vale a pena
Autor da biografia de Carlos Alexandre,
jornalista acredita que os livros alimentam a alma
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inicial em sua carreira, com a produção de minidocumentários
sobre biologia. Depois de uma passagem pelo programa TVU
Esportes, conseguiu um estágio no extinto Diário de Natal – de-
pois de, insistentemente, entregar o currículo na sede do jornal.
Mais tarde, passou pela Tribuna do Norte, um sindicato e o Novo
Jornal. Hoje, porém, Rafael já não sente a pressão do deadline,
nas redações: atualmente trabalha como assessor da Secretaria
de Planejamento do Estado. Em nosso bate-papo, ele nos contou
detalhes sobre o início da carreira, a inclinação para o ativismo
político e sua relação com a literatura.
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muito. Eu mesmo lia muito o caderno de esportes do jornal.
Acompanhava as matérias sobre o Flamengo e até comprava re-
vistas para ler sobre meu time.
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sando pela grande reformulação e no final de outubro estava nas-
cendo o Novo Jornal. Carlos Magno, que tinha me aceitado como
estagiário no Diário lá atrás, era o diretor de redação do Novo e
me convidou para ser repórter especial. Fiquei quatro anos por
lá. Passei alguns meses como chefe de reportagem e foi uma ex-
periência horrível. Não sinto saudade.
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ria, que quase morreu quando era pequeno. Era o sétimo filho e a
mãe os distribuiu. No interior, a iniciação sexual dos homens às
vezes acontece com animais. Isso é comum. Um amigo do Car-
los falou que a primeira vez dele foi com uma burrinha. O filho
pediu para tirar [a informação do livro] e eu me recusei. Ele era
conhecido pela atividade sexual, além da música. A viúva dele
fala abertamente sobre isso e eu falo no livro, porque tem a ver
com a obra.
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do Carlos Alexandre. Ele disse que adorou o livro, tinha a capa do
livro no celular. Não sei quantos livros ele leu, mas tirou parte do
tempo dele pra ler o meu e gostou. No Facebook, sempre recebo
depoimentos assim. Embora não tenha dado lucro, vale a pena.
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LUAN XAVIER
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de Marinho Chagas, editado pela Tribo. A publicação fez sucesso
entre os fãs do atleta e amantes do futebol. Hoje, Luan é editor de
conteúdo do Novo Jornal. Modesto, o jornalista diz não se consi-
derar escritor, mas sim, um jornalista que gosta de ouvir e contar
boas histórias.
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perguntar o que o cara quer responder? Ou vou buscar algo que
o leitor que saber? Eu fui por esse caminho, e não tive as facili-
dades que meus colegas tinham. Mas também não reclamo. Tive
de me especializar. Hoje, dá gosto ver os projetos de jornalistas
que fazem um trabalho sério. Mas quando comecei, as minhas
referências não eram tão boas.
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apostamos na opinião e no relato. O impresso tem um grande
peso, porque o fato de estar no papel é totalmente diferente, gera
algo distinto. O papel ainda tem um peso histórico, é um docu-
mento.
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urgentemente. Ela pode nos ajudar a ter um projeto de nação.
Sem isso, eu acho que o Brasil está quebrado.
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sa e autoexplicativa. Curto muito os escritos do apóstolo Paulo,
sobretudo. Tem um texto invejável, uma retórica perfeita e um
poder de convencimento quase imbatível. Minha leitura atual é
a Carta aos Romanos, de Paulo. É uma das coisas mais incríveis
que já li.
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THEMIS LIMA
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Quando começou seu interesse pela escrita?
Themis Lima: Sempre me expressei através da escrita e entrei
no jornalismo porque gostava de escrever. Não sabia o que fa-
ria no vestibular, então minha irmã me perguntou: “Por que você
não faz jornalismo? Você não gosta tanto de escrever? Pode até
publicar um livro”. Lembro claramente. Tenho lembranças mar-
cadas por esse interesse pela escrita, mas nunca tive o objetivo
de escrever um livro. Nunca foi uma ambição. Tanto que o livro
nasceu de um trabalho de conclusão de curso. Era mais uma obri-
gação. Aí pensei: “Vou fazer um livro reportagem”. Mas nunca
achei que as pessoas teriam interesse em ler algo que escrevi.
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contar a história delas. Foi então que comecei, pragmaticamente,
a organizar com quem eu queria conversar. Comecei a acompa-
nhar alguns personagens e decidi fazer um livro-reportagem de
perfis. A ideia principal era que fossem perfis de ilustres anôni-
mos, como a gente diz no jornalismo. Tem um açougueiro, tem
um cara que fazia música no ônibus, tem uma artista plástica,
tem um cara envolvido em ONG , tem um cantor de tango, tem
um pouquinho de tudo. Algumas histórias eu acompanhei por
muito tempo, por semanas. Foi um processo no qual me emocio-
nei muito mais do que achei que fosse me emocionar. Não lembro
de nenhuma entrevista da qual eu tenha voltado para casa sem
chorar.
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você sugere?” Então ele começou a falar dos cafés, eu o convidei
para sentar e aí bum!, estourou essa bomba no meu colo. Esse é
um dos personagens mais queridos. A busca dele pelo corpo do
filho é uma coisa comovente. A ideia era mostrar um pouco disso:
que, no microscópio, toda vida é extraordinária, toda história é
extraordinária.
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geograficamente, porque estamos dentro do continente, mas não
nos reconhecemos como irmãos latino-americanos. Não falamos
espanhol - falamos mais inglês do que espanhol -, não conhece-
mos a música latina, não conhecemos os escritores e isso me to-
cou muito. Queria me sentir “autorizada” a falar sobre a história
latino-americana para poder escrever.
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chila nas costas, sabendo que, se desistir, pode ligar para sua mãe
e comprar uma passagem de volta para casa. Não é todo mundo
que pode se dar ao luxo de fazer isso. Eu tenho, às vezes, muita
raiva de gente que escreve no Facebook, dizendo que pensa em
largar tudo e viajar pelo mundo. Não é bem assim. Não é todo
mundo que tem condições e estabilidade para fazer isso. É sua
vida que está em jogo! Então, fazer isso sem condições, eu real-
mente chamo de coragem. Ou gente que aguenta o dia a dia que
não gosta, para sustentar uma família, é coragem também. Já eu
sair de casa com uma mochila, sabendo que podia pegar o cartão
de crédito da minha mãe para comprar a passagem e voltar para
casa, é, de certa forma, um pequeno luxo que tive. Mas aprendi
muito sobre sobrevivência, sobre mim mesma e sobre a pessoa
que eu queria ser. Foi ousado! (risos)
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O que você pensa sobre os festivais literários que acontecem
na cidade?
TL: Eu acho que os festivais são importantes, mas ainda insufi-
cientes. Penso que os festivais utilizam muito dinheiro em estru-
turas, em montar tendas enormes e em chamar Gilberto Gil para
fazer o show, e investem muito pouco em literatura, em trazer
editoras e autores, em promover debates nos quais as pessoas vão
ter contato real com a literatura. Às vezes, esses festivais pare-
cem mais um lugar pra você levar seu filho para comer pipoca
no domingo, do que para debater literatura. Não é festival lite-
rário se está vendendo pipoca e tendo um show de Gilberto Gil.
No festival de literatura, precisamos bater papo, debater, ter um
momento de convivência. É preciso trazer autores, e isso não é
tão caro. Um cachê de banda é muito mais caro, uma estrutura
grande também é muito cara. Então, podemos aproveitar uma
estrutura que já existe, como a Pinacoteca ou o Surto Cultural.
Não precisa ser um evento gigantesco. Pode ser um evento pe-
queno, mas que traga gente da literatura para conversar sobre,
para mostrar como é acessível, como pode ser feita por todos e
consumida por todos também.
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E qual o gênero literário que mais te atrai?
TL: Há dois gêneros pelos quais tenho muito carinho. Gosto
muito da linguagem do conto, porque é quase como se fosse um
curta-metragem. É diferente de um romance, no qual você pre-
cisa se engajar para entender os personagens. O conto consegue
transmitir uma ideia de maneira muito fluida e rápida. Tenho um
carinho muito grande também pelos quadrinhos. Gosto muito.
Porque, às vezes, não trazem uma palavra, são só desenhos, ra-
biscos, mas conseguem nos transformar e eu acho isso incrível.
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ANTONINO CONDORELLI
Um espírito nômade,
um condor errante
Jornalista, escritor, militante, este
ítalo-brasileiro faz do planeta a sua pátria
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revistas e portais italianos e espanhóis, e na comunicação digital
de organizações não governamentais e movimentos sociais, no
Brasil. Antonino é militante de esquerda e faz questão de deixar
isso bem claro. Segundo ele, suas posições políticas começaram
a ser firmar ainda na infância, no início dos anos 1980, quan-
do frequentava protestos em defesa dos direitos trabalhistas e
pela emancipação feminina. Sua mãe, conta, o ensinou a amar
as causas populares. Na docência, descobriu um novo propósito
de vida: motivar estudantes a fazerem jornalismo livre, sem as
amarras dos patrões. Nosso entrevistado é autor de O pequeno
homem das montanhas, resultante de sua dissertação de mestra-
do e lançado em 2014, pela Fortunella. Em 2017, pela mesma edi-
tora, vai publicar a coletânea de contos intitulada Dezpedaços
- neologismo que alude a personagens internamente dilacerados.
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Então, o interesse pelo jornalismo veio depois.
AC: Exatamente. Mas aconteceu uma coisa estranha no mo-
mento que entrei na universidade. Escolhi jornalismo porque
achei que seria a profissão que mais me aproximaria da minha
vocação de usar a palavra para contar histórias. Mas, quando en-
trei na faculdade, me apaixonei. Acabei mergulhando no estudo e
na prática da profissão, inicialmente como estagiário, depois nos
jornais. Quando terminei a faculdade, fui para a Espanha. Passei
dois anos em Madri (1999-2000) e nessa época lembro que, ape-
sar de exercer o jornalismo, escrevia poemas e contos, vez por
outra. Cheguei até a participar de concursos literários e obtive
o terceiro lugar em um concurso organizado pelo jornal El País.
Recomecei a escrever pelo estímulo de falar em outra língua, que
não era a minha língua materna. Estava escrevendo em espanhol
e isso me animou bastante; mas o jornalismo sempre me absor-
veu muito mais do que a literatura. Enquanto na adolescência
eu tinha o sonho de me tornar escritor, na faculdade deixei esse
sonho em stand by e acabei mergulhando de corpo e alma na ati-
vidade jornalística. Depois disso, minha vida deu várias guinadas
de 180 graus.
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Por que decidiu mudar da Itália para a Espanha?
AC: Quando morava na Itália, estudei espanhol e me apaixo-
nei pela literatura hispano-americana, por seus autores e pela
cultura latino-americana, que eu associava mais à América his-
pânica. Isso porque a língua que eu dominava, além do italiano,
era o espanhol. Ainda não falava português. Eu era um devorador
de autores hispano-americanos na língua original. Sempre tive
vontade de morar em um país de língua espanhola. Aconteceu
que, quando eu ainda estava na faculdade, tive a oportunidade de
passar um ano na Espanha e me apaixonei. Decidi que não queria
ficar na Itália. Quando me formasse, iria morar na Espanha. Me
formei e fui para a Espanha procurar emprego.
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revista fechou e aí me vi diante da questão: “Ou volto para Itália,
para a casa dos meus pais, ou procuro outra saída por aqui”. En-
quanto essa saída não saía (risos), eu trabalhei em um call center
por três meses e em um fast food por três meses. Depois encon-
trei trabalho como redator de um portal. Eu não gostava, mas era
jornalismo e fui. Fiquei por mais seis meses, até decidir vir para
o Brasil.
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Nessa fase de mudanças e guinadas em sua vida, ainda houve
espaço para a literatura?
AC: Nesse caminho todo, da volta para a academia, aos pou-
cos foi aflorando de novo a paixão pela escrita. Inicialmente a
escrita científica, que é exigida pela academia. Mas ao passo que
escrevia textos científicos, desejava sair desse modo engessado
de produzir e de contar coisas. Então, em 2013, houve concurso
de contos promovido pela Cooperativa Cultural da UFRN. Eu
disse: “Vou recomeçar a escrever contos”. Desde a Espanha que
eu não fazia isso, mas escrevi e obtive o segundo lugar neste con-
curso. Isso me animou a escrever. Resgatei contos antigos, que
tinha escrito na adolescência, em italiano, e os reescrevi de uma
forma mais madura, em português. E desde 2013 até hoje, man-
tenho um ritmo intenso de produção literária em paralelo ao da
produção cientifica, o que me levou a ter material suficiente para
publicar um segundo livro, que vai sair em 2017, também pela
Fortunella. Chama-se Dezpedaços, neologismo que joga com o fato
de serem dez contos e de todos terem personagens internamente
dilacerados.
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dição, para a criação de uma ecologia cognitiva que promova uma
relação mais saudável do ser humano com as outras espécies da
natureza. Escrevi minha dissertação analisando a obra audiovi-
sual e o livro, tentando entender como foi sendo construída essa
relação entre diferentes formas de saber e essa maneira diferente
de se relacionar com a natureza, de um explorador com a cultura
científica e um caçador nômade, nascido e criado dentro de um
ambiente não urbano. Defendi a dissertação em 2011. Em 2014, já
professor do Departamento de Comunicação, fui convidado para
ministrar, dentro de um minicurso sobre cinema, um módulo so-
bre neorrealismo italiano. Entre os que assistiam estava o fun-
dador da editora Fortunella. Ele leu a dissertação, gostou muito,
achou que valia a pena ser publicada e pediu que eu a depurasse
dos academicismos. Foi o que fiz. O livro foi um sucesso. Hoje
restam cinco exemplares.
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apego a ideias como pátria, nação, território. Eu acho que a pes-
soa é de onde se reconhecer, sentir-se bem, onde encontrou seu
lugar na vida. Eu realmente não sinto apego. Amo os lugares que
escolhi, amo o Brasil, amo a Itália, minha terra natal, amo os ou-
tros lugares onde deixei um pedaço de mim, parte da minha his-
tória, que fazem parte daquilo que eu sou. Sinto realmente que
esse planeta, que parece tão grande, mas é um grãozinho minús-
culo flutuando em um universo imenso, é a minha terra.
60
existem várias possibilidades. Não somos mais condenados a nos
submeter às condições impostas pelo mercado de trabalho.
A literatura salva?
AC: Eu diria que, na literatura, a gente se perde, e perder-se é o
mais importante na vida.
61
ADRIANO GOMES
Catarse literária
Professor da UFRN aposta na convergência
entre literatura, comunicação e educação
63
TV Cabugi. Um ano e dois meses depois, resolveu largar tudo e
dedicar-se mais uma vez aos estudos. Enquanto fazia a segunda
graduação (em Educação Artística, com habilitação em Música,
também pela UFRN), iniciou o mestrado. Nessa ocasião, surgiu
um convite que deu novo rumo à sua vida: uma diretora da Uni-
versidade Potiguar (UNP) o convidou a lecionar na instituição.
“Foi quando me encontrei de fato”, relata Adriano.
Após quatro anos de UNP, Adriano concluiu o mestrado, fez o
doutorado e prestou concurso para professor da UFRN - onde
leciona há 15 anos e é responsável, entre outras, pela disciplina de
Radiojornalismo. Ao longo da vida, convergiu educação, leitura e
literatura, sempre que possível. Já produziu obras de cunho aca-
dêmico, mas sua maior fonte de satisfação vem dos quatro livros
infantis que publicou.
A paixão pela literatura começou na infância. O pontapé inicial
foi dado a partir de textos teatrais, como Pluft, o fantasminha, de
Maria Clara Machado. Já o amor pela escrita começou antes do
jornalismo. Aos 17 anos escreveu os rascunhos de seu primeiro
livro, A cidade dos brinquedos, publicado em 1995. Em seguida, sur-
giram A montanha das virtudes (1996), Histórias de crianças (1997) e A
casa e a velha (1998). Os dois primeiros, A cidade dos brinquedos e A
montanha de virtudes, viraram peças de teatro.
64
por aí. Quando decidi fazer pós-graduação, não tive dúvidas de
que seria algo ligado à literatura infanto-juvenil. Conversando
com os professores da Educação, vimos a necessidade de pro-
blematizar as questões relacionadas ao contador de histórias,
principalmente o contador presente em sala de aula. Fiz minha
pesquisa em uma escola estadual de Natal. Levei os livros, doei e
contei histórias em sala de aula. Assim que terminava os encon-
tros com os alunos, eles corriam para a biblioteca. Vi o quanto é
importante a presença desse contador de histórias, que desen-
volve sua performance com gestos, palavras e o encanto da voz.
65
agora na ONG Adic, na comunidade Passo da Pátria [em Natal].
Percebem a triangulação entre a literatura, o rádio e o próprio su-
porte de escrita? O rádio é a democratização da voz, tanto quanto
o é a educomunicação. Nós, que já passamos pelos bancos escola-
res, sabemos o quanto nossa voz é cerceada. O professor é quem
tudo sabe, é quem manda, é a última palavra. E o aluno é como se
fosse uma tábula rasa, que nada sabe, que precisa ser inoculado
com um “conhecimentozinho”, aos poucos. A educomunicação
vem recuperar a voz perdida desse sujeito. Uma prática educo-
municativa deve promover o sujeito, delegar a voz e reconhecer
o outro como alguém importante no ambiente em que está inse-
rido. É a chamada formação de ecossistema comunicativo. Não
importa se ele está falando bem no rádio, se faz uma boa vinheta,
um bom texto. O importante é que tenha vez e voz.
66
tura, digo sem pestanejar, vai fazer um bom texto. Porque vai ser
capaz de pontuar as situações que viveu na leitura, e com as quais
convive diariamente. Ficção e realidade estão muito próximas.
67
temos o e-book. Na minha concepção, é uma questão de tempo
até esse suporte imprimir um novo comportamento ao leitor.
Nunca se escreveu tanto quanto agora. Não podemos atrelar a
leitura ao que é tradicional ou aos dez mais recomendados pela
revista Veja. Quando você assiste a um filme, você lê. Quando
escuta uma música, você lê. A leitura está presente em diversas
formas.
68
paixão e não por obrigação. Quando nos tornamos leitores, pas-
samos a entender a vida de uma maneira diferente. Recolhemos
a realidade e internalizamos em nossos corações como se fosse
algo projetado dentro de nós, porque entendemos aquela reali-
dade de outra maneira. A leitura é um doce encantamento, capaz
de reestruturar nossas almas e nossos sentimentos.
69
FLÁVIO REZENDE
O escritor viciado
Fruto de processo criativo vertiginoso, a
bibliografia do autor já contabiliza 25 títulos
dos mais diversos estilos
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A produção de Flávio Rezende inclui contos, poesias, histó-
rias infantis, de ficção e esotéricas. E a variedade estende-se ao
formato dos livros: tem quadrado, redondo e até piramidal. Nas
suas obras, é possível encontrar traços autobiográficos. Em O so-
nhador (2008), Flávio narra a história de um escritor que sonha
escrever um livro de sucesso que o permita viver da literatura.
Seguindo a mesma linha, Quero que este livro vire um filme (2014),
como o próprio título sugere, apresenta um autor que deseja ver
sua produção literária adaptada para as telonas. Muito ligado à
família, a filha caçula Mel já foi musa inspiradora de duas das
suas obras, Cartas para Mel (2010) e Pérolas da Mel (2014).
Flávio também é místico e esse traço da sua personalidade está
presente nas suas obras. Ativista social, desde a juventude Flávio
desenvolve trabalhos voluntários. Fundou a Casa do Bem, enti-
dade filantrópica que ajuda crianças e adolescentes do bairro de
Mãe Luíza [em Natal]. A coletânea Letras & Imagens do Bem, que já
conta com seis volumes, tem a venda revertida para a instituição.
Esses e outros assuntos são abordados na entrevista a seguir.
72
minha filha, para minha esposa e elas ficam felizes. Mas, na hora
que escrevo, não penso em nada disso.
73
ninguém lê. E aí eu tomo isso como um desafio. Não acho que
empobrece, não. Acho que significa que escrevíamos muito, que
havia muita gordura, talvez (risos).
74
cias e a literatura fica em segundo plano. Você lê pouco?
FR: Hoje, demoro muito para ler um livro. Estou lendo agora
O drama cósmico de Javé, de Jan Val Ellam, e acho que já tem uns
três meses (risos). Quando ficamos mais velhos, temos os filhos,
o trabalho, uma série de coisas para dar conta. Quando chega a
hora de ler, geralmente é à noite. E eu durmo numa rede. Quando
começo a ler, adormeço logo. Não consigo ler mais do que cinco
ou seis páginas, hoje em dia.
75
Dormia debaixo de uma pirâmide?
FR: Quando eu morava na casa de papai, fui para um congres-
so da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência),
em Belém do Pará, no segundo período do curso. Nós fomos de
ônibus. Na viagem, li um livro sobre a energia das pirâmides e
fiquei doido! Quando cheguei a Belém, comecei a fazer pirâmides
e a vender. Coincidentemente, no domingo do congresso, o Fan-
tástico veiculou uma matéria sobre o poder das pirâmides. Aí,
pronto! Eu fiquei famoso. Quando voltei para Natal, descobri o
IDPD (Instituto de Difusão e Produção de Pirâmides), em Curi-
tiba, e mandei buscar uma pirâmide de um metro e meio, mais
ou menos. Montei no quarto e coloquei minha cama dentro da
pirâmide, que devia ser voltada para o norte magnético. Dormi
embaixo dela por anos e anos (risos).
76
rias começaram de um jeito e terminaram de outro que eu não
imaginava.
77
colégio. Na época, o mercado de trabalho em jornalismo pratica-
mente não existia. Só tinha Diário de Natal, Tribuna do Norte.
Não existia nenhuma TV local e não tinha FM. Então, eu disse:
“Papai, me perdoe, mas eu vou fazer jornalismo”. Ele respondeu:
“Hômi, você vai ser o liso da família!”. Um irmão era médico, o
outro era engenheiro. Jornalista era a decepção de casa (risos).
Mas acredito que foi a decisão certa.
78
perspectiva sintética que o mundo de hoje exige - de pessoas co-
muns, mas que são conhecidas na cidade. Por exemplo, no super-
mercado Nordestão da avenida Roberto Freire, tem um senhor
que trabalha lá faz uns duzentos anos. Ele é muito simpático,
atende os clientes muito bem. Gostaria de saber onde ele nas-
ceu, como foi sua trajetória, que batalhas teve de enfrentar. Na
praia, tem um homem que vende amendoim há bastante tempo.
Ele deve pegar ônibus todo dia, para trabalhar. Aí, penso: “Esse
camarada deve ganhar uns vinte ou trinta centavos em cada saco
de amendoim. Se vender tudo, deve lucrar cinco ou seis reais, e
gastar só com a passagem do ônibus. Como é que esse homem so-
brevive?”. Então, gostaria de fazer um livro sobre essas pessoas.
Mas é só projeto, por enquanto.
79
a proliferação dos smartphones, qualquer fato que aconteça, em
qualquer lugar do mundo, é automaticamente captado por várias
pessoas e divulgado na mídia. Quando o jornalista vai publicar
a informação – porque ele vai ter de ir para o veículo ou vai ter
de produzir – aquilo já está divulgado e, assim, muitas vezes, o
fato jornalístico não tem mais importância nenhuma, porque as
pessoas já tomaram conhecimento do ocorrido, por outras vias.
Antigamente, como não existia isso, o jornalista era a única fonte
de acesso às informações. Agora, é apenas mais uma fonte. Ele
não tem mais a primazia de ser o interlocutor entre o aconteci-
mento e a sociedade. Porém, as pessoas de bom senso sabem que
é no jornalista e no jornalismo que vão poder observar aquilo de
maneira mais completa, mais profissional. Mas aí também entra
o viés ideológico. Eu terminei o mestrado em Estudos da Mídia
da UFRN, e vi que temos de aprender a ler a mídia, porque ela
também serve a interesses, seja da direita ou da esquerda. Cabe
às pessoas aprofundarem as informações que recebem. Notícias
de caráter político, por exemplo, devem ser buscadas dos dois
lados, tanto nas mídias ligadas a uma ideologia quanto a outra.
80
Como você avalia a imprensa potiguar?
FR: Eu já tenho 55 anos. No começo, percebia muito que os gru-
pos políticos atuavam de maneira mais forte. Agora isso acontece
menos, porque há uma exigência dos leitores pela imparcialida-
de. Não é que ela exista, mas acredito que hoje a nossa mídia (os
grupos de Agripino Maia, dos Alves) já abre mais espaço para o
contraditório, por uma exigência da sociedade. Porque, se o veí-
culo for muito radical e mostrar apenas o que for de seu interes-
se, as pessoas simplesmente deixarão de consumir. Então, antes,
os jornais eram mais escancarados politicamente, e agora, para
manter o público, se veem na obrigação de ser plurais, de oferecer
espaço aos dois lados.
81
Flávio, uma última pergunta: a literatura salva?
FR: A literatura, para quem gosta, dá um upgrade muito bom
à vida. Tem gente que gosta de cerveja, outros gostam de moda.
Encontram prazer nisso. A literatura é um prazer, também. En-
tão, se salva, se não salva, eu não sei, mas acredito que é prazero-
sa e proporciona outras virtudes. Por exemplo, se você lê muito,
tende a escrever bem, e corretamente. A falta de leitura é hoje um
grande problema. Nos grupos do WhatsApp, vemos pessoas que
tiveram acesso a bons colégios escreverem tanta coisa errada. Se
a pessoa lê, tende a escrever corretamente. Porque não é possível
que, lendo uma palavra escrita várias vezes, ela ainda vá reprodu-
zir errado (risos).
82
GUSTAVO SOBRAL
O desbravador
da regionalidade
Fascinado pela literatura potiguar, este
pesquisador por vocação destaca a importância
do jornalismo em sua obra
84
mundo conhecer um pouco mais de Natal. Sobral usa seu faro
jornalístico para remexer cartas, postais, rascunhos de textos,
anotações em livros, manuscritos, papéis e mais papéis em busca
de informações novas sobre importantes escritores e intelectu-
ais potiguares. Não importa onde esses documentos estejam: ele
corre atrás, com determinação e curiosidade. Uma curiosidade
que se retroalimenta, que o leva de uma missão para outra, e faz
o artista se confundir com sua arte.
85
tolomeu Fagundes. Ele nos incentivava a ler jornal e a escrever
um comentário sobre alguma matéria. As aulas de literatura dele
eram as que me fascinavam. Aqueles livros que todo mundo acha
chatos, de vestibular, Graciliano Ramos etc., passaram a ter um
sentido maior para mim, porque Bartolomeu apresentava a obra
e o autor de forma crítica. Eu ficava esperando aquela aula. Era
magnífico. Daí, cultivei o hábito de também ler jornais, e não só
os daqui. Para mim, o jornalismo é uma grande ponte e fonte de
conhecimento. No jornal, eu lia sobre livros, exposições, filmes,
críticas literárias, resenhas. Comecei a colecionar jornal.
86
qualquer coisa, então fui fazer Direito, que se aproximava mais
daquilo que eu queria. Mas a diplomacia também tem uma rela-
ção muito forte com a cultura. Vinícius de Moraes, por exemplo,
foi poeta e diplomata.
87
meiro, a minha biblioteca. Ela vai crescendo de acordo com os
meus interesses. Tem uma parte que chamo de “cascudiana”, ou-
tra de literatura do RN, outra de história do RN. Nossas publica-
ções têm tiragens pequenas e os livros são difíceis de encontrar,
por isso fui construindo a biblioteca. Recentemente, peguei uma
parte das obras que não iria mais ler e doei à BCZM [Biblioteca
Central Zila Mamede]. Eu fui um grande leitor de lá durante a
graduação em Jornalismo, então foi uma forma de agradecer e de
saber que se eu precisar daquele livro, ele estará lá.
88
fundir, quero integrar o meu discurso ao discurso da pessoa que
está contando a história comigo, que são os arquitetos pioneiros
ou moradores das primeiras casas. Eu quis inovar com esse livro.
89
Nós conversávamos sobre como há autores importantes que não
são reeditados. Aí encontrei um livro de contos chamado O soli-
tário vento de verão, de Newton Navarro. A Natal contemporânea
precisa conhecer Newton Navarro. Mas para fazer esse livro, eu
precisava contar quem era esse homem. Então, voltei para os en-
saios. Mas como incluir o ensaio dentro de um livro de contos?
No posfácio. Li outros livros de Newton Navarro, entrevistei
pessoas, busquei notícias de jornal. Comecei esse trabalho em
2012. Nas entrevistas, encontrei pessoas que conheceram New-
ton Navarro. Cada um com quem eu conversei me fazia um perfil
do Newton pintor, Newton cronista, porque ele foi um homem
múltiplo. Pensei: “Por que não fazer um livro de depoimentos?”
Aí escolhemos as personagens e começamos a fazer o livro, eu,
Helton e nossa amiga Angela Almeida, que fez as fotografias.
Chama-se Saudade de Newton Navarro. Daí, conheci um grande po-
eta potiguar chamado Paulo de Tarso Correia de Melo, que é co-
lecionador, e ele tinha crônicas de Newton Navarro datadas dos
anos 1960. Então fizemos um livro de crônicas de Newton Navar-
ro. Também fiz o perfil biográfico do jornalista Berilo Wanderley
[Berilo Wanderley – o cronista da cidade]. E já tenho outro material.
Descobri que Berilo foi estudar na Espanha em 1960 e que man-
dava crônicas para a Tribuna do Norte, contando como era viver
por lá. Pensei que daria um livro, também. Então, continuo com
o projeto de publicar grandes escritores, que também eram gran-
des jornalistas. A revista Bzzz me convidou para escrever sobre
Zila Mamede. Descobri que Zila era um mundo.
90
sava escrever um livro sobre Petrópolis. Queria escrever sobre
Natal, mas era muita pretensão. Como estava lendo sobre vinhos
e comida, pensei em escrever sobre pontos de Petrópolis e discu-
tir temas. Então fiz um livro-crônica, uma grande crônica sobre
esse bairro. Brinco que é um falso guia. Falo de charuto, de chá,
das bebidas, a partir dos lugares que têm no bairro, das histó-
rias que vivi e que me contavam. Queria alguém que fizesse os
desenhos. Convidei um artista da cidade, mas ele não aceitou, o
que foi uma pena, porque eu queria um livro ilustrado. Inventei
um guia de bairro. E comecei a ler guias, guias de literatos que
faziam guias, que são idílicos, por assim dizer. Fiz em um mês,
mas digo que fiz durante a vida toda, porque foi o que vivi. É um
livro pequeno. Meus livros sempre são muito pequenos, como
uma conversa. Quando não acho quem faça a ilustração, faço eu
mesmo. Ao mesmo tempo, eu fazia um curso de editor gráfico e
precisava de um trabalho final. Decidi ilustrar meu livro. Então,
digo que escrevi, fiz a pesquisa, a apuração, a redação, a edição,
os desenhos, os títulos. Mas você nunca faz um trabalho sozinho.
Tenho leitores-cobaias, pessoas de diferentes idades, como meu
pai. Sempre converso sobre o livro que estou fazendo. E surgem
ideias. As conversas, o viver, são constitutivos da obra de um es-
critor. O livro [Petrópolis: Guia prático, histórico e saboroso do bairro]
foi um sucesso. Rapidamente se esgotou. Na época em que pro-
duzi o livro sobre arquitetura, algumas pessoas pensavam que eu
era arquiteto. Até convite para fazer reforma numa casa, recebi.
Daí, desse meu interesse pela arquitetura, surgiu o interesse em
escrever sobre casas, mas não sobre o aspecto físico apenas, mas
sobre o aspecto sentimental, a história.
91
outra interpretação, outra linguagem. Volto àquela história de
que jornalismo não é só texto. Teve muita pesquisa também, por-
que o jornalista é um pouco antropólogo, etnólogo. A série fez
sucesso e nós continuamos. No fim, fizemos 30 casas. A pesquisa
vai virar um livro.
92
GS: Riquíssimo. Newton Navarro foi tão bom quanto Rubem
Braga. Mas falta divulgação. As pessoas não conhecem. Não va-
lorizamos o que temos. Porque, no momento que você sabe quem
Navarro é, que ele tem uma crônica de qualidade e que está dis-
ponível, você terá interesse.
93
paulo nascimento e rafael barbosa
95
jornalistas, foi o livro mais vendido no Rio Grande do Norte por
dois anos.
Hoje, Paulo atua na assessoria de comunicação do governo do
RN e Rafael é repórter do Novo Jornal. Eles também dirigem a
Mobidique, uma escola de comunicação e arte criada em 2016.
96
ensino médio, fui um pouco desleixado. Digamos que estava na
média. Havia mais coisas a aprender, para além da escola. Viver e
experimentar são os maiores aprendizados, principalmente para
quem se propõe a ser jornalista.
PN: Olha, eu me considerava, sim, um bom aluno (risos). Bons
tempos, os de escola.
97
de humanas. Pensei em Ciências Sociais, Direito. Foi quando
achei Jornalismo meio que por acaso, e pensei: “Rapaz, acho que
aqui pode dar certo. Tem alguma coisa a ver com História, e tam-
bém tem o lance de escrever, que deve ser legal”.
98
uma eterna construção. Não paramos de evoluir. Pelo menos é o
que se espera. Meus amigos também. Eu os valorizo muito. Des-
de moleque, aprendo a todo instante com eles.
PN: Sem dúvida, minha família e os meus amigos. São gente boa
demais.
99
da UFRN, professor Edmilson Lopes, estudava sobre Valdetário
Carneiro e o classificava como uma figura do neocangaço.
100
Na obra sobre Valdetário, falou mais alto a veia investigativa
na apuração dos fatos ou o viés literário para narrá-los?
RB: A intenção era fazer tudo de uma forma muito objetiva, por
dois motivos: não queríamos endeusar o cara, até porque ele foi
um grande personagem porque fez um monte de besteira. Além
disso, queríamos um livro com linguagem simples e direta, para
atingir o maior número de leitores.
PN: Outra coisa que tínhamos em mente era o desejo de nos
aproximar dos leitores, porque o escritor não deve se colocar em
uma torre de marfim, observando o resto do mundo. Temos de
fazer as pessoas entenderem que elas fazem parte do processo.
101
trei o telefone da ex-mulher de Valdetário. Como ela morava em
Campina Grande, me desloquei para lá.
PN: Lembro que poucos dias depois encontramos a versão do
inquérito policial e reproduzimos no livro, para nos respaldar.
Foi interessante, porque o delegado concedeu entrevistas e vá-
rios depoimentos, e não eram iguais. Já a versão da ex-mulher de
Valdetário sempre era a mesma. No relato, ela confirmava que o
delegado era quem havia atentado contra a vida do ex-esposo.
Durante dois anos, “A essência da bala” foi o livro mais vendido
do Rio Grande do Norte. Vocês esperavam essa repercussão?
RB: Existia muita expectativa sobre o que vinha sendo produ-
zido, mas para ser sincero, não esperava que fosse grande a re-
percussão.
PN: Foi algo inusitado na minha carreira de jornalista. Assim
como Rafael, também não esperava tamanha repercussão. Lógico
que queríamos que o nosso trabalho fosse reconhecido, mas sa-
ber que estava no topo dos livros mais vendidos foi muito bacana.
102
que nós mesmos promovemos, para discutir sobre assuntos di-
versos. Atualmente temos o Clube da Escrita. Nós nos encon-
tramos duas vezes ao mês para colocar no papel toda a nossa
criatividade.
103
ADRIANO CRUZ
O poeta tímido
Os primeiros poemas escritos por ele, ainda
na adolescência, foram engavetados. Só anos
depois, na universidade, tomou coragem de
apresentá-los
105
sonho: “Na época eu fazia terapia junguiana, que é uma linha de
terapia do inconsciente, na qual se trabalha muito com sonhos”.
Adriano também é professor da UFRN, onde leciona telejor-
nalismo, direção e interpretação nas graduações de Jornalismo e
Radialismo. Também dá aula de cultura visual na Pós-graduação
de Artes, e história e teoria do cinema na especialização em Ci-
nema.
106
Zambra, Pepetela, Mia Couto e García Márquez. Na área de po-
esia são incontáveis, mas gosto muito de Carlos Drummond, Hil-
da Hilst, Adélia Prado, e jovens contemporâneos como Leonardo
Chioda e Mariano Marovatto.
107
imita a vida? São questões de fronteira com as quais gosto muito
de trabalhar.
108
da história. Por isso, acho que existe esse movimento do incons-
ciente também, que as pessoas chamam de intuição, talvez de
insight, que é esse mergulho em uma imagem que está dentro de
nós, mas em uma camada a que não temos acesso. E foi no sonho
que cheguei ao fim do livro. Mas mesmo com esse insight você
trabalha ainda a palavra. Por exemplo, vou escrever a história de
um homem que ama uma determinada cidade. Que verbos vou
usar para contar essa história? Eu posso contá-la de muitas for-
mas. Ou seja, a intuição e o trabalho com a linguagem não estão
desassociados; caminham juntos.
109
dele que é muito bonito, chamado Funes, o memorioso, sobre um
cara que não consegue esquecer. Essa relação da memória e da
história, de como lembrança do outro me afeta, e a minha afeta a
história, me interessa muito nesse momento da minha vida.
110
Qual a sua perspectiva para o jornal impresso?
AC: Engraçado que, no início dos anos 2000, já discutíamos o
fim do jornal impresso. Isso é uma tendência, um fato. O jornal
vai migrar para as plataformas digitais. Por outro lado, esses for-
matos, apesar de serem eletrônicos, ficarão muito próximos do
papel. Hoje há leitores digitais que têm o barulhinho do papel;
quem sabe daqui a alguns anos vão ter o cheiro, também. Inde-
pendente da plataforma. O importante é esse ofício de contar
uma história. O papel do jornalismo é ir aonde o cidadão comum
não consegue ir. É você poder ver uma matéria na qual um cara
entra num lugar como um vulcão. Ou em lugares que até são do
cotidiano, mas pelos quais não nos interessamos e o jornalista, ao
cobrir, nos oferece uma nova visão. Isso é muito mágico.
111
mídia tradicional. Então, a crise é um momento de erupção de
novas coisas. Por outro lado, há experiências, mesmo na grande
imprensa, que são extremamente interessantes e pertinentes. O
que não podemos pensar é que o jornalismo é homogêneo, que
todo jornalismo da grande mídia é de direita. Embora predomine,
nessa crise política, um discurso pela manutenção da política re-
acionária, no interior desses jornais há certos movimentos de re-
sistência. Basta ver articulistas da Folha de S. Paulo, do Estadão,
que contradizem aquilo que é dito. Quem não lembra quando a
Folha fez um editorial terrível, incitando a violência contra os
jovens nos protestos, e aí um articulista da própria Folha [Gre-
gório Duvivier] se posicionou dizendo que não deve ser assim?
Acho que esse leque de possibilidades é a riqueza do jornalismo.
112
JOSIMEY COSTA
114
eu tinha 11 anos, teve um concurso de poemas em sala de aula.
Saí vencedora e ganhei um livro de presente, As histórias da tia
Nastácia, de Monteiro Lobato. Tenho até hoje, também. Lembro
que com 15 anos ganhei de presente de aniversário o livro Tereza
Batista cansada de guerra, de Jorge Amado. São livros que ganhei
em momentos muito marcantes da vida. Então, acho que come-
cei pela leitura dos contos infantis, depois virei uma leitora de
quadrinhos, e ainda sou. Eu não sou uma leitora refinada, no sen-
tido de só ler os clássicos. Gosto muito de ficção científica, que
é um tipo de literatura mais comercial, embora existam os clás-
sicos, como Ray Bradbury, Arthur Clarke. Mas leio também os
mais bobinhos, desde que tenham uma estrutura narrativa boa.
Adoro quadrinhos. Não tenho feito mais essas leituras porque,
trabalhando como professora e pesquisadora, preciso ler coisas
mais sérias. A minha relação com a literatura é pela via da sensi-
bilidade, porque essas leituras me atravessam e minha produção
literária é também de ordem visceral. Mas é claro que existem
as produções de encomenda, também. Tenho um conto num li-
vro de literatura erótica para mulheres, uma coletânea com gente
bastante conhecida, como Olga Savary, que são do plantel das
grandes escritoras nacionais. Essa coletânea [Todos os sentidos] ga-
nhou um prêmio da União Brasileira de Escritores.
115
No que o jornalismo influenciou seu caminho para a litera-
tura?
JC: Acho que o jornalismo oferece um treinamento de como es-
crever rápido, de como escrever por encomenda. Isso, aprendi no
jornalismo. Mas acho que, neste caso, foi o contrário. A litera-
tura influenciou o meu fazer jornalístico. Até que deixei de ser
jornalista, porque o que queria era escrever textos elaborados,
e para isso precisaria estar num lugar que permitisse uma forma
mais trabalhada e temas mais diversificados. O jornalismo, nesse
sentido, reduz um pouco. Sou mais escritora jornalista do que
jornalista escritora. Disso, não tenho dúvidas. Fui uma escritora
em formação, antes de ser uma jornalista em formação.
116
Criei a relação entre eles por meio de um conto que narra uma
experiência jornalística. Depois disso, produzi uma crônica so-
bre a Copa do Mundo de 1970, que falava de tudo, menos do jogo
de futebol. Falei dos sentimentos em relação à Copa. Depois pu-
bliquei dois livros autorais, um com minha dissertação de mes-
trado e outro com minha tese. Eles são uma mescla de texto cien-
tífico com prosa literária. Eu nunca escrevo só ciência se for um
livro, mas se for um artigo periódico, é só ciência mesmo. Depois
desses dois livros, o terceiro foi de contos, com produções até
mais antigas, que havia publicado no jornal Tribuna do Norte,
mas que nunca tinham sido reunidos numa coletânea. Foi minha
última produção de prosa literária. Depois só publiquei artigo
científico e tenho publicado poemas, muitas vezes no meu site
ou no Facebook.
117
Você tem alguma temática preferencial, em seus livros?
JC: O fio condutor de todos eles é o mergulho interior, que dia-
loga com o mundo objetivo externo. Dito isso, a temática pode
ser qualquer coisa.
118
especialmente se você está numa cidade pequena, que não tem
muito apoio, e precisa investir dinheiro nas suas publicações.
119
meus. Daí escrevo um textinho e publico no Facebook e no Insta-
gram. Esta é a minha produção literária mais recente. As imagens
me mobilizam muito, talvez porque eu tenha trabalhado com
televisão, também. Elas às vezes inspiram poemas, às vezes são
vivências, experiências, outras são memórias. Todas essas coisas
fazem emergir o sentimento que me motiva a escrever.
A literatura salva?
JC: No meu caso salva, sim. Salva de me perder dentro de mim
mesma. Salva você de você mesmo. E essa é a grande salvação.
120
Posfácio
Do jornalismo
e da literatura
Gustavo Sobral é jornalista e escritor. Autor e organizador de livros e
ensaios, vive e mora em Natal/RN (Brasil), cidade na esquina do continente,
de onde observa e vê o mundo. O que escreveu e escreve, reúne em um ponto de
encontro, o site www.gustavosobral.com.br
121
prensa virou o ganha-pão. Sem mais, nem menos, disse isso dona
Rachel de Queiroz, mais ou menos assim, e em diversas entre-
vistas: considero-me muito mais jornalista que escritora. Ela era
jornalista e era escritora. E sem rodeios: jornalismo é ganha-pão.
Ela disse e afirmou. E assim se fez a grande romancista de O Quin-
ze e Memorial de Maria Moura, uma bela de uma cronista de jornal,
exclusiva da revista Cruzeiro e com direito a seção, a Última Pá-
gina, que ela intitulou.
Portanto, nos idos tempos (não tão idos assim), um Olavo Bilac,
um Machado de Assis, e até mesmo a turma modernista que quis
virar o Brasil de ponta a cabeça, nomeemos todos em Mario de
Andrade, e para não esquecer também os poetas, o queridíssi-
mo Bandeira (e Drummond também), passaram pelas redações
de jornais no mínimo como cronistas. Há também os casos dos
escritores-jornalistas editores, repórteres, copidesques, e daque-
les que foram tudo isso. O jornalismo era onde se encontravam
(os escritores) e formavam a sua patota. E sofriam, ainda porque
o jornalismo só dava mesmo para o pão, e havia a luz, o gás, a
condução...
E assim, muitos, e todos eles, só para espiar mais um pouco o
caso de dona Rachel de Queiroz, arrumaram outros ofícios. Ra-
chel, além de jornalista, foi também tradutora e escreveu peças
de teatro para melhorar a renda.
Há os que afirmam que o jornalismo fazia o escritor. Era ali no
dia-a-dia, na pressão, sobre a máquina de escrever, que ele tinha
de exercitar seus pendores, saber contar a história (a notícia),
ser objetivo, envolvente, sintético. O jornalismo sempre foi eco-
nômico. Era preciso noticiar um mundo de coisa, e o papel era
pouco e o espaço, curto. Graciliano Ramos deitou e rolou a sua
linguagem seca, aquela em que ele cortava, talhava mesmo, o ex-
cesso desnecessário dos adjetivos. E foi o jornalismo quem tam-
bém lhe deu emprego.
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O jornalismo sempre foi a casa do escritor brasileiro, sempre; e a
redação, o ponto de encontro e saída para o bar após o expedien-
te – outro hábito em extinção. O clima ameno da boemia, o papo
furado, a maior instituição de todas: a conversa no botequim da
esquina, também fez muito pelo jornalismo e pela literatura.
Escritores e jornalistas sempre foram bichos que gostaram de
estar próximos aos seus. Não se vive sem o comentário amigo e
solidário sobre a prosa, o incentivo, a troca de figurinhas. Não se
espante em saber que formam, os jornalistas e os escritores, uma
legião, uma irmandade.
E se quiser, mais, mas não precisa, se pode ir até mais longe.
Pois assim também se fizeram, entre jornalismo e literatura, os
grandes escritores universais, um Dickens, um Balzac.
Os norte-americanos criaram o prêmio Pulitzer e a revista New
Yorker; profissionalizaram a vida do jornalista escritor. Fóruns,
encontros de escritores e jornalistas, prêmios e financiamento
para projetos de jornalismo investigativo, publicação de livros,
agentes literários, um mercado livreiro com editores (é certo que
houve cá um José Olympio, mas depois dele, quem?), parques
gráficos, distribuição, livrarias, espaço nas universidades para o
escritor visitante; eles lá ergueram uma meca para que este ofício
fosse menos ardil, mais viável, e abriu novas portas: levou o jor-
nalista e o escritor ao cinema, e jornalistas e escritores viraram
roteiristas, mas esta é uma outra história...
Aqui, criaram ao modelo francês, uma academia de letras e a
glória da imortalidade e seus prêmios, o maior deles, o Machado
de Assis, para o conjunto da obra. A Câmara Brasileira do Livro
fez o Jabuti, que também premia o jornalismo, e ficamos nisso.
Nunca que foi fácil.
Vinicius de Moraes (leiam a sua biografia e cartas) publicou
o primeiro livro de poesia com a ajuda dos amigos; João Cabral
(de Melo Neto), idem; depois, João Cabral compra a sua própria
123
prensa e imprime seus livros e de alguns amigos; Rubem Braga
e Fernando Sabino fundaram a própria editora, a Sabiá. Drum-
mond e Zila Mamede fizeram o primeiro livro de poesia pela Im-
prensa Estadual. Rachel fez O Quinze, primeiro livro, do próprio
bolso, depois é que foi se abrigar em uma boa casa editorial.
Mas não havia como viver da venda de livros ou de prêmios, e o
escritor precisava trabalhar, então foi ser jornalista... Enquanto o
jornalismo era o batente, dia-a-dia, a correria, o sem tempo para
esmerar e lustrar o texto, aperfeiçoar etc, a literatura se instituiu
como o espaço da perenidade, da imortalidade, do atemporal. E o
que mais se puder dizer para registrar que veio para permanecer.
Então, o jornalismo também buscou o seu viés, e então os jor-
nalistas passaram não só a compor seus relatos de experiências,
sobretudo de guerra, a reunir seletas e coletâneas muito mais de
crônicas, mas também de reportagem, artigos e a escrever bio-
grafias e livros-reportagens, ficando mais próximos da literatura,
com a tarja da não ficção. O jornalismo, assim, cumpriu a sen-
tença drummoniana, e ficou “uma forma de literatura”. E por que
não?
O jornalista e o escritor, e o escritor e jornalista, todos eles uns
idiossincráticos. Não costumam ler o que escrevem para não to-
car a sair modificando uma coisa aqui e outra ali; quando não,
tudo. Rachel (sempre Rachel) disse: José Olympio, seu editor,
não a deixava mais, depois que entregava o texto final, que re-
lesse, pois se ela o fizesse não sobrava pedra sobre pedra, lá ela
ia modificando uma coisa aqui, outra ali, e virava uma outra his-
tória.
Por essa e outras características, se vai identificando esta figura
rara que vive da palavra escrita. Seja nas semelhanças, o não ler
mais o que escreve; não admitir influências, embora tenha seus
autores prediletos; até o fato de serem completamente insatisfei-
tos com o que escrevem, e que poderiam, acreditam, fazer melhor.
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E é isso, ao que parece, que os faz continuar. É há a aflição maior:
é quando a danada da inspiração não vem. É um sofrimento.
Também é uma gente muita inventiva no seu fazer, criadora.
Gênios do jornalismo, como um Millôr Fernandes. Espécie de
Fred Astaire (diziam que Fred sapateava, dançava, cantava e atu-
ava), Millôr foi frasista, ilustrador, comentarista, e tornou tudo
isso capaz no jornalismo. A imprensa diária ou semanal era o seu
único veículo de comunicação e publicação. Então, era um escri-
tor-jornalista e jornalista-escritor.
E deste exemplo, a busca por fazer um jornalismo que fugisse
das raias do tradicional, explorando outros suportes de comuni-
cação, naquele liame indizível que não se pode dizer que é apenas
literatura, que é apenas jornalismo, nem muito menos jornalismo
literário. Por isso, juntos, jornalismo e literatura são mais, são
uma potência (no sentido de potencialidade).
A junção entre jornalismo e literatura foi capaz de produzir um
jornalismo de qualidade e tornou possível uma literatura maior.
E para não falar em outros manifestantes e outras formas de
manifestação. Quer maior obra que a crítica literária de Sérgio
Buarque de Holanda? Pois foi tudo publicado em jornal. E os en-
saios....Ah, os ensaios!, tão desprezados hoje, assim como a crôni-
ca, por não ser isso, nem aquilo (nem totalmente jornalismo, nem
totalmente literatura), deixaram sempre à margem nomes como
Susan Sontag, ensaísta que da fotografia à metáfora da doença,
escreveu sobre quase tudo - cinema, teatro, guerra.
Dos polêmicos às unanimidades, termina que nenhum autor é
maior que a sua obra e há sempre um pé no jornalismo para ates-
tar que é impossível fazer literatura sem jornalismo e jornalismo
sem literatura. A literatura jamais pode desprezá-lo. Foi graças
ao jornalismo que Hemingway criou o seu estilo e fez escola clas-
sificada, a bem dizer, de jornalismo literário.
É a paixão pela palavra, o ganha-pão do jornalista e o alimento
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do escritor que unem essas duas figuras que podem ser indisso-
ciáveis. Há tantos casos de jornalistas escritores como não há,
mas quando há um grande encontro, uma confluência destes dois
talentos, expertises, ou vocação, não deixe de acompanhar. Você
verá uma explosão de inovação, criatividade, inteligência, seja no
jornalismo, seja na literatura, nesta comunhão. Você verá do que
são capazes, juntos, jornalismo & literatura, em toda a sua ma-
nifestação.
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AGRADECIMENTOS