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Editora Tribo | Selo Máquina
Rua Alexandre Câmara, 1884 | Natal (RN)

Contato
themisslima@gmail.com

Projeto editorial
Editora Tribo | Máquina

Capa e diagramação
John Willian Lopes

Revisão
Maria do Socorro Furtado Veloso
Emanoel Barreto

Coleção Jornalismo Potiguar


Maria do Socorro Furtado Veloso
John Willian Lopes

Autores
Adri Torquato Jussara Felix
Aline Anúzia Letícia Clemente
Allan Almeida Letícia Medeiros
Alysson Bala Lucas Cortez
Ana Beatriz Leão Luiza de Paula
Ana Clarice Marcela Palhares
Anderson Galvão Maria Vasconcelos
Antônio de Pádua Maurílio Medeiros
Eduarda Fernandes Mycleison Costa
Elias Bernardo Nathália Souza
Eliza Hikary Paula Cunha
Felipe Salustino Paulo André
Gabriel Leme Pedro Afonso
Geraldo Cordeiro Pedro Brandão
Hennan Mesquita Pedro Maciel
Isabelle Nayara Priscila Lima
Jefferson Bernardino Ranyere Fonseca
Jefferson T. Rocha Ruth Andrade
Jéssica Danielle Lima Sebastião Monteiro
José Filho Virgínia Fróes
Juliana Lima
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

V443d
Veloso, Maria do Socorro Furtado
Depoimentos para uma história da imprensa potiguar [recurso eletrônico]
/ organizadores: Maria do Socorro Furtado Veloso, John Willian Lopes. –
Natal : Editora Tribo, 2018.
199 p. : PDF ; 13 MB.

Modo de acesso: http://goo.gl/o6mwRN


ISBN: 978-85-67781-23-5

1. Jornalismo - história. 2. Imprensa potiguar. 3. Depoimentos. I. Veloso,


Maria do Socorro Furtado. II. Lopes, John Willian. III. Título.

CDD-070.43

Todos os direitos reservados ao Departamento de Comunicação Social da


Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
5
É uma coleção digital de livros escritos pelos alunos do
curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. É publicada em parceria com o selo
Máquina, da Editora Tribo.

“Depoimentos para uma história da imprensa


potiguar” é o segundo título da coletânea.

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“Somos a memória que temos e a
responsabilidade que assumimos”

José Saramago
Apresentação

Doze profissionais com mais de 30 anos de experiência


no jornalismo do RN foram entrevistados para o e-book
Depoimentos para uma história da imprensa potiguar, que
temos a grata satisfação de trazer a público. Trata-se do
segundo título da coleção Jornalismo Potiguar, que nós, do
Departamento de Comunicação Social e do Programa de
Pós-Graduação em Estudos da Mídia da UFRN, produzimos
em parceria com a Editora Tribo/Máquina. O primeiro
título da série, Jornalistas escritores do RN: entrevistas, foi
lançado em maio de 2017, com uma repercussão que nos
animou a prosseguir. E assim fizemos.

No primeiro semestre de 2018, um talentoso e


entusiasmado grupo de estudantes de Jornalismo foi a
campo conversar com profissionais que ingressaram nas
redações num tempo ainda sem computadores, internet e
redes sociais digitais, e que, portanto, puderam testemunhar
todas as grandes transformações sofridas pela imprensa do
RN desde os anos 1960. São eles - e elas: Albimar Furtado,
Ana Maria Cocentino, Carlos Peixoto, Cassiano Arruda,
Emanoel Barreto, Gerson de Castro, Graça Pinto, José
Zilmar, Maurício Pandolphi, Osair Vasconcelos, Tácito
Costa e Valdir Julião. No grupo estão dois professores
efetivos do Departamento de Comunicação da UFRN
– Graça e Zilmar – e quatro professores já aposentados:
Albimar, Ana Maria, Cassiano e Barreto.

Além dos depoimentos concedidos aos estudantes,


nossos entrevistados gentilmente cederam um riquíssimo
material fotográfico coletado em seus arquivos pessoais e
que ilustra esta edição. Combinadas aos depoimentos, as
fotografias nos dão a dimensão dos desafios, dificuldades,
emoções e realizações que essa geração de jornalistas
experimentou – e, em parte, experimenta ainda hoje.

A coleção Jornalismo Potiguar se dispõe à tarefa de


contribuir para a construção e circulação de memórias que
sirvam não só ao tempo presente, mas a um futuro onde
se fará necessária a compreensão das formas de se pensar e
produzir jornalismo no Rio Grande do Norte, especialmente
a partir da segunda metade do século 20 e primeiras
décadas do século 21. São memórias construídas em meio
às tensões do ambiente social e político, da cotidianidade
sempre alterada pelas mutações da técnica e da cultura, e
dos paradoxos que afetam o jornalismo como prática social
e forma de conhecimento do mundo.

É certo que, se ouvimos 12 jornalistas para este e-book,


ficamos a dever muitas outras histórias do mesmo modo
vibrantes e que também merecem ser contadas. E se não o
fizemos agora, foi em razão das condições limitadas, visto
que o projeto é desenvolvido no âmbito de uma só disciplina,
História e Legislação do Jornalismo, oferecida no segundo
semestre do curso. Mas trata-se de uma condição pontual,
que em nada interfere no ânimo das nossas ações. Tanto é
que já estamos planejando o terceiro volume da coleção, a
sair em 2019.

A todas e todos, nossos agradecimentos e votos de boa


leitura.

Maria do Socorro F. Veloso e John Willian Lopes


Natal, agosto de 2018
Prefácio

Entenda uma coisa: você não


se forma em jornalismo; você
assume um risco

Por Emanoel Barreto

“Uma vida é como uma cidade: para conhecê-la, é preciso


se perder nela”. Encontrei esse luminoso ensinamento
em texto do escritor e jornalista Pierre Assouline quando
biografou Henri Cartier-Bresson. Creio que ele tem razão:
só aparentemente a vida segue a mecânica pontualidade
do tempo reto – o dia após dia, as repetitivas 24 horas do
relógio; dia e noite, hoje e amanhã, agora e depois, horas
programadas para escapar do incerto e do medo do incerto.
Não adianta. A vida vai além do tic-tac.

Como exercício, a vida se espraia e se alarga no mapa


grande e pulsante, impreciso e único de cada vivente. A vida
é a cidade que somos. E este livro, na geografia a que se
propôs, nos parágrafos de seus mapas redigidos, nos traz
a cartografia biográfica de jornalistas; doze mulheres e
homens, seus perfis, histórias e lembranças. Tudo detalhado
no que fizeram e viram, ousaram e realizaram ao caminhar
em suas próprias ruas e estradas, becos e casas, projetos e
dias. Este livro nos conta sobre a cidade que, em si, cada um
construiu.

O trabalho que a professora Socorro Veloso e o


doutorando John Willian Lopes realizam ao organizar a
Coleção Jornalismo Potiguar traz a marca desse caminhar,
com o registro da historicidade de jornalistas norte-rio-
grandenses. Pelo próprio nome, a empreitada já se anuncia
como processo: trabalho a ser continuado, compromisso de
um próximo livro, registro de nomes e fatos; empreendimento.

A obra, todavia, toma distância dos trabalhos de


registro histórico quando expressos em sua condição
acadêmica, canônica e ancestral de documentação analítica
dos grandes acontecimentos. Aqui, divergindo da forma
clássica dos livros de história, os textos – e as entrevistas
que os antecederam – foram produzidos visando a uma
manifestação eminentemente jornalística, plasmada a uma
perspectiva literária.

A proposta é buscar, sim, a historicidade e a inserção de


cada um em seu tempo. Isso, mas captando e expressando as
emoções e o registro de instantes, a humanidade intrínseca
aos personagens – o momento da escolha da profissão, as
incertezas, a decisão, o jornalismo como propósito de vida.

Outro aspecto merece relevo: os repórteres envolvidos


são alunos e alunas do segundo período de Jornalismo. Ou
seja: logo ao início do curso foram desafiados à produção
da entrevista longa, a entrevista dialogal, aquela em que o
personagem fala de si como se fosse depoente. No caso,
os jornalistas entrevistados se enunciaram como pessoas,
e sua condição humana transborda em narrativas que em
alguma medida nos dizem: “Eu fui assim, eu fiz assim, e sou
jornalista assim”.

Percebemos nos textos algo que vai além da historicidade


– aqui entendida como visão coletiva de pessoas inseridas
em seu tempo, circunstanciais e circunstanciadas a uma
época que as define e padroniza; ao invés, percebemos
jornalistas, gente na singularidade de suas carreiras. Como
as construíram, como as pavimentaram, como as ergueram
frente a desafios pessoais, únicos e intransferíveis.

Os textos foram redigidos segundo o que preconiza a


compreensão mais ampla do livro-reportagem: relatam
histórias humanizando os personagens. É a vida contada
com os recursos da literatura, como no velho e bom Novo
Jornalismo, que sinaliza: em alguma medida, toda existência
humana é um romance. Basta saber contá-la.

Este trabalho não trata de biografias aprofundadas,


não é sua proposta. Antes, traça perfis que mostram como
jornalistas chegaram ao jornal e como, naquele, cumpriram
suas carreiras. Os relatos têm também outro aspecto de
interesse e importância: ao contar fragmentos de memórias os
entrevistados, nos dão depoimentos de época; pela variedade
de gerações envolvidas percebe-se o tempo de cada um, suas
vivências, como se fazia jornal num determinado momento,
dificuldades enfrentadas, perplexidades, realizações.
Valioso salientar que aqui encontramos algo essencial ao
jornalismo e que os autores e autoras dos textos souberam
captar e entender: todas as histórias têm algo de atratividade.
Não no sentido de algo extraordinário, fantástico, incrível.
Não; o que nos prende em cada entrevista é a singularidade do
personagem, as estradas percorridas, arrabaldes, descobertas.
E, mesmo tratando o tempo todo do mesmo assunto, o livro
mantém alto o nível de atenção; prende, chama, convence à
busca da página seguinte.

A obra tem as possibilidades e limitações próprias de


estudantes do segundo período, mas isso termina por
conferir às autoras e autores uma qualidade requerida a todo
jornalista: a vontade de aprender, a disposição de fazer, a
decisão do fazer, superando dificuldades e superando-se a
si mesmos.

Para não perder o gancho da abertura deste texto lembro


o jornalista Caco Barcelos em seu prefácio ao livro Olho
da rua, de Eliane Brum. Diz ele, mencionando a própria
autora: “Repórter de verdade, nas palavras de Eliane Brum,
‘atravessa a rua de si mesmo para olhar a realidade do outro
lado de sua visão de mundo’”.

As palavras trazem outro aspecto do jornalismo e dos


jornalistas: seres transeuntes, registrando o transitório para
trazer a público a cara do fato que precisa ser noticiado.
Sendo assim, é preciso ter disposição e atravessar a rua de si
mesmo. Especialmente quando o sinal está fechado, porque
jornalista foi feito para atravessar sinal fechado. Entenda
uma coisa: você não se forma em jornalismo; você assume
um risco.

No prefácio de Jornalistas escritores do RN: entrevistas,


anterior a este livro e também organizado por Socorro
Veloso, a professora nos diz com elegância de estilo e
vigorosa profundidade de sentido: “Existimos e resistimos
pelo verbo, no entanto. Da matéria dessa resistência é que
são feitos o teatro, a música, a literatura, o jornalismo, enfim,
todas as formas de arte e técnica que ancoram na palavra o
seu sentido. No caso da literatura e do jornalismo, trata-se
de parceria indissolúvel: seus caminhos historicamente se
imbricam, ainda que esses velhos companheiros, por vezes,
troquem rusgas.”

O verbo, o verbo nos une e dá coesão a tudo o que


perpetramos ao longo de nossa existência. O verbo acorre
para gravar no barro do tempo as nossas memórias, uma vez
que tentarmos sempre alguma forma de fugidia imortalidade.
E nessa empreitada o jornalismo está presente, agora no
cintilante alfarrábio do ebook.

Os 41 autores e autoras aqui reunidos inserem-se


exatamente nessa convergência de jornalismo e literatura:
há um notável empenho para que esses velhos companheiros
se encontrem nas narrativas das vidas/cidades percorridas e
perfiladas.

Vale a pena conferir essa caminhada, descobrir o que foi


feito e vivido por cada um dos entrevistados. Acima de tudo,
urge conhecer o que os jovens jornalistas fizeram neste livro.

Para encerrar, valho-me de Truman Capote em Os cães


ladram, quando diz, nesta bela passagem do new journalism:

“R. sentou-se ao lado do senhor idoso, que a certa


altura disse: ‘Você compreende o céu? Sei, imaginei
que sim, mas fui eu quem fez o céu.’”

“A isso, R. respondeu: ‘Suponho que tenha feito a lua


também.’”

“O sujeito fez que sim: ‘E as estrelas, que são minhas


netas.’”

“Uma senhora grosseira bateu palmas e anunciou que


o velho era louco. ‘Mas, minha senhora, ele retrucou,
‘se sou louco, como posso ter feito coisas tão lindas?’”

Viu o que, juntos, fazem jornalismo e literatura? Isto


posto, leia o que fizeram esses jovens.
SUMÁRIO

Albimar Furtado - Sentidos atentos para as


boas histórias
Anderson Galvão, Geraldo Cordeiro e Jefferson Bernardino.............21

Ana Maria Cocentino - Uma mulher, muitos


desafios, infinitos talentos
Jéssica Danielle Lima e Virgínia Fróes.............................................37

Carlos Peixoto - Meia mala de livros por onde


for
Luiza de Paula, José Filho, Letícia Clemente e Pedro Maciel..............50

Cassiano Arruda - O aprendiz que virou dono


de jornal
Mycleison Costa e Ranyere Fonseca...................................................66

Emanoel Barreto - Um portador de grandes


notícias
Allan Almeida, Ana Clarice, Nathália Souza e Paula Cunha...............82

Gerson de Castro - As múltiplas facetas do


menino de Tangará
Alysson Bala, Elias Bernardo, Felipe Salustino e Maurílio
Medeiros...........................................................................................97

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Graça Pinto Coelho - “O prazer é todo meu,
companheiro”
Antônio de Pádua, Hennan Mesquita, Paulo André e Pedro
Brandão.........................................................................................112

José Zilmar - Sim, há vida inteligente fora das


redações
Adri Torquato, Aline Anúzia, Jussara Felix e Pedro Afonso...........127

Maurício Pandolphi - Relatos de um jornalista


feliz
Eduarda Fernandes, Marcela Palhares e Priscila Lima...................142

Osair Vasconcelos - Jornalista e escritor, ele é


movido pela criatividade
Eliza Hikary, Isabelle Nayara, Juliana Lima e Letícia Medeiros.....159

Tácito Costa - Incansável divulgador da


cultura potiguar
Jefferson T. Rocha, Maria Vasconcelos e Sebastião Monteiro.........175

Valdir Julião - Repórter de carteirinha


Ana Beatriz Leão, Gabriel Leme, Lucas Cortez e Ruth Andrade......188

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Albimar Furtado

Sentidos atentos para as boas


histórias

Com 51 dedicados à profissão, este seridoense ensina: a


notícia não está na redação. Está na rua

Por Anderson Galvão, Geraldo Cordeiro e Jefferson


Bernardino

“Como diz Alberto Dines: quando todos olharem para


cima, olhe para baixo. O ambiente diz muito sobre a notícia”,
afirma o entusiasta da curiosidade como mola propulsora
do bom jornalismo. Com um sorriso no rosto, muita
simpatia e humildade, mas o olhar sempre sério e atento,
Albimar Furtado nos concedeu uma entrevista que pode
ser comparada a uma aula sobre a história do jornalismo
brasileiro. Seridoense nascido em Currais Novos, em 25
de fevereiro de 1945, aos seis anos ele veio morar em Natal.
Dessa época, Albimar recorda com saudades de uma Natal
provinciana, dos dias em que jogava bola com os amigos na
rua.

Depois de ser reprovado no vestibular para medicina,


diz ter caído no jornalismo “de paraquedas”, apaixonando-
se pela profissão. Para ele, que experimentou a prática

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jornalística no que tem de mais viva e dinâmica, a maior
frustração foi não conseguir fazer bons títulos.

O começo foi na Tribuna do Norte, em abril de 1967.


O salário era curto, precisava acordar cedo, mas nunca
pensou em desistir. Se diz sortudo por ter encontrado bons
profissionais no caminho: Cassiano Arruda, Djair Dantas,
Abmael Morais, Woden Madruga, Luiz Carlos Guimarães,
Vicente Serejo, Jorge Batista, Sanderson Negreiros, João
Neto, João Batista Machado, dentre outros.

Entrou no curso de Jornalismo pela Fundação José


Augusto, em 1972. Não por necessidade, afirma, mas para
se aperfeiçoar. A legislação da época permitia exercer a
profissão sem diploma.

Albimar passou depois pelo jornal Diário de Natal, onde


exerceu o cargo de diretor por 20 anos, após algumas idas
e vindas. Também foi correspondente local da revista Veja
(no início dos anos 1970) e do Jornal do Brasil (de 1977
até o início dos anos 1980). Trabalhou com assessoria de
imprensa, mas não gostava da rotina.

Durante 30 anos, lecionou no curso de Jornalismo da


UFRN. Agora, aproveita a aposentadoria. O tempo – que,
como diz Caetano Veloso, é “compositor de destinos, tambor
de todos os ritmos” - disse a Albimar que estava na hora de
parar, de ler seus livros, de dedicar-se ao neto e de ouvir seus
discos. Ele obedeceu.

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Início da vida profissional, com os repórteres Helio Cavalcanti, Anamaria Cocentino, Dailor
Varela e Nathanael Virginio, todos da Tribuna do Norte (1968). [Foto: Anderson Lino / Acervo
pessoal]

Uma grande escola

Eu tinha dois irmãos que trabalhavam na Tribuna do


Norte, mas nas áreas administrativa e financeira. Saindo da
adolescência e já querendo ganhar o meu próprio dinheiro,
falava que iria embora de Natal para tentar alguma coisa fora
do Estado. Acho que a minha família, temendo que eu fosse,
conseguiu um emprego para mim. Eu não tinha nenhuma
ideia do que era ser jornalista, mas houve a oportunidade.
Eles [os irmãos] conversaram com Cassiano Arruda, chefe
de redação da Tribuna, que disse: ‘Mandem o menino aqui
para a gente ver o que faz’. Cassiano tinha dez repórteres
com ele, na época, e eram quatro matérias para cada repórter.
Ele tinha que arranjar, em uma cidade pequena, quarenta
pontos de pauta por dia e deve ter pensado: ‘Poxa, chegou

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mais um!’. Mas teve uma ideia muito boa. Me perguntou
se eu tinha curso de datilografia, se batia bem à máquina
e respondi que não. E então ele disse: “Você vai, todos os
dias, copiar as matérias que saem no jornal para começar
a se familiarizar com a datilografia”. Isso foi bom porque,
sem perceber, eu comecei a aprender as técnicas da redação
de um jornal e, paralelo a isso, ouvia os papos da redação.
Discutíamos o texto, a foto, o lide [primeiro parágrafo de
um texto noticioso]. Tudo isso era aprendizado.

Até que um dia, um grande repórter policial, Pepe


dos Santos, adoeceu e teve que fazer uma cirurgia. Me
chamaram para que eu o substituísse. A editoria policial
era uma grande escola, mas marginalizada. Quando saí
da editoria policial, já tinha uma certa experiência porque
a polícia também impõe algumas dificuldades. Comecei a
desenvolver técnicas de entrevista para saber como abordar
e obter a informação.

Na época, eu tinha lido um livro de um repórter da


Folha de São Paulo, Fernando Pinto, que se infiltrou dentro
de uma gangue e fez uma série de reportagens. O nome do
livro era Os sete pecados da juventude sem amor (Vozes, 1968).
Fiz uma série de matérias, do ponto de vista do marginal,
sobre o porquê de ele ter começado etc. Isso me deu um certo
crédito dentro do jornal. Tanto que, quando Pepe voltou,
fui reaproveitado na editoria geral. Trabalhei na Tribuna de
1967 a 1971, quando me transferi para o Diário de Natal,
e de 1986 a 1988. Também passei pela editoria de esporte,

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que foi outra grande escola porque se você não se limitar ao
óbvio, faz grandes coisas. A política, nossa, essa é que é.

Gostei de começar em uma fase em que o jornalismo


passou a ser mais objetivo. Era automático: saía de uma
entrevista e já ia pensando no lide da matéria. Havia uma
disputa entre os repórteres para ver quem dava a manchete
no jornal, mas era uma competição sadia. A convivência na
redação era muito boa.

Carregando nas tintas

A Escola Técnica Federal (atual IFRN), estava


passando por problemas financeiros e atrasando o salário
dos funcionários. Eu já estava no Diário de Natal e fui
pautado para ir conversar com o diretor, que era um cara
de temperamento forte. Em um sábado, pela manhã, entrei
e fiquei na sala de espera. Tinha lá um jornalzinho interno.
Nele, uma carta da direção aos funcionários pedindo
desculpas pelo momento difícil. Peguei e guardei. Quando
falei ao diretor qual era o tema da matéria, ele ficou bravo
e disse que eu não ia publicá-la. Falei: “Professor, vim aqui
atrás dessa matéria. Preciso levá-la e o fato existe”. Ele
disse que não existia. Respondi: “Então eu estou vendo que
não vou levar a matéria. Vou embora, mas contarei o que
está acontecendo aqui”. Ele me ameaçou, gritando: “Vou
reclamar disso ao jornal”. O diretor do jornal era Luiz

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Com Chico Buarque de Holanda, que fez show em Natal em 28 de novembro de 1973, no
América. Cantou a musica Cálice, que logo após seria censurada. [Foto: Clovis Santos / Acervo
pessoal]

Maria Alves. Quando cheguei, ele perguntou: “Albimar, o


que aconteceu?”. Já tinha recebido uma ligação. Afirmei que
o fato existia e mostrei o jornal. Ele olhou e falou: “Carregue
nas tintas [bote tudo]” e fiz a matéria.

Outra coisa: sempre considerei o final da matéria


importante. Fiz uma sobre a enchente em Campos de
Santana, na cidade de Nísia Floresta, em 1981. No inverno,
o distrito ficou completamente alagado. Saí de barco,
passeando pelas ruas. O remador era maneta. Um fotógrafo
muito bom, Clovis Santos, me disse: “Mas Albimar...”.
Respondi: “Vamos embora. Temos que fazer a matéria”.
Estava ameaçando chover. Nessa época, a campanha da
fraternidade tinha como lema: “Para onde vamos?”. Passamos
em uma escola onde tinha um cartaz da campanha com uma
interrogação e o lema. Terminei a matéria exatamente com

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ele. Tive a certeza de que estava certo porque o copidesque
leu a matéria e me disse: “Mestre, isso está muito bom!”

Lembro também que fiz uma matéria sobre Jorginho,


ex-jogador do ABC, que na época dele foi o melhor
do estado. Ele já estava aposentado. Eu e um fotógrafo
conseguimos levá-lo para o estádio Juvenal Lamartine.
Colocamos somente ele no campo com o uniforme do ABC
e uma bola. Eu sonhei com essa matéria. Fizemos várias
fotos e saiu apenas uma 3x4. A minha frustração foi terrível.
Briguei com o editor. A justificativa dele foi que tinha muita
matéria e pouco espaço no jornal.

O jornalismo é algo fantástico porque você não cai na


rotina. O repórter sai de casa para ir à redação receber a pauta
e não sabe o que vai acontecer naquele dia. Por exemplo, no
tremor de terra em João Câmara (1986), a redação toda se
envolveu. Eu estava terminando o dia cansado e chegava a
notícia na hora em que ia embora, depois de oito horas da
noite. Então, eu ia discutir como seria a cobertura.

Nos anos de chumbo

No governo militar, fui pautado para fazer uma matéria


sobre a tradição da malhação do Judas, na semana santa.
Nesse dia, o fotógrafo não pôde ir comigo. Fiz a matéria,
voltei e depois ele foi atrás de um Judas, mas não encontrou.
Então ele próprio criou um. Pegou umas roupas, encheu,

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pendurou e fotografou. No dia seguinte, Luiz Maria Alves
foi chamado ao quartel por causa da matéria. O general
perguntou: “Alves, essa matéria...você leu isso direito?
Leia!”. Ele respondeu que não viu nada. “Alves, essa matéria
é em cima das Forças Armadas. É que não estamos tendo
a aprovação da população etc.” Alves disse que o texto não
fazia nenhuma referência aos militares. O general respondeu:
“Não precisa, Alves. Compare o texto com essa foto. Olhe o
cinturão”. Para fazer o boneco de Judas, o fotógrafo pegou as
roupas do irmão, que estava servindo nas Forças Armadas.
O general queria saber quem tinha feito a matéria. No
final, Alves afirmou: “A responsabilidade pela publicação é
minha.’’

Depois do AI -5, foi um período muito brabo. Agnelo


Alves, prefeito, tinha uma coluna na primeira página da
Tribuna em que assinava como AZ. A matéria saiu no
dia seguinte e prenderam ele, Cassiano Arruda, e levaram
Francisco Macedo para depor. A versão era que um
adversário dele foi pela madrugada com outro texto, chamou
o Baltazar (funcionário) na gráfica e disse: “Agnelo mandou
trocar”.

As coisas eram muito censuradas. Pessoas eram


chamadas por nada. No começo da noite, chegava alguém
do Exército com tirinhas escritas: “Proibido publicar
matéria com tal assunto, proibido publicar fotografia...”.
Era uma época triste. Lembro que quando chegou a fase da
redemocratização, a primeira greve que aconteceu em Natal

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Com Câmara Cascudo, em entrevista para o Diário de Natal.
[Foto: Clovis Santos / Acervo pessoal]

foi a dos professores. Quando nos chegou a notícia, foi uma


festa dentro da redação. Fomos cobrir!

Bastidores da política

Carlos Alberto de Sousa era deputado federal e ligado à


família Alves. Estava chegando o período eleitoral. Eu era
o editor de política do Diário de Natal. Um dia, ele chegou
no jornal querendo dar uma entrevista contra os Maia, que
estavam no poder. Ele desancou em cima deles, disse coisas
absurdas. No final, perguntou: “Gostou?”. Eu respondi:
“Achei ótimo!”. Fiz a matéria, foi a manchete do jornal na
manhã seguinte. Um dia depois, eu estava saindo da redação
quando ele [Carlos Alberto] ia entrando com Tarcísio Maia,

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José Agripino e Lavoisier Maia. Quando eu olhei, pensei:
“Tem alguma coisa errada”. Havia um programa político na
Rádio Poti, que era no mesmo prédio. Ele ia chegando para
dar uma entrevista para a rádio. Me chamou e perguntou:
“Albimar, ficou com raiva de mim?”. Eu respondi: “Não, você
é a matéria-prima da gente, estou achando ótimo. Vai!”. No
outro dia, assumiu a adesão e desmentiu tudo.

Outra história. José Agripino não era daqui. Era filho


de Tarcísio Maia e ligado a Lavoisier Maia. De repente, foi
nomeado prefeito (1979). Eu fui encarregado de entrevistá-
lo. Era a apresentação de Agripino aos natalenses. Fiz uma
matéria grande, onde ele disse: “Quero uma equipe jovem
e vontadosa”, uma palavra pouco usual. Depois, o convidei
para fazer algumas fotos pela cidade. O editor colocou uma
foto grande dele, de cinco colunas na página, fumando com
uma piteira e a manchete era: “Agripino quer uma equipe
jovem e vantajosa”. Ele fez o casamento da foto com a
matéria e não gostou. Nunca me disse, mas passou um bom
tempo insatisfeito comigo, achando que tinha sido eu.

Histórias humanas interessam mais

Fiz uma matéria com um grupo de ciganos em Igapó.


Entrevistei alguns e vi uma mulher bonita, jovem e muito
triste em uma tenda. Fui tentar conversar com ela e um
cigano me impediu. Depois, descobri que ela era de uma

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tribo indígena da Amazônia. Passaram por lá, a raptaram
ainda criança e ela nunca se recuperou disso. Fiquei muito
tempo impressionado com o sofrimento da jovem. Ela
perdeu a identidade. Isso mexeu comigo.

Em outra ocasião, Dinarte Mariz era senador e veio


à cidade. Hospedou-se no primeiro andar da casa onde
morava a filha. Em uma sala grande, embaixo, ficavam as
pessoas que queriam pedir algo. Ele atendia um por um.
Era sábado e a redação fechava mais cedo. Nós tínhamos
que estar com a matéria pronta ao meio-dia. Eu fiquei lá,
esperando o Dinarte atender todos para poder conversar
com ele. Liguei para a redação, me expliquei e disse que
tinha lá uma miss, um cara pedindo emprego...Sanderson
Negreiros, que era o chefe de reportagem, me disse: “Faça a
matéria da sala de espera de Dinarte”. Foi melhor do que se
eu tivesse feito com ele.

Outra. Aqui em Natal, tinha um menino apelidado de


Brinquedo do Cão. Era tratado como um bandido perigoso.
Um dia, fugiu da penitenciária João Chaves vestido de
mulher. Algum tempo depois, eu estava na redação, era o
chefe de reportagem do Diário de Natal, quando chegou o
comandante da polícia, dizendo: “Tenho um furo para você.
Brinquedo do Cão foi preso”. Não tinha nenhum repórter
na redação, então fui. Conversei muito com ele. Fizeram
dele um bandido. Perguntei como entravam drogas na João
Chaves e ele me disse: “De helicóptero”. Eu: “Helicóptero?”.
Na verdade, os presos jogavam bola e a chutavam para fora.

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Entrevista com o Edmilson Lucas da Silva, o Binquedo do Cão, para reportagem especial em O
Poti. [Foto: Acervo pessoal]

Lá, tinha alguém que colocava a maconha dentro e devolvia.

Mas o meu maior arrependimento foi não ter feito


uma matéria com um trio de cantores cegos que vi no
Ponto Certo (local onde, antigamente, ficavam as lojas de
grife, entre as ruas João Pessoa e Princesa Isabel). Como
um repórter deixa algo assim passar? Como diz o Ricardo
Kotscho: “A notícia está na rua”. Dentro da redação, não se
faz matéria boa.

O folclorista, o ditador e os músicos

Era sempre bom entrevistar Câmara Cascudo porque


era uma aula. Uma vez, vi um alfaiate se mudando e ele

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era muito amigo do Cascudo. Fui fazer uma matéria com
o professor sobre a Ribeira. Quando eu cheguei lá, disse:
“Professor, vi fulano indo embora. Como o senhor vê
isso?”. Ele me respondeu: “Meu filho, deixe eu primeiro me
emocionar”. Ele estava com a audição já um pouco ruim,
mas não perdia o bom-humor.

Quanto ao general João Figueiredo [presidente do


Brasil entre 1979 e 1985], entrevistei em uma coletiva. Foi
interessante porque revelou-se para mim do jeito que diziam
dele: era bruto e pesado. Já o Chico Buarque, entrevistei com
o MPB 4 no bar do hotel Reis Magos.

O conhecimento liberta, a rotina


aprisiona

Comecei como professor de Jornalismo na UFRN em


1978 e saí em 2008. Foi uma experiência rica em todos os
sentidos. Houve um dia em que eu não pude preparar a
aula, mas fui ao campus. Disse que não iria ter aula. Para
quem quisesse ficar, bateríamos um papo e acho que foi a
melhor aula que dei. Eu também convivia com uma geração
mais jovem e isso me fazia entender como as coisas estavam
evoluindo. Era muito bom descobrir textos bem elaborados
dentro das turmas. Quando parei, senti muita falta.

Também trabalhei com assessoria. Fui assessor de


imprensa do governador Cortez Pereira durante dez meses

34
(02/05/1974 a 15/03/1975. Achava Cortez uma figura
extraordinária, mas não gostei da experiência. Depois,
no governo Geraldo Melo, fui pressionado a ir para a
assessoria. Falei que não queria, não gostava. Mesmo assim,
fui conversar com o Geraldo. Passei um ano com ele.

35
36
37
Ana Maria Concentino

Uma mulher, muitos desafios,


infinitos talentos

Ela foi repórter, diagramadora e fotógrafa. Também levou


suas experiências à sala de aula

Por Jéssica Danielle Lima e Virgínia Fróes

Ana Maria Cocentino fez parte de uma geração de


comunicadores que travaram uma batalha pelo direito à
informação. Profissionais que conviveram com a censura de
um governo antidemocrático (1964-1985), sofreram com a
lacuna deixada pela ausência de profissionalização adequada
no RN e atuaram com um modus operandi jornalístico
completamente artesanal, quase inimaginável em tempos
atuais. Deram seu amor e suor pelo compromisso com
a verdade, característica que os transformou em grandes
profissionais.

Nesta entrevista, Ana revive os prazeres e as dores do


antigo ofício, e prazerosamente compartilha histórias que
revelam como sua dedicação e paixão pela comunicação
ajudaram a construir a história do jornalismo norte-rio-
grandense.

Nascida em Natal, Ana Maria é filha do servidor público

38
federal Almir Cocentino e da supervisora pedagógica
Zuleide de França Cocentino. Fez parte da segunda turma
de formandos pela Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza,
fundada em 1962 e que deu origem ao curso de Comunicação
Social da UFRN. Sua trajetória profissional incluiu os
principais jornais da capital, com passagem pela Tribuna do
Norte e Diário de Natal. Depois atuou como professora na
UFRN, onde também se doutorou em Educação. Sua tese
resultou no livro Virando a página (EDUFRN, 2006); na
obra, analisa o uso de jornais como ferramenta de estudos
em sala de aula.

Atualmente com 75 anos de idade, está aposentada e


mantém pouca relação com a antiga profissão: “Foi bom
enquanto durou”, diz.

A força motriz

Apesar de ser despolitizada naquela época [década de


1960], fui influenciada pelas ideias vigentes, como as lutas
pelas reformas de base, para que houvessem mudanças nos
setores políticos, econômicos e agrários. Com a popularização
das filosofias pedagógicas de Paulo Freire e os trabalhos
educacionais promovidos pelo prefeito Djalma Maranhão
em Natal, se discutia cada vez mais sobre alfabetização e
conscientização da população. Aquilo tudo me encantava,
sabe? Eu achava que, com o jornalismo, eu poderia contribuir

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Ana Maria Concentino integrou a segunda turma de Jornalismo da Faculdade Eloy de Souza:
“Logo veio a censura e a universidade se recolheu”. [Foto: Jéssica Danielle Lima]

para a disseminação dessas ideias, reivindicá-las. Era isso


que eu almejava.

Primeiros passos

Fiz parte da segunda turma da faculdade de jornalismo.


Para mim, o curso foi decepcionante. Antes do meu ingresso,
ouvia falar muito sobre as atividades da primeira turma,
que era coordenada por Luiz Lobo, jornalista mineiro que
trabalhou na redação de importantes jornais do país como
Jornal do Brasil, Correio da Manhã e O Globo. Ele havia
sido convidado para orientar as atividades da primeira
turma. Luiz dividiu a classe em editorias, transformando a
sala de aula em uma verdadeira redação de jornal. Os alunos

40
construíam as matérias e o jornal era vendido semanalmente
nas bancas da cidade. Eu esperava também encontrar essa
experiência, porém, a minha entrada no curso coincidiu com
o início do governo militar [1964]. Luiz permaneceu por
pouquíssimo tempo. Logo veio a censura e a universidade se
recolheu. Ninguém podia dizer muita coisa.

Não tínhamos nenhuma prática, somente teoria. Não


havia professores do meio que pudessem nos ensinar a
prática do jornal. Não tínhamos aulas de diagramação e
nem laboratórios fotográficos. Não tínhamos nada, mas
eu persisti. O meu primeiro contato com o jornalismo foi
no Diário de Natal - apesar de não ter sido o primeiro
jornal onde trabalhei. Eu e umas colegas fomos fazer um
suplemento feminino [caderno do jornal onde se tratavam
de temas como moda, culinária, dicas de beleza]. Achavam
que, naquela época, mulher só podia fazer suplemento
feminino. Fomos, mas não ficamos muito tempo porque não
nos animamos com aquilo. Quando terminei o curso, fui
fazer um estágio no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. Sem
nenhuma experiência, completamente “analfabeta”, uma
coisa de louco! Passei uma semana lá e quando retornei, fui
convidada para trabalhar na Tribuna do Norte.

Na diagramação

Quando entrei na profissão, o jornalismo já era do

41
tipo noticioso, com grande valorização da reportagem.
Na Tribuna, trabalhei com Woden Madruga, Cassiano
Arruda Câmara, Albimar Furtado, Ariadne França, João
Gualberto Aguiar. Cassiano era editor, pauteiro, e nos
incentivava muito. Tinha o dom de transformar um tema
simples em uma grande matéria. Comecei como repórter,
mas posteriormente também acabei atuando como
diagramadora. Cobria inicialmente as pastas relacionadas
a educação, tribunal de justiça, fórum criminal e também
recebia uma pauta para os finais de semana.

Durante a faculdade, não tive aulas de diagramação e


queria muito aprender. Sebastião Carvalho era o diagramador
da Tribuna. Sempre que eu acabava as minhas matérias, ia
observá-lo para tentar aprender. Certa vez, Sebastião faltou
o trabalho e Cassiano me chamou para diagramar. Se eu
não fosse, o jornal não sairia. Baltazar (chefe da oficina)
me ajudou e deu tudo certo. Na semana seguinte aconteceu
novamente, até Sebastião sair em definitivo. Naquela
situação, como não havia ninguém que soubesse diagramar,
tive de ficar na função. Queria aprender a diagramar, mas a
circunstância como isso ocorreu foi terrível. Jamais pensei
em tomar o lugar dele.

Dificuldades

Naquela época existia o copidesque, que era o

42
profissional responsável por selecionar as matérias que
seriam ou não publicadas, e o nosso era Luiz Carlos
Guimarães. A editoria mais marcante era a de esportes, mas
os repórteres trabalhavam com todo tipo de matéria. Não
existia computador, o que tínhamos era uma máquina de
datilografia. Na Tribuna do Norte existia apenas um telefone
fixo, que funcionava com certa dificuldade. Também não
havia carros disponíveis para uso; íamos para todo lugar de
ônibus. Cassiano nos falava sempre: “Repórter que se preze
não faz entrevista por telefone”. Dávamos conta de três,
quatro matérias por dia. Era difícil. A diagramação era feita
em uma folha milimetrada. Era complicado, exigia muitos
cálculos, uma tarefa totalmente manual. Tive muita ajuda do
chefe da oficina para fazer tudo. A máquina de compor os
textos era a linotipo, enquanto a monotipo confeccionava os
títulos. Você colocava as letras de uma em uma. Usávamos
clichês de madeira com metal para imprimir as fotografias.
Não havia catalogação e as dificuldades eram de toda ordem.

Os anos de chumbo

Minha graduação e o meu tempo de jornal aconteceram


no tempo da ditadura militar. Você não podia dizer
muita coisa, tinha medo de falar. Vi colegas serem presos
e intelectuais irem embora. Tudo isso contribuiu para
a degradação do ensino. Anos mais tarde, quando eu
trabalhava no Diário de Natal, às vezes presenciava a visita

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Tese de doutorado resultou no livro “Virando a página”, que trata do jornal como ferramenta
em sala de aula. [Foto: Jéssica Danielle Lima]

da Polícia Federal no jornal. Mostravam um documento


com a relação das matérias que não deveriam ser publicadas.
Hoje temos mais facilidade para substituir as matérias, mas
naquele tempo era um transtorno, atrasava todo o jornal.

A verdadeira vocação

Mais tarde fui convidada para trabalhar como repórter


fotográfica pelos Diários Associados. Viajei para o Rio de
Janeiro, onde faria um estágio no setor fotográfico. Convivi
com o machismo dos dois fotógrafos que trabalhavam lá.
Na época, usávamos filmes que iam para revelação nos
laboratórios. Boicotavam o meu trabalho, deixando as fotos
passarem do tempo. Depois do término do estágio, voltei a

44
Natal. Cheguei a escrever as minhas matérias e produzir as
fotos para elas, o que é péssimo. É muito complicado fazer
uma entrevista e fotografar ao mesmo tempo. Vivi essa
experiência, mas não gostei.

A minha atuação, no jornalismo, sempre foi no setor


educacional. Já cobri diversos setores, mas o meu foco, minhas
pautas principais, sempre foram relacionadas à educação.
No Diário de Natal, onde trabalhei algum tempo depois,
eu tinha uma página semanal sobre o assunto. Visitava as
escolas e tinha contato com os secretários de Educação.

Na docência, para aprender mais

Na fase que passei fora do jornal, fiz concurso e fui


para a Universidade. Ingressei na docência, no curso de
Comunicação. Fui para a UFRN porque vi que precisava
estudar. Tinha aprendido muito na prática, mas gostaria
de aprender mais. Acreditava que, sendo professora, teria
essa oportunidade. Depois fui convidada para assumir a
Superintendência de Comunicação. Foi uma grande luta, o
maior desafio de toda a minha vida. Sempre trabalhei no
jornal impresso; de repente, me vi na televisão, onde encontrei
uma carência imensa de equipamentos e funcionários.
Foi muito trabalhoso, mas não me arrependo. Participei
da Ciespal [Centro Internacional de Estudios Superiores
de Comunicación para América Latina], de congressos,

45
Reportagens produzidas por Ana Maria, ao longo da carreira; questões da educação receberam
atenção especial. [Foto: Reprodução]

fui do conselho editorial da Intercom. Esse contato foi


muito enriquecedor. É fundamental ter professores bem
qualificados, mas como não tive, fui obrigada a me esforçar
muito. Sou muito grata ao jornalismo, pois me abriu as
portas. Eu enfrentava tudo, gostava muito do meu trabalho.
Era muito cansativo, mas gostava. Faria de novo.

DN Educação e projeto Ler

Mais adiante, fui editora do DN Educação [suplemento


do Diário de Natal dedicado a pautas educacionais] e depois
fui coordenadora do projeto Ler. Esse projeto visava a
incentivar os estudantes de ensino fundamental e médio por
meio da leitura do jornal. Íamos para as escolas para orientar

46
os professores - que por sua vez, ensinavam aos alunos.
Explicávamos o que era um jornal, o que era uma editoria. A
nossa finalidade com o ensino da leitura de jornal, na sala de
aula, era de que o estudante desenvolvesse percepção crítica.
Foi um sucesso total. As pessoas ficavam loucas quando
o pacote de jornal chegava. Os meios de comunicação, de
modo geral, tinham glamour. Eu me entusiasmei tanto que
fiz a minha tese de doutorado com base no uso do jornal
dentro da sala de aula.

Saudade dos tempos de jornal

Nunca esqueci da minha primeira matéria: foi sobre


peruca. Fiquei chateada, pê da vida. Perguntei a Cassiano
Arruda: “Por que você coloca isso pra mim? Isso é machismo!
Por que não coloca para os homens?” Mas eu fiz! Foi a
minha primeira matéria escrita. Nosso trabalho era sempre
muito valorizado, nossas matérias sempre tinham crédito.
Me lembro demais dessa primeira matéria (risos). Tenho
outra de que lembro muito: Fomos para Baía Formosa fazer
uma matéria sobre uma pedra, chamada “Pedra solteira”.
Andamos vários quilômetros. Na volta encontrei um grupo
de retirantes na estrada. Pai, mãe e vários filhos, todos
retirantes. Fiz uma reportagem com eles que teve ampla
divulgação. Era uma família fugindo da seca porque os pais
não tinham o que dar aos filhos. Foi doloroso.

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Tenho um sentimento de saudade dos tempos passados:
gostaria de reencontrar as pessoas com quem estudei e
trabalhei. A Tribuna era muito divertida. Cassiano nos
alegrava e apesar de trabalharmos muito, tudo era muito
legal. Também tive o prazer de conviver com Newton
Navarro. Ele escrevia crônicas para o jornal. Lembro-me
de uma vez em que ele chegou bêbado e me pediu para
datilografar uma crônica sua. Foi me dizendo tudo certinho,
com ponto e vírgula. Era muito interessante.

Conselho aos futuros jornalistas

Para ser um bom jornalista, em primeiro lugar, é


importante ter muita responsabilidade com a verdade. Isso
eu tive durante toda a minha carreira. Se batesse uma dúvida
na hora de produzir uma matéria, não arriscava: voltava a
procurar a fonte, até superar a dúvida.

Enfrentem todos os desafios para aprender. Aproveitem


todas as oportunidades que surgirem. Participem de
congressos, tenham contato com outros grupos, se
relacionem com pessoas de outras faculdades, apresentem
trabalhos. É isso.

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Carlos Peixoto

Meia mala de livros por onde


for

Para este ávido leitor, a juventude precisa de idealismo:


“Deixe o pragmatismo para a velhice, quando precisar
comprar remédio”

Por Luiza de Paula, José Filho, Letícia Clemente e Pedro


Maciel

Nascido em 1962, Carlos Peixoto demonstrou, desde


a infância, predisposição para transitar pelo jornalismo.
Apresentado ao universo dos livros pelos pais, desenvolveu
paixão pela literatura ainda criança, e carrega essa paixão até
hoje, onde quer que esteja.

Na década de 1970, estudou Contabilidade na Escola


Técnica do Comércio. Mas por conta da vocação pulsante, já
frequentava a redação da Tribuna do Norte e optou por não
exercer a carreira de contador. Em 1982 prestou vestibular
para Jornalismo, na UFRN. Ao ingressar na Universidade,
aproximou-se do movimento estudantil e no primeiro
semestre da graduação ingressou na reportagem da Rádio
Trairi.

Foi repórter durante a “lenta e gradual” abertura política

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para o restabelecimento da democracia no país, mas ainda
testemunhou certa cautela no exercício da liberdade de
expressão e da atividade jornalística. Trabalhou depois na
então Rádio Cabugi e dedicou-se, em seguida, ao jornal
Tribuna do Norte, no qual exerce hoje o cargo de diretor de
Jornalismo.

Repórter perspicaz, com o olhar sempre cuidadoso para


as causas sociais, foi responsável por denunciar, por meio de
uma longa reportagem, o alto índice de tráfico de bebês em
Natal. Essa matéria foi importante para que o Tribunal de
Justiça do Estado mudasse as regras de adoção.

A inspiração de Tintim

Eu sempre quis ser jornalista. Quando era criança, a


prefeitura tinha um ônibus-biblioteca e lá eu pegava álbuns
de histórias em quadrinhos junto com minha irmã. Um dos
meus personagens favoritos era o Tintim, que era repórter.
Depois disso, coloquei na cabeça que queria ter aquela vida
de aventuras da série em quadrinhos. Sempre gostei muito
de ler, aprendi cedo. Meu pai, mesmo semianalfabeto, deu-
me acesso a materiais impressos.

Fiz o ensino técnico em Contabilidade, pela Escola


Técnica do Comércio, no fim dos anos 70. Nunca exerci
a profissão, porque aquilo não estava nos meus planos.
Queria ser comunicador. Naquela época, frequentava a

52
Carlos Peixoto na redação da TN, em 1996. Para ele, “jornalismo é precisão e estilo”.
[Foto: Acervo pessoal]

redação da Tribuna e lá conheci o fotógrafo João Maria. Nós


participávamos do movimento de jovens da Igreja e naquele
ambiente já tinha uma alta carga de atividades literárias.

Lá fiz muitos amigos, antes mesmo de entrar no curso


de Comunicação Social. Em 1982, fiz o vestibular e conheci
pessoas do movimento estudantil – dentre elas, Ciro Pedrosa.
Ele me convidou, ainda no primeiro ano do curso, para ser
repórter da Rádio Trairi. Foi o meu primeiro trabalho na
área.

Jornais na ditadura

Comecei no jornalismo em 1980. Em 1982 o país

53
estava caminhando para aquilo que o ex-presidente
Ernesto Geisel chamava de “uma abertura lenta e gradual,
progressivamente gradual”. As pessoas ainda eram presas.
Lembro-me que uma das primeiras coberturas que fiz foi
de uma manifestação dos servidores públicos, em frente
à Assembleia Legislativa, e a polícia baixou o cacete lá.
Lançou bomba de gás lacrimogêneo, bateu no pessoal, em
alguns colegas. Os movimentos sociais, sindicatos, imprensa
e partidos de esquerda lutavam por liberdade.

Nas universidades foi onde primeiro se instalou o clima


de resistência. Os centros acadêmicos e DCE foram se
organizando. A geração que entrou de 1982 a 1988 foi a
mais politizada. O envolvimento político era muito forte na
área das ciências humanas e um pouco menor na área da
saúde. Nas exatas tinha muito pouco, mas tinha. O jovem
precisa ser idealista. Deixe o pragmatismo para a velhice,
quando precisar comprar remédio.

Havia, também, um forte envolvimento político nas


redações dos jornais. O meu ambiente de trabalho, na
Tribuna, ofereceu muita abertura para o debate. Só não
se escrevia e publicava nada acerca dessas deliberações
internas. Quando o PT foi criado, a gente usava broche do
Partido dentro da redação e os Alves, donos do jornal, nunca
fizeram nenhuma reclamação. Não senti, como jornalista,
perseguição.

Os profissionais mais antigos contam que o Exército


invadiu a redação, levou arquivos, documentos e nunca

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devolveu. Tanto é que nós não temos exemplares dos
seis primeiros meses em que o jornal circulou, porque os
militares nunca restituíram essas edições.

Questão de estilo

O jornalismo não é só precisão, é também estilo.


Precisamos de estilo para cativar o leitor. O texto tem de ter
a personalidade de quem escreve, um certo magnetismo. Eu
gosto da crônica porque é um bom exercício para desenvolver
um estilo no texto jornalístico, além de dar espaço para exercer
um texto mais humanizado e contar histórias. É um gênero
no qual o jornalista ou literato se aproxima das pessoas,
do seu público-leitor. Você pode transmitir, de forma mais
cristalina, conhecimentos intelectuais, sem necessariamente
cair no linguajar do preciosismo, do intelectualismo. Sempre
fui grande leitor de cronistas como Carlos Drummond e
Rubem Braga – o maior que a imprensa brasileira já teve.

Teve uma época que eu tinha uma crônica aqui na


Tribuna, aos domingos, em uma página que até hoje existe.
Chama-se “Quadrantes”. Escrevi muitas crônicas. Devo
ter talvez uma centena ou duas centenas delas espalhadas.
Sempre procurei dar um certo tom meio humanístico e
filosófico às minhas crônicas, porque me interesso muito
por história e filosofia.

Depois ficou um pouco difícil, porque a responsabilidade

55
O jornalista (de pé) em conversa com o chefe de reportagem Dionísio Outeda, o editor de artes
Carlos Bezerra e a editora Yara Okubo. [Foto: Acervo pessoal]

de escrever uma vez por semana é maior do que escrever


todo dia. Você não pode entregar ao leitor um texto mal
feito, relaxado. Tem de ser muito bom e, como assumi cargos
de chefia, ficou difícil.

O jornalismo muda a vida

Tem uma série de reportagens que fiz a quatro mãos para


Tribuna, quando ainda repórter de polícia, em conjunto com
o Alexandre Mulatinho, sobre tráfico de bebês. Considero-a
especial, daí a lembrança, porque não se tratou somente
de uma denúncia. Com aquela publicação, um pouco mais
tarde, o Tribunal de Justiça mudaria as regras de adoção de
crianças. Foi algo que gostei de fazer, me deu orgulho.

56
O esquema envolvia advogados, intermediários e,
inclusive, juízes, todos posteriormente afastados. Foi um
processo investigativo demorado, até que reuníssemos todo
o material necessário. Foram dois meses de apuração, fato
que no formato jornalístico atual talvez não seja possível.
Essa é uma das reportagens que guardo como especial. Não
que eu ache que foi a melhor que já fiz, nem que foi a mais
bem escrita, mas é uma das quais guardo boas lembranças.
É a que eu destacaria como sendo a da minha vida, pelas
mudanças que trouxe.

A convivência do Aluízio Alves

Doutor Aluízio Alves, antes de político, era um jornalista.


Sempre tive uma relação muito fraternal e de respeito com
o doutor Aluízio. No Rio Grande do Norte, ele acabou
ficando mais conhecido pela carreira política, mas, na
verdade, foi um grande jornalista. Me ensinou bastante. O
nosso convívio começou quando eu ainda repórter do jornal.
Ele vinha à redação, cumprimentava a todos, opinava, mas
nunca se sobrepunha à nossa autonomia.

Me ensinou coisas que guardo até hoje. Certo dia,


quando eu ainda escrevia crônicas, chegou para mim e disse:
“Filho, você escreve de uma forma muito intelectual. Tem
de adequar sua escrita de forma a que seja entendida por
uma criança de oito quanto por um leitor de oitenta”. Isso

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Peixoto reunido com parte da equipe em 1996, para discutir a reforma gráfica e editorial da TN.
[Foto: Acervo pessoal]

ainda me serve.

Em outra oportunidade, eu o questionei sobre a


imparcialidade do jornal. Essa era uma questão que muitos
conhecidos me faziam a época. Ele olhou para mim e disse:
“Meu filho, eu sou jornalista desde os sete anos de idade”. Isso
porque ele começou a escrever em um folhetim, intitulado
“O garrancho”, ainda criança, em folha de papel almaço. “A
imparcialidade é o grande mito do jornalismo. Não existe”,
ele me disse. De fato, quando aprovo a pauta da edição do
dia seguinte da Tribuna, eu aprovo que determinadas coisas
sejam publicadas e que outras não. Dessa forma, já estou
sendo parcial em relação àqueles assuntos que serão cobertos.

Até recentemente, por exemplo, era inconcebível que


você lesse, na Tribuna, a notícia da prisão de um Alves. Mas

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há cerca de dez meses, quando o presidente do jornal, o
ex-deputado Henrique Eduardo Alves, foi preso, a notícia
ocupou espaço na primeira página. Não foi manchete.
Tinha uma manchete e tinha a notícia. Eu não podia dar
a manchete com fotos da prisão do presidente do jornal,
por exemplo, mas esse era um fato jornalístico incontestável.
Tinha de estar ali.

“A obrigação do jornalista com o leitor, meu filho, é ser


honesto. O máximo possível de honestidade na cobertura
dos fatos”, me dizia o doutor Aluízio. E é assim aqui, se
vamos cobrir um fato que interessa ao grupo político
detentor da propriedade do jornal, ouviremos o grupo,
destacaremos a posição do grupo, e ouviremos o outro lado,
mas colocaremos como retranca [texto secundário].

A profissão na era digital

Eu não tenho uma visão pessimista da profissão. Hoje,


mais do que nunca, precisamos de jornalistas porque a
diversidade de informações disponível é muito maior do que
a de vinte ou trinta anos atrás. A importância continua a
mesma. O que mudou foi a forma como as pessoas buscam
as notícias. Antes, era uma via de mão única. Hoje, é de mão
dupla ou até uma autoestrada. Você escreve uma notícia e
alguém vai lá e no lugar do comentário coloca um “emoji”
que pode ter mais impacto do que se fosse escrever uma

59
tese para contestar a informação. Eu acho que este é o
grande desafio de hoje. Os jornalistas, enquanto grandes
profissionais de imprensa, estão mais expostos ao seu público
do que estavam antes.

O problema é como isso está sendo usado e por quem.


Hoje, todo mundo acha que pode fazer análise de tudo. Eu
aplico essa situação atual das redes sociais a um pensamento
de Berkeley, um filósofo, que dizia que todo mundo tem uma
opinião, mas poucos são os que pensam. Então, tem muita
gente dando opinião nas redes sociais, mas poucos são os que
pensam sobre aquilo que estão escrevendo. Nesse circular
de informações em que as pessoas são bombardeadas hoje,
através de diversos meios, precisamos de bons jornalistas
produzindo notícias de forma ética, correta, equilibrada e
profissional, para que as pessoas não fiquem à mercê das
fake news.

A informação e o jornalismo continuam os mesmos.


Escrevendo para o impresso ou escrevendo para a plataforma
digital, você precisa continuar atendendo às cinco questões
do lide de forma objetiva, clara e direta. A era digital foi
muito interessante porque democratizou não só a produção,
como também o consumo da informação.

Com esse celular que vocês estão gravando, acessam o


que quiser. Do jornal da China ao New York Times, ou a
Tribuna do Norte. A gente pode terminar a entrevista e ir
visitar os estádios que estão sendo construídos na Rússia
para a Copa do Mundo. Podemos fazer uma visita ao Museu

60
do Louvre, ou podemos entrar na Biblioteca do Congresso
dos Estados Unidos. Sem sair daqui de onde nós estamos.
Isso é a grande conquista dessa era. É a democratização
não só do acesso à informação, como também da produção.
Assim, você pode fazer todo esse roteiro que a gente falou,
sair e escrever uma crônica ou um ensaio ou comentários de
qualquer um deles e jogar na sua rede social para dividir com
várias pessoas. E você, sendo jornalista, pode dar um cunho
profissional aos seus comentários, fazer disso uma matéria,
uma reportagem, uma crônica, e compartilhar com o seu
público. Isso é maravilhoso. Essa foi a grande mudança.

Notícias sem rosto

Há uma coisa no jornalismo atual que me incomoda


bastante: as notícias parecem não ter rosto. Com isso eu
quero dizer o seguinte: os textos de hoje se prendem muito
ao fato e não lançam luz sobre os personagens dos fatos.
O fato não existe por si só. Existe como resultado de uma
ação humana. Eu acho que, hoje, os textos são áridos demais
porque não dão essa dimensão humana. Por exemplo, este
ano já ocorreram 32 latrocínios no Rio Grande do Norte
[até maio de 2018] e isso representa 120% a mais do que ano
passado. Mas isso é um dado estatístico. É só um número.
Aterrorizante, preocupante. Mas por que é só um número?
Tem toda essa dimensão humana da notícia, das histórias,
que o jornalismo hoje não mostra. Não é só por culpa dos

61
Peixoto: “Hoje, mais do que nunca, precisamos de jornalistas porque a diversidade de
informações disponível é muito maior do que a de vinte ou trinta anos atrás”.
[Foto: Acervo da Tribuna do Norte]

jornalistas, e sim culpa do sistema de produção que existe


hoje dentro das redações.

Linha de montagem

Quando eu comecei como repórter, tinha uma semana


para fazer uma reportagem que iria sair no domingo. Fazia
coisas menores da cobertura do dia a dia, mas o editor me
deixava 15 dias com uma pauta, ouvindo mil e uma pessoas,
lendo, procurando referências. Hoje você pega uma pauta
de manhã e tem de entregar o assunto ao meio-dia. Tem
uma equipe pequena de repórteres atuando nas redações
e a produção tem de funcionar praticamente como linha
de montagem. Você recebe a pauta, escuta poucas fontes,

62
escreve o texto, o cara edita naquele espaço que tem e pronto.
Se houver alguma ponta solta, a gente tenta recuperar e dar
continuidade no dia seguinte. Por conta do próprio ritmo.

Isso pode até funcionar muito bem na internet, porque


as coisas vão mudando e você vai tendo possibilidade de
atualizar. No jornalismo impresso não deveria ser assim.
Deveria estar voltado para um trabalho mais bem elaborado,
não só de geração de informação mas de conhecimento,
mesmo. Cada informação publicada deveria ser
contextualizada, para gerar não apenas a notícia, mas uma
carga de conhecimento. Se não for desse jeito, o impresso
vai desaparecer porque não está seguindo essa linha.

Então, hoje vejo com grande preocupação não o futuro da


profissão, mas o futuro do jornalismo impresso. Os veículos
não estão sabendo lidar, nem se adaptar, nem enxergar o
espaço que ainda existe e que pode ser mantido.

Natal e a cultura do efêmero

Eu costumo dizer que a cultura de Natal é do modismo.


Aqui tudo é muito efêmero, fluido. Eu cheguei a essa
conclusão porque tinha, aqui na Tribuna, um jornalista
muito antigo que era chefe do arquivo quando cheguei
aqui, chamado Mussolini Fernandes. Uma pessoa muito
carinhosa comigo desde que eu frequentava o jornal, na
época de estudante. Era uma pessoa que também gostava

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de ler, me emprestava livros e me falava de filatelia. Quando
meu filho nasceu e começou a frequentar o meu local de
trabalho, Mussolini começou a despertá-lo para o gosto pela
filatelia também. A gente tinha uma brincadeira. Eu entrava
no arquivo da Tribuna e ele perguntava: “Quantos habitantes
tem em Natal?”. Eu respondia: “260 mil habitantes” e ele
dizia: “Mas eu garanto a você que não tem dez mil almas”
(risos). Natal é isso.

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Cassiano Arruda

O aprendiz que virou dono de


jornal

Mestre de duas gerações de profissionais, ele abre o baú de


histórias de uma vida dedicada às redações

Por Mycleison Costa e Ranyere Fonseca

Foca. Não a flexão do verbo “focar”, mas o substantivo que


nomeia o animal marinho. No meio jornalístico, trata-se de
um iniciante na profissão. Um marujo de primeira viagem.
Era, exatamente, essa a nossa condição ao entrevistarmos
um dos maiores nomes do jornalismo potiguar: Cassiano
Arruda Câmara (74). Natural de João Pessoa (PB) e criado
em Nova Cruz, região agreste do Rio Grande do Norte,
Cassiano nasceu em um lar de políticos. Seus pais, Lauro
Arruda Câmara (1912–1996) e Joanita Arruda (1912-
1993), foram prefeitos da cidade. O avô e um irmão de
Cassiano também ocuparam o cargo. Quando criança,
nas campanhas políticas dos pais, era utilizado como uma
espécie de mascote, discursando para grandes auditórios.
“Eu fazia sucesso”, conta.

Aos sete anos de idade, veio morar em Natal para estudar


no Colégio Marista, como interno. Cassiano diz: “Hoje,

67
quando algum menino fala em sair de casa, é um desespero”.
Os pais insistiam para que se tornasse médico e político.
Então, após o término do ensino médio, o mandaram à
Bahia para prestar vestibular para medicina.

Cassiano, desperdiçando o investimento do pai, não fez


a prova e retornou a Natal. Fez o vestibular e foi aprovado
em 1963 para a Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza, que
funcionava na Fundação José Augusto. Integrou a primeira
turma da história do curso.

“Todas as portas estavam abertas. Não precisava ter


talento”, afirma Cassiano sobre ter conseguido, ainda no
primeiro ano do curso, entrar numa redação jornalística. Ele
foi para a Tribuna do Norte, a convite do jornalista Walter
Gomes. No mesmo ano, um pouco antes de sua entrada
na Tribuna, trabalhou na agência publicitária Vésper
Propaganda, pertencente a Fernando Luís Cascudo (1931-
2013), filho de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), com
quem estabeleceu amizade.

Destacando-se na redação, onde passou a ser conhecido


pela capacidade de dar bons títulos às matérias, aos 21
anos de idade, em 1965, Cassiano passou a editor-chefe da
Tribuna do Norte. Mais tarde, quatro anos depois, foi preso
pela ditadura militar, sob o Ato Institucional número 5.

Em 1970, Cassiano mudou de jornal, deixando a


Tribuna do Norte e indo para aquele que era, até então, o
maior jornal do estado: Diário de Natal. Lá foi repórter e

68
Cassiano Arruda na infância: os pais queriam que ele estudasse medicina.
[Foto: Acervo pessoal]

fotógrafo, destacando-se, mais uma vez, pelos bons textos,


dois anos após sua admissão, foi incumbido de assumir a
famosa coluna Quadrantes, escrita por Sanderson Negreiros
(1939-2017). Não se achando à altura de Negreiros, Cassiano
criou a coluna Roda Viva, que escreveu por 32 anos.

Na tarde de 22 de abril de 2009, Cassiano foi demitido


do Diário de Natal, após 39 anos no jornal. Entretanto,
em novembro do mesmo ano, abriu o Novo Jornal, onde
praticou o jornalismo de seus sonhos.

Paralelamente ao jornalismo, ele se dedicou à publicidade,


abrindo negócios na área. Também foi professor do curso de
Comunicação Social da UFRN por 31 anos, ensinando aos
futuros jornalistas as práticas de propaganda.

Ao entrar no escritório deste jornalista sisudo, de fala

69
rouca e firme, nos deparamos com um televisor ligado na
TV Câmara, pilhas e pilhas de jornal sobre a mesa, duas
máquinas de escrever, uma prateleira onde estão livros,
premiações e fotos – algumas icônicas, em que aparece ao
lado de Fidel Castro e do Papa João Paulo II, por exemplo.
Objetos que falam e contam histórias. Histórias de uma vida
inteira dedicada ao jornalismo. E tal cenário, com tal figura
à nossa frente, parecia nos intimidar. Até que Cassiano
nos disse: “Agradeço por vocês terem interesse nas minhas
histórias e por terem se lembrado de mim”.

O início nas redações

Eu ainda era estudante de comunicação Social quando


Aluízio Alves (1921-2006), dono da Tribuna do Norte,
contratou o jornalista Walter Gomes, que na época, 1963,
estava no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, para dirigir a
redação. Walter, em um dia como qualquer outro, apareceu
lá na faculdade para arrebanhar novos repórteres para o
jornal. A maioria que fazia o curso tinha outros objetivos
de vida, mas havia aquele pessoal que queria mesmo ir para
a batalha. Eu era um desses. A minha entrada no mercado
jornalístico foi fascinante, pois todas as portas estavam
abertas. Não precisava nem ter talento. Era só levar um
jeitinho e pronto. Entrei na Tribuna em 1963 e dois anos
depois já era editor-chefe do jornal.

70
O jornalismo em Natal

Na época havia sete jornais em Natal que, juntos, não


davam um. A tecnologia usada era, praticamente, a mesma
de Gutemberg. A máquina mais moderna era a linotipo.
Tinha um teclado, como as máquinas de escrever tem, e,
ao lado da máquina, tinha uma caldeira com chumbo
derretido. Eu, por exemplo, ao escrever uma matéria, ia
fazendo a linha e as outras colunas do jornal. Então, juntava
todo o material e literalmente imprensava aquela base de
chumbo em cima do papel. Era a imprensa de Gutemberg,
mudando uma coisinha ou outra. E neste meio século as
coisas aconteceram. A linotipo funcionou até o começo
dos anos 1980, sendo usada por 80 anos. Depois, veio uma
máquina que furava uma fita e já não se usava chumbo: foi
a primeira composição a frio. Os computadores chegaram
logo em seguida. Fui eu quem trouxe o primeiro laptop a
uma redação em Natal, mas fiz mau uso. Até hoje sou um
analfabeto virtual.

Mas vejam só como o tempo muda tudo. Hoje, nas


entrevistas, vocês utilizam um celular que é câmera e gravador
ao mesmo tempo. Na minha época, até tinha gravador, mas
era um Grundig, um aparelho alemão grande demais para
sair carregando por todos os lados, e uma câmera era cara.
Por isso, nas redações ninguém imaginava que as coisas iam
se modernizar até chegar ao que temos hoje.

71
O jornalista com um entrevistado, na redação da Tribuna, onde ingressou em 1963.
[Foto: Acervo pessoal]

Naquele período, um teórico canadense chamado


Marshall Mcluhan dizia que futuramente, “na aldeia
global”, todos os lares teriam um computador. Eu, com os
conhecimentos que tinha, resmungava: “Isso é um filho da
puta mentiroso!” Pois um computador, antigamente, era
uma máquina cara e gigantesca. Aqui em Natal só quem
tinha um era a Universidade e, para instalá-lo, foi necessário
construir um prédio exclusivo para ele. Não dava para
colocar fé que aquilo iria se tornar o que é hoje. Atualmente,
tudo é muito fácil para vocês, mas a minha geração sofreu
bastante para se adaptar às novidades.

Preso na ditadura

72
Fui preso pela Redentora Revolução em 16 de maio de
1969. Era editor-chefe da Tribuna do Norte. O comando
militar da época queria pegar o Agnelo Alves, que era prefeito
de Natal. Pensaram que se me apertassem eu diria que a
coluna do jornal era escrita por ele, o que de fato era. Mas
o dedo-duro, na época, não merecia o respeito de ninguém,
diferente dos delatores de hoje. Então, não contei. Passei 50
dias na prisão. A melhor coisa que me aconteceu foi o fato
de meu carcereiro ter sido colega de sala na faculdade. E
todo mundo esculhambava com ele, menos eu. Ele foi gente
boa comigo. Bem, sintetizando, fui preso por simplesmente
ser jornalista.

A vida no Diário de Natal

Em 1º de setembro de 1970, fui convidado pelo jornalista


Luiz Maria Alves (1908-1995), o responsável pelo Diário de
Natal, para integrar a equipe deles, e aceitei. Naquela época,
o Diário era um jornal de oito páginas; e era difícil fechar
as oito, pois não tinha a moleza de ter um computador
despejando matérias prontas o tempo todo. Nesse mesmo
período eles deram um grande passo na imprensa local,
adquirindo o primeiro equipamento de impressão offset. Isso
foi uma grande vantagem, pois o Diário acabou pegando
todo aquele processo ultrapassado e jogando na lata do lixo.
Com o offset era possível digitalizar a página que queria e
usar diversas fotografias no jornal, ao passo que, no modelo

73
antigo, no qual se utilizava o clichê para reproduzi-las, não
era possível. Pois bem, cheguei no Diário com esse cenário
na redação. E, aliás, acabava de ser promovido de cavalo a
burro, pois deixei de ser editor-chefe na Tribuna para me
tornar repórter e fotógrafo lá. Foram dois anos assim, até
que em 1972, sem planejamento algum, comecei a escrever
a coluna Roda Viva.

A coluna Roda Viva

No Diário havia o espaço da coluna de Sanderson


Negreiros (1939-2017), a Quadrantes, que era a principal
do jornal. Ele havia resolvido ir para São José dos Campos
fazer um curso de televisão educativa. Então, em um belo
dia, o editor chegou na redação perguntando: “Como é que
vamos fechar a coluna de Sanderson? Ele não vem! Foi
para São Paulo”. Daí, juntou-se a equipe da redação e ficou
decidido que eu iria redigir a coluna, mas, não exatamente
a de Negreiros, pois não dava para comparar a escrita dele,
um cronista com o texto do caralho, com a minha. Na hora
dessa reunião estava tocando na rádio a música “Roda Viva”,
do Chico Buarque e, então, por inspiração, decidimos que
este seria o nome da coluna que iria ocupar aquele espaço
vazio.

Fui escrevendo até Sanderson voltar. Quando ele


retornou, foi que percebi que o meu texto tinha agradado,

74
Cassiano (na foto, com Aluízio Alves) foi preso na ditadura militar, quando era editor-chefe da
Tribuna do Norte. [Foto: Acervo pessoal]

dado que Luiz Maria Alves chegou para mim e disse: “Ele
volta com a coluna dele, mas a Roda Viva continua”. No
início, não era nem assinada, ou seja, não tinha nome do
autor. Mas, com o tempo eu comecei a escrever uns artigos
com os quais Alves não concordava. Então ele me mandou
assinar, uma vez que não aprovava meu posicionamento,
mas me deixava pensar o que quisesse. A coluna se firmou,
ganhou credibilidade e passou a ser respeitada. E assim foi
por 32 anos, até eu ser demitido em 22 de abril de 2009,
antes que as más decisões dos Diários Associados, donos do
Diário de Natal, assassinassem o jornal.

Amizade com Câmara Cascudo

75
Na minha época de repórter no Diário, eu tinha uma
vantagem nos dias de dificuldade nas pautas, pois, aqui em
Natal, vivia um homem chamado Luís da Câmara Cascudo
e eu tinha acesso a ele. O filho de Cascudo, Fernando Luís,
montou a primeira agência em estilo moderno chamada
Vésper Propaganda, e lá foi o meu primeiro emprego. Na
agência eu tinha o apelido de “assistente da diretoria” e uma
das minhas atribuições era passar na casa de Cascudo duas
vezes por semana, pegar sua correspondência, levá-la para
os Correios, e recolher as que estivessem lá. Nos dias que
ele estava com tempo, ficávamos conversando e eu sequer
voltava a trabalhar. Cascudo era um cara que sabia de tudo.
Hoje, digo aos meus filhos que ele era o meu Google, com
a diferença de ser mais completo e confiável. Todavia, nos
dias que ele não estava para conversa, dizia logo: “Vá baixar
em outro terreiro”.

Dessa amizade surgiu uma história engraçada: Teve


um dia que publiquei uma matéria toda escrita pelo mestre
Cascudo. Esse episódio aconteceu em uma dessas vezes que
ele não estava para conversa. Era o lançamento de um livro
dele e eu fui cobrir. Como não estava para papo, foi logo
dizendo: “Deixe que faço essa resenha. Passe amanhã aqui
e peça à Dhália [esposa de Cascudo]”. Isso aconteceu não
porque eu tinha prestígio, mas sim pela sorte de ter essa certa
intimidade. No outro dia, eu tive o bom senso de publicar o
texto sem mudar nada do que Cascudo havia escrito.

76
O período no rádio

Comentei futebol pela Rádio Poti. Fui eleito o melhor


comentarista de 1978 [busca, orgulhoso, o troféu na
prateleira]. Trabalhava muito no Agnelão, Castelão e
Machadão. O narrador que fez dupla comigo, por muito
tempo, morreu mês passado; se chamava Cézar Rizzo. Numa
época que os caras escondiam para que time torciam, eu
me declarava americano. Continuo sendo e nunca escondi.
Normalmente, diziam que torcia para o Ferroviário ou
outro time pequeno, mas eu dizia: “Sou América”. Foi uma
grande experiência. Devo muito ao rádio, sobretudo, pela
possibilidade de falar muito não dizendo nada. Às vezes, eu
ia trabalhar em jogos muitos ruins e ia fazer o comentário
do primeiro tempo, que terminou zero a zero. E não teve
expulsão nem nada de interessante. Porém, tinha a obrigação
de usar o microfone por 15 minutos, porque rádio não tem
buraco. Só que os times as vezes atrasavam. Resultado: tinha
de passar 20 minutos dizendo lorota e enchendo linguiça.
Isso me serviu muito para não ficar calado na sala de aula,
quando fui professor da UFRN.

Trinta e um anos de docência

Eu fui o único no Departamento de Comunicação Social

77
Em conversa com o general João Baptista Figueiredo, último presidente nomeado pelo regime
militar. [Foto: Acervo pessoal]

a lecionar por 20 horas semanais. Minha aposentadoria


como professor da UFRN é em torno de R$2.600, ou seja,
se eu dependesse só disso, estava fodido. Bom, escolhi ser
professor de 20 horas porque tive medo de algum figurão
questionar a minha dedicação exclusiva, porque fazia outras
coisas, além de ensinar. Tinha-se estabelecido um pacto
entre os professores que perdurou por 30 anos: professor
de 20 horas ficava apenas com uma matéria. Era o que me
interessava. Ia duas vezes por semana, dava minha aulinha;
era bacana. Lecionei por 31 anos. A matéria que ensinava já
recebeu um monte de nomes, mas o último a retratava bem:
Comunicação Publicitária. Era, na verdade, publicidade
e propaganda para que os jornalistas conhecessem
como funcionava o negócio. Quando criaram o curso de
Publicidade e Propaganda, me chamaram para dar aula.

78
Mas eu não tinha mais saco, daí entrei com o pedido de
aposentadoria porque, além disso, queriam que eu desse
três disciplinas para deixar os outros doutores, que tinham
sido contratados, usarem seu tempo com pesquisa. Estou
esperando até hoje o resultado de tais pesquisas. Não sei
o que foi feito. Uma grande coisa que a faculdade me deu,
entre as muitas outras, foi me aproximar da turma jovem.
Foi uma forma de retardar um pouco meu envelhecimento.

O Novo Jornal

Após minha demissão do Diário, fui impulsionado a


abrir um jornal na cidade. E assim fiz. Em 17 de novembro
de 2009 foi para as bancas a primeira edição do Novo Jornal.
Investimento bem caro, principalmente, para mim. Coloquei
até dinheiro da herança deixada por meu pai, mas enquanto
esteve sob meu comando, me fez muito feliz. Durante esse
tempo, fiz o jornalismo dos meus sonhos.

Uma das coisas que me incomodavam antes de abrir o


Novo, era o fato de metade dos jornais serem preenchidos
por colaboradores não remunerados. Na minha opinião, o
sindicato deveria exigir que ninguém publicasse nada de
graça em nenhum jornal. Por isso, eu, enquanto fui dono do
Novo, não permitia isso. Inclusive, no início, tive dificuldades
com alguns que não queriam receber o pagamento. Mas
acredito que todo trabalho profissional tem o direito de ser

79
pago. Pagava pouco, mas pagava pela tabela do sindicato.
Então, se não fiz um jornal melhor, foi porque não tive
talento. Mas aquilo que eu achava certo e que quis fazer, eu
fiz.

80
81
82
Emanoel Barreto

Um portador de grandes
notícias

Aos 23 anos ele foi contratado para traduzir telegramas,


mas seu destino seria conhecer as emoções da reportagem

Por Allan Almeida, Ana Clarice, Nathália Souza e Paula


Cunha

Emanoel Francisco Pinto Barreto é bacharel em


Jornalismo, e mestre e doutor em Ciências Sociais. Natalense,
nascido em 1951, hoje é reconhecido como um jornalista
que deixou seu legado no Estado. Barreto, como é mais
conhecido, começou a carreira aos 23 anos, na década de
1970, no jornal Diário de Natal. Posteriormente, atuou no
jornal Tribuna do Norte e fez parte da equipe de jornalistas
do jornal A República. Também esteve no semanário
Dois Pontos, no Jornal de Hoje e na TV Ponta Negra, e
apresentou os programas Grandes Temas e Xeque-Mate, na
TVU. Com grande simpatia e hospitalidade, o jornalista e
sua esposa Terezinha nos receberam em sua casa, para falar
de suas lembranças da carreira, que inclui a docência no
curso de Jornalismo da UFRN e a autoria de três livros.

Ainda na porta de seu escritório, uma mensagem em

83
inglês, aqui traduzida livremente para o português, nos
instruía: “Antes de sua boca falar, deixe seu cérebro fazer a
edição”. Ao entrar, fomos saudados com grandes matérias
emolduradas na parede; a carta que recebeu do Vaticano,
agradecendo por suas publicações na passagem do Papa
João Paulo II por Natal; os CDs do rock que revolucionou o
cenário musical mundial, Beatles, Rolling Stones... Paredes
decoradas por livros do chão ao teto, todos lidos, transformam
o ambiente num local aconchegante. A máquina de escrever
marcada pelo tempo, mas ainda assim em destaque sobre
a prateleira, nos fez sentir como se estivéssemos diante de
uma porta entreaberta, apenas nos dando o breve vislumbre
de todo o conhecimento armazenado por meio dela e que
poderíamos, através de seu guardião, Emanoel Barreto,
alcançar.

O primeiro da família

Na minha família não havia nenhuma tradição de


jornalismo, não havia nenhum legado desse tipo [profissão
passada de pai para filho]. Eu gostava muito de escrever,
escrevia contos, e certa noite decidi pedir emprego no jornal.
Cheguei ao Diário de Natal e pedi para falar com Luiz
Maria Alves, que era o diretor. E eu não estava nervoso. Fui
pedir emprego para algo que não sabia fazer e não estava
nervoso.

84
Meados dos anos 1980: Barreto na redação da Tribuna, entre a jornalista Conceição Almeida e o
fotógrafo Giovanni Sérgio. [Foto: Acervo pessoal]

Ele foi direto ao ponto e me perguntou o que eu


queria. Eu disse: “Quero trabalhar no seu jornal”. “Tem
experiência?”, questionou. Respondi que não, e ele me disse
que o problema era que o Ministério do Trabalho exigia
registro e devido a isso, muitas vezes os talentos chegavam e
ele não podia aproveitar. Luís Maria Alves me perguntou se
eu falava espanhol. Eu disse que não, mas, se estivesse escrito,
eu saberia ler. Disse isso baseado num livreto em espanhol
que tinha surgido em minha casa há cerca de um mês, o qual
li e interpretei com base no contexto. Ele revelou que estava
mesmo precisando de alguém para traduzir os telegramas,
que chegavam em espanhol. Prontamente me candidatei ao
cargo e Luís Maria Alves me pediu que voltasse lá no dia
seguinte, para um teste.

Voltei, e Alves leu para mim um texto de Newton Navarro

85
intitulado “Os mortos são estrangeiros”. Ele lia o texto como
se estivesse interpretando um texto teatral, e enquanto lia,
eu tinha de ir datilografando. No final do teste, leu meu
texto, fez algumas perguntas de conhecimentos gerais e me
aprovou. Fui contratado para trabalhar de madrugada, de
meia-noite às seis da manhã, para traduzir telegramas de
um idioma com o qual não estava familiarizado. Abri mão
da vaga num concurso público da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, para o qual havia sido aprovado, e fui
trabalhar no Diário de Natal.

De tradutor a repórter de polícia

Apesar de ser admitido como tradutor, quando cheguei


ao jornal, já no primeiro dia, fui avisado de que não iria
atuar na área combinada e sim, entrar na editoria de polícia.
Não cheguei a traduzir sequer um texto. Entrei direto para
a editoria sem nunca ter estado num jornal, tendo como
experiência apenas os meus contos. A mesa do jornalista
Alexis Gurgel ficava ao lado e ele ia me ajudando ao escrever
os textos e me introduziu ao lide. A editoria de polícia
era o carro chefe do jornal. Muitas vezes fui a delegacias
entrevistar criminosos, e aprendi muito com eles. Aprendi
sobre a degradação humana.

86
Cobertura de crimes

Em 1975 houve um crime que chocou Natal: o caso da


chacina na granja Capim Macio. Natal era o que costumo
chamar de cidade silvestre: de Lagoa Nova em diante
tudo era floresta. Na granja moravam a matriarca e dona
da casa, senhora Ruth Looman, sua mãe e filhas, junto de
um cuidador, José Vilarim Neto, e uma moça que ajudava
na limpeza e estava grávida. Vilarim havia sido demitido e,
algumas noites depois, num acesso de fúria, pegou um rifle e
atacou a avó, uma criança e uma adolescente filhas da patroa,
além da moça grávida que fazia os trabalhos domésticos.
Chegou a praticar necrofilia com uma das moças. Ele ficou
esperando a ex-patroa chegar em casa com a filha mais nova.
Quando a viu passar o portão, atirou com o rifle e atingiu o
ombro da senhora Looman, que correu para dentro de casa
com a criança. Ambos lutaram e as duas conseguiram entrar
em casa, porém Vilarim ainda pôs o cano do rifle entre a
porta e o portal. A matriarca, de tão assustada, quebrou o
cano da arma, e digo isso porque vi o cano da arma partido.
Após, Vilarim fugiu.

Cheguei a passar na casa da família de Vilarim à sua


procura junto com a polícia. Passamos também no Morro
da Cabocla, e lá encontramos um grupo de pessoas que
estava procurando um terreno para comprar. Decidi fazer
uma brincadeira para ver quanto medo as pessoas tinham do
“Monstro de Capim Macio”. Me apresentei como jornalista

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Emanoel Barreto (à esquerda) com Osório Almeida (ao centro) entrevistando Astor Piazzolla (à
direita), no Hotel dos Reis Magos, em 1976. [Foto: Acervo pessoal]

e disse estar à procura de um rapaz, e fui passando as


características físicas do assassino. As pessoas disseram não
ter visto ninguém com essa fisionomia e me perguntaram
o porquê da pergunta. Respondi que estava à procura do
Monstro de Capim Macio, que havia sido avistado por lá.
No mesmo instante as pessoas correram do local. Ainda
neste dia recebi uma indicação de que ele poderia estar em
Macaíba, mas devido ao horário de fechamento do jornal,
e por inexperiência minha, decidi voltar para a redação e
encerrar a matéria ali mesmo. Ainda naquele dia o suspeito
foi preso numa granja em Macaíba, onde tinha pedido
emprego semanas antes. Eu poderia ter feito a cobertura do
ocorrido em primeira mão.

Houve também outro caso em que trabalhei, e neste


cheguei ao local alguns momentos depois do ocorrido.

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Recebi a informação de que alguém havia sido assassinado
no Canto do Mangue, nas Rocas. Chegando ao local, havia
uma corda impedindo a passagem. Determinado a não
perder a matéria, levantei a mão como que segurando uma
carteira de jornalista e gritei “Diário de Natal”. Os policiais
que cercavam o local autorizaram a passagem. Quando
adentrei no local, vi a cena: uma mulher nua esfaqueada do
pescoço até os pés, e o profissional do Itep jogando o corpo
na maca, para transportar. Entrei na cena do crime, que era
o banheiro, havia sangue nas paredes da altura do rosto até
o chão, marcas de mãos tingidas de sangue nas paredes. O
assassino, conhecido como Mansinho, era presidiário e viera
da Penitenciária Central João Chaves escoltado por apenas
um soldado, para encontrar-se com a mulher. Como numa
história de Nelson Rodrigues, ela era amante de Mansinho
e do soldado. Creio que isso foi o detonador de toda a
situação.

Jornalismo sensacionalista

O jornalismo policial facilmente pode tender para o


sensacionalismo. O que é o sensacionalismo? É a exacerbação
das sensações, das percepções de mundo, em que um
determinado acontecimento é magnificado. Isso para que
exerça atração sobre as pessoas. A TV tem certa dramaturgia:
o movimento das câmeras, os enquadramentos. Às vezes o
repórter vai falando e a câmera vai fechando. À medida que

89
a câmera fecha, aumenta a sensação e, consequentemente,
o poder que aquele fato tem de impressionar. O fato
narrado já é um fato novo porque as minhas emoções estão
impregnadas naquela narrativa. O Diário de Natal tinha
uma tradição de jornalismo policial muito forte, mas eu
nunca fiz uma matéria que fosse, assim, sensacionalista.

Eu acho perigoso exacerbar determinados temas porque


você fica dentro de um ambiente dualista: o bem contra o
mal, aquele é branco, aquele é preto, aquele é claro e aquele é
escuro, quando o mundo é multicor. Entre o branco e o preto
tem muitas tonalidades de cinza. Às vezes você cria uma
situação, mas, e se a pessoa não for culpada? Então, as coisas
têm de ser apuradas e têm de ser narradas com veracidade.
O espelhamento é impossível. O jornal não é o espelho da
realidade, é uma representação da realidade dentro do que é
possível. Você tem que ter muito cuidado para não exacerbar
uma multidão contra A ou B e essa multidão querer fazer
justiça com as próprias mãos e terminar cometendo um
novo crime.

Eu trabalhei como apresentador de TV, como diretor


de programa na TV Universitária. Eu nunca fiz matéria
para TV, mas sei que é uma linguagem diferente, é uma
linguagem dramatúrgica. Alguns, inclusive, usam trilha
sonora para amplificar a sensação de expectativa, de tensão,
de angústia. Eu acho o sensacionalismo perigoso. Acho que
não contribui com nada na solução de problemas.

O problema é que, diante da situação atual do Brasil,

90
esses programas passam a ser porta-vozes do povo. Como
os parlamentares falham miseravelmente, esses programas
passam a cumprir a função dos partidos políticos, que não
nos representam ou representam muito mal. Esses jornais
excitam as emoções mais primitivas que nós temos.

Dois suspeitos na visita do papa

Durante a visita do papa João Paulo II a Natal, em


1991, eu escrevi matérias sobre e para o “João de Deus”.
Uma delas, datada de 10 de outubro de 1991, retratava a
beleza das mulheres potiguares exibida nas belas praias da
cidade. Um trecho diz: “Beatíssimo Papa, não entendais, se
por acaso ouvirdes falar, como demonstração de paganidade
a presença das moças na praia. São elas filhas de Eva, cujos
mergulhos nas águas límpidas desse Atlântico enorme
apenas adornam com a beleza de seus corpos uma paisagem
que, afinal, é criatura de Deus, assim como elas, feitas à sua
imagem e semelhança”.

Durante a visita de João Paulo II, a direção do Diário


admitiu preventivamente a possibilidade de um de um
atentado contra o papa. Na época eu era da editoria de
cidades do jornal Diário de Natal e fui escalado para a
cobertura. O papa estava hospedado na Vila de Ponta Negra.
O fotógrafo Marcus Ottoni, que também foi escalado para
cobrir a noite do papa comigo, havia conseguido uma casa

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O jornalista na redação do semanário “Dois Pontos”, do qual foi editor. [Foto: Acervo pessoal]

que tinha uma vista privilegiada para o local onde ele estava,
uma casa pertencente à Igreja.

E eu o fotógrafo demos uma volta no perímetro, buscando


qualquer movimento suspeito, mas tudo estava tranquilo.
Foram horas de prontidão, em meio ao desconforto, ao
cansaço, ao temor de sermos presos. Como nada de relevante
aconteceu, fui anotando pequenos fatos como a chegada
de um barco à praia, um casal de namorados caminhando
pela orla e, ao final, um corpo celeste cortando a escuridão
da noite. Fechei a matéria com essa descrição. O texto foi
redigido em forma de crônica a partir desses pequenos fatos.

92
“O presidente Geisel é um safado”

A Fundação da Coojornat, Cooperativa dos Jornalistas


de Natal, aconteceu dia 1º de outubro de 1977. Para os jovens
que a haviam criado – com o incentivo do cartunista Henfil,
então morando em Natal –, a cooperativa era uma conquista.
O jornalista Dermi Azevedo era o presidente, Arlindo de
Melo Freire o vice, e eu secretário. Certa noite um sujeito
esteve na minha casa. Percebi logo que era um policial,
que se dizia jornalista. Queria saber do funcionamento da
cooperativa “para implantar idêntica iniciativa em João
Pessoa”.

Recebi-o e o indivíduo começou um bizarro


interrogatório travestido de conversa. O treinamento do
agente, um reles espia de baixíssima categoria, era básico:
fazer perguntas que tentavam induzir-me a dar respostas de
contestação à ditadura. Mas se eu concordasse com tudo o
que ele dizia contra o governo, daria ao sujeito munição para
que fizesse um relatório dizendo que a Coojornat era, sim,
uma célula comunista perigosíssima.

Começou a falar mal do ditador Ernesto Geisel. E disse:


“Esse presidente é um safado”. Eu lera vagamente sobre
Geisel ter estado em Natal há muitos anos e improvisei a
seguinte resposta: “Acho que não. Pelo que soube, ele foi
secretário da Segurança no Rio Grande do Norte – e disse
lá um ano qualquer – e, nessa época, um rapaz foi preso sob
acusação de ser comunista. Depois descobriram que o cara

93
não era comunista coisa nenhuma. Geisel, foi pessoalmente
libertar o prisioneiro”.

Em seguida ele perguntou pelos estatutos da cooperativa.


Fui buscá-los. E disse: “Por sinal, é tudo idêntico ao da
Coojornal, a cooperativa do Rio Grande do Sul. Com
pequeníssimas modificações relativas à realidade local”.
Qual não foi minha surpresa quando ele disse: “Ah, mas,
se é assim, não quero”. “O quê? Não quer?”, perguntei, já
começando a me irritar. “Não quer por quê?”. Eu insisti e ele
respondeu: “Porque os estatutos da Coojornal nós – veja bem
– nós já temos...” Mas entreguei-lhe os papéis e fiquei de pé,
grosseiramente de pé. E o sujeito, com a papelada na mão,
sentado e sem jeito. Afinal levantou-se, pôs o documento
debaixo do braço e pediu desculpas pelo tempo que me
havia tomado. Tomou o caminho da porta. Já ia descendo as
escadas quando eu disse: “Noite dessas o amigo volta. Dessa
vez vai ser melhor: vou lhe servir um cafezinho...”

Não desistam nunca

Sejam brasileiros e não desistam nunca, porque as


dificuldades serão muitas. Só escreve bem quem lê bem, só
entrevista bem quem lê bem. É importante ler porque assim
se aprende a usar vírgula, a usar ponto e vírgula, que não são
muito fáceis de usar. E não pensem que por frequentar um
ambiente político, vocês passam a fazer parte do ambiente

94
dos políticos. Não pensem que porque têm o telefone do
governador, vocês são amigos dele ou porque frequentam
ambiente de empresários, pertencem a este ambiente.
Não se deixem encantar pelo canto da sereia. Outra coisa:
entrevistou uma pessoa, deixe guardado. Informação é
poder. Se sabem de uma coisa que alguém não precisa saber,
não digam. Nem sobre sua vida pessoal. Só falem o que for
necessário. Pessoas podem querer usar vocês para alcançar
objetivos. É muito importante ter cuidado, pois uma
informação mentirosa pode quebrar você. Cuidado para não
manipularem textos seus. Cuidado com colegas invejosos.
E não se deve escrever com raiva. Sendo preciso agir com
firmeza, deve-se redigir com indignação.

95
96
97
Gerson de Castro

As múltiplas facetas do menino


de Tangará

Este “potiguar de verdade” fala de suas experiências em


rádio, jornal, assessoria de imprensa e TV

Por Alysson Bala, Elias Bernardo, Felipe Salustino e


Maurílio Medeiros

Jornalista apaixonado pela profissão, Gerson Inácio de


Castro nasceu no dia 20 de fevereiro de 1963, em Tangará,
no Rio Grande do Norte. Entrou no curso de Jornalismo
da UFRN em 1982. Sua primeira experiência profissional,
ainda como estudante, foi a redação de boletins de notícias
na Rádio Cabugi, em 1983.

Pouco depois, em 1984, chegou ao jornalismo impresso


no extinto Diário de Natal, onde atuou como repórter de
polícia. Ele considera o DN como a sua principal escola
no jornalismo, na qual teve a oportunidade de travar
conhecimento com Luiz Maria Alves, jornalista que
considera um dos personagens mais importantes e de maior
influência na sua carreira profissional.

Em 1986, diante de uma proposta salarial três vezes


melhor e com o desafio de incrementar a cobertura policial,

98
chegou à Tribuna do Norte como uma espécie de repórter
especial na área de polícia, além de editor. Foi na Tribuna
que teve o seu primeiro contato com a cobertura de política.
Por ser um repórter especial, atuava em várias editorias
como as de esporte, cidade e cultura. Em 1988, com a
saída do jornalista Osair Vasconcelos da Agência Estado,
que pertencia ao Estadão, foi convidado a atuar como
correspondente. A contratação definitiva só aconteceu em
1989, quando teve de sair da Tribuna.

Foi a partir da atuação como correspondente da Agência


Estado, em 1989, que entrou de vez no jornalismo político. O
governador do estado na época era Geraldo Melo – PMDB,
e o partido era muito forte nacionalmente. O estado recebia
visitas de figuras importantes da política nacional que
mereciam cobertura exclusiva, entre eles Ulysses Guimarães,
Fernando Collor e Lula. Permaneceu na Agência Estado até
1991, mas uma crise levou o jornal a reduzir drasticamente
sua rede de correspondentes.

Em 1992, voltou ao Diário de Natal, dessa vez já como


repórter de política, permanecendo até 2001, quando deixou
o jornal para voltar à Tribuna do Norte, a convite do então
deputado Henrique Alves, para cobrir as eleições de 2002.
A Tribuna foi sua última grande experiência no jornalismo
impresso.

Depois de deixar as redações jornalísticas, passou a se


dedicar à assessoria de comunicação. Montou a sua empresa,
a GC Comunicação, e passou a trabalhar com prefeituras

99
como as de São Gonçalo do Amarante, Currais Novos e
Ceará-Mirim. Atuou também na assessoria da Femurn
(Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte),
na Secretaria de Segurança Pública no governo Geraldo
Melo (1987), em campanhas eleitorais a partir de 1990,
destacando a de Wilma de Farias, em 2006, e foi Secretário
de Comunicação da então prefeita de Natal, Micarla de
Souza, em 2012.

Em 2003, ajudou a fundar a TV Câmara de Natal,


quando, juntamente com Renato Dantas, criou o programa
Ponto de Vista. Ainda atuou na direção de redação da TV
Metropolitano, em 2013, como chefe de redação. Hoje
trabalha como gerente da TV Assembleia e também escreve
para o jornal Palumbo.

A escolha da profissão

Meu pai foi embora de casa quando eu tinha oito anos


de idade. Nasci numa família em que todo mundo teve de
trabalhar muito cedo para contribuir com o próprio sustento.
Comecei a trabalhar com dez anos de idade, na feira livre
das Quintas. Assim, podia ter dinheiro para ir no cinema,
já que minha mãe não tinha para nos dar. Vivíamos numa
dificuldade muito grande e eu precisava me virar. Com parte
do dinheiro que ganhava, eu comprava livros. Adquiria os
exemplares em banca de revista.

100
Em 1985, no setor 5 do campus da UFRN, com colegas do curso de Jornalismo e o professor
Cassiano Arruda Câmara. [Foto: Acervo pessoal]

Em 1981, às vésperas do último ano do ensino médio


no Atheneu, uma professora de português, que encontraria
muitos anos depois, já formado, fez um ditado com as
turmas de 3º ano, com vinte palavras. Só dois alunos
acertaram as vinte palavras. Não esqueci nunca mais uma
delas: “concupiscência”. Mesmo nunca ouvido a palavra,
acertei a grafia, e isso chamou a atenção da professora, que
me procurou e perguntou: “O que é que você vai ser? Você
vai fazer vestibular para quê?”. Eu disse que seria para
jornalismo.

101
No ocaso da ditadura

Presenciei a ditadura militar já no finalzinho. A militância


política durante esse período estava entregue aos sindicatos,
a grupos de intelectuais, aos estudantes universitários. O ano
de 1979, no início da anistia, marcou a volta de muita gente
ao Brasil, como Leonel Brizola, Miguel Arraes e outros, que
estavam exilados. Foi quando comecei a perceber que havia
uma ditadura e que estava acabando. Eu tinha 16 anos e
nesse momento comecei a me entender como gente. Embora
eu não tenha virado um militante de esquerda, a defesa da
liberdade, da democracia, foi natural em minha vida e na
minha atuação profissional, que começou em 1984, quando
eu cheguei ao Diário de Natal.

Experiências do início da carreira

Em 1983, estava desempregado, por isso comecei a


produzir frilas. Andei no jornal de Carlos Alberto de Sousa,
o Folha de Natal. Escrevi lá sem ganhar nenhum tostão.
Depois escrevi numa revista e estive no Hora H, que foi
de Paulo Tarcísio Cavalcante, um dos maiores nomes do
jornalismo da época, e que ainda hoje é meu amigo pessoal
e um de meus mentores. Em 1984, no terceiro ano de
faculdade, comecei a cursar Técnica de Produção e Difusão
Jornalística, e Albimar Furtado, meu professor e depois meu

102
Em 2013 e 2014, Gerson foi chefe de redação da recém-criada TV Metropolitano e se tornou o
primeiro apresentador do noticiário “Primeira Página”, transmitido ao vivo.
[Foto: Acervo pessoal]

chefe, me indicou para uma vaga no Diário de Natal. Lá, eu


conheci Luiz Maria Alves, que era a figura mais temida do
jornalismo local. Albimar me ofereceu uma das duas vagas
disponíveis. Ele precisava de um repórter de polícia ou de
esporte. Escolhi a área de polícia.

Passagem pelo Diário de Natal

O Diário de Natal não contratava estagiário. Eu fui


contratado com carteira assinada. A minha primeira
carteira assinada é de agosto de 1984. Já fui tratado como
profissional, embora fosse um iniciante. Sem falsa modéstia,
eu já dominava um pouco da técnica, com 21 anos de idade.

103
O Diário de Natal pagava em envelopes, por quinzena. E aí
vem uma coisa engraçada, que preciso contar: na segunda
quinzena de setembro, o chefe de departamento pessoal,
Luís Sena, mandou perguntar quem era Gerson de Castro,
na redação. Quando cheguei lá, ele disse: “Você não gosta
de dinheiro, não? Já tem três pacotes aqui. Três quinzenas
e você não vem receber dinheiro”. E pensar que eu estava
me sacrificando, sabe Deus como, indo para o trabalho sem
saber que estava contratado, e já recebendo salário.

Acho que foi o dia que tive mais dinheiro na minha vida.
Me lembro de ir para casa e fazer uma festa. Até feira eu fiz.
Então, meu início no Diário foi muito feliz. Fiquei lá até
janeiro de 1986.

Transição para a Tribuna

Na Tribuna do Norte, fui contratado para ser uma espécie


de repórter especial e editor, voltado para a área de polícia.
Fui em 1986, ganhando três vezes mais do que ganhava no
Diário de Natal. Muita gente diz que eu havia enlouquecido:
deixar o maior jornal da cidade, o maior jornal do estado,
pelo concorrente, que não era nem a sombra do DN. Fui
para poder incrementar a cobertura de polícia.

Eu fiquei na Tribuna até 1989, porque, em 1988, Carlos


Garcia, que era diretor da sucursal do Estadão em Recife
me procurou. Osair Vasconcelos, correspondente do jornal

104
O Estado de São Paulo, tinha deixado o cargo e passado a
trabalhar na TV Cabugi. Como deixou a correspondência,
o cargo ficou vago e alguém indicou meu nome. Então,
Carlos Garcia me chamou para ser freelancer. Passei quase
um ano trabalhando assim, e ganhando bem, porque cada
vez que fazia um material, ganhava pelo que produzia. Era
a época do governo Geraldo Melo, o PMDB era muito
forte. Minha primeira matéria publicada no Estado de São
Paulo foi uma entrevista, um resumo de uma entrevista com
Ulysses Guimarães, em 1988. Eu tinha deixado a área de
polícia, tinha sido convidado para ser chefe de reportagem
da Tribuna do Norte, virei correspondente freelancer do
Estadão, e no ano seguinte, no último dia de agosto de 1989,
quando havia acabado de ganhar, uns 24 dias antes, dia 7 de
agosto, minha segunda filha, recebi a confirmação de que
estava efetivado como correspondente do Estadão.

Então, deixei a Tribuna. Não podia ter mais vínculo


com nenhum órgão local. Como correspondente de O
Estado de São Paulo, fiquei até final de 1991. Em 1989,
eu cobri a visita de Lula, a visita de Collor, de Brizola, de
Ulysses Guimarães. O jornalismo político entrou com força
na minha vida. Vi, também, a visita de Mário Covas, José
Richa, Fernando Henrique Cardoso e outros nomes da
política brasileira.

Em 1991, meses antes de a Agência Estado,


por dificuldades financeiras, desmontar o time de
correspondentes, acompanhei a visita do papa João Paulo

105
Em 2011, na rádio 95 FM, ao lado de Salatiel de Souza, Paulo Wagner e Mariana Vieira, Gerson
apresentou o “Jornal da Manhã”. Na foto, o jornalista entrevista o então deputado Betinho
Rosado. [Foto: Acervo pessoal]

II a Natal, e o convite da Tribuna do Norte, com quem eu


mantinha boas relações, coordenei a edição especial da visita
do papa, da TN.

Saio do Estadão no final de 1991 – a Agência Estado


desmontou tudo. Voltei ao mercado local. Bati na porta
de amigos que me conheciam, com quem mantinha
relacionamento. Tinha muito contato ainda com Paulo
Tarcísio, e logo comecei a produzir para um jornal chamado
Dois Pontos, lançado por Marco Aurélio de Sá, mas
administrado então pela família do empresário Fernando
Bezerra.

106
Reportagem inesquecível

Realizei grandes e boas reportagens, como o sequestro do


secretário-gerente do Banco do Nordeste, quando passei 24
horas acordado, em Assú. Fiz matérias na casa e no gabinete
de Cascudo, e com grandes nomes da política potiguar.
Mas, uma matéria que para mim é afetiva é a primeira
que fiz com Ulysses Guimarães. É o meu marco inaugural,
porque conheci um homem de uma coragem fantástica, que
promulgou a Constituição de 1988. Há quem diga que a
Constituição gerou uma crise no País. Não é verdade. A
Constituição pode ter sido mal interpretada, porque recebeu
muitos penduricalhos. Doutor Ulysses teve a coragem de
dizer uma frase que eu diria e assinaria embaixo: “Eu tenho
ódio e nojo da ditadura”.

Em 1989, eu tive a oportunidade de vê-lo na casa de


Geraldo Melo [então governador do RN]. Na ocasião,
doutor Ulysses comemorava aniversário e era candidato
a presidente da República desprezado pelo PMDB. Ele
comemorou aniversário com um bolo encomendado por
dona Edinólia Melo, primeira-dama do Estado. O bolo
foi feito com a forma da bandeira nacional. E eu assisti,
enquanto cantavam parabéns para ele. Como jornalista de
política, foi uma honra participar de um momento como
esse. Então, para mim, o texto mais simples é também o
mais significativo: minha primeira entrevista com Ulysses
Guimarães.

107
O jornalismo e a tecnologia

Quando cheguei ao Diário de Natal, trabalhava com


máquina de escrever – a famosa Underwood. Depois,
trabalhei com telex, notebook. Me considero um cara
intergerações, da máquina de escrever ao Ipad, que eu uso
todos os dias.

Gerente de TV

[Aconteceu] a convite do meu amigo, Bruno Giovanni.


Eu trabalhava com ele desde a montagem de seu blog, em
2011. Participei, como redator, da primeira turma do Blog
do BG. Quando Bruno foi convidado para ser o diretor-
geral da TV Assembleia, disse ao deputado Ezequiel Ferreira
de Souza [presidente da AL], que precisava de um cara
com experiência no jornalismo. O deputado me conhecia,
então, fui convidado para ser o gestor da TV, minha maior
experiência nessa área.

Livro de crônicas

Há dois anos estou reunindo preguiçosamente as


crônicas que publiquei no Facebook. Abimael Silva, do
Sebo Vermelho, já disse que quer publicar um livro meu.

108
Os jornalistas Rubens Lemos Filho e Vicente Serejo farão
apresentação e prefácio, respectivamente. Falta reunir as
crônicas. Elas já estão todas prontas e falam de jornalismo,
política, cinema e futebol. Se Deus quiser, lançarei ainda
em 2018. Também pretendo lançar, daqui a alguns anos,
meu primeiro romance. Luiz Maria Alves será um dos
personagens.

O imediatismo da internet e os erros

Antigamente, um jornalista, ao chegar à redação, recebia


uma pauta e tinha a manhã inteira para apurá-la e entregar a
matéria ao editor. Se a matéria não fosse concluída, a turma
da tarde complementava o que não se conseguiu apurar. O
repórter de televisão tem mais ou menos duas horas para
fazer uma reportagem. Ele possui menos tempo, por isso,
precisa sair às ruas com a pauta fechada, bem direcionada,
com indicação de imagem. O repórter de rádio possui certa
liberdade, embora tenha mais ou menos o mesmo tempo de
um repórter de TV para fechar uma matéria. Na internet,
o repórter recebe a informação e corre para publicar,
porque senão outro publicará antes. E nessa vaporização da
informação, cometem-se muitos erros. Com o advento das
redes sociais, quem era receptor de informações, passou a ser
provedor, mas nem todo mundo segue questões éticas. Tudo
é uma questão de caráter e responsabilidade social e com a
profissão.

109
O papel e o futuro do jornalismo

O jornalismo tem a obrigação de atuar como meio


de transformação: denunciar mazelas, elogiar e mostrar
experiências exitosas, de forma a proteger as crianças,
as famílias, os excluídos. O jornalismo não vai morrer
nunca, porque é essencial à democracia. E democracia
não é sinônimo de violência e corrupção. Se assim fosse,
não haveria, na Europa, a monarquia constitucional e
parlamentarista da Inglaterra, da Bélgica, da Holanda,
da Espanha, ou a república parlamentarista de Portugal.
Por que não conseguimos caminhar como esses países?
Aí, eu pergunto: onde estão os ideais de Ulysses, Pedro
Simon, Fernando Lira, [Paulo] Brossard? Eu faço a defesa
da democracia, porque defendê-la significa defender o
jornalismo.

Reconhecimento e realizações

Tenho uma comenda da área de Direitos Humanos, da


época em que eu trabalhava no Diário de Natal. Fiz parte,
como editor, da equipe do Diário premiada pela Fundação
Ayrton Senna, pela qualidade do material produzido
no jornal. O jornalismo me permitiu conhecer 18 das 27
capitais do País e todos os 167 municípios do estado. Tenho
orgulho de ser um menino nascido em Tangará e de ter me
tornado um potiguar de verdade e brasileiro apaixonado.

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112
Graça Pinto Coelho

“O prazer é todo meu,


companheiro”

Jornalismo, militância política e docência se juntam neste


relato que retrata a força de uma mulher de lutas

Por Antônio de Pádua, Hennan Mesquita, Paulo André e


Pedro Brandão

“Vou adorar conversar com vocês e contar um pouco


daqueles tempos”. Foi assim que a professora Maria das
Graças Pinto Coelho, mais conhecida por Graça Pinto,
respondeu ao nosso primeiro contato. Sua empolgação já
demonstrava a vitalidade de uma profissional em constante
atividade. Foi no Departamento de Comunicação Social da
UFRN, no intervalo entre aulas, que ela nos recebeu para
uma conversa sincera e descontraída.

Filha de um economista com presença no cenário


político potiguar, nos anos 1950 e 1960, e de uma mãe
tradicional, que dedicou sua vida à família, Graça diz que
o jornalismo aconteceu “meio por acaso”. Mais pelo gosto
de ler e escrever do que, de fato, pelo gosto da profissão,
ela chegou à redação da Tribuna do Norte em 1980, logo
após voltar da Espanha, onde estudou Ciências Sociais e

113
Graça Pinto conta que foi copidesque antes de ingressar no curso de Jornalismo da UFRN.
[Foto: Acervo pessoal]

Políticas na Universidade Autônoma de Barcelona.

Contou o que viu naqueles tempos de redação e como


chegou à sala de aula. Como entrou no jornalismo e como
fez das suas lutas sociais um filtro para a presença do olhar
crítico em suas matérias. Em 1983, muito antes de o termo
“feminismo” figurar nas pautas cotidianas dos dias de hoje,
ela já comandava um programa na Rádio Cabugi que contava
com uma vinheta provocativa para tempos duros e ouvintes
conservadores: “O prazer é todo meu, companheiro”.

Militante sindical e política, Graça participou das


eleições da Federação Nacional dos Jornalistas - Fenaj, em
1983. Como delegada do Sindicato dos Jornalistas, articulou
alianças no Nordeste para conseguir filiar a Fenaj à CUT.
Além disso, fez parte da fundação do PT no Rio Grande

114
do Norte, e foi atuante nas manifestações estudantis, na
primeira metade dos anos 1980, pela volta das eleições
diretas para presidente da República.

Graça trabalhou com cobertura política, no período final


da ditadura militar, e, neste confuso cenário, acompanhou as
caravanas da campanha a governador de Aluízio Alves, em
1982, pelo interior. Essa experiência foi determinante na
construção de seu olhar jornalístico, e rendeu a ela convite
para atuar em grandes centros da imprensa nacional.

Hoje, é professora do Departamento de Comunicação,


e orienta trabalhos de mestrado e doutorado nos programas
de pós-graduação em Estudos da Mídia, que fundou e
coordenou, e em Educação – ambos da UFRN.

O início

O jornalismo aconteceu um tanto por acaso. Aos 21


anos, em 1977, fui estudar Ciências Sociais e Políticas na
Universidade Autônoma de Barcelona. Quando retornei ao
Brasil, no final de 1980, não queria trabalhar como socióloga.
Mas como gostava muito de ler e escrever, antes de ir para
Espanha fui revisora na gráfica da Fundação José Augusto,
e me chamaram para trabalhar como copidesque na redação
da Tribuna do Norte.

Naquele momento, eu ainda não havia cursado jornalismo.

115
Passei no vestibular em 1981, na UFRN. Minha função era
receber as notícias via telex e reescrever para o jornal do
próximo dia. Nessa época, quem trabalhava comigo era o
Carlos Eduardo Alves [ex-prefeito de Natal], que até hoje
chamo de Tata. Digo que ele foi meu estagiário (risos), mas
era um dos donos do jornal. A gente trabalhava com isso
de pegar o telex de outras agências de notícias e escrever as
matérias. No momento em que passei no vestibular, comecei
a fazer reportagem.

Quando cheguei à Tribuna, o editor de política era


Emanoel Barreto, que sabia do meu interesse pelo tema. Em
1982, Aluízio Alves, que era um dos proprietários do jornal,
em meio ao processo de abertura política, candidatou-
se ao governo do Estado, mas perdeu para José Agripino.
Fiquei responsável pela cobertura de toda a campanha,
principalmente a de Aluízio. Nas viagens ao interior, eu o
acompanhava. Lembro que foram cerca de seis meses de
campanha e durante esse período, às sete da manhã, estava
na casa de Aluízio para pegar o briefing do dia. Ele era o
candidato e dono do jornal, então, tinha uma programação
com agenda de compromissos e que determinava até mesmo
o foco das publicações. Era assim que funcionava.

Militância política: uma vocação

Durante o tempo na Universidade, me envolvi com

116
A vida nas redações foi marcada, também, por intensa militância política. Graça foi uma das
fundadoras do PT no Estado. [Foto: Acervo pessoal]

movimentos sindicais. Em 1983, fui delegada do Sindicato


dos Jornalistas do Rio Grande do Norte. Trabalhei muito
na articulação dos sindicatos do Nordeste. O objetivo
era tomar a Fenaj das mãos dos pelegos, representados
por Audálio Dantas, que era ligado ao Partidão [Partido
Comunista Brasileiro] e presidia a Fenaj. Na primeira
eleição não conseguimos colocar o nosso candidato, mas
tiramos o Audálio. Foi uma vitória. Porém, a maior vitória
viria na eleição seguinte, quando, depois de uma longa
articulação, conseguimos eleger Armando Rollemberg.
Com isso conseguimos filiar a Fenaj à CUT, o que garantiu
novas conquistas para os direitos trabalhistas dos jornalistas.

Participei da formação do PT no Rio Grande do


Norte. Era militância, mesmo. Viajávamos para o interior

117
do Estado, para fazer novas filiações. Montanhas era uma
cidade muito importante para nós porque era o local onde
residia Damião França Pinheiro, um trabalhador rural que
foi o primeiro candidato ao Senado pelo PT-RN.

Recordo quando Lula veio pela primeira vez ao Rio


Grande do Norte e ficou hospedado na casa de Jacira, uma
professora de Ciência Sociais da UFRN. Fomos para lá e
passamos a noite ouvindo Lula. Era um tempo de muito
engajamento político. Junto com as lideranças estudantis, eu
participava da campanha das Diretas Já, além de ser ativista
do movimento estudantil.

Um programa de rádio feminista

Conheci muita gente. Vinham muitos jornalistas de


veículos maiores, de São Paulo e do Rio de Janeiro, assim como
vinham também muitos políticos. Nessa época, entrevistei
o Leonel Brizola. Foi um tempo de muito aprendizado,
principalmente no contato com outros jornalistas.

Tive um programa na Rádio Cabugi. Era direcionado


ao público feminino, no horário do almoço. Chamava-
se “Maria, Maria!” e contava com a música do Milton
Nascimento, de mesmo título, como trilha sonora. Era no
estilo do programa que Marta Suplicy apresentava na TV
Globo. Eu recebia cartas de mulheres que escreviam para
a rádio, sobre sexualidade, violência doméstica e outros

118
assuntos, e respondia.

Imagina em 1983, a cabeça das pessoas conservadoras.


O Aluízio Alves tinha uma irmã que era madre superiora
da ordem das dorotéias e eu lá no “Maria, Maria”, dizendo
que mulher foi feita para gozar, também (risos). Além disso,
tinha uma vinheta de intervalo que eu mesma fazia e que
dizia: “O prazer é todo meu, companheiro”. “Maria, Maria”
era um sucesso total em Natal, mas a madre não gostou
muito (risos) e pediu ao irmão para acabar com o programa.
Aí fiquei só na reportagem política.

Hora de ir embora

Foi um tempo muito bom. Aprendi demais com


jornalistas que vinham cobrir a campanha eleitoral daquele
ano e pude ensinar também. Era uma troca muito valiosa.
Na verdade, esse convívio foi determinante para minha saída
do Rio Grande do Norte.

Durante a campanha eleitoral de 1984 tive muito


contato com Antônio Carlos Fon, jornalista e escritor,
autor do livro Tortura: a história da repressão política no
Brasil [Global, 1979]. O Fon era repórter da Istoé, revista
de vanguarda na época, dirigida pelo Mino Carta. Imagina
para uma jovem jornalista, como eu era, ter esse contato.
Estávamos sempre juntos nas coberturas e nessas andanças
pelo interior. Ouvíamos falar de muitos assassinatos, muita

119
Jornalista viveu no Sudeste e teve passagens pelos jornais O Globo, Folha de S. Paulo, Jornal do
Brasil e revista IstoÉ. [Foto: Acervo pessoal]

morte encomendada e os boatos de que “coronel tal mandou


matar”.

O Fon, repórter mais experiente, logo viu naquilo


uma pauta e sugeriu à redação em São Paulo fazer uma
reportagem. Recebeu o sim e veio falar comigo para que
o ajudasse na apuração. Consegui uma entrevista com um
importante membro da polícia no Rio Grande do Norte à
época, que nos deu pistas sobre pistoleiros e capangas. Em
três meses fizemos a reportagem, que saiu na capa da Istoé
logo depois da eleição. A repercussão foi nacional e aqui
no Nordeste foi uma bomba, porque afetava gente muito
poderosa. Uma matéria que falava de como funcionava
o esquema de pistoleiros e matadores de aluguel, e como
os coronéis bancavam isso, principalmente para manter o

120
controle político no interior.

Imediatamente meu nome ganhou evidência e o Fon


disse que não era bom eu ficar em Natal, que aqui não tinha
nada para uma jovem jornalista. Acabou me convencendo.
Aluízio Alves perdeu as eleições, e nesse período eu
participava do Sindicato dos Jornalistas e da formação do
PT. Era mulher e solteira. Então, eram muitos fatores de
risco para ficar aqui (risos).

No início de 1985 terminei a faculdade e saí. Fui para


o Rio. Lá conhecia mais pessoas, por conta do sindicato e
da militância, e pensei que seria melhor. Mas foi horrível.
Não aguentei três meses - na verdade, não fiquei nem um
mês. Fui para o jornal O Globo e não me adaptei ao sistema
de trabalho. A redação era tomada pelo chamado Partidão,
enquanto eu participava da formação do PT. Ficou difícil
aceitar a ideologia de trabalho e decidi ir a São Paulo,
conferir o convite do Fon.

Acabou o amor. Adeus, redação

Reencontrei o Fon, que me convidou para trabalhar na


Istoé, e fiquei. Entrei na editoria de internacional. Fazia
praticamente a mesma coisa de um copidesque: pegava o
telex, traduzia e escrevia as matérias.

Depois passei para editoria de sociedade. Lá cobria

121
Graça Pinto no plenário da Assembleia Legislativa do RN: experiência na cobertura de temas
políticos. [Foto: Acervo pessoal]

todos os movimentos sociais de MST, a CNBB. Quando


iniciou a campanha para prefeito de São Paulo, fui indicada
para fazer a cobertura da campanha de Eduardo Suplicy.
Era praticamente o mesmo trabalho que fiz com Aluízio
Alves aqui no RN.

Nesse ínterim, a Folha de São Paulo me convidou para


ser repórter especial de cidades e na Istoé já estava cansada do
“pescoção” – um sistema de plantão, no qual a gente entrava
na redação na quinta-feira e só saía sábado de manhã, junto
com a revista. Então aceitei o convite da Folha, e fiquei lá
mais de um ano.

Fugi do pescoção da Istoé e caí no plantão da Folha. A


cada quinze dias, tinha que ficar de plantão no domingo e
aquilo começou me encher o saco. Percebi que estava velha

122
para redação (risos).

O tempo não para. Novos caminhos

Sempre gostei muito de escrever e, nessa época, conheci


umas pessoas da Fundação Roberto Marinho, que me
arrumaram um emprego de redatora de texto para programas
como o Telecurso 2000. Lá tinha horário de almoço e às seis
da tarde eu estava em casa. Fiquei na Fundação de 1988 a
1991.

Em 1991, me separei e não quis mais ficar em São Paulo.


Surgiu um convite da Globotec, que era a empresa que fazia
toda publicidade institucional da Globo. Fui para o Rio de
Janeiro, exercendo praticamente a mesma função de redatora
que desempenhava na Fundação Roberto Marinho. Passei
brevemente pela publicidade política até chegar ao Jornal do
Brasil, no final de 1992.

Foi uma coisa bem interessante, porque representou


uma inovação. O Jornal do Brasil estava implantando o SIN
(Sistema Instantâneo de Notícias). Foi o primeiro sistema
online de notícias no Brasil. Esse projeto foi desenvolvido
em parceria com a Bolsa de Valores, pois havia o interesse do
mercado financeiro em saber com agilidade o que acontecia
no mundo. A gente basicamente pegava o que estava sendo
produzido na redação do JB e reescrevia de forma mais
curta, para disponibilizar online. Não era reportagem, era só

123
a informação, como uma manchete.

No final de 1992 vim a Natal passar férias e fiquei de


vez. Primeiro trabalhei em uma agência publicitária e em
seguida entrei no mestrado. Comecei a dar aula em 1994.

A transição

O primeiro contato com educação foi quando trabalhei


na Globotec. O Ministério da Educação, em pareceria com
a TV Globo, lançou um programa sobre ensino público.
Passava todo sábado de manhã, depois do Telecurso. Fui
redatora especial desse programa.

Quando decidi ficar em Natal definitivamente, em


1992, Cassiano Arruda me convidou para trabalhar em sua
agência. Estava fazendo a publicidade institucional para a
UNP. Conheci as pessoas que dirigiam a Universidade e
veio o convite para dar aula. Em 1994, consegui entrar para
o mestrado, na UFRN, e comecei a dar aula como professora
substituta.

Foi um período de transição, mas foi muito intenso,


porque em 1995 surgiu uma vaga na assessoria de imprensa
da Adurn (Associação dos Docentes da UFRN). Como tinha
experiência dos tempos do sindicato, consegui o emprego.
Entre 1994 e 1996, fiquei trabalhando na UNP, UFRN e
Adurn. Era uma correria, até que passei a ser professora

124
efetiva na UFRN e deixei os outros trabalhos.

Memórias da redação

Tudo marca de alguma forma,mas destaco duas passagens:


aqui no Rio Grande do Norte, lembro muito da cobertura
política de 1984, por ser minha primeira grande experiência.
E em 1988 participei de um projeto alternativo da editora
Leia Livros - onde tive a oportunidade de entrevistar o Luís
Carlos Prestes e o Lula, durante a Constituinte, para fazer a
comparação de visões da esquerda em 1930 e 1988. Foram
entrevistas enormes e maravilhosas, que saíram na íntegra,
no jornal dessa editora.

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126
127
José Zilmar

Sim, há vida inteligente fora


das redações

Nascido em Umarizal, ele passou por jornal diário e


imprensa sindical até encontrar a sala de aula, sua maior
paixão

Por Adri Torquato, Aline Anúzia, Jussara Felix, Pedro


Afonso

Na igreja matriz de Umarizal, a cerca de 350 quilômetros


de Natal, as águas do batismo abençoaram José Zilmar
Alves da Costa. Seu nome foi uma homenagem dos pais
agricultores ao sacerdote que presidiu a celebração. Quando
menino, Zilmar brincava de dar aulas aos amigos. E foi um
desses companheiros de infância que despertou no jovem o
desejo de cursar Comunicação Social na UFRN. Após oito
caronas, ele conseguiu chegar à capital para fazer o vestibular
e foi aprovado.

José Zilmar mudou-se para Natal em 1983 e fez da


residência universitária o seu lar. No segundo semestre do
curso, foi atrás de um estágio na Tribuna do Norte, pois não
dava mais para deixar metade do almoço de domingo para
comer no jantar. Com muito esforço, conseguiu a vaga.

128
Um ano e meio após o início da prática na Tribuna,
em 1984 encerrou-se a experiência como aprendiz.
Contudo, como tinha realizado um bom trabalho, houve um
movimento junto á direção do jornal pela sua contratação.

Três anos depois, em 1987, formou-se jornalista. Passado


um ano, saiu da Tribuna, e foi trabalhar com assessoria de
imprensa, assumindo o cargo no Sindicato dos Petroleiros do
RN (Sindipetro), onde ficou por mais de duas décadas. Era
responsável pela produção, edição e diagramação do jornal
do sindicato. Em 1995 tornou-se presidente do Sindicato
de Jornalistas do RN (Sindjorn). Atuou por dois mandatos,
desenvolvendo estratégias para melhoria do jornalismo no
cenário potiguar, como a luta pelos reajustes salariais. Com
o fim dessa experiência, materializou seu maior sonho: ser
professor na UFRN, onde ingressou como substituto em
2003.

Hoje doutor em Estudos da Linguagem, pela UFRN,


Zilmar trabalha, pela segunda gestão consecutiva, como
superintendente de Comunicação da Universidade. Apesar
de tudo o que já vivenciou no jornalismo, ele pretende
encarar novas experiências. “É como se atrás de mim viesse
um trator: se eu parar, ele vem e passa por cima”, justifica.

Ingresso no jornalismo

Quando era jovem, pensei em fazer várias coisas, mas

129
José Zilmar no começo da carreira, na redação da Tribuna. [Foto: Acervo pessoal]

as pessoas costumavam dizer que eu seria padre. Botei isso


na cabeça, mas acabei tirando. Eu estudava muito. Era um
nerd. Um certo amigo sugeriu que eu cursasse Comunicação
Social. “Depois a gente vem para Umarizal e abre nossa
revista”, foi a cantada que ele me deu. Peguei oito caronas
para chegar a Natal. Fiz o vestibular e passei.

Durante o curso teve eleição para o Centro Acadêmico.


Fiz parte de uma chapa. Um ano perdermos por um voto e
no outro ano, ganhamos por um voto. Era muito disputado.

O curso foi importante para minha formação, embora


tenha aprendido muito nas redações. Quase não havia
estudantes naquele ambiente. Porque, na época, graduandos
que estavam lá eram discriminados. Havia uma política para
evitar a contratação, tanto por parte do sindicato, como das

130
empresas. Mas, hoje correm atrás dos estudantes.

Tive a sorte de trabalhar a partir do segundo período.


Cheguei “verde” à redação da Tribuna do Norte, mas tive a
colaboração de grandes profissionais. Aprendi muito com
eles.

Os primeiros textos que produzi foram mais notícias


do factual que não provocam sensações tão fortes do que
quando você vê uma matéria sua assinada pela primeira vez,
como aconteceu comigo quatro meses depois que estava lá.

Com o passar do tempo fui ganhando bons presentes,


como entrevistar o jogador Romário e a atriz Zezé Motta,
mas teve uma entrevista que eu não esperava; foi um presente
do meu chefe. Ele poderia ter escolhido outro repórter
para entrevistar Câmara Cascudo, então, para mim, foi um
momento especial. As próprias condições da entrevista eram
muito difíceis porque o folclorista já não via e nem escutava
direito, então passei na casa dele, deixei as perguntas com a
esposa e só depois de um tempo é que fui buscar. Lembro
que estava perto dele quando perguntei algumas coisas, e
ele dizendo para mim, com bastante dificuldade, que a coisa
mais fantástica que tinha visto era a televisão. Dois meses
depois, veio a falecer.

A grande referência para nós, jornalistas, são os colegas.


Lembro que fiz uma matéria e, em uma festa, um colega de
redação disse: “Li sua matéria. Seu texto estava maravilhoso”.
Esse processo de socialização, de interação na redação, foi

131
Imprensa sindical: Zilmar foi assessor do Sindicato dos Petroleiros do RN.
[Foto: Acervo pessoal]

muito rico e ajudou bastante. Hoje as pessoas trabalham


muito isoladas; acho que confiam muito na tecnologia.

A minha vida profissional foi muito rica; fui um dos


primeiros assessores de imprensa de um sindicato, com
dedicação exclusiva. No Sindicato dos Petroleiros, eles
foram visionários por perceber a necessidade de investir em
comunicação.

Há espaço para jornalista, tem mercado. Se você quiser


pode até ter carinha na TV Globo, apresentar o Fantástico,
mas se você buscar outros caminhos, como eu, que fui um
dos pioneiros em assessoria de imprensa sindical aqui no
Estado, você consegue.

132
Na imprensa sindical

Não é fácil permanecer tanto tempo nos sindicatos


com uma diretoria que muda a cada três anos. Houve uma
eleição no ano seguinte e eu já era contratado. Entrei no
Sindipetro-RN, na primeira diretoria. Depois, assumiu uma
diretoria de esquerda, daquela bem combativas mesmo, e eu
permaneci.

Nunca deixei confundirem minhas atribuições de


jornalista com as de um militante, que nunca fui. Sempre
mantive minha identidade de jornalista. Era minha força
de trabalho que tinha de estar presente na hora da decisão.
Sempre deixei isso claro. Nunca me envolveria, não criei
expectativa. Poucos jornalistas, naquela época, tinham
experiência no movimento sindical, de maneira que o
tempo foi passando e foram entendendo. Para mim, foi
uma escola muito valiosa porque se caracteriza por uma
intensa produção textual. Fazia as oito páginas do jornal,
as entrevistas, os textos, a diagramação, as fotografias, tudo
sozinho.

No Sindipetro criamos vagas de estágio para jornalistas


que perduram até hoje. Foi uma escola que quisemos deixar
lá.

133
Encontro com Câmara Cascudo, pouco antes da morte do folclorista: momento inesquecível da
carreira. [Foto: Acervo pessoal]

A histórica greve de 1995

Em 1995, numa greve muito grande, a primeira


sentença do Tribunal Superior do Trabalho determinou que
os petroleiros voltassem ao trabalho, mas eles não voltaram.
Depois de mais de 30 dias saiu uma segunda sentença,
que massacrou o Sindipetro. Imediatamente veio a fase de
execução. A estratégia foi tirar todos os bens, deixar só a sede
física, que era boa. Cada unidade interna foi para um lugar
diferente. Alugaram uma sala exclusiva para a imprensa para
quando executassem a sentença, que era pesada: multa de
R$ 100 mil reais por cada dia de greve. Trabalhei durante
quase um ano separado da sede do Sindipetro, isolado. Foi
muito ruim. Trabalhava sozinho num prédio ali perto da

134
Prudente de Moraes. Foi bem triste.

A imprensa explorou bastante essa greve, a desobediência


civil dos petroleiros, então pensei escrever um livro ou
produzir uma dissertação com a terceira sentença: a da mídia,
que condenou também. Esse movimento foi condenado três
vezes. Talvez um dia eu escreva um livro ou produza uma
dissertação sobre isso. Da década de 1990 até o ano 2000, a
categoria petroleira fez grandes movimentos grevistas neste
país.

As lutas no Sindicato dos Jornalistas

A passagem pelo Sindicato dos Jornalistas começou


assim: algumas pessoas da categoria, principalmente das
redações, começaram a dizer: “Zilmar está lá no Sindipetro;
pode dar alguma contribuição no Sindjorn”. Houve uma
eleição e me convidaram para ser secretário geral. Aceitei.
Essa foi a primeira gestão, em 1992. Em 1995 me candidatei
a presidente, a categoria aprovou, de maneira que foram três
mandatos: um como secretário geral e dois como presidente.
Todos muito significativos do ponto de vista da organização
da categoria.

Fizemos comissões de repórteres fotográficos, jornalistas


e de assessoria de imprensa. Na época, o piso era baixíssimo.
As negociações eram marcadas por muita presença na
assembleia. Os patrões sabiam, e isso nos fortalecia.

135
Zilmar entrevista o então jogador Romário, do Vasco da Gama. [Foto: Acervo pessoal]

As negociações eram muito difíceis. Um exemplo: os


diretores da TV Cabugi sempre se adiantavam e davam
um percentual maior. Não queriam saber das negociações.
Houve um ano em que eles se adiantaram, mas lutamos
e conseguimos um aumento maior. Foi uma vitória
gigantesca. Também conseguimos anexar uma cláusula no
acordo coletivo dedicada exclusivamente aos estudantes,
organizando a presença deles nas redações, que passou
a ser de dois por veículo. Hoje, não há esse controle e
os empresários se aproveitam disso para não contratar
jornalistas profissionais.

136
Ilusões perdidas

Quando cheguei ao Sindjorn, tinha uma ilusão: nós somos


a categoria que ajuda as outras a terem mais consciência.
Nos posicionamos como pessoas intelectualmente mais
esclarecidas e conscientes. O jornalista projeta essa imagem,
que pode não corresponder, mas projeta. Se somos esse farol,
por que não o sinalizamos para nós mesmos? Mas não é
bem assim que acontece. Porque somos intelectuais, logo
não fazemos greve. Mas do que adianta formar grandes
jornalistas, se não lutam pelos seus direitos? Por isso as
redações estão minguando, os espaços sendo ocupados, os
salários estão muito baixos. Temos de estar mais conscientes.

Liberdade de empresa

Nas redações, a linha editorial permite trabalhar a


pluralidade das versões, o que é típico do jornalismo. Na
assessoria de comunicação o trabalho é direcionado para uma
construção positiva da imagem da organização. O assessor
está lá para fazer a gestão da informação. Não se trabalha
numa organização para fazer matéria criticando-a. Faz parte
da natureza do trabalho. Nas reuniões de planejamento
estratégico da comunicação você pode opinar, sugerir, mas
é a palavra da organização que vai prevalecer. Por isso, não
é recomendável que se trabalhe em redação e em assessoria

137
ao mesmo tempo.

Quer ter liberdade de expressão? Crie seu jornal e


não dependa um centavo de ninguém, porque liberdade o
jornalista não tem. Os veículos de comunicação privados são
cruéis, muito rígidos nas ideias que defendem, fazem o que
querem. É muito diferente de uma instituição pública.

Não dependi a vida inteira das redações porque busquei


meus nichos; fui um ponto fora da curva. Não existe vida
inteligente só nas redações.

Coração de estudante. E de professor

Eu tinha um sonho e realizei: o de ser professor. Era


um sonho de criança. Eu tinha muitos primos e irmãos
que estudavam, mas sempre fui “adiantado” (risos).
Reunia esses irmãos e primos para dar o reforço a eles.
Isso me entusiasmava bastante. Ficava lá com um quadro
improvisado...Essa imagem é muito forte. Lembro que
até criei um cursinho que preparava para o vestibular e era
superconcorrido, cheio de gente estudando comigo biologia,
física, química, tudo.

Quando vim fazer jornalismo, o sonho da docência ficou


adormecido. Veio a ser despertado no início dos anos 2000,
com uma colega que criou o curso de jornalismo na UNP
e me convidou para dar aula. Foi mais um desbravamento.

138
Nunca tinha dado aula em faculdade. Foi aí que comecei a
despertar para projetos de mestrado e doutorado. Tudo isso
aconteceu depois dos 40 anos.

Entrei na UFRN em 2003, como professor substituto e,


para minha surpresa, os alunos aprovaram minhas aulas, de
maneira que fui escolhido para ser paraninfo. A partir daí
não parei. Terminei o mestrado em um ano e oito meses.
Nesse momento finalizou o meu contrato. Fiquei uns dois
anos fora, sem dar aula, e em seguida me preparei para o
doutorado. Eu tinha três meses para concluir o doutorado,
entre a aprovação do concurso na UFRN e entrada em
exercício, senão iria perder a vaga. Defendi a tese faltando
dois dias para apresentar o diploma de doutor. Fui efetivado.

Um ano depois que eu estava no quadro, veio o convite


da professora Angela Paiva, que tinha sido eleita a primeira
reitora mulher da UFRN e precisava de alguém à frente
da comunicação. Assumi a superintendência. Não tinha a
dimensão dos desafios que iria enfrentar ali.

Entramos em um grupo de pesquisa no Decom, o


Comídia, com uma linha voltada para a comunicação
organizacional. E avançamos nos estudos até criarmos
o ECO, nosso grupo de Estudos em Comunicação
Organizacional. Temos desenvolvido trabalhos muito bons
na área.

139
Desafios na Comunica

Na superintendência de Comunicação da URFN, a


Comunica, o primeiro grande desafio foi trocar o transmissor
digital da TV Universitária. Foi a primeira Universidade do
país a fazer isso. Fizemos o primeiro programa infantil na
rádio e o “Tela Rural”, na TV. Vou fazer como Fernando
Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
Valeu muito a pena, mas, daqui para frente, quero viver outras
coisas. Farei 55 anos em maio, e ainda tenho tempo. Minha
vida é movida a desafios. O próximo, não vou abrir mão
dele, é entrar na pós-graduação e orientar bons trabalhos.
Se Deus quiser.

140
141
142
Maurício Pandolphi

Relatos de um jornalista feliz

Da reportagem policial às experiências pioneiras na TV


Universitária, são mais de 50 anos de histórias para
contar

Por Eduarda Fernandes, Marcela Palhares, Priscila Lima

Carlos Maurício Pandolphi Pereira começou sua


trajetória na imprensa com apenas 16 anos, em um jornal
amador na pequena cidade de Ivaiporã, no Paraná, onde
nasceu. Mas não permaneceu por muito tempo na cidade:
trabalhou em São Paulo, Salvador, São José dos Campos e
Natal, onde veio para passar férias e acabou ficando.

Sua carreira não se restringiu ao jornalismo. Em 52 anos


de atuação profissional, passou por emissoras de rádio e
televisão, jornais, além de agências de publicidade. Também
participou diretamente da criação da Rede Legislativa de TV
Digital, além de ter sido professor do curso de Comunicação
Social da UFRN por quase três décadas. Atualmente
aposentado, foi diretor de Rádio e TV da Assembleia
Legislativa do Rio Grande do Norte, radioamador, pescador
e permanece apaixonado pela profissão.

Em 2014, Pandolphi publicou o livro Também se fala

143
com os pés (Sebo Vermelho), onde relata as suas experiências
profissionais em forma de contos. Maurício Pandolphi
conta que escolheu este título para homenagear Henrique
Lobo, um grande jornalista das décadas de 30 a 60. “Em um
dia comum de gravação, Henrique pediu que parássemos
a gravação e nos disse: ‘Meninos, também se fala com os
pés.’ Não entendi o que queria dizer com isso. Mas ele
logo nos explicou o que significava: aproximar e afastar
o microfone para dar noção de profundidade. Deu a
entender que falar não é só com a garganta. É falar com
o corpo, é se expressar, se aproveitar de tudo que você
tem. Nunca me esqueci das palavras do Lobo. Então,
quando decidi contar algumas das minhas experiências
profissionais ao longo da minha vida, resolvi homenagear o
mestre”.

Jornalismo versus atualidade

Eu comecei em 1966 e em 1968, quando veio o AI-5, eu já


estava em São Paulo. Era muito difícil fazer jornalismo, pois
só havia duas áreas que não eram censuradas: crônicas sociais
e esportes. Mesmo assim, se você colocasse nas crônicas
sociais alguma foto que não agradasse as autoridades, no dia
seguinte estavam lá querendo saber o porquê da divulgação
daquela imagem. Mas do ponto de vista profissional,
sempre encontrei com portas abertas. Tive essa sorte. Na
minha geração as pessoas faziam questão de ensinar aos

144
Gravação de aulas de rádio do Projeto Saci, no Instituto de Pesquisas Espaciais, em São José dos
Campos, em 1972. [Foto: Acervo pessoal]

outros, primeiro porque praticamente não havia cursos de


jornalismo no Brasil. Quando comecei a trabalhar, com
16 anos, existiam apenas três faculdades de jornalismo no
Brasil. Uma delas era em Natal – e que foi a terceira do país
-, a Eloy de Souza. Então, a gente se formava nas redações.
Eu comecei a trabalhar antes de ir para a universidade.
Quando entrei numa faculdade, já tinha quase cinco anos
de experiência na profissão. Na época, as ferramentas de
trabalho eram muito limitadas, fora o risco de você ser preso
por conta de qualquer coisa que desagradasse ao governo
militar.

145
Casos marcantes, na ditadura

Eu tinha 18 anos. Fui a uma delegacia de polícia (já


era acostumado a buscar reportagens lá), entrei e abri a
porta errada. Me deparei com quatro policiais fumando a
maconha que tinham apreendido de um traficante. Quando
me viram, eles fecharam a porta e disseram: “Agora você vai
fumar com a gente para calar essa boca”. E me obrigaram
a fumar maconha na frente deles. A maior pressão que eu
sofri foi essa. Fora isso, não tive nenhum outro episódio
ruim com a polícia.

Pude, porém, acompanhar dois casos com colegas.


Um deles, com quem trabalhei na TV cultura de São
Paulo durante um mês, foi o Vladimir Herzog. Em 1975,
ele foi chamado para prestar esclarecimentos na sede do
DOI-Codi, sobre suas ligações com o Partido Comunista
Brasileiro. Sofreu torturas e, no dia seguinte, foi encontrado
morto, amarrado pelo pescoço com uma tira de pano a uma
grade da janela da cela. Convocaram um perito do Instituto
Médico Legal para fotografar a “prova” de que o Vladimir
teria dado fim à própria vida, em um surto de enlouquecido
arrependimento por ter escrito uma confissão que aparecia
rasgada, no chão, na imagem divulgada pelos órgãos de
repressão. Mas posteriormente se descobriu que tudo não
passava de uma farsa, para encobrir o seu assassinato.

Outro caso foi com o meu primeiro editor-chefe, Luiz


Paulo Costa. Ele devia ter uns 35 anos na época. Eu nunca

146
soube que participasse de alguma militância partidária.
Naqueles anos, apenas dois partidos, Arena e MDB, eram
admitidos no país. Numa sexta-feira, cerca de quatro da
tarde, Luiz saiu para ir à padaria e sumiu. Ele foi sequestrado
pelo serviço de segurança do governo militar, como muitos
outros jornalistas foram naqueles anos de chumbo. Eu notei
que ele não havia aparecido ainda e nem tinha chegado a ir
à padaria, então resolvi ligar para um oficial conhecido, que
me respondeu com a maior frieza: “Esqueçam esse cara. Ele
nunca existiu”. Luiz Paulo reapareceu dois meses depois, do
mesmo jeito que tinha saído, mas estava quase cego de um
olho e com a coluna estropiada pelo pau-de-arara.

Sob fogo cerrado

Certa vez recebi o convite do tenente Luiz Carlos, da


Polícia Militar, para acompanhar uma batida numa favela
de São José dos Campos, chamada Linha Vermelha. O
objetivo era prender um conhecido traficante de drogas que
se escondia lá e o que parecia apenas mais uma reportagem
se transformou numa verdadeira aventura. Nós fomos até
a favela e tudo corria calmamente. Já passava de uma da
manhã e tudo o que a Polícia tinha feito era revistar dezenas
de pessoas que passavam pelo local. Encontramos o tal
traficante, que quando viu a polícia, respondeu à bala, junto
com dois ou três comparsas. Naquele momento parecia que
tudo estava passando em câmera lenta. Fiquei morrendo de

147
Maio de 1976: Maurício Pandolphi (à direita) na estreia como repórter esportivo de campo, pela
TVU, sendo entrevistado pelo repórter Carlos Alberto, da Rádio Nordeste, no estádio Castelão.
[Foto: Acervo pessoal]

medo, incapaz de me mexer, como se eu estivesse plantado


no chão. Foi então que eu ouvi uma pessoa gritando: “Corre,
que fodeu”. Não sei como, mas saí do lugar. As minhas
pernas ainda estavam bambas, mas saí correndo como nunca!
Era bala por toda parte. A adrenalina subiu, e me joguei
numa valeta que corria ao lado da rua de chão batido. Caí,
literalmente, em cima do tenente Luiz Carlos, e lá ficamos
os dois, ou melhor, os três, porque o cabo logo se jogou por
cima da gente (risos), na mesma valeta suja.

O tiroteio durou apenas um minuto, mas pareceu uma


eternidade. Quando a munição dos marginais acabou, eles
saíram correndo. Só um não conseguiu fugir, justamente
o traficante que estávamos procurando. Esse coitado deu
de cara com o único membro da patrulha policial que

148
preservara a compostura e se manteve firme em seu posto
durante a confusão: um cão pastor alemão enorme, chamado
Lobo (risos). Nós só saímos da valeta quando ouvimos
os rosnados e os gritos de desespero do traficante que
foi atacado pelo Lobo e teve o traseiro dilacerado. Então
voltamos à rua todos sujos de merda, com as pernas bambas,
ainda. Milagrosamente ninguém foi atingido. Passado
o susto, entramos na viatura e voltamos para a cidade. O
traficante veio sentado entre o tenente e eu, de lado, com a
bunda estraçalhada. Levamos o infeliz para a Santa Casa da
Misericórdia, para que lhe costurassem o traseiro, e depois
voltamos para a delegacia, onde o tenente teria um relatório
para preencher e eu, uma reportagem para concluir.

A cobertura de polícia

Ainda muito jovem, fui repórter policial em São Paulo.


Eu já fazia cobertura policial para a Rádio Clube de São
José dos Campos há dois meses. Certa manhã, avisaram na
redação que um motoqueiro tinha sido atropelado e morto
na Via Dutra. Peguei meu equipamento e fui até o local do
acidente.

Enfrentei um enorme congestionamento, provocado


tanto pela forte neblina quanto pelo acidente. Chegando
ao local, pude constatar que o motoqueiro tinha sido
atropelado por um veículo que se evadiu do local. Vi a

149
moto caída no acostamento, mas não vi a vítima. Então
perguntei ao policial rodoviário onde estava o corpo e ele
me respondeu: “Você está pisando nele”. O coitado tinha
morrido provavelmente no início da madrugada e no meio
daquela neblina, dezenas de motoristas haviam passado
sobre o corpo, sem perceber. Restava do motoqueiro apenas
uma massa sangrenta espalhada pelo asfalto, uma mistura de
roupas, ossos, sangue e tecidos humanos. Eu fiquei chocado
ao ver aquilo, mas fiz a minha matéria ali mesmo.

Numa outra cobertura, também policial, chegou a


notícia de que uma Kombi havia virado na Via Dutra e
tinha morrido todo mundo. Chegando ao local, constatei
que não havia vítimas fatais. Dirigi-me ao policial rodoviário
e questionei o fato de, num acidente desses, não ter nenhum
morto. Incomodado e envergonhado com minha atitude,
deixei de ser repórter policial de vez. Esse pensamento me
fez ver o quanto eu estava me brutalizando.

Da TV Saci à TV Universitária

O Saci, Satélite Avançado de Comunicação


Interdisciplinar, que deu origem à TV Universitária (TVU),
se destinava a alfabetizar crianças e a capacitar professores
leigos do Rio Grande do Norte. Foi, com certeza, um projeto
pioneiro, que ajudou a alfabetizar milhares de crianças
potiguares através da TV e do rádio, nas comunidades mais

150
Com o técnico e sonoplasta Bill Boy, no estúdio da FM Universitária, em dezembro de 2000.
[Foto: Acervo pessoal]

remotas do estado.

Projeto que, apesar das críticas destinadas à direção, por


esta ser formada por cientistas civis e ex-militares, embora
fosse destinado à educação, teve sucesso na sua execução,
colocando o estado nordestino na frente dos demais quando
se falava em tecnologias educacionais.

Éramos um grupo de 130 pessoas, com as quais eu tive


o prazer de aprender com profissionais de renome como o
radialista Henrique Lobo, que era famoso por ser jurado do
programa do Silvio Santos; o jornalista Walter Sampaio, o
ator e diretor de teatro e televisão Octávio Graça Melo. O
grupo original de atores logo cresceu; tínhamos um elenco
de 70 pessoas fixo, incluindo crianças.

151
A produção do Saci foi enorme, entre 1971 e 1975.
Aqueles foram anos dourados para nós. Eu, que cheguei lá
com experiência apenas em jornalismo, me tornei radioator,
teleator, contrarregra e até redator. Foi uma verdadeira
faculdade informal, que completava o jornalismo.

Não tinha mais nenhuma televisão em Natal, só a


TV Universitária. Quando tinha jogo, a gente enviava o
videoteipe pela Embratel para as repetidoras, a Tupi e a
Globo. Era uma equipe exclusiva. Tinha a rádio, mas a rádio
não competia com a gente. Foi a melhor fase dos times do
Rio Grande do Norte, as décadas de 1970 e 1980. Uma fase
muito interessante, mas o nosso trabalho era primitivo, pois
não tínhamos equipamentos. Era um trabalho feito com a
alma.

Grandes temas

O programa “Grandes Temas”, que eu tive o prazer


de dirigir e apresentei por dez anos seguidos na TVU, foi
certamente um dos marcos da minha carreira profissional.
O projeto nasceu com a missão de abrir um novo espaço
para debater temas de grande interesse social, e foi proposto
pela jornalista, professora e também minha ex-aluna Josimey
Costa.

Fui convidado a estruturar e apresentar o programa.


Inicialmente, a ideia era produzi-lo mensalmente, e foi assim

152
Pandolphi caracterizado como o palhaço Arlequim, personagem das teleaulas do Projeto Saci,
em 1973. [Foto: Acervo pessoal]

que começou, em setembro de 1995. Mas já no final do ano


decidimos levar o programa ao ar, todas as segundas-feiras,
à noite. E logo se tornou uma das referências do jornalismo
na televisão potiguar.

Furo jornalístico, na morte do papa

Nos anos 1970, a TVU enfrentava dificuldades de


toda ordem - financeira, insuficiência de equipamentos
e tecnologia defasada. Sendo assim, comemorou-se a
chegada de um aparelho de teletipo conectando a equipe
de jornalismo ao mundo, embora não fosse uma novidade
aos jornais locais. O nosso teletipo foi inaugurado em 1978.

153
Era conectado à Agência Estado, que nos repassava notícias
internacionais da France Press.

No dia 28 de setembro, no começo da manhã, eu estava


na emissora e passei ao lado do teletipo. Vi a máquina
disparando e imprimindo a mesma frase em várias línguas
e em caixa alta. Quando me aproximei para ver do que se
tratava, levei um susto. O papa João Paulo I, eleito há três
meses, tinha acabado de ser encontrado morto em seus
aposentos no Vaticano.

Eu arranquei a folha e saí correndo e berrando: “Edição


extra, edição extra! Preparem o estúdio porque o papa
morreu”. Passei voando pela sala de maquiagem, peguei
o primeiro paletó que vi e continuei correndo. Apesar de
todas as nossas dificuldades quanto a materiais, a paixão
pela profissão era o que não faltava ali. Em menos de um
minuto lá estava eu no ar, ao vivo, anunciando a notícia. Em
questão de segundos, após a notícia do falecimento do papa,
os telefones da TVU começaram a tocar. Os telespectadores
ficaram chocados com a notícia e queriam mais informações.

A TVU tinha dado um furo em todo mundo, nas rádios


locais e até mesmo na Globo e Tupi, que somente divulgaram
a notícia uns dez minutos depois. Foi pura sorte, porque eu
estava no lugar certo, na hora certa, mas mesmo assim foi
fantástico sair na frente de todas as emissoras de rádio e TV.

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Maurício Pandolphi (à direita) com o diretor da Superintendência de Comunicação da UFRN,
Márcio Capriglione, e o reitor Ótom Anselmo, na inauguração da FM Universitária, em 2001.
[Foto: Acervo pessoal]

FM Universitária

No dia 28 de dezembro de 2000, nossa equipe andava


de um lado para o outro. O nervosismo era bem evidente,
afinal de contas, dentro de alguns instantes entraria no ar,
ainda em caráter experimental, a rádio Universitária FM,
na frequência de 88,9 megahertz. Nós éramos poucos e tive
o privilégio de ser escolhido para dirigir aquele grupo. Eu
tinha ao meu lado um grupo de excelentes profissionais e
graças a eles, a rádio agora estava pronta para seu batismo
de fogo.

O fundador da UFRN, Onofre Lopes, fez a primeira


tentativa para ter uma emissora de rádio em 1968, ainda no
sistema AM. Depois, em 1978, o reitor Domingos Gomes

155
de Lima apresentou um projeto para uma emissora FM,
mas também foi frustrada. O curioso é que, enquanto lutava
para criação e aprovação de uma simples rádio, em 1972
a Universidade recebeu aprovação para uma emissora de
televisão.

Mensagem na garrafa

Eu era diretor pedagógico da TVU e um belo dia chegou


a minha vez de “estrear”. O Júlio Brigídio, que era conhecido
como Kojak, apareceu na emissora com uma garrafa lacrada
com cera, que tinha um pedaço de papel dentro. Ao abrir,
vimos que havia uma mensagem em inglês, meio borrada
pela umidade, mas perfeitamente legível.

Já que o Kojac era conhecido por integrar o grupo dos


mentirosos da TVU, ninguém do jornalismo se interessou
sequer em ler a tal mensagem. Bom, quase ninguém, porque
decidi checar o que dizia a tal mensagem. Então peguei a
carta, traduzi e descobri que se tratava de uma mensagem
enviada por uma estudante chamada Vera Stringfellow, que
morava na região do Transvaal, na África do sul.

A garrafa teria sido jogada ao mar em fevereiro de 1981


e chegou a Natal presumidamente no começo de dezembro
do mesmo ano. Então pedi ao Kojac para me contar a história
diversas vezes, para pegar ele em alguma contradição. Que
nada. O danado recontava a história sempre da mesma

156
forma. Decidi fazer a matéria que ninguém queria fazer.
Fui ao Instituto de Biologia Marinha da UFRN e descobri
a existência da corrente do Golfo de Benguela, que sai do
sul da África e termina nas costas do Nordeste brasileiro.
Fui também ao local da descoberta da garrafa e simulei sua
chegada à praia de Ponta Negra.

A matéria saiu em São Paulo e foi retransmitida para


todo o país. Mas ainda faltava alguma coisa. Então resolvi
escrever para Vera Stringfellow, para informar que havíamos
encontrado a sua carta na garrafa. Em fevereiro de 1982 eu
recebi uma carta de Vera, dessa vez pelo correio, na qual
ela não só confirmou a história, como me disse que havia
lançado 20 garrafas iguais àquela, durante uma viagem de
navio, duzentas milhas ao sul da África. Contou que no
exato dia em que recebeu a minha carta informando sobre
a descoberta da garrafa, o mesmo navio, em uma outra
viagem, naufragou com 173 pessoas a bordo. Nunca mais
recebi notícias dela. Mas guardo as duas cartas e o recorte
de jornal, que me lembram de duas das melhores matérias
televisivas que produzi na vida.

157
158
159
Osair Vasconcelos

Jornalista e escritor, ele é


movido pela criatividade

Na extensa bagagem cabem muitas reportagens, quatro


livros, marketing político e até a fundação de uma TV

Por Eliza Hikary, Isabelle Nayara, Juliana Lima e Letícia


Medeiros

Em uma manhã de um domingo ensolarado, somos


recebidas, de forma cordial, em uma casa com fachada
alaranjada. O ambiente aconchegante, de decoração rústica,
é o cenário da entrevista. Dois gatos deitados nos sofás
testemunham a conversa.

De início, nosso entrevistado - um senhor de cabelos


grisalhos, dono de uma atenção e curiosidade impressionantes
– passa a entrevistador. Durante a primeira meia hora de
conversa, Osair Vasconcelos pergunta sobre nossas vivências
como estudantes de jornalismo. Quando falamos de nossas
motivações, preocupações e sonhos, ele ouve de maneira
cuidadosa e interessada. Quando nos devolve à posição de
entrevistadoras, Osair se define como “mediano”. Contudo,
a história de vida deste jornalista contraria o adjetivo com o
qual humildemente se definiu.

160
Nascido em Macaíba em 26 de abril de 1954, Osair José
Vasconcelos de Medeiros sempre mostrou interesse pela
leitura. Quase optou pelo curso de Direito, mas a paixão
pelas notícias falou mais alto: decidiu que seria jornalista.
Ingressou na Universidade em 1975, mesmo ano que
criou - com alguns colegas de turma - um jornal mural,
que funcionou apenas algumas semanas. Eram tempos de
censura, mesmo dentro de uma universidade.

Apaixonado por jornalismo, Osair abriu a conversa


falando de outro amor: o futebol. Esse fascínio o levou a
trabalhar com esportes no Diário de Natal, em 1976. Pouco
tempo depois, também foi cobrir cidades para o jornal Poti,
ligado ao DN.

Em 1978, mudou-se para a Tribuna do Norte, onde,


além de repórter, virou pauteiro e editor de automobilismo.
Um ano depois, em janeiro de 1979, foi chamado para ser
correspondente do jornal Estado de S. Paulo, o que o fez sair
da Tribuna. Em 1983, tornou-se editor-geral do jornal Dois
Pontos, onde ficou até 1985.

Nesse período, começou a trabalhar como correspondente


da Globo Nordeste, no Rio Grande do Norte. Após
dois anos, quando a Tribuna ganhou a concessão da TV
Cabugi, Osair foi convidado para participar da criação do
departamento de jornalismo.

O jornalista nos contou, ainda, que fez diversas


campanhas políticas, como a de Henrique Eduardo Alves,

161
Na primeira plataforma marítima da Petrobras, no Rio Grande do Norte, em 1977. À esquerda,
Ricardo Rosado. [Foto: Acervo pessoal]

em 1988 e 1992. Além disso, trabalhou como freelancer para


as revistas Veja e Istoé e para o programa Globo Rural.

A paixão pela leitura motivou Osair a escrever quatro


livros. O primeiro deles, Encontros passageiros com pessoas
permanentes (Letras Natalenses, 2008), apresenta crônicas e
reportagens escritas ao longo da carreira. O segundo, A cidade
que ninguém inventou (Z Editora, 2010), traz memórias da
infância e adolescência em Macaíba. O terceiro, As pequenas
histórias (Z Editora, 2015), é um livro de contos. O mais
recente, Retratos fora da parede (Z Editora, 2018), reúne
crônicas. O escritor também participou da coletânea Humor
no conto potiguar (8 Editora, 2016), entre outras.

Hoje, Osair atua como Secretário de Comunicação do


Tribunal de Justiça do RN. Na longa conversa, ele disse

162
acreditar que escrever é uma necessidade humana. Essa
inevitabilidade, julga, o levou a escolher a carreira.

Primeiro contato com o jornalismo

Minha mãe era dona de casa e meu pai, um servidor


público, e foi através deles que eu aprendi a gostar de jornal.
Meu pai era humilde, não tinha dinheiro para comprar jornal
todos os dias, então, comprava aos finais de semana. Nos
domingos, as edições eram mais amplas e tinha o caderno
infantil. Fui atraído para a leitura de jornal de uma forma
muito intensa, quando criança. Minha mãe também gostava
de ler e me incentivava.

Comecei a pensar no que iria fazer quando estava


estudando no Atheneu, ainda no segundo ano do curso
clássico, voltado para ciências humanas e sociais. Eu tinha
amigos mais velhos em Macaíba que eram advogados, e
frequentava as rodas de conversa. Pensei em fazer Direito,
mas, quando faltavam uns três meses para a inscrição, optei
por Jornalismo. O que me deu o insight foi um caderno de
reportagem chamado “Módulo Três”, que, na época, já fazia
parte do O Poti. Todas as matérias do caderno tinham estilo
livre, o que me proporcionou a vontade de ser escritor. O
Módulo resgatou a ligação entre a minha infância e o jornal.
Eu pensei: “Tem de ser jornalismo”.

163
Na editoria de esportes

Eu tive a ideia de chamar meus amigos do curso de


Jornalismo para criarmos um jornal mural. Na primeira
edição, cada um escreveu suas coisas. Nós éramos estudantes
e queríamos ser jornalistas para influir na sociedade.
Vivíamos na ditadura. Mas, mesmo que o conteúdo
não fosse sobre política, era malvisto pela Assessoria de
Segurança e Informação (ASI) da UFRN. A gente fez
um mural, escreveu lá, colocamos a noite e no outro dia já
não estava mais. Infelizmente, o nosso jornal não chegou à
terceira edição.

Em outubro de 1975, eu tinha um amigo, Remo de


Macedo, que trabalhava como tradutor de telegramas em
espanhol no jornal A República. Lá apareceram duas vagas
para repórter e o meu amigo me indicou. A partir daí,
comecei a trabalhar na editoria de cidades. Em maio de 1976,
recebi um convite do Diário de Natal, que era um sonho
de consumo dos jornalistas naquela época, porque o DN
vendia trinta mil exemplares por dia. O repórter responsável
por cobrir o Judiciário se aposentou e me colocaram na vaga.
Mas eu não entendia o “jurisdiquês” dos juízes, advogados e
promotores. Então, após três meses de muita dificuldade, eu
disse que não dava, que não tinha capacidade para aquilo. Aí
me ofereceram a vaga para cobrir esportes.

Foi um aprendizado fantástico. Na época, o RN vivia


seus melhores momentos no futebol. Quando a gente via um

164
Em 1977, na cobertura da última viagem do trem de passageiros entre Natal e Recife.
[Foto: Acervo pessoal]

jogo com estádio lotado, com milhares de pessoas torcendo


e vibrando, aquele clima bacana, não imaginava que por trás
tinha muita coisa suja. Você conversava com um dirigente
que era endeusado e o cara sacaneava com os jogadores e
repórteres. Fui vítima de coisas assim. Aprendi que debaixo
daquela superfície tão bacana que era o futebol, existia muita
coisa ruim. Eu tive uma escola que ninguém queria, mas vi
que era muito melhor do que aquela que todos desejavam, a
editoria de polícia.

Carreira na reportagem

Eu atuei na área de esportes e foi uma experiência

165
ótima. Fiz muitas matérias boas. Eu gostava de futebol
desde criança. Tive a chance de me deparar com caras, que,
quando eu era criança, colava a figurinha deles no álbum.
De repente, eles estavam na minha frente. Me dava um
arrepio. Uma das grandes coisas do jornalismo é exatamente
essa: você conversar com um gari, uma pessoa praticamente
invisível na sociedade, e obter uma grande matéria, e amanhã
você cobrir o presidente da República, um ministro, um
governador, um artista famoso. Isso enriquece a gente de
forma inigualável.

Deixei o esporte e fui cobrir cidade no Diário de Natal


e no Poti, que era semanal. Eu desenvolvi habilidades,
conhecimentos, minha escrita. Em janeiro de 1978, recebi
um convite para a Tribuna do Norte. Lá, eu fui repórter,
pauteiro e editor de automobilismo. Mas, um ano depois, em
janeiro de 1979, recebi um convite para ser correspondente
do Estadão em Natal. Em três ou quatro meses, eu tinha um
salário bem melhor no Estadão e resolvi deixar a Tribuna.

Em 1983, um empresário resolveu criar um jornal, me


convidou e a gente montou um semanário chamado Dois
Pontos. Fui o editor geral de 1983 a 1985, mas sem deixar
de ser correspondente do Estadão. Em 1985, fui convidado
pela Globo Nordeste para ser repórter regional no Rio
Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Deixei o jornal
Dois Pontos e fiquei como correspondente do Estadão e
da Globo. Fiquei até 1987, quando o grupo da Tribuna
ganhou a concessão da TV Cabugi, afiliada da Globo, e me

166
Na posse do governador Geraldo Melo, entrevistando Aluízio Alves para a Globo.
[Foto: Acervo pessoal]

convidou para participar da montagem do departamento


de jornalismo. Sorte minha, porque, naquela época, Natal
já tinha a Tropical, a TV Ponta Negra, a TVU, mas havia
pouca mão de obra especializada em jornalismo de TV. Me
convidaram para ser chefe de redação. Antônio Melo era o
diretor de jornalismo e me incumbiu de organizar a redação.

Eu selecionei repórteres, treinei até onde eu pude, e em


certos momentos chamei o pessoal de Recife para auxiliar.
Em primeiro de setembro de 1987, a gente colocou a TV
Cabugi no ar. Eu deixei a Globo Nordeste, mas continuei
correspondente do Estadão. Fui a pessoa que primeiro
botou a cara na telinha da TV Cabugi, dizendo que ela
estava entrando no ar. Foi um Bom Dia RN especial, só para
a inauguração e nele eu entrevistei Aluízio Alves.

167
A fundação da TV Cabugi

Eu tinha experiência como repórter da Globo, que é


o suprassumo em termos de qualidade, sem dúvida. Para
montar o departamento jornalístico da TV Cabugi, eu
preparei a prova escrita, entrevistei cada candidato e dei os
primeiros treinamentos: o que é uma passagem, como fazer
uma entrevista, como segurar o microfone. A partir de um
segundo momento, convidei o pessoal com quem convivi
em Recife - Vera Ferraz, que era diretora de jornalismo,
e Francisco José. Depois a Globo mandou pessoas de São
Paulo e Rio para fazer o treinamento, inclusive para mim.

A nossa estrutura de trabalho era muito simples. A sede


não se compara à que a Cabugi tem hoje. A nossa era um
galpão que nem pintura tinha. Só tinha pintura por dentro.
Por fora era parede de cimento, um galpão com telha de
amianto, quente, estreito. A parte administrativa ficava
em outro prédio na mesma rua. Mas a gente fazia um
jornalismo de muita qualidade. Tanto é que no primeiro ano
o pessoal da Globo disse: “Rapaz, olhe, vocês são a terceira
melhor afiliada”. Isso com um ano; as outras já tinham dez
anos. Começamos a fazer uma programação que não era
obrigatória, mas que a gente podia fazer.

Quando me tornei diretor de jornalismo, criei um


programa de que me orgulho muito, que ninguém tinha:
chamava-se “RN TV Especial”. Era assim: a gente pegava
uma cidade e mostrava tudo daquela cidade. Era um

168
Em 1975, conhecendo os problemas do recém-inaugurado Conjunto Habitacional de Candelária.
[Foto: Acervo pessoal]

programa caro e acho que só houve quatro edições. Os


apresentadores éramos eu e Neuzinha Farache, que mora
em Miami há muito tempo. Era um programa gravado ao
vivo. A gente gravava hoje para ir ao ar no próximo sábado e
não tinha edição. Ia para o ar com os acertos e com os erros,
então a gente não podia errar.

Carreira no marketing político

Em 1982, houve a primeira eleição direta para


governador desde o golpe de 1964, então Aluízio Alves saiu
candidato e convidou Antônio Melo para ser o marqueteiro
da campanha. E ele convidou a mim e a Sávio Hackradt.

169
Nós três fazíamos esse trabalho. O marketing naquela época
era muito difícil, não tinha muito material. A campanha era
feita basicamente em jornais.

Em 1988, ano de eleição municipal, Henrique Alves foi


candidato a prefeito e me convidou para fazer a campanha
dele. Foi meu primeiro trabalho solo de marketing político,
mas como era incompatível eu trabalhar no Estadão e ser
marqueteiro, optei pelo marketing. Perdemos, mas em 1992
ele se candidatou novamente e fui convidado. Trabalhei com
ele e também perdemos.

Fiz a campanha de Henrique e quando terminou, voltei


para a Cabugi e reassumi a direção de jornalismo. Fiquei
até 1993, quando os proprietários do grupo me chamaram
para ser diretor da Tribuna, porque eles queriam fazer
uma reformulação. Em 1996, recebi o convite para fazer a
campanha de prefeito em São José dos Campos, em São
Paulo, e deu certo. Daí fui lá em 2000, 2004, 2008, 2012 e
2016.

Testemunha da fúria do general

Em 1983, o general João Baptista Figueiredo veio a


Natal. Ele veio inaugurar a rodoviária. Depois, foi para sede
do América, onde seria cumprimentado pelas autoridades, e
perguntamos se ele iria falar. O assessor disse que o general
não daria declaração para a imprensa, mas que teria uma

170
Na Coojornat, da qual foi um dos fundadores, entrevistando Lena Frias, repórter do Caderno B
do Jornal do Brasil. [Foto: Acervo pessoal]

fila de autoridades. “Quando ele passar, vocês perguntam.


Se ele quiser, responde. Se não quiser, vai passar direto”,
disse o assessor. Fizemos a fila e um jornalista da Folha de S.
Paulo disse que faria uma pergunta que o presidente não iria
gostar de ouvir. Quando Figueiredo estava passando, viu que
eram jornalistas que estavam ali. Cumprimentou a última
autoridade e já se afastou. O repórter da Folha gritou: “Se
Brizola ganhar, leva?”

Figueiredo veio com o dedo na cara dele e disse:


“Olha aqui, seu moleque, eu não estou brincando de fazer
democracia, não!”. Ele era famoso por frases agressivas
como “o cheiro do cavalo é mais agradável do que o cheiro
do povo”. Ele continuou com grosserias e virou manchete
em todos os jornais. E eu acabei escrevendo sobre esse

171
mal-estar que ele passou em Natal. Não eram momentos
históricos, mas eram acontecimentos dentro de momentos
históricos. O poder dos militares estava em declínio, mas
ainda era feroz.

Sempre inquieto

Desde criança, eu tenho essa veleidade de ser escritor.


O que me motivou a ser jornalista foi a reportagem criativa,
a reportagem mais literária, essa vontade de criar coisas.
O jornalismo precisa inventar coisas novas, para atrair as
pessoas. Eu sempre trouxe essa inquietação comigo.

Por exemplo, quando fui para a Tribuna, os donos


queriam mudar o jornal, melhorar, tirar a marca política
dele. Eles queriam um jornal mais aberto ao leitor. Quando
eu cheguei, o caderno dedicado à cultura era chamado de
“Cultura e Artes”. Isso aí é nome de editoria, não é nome de
caderno, então eu criei o Viver.

Quando eu fui para o Diário, a primeira capa que eu


fiz do Poti espantou o pessoal. O governo tinha decretado
estado de emergência por conta da seca. Eu peguei a foto de
uma mulher e uma criança andando sobre o terreno seco de
um açude. Era uma foto bonita. “Vamos ampliar”, eu disse.
Toda a capa do jornal era ocupada pela foto. Acho que, até
então, ninguém tinha feito isso. Pelo menos aqui não tinham
feito. Coloquei assim: “Ela de novo: a seca volta”. Um título

172
bem curto e aquela foto enorme. O nome do jornal, o título
e aquela foto. O jornalismo me permitiu fazer essas coisas.

173
174
175
Tácito Costa

Incansável divulgador da
cultura potiguar

O gosto pela leitura de jornais e quadrinhos, e o encanto


pelo cinema começaram ainda na infância, em Santana do
Matos

Por Jefferson T. Rocha, Maria Vasconcelos e Sebastião


Monteiro

Nascido no interior potiguar, em Santana do Matos, em


1961, numa família humilde com 16 filhos, Tácito Costa
interessou-se desde cedo pela leitura, a começar pelos jornais
que chegavam na mercearia onde seu pai, Francisco Balbino
da Costa, trabalhava. Essa intimidade com as palavras
iniciou-se com os jornais e quadrinhos que apareciam na
cidade e foi crescendo gradualmente, junto com o encanto
pelo cinema. Mais tarde, aos 15 anos, mudou-se para a
capital do Estado a fim de cursar o segundo grau.

Pensou em cursar Letras, mas em 1980 escolheu


Jornalismo. Ao ingressar na UFRN, teve uma experiência
acadêmica focada no “artesanato” do jornal impresso, além
de conviver com uma turma de escritores e intelectuais.
Sempre próximo da literatura, foi assíduo frequentador da

176
biblioteca Zila Mamede.

A carreira começou quando conseguiu estágio no Diário


de Natal e, logo após, na Tribuna do Norte, veículo onde,
como diz ele, pediu um estágio ao diretor de redação “na cara
de pau”. Após estagiar sem salário durante 1984, conseguiu
a vaga definitivamente em 1985, mantendo-se na Tribuna
por mais de quatro anos. Ali, sua carreira no jornalismo
cultural foi tomando forma.

Hoje uma referência na cobertura de artes, literatura


e espetáculos, Tácito Costa exerce a função de assessor de
imprensa da Fiern (Federação das Indústrias do RN) desde
1993, além de administrar o site Substantivo Plural, criado
por ele. “Sempre tive dois ou mais empregos para sobreviver.
Trata-se de uma realidade enfrentada por quase todas as
profissões”, justifica.

Dos quadrinhos aos livros

Infelizmente, na minha casa, a luta dos meus pais era


pela sobrevivência: comida, remédios, roupas para a prole
tão gigantesca. Nossa casa não tinha livros porque meus pais
não tiveram educação formal, apenas o primário. No entanto,
eu era muito curioso, gostava de ler jornal, principalmente
a parte de esportes. Uma vez ou outra, chegava jornal na
cidade [Santana do Matos], na mercearia que o meu pai
tinha, e eu ficava lendo. Mas o que acho que foi minha

177
Equipe da revista Préa: fotógrafo Anchieta Xavier, motorista Érico, Tácito Costa e o jornalista
Gustavo Porpino. [Foto: Acervo pessoal]

escola, e que me levou depois aos livros, foram as revistas em


quadrinhos - Batman, Tarzan, Tex. Apesar das dificuldades
financeiras, eu tinha amizade com crianças que dispunham
de melhores condições, cujos pais compravam revistas, e
eu pegava carona. Fui alfabetizado, literariamente, através
dos quadrinhos. Posteriormente, na adolescência, os livros
passaram a fazer parte da minha vida.

Entre o estudo e o trabalho

Como eu não era o filho mais velho, o peso de trabalhar


para o sustento da família não ficou sobre mim: recaiu sobre
duas irmãs mais velhas. Quando vim para Natal, fui estudar

178
na Escola Winston Churchill, de 1977 a 1979. Terminei o
primeiro grau no interior, e vim fazer o segundo aqui. Porém,
eu não tivera muita sorte, digamos assim, porque minha
mãe me matriculou à noite, na esperança de eu conseguir
trabalho durante o dia. O lado ruim era que a qualidade
do ensino do Churchill era melhor à tarde e de manhã; à
noite já era o pessoal que trabalhava. Isso me prejudicou um
pouco.

Só vim arranjar um emprego quando eu já estava saindo


do Churchill, em 1980, no Banco Itaú. Fiquei estudando na
UFRN à noite e trabalhando durante o dia, por um ano e
meio, mais ou menos. Saí, fiquei um tempo desempregado e
depois arranjei trabalho no escritório de uma transportadora.
Vi que também estava complicado manter, e novamente saí.
O curso era o mais importante.

Meus pais não fizeram nenhuma pressão do tipo: “Não


faça isso, faça aquilo”. Na verdade, eu tive liberdade para
escolher o curso. Havia muita preocupação para eu me
formar, ter algum diploma: naquele tempo, isso era muito
mais forte. E naquele tempo, era ainda mais complicado
pelo salário. Em Natal, a profissão de jornalista era pouco
reconhecida. Não tinha piso salarial, que já foi uma luta da
minha época. Cheguei a ser vice-presidente do Sindicato
dos Jornalistas e participei bastante das lutas, durante as
décadas de 1980 e 1990. Apesar de ter participado da gestão
sindical, nunca tive perfil de sindicalista.

179
Nos tempos da faculdade

A formação era mais focada no jornalismo impresso. Só


depois é que vieram as TVs e rádios FM. A gente pagava
duas disciplinas do curso de fotografia, mas eu confesso que
não me interessei pela matéria. Eram poucos equipamentos,
dois ou três. Me interessei mesmo foi por leitura, pela
biblioteca. E tive muita sorte: minha turma de 1980 era
excepcionalmente boa. Já tinha o pessoal que se interessava
por cultura, cinema, arte: Nelson Patriota, editor de cultura
do jornal A República na época; Marize Castro, Josimey
Costa, um bocado de intelectuais. Fico pensando em como a
gente fazia jornalismo: não tinha celular, não tinha internet.
Era inacreditável!

O começo nos jornais

Fiquei um tempo desempregado, até que estagiei um


período no Diário de Natal. Depois, consegui estágio na
Tribuna do Norte, em 1984. Na TN foi curioso porque eu
não conhecia ninguém. Cheguei lá na cara de pau e pedi
para falar com o diretor de redação, que era Dorian Jorge
Freire (1933-2005), jornalista e escritor muito conceituado.
Naquele tempo, o estágio não era regulamentado; não se
pagava estagiário. Foram três meses, assim. Em janeiro de
1985 eles me contrataram definitivamente. Fiquei lá por uns

180
Participando de coletiva concedida pela então governadora Rosalba Ciarlini.
[Foto: Acervo pessoal]

quatro anos. Foi uma escola para mim.

Após a conclusão do curso e ao ser contratado como


jornalista da Tribuna do Norte, trabalhei até maio de 1989
exercendo as funções de repórter, editor, pauteiro e secretário
gráfico.

Em meados daquele ano, o jornalista Luiz Maria Alves


criou o Diário do Estado e me convidou para ser o editor.
Porém, o jornal fechou após quatro meses de existência. Eu
me arrependi por ter saído da Tribuna do Norte. Fiquei
desempregado.

Depois de trabalhar por três a quatro meses no bar


da ABO [Associação Brasileira de Odontologia - RN],
fui convidado pelo jornalista Emanoel Barreto, que era

181
editor do jornal Dois Pontos, e fui trabalhar na chefia de
reportagem por dois anos. Posteriormente, fui convidado
pelo jornalista Woden Madruga, presidente da Fundação
José Augusto, para a assessoria de imprensa. Nessa época
também fui pauteiro na recém fundada TV Potengi (depois
Band TV).

Passagem pela docência

Fui professor de redação e prática jornalística do curso


de Jornalismo da Universidade Potiguar, no período de
março de 1995 a novembro de 1997. Foi uma experiência
que me somou conhecimentos. Não obstante, fui demitido
quando trabalhava com outros professores a criação de
uma associação, o que lamentavelmente não foi aceito pela
Universidade.

Na Tribuna, de tudo, um pouco

Fui repórter, fui pauteiro, fui secretário gráfico. Passei


por várias funções dentro da redação da Tribuna do Norte.
Trabalhei na oficina, colando as matérias, as fotos. Era um
processo artesanal. Pegava as tiras do título, pregava com
uma colazinha quente; pegava as tiras do texto, cortava e
colava. Depois que fazia isso num papel do tamanho do

182
Tácito durante debate sobre literatura com o poeta Afonso Romano de Sant’Anna.
[Foto: Acervo pessoal]

jornal, ia para o fotolito, que fotografava, para depois ir


para a impressora, que fazia a chapa. Enfim, vivi todo esse
processo.

Eu vejo as pessoas dizerem: “Ah, o jornalismo naquela


época era melhor, e não sei o quê”. Discordo. Existiam bons
jornalistas e maus jornalistas, e hoje é a mesma coisa. Eu
não sou saudosista. Da mesma forma que havia intelectuais
dentro das redações, hoje eu vejo jovens que também são
muito bons, e até melhores do que muita gente lá atrás.
Então, eu não concordo que antes era melhor e que agora é
ruim. Não procede essa crítica.

183
Revista Preá: experiência marcante

Não é porque fui editor, mas a Revista Preá marcou


época. Foi um projeto cultural muito consistente. Começou
com François Silvestre [dirigente da Fundação José
Augusto, à época]. A ideia e o nome foram dele, eu apenas
toquei o projeto. O objetivo era não focar apenas em Natal,
mas abrir espaço para o interior: fazia-se um mapeamento
dos eventos culturais que aconteciam na cidade, além de
capacitar os leitores para textos literários, música e teatro.
Na literatura, fiz uma matéria com Oswaldo Lamartine, um
homem importante, um grande escritor potiguar.

Havia uma certa dificuldade, porque a equipe era muito


pequena: tinha o editor, que era eu; tinha um repórter, que
era Gustavo Porpino, uma grande figura; um diagramador,
Lúcio Masaaki; um revisor, José Albano; e um fotógrafo,
Anchieta Xavier. Ou seja, cinco pessoas - número muito
reduzido para uma revista de cem páginas. Então, o êxito
não é de uma só pessoa, mas de uma equipe. Muitas vezes,
a gente ia viajar e não tinha dinheiro para a gasolina. Mas
de todo jeito a gente fazia, na marra, para ter aquela revista.

O sucesso do Substantivo Plural

Em 2007 criei o site Substantivo Plural, um verdadeiro


abrigo para os intelectuais, com foco no jornalismo literário.

184
Comecei de forma muito simples, com cem acessos por
dia. Hoje, a gente tem dez mil seguidores. O site conseguiu
reunir os intelectuais da cidade em torno desse veículo:
lá publicam poemas, suas crônicas. Grandes confusões
aconteceram entre intelectuais, por questões ligadas à arte, à
cultura e à estética. Desde o início eu pensei no Substantivo
a longo prazo, para ser a minha aposentadoria. Mas, como eu
já trabalhava em assessoria, então não tive a preocupação de
viabilizar o projeto financeiramente, indo atrás de anúncios,
embora o site tenha potencial.

É preciso reinventar o impresso

Penso que se deve reinventar o jornal impresso, sob


pena de sua morte. Está faltando o reposicionamento dos
impressos frente às outras mídias. É necessário que sejam
apenas de análise e de interpretação das notícias. Não
adianta querer fazer um jornal de notícias que vai sair velho
no outro dia e, consequentemente, perder credibilidade. As
mídias sociais democratizaram a informação numa rapidez
incomum, disseminando a notícia em tempo real. Ademais,
a forma impressa tem processo industrial caro: tem custo
alto com papel, distribuição, impressão.

A imprensa sempre teve um papel importante, mesmo


sob controle do poder econômico. Não obstante, no fim
da ditadura, naquele momento de ruptura política, do

185
esgotamento do regime e dos anseios do povo por liberdade,
a imprensa, mesmo tímida, foi importante no processo
de redemocratização. A grande conquista foi com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, que ganhou
um capítulo inteiro para promover as garantias e direitos da
Comunicação Social.

A morte de Tancredo Neves, em 21 de abril de 1985,


por exemplo, foi um marco na cobertura jornalística pelo
Brasil afora. À época do acontecido, eu era jornalista recém-
contratado do jornal Tribuna do Norte, portanto foi uma
cobertura que me marcou naquele momento. Outro fato
importante aconteceu em 1991, com a vinda do Papa João
Paulo II a Natal. Foi memorável, a cobertura jornalística do
RN.

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187
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Valdir Julião

Repórter de carteirinha

“Realmente o jornalismo não dá dinheiro, mas está no


sangue. É para quem gosta”

Por Ana Beatriz Leão, Gabriel Leme, Lucas Cortez e


Ruth Andrade

“No interior ainda não havia televisão. Eu cresci ouvindo


rádio e imitando os locutores da Tupi e da Globo, nos anos
60 e 70’’. Quem conta é Valdir Julião, que nascido na cidade
de Cerro Corá no dia 13 de abril de 1958, hoje soma 40
anos de jornalismo, sempre na reportagem.

“Nunca deixei de ser repórter”, afirma.

Julião começou sua jornada vindo para Natal em 1975


para estudar Geologia na Escola Técnica Federal e concluiu
o curso, mas em 1979, no lugar de prestar vestibular para
Geologia, escolheu jornalismo e foi aprovado aos 21 anos
de idade. A sorte bateu em sua porta, e com apenas dois
meses de curso, já começou a trabalhar na área de esportes
no jornal A República. Desde então, esse jornalista potiguar
não parou mais. Passou por outros veículos importantes da
cidade como Semanário Potiguar, Rádio Tropical e Tribuna
do Norte, onde está até hoje. Ele diz não ter preferência

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por editoria. “Posso fazer de tudo, só não gosto muito de
economia”, resume.

A opção pelo jornalismo

Sempre tive afinidade com o jornalismo. Eu e meu irmão


gêmeo, Vanilson Julião. A gente sempre ouvia rádio nos anos
60, 70. Naquele tempo não tinha televisão no interior, então
a gente ouvia a Tupi, a Globo. Eu até imitava os locutores
em casa, quando estava tomando banho (risos). Vim para
Natal estudar. Fiz técnico em Geologia na Escola Técnica
Federal e fui trabalhar na Paraíba, na área de pesquisa. Só
depois que fui fazer Jornalismo, já com 21 anos, em 1979.

Meu pai queria ter os filhos formados e um bom filho


sempre atende aos desejos paternos. Ele falava que tinha um
amigo em uma rádio da Bahia. Dizia que aquilo não dava
dinheiro, mas era o que eu queria, e disse a ele que iria lutar
para dar certo. Realmente o jornalismo não dá dinheiro, mas
está no sangue. É para quem gosta. Minha família é de Cerro
Corá, e meus pais já faleceram. Meu irmão gêmeo também
é jornalista, mas está parado no momento, e minha irmã é
dona de casa. Meu irmão entrou um ano e meio depois de
mim na UFRN e trabalhamos juntos na Tribuna do Norte.
Até hoje confundem um pouco a gente.

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Valdir Julião (centro) com o jornalista Carlos Morais e o radialista Cláudio Amaral, durante
um congresso de cronistas esportivos em Salvador, em 1986. [Foto: Acervo pessoal]

Reportagens marcantes

Eu sou um jornalista do dia-a-dia. Têm muitos


jornalistas que gostam de guardar recortes e afins. Eu nunca
gostei disso. Talvez eu tenha algumas anotações de fichas
técnicas porque fiz muito jornalismo esportivo. Foi onde
comecei. Assim que comecei a estudar jornalismo, pedia a
meus amigos e colegas de classe para me alertarem sobre
qualquer vaga em jornal ou rádio. Exmar Tavares, que era
da Rádio Poti, um veterano, foi quem me indicou para uma
vaga de jornalista esportivo no jornal A República.

Givaldo Batista havia chamado Ismar, mas ele não


queria ir e me falou da possibilidade. Lembro que cheguei
lá com apenas dois meses de curso e a minha primeira tarefa

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foi entrevistar um diretor do América, sem saber nada. Foi
uma daquelas matérias de se jogar no lixo, mas a gente
precisa fazer para pegar experiência. Estava chovendo, não
me deram carro, não me deram nada. Tive de pegar o carro
do meu pai emprestado para fazer essa matéria na sede do
clube.

No jornalismo esportivo

Gostei muito de assistir o primeiro tempo de Brasil 3 x 1


Alemanha Oriental, no Machadão, em janeiro de 1981. Era
um amistoso preparativo para a Copa de 1982. Evidente que
havia aquela ansiedade e o prazer de ver um jogo de Seleção
Brasileira em Natal, ao vivo, coisa que só ouvi quando era
menino e adolescente, pelas rádios do sul do país. Também
vi alguns jogos da Copa de 1970 pela televisão.

Vi só o primeiro tempo porque na época não tinha


estrutura para assistir o jogo completo e enviar tudo para
a redação. Se a gente tivesse o suporte que tem hoje, com
notebook e celular, eu tinha ficado para ver o jogo completo
(risos).

Em 1982 o jornal A República foi escolhido como


o melhor na área de esportes, mesmo com uma equipe
reduzida, se comparada ao Diário de Natal e à Tribuna do
Norte, maiores jornais da cidade na época. Mesmo com a
conquista desse prêmio, continuamos com uma estrutura

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Valdir Julião com um rádio de pilha no ouvido, acompanhando um jogo do América-RN no
antigo estádio Machadão, no começo dos anos 80. [Foto: Acervo pessoal]

muito limitada, sem carros, fotógrafos e os suportes


necessários.

Fiquei trabalhando com esportes até março de 1987,


mas esporadicamente eu ajudava na cobertura policial. A
página de esporte de A República fechava às quatro horas
da tarde. Aí eu cometi um equívoco sobre um jogo que
aconteceria à noite. Cometi uma “barrigada”. Meu chefe foi
quem segurou a onda, quando vieram reclamar.

Em 1987, Geraldo Melo venceu as eleições para o


governo do Estado e, por questões políticas, fechou o jornal
A República. No mesmo ano fiquei oito meses na Rádio
Tropical. Nunca tinha trabalhado lá e resolvi ficar no plantão
esportivo, fazendo a ficha técnica dos jogos para passar o
tempo. Mas depois acabei saindo por questões financeiras.

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Depois desse período fui para o semanário Dois Pontos,
trabalhar como subeditor, a convite de Roberto Guedes.
Esse jornal foi fundado em 1985 por Marco Aurélio de
Sá. Carlos Moraes, que havia trabalhado comigo no A
República, me convidou para atuar na área de esportes da
Tribuna do Norte, onde eu iria ganhar um pouco mais. Fui
para lá depois de seis anos dessa proposta, em 1989. Dessa
vez o cenário mudou: pela primeira vez fui trabalhar com
política, uma área totalmente nova na minha vida. Foi no
dia 7 de setembro, em pleno feriado.

Mudança para o digital

Achei interessante a mudança com a internet. Comecei


com a máquina de escrever. A gente pegava as laudas,
colocava o carbono, e uma cópia ia para o copidesque, para a
revisão. Depois, o texto ia para a composição.

Não senti tanto a transição do velho para o novo. Me


adaptei rápido. Fizemos cursos, na época, para compreender
a mudança e estarmos mais preparados. Para mim, o
jornalismo continua o mesmo. A única mudança é a
plataforma e o modo como se veicula uma informação. A
gente tem que se adaptar a isso.

Antes, porém, havia uma filtragem maior em relação


às notícias que seriam publicadas. Hoje, o número de
informações aumentou e isso dificulta um pouco a

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Em foto dos anos 1990, o jornalista entrevista o então presidente da Assembleia Legislativa do
RN, Álvaro Dias, hoje prefeito de Natal. [Foto: Acervo pessoal]

compreensão e apuração tanto para o jornalista, como


para o leitor. Hoje, os leitores preferem textos mais curtos
e objetivos. Eu acho até que o problema do brasileiro é a
preguiça.

O problema do jornal impresso é a publicidade.


Comparado à internet, não tem como competir.

Infiltrado no prédio da Petrobras

Um helicóptero caiu em uma base marítima, perto de


Mossoró. Se não me engano, foi em 1983. Fui para o ITEP,
para saber os nomes dos onze mortos, mas estava complicado.
Fui à Petrobras checar a informação, mas me impediram de

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entrar. Arquitetei um plano para conseguir as informações.
Combinei com um amigo para ele ficar lá embaixo, que eu
subiria como “funcionário” da empresa, para ouvir o que as
pessoas falavam. Deu certo. Descobriram minha identidade
depois que eu já havia conseguido a lista dos mortos. Só
a gente tinha essa informação e não disponibilizamos para
mais ninguém. É um detalhe simples, mas é para vocês
verem como funciona o jornalismo. Tem de ter aptidão,
ouvir e estar no momento certo.

Mito da imparcialidade

Não tive problemas com a ditadura. Eu já tinha uma


noção da linha editorial, ainda que não estivesse exposta,
e por isso tinha cuidado para não fugir muito dessa linha.
Nunca sofri censura direta. A gente tinha certa liberdade de
escrever. Não existe jornal imparcial e, portanto, escrevíamos
conforme a cartilha mandava.

Uma vez um deputado reclamou da minha matéria, mas


se ele achou ruim, que me contratasse para fazer uma matéria
ao seu agrado. Nos outros países os jornais assumem seu
posicionamento editorial, mas aqui no Brasil, infelizmente,
é muito difícil essa transparência. Uma vez, meu irmão
sofreu uma ameaça quando escreveu uma notícia policial. O
cara não gostou e perguntou: “Você já comeu sal?’’

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Valdir Julião recebendo de Ricardo Motta uma placa em homenagem ao Dia do Jornalista, em
2017. [Acervo pessoal]

Hoje, o jornalismo exige mais

O jornalismo de hoje suga mais da gente. Exige que


você faça muito mais, comparado à antigamente. A internet
ajuda pela facilidade do acesso à informação, coisa que não
existia antes. A gente vai se adaptando. Não sei por quanto
tempo o jornal impresso vai resistir. Trabalhei muito tempo
com isso, mas a transição para o digital já existe na Tribuna.
Estamos acostumados a escrever para os dois.

Demorei a fazer um blog. O que tenho, Cerro Corá News,


é mais para divertir meus amigos e parentes do interior. Ele
é simples por isso e também não tenho muito tempo para
colocar mais conteúdo. Mas pretendo profissionalizá-lo,
mais para frente. Por enquanto é por divertimento mesmo.

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Agradecimentos

Nossos afetuosos agradecimentos a todos que


contribuíram para a concretização deste projeto.
Em especial, aos estudantes, sempre dispostos e
entusiasmados; aos entrevistados, sempre gentis e
generosos; e a Themis Lima, nossa editora e parceira
de iniciativa.

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A vida é a cidade que somos. E este livro, na geografia
a que se propôs, nos parágrafos de seus mapas redigidos,
nos traz a cartografia biográfica de jornalistas; doze
mulheres e homens, seus perfis, histórias e lembranças. Tudo
detalhado no que fizeram e viram, ousaram e realizaram
ao caminhar em suas próprias ruas e estradas, becos e casas,
projetos e dias.

Emanoel Barreto, prefaciador e entrevistado

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