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PALESTRA

Fisiologia vegetal e sua importância na tecnologia de aplicação de defensivos. 59

FISIOLOGIA VEGETAL E SUA IMPORTÂNCIA NA


TECNOLOGIA DE APLICAÇÃO DE DEFENSIVOS

João Domingos Rodrigues


Universidade Estadual Paulista
Instituto de Biociência
Botucatu/SP

A principal dificuldade para a absorção pela par- preender as dificuldades da absorção foliar temos
te aérea, prende-se à existência de estruturas que entender a constituição da cutícula por onde as
anatômicas, destinadas a impedir o dessecamento da soluções tem que passar até chegar à membrana. A
planta, que impede a livre movimentação de gases e cutícula é constituída por uma matriz de pectina que
soluções, o que não ocorre a nível de raiz, onde a pa- recobre a epiderme das folhas sendo, na parte mais
rede é permeável e a solução do solo pode penetrar externa altamente polimerizada e de maior consis-
até a endoderme, banhando todas as células corticais. tência, e nas partes mais internas, predominando
Estas estruturas são, nas regiões velhas, o apareci- pectina, já que nesta camada raramente encontram-
mento de tecido suberificado e nas folhas, a deposi- se cutina e ceras.
ção de cutina, formando a cutícula, ambas as subs-
tâncias impermeabilizantes, impedindo a movimen-
tação de água e soluções, de modo total ou parcial. FATORES QUE AFETAM A ABSORÇÃO
No entanto, ao ser superada a barreira externa, mais
difícil na parte aérea do que nas raízes, o processo de Fatores inerentes à folha
absorção fica condicionado pela presença da
menbrana plasmática. A circulação intercelular e acu- Estrutura
mulação no vacúolo ficam condicionadas pela exis- Cutículas finas, alta frequência de estômatos, nú-
tência das membranas das organelas e do tonoplasto. mero elevado de ectodesmos, favorecem a absorção
Não parece haver diferenças significativas, quando de solutos, ao passo que cutículas espessas, poucos
se analisam as células radiculares em confronto com estômatos e ectodesmos etc, assim como a alta
as foliares, no tocante à absorção a nível de menbrana pilosidade das folhas dificultam a penetração dos
plasmatica ou tonoplasto. solutos e a sua absorção pela folha.
Para que as substâncias possam ser metabolizadas A absorção é menos intensa na página adaxial
é necessário que as várias formas sejam absorvidas a que na abaxial. Nesta, a cutícula é mais delgada, há
nível de membrana, mas as soluções devem deslocar- maior quantidade de estômatos e de ectodesmos, es-
se através das paredes celulares e suas inclusões, como tes em maior densidade sobre as nervuras e nas célu-
a cutina. Neste aspecto, verificam-se diferenças las estomáticas. No entanto, se o período de contato
marcantes entre as absorções radiculares e foliares, já da folha com a solução for suficientemente longo, a
que na raiz inexiste cutícula nas jovens células absor- diferença na velocidade da absorção por essas duas
ventes, ou a quantidade de cutina é muito pequena superfícies, tende a desaparecer. A absorção foliar é
em contraste com os órgãos aéreos, onde a impermea- maior nas regiões da nervura principal e nas mar-
bilização é muito acentuada. Em qualquer dos casos, gens da folha, sendo menos intensa nas regiões do
teremos um caminhamento das substâncias por re- ápice e da base.
giões metabolicamente não ativas (apoplasto), com
posterior penetração na região protoplasmática Estado de hidratação das folhas
(simplasto). Tem grande importância para a absorção, pois
De uma forma ou de outra, os defensivos aportam cutículas bem hidratadas são bastante permeáveis à
no xilema e aí, movendo-se para cima, atingem as água e aos hidrossolutos. Cutículas desidratadas, das
nervuras terminais das folhas, ficando livres para folhas murchas são quase impermeáveis.
caminhar nos espaços livres das células do mesofilo.
Como as células da córtex da raiz, as do mesofilo foliar Idade das folhas
acumulam substâncias por transporte ativo. No cito- A absorção de solutos, em solução aquosa é mui-
plasma de uma célula foliar, as substâncias movem- to mais intensa nas folhas novas do que nas adul-
se pela rota do simplasto, de uma célula para outra. tas e nas velhas pois as folhas novas estão em alta
Nas folhas, o caminhamento é mais difícil, devi- atividade metabólica, consumindo nutrientes para
do à presença de uma camada impermeável nas cé- a síntese orgânica. A penetração dos nutrientes no
lulas da epiderme, formada pela cutícula. Para com- apoplasto é mais facil, porque nestas folhas a

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cutícula é mais fina, possuindo menor quantidade pode ser excessiva elevando a concentração dos
de ceras e cutina, e quantidade relativamente gran- solutos a níveis tóxicos na superfície foliar. Em con-
de de pectinas, que são altamente hidrófilas. As dições de alta umidade relativa do ar, as temperaturas
substâncias lipoidais, entretanto, penetram com baixas podem concentrar o orvalho e formar neblina,
muito mais facilidade nas folhas mais velhas, dada mantendo as folhas molhadas, favorecendo a lavagem
a maior quantidade de ceras e de cutina que com- das folhas.
põem a sua cutícula.
Umidade relativa e disponibilidade de água no solo
Crescimento A umidade afeta o processo de absorção, visto
O crescimento pode influenciar a absorção de ser a água o veículo natural daqueles. Além disso,
solutos. O crescimento de um tecido ou planta, pode a umidade do ar e a temperatura afetam a velocida-
aumentar a superfície, o número de células, assim de de secamento da solução aplicada e, a possibili-
como o número de moléculas transportadas; fatores dade de estabelecimento de uma película líquida
como esse estimulam a absorção. Por outro lado, o na superfície da folha; quando essas duas variá-
volume de água contido em uma célula, à medida que veis combinam-se, diminuindo o gradiente na pres-
esta cresce, pode diluir uma maior concentração de são de vapor na dita superfície, pode-se esperar
solutos e incrementar a absorção. mais absorção. Deve-se ter presente, porém, que a
absorção prossegue durante consideráveis perío-
Fatores externos - concentração da solução: o dos de tempo, quando a superfície parece estar seca,
aumento da concentração, dentro de limites, acelera a provavelmente, devido à película de umidade, for-
absorção. Se a solução secar em algum lugar da folha, madas às custas da água transpirada, que poderão
a concentração pode chegar a 100%. A absorção e o ser mais importantes para o processo, do que a água
transporte, evitam esse fato. A concentração do ele- da própria solução aplicada. Além disso, a planta
mento pode aumentar quando se trabalha com ultra com boa disponibilidade de água no solo, mantém
baixo volume. túrgidas as suas células e boa hidratação na
Aeração: a absorção depende do fornecimento de cutícula, favorecendo a penetração foliar. Quando
energia metabólica da respiração e por isso, aumen- a planta começa a murchar, a absorção foliar dimi-
tando até certo limite a tensão do oxigênio, aumenta- nui drasticamente. A umidade relativa, favorece a
se a absorção. Os manejos que aumentam a aeração, absorção foliar, por impedir a evaporação da solu-
como aração, gradagem, subssolagem, tendem a ção aplicada, conservando-se sobre a folha, por
aumentar a absorção. mais tempo, permitindo a sua melhor distribuição
sobre a superfície da folha e mantendo a cutícula
Temperatura hidratada. Agora, se a temperatura descer ao ponto
Novamente, considerando-se a atuação da ener- de formação de neblina ou orvalho, a absorção po-
gia metabólica sobre a absorção, percebe-se a impor- derá ser bastante prejudicada, porque a água at-
tância da temperatura. Elevação da temperatura, leva mosférica depositada nas superfícies foliares, pro-
a uma aceleração da absorção.A influência da tempe- vocará a inversão do gradiente de concentração dos
ratura sobre a absorção é pequena, sendo que aumen- solutos que se acham no apoplasto, induzindo sua
tos acima de um máximo, em vez de acelerar, acabam saída da folha. Este fenômeno de lavagem, pode
retardando a absorção. Acredita-se que o efeito retirar quantidades enormes de nutrientes e outros
inibidor de altas temperaturas, prende-se à metabólitos das folhas e de outras partes aéreas das
desnaturação de enzimas e proteínas, que se refletirá plantas.
na absorção. A neblina constante, pode retirar quantidades de
Os processos de absorção passiva, também depen- solutos consideráveis. A baixa umidade atmosférica
dem das mudanças de temperatura; a difusão livre é prejudicial à absorção foliar, favorecendo a evapo-
depende da energia cinética das moléculas, que por ração rápida da solução, diminuindo o tempo de con-
sua vez, depende da temperatura. Dessa forma, dimi- tato desta com a superfície das folhas e aumentando
nuição da temperatura, retardará os processos de di- a concentração dos solutos a níveis tóxicos. Além dis-
fusão livre, bem como as reações bioquímicas que in- so, há o favorecimento da transpiração, levando ao
tervem na absorção ativa. murchamento e diminuindo a permeabilidade da
As temperaturas elevadas favorecem a absorção e cutícula aos nutrientes.
a evaporação de solução na superfície das folhas,
aumentando a concentração dos solutos aplicados, o Luz
que favorece a penetração de maior quantidade de Ação da luz, sobre a fisiologia dos estômatos e
íons no apoplasto. Em condições de altas temperaturas sobre a a fotossíntese afetam a absorção. Com os
e baixa umidade relativa do ar, a evaporação da água estômatos abertos, aumenta a circulação de massa

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de água, que afeta indiretamente a absorção. A ener- TRANSLOCAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS NAS


gia proporcionada pela fotossíntese, por sua vez, re- PLANTAS
presenta um suprimento energético para a absorção.
Em ausência de luz, somente tem lugar a absorção As plantas, além de sintetizadores primários de
passiva. Além de atuar na absorção, deve-se lem- compostos orgânicos, evoluíram como acumuladores
brar da ação desse fator na formação do fluxo da seletivos de substâncias, estando normalmente a re-
translocação. gião de acúmulo separada espacialmente das partes
Dessa forma, quanto maior a intensidade lumino- fotossintéticas, havendo a necessidade de transporte
sa, maior será a absorção da folha, assim como a sua dos solutos inorgânicos às folhas ou então, a cessão
translocação simplástica, por ser a absorção um pro- desses diretamente aos órgãos fotossintetizadores.
cesso metabólico. Por outro lado, a luz intensifica a Plantas em crescimento exigem intensa circulação de
produção da cera superficial da folha, aumentando a substâncias, para a manutenção de suas atividades
sua hidrorrepelência e dificultando a penetração das metabólicas. Assim, os solutos, bem como a água, são
soluções aquosas. translocados à longa distâncias através dos sistemas
condutores das plantas. Existem dois principais ca-
Modo de aplicação das pulverizações foliares minhos para o transporte de solutos em plantas
As pulverizações com gotas muito grandes, mo- vasculares, simplasto, incluindo aqui o transporte cé-
lham em excesso a folhagem, provocando lula a célula, em pequenas distâncias, via
gotejamento e escorrimento da solução para o solo. plasmodesmos e o transporte a longas distâncias,
Além disso, a lavagem, pela pulverização grosseira, através do floema, sendo a direção predominante da
retira solutos das folhas. As pulverizações foliares fonte para os drenos. O segundo caminho é composto
devem ser feitas, sempre tendo em vista a capacida- do apoplasto, constituído particularmente do fluxo
de de retenção da solução pelas folhas. O tamanho de água, íons e certas substâncias orgânicas, no sen-
das gotículas deve ser variável, de acordo com a tido ascendente, via xilema, ligando a raiz à parte
molhabilidade da cutícula e da formulação da solu- aérea. É óbvia a necessidade de troca contínua de
ção utilizada (com ou sem surfatante) e conforme o solutos entre esses dois tipos de tecidos. Em certas
estádio fisiológico da planta e a capacidade de ab- regiões da planta essa espécie de intercâmbio ocorre
sorção de suas folhas. mais intensamente, sendo fundamental no transpor-
te à longa distância, via floema ou xilema, e assim na
Ângulo de contato nutrição dos órgãos aos quais esses tecidos conduto-
Para que a penetração ocorra, é necessário que a res servem.
superfície foliar seja molhada. A capacidade de uma O quadro complica-se mais ainda, pelo fato de que
solução para molhar a superfície, é função do ân- os solutos, orgânicos ou inorgânicos, não se subme-
gulo de contato, que depende da tensão superficial tem a movimentos em uma simples direção, estando
e da natureza da superfície em questão. Os agentes sujeitos à recirculação e redistribuição. Assim, quan-
molhantes ou surfatantes, aumentam o contato do o fornecimento original de substâncias que ascen-
desejado. O objetivo do uso dos surfatantes com dem no caule pelo xilema é adequado ao suprimento
solutos, é aumentar a absorção e o efeito do produto, das folhas e parte aérea, o excesso é translocado no-
sob diferentes condições. As características de vamente até as raízes.
molhamento e de absorção das superfícies da s A necessidade de uma compreensão clara dos
folhas estão relacionados com as condições do mecanismos de translocação, dentro das plantas, tem
ambiente e com as diferenças entre as espécies. Para base econômica, tendo em vista o interesse corrente
se obter molhamento eficiente, desejável retenção na aplicação foliar de fertilizantes, herbicidas e regu-
por filme e secamento uniforme da superfície da ladores vegetais, substâncias que são comumente usa-
planta, são necessários surfatantes com diferentes das na agricultura, dependendo do seu efeito na
características. translocação.

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