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Clóvis divide o universo negro em dois níveis: 1) plebeu, composto pelos negros
pobres, com pouca ou nenhuma escolaridade, que vivem em empregos mal remunerados ou
desempregados; 2) letrado, a classe média nega que ascende por meio de cargos burocráticos,
pelo crescimento econômico, pela arte, esporte ou academia. Esses dois grupos apresentam
diferenças de comportamento e ideologias divergentes (mesmo que possuam alguns
elementos em comum), fruto de suas diferentes condições materiais.
A divisão entre estes universos se evidencia nos processos eleitorais, onde figuras
negras (normalmente oriundas de setores letrados) se deparam com a contradição entre os
anseios do universo letrado e as reivindicações do universo plebeu. Então, nesse sentido se
igualam aos padrões brancos de buscar por resultados individuais ou de seus grupos, deixando
para trás as questões importantes para o universo plebeu.
Nesse momento – eleitoral – “apelar” pela ligação racial dos dois universos não
pode causar grandes resultados visto que essa ligação (ou tentativa de) é circunstancial. Então,
o universo negro plebeu, que também é manipulado e disputado pelos políticos brancos nega
a lógica que a classe média negra tenta levantar de que “negro vota em negro”. A partir de
análise de processos eleitorais anteriores o autor comprova que na realidade negro não vota
em negro em sua maioria.
Se, por um lado a ditadura aprofunda a divisão entre os dois universos negros
permitindo que setores do universo letrado se beneficiassem do “milagre econômico”
enquanto o universo plebeu se encontrava em aprofundamento de suas já péssimas
condições. A influência do movimento negro radical norte-americano da década de 1960
possibilitou a radicalização das posições de diversos setores do universo negro letrado, assim
como os processos de independência de países africanos, especialmente os de língua
portuguesa.
A influência do universo letrado no universo negro plebeu acabo por construir uma
hierarquização entre esses dois universos onde os negros letrados se comportavam como
cabeça pensante e direção do conjunto dos negros. “Esta postura hierarquizante talvez tenha
influído para que os negros do universo não letrado se refugiassem ou se reordenassem em
organizações, grupos ou segmentos de reivindicações populares nos quais o problema racial e
as consequentes posturas de reivindicação étnica não fossem colocadas em primeiro plano,
mas de salários, habitação, educação, segurança e transportes – objetivos que sendo sociais e
econômicos são, por força do peneiramento imposto ao negro, também raciais, mas, para eles,
não são assim diretamente traduzidos”. (301-302)
A partir do que foi exposto, a questão que gostaria de levantar é como tanto o
movimento negro, quanto os movimentos sociais populares acabam, cada qual ao seu modo
se adaptando à ideologia da democracia racial, impossibilitando uma visão profunda e dialética
entre raça e classe levantando uma práxis radicalizada de transformação da realidade social e
racial (em vista que essas têm uma relação indissolúvel).
Se por um lados os movimentos sociais diluem a questão negra nas pautas sociais,
sem levantar suas especificidades, por outro o movimento negro ao tentar fortalecer/afirmar a
sua luta antirracista, nega por diversas vezes questões socioeconômicas que dizem respeito ao
conjunto dos setores oprimidos, sem perceber que estas são sentidas de maneira mais dura e
profunda pelos setores do universo negro plebeu.