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AVANÇOS E RETROCESSOS NAS PROPOSTAS PARA O ENSINO DA


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LÍNGUA PORTUGUESA: A DIDATIZAÇÃO DOS GÊNEROS DO DISCURSO
(Advances and setbacks in the Guidelines for Portuguese teaching)

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Maria Sílvia Cintra MARTINS
(Universidade Federal de São Carlos)

Resumo: Chamamos neste trabalho a atenção para as questões de ideologia e de poder


de cuja influência freqüentemente não nos damos conta, embora estejam sempre
presentes nos contextos cotidianos de sala de aula, atravessando-os. Temos como
principal objetivo alertar para os vetores que exercem pressão sobre a atuação do
professor. Com base em aspectos conceituais e resultados obtidos com o
desenvolvimento do projeto de pós-doutorado “Dos atos de fala às práticas de
letramento” (FAPESP 2004/15539-3), detemo-nos em considerações a respeito dos
diferentes guias curriculares para o ensino de Língua Portuguesa. Damos ênfase
particular em nossa análise para o PCN de Língua Portuguesa, para seu enfoque no
trabalho com os gêneros do discurso e para as decorrências em termos da sua
didatização. Reservamos espaço para considerações sobre os “Cadernos do Professor”
adotados no atual ano letivo na rede pública de ensino do estado de São Paulo.

Palavras-chave: língua materna; didatização; gêneros do discurso; poder; ideologia.

Abstract: In this paper I point out issues of ideology and power whose influence we are
seldom aware of, although they are always present in everyday classroom contexts. My
main objective is to call attention to the vectors that exert pressure on the teachers’
performance. Based on some concepts and results of my post-doctorate research
(FAPESP 2004/15539-3), I analyze the different Brazilian official guidelines for the
teaching of Portuguese, and discuss the way the recent guidelines adopted in the State

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Trata-se de versão modificada de trabalho já publicado (Martins, 2008 b). Trazemos, aqui, alguns
aprofundamentos a respeito da didatização dos gêneros do discurso.
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Professora do Departamento de Letras/Ufscar. Pós-doutora em Lingüística Aplicada (IEL/Unicamp).
Líder do Grupo de Pesquisa “Ethos, linguagem e construção da identidade (Cnpq) e pesquisadora
vinculada ao Grupo de Pesquisa “Letramento do Professor” (Diretório Cnpq). E-mail:
msilviam@ufscar.br
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of São Paulo, in the form of “Teachers’ Notebooks”, represent a historical set back due
to certain ideological and hegemonic aspects present in these materials. In this process,
I particularly emphasize the so called PCN for the teaching of Portuguese and its focus
on the pedagogical work with discourse genres.

Key Words: mother tongue; teaching; discourse genres; power; ideology.


1. Introdução
O trabalho que apresentamos é resultado do projeto de pós-doutorado “Dos atos de fala
às práticas de letramento” que desenvolvemos no período de 2005 a 2006 (FAPESP
2004/15539-3), assim como de análises, reflexões e discussões que vimos
empreendendo, no âmbito do Grupo de Pesquisa “Letramento do Professor” (Diretório
Cnpq). Por um lado, buscamos trazer contribuições a respeito de questões que estão
implicadas no processo de ensino e aprendizagem de língua materna, com ênfase para a
reflexão sobre o que significa, hoje, o trabalho pedagógico com gêneros do discurso;
por outro, trazemos reflexões sobre a formação e o letramento do professor de Língua
Portuguesa que hoje atua na rede pública de ensino. Visamos, ainda, contribuir para a
reconstituição histórica das diferentes tentativas de normatização do ensino da Língua
Portuguesa por parte das instâncias governamentais e, com esse propósito, focalizamos
diferentes propostas de ensino de Língua Portuguesa publicadas nos últimos trinta anos
e efetuamos ponderações a respeito do retrocesso histórico que têm representado
algumas iniciativas governamentais recentes.
2. Diferentes propostas e diretrizes curriculares
A Proposta Curricular de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo foi publicada em
1986, após um período de ampla discussão entre professores da rede pública de ensino
desse estado. Até então, a referência para o ensino de língua materna era o chamado
“Verdão” (BRASIL, 1975) 3, documento que já comportava profundas inovações, sejam
metodológicas, no que implica a relação entre corpo docente e discente, sejam nos
fundamentos epistemológicos propriamente ditos, que passavam a apontar para a
relativização da ênfase que costumava ser atribuída ao ensino da norma padrão e do
registro escrito.
Entre outros aspectos, o “Verdão” comportava a legitimação da linguagem oral e trazia
propostas de trabalho com a oralidade em sala de aula, através de mesas-redondas,

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“Guias Curriculares Nacionais”, publicados no início da década de setenta e conhecidos pelos
professores como “Verdão”.
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seminários, debates, círculos de conversa – que ainda não desfrutavam, no entanto, de


um tratamento sob o enfoque dos gêneros do discurso, atualmente presente no PCN de
Língua Portuguesa. É certo, de toda forma, que um professor de Língua Portuguesa -
que tivesse se formado nos últimos anos da ditadura militar e que alimentasse ideais
inovadores - poderia estranhar, já nessa época, que, apesar das inovações provindas das
esferas governamentais, ainda predominasse fortemente no ambiente escolar a tendência
ao ensino de viés clássico, vulgarmente conhecido como “ensino tradicional”: centrado
no letramento de prestígio de que o professor, em princípio, seria o detentor e no ensino
de uma Língua Portuguesa ideal, normatizada por regras prescritas na Nomenclatura
Gramatical Brasileira (NGB). Paradoxalmente, as prescrições ou referenciais advindos
das instâncias administrativas eram portadores, assim, de um viés muito mais ousado,
moderno ou avançado do que a cultura praticada nas escolas sob a guarda do professor.
No ano de 1985, houve ampla discussão nas escolas públicas a respeito dos rumos da
educação: os professores foram chamados a discutir e, eventualmente, referendar as
Propostas Curriculares que estavam sendo gestadas. Mesmo que se pudesse questionar a
genuína representatividade democrática presente nesse momento histórico, o certo é que
os professores foram convidados, então, a discutir previamente os pressupostos
epistemológicos do documento oficial que estava para ser implantado e, quando este
chegou às escolas, veio com o estatuto de uma proposta: não havia propriamente
prescrição ou normatização e, se havia, dava-se de forma essencialmente aberta,
dialógica, marcada pela possibilidade da contradição.
A Proposta Curricular de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo (SÃO PAULO,
1986) teve à sua frente lingüistas da estatura de Carlos Franchi. O caderno
“Criatividade e Gramática” (SÃO PAULO, 1988), de sua autoria, publicado logo em
seguida, assim como os pequenos cadernos verdes de subsídios à implantação dessa
proposta, trazem todos reflexões de lingüistas. Vale, aqui, mencionar a ênfase particular
atribuída por Franchi ao trabalho epilingüístico e sua postulação das três vertentes no
trabalho com a língua materna: atividades de linguagem, atividades de reflexão sobre a
linguagem e atividades com a metalinguagem. Pela primeira vez em documentos
oficiais, era feita essa distinção nítida das diversas abordagens do material lingüístico –
o que já estava, à sua maneira, presente no documento anterior (BRASIL, 1975), porém
sem essa delimitação clara e, principalmente, sem essa compreensão de que havia algo
que não era nem propriamente produção ou interpretação de textos no sentido
convencional, nem trabalho com nomenclatura gramatical.
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Franchi referia-se à linguagem como algo plástico e flexível, sujeito ao trabalho, à


manipulação, mesmo à distorção por parte do sujeito falante. Vinha à tona, juntamente
com isso, um novo enfoque a respeito do que se poderia entender por “Gramática” e de
como se deveria, sim, trabalhar com Gramática dentro da sala de aula de Língua
Portuguesa, sem que isso implicasse, necessariamente, a menção a nomenclatura
metalingüística:
“Chamamos de atividade epilingüística a essa prática que opera sobre a
própria linguagem, compara as expressões, transforma-as, experimenta novos
modos de construção canônicos ou não, brinca com a linguagem, investe as
formas lingüísticas de novas significações. Não se pode ainda falar de
‘gramática’ no sentido de um sistema de noções descritivas, nem de uma
metalinguagem representativa como uma nomenclatura gramatical. Não se
dão nomes aos bois nem aos boiadeiros. O professor, sim, deve ter em mente
a sistematização que lhe permite orientar e multiplicar essas atividades”
(SÃO PAULO, 1988, p. 36).
Doze anos depois, foram publicados os PCNs, parâmetros curriculares nacionais. O
PCN de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998) era, em parte, resultado dos avanços
presentes, principalmente, nas propostas curriculares dos estados de São Paulo e de
Minas Gerais, porém com a assimilação das novidades advindas da Escola de Genebra
com relação aos gêneros do discurso. Embora seja inegável o avanço que comportava,
ao apresentar em nível nacional uma proposta de ensino de Língua Portuguesa de viés
enunciativo-discursivo, em suas linhas, aparece, de modo mais ou menos explícito, a
tendência para a didatização ou para a escolarização dos gêneros do discurso, algo que
não se coaduna, por princípio, com a teorização de base bakhtiniana que daria
sustentação, seja a essa própria proposta, seja aos pressupostos da Escola de Genebra
(SCHNEUWLY, 2004; SCHNEUWLY & DOLZ, 2004). Sabemos, como veremos
adiante, que Bakhtin (1997) postula, para os gêneros do discurso, uma maleabilidade,
uma flexibilidade ou instabilidade equivalente àquela prevista por Franchi para o
próprio funcionamento da linguagem. É nesse sentido, ou seja, naquele de uma
tendência à re-estabilização do fato lingüístico e, conseqüentemente, a sua idealização,
que o PCN de Língua Portuguesa comportava certo retrocesso. Aliás, também no
sentido de chegar às escolas na forma de parâmetro advindo das instâncias
administrativas, e não de proposta previamente discutida, mesmo que de forma mínima,
entre os professores.
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3. Das questões de poder e das idealizações

4
Embora exploremos, neste item, o conceito de “letramento restrito”, não nos alinhamos com a
abordagem de Goody e de outros estudiosos como Olson (1997), por exemplo, que entendem o
letramento de forma relativamente independente ou autônoma com relação às condições sócio-históricas
5

Dos diversos pontos que mencionamos acima, acreditamos que merece um primeiro
destaque aquele que diz respeito ao descompasso existente entre as prescrições advindas
das instâncias administrativas – e, indiretamente, da academia – e o trabalho efetivo do
professor em sala de aula.
Há uma pressuposição mais ou menos explícita, por parte de porta-vozes das instâncias
administrativas e, muitas vezes, também de pesquisadores nas universidades, de que o
professor que hoje trabalha nas escolas públicas alimenta uma visão endemicamente
tradicionalista, de que ele é resistente ou avesso às inovações e de que, em última
instância, ele seria o grande culpado pelo fato de que, por melhores que tenham sido as
diversas propostas ou normatizações, sempre foram precariamente implantadas. Ou
seja: as academias e secretarias diversas estariam cheias de boas intenções, mas haveria
algo na formação do professor que resiste – entendendo-se, de toda forma, a resistência
como algo negativo – e torna a escola, em certo sentido, impermeável às tentativas de
modernização. Outra voz – proveniente de sindicatos da categoria e muitas vezes
engrossada por vozes da universidade - advoga, por sua vez, que a falha deveria ser
atribuída à falta de condições mínimas para o trabalho pedagógico, seja em função da
baixa remuneração, da jornada de trabalho excessiva ou, ainda, do número excessivo de
alunos em sala de aula. No embate, uns culpam os outros e há quem postule que mesmo
se contempladas todas as condições infra-estruturais inerentes à instituição escolar, seria
insuficiente ou precário o trabalho do professor, em função – de volta ao mesmo
argumento – de sua formação limitada ou inadequada.
Esboçaremos, aqui, uma outra suposição, embasada em abordagem sócio-histórica mais
ampla que se alinha com a forma de análise própria dos assim chamados “Estudos do
Letramento”, ao considerar fatores existentes para além da instituição escolar de forma
isolada, ou de uma comunicação que se daria de forma simples, entre as instâncias
5
administrativas, as academias e o professorado.
Conforme entendemos a questão, é preciso tecermos uma reflexão mais abrangente a
respeito da forma de circulação da cultura ou da informação em nossa sociedade, algo a
que o lingüista inglês Norman Fairclough (2001) se refere nos termos da produção,

em que é praticado. Nesse sentido, sentimo-nos próximos de Collins&Blot (2005) que retomam conceitos
desenvolvidos por Goody atribuindo-lhes uma visada sócio-histórica. Vale notar que as questões que
aparecem particularmente neste item foram desenvolvidas por nós no âmbito da pesquisa de pós-
doutorado que desenvolvemos com apoio de bolsa da FAPESP.
5
Aproveitamos para lembrar que Street (1993) faz diversas vezes menção a um divisor de águas que
diferencia a tendência presente nos Estudos do Letramento (“New Literacy Studies”), com sua ênfase
sócio-histórica, de outras abordagens a respeito do letramento: trata-se da maneira mais ampla com que o
contexto é considerado.
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circulação e consumo de gêneros do discurso, e que se dá, em princípio, no âmbito das


práticas discursivas, recebendo e projetando influências sobre as esferas das práticas
sociais (a macro-estrutura social dotada de componentes ideológicos e hegemônicos) e
das práticas textuais mais pontuais (seja, no caso que nos interessa aqui, a instância da
aula propriamente dita). É assim que, só aparentemente, a interlocução entre as
secretarias e/ou a academia, por um lado, e a instituição escolar, por outro, se daria de
forma direta ou mais imediatamente visível.
Ao chamarmos a atenção para a forma da circulação da cultura letrada em nossa
sociedade, desejamos apontar para questões de ideologia e de poder, enfatizando o
caráter relativamente limitado dessa circulação, o que nos faz apontar para o que Goody
denominou “letramento restrito”, algo que seria típico de sociedades ditas tradicionais,
como as da Índia ou da África (Cf. GOODY, 1968), porém, ao que nos parece, ainda
estaria presente, em algum grau, em nossa sociedade. Vale lembrar que aquelas
características pertinentes ao assim chamado “letramento restrito”, as quais exploramos
em detalhe em outro trabalho (MARTINS, 2008 a e b), dizem respeito a questões de
hegemonia e de poder no que estas implicam, entre outros fatores: a manutenção de
certo privilégio com relação ao acesso efetivo à cultura letrada de prestígio; a linguagem
cifrada ou de certa forma inacessível à grande maioria da população; a iniciação, aqui
no sentido da dificuldade da participação efetiva em determinados círculos, seja em
6
nosso caso a própria dificuldade de acesso aos níveis superiores de escolarização. É
nesse sentido que esses traços refletem a estrutura de poder presente em nossa
sociedade.
Queremos notar, também, que, em nosso entender, essa situação é típica de sociedades
ainda pouco desenvolvidas do ponto de vista da organização da sociedade civil e das
instituições democráticas, ou, em outros termos: o assim denominado “letramento
restrito” certamente comporta uma dimensão restrita de participação na sociedade em
geral, algo para que talvez ainda não estejamos totalmente avisados. Nesse âmbito, a
cultura letrada é vista dentro de uma aura semelhante àquela com que era ou ainda é
tratada a religião em sua inacessibilidade. Podemos dizer, aliás, que uma das
características dessa sociedade que ainda não é mais extensa e intensamente letrada é o

6
Entre outros dados, o Movimento “Todos Pela Educação” aponta para o fato sintomático de que
“a cada dois minutos um aluno entre 15 e 19 anos deixa a escola”. Informação disponível no sítio
http://www.todospelaeducacao.com.br/ (Acesso em 08/06/2008).
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próprio desconhecimento das leis escritas, seja por falta de disponibilidade, ou mesmo
por acesso restrito a iniciados.
Os lingüistas, por sua vez, nessa sociedade ainda relativamente fechada, ora são
acusados de quererem, como o poeta Bandeira, aceitar todos os barbarismos 7 da língua,
ora não são devidamente compreendidos, uma vez que numa cultura de letramento
incipiente (e de democracia incipiente) ainda não pode ser bem aceita uma Gramática
que propõe a liberdade, a maleabilidade, a flexibilidade; mais apropriada a nosso tipo de
sociedade ainda parece ser a Gramática cheia de regras, de normatizações, uma
Gramática que cerca a língua materna com uma aura de idealismo. Uma Gramática para
iniciados.
Defendemos, assim, que o tradicionalismo que reconhecemos na escola é sintoma do
tradicionalismo que nem sempre enxergamos em nossa sociedade e que, por sua vez,
está relacionado com a democratização incipiente de nosso país em termos de falta de
organização da sociedade civil e de falta de acesso generalizado aos bens culturais. Que
a gramática tradicional ainda praticada com tanta freqüência nas escolas é continuidade
da gramática – em sentido amplo, ou seja, no sentido das regras e protocolos sociais
exigidos e praticados em diversos graus na vida cotidiana - presente de forma difusa em
nossa sociedade, fora dos muros da escola. Que essa gramática está entranhada de forma
bem mais profunda e que não se restringe apenas às normatizações da linguagem, mas a
uma série de idealizações próprias de uma exigência maior que atravessa toda a
sociedade e que confere ao letramento de prestígio uma aura de superioridade
intimamente relacionada ao estatuto hegemônico de que parecem desfrutar seus
portadores. Lembramos, ainda, que essa gramática de viés sociológico e antropológico –
em termos de padrões que atravessam a sociedade na forma de idealizações - é também,
em certo sentido, a mesma que se faz presente nas ambientações higienizadas das
novelas televisivas, no corpo escultural de atores, de atletas, dos personagens presentes
nas diversas propagandas. Padrões que estão presentes também de forma difusamente
normativa nas sociedades ditas avançadas, porém é de se supor que o acesso mais
generalizado a uma diversidade maior de práticas letradas complexas traga consigo a
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possibilidade de uma postura de objetivação crítica quanto a essas idealizações.

7
“Abaixo os puristas/Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais/
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção/Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
(Bandeira, 1976).
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Vale lembrar, aqui, a desconfiança, de Adorno (2003), com relação à efetiva possibilidade de
emancipação do ser humano. De toda forma, o filósofo aponta para a necessidade de diversificarmos as
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4. Da maleabilidade dos gêneros do discurso e das novas padronizações


Entendemos, ainda, que a mesma dificuldade inerente à situação à qual estamos
apontando, e que caracteriza o assim chamado “letramento restrito”, tem também se
manifestado na forma de aplicação ao ensino de Língua Portuguesa da conceituação a
respeito dos gêneros do discurso, uma vez que, mais uma vez, tende-se a priorizar as
conceituações metalingüísticas, em lugar do trabalho com a linguagem propriamente
dita ou com a produção textual enquanto prática discursiva.
É dentro dessa linha de proposta pedagógica que, por exemplo, os recentes “Cadernos
do Professor” em voga na rede pública de ensino do Estado de São Paulo (SÃO
PAULO, 2008) apresentam as seqüências didáticas dentro da pressuposição de que
certos gêneros do discurso devam ser tematizados e trabalhados em cada nível de
ensino, a partir do enfoque de alguns exemplares de textos considerados como
representantes típicos de determinado gênero ou de determinada tipologia textual. Ou
seja: novamente, trabalha-se com padronizações, com idealizações. Há pouca ou
nenhuma sugestão que aponte para o que se tem defendido, no mínimo já há vinte e
cinco anos, no que diz respeito à aprendizagem significativa, inserida em situações reais
de uso da linguagem. Tudo o que os pequenos cadernos trazem é a sugestão para que os
alunos discutam certas temáticas entre si em sala de aula, ou que façam certo
levantamento junto à comunidade a que pertencem – o que é absolutamente insuficiente
para caracterizar minimamente uma prática de letramento genuína, ou o que poderíamos
entender como um projeto de letramento escolar.
Lembramos que, segundo Kleiman (2005), uma prática de letramento pode implicar,
por exemplo, o envio de uma carta ou a escrita de um diário, enquanto atividades que
envolvem a língua escrita e que comportam objetivos determinados em situações
determinadas. Já um projeto de letramento representaria, segundo Kleiman (2000, p.
238):
“(...) um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida
dos alunos e cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a leitura de
textos que, de fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão
lidos, em um trabalho coletivo de alunos e professor, cada um segundo sua
capacidade. O projeto de letramento é uma prática social em que a escrita é
utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da
escrita (a aprendizagem dos aspectos formais apenas), transformando
objetivos circulares como ‘escrever para aprender a escrever’ e ‘ler para
aprender a ler’ em ler e escrever para compreender e aprender aquilo que for
relevante para o desenvolvimento e realização do projeto.”

experiências de aprendizagem: de ampliar e diversificar o currículo escolar em todos os níveis, como


forma de propiciarmos essa emancipação.
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Esta é, de resto, a abordagem que condiz com os assim chamados “Estudos do


Letramento” e com seu enfoque sócio-histórico, assim como, também, com o enfoque
bakhtiniano dos gêneros do discurso, que os postula de forma intimamente relacionada
com determinadas esferas da atividade humana. É digno de nota o fato de que, apesar
de, em certo sentido, as propostas e diretrizes governamentais apontarem para um
trabalho que transcende os muros da escola, esse transcender é excessivamente
circunstancial e não traz grandes novidades em relação às lições de casa em que, no
passado, os estudantes eram chamados a trazer, para a sala de aula, resultados de
alguma pesquisa desenvolvida e acompanhada de anotações no caderno escolar.
Estamos muito longe da possibilidade de praticar a linguagem, reconhecida como
pertencente a certos gêneros do discurso, enquanto atividade genuinamente ancorada em
situações de produção, sejam escolares ou não, e, por isso mesmo, sujeita a
manipulações, a distorções, a inovações. A tipologia textual aparece de forma
relativamente estabilizada e sentimo-nos bem próximos dos tradicionais exercícios de
interpretação e de produção de textos de mais de trinta anos atrás, apenas com uma
roupagem ligeiramente diferente e com a assimilação canhestra de uma nomenclatura
mais atualizada.
O enfoque bakhtiniano dos gêneros do discurso, por outro lado, postula-os de maneira
bastante diferente, intimamente relacionada com determinadas esferas da atividade
humana e dentro de uma contextualização social muito mais ampla. Vale lembrar,
também, que não estava no escopo da reflexão bakhtiniana a ponderação a respeito do
trabalho escolar, muito embora o filósofo russo se refira tanto aos gêneros do discurso
praticados de forma mais livre e espontânea (esfera da vida cotidiana), quanto aos
gêneros do discurso institucional (esfera das superestruturas), nos quais se incluiriam,
em princípio, os gêneros do discurso praticados na escola.
A essas alturas, cabem, assim, algumas questões iniciais: podem-se, afinal, ensinar os
gêneros do discurso na escola? É papel da escola trabalhar com gêneros do discurso ou
a ela só caberia o trabalho mais pontual com textos de diferentes modalidades:
narrativa, argumentativa, expositiva?
A resposta a essas perguntas implica certas considerações presentes na reflexão
bakhtiniana:
“Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos
enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo. (...) Em
termos práticos, nós os empregamos de forma segura e habilidosa, mas em termos teóricos
podemos desconhecer inteiramente a sua existência. (...) Até mesmo no bate-papo mais
descontraído e livre nós moldamos o nosso discurso por determinadas formas de gênero, às
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vezes padronizadas e estereotipadas, às vezes mais flexíveis, plásticas e criativas (a


comunicação cotidiana também dispõe de gêneros criativos)” (Bakhtin, 1997, p.282).
Conforme entendemos a questão quando transportada para a reflexão a respeito da
educação, a escola trabalha necessariamente com gêneros do discurso: quer faça isso de
forma explícita, quer não; quer entenda a educação como transmissão de conhecimento,
quer não. O que chama nossa atenção, assim, é a forma como isso pode ser feito: mais
ou menos descontraída, mais ou menos burocratizada, mais ou menos estereotipada,
mais ou menos crítica. Podemos lembrar, a esse respeito, a diferenciação estabelecida
na Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa do Estado de São Paulo e
depois retomada no documento da esfera federal, entre as atividades lingüísticas,
epilingüísticas e metalingüísticas a serem trabalhadas na escola, sendo a ênfase
atribuída às duas primeiras atividades e entendendo-se que as atividades
metalingüísticas só seriam cabíveis ao final de um longo trabalho de prática e de
reflexão sobre a linguagem.
A mesma restrição parece-nos, em princípio, cabível no que concerne ao trabalho
escolar com gêneros do discurso: que sejam praticados de forma intensa e flexível, que
essa prática propicie a reflexão mais espontânea a seu respeito, não se descartando,
ainda, uma possível sistematização do trabalho escolar realizado, afinal, também é papel
da escola trabalhar com sistematizações, o que não significa trabalhar com categorias
fixas.
Algumas considerações são, no entanto, necessárias para que possamos refletir melhor a
esse respeito. Primeiro, a postulação da atuação do professor que se faz de forma
necessariamente política e não inocente, na medida em que implica opções e, no caso
em pauta, a escolha entre o trabalho com categorias relativamente fechadas, estáveis,
cristalizadas, que em certo sentido é típico dos gêneros institucionais, sendo de se
esperar em função das restrições ideológicas e de poder que cerceiam o trabalho escolar;
e um trabalho contra-hegemônico, que aponta para a busca de desestruturações, de
desestabilizações, fato que podemos dizer está previsto na teorização bakhtiniana, na
medida em que postula ações e reações, palavras e contra-palavras na arena densa de
luta de poder em que se dá toda a linguagem (Cf. BAKHTIN, 1995). O ambiente
escolar não é, assim, um ambiente à parte, livre dessas tensões que atravessam toda a
sociedade, nem o professor pode se posicionar dentro de uma postura isenta, no sentido
de que quisesse se eximir ou localizar-se à margem dessas lutas.
Outra questão diz respeito à tendência sempre presente nas escolas para os processos de
recontextualização das teorias que aí chegam após sofrerem vários momentos de
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reinterpretação: como é o caso da maneira com que o PCN de Língua Portuguesa


reinterpretou as conceituações presentes na obra de Mikhail Bakhtin e depois, ainda, o
texto do documento oficial sofreu novos processos de reinterpretação na medida em que
foi se traduzindo nas práticas escolares. Nessa medida, a concepção de gêneros do
discurso hoje praticada nas escolas é resultado de uma série de transformações,
incluindo-se nelas o casamento com práticas pedagógicas bastante tradicionais.
Lembremos, no entanto, que não são os professores os únicos responsáveis por essa
bricolagem: ela vem se dando com a interferência de instâncias administrativas, como
no caso recente da imposição dos “Cadernos do Professor” que, por um lado, enfatizam
as seqüências didáticas e, com isso, trazem para o trabalho com gêneros uma
compartimentação que não lhes pertenceria por princípio; por outro, trazem à pauta
questões de gramática normativa que recendem a manuais escolares de mais de trinta
anos atrás (Cf. KLEIMAN & MARTINS, 2007).
Podemos, em vista dos pontos destacados, dizer que trazer os gêneros do discurso para
o trabalho escolar voltado ao ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa envolve,
sem dúvida, um avanço considerável, desde que saibamos explorar todas as
conseqüências dessa visada em termos políticos e sócio-históricos, no que estas
expressões implicam questões de ideologia e de poder. Voltemos, por ora, a nossa
postulação anterior de que também os gêneros do discurso poderiam ser trabalhados nas
dimensões lingüísticas, epilingüísticas e metalingüísticas para compreender melhor
essas questões e, com isso, finalizar nossas reflexões.
A Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa, à qual vimos nos referindo,
possuía um caráter seqüencial, na medida em que propunha que se trabalhassem,
primeiro e de forma intensa, a leitura e produção de textos, assim como a reflexão mais
espontânea sobre esses textos através de reescritas e reformulações. O estudo da
metalinguagem se daria em momento posterior. No caso do trabalho com os gêneros do
discurso, um ponto que nos chama a atenção nos documentos oficiais que os têm
incorporado é o fato de que a metalinguagem ainda continua envolvendo as mesmas
classificações presentes na Gramática Nocional, com algumas pequenas alterações. Ou
seja, quando se trata de trabalhar com conceituações, ainda são as velhas categorias que
voltam à baila: classes de palavras, funções sintáticas, além das normatizações
referentes aos paradigmas de conjugação verbal, ou às regras de concordância e
regência. Tudo isso tem reaparecido nos “Cadernos do Professor”, em conjunto com a
proposta de trabalho com gêneros do discurso.
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Não vamos aqui nos deter nas questões que dizem respeito à necessidade ou não de se
trabalhar, ainda, com certos preceitos do ensino tradicional da Língua Portuguesa. A
pergunta que queremos, agora, levantar é: em se tratando de gêneros do discurso, o que
significaria trabalhar com metalinguagem?
Para responder a essa pergunta, precisamos, primeiro, lembrar que a própria proposta
das seqüências didáticas não se coaduna com o trabalho genuíno com os gêneros do
discurso, uma vez que, quando buscamos de fato inserir esse trabalho na dimensão
sócio-histórica mais ampla que lhe diz respeito por natureza, é impossível optar por um
gênero, ou postular que primeiro se deve trabalhar com certa modalidade, e depois com
outra. Em vez disso, o que se faz necessário é a criação de situações de interação rica,
que transcendam a sala de aula e mesmo o espaço escolar propriamente dito, de tal
forma que a linguagem possa ser praticada da forma mais próxima de sua dimensão real
– fugindo-se, nesse caso, ao artificialismo que tende a predominar no trabalho escolar.
Essas situações podem comportar, é certo, algum grau de simulação.
Nessa dimensão, o trabalho com textos pertencentes a diferentes gêneros passa a
acontecer como conseqüência de necessidades reais de interlocução. Vamos imaginar,
por exemplo, que seja feito um passeio ao Parque Ecológico do município como parte
de um projeto maior que certo professor venha desenvolvendo com seu grupo de alunos.
Vários gêneros do discurso serão reconhecíveis nas práticas de linguagem que se darão
nesse momento, com o incentivo e a supervisão do professor: as conversas mais
formais, o bate-papo, a entrevista com guardas, as anotações em prancheta, o debate
acalorado em torno de uma questão polêmica (a questão da preservação ambiental, por
exemplo). A volta à escola pode propiciar outras práticas letradas: a escrita de um
relatório, de uma crônica, a editoração da entrevista para eventual publicação no jornal
escolar. Nesse âmbito, mesmo as normatizações lingüísticas passam a ser
contextualizadas dentro do reconhecimento da necessidade de aproximação de certos
padrões quando se trata da publicação de um texto em jornal.
Vale notar que as atividades epilingüísticas também passam a ser uma conseqüência das
atividades discursivas propriamente ditas, ou seja, é à medida que os estudantes vão se
conscientizando das características típicas ou mais típicas de cada gênero, que eles
aprendem a desenvolver esse jogo sutil com a linguagem, a qual permite a comunicação
inter-genérica e as retextualizações que vão fazendo com que determinado texto,
pertencente de início a certo gênero, possa, ao ser trabalhado, passar a ser reconhecido
dentro de outra tipologia.
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Chegamos, assim, à resposta da pergunta acima: o trabalho com a metalinguagem, nesse


caso, não é um trabalho com classificações estanques, mas passa a estar intimamente
relacionado com o trabalho epilingüístico do manuseio com a linguagem e com o
recurso a diferentes estratégias discursivas e a determinadas marcas textuais. É nessa
medida que um passeio ao Parque Ecológico, ao viabilizar a possibilidade da escrita de
um relatório com suas marcações típicas de distanciamento e de objetividade (uso da
terceira pessoa, do modo indicativo, sem abuso nem de adjetivações nem de
modalizações, por exemplo) pode levar, depois, ao trabalho com a crônica em que o
estudante perceba que não precisa se tratar, propriamente, da escrita de um texto
completamente novo. Ele verá que é possível a reescrita, a retextualização, com o
apagamento do efeito de sentido anterior próprio da objetividade científica, e a inserção
de marcas de subjetividade e de um eventual lirismo ou mesmo de um efeito
humorístico ao se transformar o que era, antes, o relatório em um novo texto que passa a
ser reconhecido dentro da tipologia da crônica.
Falta, porém, mais um ponto para que possamos finalizar nossas reflexões, uma vez
que, se queremos atribuir ao trabalho com gêneros do discurso na escola todo o
potencial presente na reflexão bakhtiniana, o trabalho com a metalinguagem e com a
reflexão a respeito dos efeitos de sentido resultantes do manuseio com o texto não pode
parar por aí.
Cabe, ainda, chamar a atenção, no trabalho de sala de aula, para aquela questão que
Street (1993) levanta: por que em meio a tantos gêneros e a tantas práticas de letramento
apenas um deles - o gênero do discurso argumentativo de viés científico - veio a
adquirir o estatuto de prestígio de que desfruta em nossa sociedade?
No que diz respeito ao trabalho com gêneros do discurso na escola, a metalinguagem
tem, em princípio, a ver com as tipologias discursivas, ou seja, com o reconhecimento
das características mais típicas a cada gênero, de acordo com marcas de estilo, com a
temática tratada e com a própria estrutura de composição que o texto comporta. Vale
destacar, aliás, que essas classificações são muito difíceis de se fazerem, podendo
conduzir a idealizações, particularmente neste momento atual, em que vão se tornando
cada vez mais correntes as diferentes hibridizações e transposições de características de
dada modalidade textual para outro tipo de texto, assim como as diferentes assimilações
de um gênero dentro de outro, como pode ser o caso do texto de propaganda que
incorpora em seu interior uma cartinha pessoal ou um bilhete, sem que, nesse
movimento, deixe de pertencer ao gênero propagandístico.
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De toda forma, além de possíveis categorizações, ainda faz-se necessário pensar, junto
com os estudantes, sobre as questões de ideologia e de poder presentes, em diferente
medida, nos diferentes gêneros, sendo esses fenômenos mais visíveis em determinados
textos – como naqueles pertencentes às esferas da política e da propaganda – porém não
se resumindo a eles. Em função da dimensão reflexiva que este trabalho de
metalinguagem envolve e propicia, não é desejável, de toda maneira, que seja reservado
para alguma fase posterior do processo de ensino e aprendizagem da língua materna.
Em cada fase e com crianças de diferentes faixas etárias, será possível atentar para esse
tipo de reflexão: a cada momento com uma terminologia que lhe seja mais adequada e,
de preferência, em meio das atividades discursivas propriamente ditas, assim como dos
diferentes processos de trabalho com a linguagem, de manuseio, de retextualizações que
estejam em andamento. Neste caso, como não há gêneros do discurso que devam em
princípio ser trabalhados antes ou depois que outros, também não há atividades -
lingüística (ou lingüístico-discursiva), epilingüística ou metalingüística - que precisem,
por natureza, aparecer em primeiro lugar. O processo de ensino e aprendizagem passa a
ser dinâmico e processual, também no que diz respeito a este aspecto.
5. Considerações finais
Discutimos, no decorrer deste trabalho, a forma com que certas diretrizes oficiais de
ensino representam um retrocesso histórico quando comparadas com propostas e
diretrizes curriculares de vinte ou trinta anos atrás. Apontamos, também, para a maneira
com que o letramento do professor é parte do letramento que permeia a sociedade
brasileira como um todo, com seus componentes de poder e de ideologia que tenta
mascarar esse poder, atribuindo ao professor ou aos estudantes toda a responsabilidade
por não conseguirem ultrapassar as barreiras do poder estabelecido.
Entendemos que a análise crítica que leva em consideração o contexto social em sentido
amplo nos permite desvendar componentes que dizem respeito à estruturação social e,
dessa forma, dar conta de certos vetores que, estando presentes na sociedade de forma
difusa, influem, também, seja na atuação do professor em sala de aula, seja na maneira
com que se efetiva o diálogo entre as instâncias administrativas e o corpo docente, ou
entre o círculo acadêmico e as instituições escolares.
Levantamos, ainda, duas questões principais referentes ao ensino e aprendizagem de
Língua Portuguesa nas escolas brasileiras: os gêneros do discurso podem fazer parte de
forma genuína do trabalho escolar? O que significa o trabalho com a metalinguagem
nessa dimensão?
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Para responder a essas questões recorremos à teorização bakhtiniana sobre os gêneros


do discurso e consideramos que, na linha dessa conceituação, o trabalho com gêneros do
discurso será possível sempre que se amplie o contexto do trabalho escolar, que para dar
conta desse desafio necessita, no mínimo, não se circunscrever apenas à sala de aula,
buscando outras motivações para uma prática de linguagem e de letramento mais efetiva
e sujeita a flexibilizações. Por outro lado, a reflexão metalingüística, se pretender dar
conta do que são os gêneros em sua dimensão sócio-histórica, precisa incluir em sua
visada o enfoque das pressões ideológicas e hegemônicas presentes em nossa sociedade.
Poder-se-á argumentar neste ponto: mas isso já não é metalinguagem, uma vez que a
metalinguagem se resume à reflexão sobre a linguagem, e não sobre questões sócio-
históricas ou de viés político-social. Eis, porém, a implicação de uma proposta que
queira, de fato, tratar de questões enunciativo-discursivas, o que é próprio da abordagem
bakhtiniana, assim como de parte considerável das reflexões hoje presentes nos Estudos
do Letramento que não desejam se restringir a um contexto excessivamente imediato,

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