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Formação Docente e Práticas Pedagógicas - 04 p. 169 - 184

A FORMAÇÃO DE MODELOS
MENTAIS NA SALA DE AULA

Ednilson Sérgio Ramalho de Souza60

RESUMO
Apresentaremos um estudo sobre a dinâmica de formação de modelos mentais e consequências
para a sala de aula. Argumentaremos apoiados em autores como D‟Amore (2007), Borges (1998)
e Moreira (1996) que um modelo mental é formado por sucessivas imagens mentais acomodadas
e fundamenta explicações durante as tarefas de ensino. Nosso objetivo, portanto, é refletir
sobre o que seria um modelo mental, suas características principais, natureza, tipos, sua
dinâmica de formação e também como se poderiam construir recursos didático-pedagógicos a
partir dessas informações. Nossa questão de pesquisa baseia-se em saber: de que maneira a
dinâmica de formação de modelos mentais pode ser útil para o ensino-aprendizagem?
Concluímos que os modelos mentais podem embasar a construção de novas estratégias e
materiais didáticos com base nas imagens mentais prévias dos estudantes, possibilitando
aprendizagem em pouco tempo.

Palavras-chave: Modelos Mentais. Ensino-Aprendizagem. Recursos Didáticos.

THE FORMATION OF MENTAL MODELS IN THE CLASSROOM

ABSTRACT
We present a study on the dynamics of formation of mental models and consequences for the
classroom. Supported by authors like D‟Amore (2007), Borges (1998) and Moreira (1996), we
argue that a mental model is formed by successive mental images, which underlie explanations

Professor Assistente. Licenciado Pleno em Física. Especialista em Educação Matemática. Mestre em Educação em Ciências e
60

Matemática. Lotado no Instituto de Ciências da Educação/Programa de Pedagogia/Ufopa. E-mail: ednilson.souza@yahoo.com.br

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during learning tasks. Our goal, therefore, is to reflect on what would be a mental model, its
main features, nature, types, its formation dynamics and how pedagogical resources could be
developed from this information. Our research question is the following: how can the dynamics
of formation of mental models be useful for teaching and learning? We conclude that mental
models can lay the foundations of new strategies and materials based on students‟ previous
mental images, enabling learning in a short time.

Keywords: Mental Models. Teaching and Learning. Teaching Resources.

INTRODUÇÃO (imagem mental). O sucesso em seu ofício


estava explicado: ela raciocinava a partir de
Certa vez, estava observando uma
modelos mentais!
costureira em seu ofício. Seu objetivo era
produzir uma blusa de Cetim para sua filha. Numa definição bem simples, um
Pegou o pano, mais ou menos 80 centímetros, modelo mental é um modelo que existe na
começou a pensar como faria o corte no mente de alguém (BORGES, 1998, p. 09). A
mesmo. Corria com a tesoura na trajetória do partir do modelo mental da blusa, a costureira
corte que seria feito, para depois realmente poderia descrever e explicar seu processo de
fazê-lo. Observei que cortava o pano construção, corrigir ações antes mesmo de
separando as partes da blusa: colarinho, executá-las realmente (simulação mental),
manga etc. Perguntei-me: como ela sabia acrescentar ou desprezar procedimentos
cortar as partes da blusa no tamanho e visando sempre aperfeiçoar seu modelo
formato ideal para depois montar a mesma mental. Enfim, os modelos mentais estão
como uma peça completa, se não fazia relacionados à própria capacidade de
nenhum desenho ou ao menos estava compreensão do sujeito. “Nossa habilidade
copiando de outra blusa já feita? em dar explicações está intimamente
relacionada com nossa compreensão daquilo
Ela só poderia estar raciocinando a
que é explicado, e para compreender qualquer
partir de um modelo mental da blusa a ser
fenômeno ou estado de coisas, precisamos ter
feita. Antes de iniciar o corte no pano, a
um modelo funcional dele” (BORGES, 1998,
costureira formou um modelo mental para
p. 11).
guiar a forma e o tamanho dos cortes que
seriam feitos. Cada parte da blusa que cortava Em diversas situações do dia-a-dia as
representava uma parte do modelo mental pessoas raciocinam por modelos mentais,

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porém, não se dão conta disso (geralmente, respondidas com base na dinâmica de
os modelos mentais são formados formação dos modelos mentais. Compreender
inconscientemente). São muitas as profissões o que é e como se forma um modelo mental
que exigem a formação de modelos mentais pode ser salutar para entender os bloqueios
para serem bem realizadas. Quando esses na aprendizagem de certos conteúdos, bem
modelos são formados apropriadamente o como gerar recursos didáticos que possam
sucesso é garantido. No entanto, quando se efetivamente favorecer o processo de
formam modelos mentais incoerentes, o aprendizagem.
fracasso acontece. Na primeira seção, faremos um esboço
Na sala de aula, procura-se formar geral sobre o tema modelos mentais. A partir
modelos mentais que levem os estudantes a de autores como Borges (1998) e Moreira
obterem sucesso em suas tarefas. O problema (1996) discutiremos algumas definições para
é que a maioria dos professores não sabe que o termo modelo mental, suas características
estão promovendo a formação de modelos principais e tipos. Na segunda seção,
mentais, porque não sabem nem o que são ou aprofundaremos sobre a dinâmica de
como se formam tais modelos. Resulta que formação dos modelos mentais a partir da
muitos dos modelos mentais formados em concepção proposta por D‟Amore (2007) de
sala de aula são incoerentes do ponto de vista modelos mentais enquanto acomodação de
científico. imagens mentais. Na terceira seção,
apresentaremos uma técnica para investigar
Nosso objetivo nesse texto é refletir imagens/modelos mentais durante as tarefas
sobre o que seria um modelo mental, suas de ensino e consequências para a construção
características principais, natureza, tipos, sua de recursos didáticos. Finalizaremos com
dinâmica de formação e também como se nossas exposições finais.
poderiam construir recursos didático-
pedagógicos a partir dos modelos mentais.
Queremos saber, portanto de que maneira a MODELOS MENTAIS
dinâmica de formação de modelos mentais Na década de 80 foram publicados dois
pode ser útil para o ensino-aprendizagem? livros sobre modelos mentais, um escrito pelo
Esse estudo é importante, por exemplo, psicólogo norte-americano Philip Johnson-
para compreender questões do tipo: Por que Laird (1983), que propõe uma teoria de mo-
existem estudantes que aprendem mais delos mentais e o outro organizado por Gen-
rápido do que outros nas mesmas condições tner e Stevens também em 1983 que aborda
didáticas? Por que alguns estudantes sobre os conhecimentos que as pessoas de-
resolvem problemas mais rápido do que senvolvem sobre fenômenos físicos e especi-
outros? Como construir recursos didáticos almente sobre dispositivos mecânicos, sem,
que possam promover deliberadamente a no entanto, apresentarem nenhuma teoria
formação de modelos mentais potentes? unificadora a respeito (MOREIRA, GRECA e
PALMEIRO, 2002, p. 37).
Essas são apenas algumas das muitas
indagações educacionais que podem Os modelos mentais estão diretamen-
ser

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te relacionados à capacidade de compreensão grau dependendo do envolvimento e interesse


e raciocínio do sujeito. São eles que guiam os do sujeito por mais conhecimentos naquele
mecanismos cognitivos que geram explica- domínio. Por exemplo, na escola, o
ções, descrições, inferências. conhecimento assimilado interage com os
modelos existentes para produzir novos
Na Ciência Cognitiva, os modelos mentais são
modelos. Estes apresentam um sistema mais
usados para caracterizar as formas pelas quais
rico e empregam propriedades novas para
as pessoas compreendem os sistemas físicos
descrever e explicar eventos no domínio em
com os quais interagem. Eles servem para
questão. Para que o sujeito venha a adquirir
explicar o comportamento do sistema, fazer
modelos mentais próximos dos modelos
previsões, localizar falhas e atribuir causalidade
científicos é necessário bastante tempo e
aos eventos e fenômenos observados
esforço de sua parte (BORGES, 1998, p. 25).
(NORMAM, 1983, apud BORGES, 1998, p. 10).
Modelo mental é então uma
representação interna de informações que
Um bom mecânico de automóvel é corresponde analogamente (capta a essência)
capaz de dizer onde está o defeito do motor com aquilo que está sendo representado
sem precisar abri-lo. Ele utiliza um modelo (MOREIRA, 1996, p. 195). Essa analogia pode
mental do motor do carro. A razão nos mostra ser total ou parcial, isto é, podem existir
que o mecânico formou seu modelo mental modelos mentais totalmente analógicos ou
em diferentes momentos de sua profissão, analógico/proposicional.
com base em erros e acertos, assimilando cada
vez mais informações que pudessem Quer dizer, um modelo mental pode conter
enriquecer tal modelo e desprezando outras proposições, mas estas podem existir como
que em nada poderia contribuir para sua representação mental, no sentido de Johnson-
evolução. Laird, sem fazer parte de um modelo mental.
Contudo, para ele, as representações
Temos então que um sujeito começa
proposicionais são interpretadas em relação a
com modelos mentais simples que
modelos mentais: uma proposição é verdadeira
representam apenas aspectos parciais de um
ou falsa em relação a um modelo mental de
fenômeno ou de um sistema (GILBERT &
um estado de coisas do mundo. As imagens,
BOUTER, 1995, apud BORGES, 1998, p. 25).
por sua vez, correspondem a vistas dos
Esses modelos iniciais são testados e
modelos (MOREIRA, 1996, p. 195).
reforçados em diversas ocasiões da vida do
sujeito. Eles são formados por estruturas
simples que permitem ao indivíduo prever e Da citação acima, percebe-se que
explicar muitas das observações feitas na vida Johnson-Laird (1983) distingue pelo menos
cotidiana de maneira mais ou menos direta, três tipos de representações mentais:
além de facilitar a comunicação no dia-a-dia representações proposicionais, modelos
(BORGES, 1998, p. 25). mentais e imagens mentais. As primeiras
Tais modelos iniciais podem vir a ser seriam cadeias de símbolos verbalmente
depurados com o tempo, em maior ou menor expressáveis que correspondem à linguagem

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natural, as segundas seriam análogos os modelos mentais físicos, que são os que
estruturais do mundo e as últimas seriam representam o mundo físico (um motor, por
modelos vistos de determinado ponto de vista exemplo) e os modelos mentais conceituais,
(MOREIRA, 1996, p. 195). que são os que representam coisas mais
A frase “O trabalhador empurra uma abstratas (uma fórmula matemática ou um
caixa” poderia ser representada mentalmente discurso de sala de aula).
como uma representação proposicional, uma Os modelos mentais físicos são
vez que é verbalmente expressável; como um subclassificados por Johnson-Laird (1983)
modelo mental de qualquer trabalhador em seis tipos:
empurrando qualquer caixa ou como uma
1. Modelo relacional é um quadro (“frame”)
imagem mental de um trabalhador em
estático que consiste de um conjunto finito
específico empurrando determinada caixa. de elementos (“tokens”) que representam
Nosso interesse recai nos modelos um conjunto finito de entidades físicas, de
mentais uma vez que são eles os responsáveis um conjunto finito de propriedades dos
pela maior ou menor capacidade de elementos que representam propriedades
físicas das entidades e de um conjunto
compreensão que uma pessoa pode ter.
finito de relações entre os elementos que
A principal função do modelo mental é permitir representam relações físicas entre as
ao seu construtor explicar e fazer previsões entidades.
sobre o sistema físico que o modelo
2. Modelo espacial é um modelo relacional
analogicamente representa. Tais previsões não no qual as únicas relações que existem
implicam necessariamente “rodar” o modelo entre as entidades físicas representadas
(previsibilidade procedimental), pois ele deve são espaciais e o modelo representa estas
também permitir previsões resultantes de relações localizando os elementos
inferência direta (previsibilidade declarativa) (“tokens”) em um espaço dimensional
(MOREIRA, 1996, p. 201). (tipicamente de duas ou três dimensões).
Este tipo de modelo pode satisfazer as
propriedades do espaço métrico ordinário,
Para explicar e fazer previsões sobre em particular a continuidade psicológica de
alguma coisa o sujeito deve, necessariamente, suas dimensões e a desigualdade triangular
compreender essa coisa. Decorre daí que os (a distância entre dois pontos nunca é mais
do que a soma das distâncias entre cada um
modelos mentais são estruturas cognitivas
deles e um terceiro ponto qualquer).
relacionadas à compreensão. Compreender
algo significa construir um modelo mental 3. Modelo temporal é o que consiste de uma
sequência de quadros “frames” espaciais
para este algo. Mas podemos compreender
(de uma determinada dimensionalidade)
coisas diversificadas, desde o funcionamento
que ocorre em uma ordem temporal que
de uma máquina até o funcionamento do uma
corresponde à ordem dos eventos (embora
equação matemática. Objetos físicos e não necessariamente em tempo real).
abstratos demandam a formação de modelos
4. Modelo cinemático é um modelo temporal
mentais de naturezas diferentes.
que é psicologicamente contínuo; é um
Johnson-Laird (1983) distingue entre modelo que representa mudanças e

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movimentos das entidades representadas perceba novas propriedades relacionais dos


sem descontinuidades temporais. objetos em função da troca de lugar dos
Naturalmente, este tipo de modelo pode mesmos, o modelo cinemático origina um
funcionar (“rodar”) em tempo real e modelo mental dinâmico. No caso de haver
certamente o fará se for construído pela necessidade de centrar a atenção em algum
percepção. dos objetos do arranjo espacial, a mente
5. Modelo dinâmico é um modelo cinemático recorre a uma imagem mental para
no qual existem também relações entre representá-lo.
certos quadros (“frames”) representando
Para Johnson-Laird (1983), modelos
relações causais entre os eventos
representados. mentais conceituais, construídos a partir do
discurso, exigem mais que os modelos físicos,
6. Imagem é uma representação, centrada no
pois não têm o referencial do mundo físico,
observador, das características visíveis de
exigem um mecanismo de autorrevisão
um modelo espacial tridimensional ou
recursiva. O psicólogo distingue quatro tipos
cinemático subjacente. Corresponde,
portanto, a uma vista (ou projeção) do de modelos conceituais:
objeto ou evento representado no modelo
subjacente. (MOREIRA, 1996, p. 207-208).
1. Modelo monádico é o que representa afir-
mações (como aquelas do raciocínio silo-
Vamos tomar como exemplo, a gístico) sobre individualidades, suas pro-
priedades e identidades entre elas. Este
disposição de três objetos em cima de uma
tipo de modelo tem três componentes: um
mesa, por exemplo: prato, colher e xícara.
número finito de elementos (“tokens”) re-
Caso estes objetos estejam parados, a mente
presentando entidades individuais e suas
pode representá-los recorrendo simplesmente propriedades; duas relações binárias –
a um modelo mental relacional, sem agregar identidade (=) e não identidade (¹); e uma
elementos espaciais como distâncias ou notação especial para indicar que é incer-
ângulos. No entanto, dependendo da to se existem determinadas identidades.
necessidade, o sujeito poderá enriquecer o 2. Modelo relacional é aquele que agrega um
modelo relacional com elementos espaciais número finito de relações, possivelmente
atribuindo características matemáticas ao abstratas, entre as entidades individuais
sistema, por exemplo, forma geométrica do representadas em um modelo monádico.
arranjo, distância entre os objetos e ângulos,
3. Modelo metalinguístico é o que contém
o que dará origem a um modelo mental elementos (“tokens”) correspondentes a
espacial. Ao trocar a posição dos objetos certas expressões linguísticas e certas
“prato-colher-xícara” forma-se um modelo relações abstratas entre elas e elementos
mental temporal para o evento, o qual do modelo (de qualquer tipo, incluindo o
representará a ordem temporal da troca. Se próprio modelo metalinguístico).
essa ordem temporal for psicologicamente 4. Modelo conjunto teórico é aquele que
contínua, sem descontinuidades temporais, a contém um número finito de elementos
mente poderá recorrer a um modelo mental (“tokens”) que representam diretamente
cinemático para representá-lo. Caso o sujeito conjuntos; pode conter também um

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conjunto finito de elementos (“tokens”) automóveis listam a si mesmos e outros não”;


representando propriedades abstratas do requerem um modelo conjunto teórico na
conjunto e um número finito de relações forma:
(incluindo identidade e não-identidade)
entre os elementos que representam
conjuntos (MOREIRA, 1996, p. 208-209).

O modelo mental monádico forma-se O qual representa o fato de que um


para representar asserções do tipo “Todo automóvel consiste de três nomes, incluindo
engenheiro é arquiteto” requerendo uma o seu próprio.
representação mental da forma:
Johnson-Laird (1983) considera esta
Engenheiro = Arquiteto subclassificação de modelos mentais como
(Arquiteto) informal e tentativa, pois, em última análise,
é a pesquisa que vai dizer como são os
Os parênteses indicam que podem
modelos mentais das pessoas. Contudo, os
existir engenheiros que não são arquitetos.
diferentes tipos de modelos físicos e
Para asserções mais gerais é necessário
conceituais por ele propostos revelam o
empregar outro tipo de modelo, o relacional.
caráter essencial dos modelos mentais: eles
O modelo relacional é necessário para derivam de um número relativamente
representar uma asserção do tipo “existem pequeno de elementos e de operações
mais bicicletas do que carros”, que requer recursivas sobre tais elementos; seu poder
uma representação do seguinte tipo: representacional depende de procedimentos
b–c adicionais para construí-los e avaliá-los; as
maiores restrições sobre eles decorrem da
b–c
estrutura percebida ou concebida dos estados
b de coisas do mundo, dos conceitos que
Já asserções do tipo “Uma das subjazem os significados dos objetos e eventos
médicas se chama Maria” requer um modelo e da necessidade de mantê-los livres de
metalinguístico da seguinte espécie: contradições (MOREIRA, 1996, p. 210).
Na sala de aula, modelos físicos e
modelos conceituais são formados a todo o
Médica
momento de forma inconsciente pelos
“Maria” Médica estudantes. Quando esses modelos são
Médica coerentes do ponto de vista científico, os
discentes obtêm êxito nas tarefas de ensino,
Onde as aspas estão sendo usadas indicando que houve boa aprendizagem. No
para significar uma expressão linguística e a entanto, quando tais modelos são incoerentes
flecha denota referência: a expressão
cientificamente, o que infelizmente é muito
linguística “Maria” se refere a tal médica.
comum, os aprendizes não logram êxito nas
No caso de asserções do tipo “Alguns situações de ensino. O problema maior é que

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nem os próprios professores têm consciência seriam como blocos de construção cognitivos
sobre os modelos mentais de seus alunos e que podem ser combinados e recombinados
nem de seus próprios, até porque muitos conforme necessário. A compreensão
professores não sabem nem o que é ou como significativa de um conceito, evento ou objeto
se forma um modelo mental. Para que se implica a construção de um modelo mental de
possa promover deliberadamente a formação trabalho deste conceito, evento ou objeto
de modelos mentais potentes em sala de aula, (MOREIRA e KREY, 2006, p. 357).
é necessário que o professor tenha um modelo
mental do processo de formação de um
modelo mental. É o que vamos ver na próxima Considerando que o raciocínio do
seção. estudante ocorre de fato com base em
modelos mentais, é preciso favorecer a
formação deles durante as instruções de
A FORMAÇÃO DE MODELOS ensino. O professor só poderá encaminhar
MENTAIS NA SALA DE AULA essa formação se tiver um modelo mental de
como um modelo mental se forma.
De acordo com o que vimos na seção Bruno D‟Amore (2007) descreve a
anterior, para compreender um dado conceito formação de um modelo mental do seguinte
o estudante precisa formar um modelo mental modo:
do mesmo. Digamos que o conceito a ser
Com relação a um determinado conceito,
compreendido é o de Força. Partindo da teoria
o indivíduo parece fazer-se imagens
dos modelos mentais, o estudante que forma
sempre mais gerais e circunstanciadas,
um “bom” modelo mental para este conceito
percebendo, cada vez, detalhes,
é capaz de aplicá-lo a diversas situações do
informações, propriedades mais
dia-a-dia, pode simular seu uso para prever e
abrangentes; por isso, temos um
explicar fatos durante a resolução de
verdadeiro e próprio processo dinâmico
problemas, enfim, pode dizer o que o conceito
que consta de uma sucessão de imagens
“contém”, como ele “funciona” e por que se
mentais; o modelo mental (cognitivo)
“comporta” de determinada maneira.
seria então o “limite” dessa sucessão de
Vimos também que um bom modelo imagens, no momento em que elas, ainda
mental é formado conforme o estudante que com as solicitações relativas a
acrescenta informações ao mesmo, de acordo propriedades sempre mais gerais, não
como o utiliza para analisar as situações do requerem mais a formação de imagens
cotidiano. Em função dessas várias novas; portanto, o modelo mental seria
modificações no modelo mental, é formado o resultado final do processo das imagens
um sistema cognitivo que capacita o sujeito a mentais, quando uma dessas se torna
compreender significativamente o objeto em estável (p. 153, grifos do autor).
estudo.
Johnson-Laird sugere que as pessoas
raciocinam com modelos mentais, os quais

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D‟Amore (2007), sugere que um mode- Didaticamente, teríamos que quando o


lo mental é formado pela acomodação e equi- sujeito começa o estudo sobre forças pode ain-
libração de sucessivas imagens mentais, de da não ter um modelo mental apropriada-
modo a não sofrerem mais desequilíbrios em mente formado para este conceito. Conforme
função de conflitos cognitivos proveniente de o professor oferece problemas os quais mo-
estímulos externos ou internos. Assim, tería- bilizam tal conceito em diferentes situações,
mos que um modelo mental para o conceito o estudante forma uma porção de imagens
de Força é formado por um grupo de imagens mentais que se unem e se complementam,
mentais, que não sofrem mais desequilíbrios promovendo a formação de um bloco de cons-
muito bruscos, em função de uma nova situa- trução cognitivo. Esse bloco cognitivo é o
ção de aprendizagem a ser enfrentada. modelo mental do conceito de Força.
De forma pictórica teríamos,

Figura 1. Dinâmica de formação de um modelo mental.


Um modelo mental é formado por um conjunto n de O que se observa na figura 1 é uma
imagens mentais (bloco cognitivo) que se acomodam proposição para a dinâmica de formação de
mantendo relações entre si (Fonte: Adaptado de Borges,
modelos mentais. A ilustração evidencia que
1998, p. 12).
um modelo mental pode ser comparado a um
bloco cognitivo resultante da acomodação de
n imagens mentais, que se encaixam
harmonicamente mantendo conexões entre
si.
A formação de um modelo mental
seria, portanto, semelhante a uma série de
camadas imbricadas de imagens mentais, em
que as camadas exteriores contêm
completamente as camadas internas. Isto é,
cada camada mais externa compartilha das
mesmas propriedades que as camadas que ela
contém e acrescenta outras, semelhante às
camadas de uma cebola.

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A figura a seguir mostra a acomodação


entre as imagens mentais, desde a mais
inclusiva (imagem 1) até a menos inclusiva
(imagem n).

Figura 2. Processo de acomodação das imagens mentais. A segunda imagem mental incorpora novos elementos à primeira,
por sua vez a terceira imagem incorpora novos elementos à segunda, e assim sucessivamente até que a imagem n não
sofre mais modificações de ordem elevada, momento em que se forma um modelo mental (Fonte: Adaptado de D’Amore,
2007, p. 154).

A figura 2 mostra que a primeira imagem mental pode ser considerada um


imagem mental absorve elementos da modelo mental até que um estímulo (exterior
segunda, esta, por sua vez, retém elementos ou interior) a desequilibre e se acomode
da terceira... acomodando-se umas as outras. novamente incorporando elementos
Por ser menos suscetível a modificações em provenientes de tal estímulo, resultando uma
função de novas informações, a “última” imagem mental mais elaborada ou um “novo”
imagem mental (n) não absorve mais modelo mental. Esse processo explica
elementos capazes de causar um desequilíbrio algumas aparentes incoerências sobre as
muito grande, originando então um modelo concepções de modelo mental de alguns
mental robusto que guiará corretamente o autores. Enquanto que para Johnson-Laird
raciocínio do estudante durante as tarefas de (1983) os modelos mentais seriam atos
ensino. cognitivos episódicos, sendo “descartados”
Pelas figuras 1 e 2 fica evidente que uma após seu uso, para Gentner e Stevens (1983),

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os modelos mentais são estruturas estáveis atrasados” no raciocínio necessariamente for-


cognitivamente (BORGES, 1998, p. 11). Ora, mariam/teriam imagens mentais iniciais pou-
se na figura 2 olharmos cada imagem mental co inclusivas.
como um modelo mental, então teríamos que Para avançar em nossas reflexões sobre
o modelo mental anterior é “descartado” em a necessidade de formação de imagens
prol de um modelo mental mais acurado, o mentais iniciais potencialmente inclusivas,
que estaria de acordo com a concepção de faz-se necessário aprofundar um pouco sobre
Johnson-Laird (1983). No entanto, a figura 2 o que seria uma imagem mental.
também mostra que a um mesmo modelo
mental inicial (representado por uma imagem Para Johnson-Laird (1983), “Imagens
mental) vão sendo incorporados elementos são representações bastante específicas que
que o fazem ficar cada vez mais potente, retêm muitos dos aspectos perceptivos de
dando ideia de estabilidade cognitiva, como determinados objetos, ou eventos, vistos de
um ângulo particular, com detalhes de uma
apregoam Gentner e Stevens (1983). Parece
certa instância do objeto ou evento”
que essas duas visões de modelos mentais são,
(MOREIRA, 1996, p. 194). A imagem torna-
na verdade, complementares.
se uma modalidade específica de
Nota-se que o número n de imagens representação do conhecimento (D‟AMORE,
está relacionado à potência inclusiva de cada 2007, p. 149).
imagem mental. Se as imagens mentais
Essa caracterização está totalmente de
iniciais forem pouco inclusivas (possuírem
acordo e até corrobora nossas argumentações
poucas pontes cognitivas), o número n tende
sobre a dinâmica de formação dos modelos
a ser bem maior do que para o caso em que
mentais. Se olharmos atentamente a figuras
essas imagens são potencialmente inclusivas
1 e 2, veremos que, de fato, cada imagem
(muitas pontes cognitivas). Resulta que a
mental proporciona uma vista particular do
função didática do professor seria favorecer
modelo mental, pois, cada uma acrescenta um
a formação de imagens mentais iniciais
conhecimento que “faltava” na anterior. É
potencialmente inclusivas, visando diminuir
esse conhecimento específico que dá à
o número n de imagens necessárias à
imagem mental a característica de ângulo
formação de um modelo mental potente,
particular de um modelo mental.
decorrendo daí melhor aprendizagem em
menos tempo. David Ausubel e colaboradores (1980)
já falavam que cada conhecimento encontra-
A dinâmica de aprendizagem por aco-
se ligado a conhecimentos prévios que o
modação de imagens mentais por grau de „in-
indivíduo possui, à sua experiência, às
clusividade‟ poderia explicar um fato muito
modalidades pessoais de mediação e
comum em sala de aula: os estudantes possu-
percepção,
em tempo de aprendizagem diferente. Ora,
estudantes que “aprendem rápido” provavel-
mente formam/possuem imagens mentais Ressaltamos que a aquisição de novas
iniciais potencialmente inclusivas ao novo informações depende amplamente das ideias
conhecimento, ao passo que estudantes “mais relevantes que já fazem parte da estrutura

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cognitiva, e que a aprendizagem significativa estudantes chegam com suas imagens mentais
nos seres humanos ocorre por meio de uma prévias, formadas a partir de seus modos de
interação entre o novo conteúdo e aquele já vida, de suas ocupações, de suas
adquirido. O resultado dessa interação, que
idiossincrasias, de instruções escolares
ocorre entre o novo material e a estrutura
cognitiva existente, é a assimilação dos
anteriores. Essas imagens mentais retêm suas
significados velhos e novos, dando origem a percepções e imaginações sobre dado
uma estrutura mais altamente diferenciada conhecimento. O professor, acostumado ao
(AUSUBEL, NOVAK e HANESIAN, 1980, p. 57). método tradicional de ensino, apresenta
definições, faz exemplos, passa lista de
exercícios e cobra o que foi ensinado na prova,
Se esses conhecimentos prévios forem não valoriza as imagens mentais prévias dos
compreendidos como imagens mentais estudantes sobre o conhecimento a ser
prévias, então a aquisição de informações aprendido. O estudante, não acomodando
depende em grande parte das imagens já imagens mentais cada vez mais elaboradas,
formadas e acomodadas na estrutura não forma modelos mentais, em
cognitiva do sujeito formando seus modelos consequência, não compreende o que foi
mentais prévios. A aprendizagem significativa “ensinado”. Ocorreu o ensino, mas não a
ocorreria pela interação entre velhas e novas aprendizagem. Na seção que segue veremos
imagens mentais, originando uma imagem uma técnica para reconhecer modelos
altamente diferenciada, o resultado final desse mentais a partir das imagens mentais prévias
processo seria um modelo mental pujante (ver dos estudantes.
figura 2).
Em resumo, temos que:
A imagem mental é condicionada pela UMA EXPERIÊNCIA PARA DETECTAR
experiência pessoal, pelas influências culturais, MODELOS MENTAIS
pelos estilos pessoais, em poucas palavras, é
produto típico do indivíduo, mas com Como detectar as imagens mentais
constantes e também conotações comuns entre prévias dos estudantes visando diferenciá-las
indivíduos diferentes. Ela pode mais ou menos paulatinamente? Essa questão é delicada uma
ser elaborada conscientemente (essa vez que não temos acesso direto a elas,
capacidade de elaboração, no entanto, também
podemos tão somente fazer ideia de como elas
depende do indivíduo). Todavia, a imagem
mental é interna e, pelo menos em primeira são, mas não podemos afirmar como
instância, involuntária (D’AMORE, 2007, p. 153). realmente são. No entanto, fazendo ideia de
como são as imagens mentais dos estudantes,
podemos compreender como são seus
As imagens são “[...] resultantes da modelos mentais e agir de acordo!
percepção ou imaginação, elas representam
Um bom “jogo” para perceber
aspectos perceptíveis dos objetos ou eventos
imagens mentais seria perguntar para o
correspondentes do mundo real (MOREIRA,
estudante: que pensamento lhe vem à cabeça
1996, p. 2004)”.
quando escuta falar sobre...? A resposta
Traduzindo para a sala de aula: os envolveria suas concepções, percepções e

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A formação de modelos mentais na sala de aula 181

imaginações, portanto, suas imagens e Respondeu:


consequentes modelos mentais.
- De um homem empurrando uma
Numa pesquisa desse tipo perguntei caixa!
para uma estudante do 8º ano do Ensino Fun-
damental: Essa resposta mostra que a imagem
mental de um homem empurrando uma cai-
- Que pensamento lhe vem à cabeça
xa faz parte do modelo mental da estudante
quando escuta falar sobre força?
para o conceito de Força. A partir dessa ima-
Ela Respondeu: gem mental poderíamos inferir que a estudan-
- De um cara dando porrada no ou- te:
tro! 1. Pensa em Força relacionada à mas-
Tal resposta revela que a imagem sa corporal (o homem empurra a caixa por-
mental de um homem agredindo outro faz que é maior, tem mais massa, é mais “forte”).
parte de um modelo mental para o conceito 2. Pensa em Força como algo capaz
de Força. Ou seja, o modelo mental da estu- de provocar movimento (ao empurrar a caixa
dante para tal conceito comporta essa ima- ela se movimenta).
gem mental. Através dela poderíamos inferir
que: Ou seja, a estudante já possui um
modelo mental para esse conceito. Tal mode-
· A estudante pensa em força relacio-
lo mental compreende a ideia de força relaci-
nada à massa corporal (provavelmente, o ho-
onada à massa corporal e força produzindo
mem que estava agredindo o outro possuía
movimento. Provavelmente, esse modelo
maior massa, era mais “forte”).
mental foi formado em função de suas expe-
Sendo uma estudante do 8º ano do riências diárias e/ou por instruções escolares.
Ensino Fundamental, ainda não fora exposto Assim, a imagem mental de um homem em-
aos conceitos escolares sobre força, por isso, purrando uma caixa é potencialmente inclu-
seu modelo mental inicial preserva a ideia do siva para gerar um modelo mental potente
senso comum de “que quem tem maior mas- para tal conceito.
sa corporal é mais forte”. A função do profes-
Após detectar tal imagem mental, a
sor seria partir dessa imagem mental para
missão do professor seria começar uma série
iniciar o estudo sobre Força. Ao tomá-la como
de tarefas que levassem ao enriquecimento da
uma imagem mental potencialmente inclusi-
mesma por meio de conflitos cognitivos (Por
va, o professor poderia apoiar novas imagens
exemplo, mostrar que mesmo na ausência de
mentais às imagens integrantes do modelo
força pode existir movimento). A cada tarefa
mental inicial, enriquecendo-o cada vez mais
a estudante acomodaria novas imagens
com informações sobre tal conceito.
mentais ao modelo mental inicial. Após certo
Uma estudante do 9º ano do ensino tempo, o modelo mental para o conceito de
fundamental ao ser perguntada: força ficaria robusto e não sofreria mais
- Que pensamento lhe vem à cabeça modificações acentuadas mesmo com novas
quando escuta falar de força? tarefas de ensino.

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182 Ednilson Sérgio Ramalho de Souza

Outra estudante, desta vez do pré- registros pictóricos seriam excelentes fontes
vestibular, respondeu à seguinte pergunta: o de informação. Digamos que se queira
que você pensa quando escuta falar sobre analisar os modelos mentais de crianças sobre
força? o conceito de Terra. O professor solicita que
a criança desenhe uma pessoa em pé no
- Penso que força é um movimento
planeta Terra. Uma criança poderia desenhar
que tu faz...é um impulso...de um objeto que
o seguinte:
pode ir pra trás e pra frente, depende do
movimento que tu faz e da força que tu exerce
sobre ele.
Pode-se inferir que a imagem mental
da estudante sobre o conceito de Força
incorpora ideias de:
• Força relacionada à movimento.
• Força relaciona à impulso.
Mostrando que o modelo mental
dessa estudante para tal conceito relaciona
força à ideia de movimento e de impulso.
Partindo dessa imagem mental, o professor
Figura 3. Homem em pé no planeta Terra (Fonte:
poderia organizar suas atividades visando MOREIRA, 1996, p. 217).
causar conflitos cognitivos que levassem ao
desequilíbrio do modelo mental inicial e Ficaria claro que a imagem mental
reequilíbrio a um modelo mental mais que a criança tem é de uma Terra em forma
enriquecido. de disco, caracterizando que seu modelo
Observa-se nas três respostas acima mental para o conceito de Terra inclui a
certa evolução do modelo mental de Força. No imagem mental de que a mesma possui forma
primeiro caso, a estudante do oitavo ano geométrica de disco. Esse resultado foi
pensava em Força apenas relacionada à massa confirmado por Stella Vosniadou em 1994
corporal. No segundo caso, a estudante (MOREIRA, 1996, p. 217).
incorporou, além da ideia de massa corporal, Verifica-se também que a imagem
a noção de Força enquanto agente de mental de Terra em forma de disco é mais
movimento. Já no terceiro caso, a estudante potencialmente inclusiva do que uma imagem
do pré-vestibular assimilou ao seu modelo mental de Terra em forma retangular, uma
mental de Força, além da ideia de produtora vez que o disco possui forma geométrica mais
de movimento, também a ideia de impulso. próxima da esfera do que o retângulo. Em
Isso mostra que um modelo mental evolui outras palavras, a criança que imagina a Terra
com as instruções e com as experiências de em forma de disco compreenderia mais
vida. rápido que sua forma é esférica do que a
Nessa técnica de pesquisa em modelos criança que imagina a Terra em forma de
mentais a partir das imagens mentais, os retângulo.

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A formação de modelos mentais na sala de aula 183

Em suma, pesquisando as imagens contempla e atribui novas propriedades à ca-


mentais dos estudantes o professor poderá mada mais interna, contribui quando se de-
fazer ideia de como são seus modelos mentais seja confeccionar recursos didáticos funda-
e organizar suas atividades de ensino e mentados na teoria dos modelos mentais.
recursos didáticos visando enriquecê-los, a A função do professor seria partir das
fim de que, se transformem em modelos imagens mentais prévias dos estudantes e
mentais potentes do ponto de vista científico. construir materiais e estratégias de ensino que
pudessem promover desequilíbrios cogniti-
vos, que gerassem imagens mentais cada vez
EXPOSIÇÕES FINAIS mais enriquecidas em termos de novos conhe-
cimentos. Essa estratégia faria com que os
Meu objetivo foi refletir sobre a
modelos mentais dos estudantes evoluíssem
formação de modelos mentais e consequentes
a modelos mentais coerentes do ponto de vista
implicações para o ensino-aprendizagem.
da escola.
Apresentei a ideia de modelo mental
Argumentamos que estudantes que
como sendo um bloco de construção cogniti-
“aprendem rápido” teriam imagens mentais
vo composto por n camadas de imagens men-
iniciais potencialmente inclusivas, ou seja,
tais acomodadas. A função principal de um
com muitas pontes cognitivas para apoiar a
modelo mental é servir para o raciocínio e
aprendizagem do novo conhecimento. Por
compreensão por meio de simulação mental,
outro lado, estudantes que “demoram a
como sugere Borges (1998, p. 13) nos itens a
aprender” teriam imagens mentais pouco in-
seguir
clusivas, isto é, com poucas pontes cognitivas.
1. Um modelo mental é diferente de
Mostrei que o tempo de aprendizagem
uma representação de informações isoladas
tem haver com o número n de imagens men-
sobre o sistema. Ele é uma estrutura rica e
tais necessárias para formar um modelo men-
elaborada.
tal. Argumentei também que o número n de
2. Um modelo mental representa dife-
imagens pode ser reduzido quando se parte
rentes tipos de informação: o que o sistema de uma imagem mental inicial potencialmen-
contém, como ele funciona e por que se com- te inclusiva, reduzindo, em consequência, o
porta de uma determinada maneira.
tempo de aprendizagem de determinado con-
3. Um modelo mental, para algumas teúdo. O professor deveria, portanto, cons-
pessoas pelo menos, é diferente de outras for- truir recursos didáticos que partissem de ima-
mas de conhecimento, pois ele pode ser “ro- gens mentais potencialmente inclusivas visan-
dado” com entradas exploratórias, de forma do favorecer a aprendizagem de determina-
a imaginar o resultado (simulação mental). do conteúdo.
4. Um modelo mental envolve um cer- Uma questão que surgiu foi: como
to grau de sistematicidade e coerência. pesquisar os modelos mentais prévios dos
A ideia de modelo mental enquanto um estudantes, haja vista que são internos e não
conjunto de imagens mentais devidamente temos acesso diretamente a eles? Partindo do
acomodadas, onde a imagem mais externa pressuposto bastante válido de que os

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modelos mentais são formados por imagens REFERÊNCIAS


mentais cada vez mais enriquecidas e
acomodadas, poderíamos simplesmente
perguntar para o estudante o que ele pensa
AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J. P.; HANESIAN,
quando escuta falar sobre tal coisa ou
H. Psicologia Educacional. Rio de Janei-
solicitar que faça um desenho a respeito e
ro: Interamericana, 1980.
teríamos suas percepções e concepções dando
pistas sobre como é seu modelo mental. Esse BORGES, A. T. Modelos mentais de eletro-
método foi usado com três estudantes sobre magnetismo. Caderno Catarinense de
o conceito de Força e mostrou-se bastante Ensino de Física, v. 15, n. 1, p. 7-31, 1998.
válido para inferir seus modelos mentais D‟AMORE, B. Elementos de didática da
prévios. Matemática. São Paulo: Cortez, 2007.
Em resumo, para construir estratégias
GILBERT, J.K. & BOULTER, C. Stretching
e materiais com base em modelos mentais,
Models Too Far. In: Conferência Anual da
sugerimos pelo menos duas ações
National Association for Research in Science
pedagógicas:
Teaching. Anais… San Francisco, 18-22
• Identificar uma imagem mental inicial Abril, 1995.
potencialmente inclusiva para o conceito a ser
JOHNSON-LAIRD, P. Mental Models.
ensinado.
Cambridge, MA: Harvard University Press,
• Preparar o discurso pedagógico 1983.
(materiais e estratégias) visando enriquecer
MOREIRA, M. A. Modelos mentais. Revista
as ideias presentes na imagem mental inicial
Investigações em Ensino de Ciências, v.
por meio de conflitos cognitivos.
1, n. 3, p. 193-232, 1996.
Por ser um assunto relativamente novo
na Educação (quase 30 anos) os modelos MOREIRA, M. A.; GRECA, I. M.; PALMEI-
mentais ainda trazem muitas indagações a RO, M. L. R. Modelos mentales y modelos
serem pesquisadas. Porém, as pesquisa que conceptuales en la enseñanza & aprendizaje
vêm sendo feitas indicam que esse é um tema de las Ciencias. Revista Brasileira de In-
de extrema relevância para as tarefas de sala vestigação em Educação em Ciências, v.
de aula. 2, n. 3, p. 84-96, 2002.

MOREIRA, M. A.; KREY, I. Dificuldades dos


alunos na aprendizagem da lei de Gauss em
Recebido em: maio de 2012
nível de física geral à luz da teoria dos mode-
Aceito em: julho de 2012 los mentais de Johnson-Laird. Revista Bra-
sileira de Ensino de Física, v. 28, n. 3, p.
353-360, 2006.
VOSNIADOU, S. Capturing and modeling the
process of conceptual change. Learning and
Instruction, v. 4, p. 45-69, 1994.

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