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Nome: Vinícius Pereira

Nº USP: 8801662

Conversa sem rumo

- Ouvi dizer que ela tinha ataques de raiva e que constantemente surtava.
- Bom, quem de nós nunca teve de lidar com a mente e com nossos impulsos dadas as condições de
nossa existência, não é mesmo?
- É, acho que você tá certo. Vai mais uma?
- Claro, pode pedir!
- Moço...Traz mais uma pra gente, por favor! Mas agora fiquei curioso em saber mais sobre Nina
Simone.
- Você acredita que nossos corpos determinam, de certa maneira, o curso de nossas vidas?
- Nunca parei pra refletir sobre isso mas, o que isso tem a ver com Nina Simone?
- Bom, Nina Simone não nasceu Nina Simone, mas nasceu mulher, mulher e negra, mulher negra na
Carolina do Norte no começo do século XX. Você tem dimensão do que isso significa?
- Não nasceu Nina Simone? Como assim?
- É que esse não é seu verdadeiro nome, mas de qualquer forma não me lembro qual era. Quando
pequena, a música entrou na sua vida, ou ela entrou no mundo da música, não importa. Sonhava,
como daqueles sonhos inocentes de criança, em ser reconhecida como a primeira pianista negra a
tocar música clássica dos Estados Unidos. Me parece que desde muito cedo Nina já sabia o que
significava ser negro na América e seu sonho diz muito sobre esse fato.
- Tá, mas onde você quer chegar com isso?
- Ué, não queria saber mais sobre Nina Simone?
- Ah, sim. Me desculpe, continue.
- Enfim, pelo que sei, ela se tornou Nina Simone por acaso. Mas assim é a vida, né? Começou a tocar
em bares para ganhar uma grana e se viu obrigada a cantar. Depois disso, nunca parou.
- Espera um pouco. Você disse que ela sonhava em ser reconhecida por sua música, como assim se
viu obrigada?
- Ela queria tocar música clássica. Não foi bem o que aconteceu, de fato, acho que nunca pôde realizar
esse desejo. Definitivamente, isso não foi por acaso. Por isso insisto na questão do corpo. Não é
possível entender minimamente quem foi Nina Simone, ou qualquer um de nós, sem entender o que
isso significa. Você sabia que ela era vítima de violência doméstica? Seu marido e empresário, que a
ajudou a crescer como artista e também com quem teve uma filha, constantemente a agredia. Ser
mulher talvez nunca tivesse tanto significado como teve para ela nessa época.
- Entendo o que quer dizer. Ouvi dizer que ela participou da luta pelos direitos civis nos Estados
Unidos, verdade?
- Sim, ela se envolveu profundamente na luta, mesmo entre tantas contradições que enfrentava em
sua vida pessoal. Pode ser que ela houvesse encontrado um sentido que, até então, lhe escapava. E
suas músicas passaram a ter um viés crítico e refletir sua época. Coragem não lhe faltava. Mas isso
lhe custou caro. Tá aí um lado da militância de que pouco se fala ou, pelo menos, eu pouco ouço falar.
Dependendo do seu nível de envolvimento com os movimentos sociais, isso pode ou não abater o seu
psicológico e sua vida particular. Para Nina, acho que significou a queda.
- Mesmo tendo sido importante figura no cenário político dos Estados Unidos como você menciona?
Mesmo tendo contribuído na conquista dos direitos civis para o seu povo?
- Muito não veem dessa forma, incluso, talvez, nem mesmo ela. O ódio e a tristeza se sobressaíram,
e eu a entendo. Algumas perdas pesam mais que o coração humano pode suportar. Você já ouviu
“Mississipi goddam” e “Why (The King of love is dead)”? Duas canções do caralho! Nelas e através
delas é possível ter uma noção da profundidade dos sentimentos que ela carregava.
- Mas o que você quer dizer com queda?
- Provavelmente o que você já escutou sobre Nina Simone. Ela tinha a reputação de ser volúvel,
imprevisível, impaciente, introspectiva e às vezes mal-humorada. Continuou com sua carreira, mas o
mercado musical já não mais a queria. Lógico, isso é relativo. Deixou os Estados Unidos, dizia que a
América certamente foi algo que não deu certo, e viveu o restante de sua vida em outros lugares,
sobretudo, a França. No fim de sua vida lutou, à sua maneira, pela sua saúde mental e física.
Sobreviveu com o que lhe restou de sua carreira de artista, ainda extraordinariamente.
- Uma vida bem conturbada, você não acha?
- Um exemplo incrível, intenso e singular de vida, eu acho!
- Mas como você sabe tanto sobre Nina Simone?
- Bom, foi numa conversa de bar, como daquelas sem um rumo certo, que “não se chega a lugar
algum”.
- Saideira?
- Saideira!

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