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Coleção FBI

© 1984 – LOU CARRIGAN


Publicado no Brasil pela
Editora Monterrey
Título original:
ELLA SE LLAMA “TWIST”
Tradução de
LUIZ OSVALDO CUNHA
Digitalização 430222
Revisão 430226
PRELÚDIO

— Acha que irá ao encontro?


— Claro — disse o homem. — Aldous é incapaz de
faltar a um encontro do qual pode tirar algum partido.
— Partido? — exclamou a moça, rindo.
— É o que ele pensa, pelo menos. De qualquer modo,
não convém confiar demais. Ele não é tolo.
— Nem esperto.
— Não... Os que se julgam espertos, em geral, não o são.
Não devia ter metido o nariz nos negócios dos outros.
Todos os porcos têm seus chiqueiros onde resfocilar. Se vão
ao chiqueiro alheio, é natural que saiam... em más
condições.
— Se saírem.
— Exato. Se saírem. Creio que é por aqui.
Estavam num desvio na estrada que une Santa Mônica e
Osnard. O homem dirigiu o carro para o atalho amplo, sem
asfalto mas em boas condições. Uma milha adiante, onde o
caminho se alargava, correndo entre um pequeno bosque,
avistaram uma esplanada circular. Na extremidade havia um
poste, e um carro estacionado com todas as luzes apagadas.
— Lá está o automóvel dele.
— Terá vindo sozinho?
— Esse foi o combinado. Se não estiver sozinho, ele
sabe muito bem que não haverá conversa sobre os negócios.
— E se veio sozinho... a conversa será inesperada.
— Para ele.
— Sim, para ele — repetiu a moça, rindo.
O carro parou diante do outro. O homem desceu pela
porta junto ao volante e a moça o imitou, pelo outro lado. A
pulseira de ouro com uma moeda tilintou em seu pulso. Os
dois se reuniram a um lado do carro e o homem apontou
para o interior, dizendo:
— É melhor fazer o sinal.
A moça sorriu, como quem se desculpa de uma falha e
apanhou a lanterna do banco do carro. Com ela apontou
para o bosque e acende três vezes. Quase ao mesmo tempo,
do meio do cedros, tiveram a resposta, dada por um sinal
idêntico.
— Ali está — murmurou o homem. — Vamos.
— Tome cuidado.
— Não se preocupe.
Entraram no bosque. Captaram o ruído alguém
aproximando-se. Segundos depois encontraram-se com um
homem de estatura mediana e um pouco gordo, que apontou
a lanterna par o chão e acendeu-a o tempo suficiente para
clarão chegar ao rosto do homem e da mulher quem estava
esperando.
— Olá, Aldous! — disse o homem recém chegado. —
Como vai?
— Bem- Muito bem, Henry. Quero esclarece apenas,
que não confio em você. Não confio e vocês.
— Então, não devia ter vindo aqui.
— Por que não? — perguntou Aldous, com um tom em
que demonstrava estar sorrindo intimamente. — Não
confiar não significa ter medo vocês. Além do mais, estou
prevenido. É melhor não se mexerem durante alguns
segundos.
— Escute...
— Escutem vocês — cortou Aldous. — Não confio em
vocês, repito. Por isso tenho a pistola na mão esquerda.
Quero certificar-me de que não estão armados. Aí,
guardarei a minha arma e poderemos conversar
— Se você tem uma arma, também temos o direito de ter
uma.
— Direito, sim, sem dúvida. Mas penso exclusivamente
na minha tranqüilidade e não nos direitos de vocês —
murmurou Aldous, tornando a acender a lanterna, apontada
para o chão. — Levante os braços, Henry.
— Não estou gostando disso, Aldous. Nem um pouco.
Trata-se de um encontro amistoso e...
— E como tal deve terminar — cortou Aldous. — De
minha parte, estou disposto a fazer um bom trato. Sim,
Henry?
— Está bem.
Henry ergueu os braços e o gorducho Aldous avançou
para ele. Revistou-o com a mão da lanterna. Meteu-a sob o
paletó de Henry e, quando a retirou, trazia uma pistola.
— Não se importa que eu fique com ela durante alguns
minutos, não é mesmo, Henry? — perguntou Aldous, sem
alterar a voz. — Enquanto durar esta conversa tão
confidencial.
— Vejamos se sua amiguinha não tem uma Thompson
no decote. Vire-se, beleza.
A moça obedeceu e Aldous ouviu o tilintar da pulseira.
— O que é isso? — perguntou inquieto.
— Uma pulseira — respondeu a moça, rindo. —
Cuidado com ela, Aldous. Posso usá-la para estrangular
você.
Aldous resmungou qualquer coisa e passou a mão pelo
corpo da moça. Pelos lugares onde ela poderia ter escondido
uma arma. Não percebeu, porém, que naqueles minutos em
que a revistou, ela passou algo para Henry.
— Deviam cortar sua mão nojenta, Aldous — protestou
ela.
— Falaremos disso em outra ocasião, beleza. Bem, pelo
jeito, não está armada. Não traz nada perigoso em cima.
Exceto seus encantos pessoais, e claro.
— E agora? — perguntou Henry.
— Agora, falemos do tal negócio. Desse trato tão
interessante.
— Só abrirei a boca quando você me devolver a pistola,
Aldous.
— Não estou disposto a fazê-lo. Em troca, consinto em
guardar as duas armas. A sua e a minha, Henry. Quando a
conversa acabar, devolverei a sua. Oh... e é melhor
chegarmos a um acordo amistoso, entendeu?
— Não tenho a menor vontade de discutir. Vamos direto
ao assunto: trata-se do Blue Sky.
— Do iate daquele sujeito chamado Revelle? —
perguntou Aldous, rindo. — Bem, não se pode dizer que
você seja tolo, Henry.
— Não compre o iate, Aldous.
— Como começo, a coisa me agrada. Se continuar
falando, talvez nos entendamos melhor. Que compensação
me oferece por não comprar o iate?
— Compreenda, por favor. Você não deve comprar o
Blue Sky... nem qualquer outro iate.
— Um momento, espertinho. Acha que é o único com
direito a fazer negócios? Há muitos iates à venda. Se vamos
brigar pelo Blue Sky eu o deixo para você e nada de brigas.
Não pretendo, porém, comprometer-me a não comprar outro
iate que tenha as condições necessárias a esse tipo de
negócio. Não é exclusividade de vocês, hem?
— Trata-se exatamente disso. Queremos que seja uma
exclusividade. Faremos um acerto. Você pode prosseguir...
mas trabalhando para nós. Cem mil anuais, Aldous.
— Cem mil dólares por ano? — exclamou Aldous,
rindo. — É piada, Henry?
— Não,
— Em primeiro lugar, não vejo porque deva trabalhar
para alguém. Em segundo, o caso dá muito mais de cem mil
dólares por ano.
— Não há trato, então?
— Nessas condições, não. Sócios, Henry. De sociedade,
aceito o trato. Meio a meio. Num piscar de olhos, nos
transformaremos em milionários. Feito?
— Não sei... Não sou eu quem manda nisso, Aldous.
Sou um intermediário.
— Já imaginava. Você não me parece do tipo capaz de
juntar dinheiro para comprar um iate. Está certo. Tem um
chefe, um sujeito vivo e com dinheiro. Volte a ele e diga o
seguinte: Aldous aceita uma sociedade. Meio a meio,
quanto ao capital e ao trabalho resultante. Ou isso, ou nada
feito, Henry?
— Meu chefe não vai gostar, Aldous.
— Também não gosto da proposta de seu chefe. Além
disso, não gosto de ter um chefe, Henry. Nada de obedecer
ordens, nem de ficar com os trabalhos sujos, enfrentando
todos os riscos. Nada disso. Chefe é chefe. Meio a meio e
em boa harmonia, Ou isso, repito, ou nada. Vá dizer ao
espertinho.
— Está bem, Aldous. Depois darei a resposta.
— Quando?
— Amanhã, a esta mesma hora, aqui.
— Feito. Quer sua pistola?
— Claro.
Henry avançou a mão esquerda para a pistola que
Aldous lhe devolvia. Enquanto a segurava, apertou a mola
da faca entregue pouco antes pela companheira. Aldous
ouviu o ruído da mola e ficou tenso. E atordoado. Seu
subconsciente o avisava do perigo. Sua rapidez mental,
porém, não era suficientemente boa para saber que tipo de
perigo o ameaçava e de onde poderia vir.
Quando soube, a faca já estava a caminho de seu lado
esquerdo. Recebeu o golpe profundo. Deu um grito e quis
recuperar a pistola de Henry, para usá-la contra seu
proprietário. Henry, porém, já havia arrancado a faca e
assestou outro golpe, mais duro e mais violento que o
primeiro.
Aldous pulou para trás, soltando a pistola. Rolou pelo
chão arquejante e gemendo. Tentando, também, sacar sua
pistola. Henry caiu cm cima dele, tentando liquidá-lo de
vez. O tiro ecoou abafado, entre os cedros. Aldous deu um
grito de triunfo e conseguiu levantar-se. Apontava com sua
pistola para Henry que tentou desviar-se para a esquerda.
Aldous voltou-se em direção ao inimigo. Sabia, agora,
de onde vinha o perigo. Mas a moça conseguira apanhar a
arma de Henry e abriu fogo com ela. A bala acertou a testa
de Aldous, empurrando-o para trás, já morto.
Henry ficou de pé, pálido como um cadáver e
aproximou-se de Aldous. Observou-lhe os olhos abertos.
Viu sua expressão petrificada de medo, de quem
compreende que vai morrer. A bala saíra pela nuca e o
espetáculo era bastante desagradável.
— Vamos embora — disse Henry, voltando-se para a
companheira. — Alguém pode ter ouvido os tiros.
Correram para a saída do bosque, entraram no carro e
Henry deu a partida. A moça olhou para trás e suspirou
aliviada. De repente notou que ainda estava com a pistola na
mão e balbuciou:
— Sua pistola...
— Vamos até a baía e a jogaremos na água — respondeu
Henry num sussurro. — Não quero carregá-la comigo.
Acalme-se, pequena... Nada vai acontecer. Está tudo feito.
Aldous era o único que tinha a idéia dos iates. Agora, tudo
correrá bem.
— Assim espero...
— Acalme-se — disse Henry, dando um tapinha na mão
da moça.
***
Meia hora depois a arma foi jogada no mar e Henry
voltou para o carro, apressado. No fim de mais meia hora, o
carro parou diante da entrada lateral de uma boate. Num
beco transversal a duas avenidas. Henry suspirou fundo e
olhou para os dois lados do beco, murmurando em seguida:
— Não há ninguém. A ocasião está ótima. Até logo.
— Até logo. Você voltará?
— Claro. Se não viesse, alguém poderia desconfiar.
A moça desceu e correu para a escadinha de ferro que
levava à entrada dos artistas da boate. Henry acompanhou-a
com o olhar e notou sua inquietação, quando ela estava nos
últimos degraus. Assustou-se ao vê-la descer apressada,
voltando para o carro.
— A pulseira — disse ela, angustiada, metendo a cabeça
pela janelinha do automóvel. — Perdi-a. Talvez tenha caído
perto de Aldous.
— Vou procurá-la.
— Pode ser perigoso... Se alguém ouviu os tiros, talvez
tenha avisado a polícia.
— Tomarei cuidado. Vá para seu trabalho. Eu me
encarrego disso.
A moça dirigiu-se novamente à entrada dos artistas e
Henry deu a partida. Segundos depois, passou pela frente da
boate onde em letras luminosas leu o nome: BOATE
TWIST.
Parou no mesmo lugar. O carro de Aldous ainda estava
ali. De longe percebeu que tudo continuava em paz. Era um
atalho de pouco movimento. Quem visse um carro ali
estacionado, pensaria maliciosamente num par de
namorados e nada mais.
Pegou a lanterna e avançou para o ponto onde se dera o
encontro. Dirigiu a luz para o cadáver de Aldous. Algo
chamou sua atenção. Iluminou mais o rosto do morto,
depois de ter passado a lanterna por todo o corpo.
Repentinamente, Henry ficou mais pálido que o cadáver.
Recuou um passo, sem se conter. Recuou outro e mais
outro.
E fugiu a toda a pressa, sem pensar em mais nada.
Precisava fugir. Afastar-se dali o quanto antes e o mais
depressa possível.
CAPÍTULO PRIMEIRO
Crime monstruoso

— Um caso de crueldade criminosa, senhor. Vamos


cuidar dele, não é?
— Exato, Ankler. Diga ao pessoal que ficou na estrada
que o caso fica em nossas mãos. E diga ao tenente Barrows.
O agente afastou-se e Vance Hagerty, inspetor do FBI,
dirigiu outro olhar ao cadáver. Não entendia como existia
gente no mundo capaz de fazer aquilo. Premeditadamente,
sem dúvida. Não se corta a língua e as mãos de um homem
de modo acidental.
Vance estremeceu. O que causara a morte daquele
homem fora a bala que atravessara sua testa, saindo pela
nuca. Mas por que a mutilação?
Um carro da Highway Patrol passara por ali e vira o
automóvel estacionado perto do cruzamento. Procurara o
proprietário... e o encontrara. Depois, chamara a policia e
esta, ao ver o cadáver, apressara-se a chamar o FBI
Mutilação criminosa, obviamente.
O freio do carro trouxe Hagerty de volta à realidade,
saindo de seus sombrios pensamentos. Quase em seguida,
alguns homens apareceram ao lado dele, vindos do
cruzamento das estradas.
— Estamos aqui, senhor — disse um deles.
— Podemos começar?
— Sim, Irving. Vejamos se esclarecem isso. Muito
cuidado. Nesse terreno é difícil obtermos boas impressões
digitais. Espero por vocês na estrada.
Saiu do bosque e dirigiu-se ao carro onde ele e o agente
Anker Ambrose haviam chegado.
— Vejamos a carteira, Anker — disse Hagerty entrando
no automóvel e sentando-se ao lado do agente. Anker
entregou-lhe a cadeira encontrada na bolso do cadáver e
Hagerty a examinou: — Aldous Marbs, quarenta e dois
anos, nascido em San Diego, Califórnia, residente em Los
Angeles. Profissão: viajante. Hum ... Seis, sete, oitocentos e
vinte e cinco dólares. Não é grande coisa, hem? Ligue para
a delegacia e pergunte se temos a ficha de Marbs, sim,
Anker?
Ambrose ligou para a delegacia e pediu para procurarem
o nome de Aldous Marbs. Aceitou o cigarro oferecido por
Hagerty, que, pensativo, murmurou:
— Não mataram para roubar, está bem claro.
— Sem dúvida. Oitocentos dólares não é precisamente
uma fortuna, mas um ladrão não deixaria em poder da
vítima. Há quem tenha assassinado por menos.
— Sim. Mas não se distrairiam cortando as mãos e a
língua do infeliz — disse Hagerty, esboçando um sorriso.
— De qualquer modo, não afastaremos a possibilidade de
um ladrão vulgar estar metido nisso. E não me olhe assim,
Anker. Não foi um ladrãozinho qualquer, bem sei, mas não
devemos nos precipitar. Nunca. O que é. Irving?
O agente Irving Emerick meteu o braço pela janelinha.
Na ponta do dedo tinha uma pulseira pendurada. Uma
pulseira de ouro com uma moeda também de ouro.
— Estava no lugar do crime, senhor — informou Irving.
— Nós a vimos brilhar, embora o sol ali não entre com
facilidade.
— Onde a encontraram, exatamente? — perguntou
Hagerty, examinando a jóia.
— No meio do mato.
— Escondida?
— Não, não... Alguém a deixou. cair, parece. Perdeu-a.
— Vejam só, hem?... Aqui temos a pista que nos levará
ao criminoso — balbuciou Hagerty, com ironia. — É uma
bonita pulseira.
— Há uma inscrição na moeda, senhor.
— Sim? Vejamos.
Virou a moeda para ver a inscrição. Havia, apenas, uma
palavra: TWIST
— Bem, pelo jeito, isso não servirá para grande coisa.
Às vezes, as garotas colocam aí seu nome. Agata, Marta,
Sara... Mas a palavra Twist não nos ajudará muito.
Encontraram a bala?
— Antes da pulseira — informou Irving, sorrindo. —
Estava tão à vista, que ficamos espantados.
— Tão à vista? Como explica isso?
— Bem.... Na nossa opinião, depois de atravessar a
cabeça da vitima, ela chegou a uma árvore... e ali se
encravou, quase ao nível do solo. Um décimo de polegada
acima, apenas.
— Vocês a examinaram?
— A bala está muito amassada, senhor e não é fácil
garantir, mas não parece ter saído da pistola da vítima.
— Vejamos o que diz a balística. Se a bala não saiu da o
que pistola de Aldous Marbs, devemos supor que outra
pessoa tinha sua própria arma, com a qual atirou na cabeça
de Marbs.
— Também pode ter sido feito por uma garota, senhor.
Mas não as facadas.
— Facadas?
— Duas. Uma no lado e outra mais acima, na esquerda.
— Diabos! Pensei que o sangue do lado fosse das mãos
cortadas. Tem certeza que são facadas?
— Foi o legista quem disse.
— Então, são navalhadas. Que barbaridade! Uma bala
na cabeça, duas facadas, as mãos e a língua cortadas...
Coisas demais para matar um homem. Não encontraram a
outra pistola? A que, segundo nossa suposição, matou o
homem?
— Não, senhor, mas continuamos procurando. Houve
uma mulher envolvida no caso, não há dúvida.
— Diz isso, por causa da pulseira?
— E por causa das marcas. Os saltos do sapatos
pontiagudos. Muito altos, sem dúvida.
— Mas houve, também, um homem — resmungou
Hagerty. — Uma mulher não daria facadas num homem
armado. Houve um homem capaz de dar facadas e de cortar
as mãos e a língua da vítima. Quantas marcas e pistas, não
concorda?
— Acha que é tudo mentira, senhor? — perguntou
Irving Emerick, após uma leve hesitação.
— Continuem procurando, Irving — respondeu Hagerty,
dando de ombros.
— Sim, senhor. Oh, estão chamando.
— Espere, para ver o que dizem.
O inspetor atendeu ao chamada e ficou sabendo que
Aldous Marbs tinha ficha no FBI.
— Ótimo — exclamou Hagerty. — Que tipo de anjinho
ele era?
— Primeiro, fraude. Depois, roubo. O primeiro caso, em
mil novecentos e cinqüenta e quatro. O segundo, em mil
novecentos e sessenta e um. O último é o mais interessante.
Há dois anos, quase recém saído da prisão, meteu-se num
problema com garotas.
— Garotas?
— O senhor sabe... Pelo jeito, estava envolvido com a
gangue que enviava garotas para Las Vegas nos fins de
semana, de avião. Aparentemente, para passarem uns dias
por lá, jogando e etc. Na realidade...
— Entendo, entendo... Foi condenado por isso?
— Não, senhor. Não provaram a participação de Marbs.
Ficou livre.
— Está bem. Bom pássaro esse tal Marbs, hem? Quero a
ficha em minha mesa quando voltar para a delegacia.
— Sim, senhor.
Hagerty cortou a comunicação e tomou a ficar pensativo.
— Sujeito formidável esse Marbs, hem, senhor? —
murmurou Irving.
— Oh, sim... Formidável. Espero que não nos metam
outra vez em casos com garotas. Não gosto do tema. Prefiro
espionagem e coisas assim. Os espiões são gente simpática.
Não se envolvem com sujeiras desse tipo. Liquidam o
inimigo ou não, mas são bastante decentes. Continue
investigando, Irving. Anker e eu iremos para a Delegacia.
Acabe aqui, deixe o cadáver no necrotério e apresente-se
em meu gabinete com todos os dados completos que
conseguir juntar. Combinado?
— Combinado, senhor. Até logo.
***
Havia um homem no gabinete de Hagerty. Estava lendo
a ficha de Aldous Marbs mas ficou de pé, quando o superior
entrou. Sorriu e disse:
— Olá, senhor!
Hagerty respondeu com um resmungo e dirigiu-se à sua
mesa.
O agente especial do FBI Chase Manning tornou a
sorrir. Era de estatura mediana, ombros largos, cintura fina
e queixo de pedra. Os cabelos louros, os olhos azuis e o
sorriso jovial davam ao agente especial o ar de um rapazola
que acabasse de sair de uma dura partida de rugby.
— Já leu a ficha de Aldous Marbs? — perguntou
Hagerty.
— Já, senhor — respondeu Manning. — Um safado,
hem? Roubar e tapear os outros, vá lá. Mas a história das
garotas enviadas para Las Vegas... Tomou a fazer o
mesmo?
— Não. Nunca mais o fará.
— Compreendo — murmurou Chase, passando o
indicador pela garganta. — Zasss! Não?
— Isso. Zasss! Mas não cortaram o pescoço do sujeito.
Só as mãos e a língua.
Chase Manning ficou surpreso durante um segundo.
Olhou novamente para o chefe e para Anker Ambrose que
havia entrado com ele. Sentou-se numa cadeira diante da
mesa de Hagerty e perguntou:
— Por onde começo, senhor?
— Calma.. Daqui a uma hora saberemos algo definitivo
a respeito das impressões digitais e das pistas. Irving ficou
lá dirigindo os trabalhos. Quando ele voltar saberemos em
que nos podemos basear. São onze e cinco... Tratemos de
tomar um café. Enquanto isso, contarei tudo. Quando Irving
voltar, mãos à obra, pessoal!
***
Não surgiram novidades além do que já sabiam. Aldous
Marbs fora morto por outra pistola que não a sua. Na certa
tomaram parte na brincadeira mais um homem e uma
mulher. Também chegaram e partiram num carro. Algo
novo: o carro, a julgar pelas marcas das rodas, chegara ao
local duas vezes e partira também duas vezes.
Nada mais.
— Qual é a sua opinião a respeito da pulseira, Chase? —
perguntou Hagerty, balançando a jóia num dedo.
— Não sei. Qual pode ser? Há sujeitos capazes de usar
qualquer coisa mas não creio que se atrevam a usar uma
pulseira dessas em público. Seria chamativa demais. Por
outro lado, havendo marcas de sapatos femininos... Que
diabo significará esta palavra: TWIST? É o nome de uma
dança, não há dúvida. Gravada aqui, porém, de nada nos
serve... por enquanto.
— Irving, vá chamar dois agentes que estejam livres no
momento. Saía com eles por aí sondando tudo sobre a vida
e os milagres de Aldous Marbs. Tudo. Movimentem os
informantes a toda a pressa. E quero resultados. O que fazia
Marbs, com quem trabalhava, em que se ocupava
atualmente, quem foi a última pessoa a vê-lo... Diabos,
vocês não precisam de tantas instruções, não é mesmo?
— Não, senhor — respondeu Emerick, sorrindo.— Até a
vista, chefe.
Hagerty levantou-se, após a saída de Irving e voltou-se
para Chase Manning e para Anker Ambrose, dizendo:
— Como sabemos o endereço de Marbs, iremos até lá,
para ver o que está acontecendo.
***
Nada estava acontecendo. Tratava-se de um excelente
apartamento no Passadena Boulevard. Bem mobiliado,
elegante, sóbrio, impecável. Nada mais.
— Vivia bem — comentou Manning.
— Mas morreu mal — replicou Ambrose. — E eu
pergunto: valia a pena? Vamos passar revista, senhor?
— Com muito cuidado, Anker.
Hagerty ocupou-se do gabinete de trabalho. Deu uma
volta por ele, sem ver coisa alguma capaz de lhe chamar a
atenção. Finalmente sentou-se à escrivaninha: Tirou o lenço
do bolso e envolveu com ele, a mão direita. E começou a
abrir as gavetas. Não parecia haver ali nada de interessante,
exceto os desenhos. Hagerty chamou seus auxiliares. Chase
e Anker apareceram imediatamente e Hagerty mostrou-lhe
os desenhos, perguntando:
— O que pensam disso? Examinem com cuidado.
Talvez tenham sido feitos por Marbs. Se assim for, haverá
impressões digitais.
— São iates — murmurou Chase. — Desenhos de iates.
Não são obras de arte, senhor, mas dá para ver que são iates.
Não entendo esses riscos... parecem compartimentos.
— Pena Marbs não saber desenhar melhor. Supondo que
os desenhos tivessem sido feitos por ele, é claro.
— Na ficha do sujeito não constava essa habilidade ou
inclinação.
— Ora, qualquer um pode desenhar um iate mais ou
menos bem — atalhou Anker Ambrose. — Se gostar de
navios, desenha vários.
— Em todos eles há essa espécie de compartimentos. E
não são camarotes. Seriam pequenos demais. O senhor
entende? — perguntou Chase.
— Nem um pouco.
— Talvez estivesse com intenções de comprar um iate
ou pensando em mandar um armador construir-lhe um sob
medida.
— Talvez, Anker. Um iate, porém, não custa vinte
centavos. Bem, é tudo que há, por enquanto. Vamos ver se o
pessoal das impressões digitais encontrou algo interessante.
Às vezes, a pessoa recebe visitas... reveladoras. Vocês
acharam coisa útil?
— Estávamos procurando.
— Vou ajudá-los. Depois, saiam e vão, também, em
busca de informações a respeito de Aldous Marbs. Ficarei
aqui, esperando a turma das impressões.
***
Às sete e meia da noite, Vance Hagerty olhou para os
agentes parados diante de sua mesa e disse:
— Falta Chase. Vamos ver se ele teve mais sorte,
Chase Manning chegou dez minutos depois, sorridente e
cumprimentou os colegas. Era um rapaz de sorte. E sabia
dividi-la com os companheiros. E era simpático. Foi
recebido com brincadeiras cordiais, até Hagerty cortar as
piadinhas, perguntando:
— Então; Chase? Encontrou algo, não é mesmo?
— Sim, senhor. Uma coisa muito grande, branca, que
segue pela água e que vale mais de vinte centavos.
— Um iate? — resmungou Hagerty.
Manning balançou a cabeça afirmativamente. Tirou do
bolso um caderninho de anotações, virou umas folhas e
prosseguiu:
— O iate chama-se Blue Sky, tem sessenta pés de
comprimento e vinte e quatro de largura, está pintado de
branco e é tripulado por três marujos, E pertence a um
milionário chamado Ismael Revelle. Acha-se ancorado em
Santa Mônica.
— Falou com o proprietário, esse Ismael Revelle?
— Achei que o senhor ia querer ter esse prazer.
— Claro — respondeu Hagerty —, Como encontrou o
barquinho?
— Foi um dos nossos informantes quem encontrou,
senhor. Disse ter visto Marbs, há uns dois dias, nas
imediações de Santa Mônica, entrando no iate. Marbs era
bastante conhecido no basfond. embora se desse ares de
imponência e pio quisesse saber de negócios com a arraia
miúda.
— Mais alguma coisa?
— Só isso. Como vimos aqueles desenhos de iates...
— Anker, Irving, Chase, venham comigo. Os outros,
continuem procurando pistas de Marbs. Todo mundo em
ação.

CAPÍTULO SEGUNDO
O iate

Os quatro desceram do carro e ficaram parados,


contemplando o iate. Era relativamente grande e bonito.
Precisava, no mínimo; de três marinheiros para tripulá-lo. O
nome estava pintado em letras azuis, no branco imaculado
do casco.
— Vejo dois homens a bordo — disse um dos agentes.
— Informaram-me sobre três — murmurou Chase. —
Além do dono.
— Não precisam estar todos no convés, esperando nossa
visita — rosnou Hagerty. — Vamos para lá.
— Estava pensando, senhor... Talvez fosse bom
fazermos umas investigações a respeito de Ismael Revelle,
antes de abordarmos o iate, não concorda?
— Já pensei nisso, Chase. Mas sempre ouvi dizer que os
rios agitados dão melhor pesca. Que tal assustarmos esse
peixe? Irving ficará no carro. Quando formos embora,
seguirá Revelle. O tempo que for necessário. Suponho que
ele esteja a bordo. Caso não esteja, descobriremos onde
mora e trataremos de segui-lo do mesmo modo. Entendido?
— Perfeitamente, senhor.
— Vá para o carro. Iremos visitar Ismael Revelle.
Irving Emerick voltou para o automóvel e sentou-se ao
volante. Acendeu um cigarro, vendo os companheiros e o
chefe encaminharem-se para o iate. Viu-os subir a bordo
pela passarela e sorriu ao ver Hagerty meter a mão no bolso,
quando um dos marinheiros se aproximou dos visitantes.
Não ouviu a conversa, é claro. Mas imaginou-a.
— Ei — disse o marinheiro. — Isto aqui é um iate
particular, amigos..
Hagerty sacou sua credencial e mostrou-a ao rapaz,
dizendo:
— Inspetor Hagerty, do FBI. Queremos falar com o
senhor Revelle.
— Oh... do FBI? Aconteceu alguma coisa?
— Você é Ismael Revelle?
— Gostaria muito de ser o dono, mas não sou.
— Então, vá chamá-lo,
Anker e Chase afastaram-se um pouco de Hagerty,
olhando para todos os lados do iate. Não havia mais
ninguém no convés. Nada viram de interessante. Ou de
especial. O marinheiro desceu a escadinha, sumindo no
interior do iate. Reapareceu meio minuto depois. Era um
rapaz alto, forte, de ombros largos, de olhar vivo. Parou
diante de Hagerty e perguntou:
— Ei, eu não podia ser do FBI?
— Como não — respondeu o inspetor, sor, rindo. — É
advogado ou coisa parecida?
— Não.
— É pena. Mas isso é fácil de arrumar. Consiga um
diploma e procure-me. Onde está o senhor Revelle?
— Oh, ele os espera lá embaixo, é claro. Escute, é difícil
ser advogado?
— Depende. Podemos descer?
— Sim, sim.
Hagerty encaminhou-se para a porta das cabines,
seguido pelos dois agentes. Ao passar pelo marinheiro,
Chase deu-lhe um tapinha amistoso nas costas, sorriu e
disse:
— Trate de estudar, compadre.
— Tenho a cabeça dura...
Rindo, Chase foi o último a descer a escadinha de
madeira encerada. Hagerty e Anker estavam numa sala
espaçosa, magnificamente decorada. No fundo havia um
corredor com portas dos dois lados. A esquerda um sofá sob
as vigias, ocupando todo um lado da sala. Quanto ao mais,
mesas dobráveis, poltronas, uma mesinha de vidro e uma
chiara fotográfica.
No sofá estavam um homem e uma mulher. O homem
aparentava uns quarenta anos e a mulher já seria velha, se
chegasse aos vinte. Usava um lindo vestido de tarde que
modelava suas formas arredondadas. O homem usava temo.
Estava com o braço passado pela cintura da mulher. Mas
soltou-a e ficou de pé, encarando Hagerty, com ar de
expectativa. Parecia espantado, confuso... e um pouco
preocupado.
— Vance Hagerty do FBI, senhor Revelle — disse o
inspetor, apresentando-se. — Meus dois agentes Manning e
Ambrose.
— Muito prazer. Minha esposa... a senhora Revelle.
A mulher sorriu e acenou com a mãozinha. Os três
federais fizeram uma inclinação de cabeça para ela.
— Então... — balbuciou Revelle.
— O senhor conhece um homem chamado Aldous
Marbs? — perguntou Hagerty.
— Aconteceu alguma coisa?
— Conhece-o?
— Sim, é claro, O senhor Marbs e eu tivemos alguns
encontros, ultimamente, aqui no iate.
— Com que objetivo?
— Bem... ele estava disposto a comprar-me o iate.
Faltava, naturalmente, concretizarmos a operação.
— Compreendo. O senhor conhecia, antes, o senhor
Marbs?
— Não.
— Como se conheceram?
— Ele veio aqui, há dias. Soubera que eu queria vender
o iate e estava resolvido a comprá-lo. Isso é tudo.
— O senhor sabia que tipo de pessoa era Marbs?
— Tipo de pessoa? Não entendo.
— Aldous Marbs foi acusado, há uns dois anos,
aproximadamente, no caso das garotas de Las Vegas. Leu
algo a respeito?
Ismael Revelle mordeu os lábios. Era um homem de
aspecto agradável, robusto, com alguns fios de cabelos
grisalhos nas têmporas. Sadio, de ar viril. Sem dúvida, não
fora apenas o iate que convencera a loura a casar-se com
ele.
— Claro... — balbuciou Revelle. — Li qualquer coisa a
respeito do assunto. Mas não compreendo...
— Aldous Marbs não era homem para, gastar
quatrocentos ou quinhentos mil dólares, na compra de um
iate... exceto se esperasse tirar algum lucro com a
embarcação. Não deixou entrever, em momento algum, para
que queda o iate?
— Ora... para que se pode querer um iate, a não ser para
navegar, inspetor?
— O senhor gosta de navegar?
— Mais que tudo no mundo.
— Então... pôr que vai vendê-lo?
— Isso é problema meu — disse Revelle, enrugando a
testa.
— Não seja descortês, querido — exclamou a loura.
— Não tenho que dar explicações de meus atos a
ninguém, querida.
— Claro, amor — disse a mulher, rindo. — Mas se não
explicar melhor, o inspetor Hagerty pensará que seus atos
não são... honrados.
— Pense o que quiser.
— Senhor Revelle, não queremos obrigá-lo a dar
explicações — prosseguiu o inspetor do FBI. — Está no seu
direito, silenciando. Acontece que Aldous Marbs foi
assassinado e estamos fazendo investigações.
— Assassinado? — gaguejou Revele. — Por quê?
— Também gostaria de saber — resmungou Hagerty.
— Oh, querido, diga ao inspetor por que queria vender o
iate — atalhou a loura. — Sou um pouco excêntrica, bem
sei, mas não a ponto de permitir que pensem que matamos
alguém.
— Por favor, senhora Revelle — disse Hagerty,
escandalizado. — Nem por um instante pensamos que
você...
— Direi o motivo da venda do iate — murmurou a
loura, sorrindo deliciosamente. — Ismael não se zangará
comigo por causa disso. Não é, amor?
— Como quiser — suspirou Revele.
— Vamos vender, inspetor, porque os negócios de
Ismael não andam muito bem. Pensamos em vender o iate e,
com o dinheiro, encher uns vazios. No fim de alguns anos,
compraremos outro barco. Novo e menor; naturalmente.
Quando a situação se estabilizar.
— Estão agindo com a cabeça, senhora Revelle. Não
será fácil ficar sem um iate quando se está acostumado a tê-
lo... Desejo-lhes boa sorte. E se os incomodei com minhas
perguntas, por favor...
— Ismael ficou um pouquinho aborrecido — cortou a
loura. — Mas é natural, não acham?
— Claro.
— Sabe, inspetor? Lembrei-me de uma coisa que talvez
lhe interesse. Sobre Aldous Marbs. Lembrei-me pelo fato de
Ismael dizer que um iate só pode servir para se navegar.
Lembra-se?
— Sem dúvida.
— Bem... um iate serve para navegar, é lógico. Mas para
isso, um é suficiente, não acha?
— Um iate?
— Exato.
— Oh, é claro. Um basta, minha senhora.
— Já sei a que se refere, guria — atalhou Revelle. —
Tem razão. Inspetor, minha esposa refere-se ao fato do
senhor Marbs, enquanto conversávamos sobre a venda do
meu iate, ter perguntado se sabia de mais algum à venda.
— Outro? Aldous Marbs queria mais de um iate?
— Sim. Perguntou-me se tinha um amigo ou um
conhecido disposto a vender seu iate.
Hagerty trocou um olhar rapidíssimo com seus agentes e
perguntou:
— E... o senhor conhece alguém que queria vender um
iate, senhor Revelle?
— Não. Disse isso ao senhor Marbs e ele me pediu que o
informasse, se soubesse de alguém interessado numa venda.
— Vejam só... Logo, a idéia de que um iate pode servir
para outras coisas, além de navegar, não é absurda. Façam
um esforço, por favor. Procurem lembrar-se se Marbs fez
qualquer comentário a respeito dos motivos que o levavam
a comprar mais de um iate.
— Não comentou nada, garanto.
— É pena... Trata-se de um caso de assassinato, senhor
Revelle. Espero que leve isso em conta...
— Gostaria de poder ajudá-los, acredite. No momento,
porém, não nos lembramos de mais nada que pareça
importante.
— Muito agradecido, senhor Revelle. Posso... pedir-lhes
um último favor?
— Claro! — exclamou a loura.
— Dois favores. O primeiro: não comentem com pessoa
alguma que o FBI os visitou. E dêem a mesma ordem à
tripulação. Por falar nisso, senhor Revelle, os tripulantes
não são três?
— Dei folga a um deles. Revezam-se diariamente,
quando estamos ancorados.
— Compreendo. O segundo favor: se aparecer mais
alguém interessado em comprar o iate, ajam com absoluta
naturalidade. Como se nós não tivéssemos estado aqui.
Digam que estão apalavrados com o senhor Aldous Marbs e
que não sabem dele desde que o viram pela última vez. Se o
senhor Marbs resolver não adquirir o iate, terão imenso
prazer de vendê-lo ao novo comprador. Peçam o nome e o
endereço... e nos informem do fato. Farão isso?
— Bem, é que...
— Isso é colaborar com o FBI, senhor Revelle — cortou
Hagerty, exibindo seu melhor sorriso. — Só sairão
prejudicadas as pessoas que estiverem do lado oposto à lei.
— Entendo. De acordo, inspetor.
Hagerty voltou-se para Chase Manning que tirara do
bolso a pulseira de ouro com a palavra TWIST gravada na
medalha e brincava distraidamente com ela. Distraidamente,
em aparência, pois Hagerty notou o ar matreiro que havia
nos olhos do agente, “ingenuamente” fixos na senhora
Revelle.
Todos olharam para a pulseira. Na opinião de Hagerty
não houve expressão reveladora em nenhum dos olhares.
Nem no de Revelle, nem no de sua loiríssima esposa.
— Costuma usar essas coisas? — perguntou a senhora
Revelle, sorrindo e dirigindo-se a Chase Manning.
— Oh, não — respondeu o agente, rindo. — É um
presente que quero dar a alguém...
— A uma garota bonita? — disse a loura.
— Muito bonita. Acha que ela gostará, senhora Revelle?
— Sem dúvida, É uma linda pulseira. Posso vê-la?
Manning entregou a jóia e a loura examinou-a com
curiosidade, aparentemente, verdadeira. Ao ver a palavra
gravada, perguntou:
— O que significa TWIST?
— A moça a quem vou presentear adora o Twist e como
acho vulgar pôr o nome da pessoa, preferi mandar gravar
isso aí.
— É original, concordo. Sua garota vai adorar, senhor...
— Oh, eu sou Manning e ele é Ambrose. Anker
Ambrose — acrescentou, indicando o colega.
— Bem, precisamos ir — disse Hagerty. — Boa tarde e
obrigado por tudo. Não se incomodem em acompanhar-nos.
Despediram-se. Subiram para o convés e dirigiram-se à
passarela. Acenaram para o marinheiro e desceram para o
cais. Pouco depois, reunidos no carro, Hagerty mandou
Irving afastar-se dali mas não muito. Quando ficaram fora
do campo visual do iate, o inspetor deu instruções a
Emerick:
— Fique aqui, a pé. Mandarei um carro para você, com
outro agente. Os dois vigiarão os Revelle.
— Revelle? — balbuciou Irving Emerick.
— Casou-se.
— E têm uma linda esposa — resmungou Chase. — Mas
não parece ter visto esta pulseira.
— Por que achou que podia ser dela?
— Ora... não é nossa. Há de ser de alguém. De uma
mulher. Fiz mal, senhor?
— Não — disse Hagerty, sorrindo. — Fez bem, Chase.
Mas deixe-me continuar dando instruções a Irving. Ismael
Revelle tem uns quarenta anos, alguns fios grisalhos nas
têmporas e olhos escuros. E de boa estatura, forte, atlético e
elegante. A esposa será mais fácil de identificar. Vinte anos,
loura, olhos claros... É muito bonita e inteligente. É risonha.
Ambos usam roupa de passeio. Se saírem do iate, trate de
segui-los.
— E se sair só um dos dois?
— Mande o companheiro que virá no carro cuidar do
que sair. Você não despregará os olhos do iate. Só se saírem
os dois. Chame pelo rádio... Dulling não tardará a chegar
com o automóvel.
Emerick fez o chamado, enquanto Hagerty voltava-se
para Ambrose que lhe tocara num dos ombros.
— O que foi, Anker?
— Estou intrigado, senhor. Para que poderia Marbs
querer mais de um iate?
— Para nada limpo, aposto.
— Terá algo a ver com garotas, senhor? — insistiu
Anker.
— Espero que não — respondeu Hagerty, mordendo o
lábio. — É um caso muito feio. Um trabalho bastante
desagradável. O que disse Dulling, Irving?
— Está a caminho daqui, senhor.
O rádio tocou. Irving Emerick atendeu e informou:
— É para o senhor. Pelo jeito conseguiram recompilar
uma série de dados capazes de interessá-lo. Esperam-no em
seu gabinete.
— Irei para lá, agora mesmo.
***
— Começo pelo início ou vou direto ao assunto, senhor?
— Vá direto ao assunto — respondeu Hagerty,
encarando o agente. — Veremos, depois, se convêm
perdermos tempo analisando os pontos.
— Bem, trata-se do seguinte: entre diversos lugares,
Aldous Marbs freqüentava uma boate que nos pareceu
particularmente interessante.
— O que tem esse lugar de interessante?
— Chama-se BOATE TWIST, senhor.
— Bom trabalho, Abel — murmurou Hagerty, após o
primeiro momento de espante. — Como é essa boate?
— Boazinha, senhor. E não é das caras. Um lugar
agradável, parece. Estivemos lá, dando uma volta.
Descobrimos algo que nos chamou a atenção. Uma das
moças tem o apelido de TWIST. Todos a chamam de Twist
Polly. O retrato dela, em tamanho grande, enfeita o
vestíbulo de entrada. Uma garota formidável, senhor.
— Em que sentido?
— Ora, chefe... — disse Chase Manning, tirando o
colega do apuro. — Quando um rapaz normal como Abel
diz que uma garota é formidável, não há necessidade de
maiores explicações.
— Tem razão — murmurou Hagerty, sorrindo. — Essa
Twist Polly é estupenda. Logo, é conveniente fazermos uma
visitinha a ela.. Todos nós estamos pensando, é claro, que a
pulseira pode ser dela. Ou não?
O silêncio foi uma resposta afirmativa.
— Quem irá, senhor? — perguntou Chase.
— Um de vocês, apenas — prosseguiu Hagerty. — Não
podemos abusar do ditado de pescar em rio agitado. As
vezes pesca-se melhor quando se vê o peixe na água
transparente e calma. Isso. Um de vocês irá até lá.
Vance Hagerty encarou um a um seus auxiliares.
Apontou com o dedo o escolhido e disse:
—Você, Chase.

CAPÍTULO TERCEIRO
A boate

Era verdade. Uma garota fabulosa. Pelo menos parecia,


na fotografia do cartaz de propaganda do vestíbulo. Cabelos
dourados, olhos azuis, boquinha redonda e vermelha, corpo
escultural. Estava de biquíni, mas numa fotografia pequena,
num canto do cartaz. Na grande estava de saia curta e blusa
de malha, muito justa. Embaixo, em letras vermelhas, lia-se:
Twist Polly - esta e todas as noites.
Chase Manning, de terno escura e gravata borboleta,
com uma câmara a tiracolo, sorriu ao entrar na Boate Twist.
O que viu, deixou-o cravado no chão. A vendedora de
cigarros, de minissaia, deixou-o atordoado. Era uma garota
alta, ruiva, chamativa como uma lanterna na escuridão.
Sorriu para Chase. Ele, porém, só tinha olhos para a
pulseira que a vendedora de ciganos usava.
— Cigarros? — perguntou ela, suavemente.
— Hum? Oh, sim... sim... Ciganos, beleza. E fique com
o troco, porque hoje me sinto milionário.
— Há mais milionários — disse a vendedora, ao ver a
cédula de cinco dólares.
— Uma das injustiças da vida, boneca — retrucou
Chase. — Prometo uma coisa: no dia em que eu for
milionário, lhe darei uma pulseira melhor que essa ai.
— Não será difícil! — exclamou a vendedora, rindo.
A ruiva afastou-se, movimentando a parte inferior do
corpo. O federal estava realmente atordoado. Ir ao Twist,
em busca de uma moça que talvez fosse a dona da pulseira
com medalha na qual estava gravada a palavra TWIST e dar
de cara com um vendedora de ciganos usando uma pulseira
idêntica!
Teve vontade de ir embora e comunicar a novidade ao
inspetor Hagerty mas achou preferível não abandonar o
terreno antes de, pelo menos, tentar um reconhecimento.
Encaminhou-se para o bar. Pelo caminho cruzou com outra
vendedora de cigarros. Também usava uma pulseira com
medalha pendurada. Chase pediu um uísque e encostou-se
ao balcão, dando uma olhadela ao redor. Quatro vendedoras
de cigarros movimentavam-se pela boate. Todas com
pulseiras iguais. Tomou um gole de uísque e coçou a
cabeça.
Refletiu, achando que o melhor seria cair fora dali.
Aquela pulseira parecia marca da casa. De repente, ao olhar
para o fundo, viu a garota. Ela o estava apontando. Vestia-
se como uma das vendedoras de cigarros. Em lugar da
bandeja, trazia nas mãos uma câmera fotográfica. A garota
parecia aborrecida ao apontar na direção dele. E a que
estava ao lado dela, aparentava estar acalmando-a.
A garota fotógrafa também usava a pulseira com a
medalha. Era jovem. Vinte e cinco anos, mais ou menos. E
muito bonita. Os grandes olhos escuros pareciam sorrir. A
que a acalmava, usava um vestido de noite e tinha um corpo
escultural. Para cúmulo da falta de sorte, também usava
uma pulseira igual às outras.
Chase ficou em guarda quando a garota de vestido de
noite aproximou-se dele, no bar. Parou ao lado do agente
disfarçado em fotógrafo, sorriu e disse:
— Olá.
— Olá — respondeu Chase, também sorrindo. —
Agradável aqui, hem?
— Concordo.
— E servem um bom uísque.
— Obrigada.
— Obrigado? — rosnou Manning, arqueando as
sobrancelhas. — Por que agradece, beleza?
— Por elogiar meu estabelecimento.
— Ah, é? Tudo isso é seu?
— Por enquanto, senhor...
— Manning. Chase Manning. E, se quiser, jogo-me a
seus pés, senhora.
— Senhorita Blandford — corrigiu amavelmente a moça
de vestido de noite. — Vim pedir-lhe um favor, senhor
Manning. Ou melhor: dois.
— Quantos quiser, lindeza.
— Bastam dois. Primeiro: aceite o uísque como uma
oferta da casa.
— Ótimo. Agradecido.
— O segundo: quando terminar sua bebida, retire-se.
Pode voltar quando quiser... se não trouxer sua câmera.
Chase Manning compreendeu imediatamente de que se
tratava, mas preferiu bancar o idiota e murmurou:
— Um momento, senhorita dona da casa. Não vejo por
que.
— Não banque o tolo, senhor Manning — cortou ela. —
Viu perfeitamente a fotógrafa queixar-se de sua presença.
Compreenda: ela tem a exclusividade das fatos na boate e
não...
— Espere — interrompeu Manning, rindo. — Espere,
senhorita Blandford! Julga-me um competidor de sua
fotógrafa?
— Foi o quê ela me disse.
— Há um engano, acredite. Minha profissão é bater
fotografias, certo. Mas não como sua fotógrafa imagina.
Não me interessam os aldeões que vêm a uma boate e
querem ser fotografados. Esses ficam para sua fotógrafa.
Sou jornalista, senhorita Blandford. Trabalho para a revista
Starriness e estou aqui porque a estrela do seu espetáculo
chamou a minha atenção. Aquele bombonzinho do cartaz da
entrada. Twist Polly.
— Está insinuando que pretende fazer uma reportagem
com Polly, senhor Manning? — perguntou Eugenie
Blandford, pestanejando.
— Exatamente! Se ninguém se opuser, é claro. Milhares
de garotas anseiam por ver suas fotos na Starriness. Logo,
se estou aborrecendo, irei para outro lugar, fazer feliz outra
garota.
— Publicaria essa reportagem na Starriness?
— Para isso me pagam. Mas se eu incomodo...
— Por favor. senhor Manning... Queira desculpar-me...
Oh, aquela tola da Sally vai ouvir poucas e boas, garanto.
— Autoriza a reportagem, senhorita Blandford?
— Naturalmente. Tenho cara de idiota?
Os dois riram.
— Espero que o uísque oferecido pela casa continue de
pé.
— É evidente! — exclamou a proprietária do Twist. —
Tome outro, senhor Manning... O que está olhando, tão
assustado?
— Bem... não me considere um bobo, mas juraria que já
vi sua pulseira em outro lugar.
— Verá uma igual em todas as moças que trabalham na
Boate Twist — explicou Eugenie, tornando a rir. — Gosta,
senhor Manning?
— Oh, sim... É curioso, Já vi outras parecidas, é claro,
mas... Parece um detalhe curioso. Qual é o significado?
— Nenhum em especial. Uma pulseira com o nome da
boate e isso é tudo. Veja. Está gravado na medalha: TWIST.
Dou uma pulseira destas a cada uma de minhas empregadas
e às garotas que trabalham na boate mais de dois meses.
— Acabará se arruinando, se continuar a dar pulseiras de
ouro... A menos que os negócios sejam lucrativos, é
evidente.
— De ouro! — exclamou Eugenie Blandford, rindo mais
uma vez..— Oh, vamos, senhor Manning, não brinque...
— Sua pulseira não é de ouro?
— A minha, é. As outras são... banhadas em ouro.
— Ohhh! Devia ter calculado! A única de ouro maciço é
a sua. As outras têm, apenas, um banhozinho de ouro. E as
artistas que trabalham com a senhorita, contentam-se com
esse banhozinho de ouro?
— Se quiserem de ouro puro, devem pagá-la do próprio
bolso.
— Boa idéia.
— Acha?
— Tão boa que poucas devem ter uma pulseira de ouro
maciço.
— Isso é problema delas — disse Eugenie, dando de
ombros.
— Muitas mandam fazer uma pulseira de ouro?
— Não está perguntando demais, senhor Manning?
— Bem... Não pensei que fosse inconveniente publicar
isso, como uma anedota sobre o TWIST.
— Faria isso? Mencionaria minha boate?
— Claro... Em troca de dois uísques — respondeu
Chase, sorrindo. — Diga-me: quantas de suas estrelas
compraram uma pulseira de ouro?
— Não sei. Não sei, mesmo. Palavra. A única sobre a
qual tenho certeza é Polly, porque é a estrela do momento.
— Faz sucesso?
— Viria fazer uma reportagem com ela, se não fizesse
sucesso?
— Boa resposta. Será que Twist Polly vai querer
receber-me?
— Seria uma tola, se se recusasse a vê-lo. Além disso,
eu própria o levarei até ela, senhor Manning... Espero que
não se trate de uma brincadeira.
— De modo algum. No número da próxima quinta-feira
poderá convencer-se disso. E espero que goste da minha
reportagem.
— Venha por aqui, sim?
Guiou-o até a extremidade do balcão, perto do qual
havia uma porta dando para o interior da Boate Twist. A
fotógrafa estava nas imediações, olhando o colega com cara
fechada. Chase Manning, porém, piscou-lhe um olho e
atirou-lhe um beijo. A garota sorriu, sem querer.
Eugenie cruzou a porta do fundo e Chase a seguiu. Não
encontrou grande novidade. O de sempre. Um corredor
largo, portas, empregados do palco, coristas comendo
sanduíches e comentando azedas os problemas da
profissão... Uma delas assobiou quando Chase passou em
companhia da proprietária da boate. As outras riram.
Riram mais ainda, quando Chase voltou-se e disse:
— Tem bom gosto, beleza!
Na segunda porta à esquerda havia um cartaz indicando:
Miss Gilmore. Eugenie bateu e a porta abriu-se. Um homem
alto apareceu no umbral. Um cinqüentão atraente que sorriu
de um modo especial ao deparar com a dona da boate.
— Oh, Eugenie... — balbuciou ele.
— Olá, Henry. Polly está aí dentro, suponho.
— Claro.
— O senhor Manning, da revista Starriness — disse
Eugenie, fazendo as apresentações. — Quer fazer uma
reportagem com Polly. Este é o senhor Henry Gilmore, pai
de Polly, senhor Manning.
— Olá, senhor Gilmore! — murmurou Chase,
estendendo a mão. — Não vê inconveniente em Polly ficar
um pouco mais famosa, espero.
Henry Gilmore não respondeu. Deu de ombros e
afastou-se, dizendo apenas:
— Entre. Polly lhe dirá se quer ou não ficar mais
famosa.
Chase entrou no camarim. Não era muito grande, mas
tinha certo encanto. Por cima do biombo destacou-se a
cabeça de Polly. Estava com os cabelos soltos e de testa
enrugada, com os olhos fixos em Chase.
— Ele se chama Chase Manning, Polly e...
— Já ouvi. Como vai, senhor Manning?
— Bem- Muito bem. E a senhorita?
— Vestindo-me. Pode esperar um minuto?
— Se não há remédio... Olhe, não desejo, de modo
algum... Claro, esperarei o tempo que for preciso.
— Sente-se, senhor Manning — disse Eugenie amável,
enquanto a cabeça de Polly desaparecia atrás do biombo —
Se me permite, vou deixá-los um instante. Tenho algo a
resolver em meu escritório. Ia para lá, quando Sally...
— Por favor, senhorita Blandford, não se desculpe. Foi
muito amável para comigo.
— Até logo — murmurou a proprietária da boate,
despedindo-se.
Chase sentou-se num banquinho. Olhou para o pai de
Twist Polly e mostrou os dentes num sorriso amarelo,
gemendo:
— Calor, hem?
— Sim.
— Um cigano?
— Agora, não, obrigado.
— Importa-se que eu fume?
— Não. Por mim...
— Compreendo... Sua filha.
— Fume à vontade — disse Polly, aparecendo de um
lado do biombo. — Se não se importa, senhor Manning,
gostaria de certificar-me a respeito de sua identidade.
Chase pestanejou ao ouvir as palavras inesperadas da
estrela da boate e por sua beleza deslumbrante. Vestira uma
blusa de malha e a minissaia deixava à mostra um belo par
de coxas.
— Minha... identidade?
— Exato — disse Polly, sentando-se à penteadeira e
começando a arruinar o cabelo. —Não é a primeira vez que
um rapaz esperto acha que sou tola, senhor Manning. Só fui
na primeira vez.
— Perdão... Não entendo.. . Se quer ver minha carteira.
— Não, não. Carteira de identidade, qualquer um tem.
Quero ter certeza de que o senhor trabalha para essa famosa
revista.
— Mas...
— Explico. Na primeira vez, um rapaz esperto prometeu
transformar-me numa estrela sensacional. Como eu era mais
tola que agora, acreditei... Quando me dei conta, estava num
ponto qualquer da estrada San Bernardino, a caminho de um
motel... Nem sei como consegui sair daquele apuro. E jurei
não ouvir a conversa de rapazes espertos.
— Asseguro.
— Claro, claro... Assegure o que quiser. Quando acabar
meu show, vai convidar-me para jantar, para dar uma volta
de carro... a fim de que eu possa informá-lo melhor e com
mais calma sobre os pormenores de meu talento, de minha
beleza, de minha graça, de minha simpatia, etc. e etc.
Acertei?
— Dar uma volta de carro e tomar qualquer coisa por aí,
não me parece má idéia, confesso.
Twist Polly ajeitou uma das tranças que fazia com o
cabelo. De repente, pegou o telefone. Abriu o catálogo que
estava junto aos potes de maquilagem e procurou um
número. Gastou dez segundos na operação e discou o
número.
— É da revista Starriness? — perguntou Polly, quando
atenderam. — Por favor, podem informar se conhecem aí
um homem chamado Manning?
— ...?
— Sim, espero.
— ...?
Ergueu a mão direita e passou pela cabeça, encaixando o
fone no ombro, colado à orelhinha. Ao mesmo tempo, com
a própria mão esquerda. continuou a arrumar os cabelos.
— Sim, fale.
— ...?
— Você se chama Chase? — perguntou Polly,
encarando o federal pelo espelho.
— Claro.
— Sim — disse ela, voltando a falar ao telefone. —
Chase Manning.
— ...?
— Muito grata — respondeu Polly. Desligou e voltou-se
para Chase, dizendo: — O que deseja saber a respeito de
Twist Polly, senhor Manning?
— Bem, eu... Oh, não usa pulseira?
— Pulseira, senhor Manning?
— Sim, sim. Refiro-me a uma igual à da senhorita
Blandford e das meninas lá fora... Uma pulseira muito
bonita, com uma medalha pendurada e...
— Oh, a da Boate Twist? Tenho, sim, é lógico.
— Como não a estou vendo com ela...
— Isso tem importância?
— Não, não... Bem, eu queria bater umas fotos e como a
senhorita Blandford me contou a história das pulseiras,
achei interessante inserir como uma piada... na reportagem.
— E por isso, seria melhor que eu aparecesse com uma
na fotografia, hem?
— Não é imprescindível, naturalmente.
— Mas é uma boa idéia, senhor Manning Vou colocar a
minha.
Voltou-se de novo para a penteadeira e abriu um
cofrezinho. Chase a observava pelo espelho. Notou,
primeiro, uma expressão de desconcerto. Depois, o enrugar
da testa. Por último, uma certa inquietação ao revolver o
conteúdo do cofrezinho, não encontrando o que procurava.
— Não esta...
— Procurou bem? — perguntou o agente levantando-se
calmamente e esforçando-se para não deixar transparecer a
menor ansiedade em sua fisionomia. — Às vezes essas
coisas se prendem a outras...
— Não, não. .. Tenho poucas jóias e isso não
aconteceria. Pode ver.
— Talvez tenha deixado em casa.
— Não sei... Não creio. Costumo decidir à última hora
qual de minhas jóias caríssimas vou usar. E também
costumo carregar comigo este cofrezinho.
— Quem sabe se a emprestou a alguém?
— Não, não. Tenho certeza absoluta quanto a isso.
— Depois aparecerá — murmurou Chase, sorrindo, —
Enquanto esperamos, gostaria de lhe fazer umas perguntas.
— Não se importa se eu a deixar com o senhor Manning,
Polly?
— Claro que não, papai. Aconteceu alguma coisa?
— Nada. Quero tomar um gole e assistir sua
apresentação. Talvez consigamos um aumento de ordenado
com Eugenie. Há dias discutimos o assunto.
— É dura como uma rocha — murmurou Polly,
sorrindo. — Enfim, quanto mais insistirmos, maiores
probabilidades teremos de conseguir.
— Também acho. Até logo. Adeus, senhor Manning.
— Muito prazer.
Henry Gilmore saiu do camarim da filha e seguiu
rapidamente para o fundo do corredor. Havia um ângulo
reto e depois um corredor menor, onde se destacava outra
porta. Empurrou-a... mas a porta não cedeu. Bateu com os
nós dos dedos, balbuciando:
— Eugenie...
— Quem é?
— Henry. Abra a porta.
A porta abriu-se imediatamente. Eugenie Blandford
ficou parada, encarando o visitante. No fim de um segundo,
perguntou:
— O que deseja aqui?
— Precisamos conversar.
— O lógico seria você estar com sua filha, Henry.
— Precisamos conversar — repetiu Gilmore,
impacientando-se.
Estava nervoso. Muito nervoso. Eugenie afastou-se,
deixou-o entrar e fechou a porta. Henry foi até o bar e
serviu-se de um trago, da primeira garrafa que apanhou. Sua
mão não estava muito firme. Eugenie foi para uma poltrona
atrás da mesa e observou Henry em silêncio.
— Isso vai acabar mal — disse ele, apreensivo.
— Por que, Henry?
— A pulseira... Esse tal Manning fez perguntas sobre
ela. Parece interessado demais em ver a pulseira de Polly.
— E dai? Ela poderá mostrar-lhe depois, Henry. Acha
que esse homem não é o que diz ser?
— É, sim. Polly ligou para a revista e confirmaram. Mas
compreenda: se a polícia encontrou a pulseira e um deles ler
o artigo desse idiota, nós nos meteremos em apuros.
— Disseram a Polly que o tal Manning é da revista
Starriness?
— Sim.
— Ótimo. Então, não se preocupe... porque esse artigo
falando das pulseiras do clube jamais será publicado.

CAPÍTULO QUARTO
O chinês

— O que quer dizer com isso? — perguntou Henry


Gilmore, atordoado.
— Simplesmente o seguinte, amor: esse rapaz já fez
perguntas demais e eu também andei pensando umas
coisinhas esquisitas a respeito dele. Achei que pode ser da
polícia. Por isso, preciso pensar como agir. Não sendo da
polícia tudo pode não passar de um acidente, digamos. Um
aborrecido a menos. Seria tão bom se ele se tivesse limitado
a demonstrar interesse por sua filha... sem se preocupar com
pulseiras nem com medalhas.
— Pretende... matá-lo?
— Que outra coisa podemos fazer, querido?
— Sim, compreendo... Eu disse que a história da
pulseira de Polly não daria resultado.
— Ora, alguém aqui devia ficar sem a pulseira, não é? E
sua filha não correrá o menor risco, se é o que o preocupa.
— Preocupo-me, sim, Eugenie.
A proprietária da boate levantou-se e avançou para
Henry Gilmore. Parou diante dele e enlaçou-lhe o pescoço
com seus braços macios, dizendo:
— Henry, Henry... e comigo, você não se preocupa?
— Ora, eu sei...
— Tudo sairá bem, meu amor — disse ela, beijando-o
no queixo.
— Olhe... Há uma coisa que eu ainda não lhe disse,
Eugenie, para não assustá-la... Refiro-me ao caso de
Aldous... Quando cheguei lá, não pude procurar a pulseira
porque... porque saí correndo, a toda a velocidade.
— Henry!
— Escute, por favor... Fui um idiota, bem sei... Fiquei
assustado. Assustado como poucas vezes em toda a minha
vida.
— De que está falando?
— De Aldous Marbs. Estava lá como um porco... Uma
coisa horrível!
Eugenie afastou-se de Gilmore. Serviu-o de outra dose
de bebida e aproximou o copo dos lábios dele. Notava
perfeitamente a palidez do homem. Via nitidamente sua
crise nervosa.
— Beba, Henry.
Gilmore pegou o copo e tomou o conteúdo de um só
gole. Depois, deu alguns passos, nervoso, dizendo:
— Estava ali, sangrando. Pela boca, pelas mãos... Não
sonhei. Vi com toda a nitidez! Marbs estava com as mãos
cortadas... e a língua também... Eu vi!
Eugenie Blandford mordeu os lábios e contemplou
Gilmore em silêncio. Ele deu mais alguns passos, de um
lado para o outro, continuando a falar:
— Assustei-me... Assustei-me muito! Não fomos nós
que fizemos aquilo. Eugenie... Não fui eu... não foi você...
— Acalme-se, por favor. Se perdermos a serenidade,
será muito pior. Breve recuperaremos a pulseira e, na
suposição de que a polícia chegue até nós, não poderá
provar coisa alguma. Acalme-se, suplico.
— Não gosto do rumo da situação — murmurou
Gilmore, caindo numa poltrona. — Liquidar Marbs estava
bem e eu aceitei esse ponto da questão, você sabe, para ficar
ao seu lado, Eugenie.
A proprietária da Boate Twist sentou-se nos joelhos de
Gilmore e beijou-o na boca, murmurando em seguida:
— Como não iria estar ao meu lado? Não só podemos
estar unidos, Henry. Basta ter um pouco mais de paciência.
Daqui a duas semanas, poderemos dizer a sua filha e tudo
correrá bem, meu amor.
Tomou a beijá-lo. Depois, ficou acariciando os cabelos
de Gilmore e contemplando-o, com ar risonho.
— Está bem, Eugenie. Polly ficará surpresa quando
souber do nosso caso e espero que ela nada tenha a dizer.
— Surpreender-se? Polly? De quê?
— Você tem vinte e cinco anos e eu, quarenta e nove. É
o suficiente para espantar muita gente, não acha?
— Mas não a nós — disse Eugenie, sorrindo com
suavidade. — Oh, tenho uma boa surpresa para você, meu
amor..
Pulou dos joelhos dele, contornou a mesa, inclinou-se e
apanhou uma pasta de couro. Colocou-a em cima da mesa.
Enquanto a abria, viu Gilmore aproximar-se e enlaçá-la pela
cintura. Quando a pasta abriu-se, Henry Gilmore não
conteve um assobio de admiração.
— Trezentos mil dólares, Henry. Já temos dinheiro para
comprar o primeiro iate.
— Vamos comprá-lo imediatamente?
— Claro. Por que não? Temos o dinheiro e sabemos
onde está o iate que nos interessa. Aldous Marbs não poderá
mais competir conosco em coisa alguma. Por que devemos
esperar?
— Não sei... Onde arranjou tanto dinheiro?
— Trata-se, digamos, de um financiamento para a
grande empresa — respondeu Eugenie Blandford, sorrindo.
— Está disposto a ir, esta noite mesmo, comprar o iate?
Aposto como esse tal Ismael Revelle tem os papéis todos
prontos. Ficará encantado de embolsar trezentos mil dólares
em espécie e de uma só vez.
— Quer que eu vá ainda esta noite?
— Claro, querido. Oh, o que tem você?
— Não sei... Esse Manning com tantas perguntas...
Fiquei nervoso, já disse.
— Pois acalme-se. Seria conveniente você ir agora
mesmo — disse a mulher. — E não se esqueça: o iate deve
ficar em seu nome, querido.
— Não vejo por que, Eugenie... O dinheiro é seu, logo,
não me parece correto. .
— Não seja bobo — atalhou a proprietária da boate
tornando a envolvê-lo com seus braços macios e beijando-o.
— Nosso caso pessoal tem mais importância que esses
dólares. Quando eu for a senhora Gilmore, esses detalhes
não terão a menor importância.
— Está bem. Devo ir ao Blue Sky?
— Quanto antes, melhor.
— Sim, sim... Então, até logo.
Eugenie apertou-se mais de encontro a ele e deu-lhe
outro beijo. Gilmore apanhou a pasta e saiu do escritório.
Eugenie ficou imóvel, no mesmo lugar, endurecendo a
fisionomia durante alguns segundos. Depois, encaminhou-
se para a porta, fechou-a a chave e dirigiu-se a uma porta
menor, perto do barzinho. Abriu-a sorrindo e disse:
— Saia do armário, amor.
Walter Yan Chu apareceu. Era um chinês alto, de farta
cabeleireira negra, aparentando trinta e poucos anos. Os
olhos escuros e miúdos eram levemente estrábicos. Vestia-
se com sobriedade e, juntando-se o traje ao inglês fluente
que falava, qualquer um o tomaria por um autêntico
americano.
— Havia necessidade de tantos carinhos com ele,
Eugenie? — murmurou o chinês.
— Oh, Walter, não seja criança. Que mais eu podia
fazer? Se o estou tapeando com minhas promessas de
casamento, era natural demonstrar-lhe meus sentimentos,
não acha? Seria esquisito se eu não o beijasse de vez em
quando. Que importância tem isso?
O chinês sentou-se na poltrona, observando Eugenie e
resmungou:
— É o que eu me pergunto. Qual o significado de seus
beijos?
— Está com ciúmes? — perguntou ela, rindo.
— Ciumento como um chinês. Por meu gosto, cortaria
as mãos e a língua de Gilmore e lhe arrancaria os olhos
agora mesmo.
Eugenie recuou um passo, encarando o chinês. Com
dificuldade, conseguiu balbuciar:
— Então... foi você?
— A que se refere? — disse Walter Yan Chu, sorrindo.
— Walter, você... Foi você quem fez o que Henry me
disse a respeito de Marbs?
— Deixemos esse problema de lado. Confia plenamente
em Gilmore?
— Sim. Plenamente. Agora me lembro. Marbs passou as
mãos pelo meu corpo e disse umas coisinhas... aborrecidas.
Você castigou as mãos e a língua dele por isso, Walter? Foi
você? Fez isso, porque Marbs tocou em mim?
— Não sei de que está falando — murmurou Yan Chu,
com um sorriso displicente. — Além do mais, não interessa
falar a esse respeito, no momento. Gilmore foi comprar o
iate, em nome dele. O que fará depois?
— Combinamos um encontro no motel, Walter
Um brilho de ódio surgiu nos olhos negros do oriental,
ao perguntar:
— No Rainbow?
— Sim. Prometi que hoje...
— Compreendo — cortou Walter Yan Chu.
— Precisa certificar-se se os papéis estão em ordem e no
nome dele. E ficará com Gilmore, não é? Quantas vezes
vocês se encontraram no Rainbow?
— Não é o que você está pensando. Ele mora lá. Alugou
a cabana quando sugeri que nos poderíamos encontrar ali,
num futuro muito próximo.
— Será esta noite, bem? Cuidado com um passo em
falso na documentação do iate. Meu nome não aparecerá,
bem sei, porque Gilmore ignora-o. Mas certifique-se de que
ele não comete nenhuma indiscrição a respeito do seu.
— Walter, você está arriscando muito dinheiro nisso
tudo. E quer os iates em nome de outra pessoa...
— Não vou querê-los no meu, é lógico.
— Não... mas trezentos mil dólares investidos num iate
que você talvez precise abandonar ou perder, pois está em
nome de outra pessoa.
— Ora! Em menos de dois meses terei obtido com cada
iate o preço que me custou. Se tudo durar um ano, apenas,
teremos feito um negócio fabuloso, não inferior a dez
milhões de dólares limpos. Depois... Espero que suas
promessas a Gilmore sejam falsas, Eugenie.
— Não pense tolices — murmurou ela, suavemente. —
Como quer que eu prove, mais uma vez, que o amo,
Walter? Vai ficar com ciúmes porque dou beijos sem
significação alguma, num pobre diabo? A você em troca..
— Já sei — cortou o chinês, com um brilho mais intenso
no olhar. — Não me agrada dividir coisa alguma com outras
pessoas. Nem gosto, quando vejo outro homem beijando
você. Você é só minha, Eugenie.
— Claro, Walter. Escute, foi você quem fez aquilo com
Aldous Marbs?
— Falemos desse tal Manning. Rapazinho impertinente,
hem?
— Bastante. Você ouviu tudo, não foi?
— Sim. Bem, cuidaremos dele agora mesmo. Esta noite
ainda. A perda da pulseira foi uma falta de sorte, Eugenie.
A outra ainda não está pronta?
— Não. Mas estará a tempo. Coitado do rapaz. Apesar
de impertinente, é simpático. Mas se publicar essa história
das pulseiras com o nome da boate e se a polícia encontrou
a que caiu do meu braço, as coisas se complicarão.
— Eu me encarrego desse tal Manning.
— Você? Pessoalmente?
— Oh, não... Chino cuidará dele. Ligarei para ele, daqui
e, em seguida, sairei de seu escritório, Eugenie. E esqueça-
se de Manning. Esse está liquidado.

CAPÍTULO QUINTO
Encontro no motel

— Oh, isso me parece perguntar demais, senhor


Manning.
— Por quê? Gostaria que a reportagem fosse a mais
completa possível.
— Sei disso... Mas o que tem a ver a reportagem com o
número do meu telefone?
— Para o caso de me esquecer de perguntar algo
interessante — disse Chase Manning, sorrindo. — Aí eu
telefonaria e pronto. Aborrece-a o fato de me dar seu
telefone?
Twist Polly contemplou o rapaz um instante. Não queria
acreditar que aquele rapaz tivesse conquistado sua simpatia.
— Está certo! — exclamou, finalmente, a estrela da
boate. — Darei o número do meu telefone. Mas não o
publique, hem?
— Julga-me um idiota?
Polly tornou a rir e deu o número do telefone. Chase
anotou-o em sua agenda particular, e acrescentou:
— Agora, senhorita Gilmore, baterei umas fotos. Pode
ser?
— Aqui? No camarim?
— Em vários lugares. Este é tão bom como qualquer
outro. Depois baterei umas no palco... Ou atua na pista?
— Às vezes desço para dançar um pouco entre as mesas.
Alguns espectadores gostam disso.
— Sei, sei... Baterei umas fotos aqui e outras na pista.
— E o que mais?
— Quando acabar seu trabalho, podemos dar uma volta
de carro. Conheço uns lugares étimos para fotografias. E,
por favor, senhorita Gilmore, não me confunda com outra
categoria de homens...
— Compreendo, senhor Manning. Está bem. Já que está
disposto a dar-me um empurrão para a fama, farei o que o
senhor julgar conveniente.
— Magnífico! Quer ficar de pé junto ao espelho, sim?
Isso. Depois bateremos uma diante dó biombo e outra na
penteadeira... A senhorita escolherá, depois, as que preferir
para a reportagem.
Chase Manning bateu algumas fotografias no camarim.
Quando o flash disparou pela última vez, a porta abriu-se e
apareceu Eugenie Blandford que se deteve, indecisa, no
umbral, balbuciando:
— Oh, desculpem...
— Não se preocupe, senhorita Blandford. Esta era a
última foto aqui dentro. Quer que bata uma da senhorita?
— Não, não. Nada de fotos minhas. Acha que a
reportagem ficará boa, senhor Manning?
— Tenho certeza. E o senhor Gilmore? Talvez ele goste
de aparecer numa foto de tipo familiar.
— Não sei onde ele está.
— Disse que ia falar com a senhorita —murmurou
Manning. — O senhor Gilmore não esteve em seu
escritório?
— Esteve mas saiu logo. Possivelmente, esta no bar.
— Pois vou até lá. Ficarei na platéia, aguardando a
atuação de Twist Polly. Santo Deus! Hollywood não sabe o
que está perdendo!
As duas mulheres riram alegremente.
— Esperamos que sua reportagem abra os olhos de
algum produtor, senhor Manning — retrucou Eugenie.
— Não seria o primeiro caso, garanto. Quarenta por
cento das garotas que lançamos, tiveram uma oportunidade
imediata no cinema. Depois, tudo depende do talento de
cada uma.
— Polly tem bastante talento, asseguro.
— Então, lamento a sorte de algumas estrelas do
momento. Quantos uísques a senhorita disse que ficariam
por conta da casa?
— Quantos quiser. Mas...
— Conheço meu limite. Até logo. Já preveniu Sally a
respeito das minhas intenções aqui, espero.
— Oh, esqueci-me. Irei com o senhor e direi a ela. Não
demore, Polly. Tudo deve estar pronto, sem dúvida.
— Sairei em seguida.
Chase Manning e Eugenie Blandford saíram do camarim
e encaminharam-se para a porta de ligação com a boate.
Despediram-se, sorrindo. Chase dirigiu-se ao bar. Eugenie
aproximou-se da fotógrafa. O agente encostou-se ao balcão,
acendeu um cigarro e acompanhou de longe a conversa de
Eugenie com a fotógrafa.
— Está vendo a moça que fala com a fotógrafa?
Anker Ambrose, junto ao qual Chase fora ficar
“casualmente”, nem olhou para o companheiro. Limitou-se
a balbuciar:
— A que veio com você lá de dentro?
— Exato. Não a perca de vista.
— OK, Chase. Já reparou um detalhe?
— Que a boate está cheia de pulseira iguais? Já reparei,
sim. Trate de cuidar da moça que indiquei.
— E você?
— Eu cuidarei da outra. É mais bonita.
— Gosta de amarelo?
— Por que pergunta?
— Porque há um chinês numa das mesas. É mais
amarelo que a cor amarela.
— Basta de conversa.
Os dois calaram-se. Estavam de costas para a sala e
ninguém perceberia que haviam trocado aquelas palavras.
Chase voltou-se de frente para a boate, com o copo de
uísque na mão. Sim, havia um chinês elegante numa das
mesas. E daí? Por acaso um chinês não tem o direito de se
divertir, possuindo dólares para pagar pelo divertimento?
Inesperadamente as luzes se apagaram e Twist Polly
apareceu no palco, já cantando e dançando graciosamente
um twist. Chase Manning suspirou, porque não lhe agradava
estar representando o papel de um repórter idiota. Enfim,
precisava levar a comédia até o final. Bateu algumas
fotografias da estrela do show, sem perder de vista o que se
passava ao redor.
O número de Polly terminou em meio a uma salva de
palmas. A moça aproximou-se do bar, onde Chase
saboreava o último uísque. Parou junto do repórter e
perguntou:
— O que achou de minha atuação, senhor Manning?
— Maravilhosa! Quer tomar qualquer coisa?
— Não, não. Vou trocar de roupa. Bateu boas fotos?
— Espero. Tem outra apresentação hoje?
— Esta noite, não. Espera por mim aqui mesmo.
— Claro.
Twist Polly sorriu encantadoramente e dirigiu-se à porta
que levava ao interior da boate. Chase resolveu bater mais
um papinho com Eugenie Blandford. Mas a proprietária da
boate não estava por perto. Ambrose também não estava
mais no bar. O chinês deixava na mesa algumas cédulas.
— Convida-me para um traguinho, colega?.
Manning voltou-se e deparou com a fotógrafa a seu lado.
— Como não, beleza — respondeu ele, apressando-se
sorrir. — Brindamos pela assinatura do armistício. Feito?
— Feito — exclamou a moça, rindo. — Rapaz, quando
vi você com essa câmera.
— Compreendo, garota, compreendo. Agora já sabe que
não vim para atrapalhar seus negócios, não é?
— Agora, sei. Como é seu nome?
— Chase Manning, da Starriness. Sua patroa lhe disse,
não foi?
— Falou na Starriness mas não me disse seu nome.
Quando Twist Polly voltou ao bar, vestida para sair,
Sally ria muito, em companhia de Manning.
— Está alegre, bem, Sally? — disse Polly.
— Oh, sim... Ele é sensacional! Mas não quero
incomodar. Há um gorducho ali adiante fazendo sinal para
mim. Quando voltará por aqui, Chase?
— Qualquer dia desses — respondeu o agente. Sally
aproximou-se do gorducho e Polly comentou:
— Pelo jeito, todos simpatizam com o senhor, hem?
— Ossos do ofício. Aceita um...
— Aqui, não.
— Entendo. Procuraremos um lugar longe do seu
trabalho. Certo?
— Certo. O senhor é muito esperto, hem?
— Pura sorte — exclamou o federal, rindo. — Vamos?
Oh, devo despedir-me da senhorita Blandford, não acha?
Podemos ir ao escritório dela e...
— Não está lá. Nem a vejo por aqui. Não importa,
senhor Manning.
— Tem razão. Outro dia eu a cumprimento.
Saíram para a rua. A primeira coisa que Chase observou
foi que o carro de Anker Ambrose não estava no
estacionamento. Isso significava, com absoluta certeza, que
Eugenie Blandford se afastara da boate, também de carro. E
Anker fora atrás dela.
— Também não vimos seu pai.
— Não se preocupe com ele. Nem comigo. Levamos
uma vida independente.
— Pensei.
— Não moramos juntos, senhor Manning. Nem isso.
Quanto ao resto, fizemos um acordo: ele não se mete na
minha vida e eu não me meto na dele. Parece-lhe mal esse
acordo?
— Ambos devem ter seus motivos. Aonde gostaria de
ir?
— A qualquer lugar. O senhor manda.
— Será um prazer. Quer entrar em meu foguete?
Abrira a portinhola do automóvel meio gasto e que fora
azul um dia, quando aparecera o modelo. Polly não disse
nada até os dois se acomodarem no automóvel.
— Este carro não combina com um repórter de sua
categoria, senhor Manning.
— O novo está na oficina. E não posso andar a pé pelo
mundo.
— Ah, isso é outra coisa. Não tem mais perguntas a
fazer, enquanto passeamos?
— Irei pensando pelo caminho. Gostaria que a
reportagem fosse a melhor de todas que já escrevi, porque...
Disse o porque e muitas outras coisas. Mas era tudo
mentira. As palavras brotavam de sua boca sozinhas, sem
ajuda do cérebro, que se dedicava ao misterioso
desaparecimento de Henry Gilmore e da desconcertante
Eugenie Blandford. Mas para que preocupar-se? Anker
daria informações, mais tarde, a respeito da dona da boate.
***
Eugenie Blandford pagou o táxi e esperou que ele se
afastasse de volta a Los Angeles. Em seguida, encaminhou-
se para o Rainbow Motel, cujo letreiro imitava, realmente,
um arco-íris. Entrou a pé, dirigindo-se às cabanas ao fundo.
Com toda a precaução chegou à cabana numero vinte e dois.
Tirou da bolsa uma chave, abriu a porta, entrou, fechou a
porta por dentro e, sem acender a luz, dirigiu-se às cegas
para o fundo da cabana. Entrou no quarto e com uma
lanterninha examinou-o detidamente. Até encontrar dados
suficientes para convencer-se de que era a cabana alugada
por Henry Gilmore e na qual deviam encontrar-se naquela
noite.
Achou melhor não acender luz alguma até a chegada de
Henry. Não queria que soubessem que ele recebera visitas e,
muito menos, que a reconhecessem. Recostou-se na cama e
fechou os olhos. Sentia-se profundamente cansada.
Perguntou a seus botões se tudo aquilo valeria a pena, se as
coisas sairiam conforme ela estava planejando.
Ficou gelada quando sentiu alguém tocá-la. O cansaço
quase a fizera adormecer. Abriu os olhos assustada e fez
menção de sentar-se na cama.
— Sou eu, querida. Não se assuste. Nem grite, por favor.
Eugenie ficou com medo e olhou inquieta para Walter
Yan Chu, que sentou-se na cama, ao lado dela.
— O que faz aqui, Walter?
— Psss. Não devemos falar muito, Eugenie.
— Mas preciso saber.
— Vim para o motel seguindo você, realmente, mas
tomei outro caminho. E entrei na cabana pela porta dos
fundos. Não se preocupe. Ninguém me viu.
Eugenie estremeceu ao pensar na maneira sigilosa como
aquele homem entrara na cabana e chegara até ela, sem
fazer o mínimo ruído.
— Walter... o que faz aqui? Não compreende? Henry.
— Compreendo perfeitamente e sei o que Henry espera
encontrar quando chegar. E não pude resistir, Eugenie.
— Combinamos...
— Não importa o que combinamos — cortou o chinês.
— Não pude resistir à idéia, querida...
— O que pretende fazer?
— Muito simples. Quando Gilmore chegar, já terá
comprado o iate, não é mesmo?
— Suponho que sim.
— Ai, não precisaremos dele para mais nada. Certo?
— Certo, mas... Oh, Walter... o que vai fazer?
— Nada — respondeu o chinês sorrindo no escuro. —
Esperaremos Gilmore. Diremos a ele que sou o chefe nesse
negócio e que esta noite devemos todos nos reunir a nossos
amigos e provedores e que ele será apresentado ao grupo.
— Mas isso é mentira.
— Não, querida. É verdade. Para Gilmore, porém, não
importa que seja verdade ou mentira. Nós o levaremos para
certo lugar e lá eu o matarei e o farei desaparecer.
— Está bem. Se seu plano é esse, concordo, Walter.
— Não se importa que eu tire Gilmore do caminho?
— Claro que não! — exclamou Eugenie, rindo.
— Ao contrário. Fico-lhe grata. Já estava farta dele. Mas
se alguém nos vir aqui, talvez...
— Ninguém nos verá. Esta cabana fica perto da cerca
dos fundos. Deixei meu carro do outro lado da cerca.
Esperaremos Gilmore e sairemos os três pelos fundos.
Iremos ao lugar onde ele pagará por ter tido intenções sujas
a seu respeito, querida.
— Você não tem as mesmas intenções, Walter?
— Sim... Mas eu seu eu, e ele é ele. E você me ama e
não a Gilmore. Não é mesmo, querida?
— Claro. Você sabe disso, Walter.
Na escuridão as duas bocas se encontraram
apaixonadamente. Não tinham outra coisa a fazer até a
chegada de Henry Gilmore, a vítima seguinte.
***
— Fale, Anker — disse o inspetor Hagerty, atendendo
ao chamado.
— ...?
— Sim... Bem... Ele ficou com Twist Polly?
— ...?
— Onde está você, agora?
— ...
— Rainbow Motel... A garota que você seguiu está
numa cabana?
— ...
— Vinte e dois... Bem... Ela se encontrou com alguém?
— ...
— Entendo.. . entendo... Não, não faça nada. Se ela está
sozinha e com as luzes apagadas, deve esperar por alguém,
sem dúvida. E não quer que outras pessoas o saibam. Não se
mexa daí. E repito: não faça nada. Precisamos esperar pára
ver o que nos diz Chase. Não tenhamos pressa, Anker. Você
está em seu carro?
— ...
— Pois continue ai, quietinho. E não perca a cabana de
vista. Chamarei quando tivermos notícias de Chase.
— ...
— Até logo.
***
— ...?
— Fale, Irving.
— ...
— Bem. Já saiu?
— ...
— E não o seguiram?
— ...
— Isso é outra coisa — murmurou Hagerty, suspirando.
— Como é ele? Alto... forte.. cinqüentão... agradável... Sim,
sim, estou ouvindo. Naturalmente. Não sabem quem é, já
que não me diz o nome dele..
— ...
— Perfeitamente. Esperemos Dulling nos dizer qualquer
coisa. Também não sabem o que o sujeito foi fazer no iate
dos Revelle, imagino.
— ...
— Claro... Acalme-se, Irving. Temos notícias da parte
de Anker e de Chase. Esperemos para ver o que nos diz
Dulling sobre o homem que visitou o iate dos Revelle.
Continue aí. Depois eu chamo. Como?
— ...
— Muito interessante... Levava uma carteira?
— ...
— Compreendo. Fique aí, repito. Vejamos se com mais
umas chamadas nos coordenamos. Depois eu chamo.
Vance Hagerty desligou o telefone mas foi obrigado a
pegar novamente o fone que tocara quase a seguir.
— Sim?
— ...
— Sim, sou eu... É o senhor Revelle?
— ...
— Sim, entendo... Está falando do rádio-telefone do iate.
Aconteceu alguma coisa?
— ...
— Sim... sim... sim... Agradecido, senhor Revelle. Como
se chama o homem?
— ...
— Henry Gilmore... Pagou à vista e em dinheiro,
trezentos mil dólares pelo iate?
— ...
— Compreendo, compreendo... O senhor precisava
desse dinheiro. Agradeço sua colaboração, senhor Revelle.
O tal homem chamado Henry Gilmore deixou o endereço?
— ...
— Falta de sorte. Mas não importa. Não, não, não se
preocupe por causa do dinheiro. Se provêm de atos
criminosos, lhe será retirado. Mas como a compra do iate
seria anulada, o senhor poderia vendê-lo a outra pessoa. No
caso, é claro, do senhor Gilmore não ser um sujeito
honrado, Ele falou sobre Marbs?
— ...
— Não? Disse, apenas, que tinha pressa de comprar o
iate e, por isso, pagava em dinheiro... Como?
— ...
— Oh, bom... Quer a embarcação limpa de tudo; amanhã
ao meio-dia... E a tripulação, senhor Revelle?
— ...
— Despedida com uma indenização. Magnífico. Espero
que não tenha mencionado o FBI, senhor Revelle.
— ...
— Ótimo. Muito agradecido. Conversaremos,
pessoalmente, em outra ocasião. Saudações do FBI à sua
encantadora esposa. Adeus, adeus...
Vance Hagerty desligou. Esfregou as mãos, satisfeito.
Anotou algo num pedaço de papel. De tudo aquilo haveria
de sair qualquer coisa. De um lado ou do outro.
***
— O que foi, Anker?
— ...
— Não!
— ...
— Isso... Formidável, Anker! Dulling está no carro com
você?
— ...
— Diga a ele que o sujeito a quem ele seguiu desde o
iate dos Revelle e que entrou na cabana vinte e dois, isto é,
na mesma onde entrou a moça a quem você seguiu desde a
Boate Twist. chama-se Henry Gilmore e comprou o iate de
Ismael Revelle. Há pouco mais de meia hora. Comprou por
trezentos mil dólares pagos à vista e em dinheiro.
— ...
— Claro que tudo se encaixa.
— ...
— Nada disso! Não nos podemos mexer, até sabermos o
que se passa com Chase. Nada perderemos, esperando.
Diabos, eu gostaria de saber o que Chase espera para me
chamar.
— ...
— De quem poderá estar cuidando?
— ...
— Ah, de Twist Polly. Bem, se há alguém capaz de
deixar uma garota balançada nos alicerces, esse alguém é
Chase Manning. Logo, esperemos. Não... Paremos algo
melhor. Vou para aí, Anker. Não se afastem para nada.
Você e Dulling, entendeu?
— ...
— Isso. Certo. Vou para ai... Rainbow Motel... Dê-me
vinte minutos... ou meia hora, no máximo.
CAPITULO SEXTO
Romance

— Não acenda a luz, Henry.


— Eugenie? Já está aqui?
— Sim. Não acenda a luz e venha para junto de mim.
Tenho outra surpresa para você.
Henry Gilmore avançou, no escuro, em direção à voz da
mulher. Encontrou-a. Abraçou-a, enlaçando-a pela cintura e
beijou-a na boca. Um beijo rápido, porque ela se afastou,
murmurando:
— Temos visita, Henry. Você precisa esperar um pouco.
— Visita? — perguntou Gilmore, inquieto. — Quem?
— O chefe. Ele nos espera no quarto. Venha.
Decepcionado e nervoso, Gilmore deixou-se levar pela
mão. O quarto também estava às escuras. Apenas a
claridade vinda do exterior permitia ver o contorno das
coisas. Viu um vulto de homem sentado na cama, O vulto
ficou de pé e avançou, perguntando:
— Então, Gilmore? Tudo pronto?
— Claro
— Comprou o iate?
— Sim. Alguma coisa vai mal?
— Ao contrário. Vai tudo otimamente e mais rápido do
que imaginávamos. Tanto, que você entrará em cheio no
negócio.
— Você é chinês? — murmurou Gilmore, observando o
vulto parado à sua frente.
— Isso tem importância?
— Não sei. .. Possivelmente, não... Eugenie, quem é este
chinês e o que faz aqui?
— Não gesto de homens que perdem tempo com tolices,
Gilmore. Temos algo a fazer e não podemos nos atrasar
porque você ficou espantado ao ver um chinês —
resmungou a mulher.
— Claro.
— Sairemos daqui agora mesmo. E basta de perguntas.
Explicarei tudo pelo caminho. Sairemos pela porta dos
fundos, pularemos a cerca e chegaremos a meu carro.
Pronto? — perguntou o oriental.
— Qual é a sua opinião, Eugenie? — balbuciou
Gilmore.
— O que posso dizer, querido? Temos que concordar.
Ele é o chefe de tudo isso... Vai, ficar encantado de
trabalhar para ele, garanto. Eu estou adorando. Ande,
vamos.
— Muito bem, senhor..
— Yan Chu — disse o oriental. — Vamos logo.
***
Vance Hagerty consultou o relógio, impaciente. Os
agentes Dulling e Anker, porém, não sentiam impaciência
alguma. Se um homem e uma mulher marcam encontro
num motel, já se sabe para que é. Logo, seria tolice se
impacientarem.
— Não é natural — resmungou Hagerty. — Não é
natural... Não dão o menor sinal de vida. Não acenderam
nem apagaram a luz, não fecharam ou abriram uma cortina
ou uma persiana... Vá ver o que se passa ali, Anker. Não.
Vou eu mesmo. Pelo jeito estivemos aqui bancando os
idiotas.
Desceu do carro que estava bem escondido e com as
luzes apagadas num canto do estacionamento. Talvez fosse
tolice o que estava pensando mas precisava assegurar-se.
Sentira outras vezes aquela mesma impaciência, aquela
espécie de pressentimento. E em todas as vezes em que não
dera importância àquela intuição, Vance Hagerty lamentara
depois.
Dirigiu-se a pé para os fundos do terreno do motel. Em
algumas cabanas, apesar do avançado da hora, via-se luz.
Numa delas, a televisão estava ligada. Aquilo era o natural,
o lógico.
Chegou ao fundo, onde se erguia a cerca rústica, de
madeira, que cercava o Rainbow Motel. Voltou-se, olhando
para a cabana vinte e dois. Passou por outras, todas
próximas da cerca e aproximou-se da que o atraía. Viu a
porta e as janelas. Um silêncio de panteão dominava o local.
Dez minutos depois, os agentes Anker e Irving o viram
reaparecer das sombras, caminhando rapidamente para o
carro. Quando chegou perto, resmungou:
— Venham. Traga umas gazuas. Anker.
Os agentes saíram do automóvel, rapidamente. Hagerty
os guiou, sem rodeios, nem hesitação, para a porta da frente
da cabana. Subiu à varandinha e ordenou:
— Abra.
Anker Ambrose não fez comentários nem perguntas.
Experimentou quatro gazuas. A quarta foi a boa e a porta
abriu-se. Hagerty entrou em primeiro lugar. Esperou pelos
agentes, fechou a porta e procurou o interruptor. Acendeu a
luz e disse:
— Vejam se há alguém. Aposto como não há.
Bastou meio minuto para convencer Dulling e Ambrose
de que, efetivamente, a cabana estava vazia. Os dois
ficaram parados diante do sombrio Hagerty, mordendo os
lábios e esperando uma reprimenda.
— Sem comentários — murmurou Hagerty, atordoado.
— Vamos embora. Deixem tudo como está.
Pouco depois, no carro de Anker, Hagerty pendurou o
rádio telefone, por meio do qual se comunicara com a
delegacia.
— Nem uma palavra sobre Chase — rosnou o inspetor.
— Gostaria de saber o que está acontecendo.
— Oh, ele deve estar trabalhando e...
— E não pode telefonar, já sei. Mas nós sabemos onde
encontrar a moça que segui, senhor — disse Ambrose. —
Na Boate Twist...
— Vamos aguardar notícias de Chase, repito. Podemos
localizar a moça e Henry Gilmore. Calma. Isso. Calma,
rapazes. Não temos outro remédio. Na minha opinião,
qualquer coisa impede
Chase Manning de nos dizer o que faz no momento...
***
Chase Manning suspirou quando Polly afastou os lábios
dela dos dele e ouviu a voz dela, como se fosse o canto dos
pássaros na primavera:
— Tornarei a vê-lo, Chase?
— Depende.
— Depende... de quê?
O federal tentou sorrir. Aquilo era uma brincadeira,
naturalmente. Sim, era uma brincadeira. Ele estava fazendo
um serviço para o FBI. Logo, não podia levar a sério o
encontro com Twist Polly.
— Depende de quê, Chase? — insistiu a moça.
Estavam na porta do apartamento dela. Um apartamento
amplo, bonito, com dois quartos e uma sala.
— Olhe, Polly, não é a primeira vez que uma garota me
beija.
— Oh, claro... O resto, porém, depende de nos
tornarmos a ver ou não, Chase.
— Isso depende do motivo pelo qual você me beijou.
Beijou-me porque sou Chase Manning, repórter da famosa
revista Starriness, lançadora de estrelas... ou beijou apenas
a Chase Manning?
— Qual é a sua opinião?
— Não sei... Já tenho o material para a reportagem.
Tomamos uns drinques por aí, dançamos... Não sei, Twist.
Não quero ser presunçoso, imaginando que seu beijo foi de
amor. Mas estou convencido de que não foi falso. Talvez
tenha sido de simpatia, de amizade... De qualquer modo, foi
autêntico.
— Você é muito gentil, Chase.
— Não parece estar querendo, apenas, conquistar a boa
vontade do repórter. Enganei-me, Polly?
— Se estivesse apenas procurando uma oportunidade de
pôr os pés numa produtora cinematográfica, já teria feito.
Mas não quis pagar o preço exigido. Mesmo um beijo me
parece demais, para pagar a essa gente. Compreende agora?
— Compreendo, Polly. Sim, nós nos tornaremos a ver...
se você quiser. Bem, quando encontrarem a pulseira, virei
bater umas fotos suas com ela. Mas precisa ser antes de
meio-dia de quinta-feira, porque...
— Está procurando um pretexto para nos tornarmos a
ver?
— Não... não...
— Então, por que não se esquece de uma vez dessa
pulseira?
— Bem... às vezes uma anedota dá mais realce a uma
reportagem, faz mais simpáticos os personagens. Gostaria
que esta reportagem fosse benéfica para você. De verdade.
— Procurarei a pulseira — murmurou Polly. suspirando.
— Mas receio que não a encontrarei. Já procuramos pelo
apartamento todo. Não está. Também não está no
cofrezinho. Perdeu-se, Chase. Isso é tudo.
A pulseira queimava o bolso do federal. Seria um belo
golpe tirá-la e mostrá-la a Polly, dizendo que fora achada,
realmente, num lugar onde havia marcas de saltos
femininos... e onde um homem fora assassinado e mutilado.
Mas aquele método de caçar assustando a peça, não era
habitual no FBI. As redes precisavam ser lançadas com
calma, permitindo à caça movimentar-se durante algum
tempo.
— Muito bem — murmurou Manning sorrindo. — Até
amanhã.
— Até quando você quiser, Chase.
Twist Polly fechou os olhos e entreabriu os lábios.
Manning hesitou um instante. Não porque a consciência o
mordesse pelo fato de beijar a moca, mas pelo fato de a
estar enganando, quando gostaria de poder ajudá-la.
Inclinou-se um pouco o beijou-a de leve, balbuciando em
seguida:
— Até amanhã, Twist.
Polly não respondeu. Abriu os olhos e o encarou.
Acompanhou-o com o olhar, até vê-lo desaparecer na
escada. Depois, fechou a porta e foi até a janela, sorrindo.
Ainda sentia nos lábios o calor dos de Chase Manning.
Repetia mentalmente aquele nome e o rosto do federal não
saia de sua memória. Como se ainda estivesse diante de
seus olhos.
Afastou a cortina e olhou para a rua. Um minuto depois
viu Manning atravessando em direção ao carro velho. Viu-o
entrar, batendo a porta.
***
Chase Manning entrou no carro, furioso e acendeu um
cigarro. Pensava onde poderia encontrar um telefone, para
se comunicar com Hagerty. Não achara conveniente
aparecer na Boate Twist num carro equipado com rádio
telefone. Ao acender o cigarro, seus olhos bateram no
espelho retrovisor. Viu seu rosto iluminado pela chama do
fósforo. Mais atrás, viu outro rosto. De olhos amendoados.
Sentiu uma suave pancada na nuca e ouviu a voz dizendo:
— Dê a partida, senhor Manning.
O fósforo queimou os dedos de Chase. O federal sacudiu
a mão. Sentiu outra pancadinha na nuca e a mesma voz
aconselhou:
— Não faça movimentos esquisitos, senhor Manning.
Não há razão para precipitar os fatos.
O agente deixou o cigarro nos lábios e pousou as mãos
no volante, perguntando:
— Quem é você?
— Chino.
— Já vi que é chinês, amigo. Perguntei.
— Perguntou meu nome — cortou o oriental. — E eu
respondi: Chino.
— Certo, Chino. Tem algo contra mim?
— Nada pessoal. Mas tenho uma missão a cumprir.
— Entendi. Para onde vamos?
— Um bom lugar será a praia de Malibu. Leve o carro
para lá. Estarei aqui atrás. Se tirar as mãos do volante, corto
seu pescoço aqui dentro do automóvel, entendeu?
— OK, Chino. Imagino que se trate de uma brincadeira
e obedecerei. Adoro brincadeiras. Depois riremos juntos,
não é mesmo?
— Sem dúvida, senhor Manning. Vamos indo?
Chase pós o carro em movimento. Não era brincadeira e
ele sabia perfeitamente disso. Bendisse sua sorte por não
estar num carro de comandos automáticos. Em menos de
um segundo descobriu o que deveria fazer e, embora
perigoso, não era menos que estar desarmado, por causa de
seu papel de repórter, e obedecer as ordens do chinês,
dirigindo-se a uma praia deserta.
O carro seguiu em marca normal. Depois, com
movimentos naturais, mudou a marcha, pisando fundo no
acelerador e puxando a embreagem. O carro deu um pinote
e o chinês foi atirado para o encosto do banco traseiro. O
federal não perdeu tempo. Abriu a porta e pulou para a rua,
rolando pelo chão e afastando-se o mais possível do
automóvel. Mas teve tempo de começar a levantar-se. O
chinês pulou para fora, avançando como um raio.
Chase o recebeu ainda estendido no chão. Prendeu-o
numa tesoura de pernas, obrigando o chinês a perder o
equilíbrio. O oriental, apesar de tudo, conseguiu amortecer a
queda, usando os antebraços. Ficou de pé, já de faca em
punho. Agitou a faca e Chase recebeu o golpe na barriga da
perna esquerda. O corte deixou o federal gelado, obrigando-
o a recuar e cair de costas. O chinês precipitou-se sobre sua
presa, com a faca preparada.
O segundo golpe teria deixado Chase cravado no chão,
se o agente do FBI não agarrasse o pulso do chinês.
Apertou-o com força, puxando-o para baixo. A ponta da
arma estava a menos de uma polegada do pescoço de Chase
Manning. A rua continuava deserta. Não havia um único
transeunte pelas imediações.
De repente Chase virou de lado, soltou a mão do chinês
e a faca enterrou-se no asfalto. Ao mesmo tempo, e punho
do federal golpeou a orelha do inimigo, Chino rolou vara o
lado, bufando. Desta vez Chase Manning foi o primeiro a
ficar de pé. Quando Chino começou a se levantar, recebeu
um pontapé no olho. O oriental desabou de costas e sua
cabeça bateu no asfalto, onde ficou presa por novo chute de
Chase. Desta vez, no fígado.
Chino petrificou-se, com os olhos arregalados e a boca
escancarada. Outro pontapé, no queixo, obrigou-o a virar de
lado. Manning inclinou-se sobre o adversário e voltou-o de
barriga para cima. Chino ficou de pé, vacilante, com os
olhos turvos. Ainda assim, avançou com a mão, tentando
furar os olhos de Chase. E teria conseguido, se o federal não
tivesse virado a cabeça de lado.
O punho esquerdo do federal entrou mais uma vez em
ação enquanto a mão direita aferrava-se à mão armada do
oriental. Três diretos no estômago, dois no nariz e mais um
no estômago, amoleceram definitivamente o chinês. Suas
pernas se dobraram, os olhos se reviraram... e Chase
Manning soltou-o.
Arrependeu-se no ato. Chino, consciente ou
inconscientemente, caiu para a frente, com a faca voltada
para si, e a ponta dirigida a seu próprio coração. Quando
chegou ao asfalto, Manning teve certeza de que ouvira o
ruído da carne rasgando-se.
Um assobio chamou sua atenção. E logo a voz de Twist,
chamando por ele. O federal levantou-se a tempo de receber
Polly nos braços. Um policial aproximou-se correndo e
apitando. Muitas janelas se iluminaram, enchendo-se de
gente. As vozes se juntaram aos gritos, e a balbúrdia tomou
conta da rua.
— O que aconteceu? — perguntou o policial, parando ao
lado de Chase.
— Não sei. Estava em meu carro e fui ameaçado com
uma faca. Fiquei com medo e aproveitei um segundo de
distração de meu inimigo, para fugir do carro. Aí, ele jogou-
se em cima de mim...
— Calma, rapaz — disse o policial, vendo o chinês
caído no meio da rua, — Vamos à delegacia e você contará
tudo com calma. É um chinês, hem?
Chegaram mais dois policiais e uma sirene ecoou ao
longe.
— Oh, Chase, quando vi você da janela...
— Vá embora, Polly. Por favor. Não espere mais. Não é
conveniente você se envolver nisso. Sua carreira, a
reportagem.
— Está falando a sério, Chase?
— Muito a sério.
— Quer que deixe você sozinho?
— Exatamente. Depois nos veremos.
Twist Polly encarou Manning um instante, como se não
compreendesse direito as palavras do federal. Subitamente
deu meia-volta e correu para o prédio onde ficava seu
apartamento.
CAPÍTULO SËTIMO
Morte a sangue-frio

— Entendi — disse o capitão da seção de Homicídios.


— Aprendi a lição, Hagerty.
— Obrigado. Não há inconveniente em levar meu rapaz,
hem?
— Claro que não. Ele podia ter poupado nosso trabalho,
se tivesse dito quem era.
— Você sabe os motivos. O rapaz precisava chamar o
advogado e me chamou. Isso é tudo. Quanto à imprensa...
— Já aprendi a lição, acredite. Repórter atacado por um
chinês que queria roubá-lo. Posto em liberdade por ter sido
o caso considerado de legítima defesa e pela morte acidental
do chinês. E o advogado levou consigo Chase Manning.
— Perfeito — exclamou Hagerty, sorrindo. — Até logo.
O inspetor do FBI saiu do gabinete do capitão de
Homicídios. Do lado de fora, sentado junto a um policial,
Chase Manning perguntou:
— Solucionado?
— Claro. Vamos.
O policial ia dizer qualquer coisa mas o capitão apareceu
na porta do gabinete e lhe fez um sinal. Dois minutos
depois, Hagerty e Manning entraram no carro que os
esperava.
— Conte-me o que se passou, Chase — disse o inspetor.
— Já contei tudo. Só posso acrescentar o seguinte: vi um
chinês na Boate Twist. Pode ser coincidência...
— Sem dúvida. A moça que você indicou a Anker e o
sujeito que esteve no iate, chamado Henry Gilmore...
— Henry Gilmore? — exclamou Chase.
— Conhece-o?
— É o pai de Twist Polly.
— Conte tudo detalhadamente, Chase. Anker, cuide do
volante. Não vamos passar o resto da vida batendo papo
aqui neste carro.
Ambrose deu a partida lentamente e seguiu pelas ruas
mais próximas, enquanto Manning contava sua parte ria
ação preparada pelo FEI. Não omitiu o mínimo detalhe.
Hagerty, Dulling e Anker informaram-no do restante, do
que acontecera longe dele.
— Dois detalhes de seu relato não me agradam, Chase
— disse o inspetor. — Você tomou uísque demais e talvez
tenha confiado nos bonitos olhos de Twist Polly.
— O senhor e os rapazes também fizeram algo que não
me agradou — respondeu Manning, remexendo-se,
inquieto.
— Oh, sim? O que foi?
— Perderam de vista Henry Gilmore e Eugenie
Blandford.
— Tem razão — rosnou Hagerty, sorrindo amarelo. —
Nós os tornaremos a encontrar. Tratemos de nos dividir nos
postos de vigilância. Mais cedo ou mais tarde os dois
estarão ao nosso alcance. Com paciência e astúcia, serão
nossos, antes de vinte e quatro horas. Não importa onde
estejam neste momento. Voltarão a seus refúgios e
conseguiremos localizá-los. Aí, não os perderemos de vista
um segundo, sequer... Na verdade eu gostaria muito de
saber onde estão Henry Gilmore e Eugenie Blandford...
***
— Precisamos subir? — perguntou Henry Gilmore.
— Claro — respondeu o chinês. — um esconderijo tão
bom como qualquer outro.
Subiram a bordo. Quatro homens os receberam. Dois
chineses e dois brancos. Um dos brancos avançou para Yan
Chu e sorriu, dizendo que estava tudo pronto.
— Ótimo, Ted — exclamou o chinês, sorrindo. —
Amanhã, depois do meio-dia, prepare o Blue Sky. Já é
nosso. A quem perguntar, diga que o dono é o senhor Henry
Gilmore e vocês são a tripulação contratada por ele.
Yan Chu fez um sinal a um dos chineses, indicando
Gilmore. O chinês deu um passo, pela retaguarda de Henry
e o golpeou na cabeça com um cassetete de borracha.
Gilmore caiu de joelhos, voltou a cabeça para Eugenie, mas
a pergunta não chegou a sair de seus lábios. O segundo
golpe deixou-o de bruços no convés.
— Muito bem, Fon — disse Yan Chu. — Podem ir. Wai
trará o pesqueiro de Santa Catalina, com a senhorita
Blandford a bordo. Ela deve ser respeitada e obedecida,
entenderam? Como se fosse eu.
Os quatro homens desembarcaram. O próprio Yan Chu
encarregou-se de amarrar Gilmore. Apanhou um balde
preso a uma corda e jogou-o pela amurada. Puxou-o cheio
de água do mar. Despejou a água sobre Gilmore, ajudando-
o a recuperar os sentidos.
— Está tudo acabado, Gilmore — disse Yan Chu, frio.
— Você vai morrer porque tocou em Eugenie e teve
pensamentos sujos em relação a ela.
Henry Gilmore levantou-se e recuou um passo ao ver a
faca surgir na mão do chinês. Walter Yan Chu avançou,
encurralando Gilmore de encontro a amurada do iate.
Enterrou a faca no corpo de Henry, cujo grito de agonia não
passou de um sussurro. No minuto seguinte à facada, não
teve forças, sequer, para tentar pedir socorro.
Yan Chu jogou no mar a faca. Arrastou Gilmore para
perto de um saco de arroz, amarrou o saco aos pés do morto
e jogou-o na água sem a menor preocupação. Voltou-se,
sorridente, para Eugenie. Ela estava imóvel, petrificada,
com os lábios trêmulos.
— Não se preocupe — disse Yan Chu, enlaçando-a pela
cintura. — Ninguém sabe que ele comprou este iate com o
dinheiro dado por mim e entregue por você. Ninguém
saberá o que acontecerá com os cinco próximos
proprietários de iates. Tudo corre muito bem. Não acha.
— Sim. Corre tudo muito bem...
— Ótimo — disse Yan Chu, rindo. — Agora, vamos
para a ilha a toda a velocidade. Precisamos conhecer os
sócios portadores de matéria-prima.
***
Eram quatro. Todos brancos. Chegaram ao bangalô
localizado no centro da ilha de Santa Catalina. Um bangalô
grande, luxuoso, confortável.
— Então, Walter? — perguntou um dos homens.
— O negócio está em marcha, senhores — respondeu o
chinês. — Não há motivo para pressas. Minha companheira
chama-se Eugenie Blandford e é a dona da Boate Twist, em
Los Angeles. De lá sairão muitos de nossos futuros clientes.
Além disso, Eugenie nos ajudará na compra dos iates,
procurando nomes que figurarão como proprietários. Com
os quais acontecerá o mesmo que aconteceu com Henry
Gilmore, é claro. Irão desaparecendo. Eugenie é algo muito
especial para mim. Estes, Eugenie, são os senhores
Holligan, Thiess, Porter e Saxon. Depois você os conhecerá
melhor. Por enquanto, basta saber que são nossos
provedores. Fazem parte da sociedade. Agora, tratemos de
definir o caso.
— Quantos iates já temos, Walter?
— Quantos? Um só. O Blue Sky. Mas...
— Não me parece acertado começarmos com um iate só.
— Quem falou em começar? — atalhou Yan Chu,
sorrindo. — Prepararemos o Blue Sky e levaremos a
mercadoria para a costa no pesqueiro. Eugenie se
encarregará da compra de alguns iates, mesmo que precise
viajar por toda a costa. Se fizerem perguntas, dirá que os
quer para revender. Quanto a nós, alguém quer dirigir a
compra ou a preparação dos iates?
Os quatro homens resmungaram qualquer coisa
ininteligível.
— Exatamente — prosseguiu o chinês. — É arriscado
demais para quem tem problemas com a Seção de
Narcóticos e de Drogas do FBI, e etc. Deixemos essa parte
nas mãos de Eugenie. Continuaremos a receber a
mercadoria em Santa Catalina e a escondê-la para passá-la
nas ocasiões convenientes, por meio do pesqueiro. Nossos
clientes serão pessoas educadas e de dinheiro, naturalmente.
Não podem fumar ópio em qualquer casa do bairro chinês.
É muito perigoso. Também não se atreverão a fumar em
suas próprias residências. Poderão, portanto, fumá-lo em
nossa frota de iates. Serão recolhidos ao anoitecer e
despejados na costa ao amanhecer do dia seguinte, O ópio
tem um cheiro característico. É necessário um vento
agradável para dissipá-lo. É diferente da morfina, da
cocaína ou da heroína.
— Por que não damos a nossos clientes umas moças
com quem poderão divertir-se?
— Nada de mulheres! — cortou o chinês. — Droga e
pronto.
— E se um iate despertar suspeitas?
— Nós o abandonamos.
— Abandonar meio milhão de dólares?
— Nem todos custarão esse preço — disse Yan Chu,
sorrindo. — Compramos o Blue Sky por trezentos mil
dólares, apenas.
— Está bem, Walter. Concordamos com tudo. Quando
quer a primeira entrega a seu pesqueiro?
— Amanhã à noite.
— Perfeitamente.
Os quatro homens se entreolharam. Sorriram e
levantaram-se. Quando ficaram sozinhos o chinês e
Eugenie, o silêncio tornou-se mais pesado no bangalô. Yan
Chu serviu duas doses de uísque. Entregou um copo à
Eugenie e exclamou:
— A nós, querida.
— À sociedade — brindou ela.
— Não. Eu disse a nós. Ao nosso amor.
— Ao nosso amor — balbuciou Eugenie.
Beberam. Ela pousou o copo na mesinha e endireitou o
corpo.
— O que foi? — perguntou o chinês.
— Vou embora, Walter. Você mesmo determinou que
eu voltasse a Los Angeles e viesse no pesqueiro.
— Sim, mas não tão depressa.
— Depressa? Você perdeu a noção do tempo, querido.
Temos muito trabalho pela frente.
— Tem razão — murmurou Yan Chu, depois de
consultar o relógio,
— Trouxe o dinheiro para os cinco iates restantes?
— Claro.
— Seria conveniente você me entregar agora. Não vou
fugir com o dinheiro, meu amor. Deixarei escondido no
fundo do meu cofre e irei tirando aos poucos, para a compra
dos iates.
— Perfeito. Você é inteligente, Eugenie. Mas não me
agrada a idéia de ficar algumas semanas sem vê-la...
— Valerá a pena, meu amor.
— Bem, vou lhe dar o dinheiro.
Yan Chu foi a um dos quartos e voltou em seguida com
uma pasta que entregou a Eugenie Blandford, dizendo:
— Dois milhões de dólares, querida. Tenha juízo e
cautela. Seria conveniente eu a acompanhar até a boate ou
mandar Wai com você.
— Oh, não me trate como se eu fosse uma menina
idiota, querido.
— Tem razão. Eu a levarei até o embarcadouro e Wai a
deixará em Los Angeles.
***
— Aí a temos — murmurou Anker. — Vai entrar na
boate pela porta lateral, senhor. Vamos agarrá-la?
— Leva uma pasta respeitável. Não, não vamos agarrá-
la, Anker. Esperaremos. Deixemos que ela, com suas
atividades, nos dê o serviço — respondeu o inspetor.
Anker Ambrose bocejou, olhando pela janela carro.
Faltava pouco para o amanhecer. Aí, teríam que se afastar
da Boate Twist, pois o carro poderia levantar suspeitas.
— Chame Chase — disse Hagerty. — Diga-lhe que
Eugenie Blandford voltou. Pergunte se novidades com
Twist Polly.
Ambrose obedeceu. Quando cortou a ligação, tornou a
bocejar e informou:
— Tudo calmo por lá, senhor. A moça não recebeu
visitas e Chase tem tanto sono quanto eu. Vamos ver o que
acontece no novo dia.

CAPÍTULO OITAVO
Os sócios

Encostado ao balcão, Chase Manning olhava ao redor,


com um cigarro na boca. A Boate Twist estava muito
animada. Chase imaginava o que poderia acontecer naquela
noite no iate Blue Sky. Tivera um dia movimentado e, por
meio dos chamados de Hagerty, ficara informado de que um
pesqueiro levara algo para o Blue Sky. Não havia o menor
sinal de Henry Gilmore, o homem que comprara a
embarcação.
Twist Polly e Eugenie, porém, estavam na Twist. Os
aplausos atraíram a atenção do federal. Voltou o rosto para
o palco, onde Twist Polly acabava de entrar. As luzes se
apagaram os refletores iluminavam a estrela do show.
— Chase...
— Que é? — respondeu o federal, reconhecendo a voz
de Anker e sentindo um puxão na manga. — Aconteceu
alguma coisa?
— O chefe telefonou para meu carro. O pessoa! do
pesqueiro faz contrabando de drogas. Houve uma briga no
mar. Foram seguidos por duas lanchas e conseguiram caçá-
los quando recolhiam pacotes de ópio. Feriram dois dos
nossos. São perigosos, Chase. Os que ficaram vivos estão
confessando tudo. Já disseram alguns nomes.
— Twist Polly — sussurrou Chase, inquieto.
— Não, não. O chefe recomendou para não perdermos
de vista a dona da boate. No iate estava um homem
chamado Ted Hubbard que parecia chefiar aquela gente.
Encontraram, ainda, dois chineses. Os rapazes estão
fazendo um bom trabalho.
— Não convém conversarmos mais — disse Chase. —
Espere-me lá fora. Cuide da porta lateral da boate e não
perca a dona de vista, um minuto, sequer, Anker. Eu me
encarrego da porta principal. E avise-me se o chefe der
alguma novidade.
Ambrose saiu da boate. O número de Twist Polly
chegou ao fim. Aplausos. As luzes se reacenderam. A
estrela aproximou-se do bar, onde Chase se encontrava.
Parou ao lado dele mas não teve tempo de fazer pergunta
alguma, porque o federal murmurou:
— Preciso falar com você, Polly. Vamos para uma mesa.
É importante para mim.
Procuraram uma mesa vazia e sentaram-se. Manning
engoliu em seco e começou a falar:
— Twist: você matou um homem chamado Aldous
Marbs?
— Não compreendo... — gaguejou a moça. assustada.
— Responda, por favor. É uma história comprida para
contar agora. Eugenie Blandford tem algo a ver com tudo
isso e pensei que você também... Depois, há a pulseira...
Seu pai também está envolvido. Ele e Eugenie encontraram-
se num motel e ele desapareceu em seguida.
— Mas Eugenie está aqui, na boate. Por que não
perguntou a ela?
Duas mãos apoiaram-se na mesa e o rosto de Anker,
nervoso, inclinou-se para Manning, balbuciando:
— O chinês de ontem à noite acaba de entrar pela porta
lateral, Chase. E está todo molhado.
— Cuide de Polly, Anker — disse Manning, decidido.
***
— Walter! — exclamou Eugenie, levantando-se de um
salto.
— Cadela traidora — grunhiu o oriental, agarrando-a
pelo vestido e encostando a ponta da faca no pescoço de
Eugenie. — Espertinha hem? Contenta-se com dois milhões
sem perigo, sem trabalho.
— Que aconteceu, querido?
— Não sabe? O FBI estragou tudo. Apanhou-nos com as
mãos na massa. Agarraram Ted Hubbard com vida e ele
acabará confessando o que sabe.
— Santo Deus!
— O que imaginou? Que nos matariam a todos e que
você ficaria com os dois milhões de dólares? Pois enganou-
se. Hubbard pode denunciá-la e dizer que eu fugi... Mas
você me pagará por isso, desgraçada. Vai pagar bem caro!
— Walter... Suplico... Não é verdade... Eu não...
— Abra o cofre — ordenou Yan Chu, empurrando-a de
encontro à parede com uma bofetada no rosto. — Abra o
cofre! Vou ensiná-la, cadela do diabo!
Tremendo, Eugenia aproximou-se do cofre e o abriu.
Voltou-se para Yan Chu que estava a três passos dela,
vigilante e murmurou:
— A pasta... está no fundo falso.
— Apanhe-a. Depressa!
Eugenie quis dizer qualquer coisa mas a expressão do
chinês amedrontou-a. Abriu o fundo falso e tirou a pasta.
Yan Chu tomou-a com um movimento brusco e pousou-a na
mesa. Abriu a pasta e viu o dinheiro. Voltou-se para
Eugenie, erguendo a faca e... e recebeu a primeira bala no
pescoço. Uma bala pequena mas suficiente para empurrá-lo
de encontro à parede. A faca caiu de seus dedos. Ainda
estava tremendo, ao receber a segunda bala atirada pela
pistolinha, cujo ruído parecia um latido de cachorrinho de
luxo. O chinês agüentou de pé até Eugenie atirar pela
terceira vez, metendo-lhe uma bala na testa.
Walter Yan Chu recuou e caiu de costas. Seu corpo
ainda não chegara ao chão e já Eugenie pulara para
reapossar-se da pasta. No cofre, escondida para qualquer
emergência, estava aquela pistolinha mortífera, apesar de
seu tamanho reduzido. Guardou o dinheiro no cofre e
murmurou:
— Enlouqueceu, chinês do inferno! Mas agora está
morto! E terei que fugir, desgraçado.
— Não para muito longe, senhorita Blandford.
Eugenie voltou-se assustada, erguendo a pistola e
atirando. A bala cravou-se na moldura da porta, arrancando
umas lascas de madeira.
— Afaste-se — disse ela, furiosa, ao ver Chase
desarmado. — Afaste-se ou eu...
— É melhor soltar essa arma, senhorita Blandford. Está
falando com um agente do FBI,
— Afaste-se, Manning ou eu.
Puxou o gatilho mais uma vez. No momento exato em
que Polly entrava no escritório, empurrando o federal.
Recebeu a bala no peito, do lado esquerdo, um pouco
abaixo do seio. O impacto foi demais para a moça. Girou
nos calcanhares e caiu diante dos olhos arregalados de
Eugenie.
— Meu pai... — balbuciou Polly, perdendo as forças.
Eugenie notou que Chase Manning, pálido, avançava
para ela e tornou a atirar. O tiro que ecoou porém, valia por
dez da arma da dona da Boate Twist. Anker Ambrose
apareceu na porta, de pistola em punho. Afastou com o pé a
pistolinha de Eugenie, caída no chão, ao lado da mulher que
desmaiou tentando reapossar-se da arma.
— Sinto muito, Chase — disse Anker, correndo para
junto do colega. — A moça escapou da minha vista...
— Chame uma ambulância!
Ambrose precipitou-se para o telefone. Manning
examinou o ferimento de Polly. A bala quebrara duas
costelas bem abaixo do seio e ficara na carne da jovem.
Pálido, Chase Manning contemplou o tosto atordoado de
Twist Polly. De repente, voltou-se pata Eugenie e tomou-
lhe a pulseira do braço. Voltou para junto de Polly e
colocou-lhe a jóia encontrada junto ao cadáver de Aldous
Marbs. Depois, ergueu a mão relaxada da estrela da boate.
A pulseira escorregou-lhe pelo braço, passando pela mão da
jovem. Colocou-lhe a que tirara do pulso de Eugenie. Desta
vez a pulseira não escorregou pela mão de Polly como a
anterior. Ficou justa. Certamente feita para aquele pulso.
Chase voltou para junto de Eugenie Blandford e
colocou-lhe a pulseira encontrada junto a Marbs. Na
verdade, já devia ter adivinhado há mais tempo.
— Espero que ela me perdoe.. — balbuciou, olhando
para Polly. Sim... espero...
CINDERELA MODERNA

— O doutor me autorizou a entrar. Polly olhou para ele


em silêncio, durante alguns segundos. Chase Manning, o
homem simpático que lhe perguntara há dias se ela
cometera um assassinato, estava ali, em seu quarto do
hospital, recebendo os raios de sol que entravam pela
persiana da janela.
— Está bem, Chase..
O federal aproximou-se, puxou uma cadeira e sentou-se
na ponta. Olhou para as mãos, para os joelhos, para os
sapatos.
— Como... como está você? — perguntou num fio de
voz.
— Bem. De saúde, vou bem,
— Compreendo... já deve saber...
— Sim, Encontraram meu pai?
— Ainda não. O mar... é tão grande!
Twist Polly sorriu fracamente e murmurou:
— Muito grande, Chase.
— Você tem passado bem?
— Sim, já lhe disse.
— Oh, é verdade. Alegro-me muito com isso, Twist...
— Obrigada. Você sempre me pareceu um sujeito gentil.
O federal tornou a olhar para as mãos, para os joelhos e
para os sapatos. Desta vez, em ordem inversa.
— Tenho.. . tenho uma coisa para você, Twist.
Tirou do bolso uma pulseira com uma medalha.
— Consegui que me devolvessem.
— Obrigada. Tem, certeza de que desta vez é a minha?
— Sim — respondeu Chase Manning. sem hesitar. — É
a que Eugenie usava naquele dia. Experimentei as duas
pulseiras em você, Twist. A que encontramos junto ao
cadáver de Marbs era a dela. Tinha um elo a mais na
corrente e o fecho não funcionava direito. Ela perdeu a
pulseira e tirou a sua enquanto lhe fazia outra...
— Você é muito inteligente, Chase.
— Sou um imbecil.
— Foi como na história da Gata Borralheira, hem,
Chase? — balbuciou Polly, esboçando um sorriso.
— Sim... Só que eu devia ter, primeiro, experimentado o
sapato de Cinderela... ou melhor, a pulseira.
— Sabe? Estive pensando... Quando sair daqui não
usarei mais o nome de Twist Polly. Cinderela Twist não lhe
parece mais apropriado?
Chase Manning permaneceu em silêncio durante alguns
segundos. Finalmente, murmurou:
— Twist, eu... eu estive pensando...
— Sim, Chase?
— Bem... Estive pensando que você não devia mais usar
o nome de Twist... Entre nós, tudo bem. Posso continuar
chamando-a de Twist. Também não é necessário continuar
trabalhando... Gostaria de chamá-la Twist, sim... Mas só
eu... compreende?
— É um pedido de casamento, Chase?
— Antes eu devia perguntar se me perdoa...
Cinderela Twist encarou-o em silêncio. Chase Manning,
um agente do FBI ali estava. Depois de ter cumprido seu
dever. Era o homem que tinha à sua frente.
Sem hesitar, Polly sorriu e disse com decisão:
— Nada tenho a perdoar, Chase.

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