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LUTO E MELANCOLIA

IPB
Bahia
Marcela Antelo
2019
Luto e melancolia: faz parte de um serial criado quando se prepara a Primeira Guerra Mundial

Luto e melancolia é o último episódio da série de textos resultantes do grande


esforço teórico de Freud , sua “metapsicologia”. Relação entre série e serio.

1914 e 1915 série de ensaios de metapsicologia:

Começa na Introdução ao narcisismo,

Pulsões e suas vicissitudes

O recalque

O inconsciente

Luto e melancolia.

Sigmund Freud, [1915] Luto e melancolia (Tradução Marilene Carone, Cosac Naify,
2013).
Paisagem de antecedentes:

Psicose batizada por Kraepelin em 1883 de “maníaco- depressiva”. Ele usou insanidade depressiva
para nomear uma das categorias de insanidade e incluiu uma forma depressiva como uma das
categorias de paranóia, mas continuou a empregar melancolia e seus subtipos e a usar depressão
principalmente para descrever o afeto.
Freud levantou-se em torno da questão do diagnóstico de insanidade maníaco-depressiva atribuído
ao “Homem dos lobos”.
A psiquiatria não cria consenso em uma única definição de melancolia.

SF se serve de vários termos, geralmente como sinónimos: melancolia, depressão, depressão


melancólica.
O termo depressão chega ao alemão vindo do francês a partir do latim e, melancolia, é um
velhíssimo termo de origem grega.
Manuscritos G de Freud (1895)

Escrito provavelmente em 7 de janeiro de 1895 e incluído na publicação de


cartas a Fliess.
Essa analogia com a ferida aberta já aparece (ilustrada por dois diagramas) na
abertura da seção VI da primeira nota de Freud sobre a melancolia
(Freud, v.1)
Antes da melancolia existia em numerosos melancólicos Manuscrito G
uma anestesia.

Anestesia como resposta a excitação sexual.

Falta de excitação sexual somática. Freud descartou


essa hipótese depois.

A anestesia é um signo de melancolia ou uma


preparação para ela. Falta de voluptuosidade.

O grupo sexual psíquico se debilita por qualquer uma


das duas causas.

As pessoas potentes contraem com facilidade neuroses


de angustia e as impotentes tendem a melancolia.

Vinculou a melancolia com a anorexia.

Melhor descrição dos efeitos da melancolia: inibição


psíquica com empobrecimento querencial e dor por isso.

Hemorragia interna/: empobrecimento da excitação.


Empobrecimento querencial.

Ferida
Ainda no manuscrito G:
Hemorragia interna: empobrecimento da excitação. Empobrecimento querencial.

Contração que suga excitações contiguas. Neurônios cedendo excitação produzem


dor.

Como inibição essa contração com dor tem o efeito de uma ferida. Trauma (ferida).
O contrário seria a mania, mas há um parentesco com a neurastenia: a excitação se
escorre como por um buraco. Aqui a excitação sexual somática é bombeada no vazio
enquanto na melancolia:

O furo está no psíquico


FREUD PRONUNCIA A CONFERÊNCIA “NOS E A MORTE” E ENVIA A CONHECIDA CARTA A
VAN EEDEN (DEZEMBRO DE 2014)

ESCREVE TAMBÉM: CONSIDERAÇÕES ATUAIS SOBRE A GUERRA E A MORTE, NO MESMO


ANO QUE LUTO E MELANCOLIA

ESTÁ EM JOGO UMA INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICO-CIENTÍFICA SOBRE A DESILUSÃO


(MELANCÓLICA) QUE A PRIMEIRA GUERRA TROUXE PARA OS HABITANTES DAS SUPOSTAS
CIVILIZAÇÕES EVOLUÍDAS DO OCIDENTE.
LACAN NOS CHAMA DE “OCCIDENTADOS”. (JL) EM LITURATERRA.
FABIÁN NAPARSTEK, DO SUJEITO OCIDENTADO À ORIENTAÇÃO PELO SINTOMA: MODULAÇÕES SOBRE A CRENÇA.
OPÇÃO LACANIANA, N. 42, SÃO PAULO, EOLIA.

A época da o tom do texto


Ideias colhidas em Introdução ao narcisismo: 1914

O autoerotismo precede o narcisismo. Nos primeiros meses de vida, o bebê ainda


não constituiu “uma unidade primitiva comparável ao eu”.
“[...]o complexo melancólico se comporta como uma ferida aberta”.
[...]“a sombra do objeto caiu sobre o ego”.
Klage (queixa ou acusação): para o melancólico, “queixar-se é dar queixa”.
Pérola clínica do texto Luto e Melancolia

O lamento melancólico revela uma acusação contra alguém,


um outro que quem sofre não é capaz de identificar.
Lição de cautela epistemológica

■ que não se superestimem nossas conclusões.

■ Por isso renunciamos de antemão a reivindicar validade universal para nossas


conclusões

■ A melancolia, cuja definição conceitual é oscilante, mesmo na psiquiatria descritiva,


apresenta-se sob várias formas clínicas, cuja síntese em uma unidade não parece
assegurada, e dentre estas algumas sugerem afecções mais somáticas que psicógenas.

■ Freud se propõe a esclarecer a essência da melancolia comparando-a com o afeto


normal do luto
A Melancolia e o “auto”.
■ Se caracteriza por um desânimo profundamente doloroso, uma suspensão do interesse pelo
mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda atividade e um rebaixamento do
sentimento de autoestima, que se expressa em autorrecriminações e autoinsultos, chegando até
a expectativa delirante de punição.
■ O tradutor da versão que utilizamos explicita que:
■ / Selbstgefühl (autoestima) literalmente significa sentimento de si, convicção do próprio valor e
poder. Com Selbstgefühl começa neste texto toda uma série de termos com prefixo selbst, em
geral traduzidos pelo prefixo auto, em português. Assim, por exemplo: Selbstvorwurf
(autorrecriminação), Selbstbeschimpfung (autoinsulto), Selbskritik (autocrítica),
Selbstherabsetzung (autodepreciação), Selbsteinschätzung (autoavaliação), Selbstanklage
(autoacusação), Selbstquälerei (autotormento), Selbstbestrafung (autopunição), e finalmente
Selbstmord (suicídio, literalmente autoassassinato).
■ Segundo ela a profusão de termos com selbst certamente encontra seu sentido mais profundo na
articulação teórica do próprio texto e reflete a importância desse movimento de retorno à própria
pessoa, descritos em Pulsões e seus destinos (Triebe und Triebschicksale, 1915c) como o
segundo destino pulsional.
■ Mais precisamente, o termo selbst é aí descrito como o tempo da transformação da voz ativa,
“não numa voz passiva, mas numa voz reflexiva média”. Nesse sentido, o prefixo selbst
corresponderia em português à partícula apassivadora “se”: torturar-se, punir-se etc. [N.T.]
Outra lição epistemológica

■ É só porque sabemos explicá-lo tão bem que esse comportamento não nos
parece patológico.

■ O luto
O luto, via de regra, é a reação à perda de uma pessoa querida ou de uma
abstração que esteja no lugar dela, como pátria, liberdade, ideal, etc. Sob as
mesmas influências, em muitas pessoas se observa em lugar do luto uma
melancolia,
Afirmações de Freud

■ O homem não abandona de bom grado uma posição da libido, nem mesmo quando
um substituto já se lhe acena.
■ Trata-se de uma perda desconhecida
■ Sabe quem ele perdeu, mas não o que perdeu nele [no objeto].
■ A inibição melancólica nos dá uma impressão mais enigmática, porque não
podemos ver o que absorve tão completamente os doentes.
■ Há um rebaixamento extraordinário do sentimento de autoestima, um enorme
empobrecimento do ego.
O ego do melancôlico

■ No luto é o mundo que se tornou pobre e vazio; na melancolia é o próprio ego.


■ O ego aparece como indigno, incapaz e moralmente desprezível; ele se recrimina,
se insulta e espera ser rejeitado e castigado. Humilha-se perante os demais e tem
pena dos seus por estarem eles ligados a uma pessoa tão indigna.
■ O ego extende sua autocrítica ao passado: afirma que ele nunca foi melhor.
O quadro

■ O quadro desse delírio de inferioridade – predominantemente moral – se completa com insônia,


recusa de alimento e uma superação – extremamente notável do ponto de vista psicológico – da
pulsão que compele todo ser vivo a se apegar à vida.
■ Lacan parece inspirar-se em esse enunciado quando afirma, a propósito do caso Schreber, “se
trata de uma desordem provocada na junção mais íntima do sentimento de vida no sujeito”1
■ Miller parece intuir um fundo melancólico nas psicoses, afirmam vários autores. Toma essa
desordem como expressão da foraclusão.
■ Sobre o tema ler 2)

1)Lacaan, J.(1998[1955-1956]) “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
2) Marret-Maleval, Sophie, A junção íntima do sentimento Disponível em:
http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_23/A_juncao_intima_do_sentimento_de_vida.pdf de vida. Opção lacaniana on line, n. 23,
julho, 2017.
Infrutífero contradizer o melancólico

■ Tanto do ponto de vista científico quanto terapêutico seria igualmente infrutífero


contradizer o doente que faz tais acusações contra o seu ego. De algum modo ele
certamente precisa ter razão e descrever algo que se comporta tal como lhe parece.
■ E de fato, logo teremos que confirmar, sem restrições, algumas de suas afirmações.
■ Ele realmente é tão carente de interesses, tão incapaz para o amor e para o
trabalho como afirma. Mas isso, como sabemos, é secundário, é a consequência
desse trabalho interior, para nós desconhecido e comparável ao luto, que consome
seu ego.
A lucidez do melancólico

■ Capta a verdade apenas com mais agudeza do que outros, não melancólicos.

■ Quando, em uma exacerbada autocrítica, ele se descreve como um homem


mesquinho, egoísta, desonesto e dependente, que sempre só cuidou de ocultar as
fraquezas de seu ser, talvez a nosso ver ele tenha se aproximado bastante do
autoconhecimento e nos perguntamos por que é preciso adoecer para chegar a
uma verdade como essa.
O real e o montante de degradação

■ não há qualquer correspondência entre o montante de autodegradação e sua real


justificativa

■ A mulher antes boa, capaz e cônscia de seus deveres, na melancolia não dirá a seu
próprio respeito nada melhor do que a mulher na verdade inútil, e talvez a primeira
tenha mais possibilidades de adoecer de melancolia do que a outra, da qual não
saberíamos dizer nada de bom.

■ Perdeu o autorrespeito e deve ter boas razões para tanto.


A revolta melancólica
■ Queixar-se é dar queixa porque ; eles porque tudo de depreciativo que dizem de si mesmos
no fundo dizem de outrem. Não se envergonham nem se escondem.

■ A constelação psíquica da revolta se transfere para a contrição melancólica

■ Houve uma escolha de objeto, uma ligação da libido a uma pessoa determinada; graças à
influência de uma ofensa real ou decepção por parte da pessoa amada, essa relação
de objeto ficou abalada.

■ O investimento de objeto provou ser pouco resistente, foi suspenso, mas a libido livre não se
deslocou para um outro objeto, e sim se retirou para o ego. A sombra...
A libido livre

■ serviu para produzir uma identificação do ego com o objeto abandonado. Desse modo, a sombra do objeto caiu sobre o
ego, que então pôde ser julgado por uma determinada instância como um objeto, como o objeto abandonado. Assim, a
perda do objeto se transformou em perda do ego e o conflito entre o ego e a pessoa amada em uma bipartição entre a
crítica do ego e o ego modificado pela identificação.

■ Uma contradição:

■ Uma forte fixação no objeto de amor e, por outro, e em contradição com isso, uma pequena resistência do investimento
objetal.

■ Que a escolha de objeto tenha sido feita sobre uma base narcísica, de modo que o investimento objetal possa regredir
para o narcisismo se se defrontar com dificuldades.
Da morosidade ao Blues
Omaïra Meseguer
■ É à luz dessa distinção entre falta e vazio que pudemos extrair a logica infernal que conduz à paciente
“na água nauseabunda e sombria” dos tristes do Inferno tal que Dante os retrata. Quando se confronta a
esse vazio de sentimentos Maria se torna morosa, se acusando então da sua incapacidade de ter
sentimentos. Por falta de sentimentos, se assim podemos dizer, ela está capturada em essa lógica
infernal. Morosidade, vazio e acusação são assim articulados.

■ Meseguer, Omaïra, “De la morosité au Blues”. IN: La Cause du désir. Revue de psychanalyse, n.93. Paris: Navarin
Editeur, ECF, septembre, 2016. Pp. 134-137.
■ Tradução para uso interno da disciplina do IPB Luto e Melancolia, Marcela Antelo.

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