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DEBATE DEBATE
Um balanço da Reforma Psiquiátrica Brasileira:
Instituições, Atores e Políticas
Abstract The article takes a look at Brazilian Resumo O artigo provoca olhares sobre a Refor-
Psychiatric Reform over the past decade, after the ma Psiquiátrica Brasileira (RPB) na última dé-
approval of Federal Law 10.216/2001 and seeks to cada, após a homologação da Lei Federal 10.216/
elicit long overdue discussion about the pressing 2001 e pretende suscitar o debate inadiável sobre
challenges that Brazilian Psychiatric Reform needs os novos desafios que ela precisa enfrentar para
to tackle to promote or review the long-desired alimentar ou reciclar a antiga utopia de “cidada-
utopia of “full citizenship for all in a society with- nia plena para todos, numa sociedade sem mani-
out asylums.” Is the Reform showing signs of ex- cômios”. Estaria a Reforma dando sinais de exaus-
haustion? The redirection of the care model for tão? É inegável a reorientação do modelo assis-
Mental Health in Brazil from the hospital to the tencial de Saúde Mental no Brasil do hospital para
community over the past decade is an undeniable a comunidade nessa última década. Ao tomar o
achievement. Taking the use of psychoactive sub- uso de Substâncias Psicoativas como objeto de
stances as the scope of policy and intervention, políticas e intervenção, incorpora demandas com-
this incorporates complex demands that the cur- plexas que o atual drama do Crack somente ime-
rent Crack drama makes it more urgent to ques- diatiza a necessidade de questionar sua história,
tion its history, its limits, its power. What will seus limites, sua potência. O que manterá acesa a
keep the flame alight of a successful movement that, chama de um movimento exitoso que, surpreen-
surprisingly, has resisted the force of time and stig- dentemente, resiste à força do tempo e do estigma
ma in the ten years since the Law was enacted? nesses dez anos da Lei? Essas e outras questões
These and other questions need to be worked on. It precisam ser equacionadas. Está na hora de reci-
is time to recycle the focus of assessment and anal- clar os focos de avaliação e análise no sentido de
ysis in order to identify what threatens its vitality. identificar o que ameaça sua vitalidade. Esse é o
This is the challenge to which the writer and de- desafio que a articulista e debatedores estarão pro-
baters will be enjoined to contribute. vocados a contribuir.
Key words Psychiatric reform, Mental Health Palavras Chaves Reforma psiquiátrica, Política
policy, Human Rights de Saúde Mental, Direitos Humanos
1
Universidade de São Paulo.
Av. Dr. Arnaldo 455,
Cerqueira César.
01246-903 São Paulo SP.
anapitta@usp.br
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Pitta AMF
leira. Consenso maior considera o processo de ção de “uma clínica em movimento”18. Cuidado
democratização do país no final da década de 1970, este sustentado numa ética de corresponsabili-
trazendo os movimentos sociais com suas diferen- dade que estende e muito o alcance das interven-
tes estratégias e em diferentes estados do país para ções em crises nos serviços comunitários quan-
transformar políticas e instituições desumanas, do a equipe consegue perceber a importância da
como o possível marco inicial. Nessa era de Re- contribuição de cada um dos seus integrantes.
formas tivemos dois movimentos sócio-políticos Tais espaços de trabalho dependem fortemente
mais determinantes dessa transição: na Saúde em desses profissionais para “o tomar a si a respon-
geral a Reforma Sanitária, e na Saúde Mental a sabilidade de cuidar”, numa ação transdiscipli-
Reforma Psiquiátrica, que conviveram e se alimen- nar potente. O lugar simbólico do medicamento
taram da mesma efervescência político-participa- e do médico na relação com o usuário é algo que
tiva e democratizante da época17. precisa ser trabalhado, valorizado, e a um só tem-
Entre os anos de 1975 a 1980 o Movimento da po, desmistificado por esses profissionais. O en-
Reforma Psiquiátrica Brasileira recebia da Euro- frentamento do “modelo médico hegemônico”,
pa em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo tão decantado, vai significar uma clínica implica-
Horizonte e Barbacena insumos importantes para da de atenção à crise e à cotidianidade dos sujei-
abastecer seus ideais reformistas: Franco Basa- tos desempenhada por todos os integrantes de
glia, Michel Foucault, Ronald Laing, Felix Guat- uma equipe de “serviços substitutivos” ao mani-
tari, Robert Castel vinham para Congressos, Se- cômio. Mais ainda e lembrando Luiz Cerqueira,
minários em Universidades, em missões ético- psiquiatra, professor de psiquiatria, coordena-
políticas cativantes, trazendo informações e levan- dor nacional de Saúde Mental nos anos setenta:
do notícias nossas; testemunhando e reconhecen- “a saúde mental é coisa muito séria para estar
do grupos de resistência, instigando jovens inqui- confiada em mãos apenas de psiquiatras”! Bem
etos (alguns presentes nesse debate) para movi- reflete quanta humildade e corresponsabilidade
mentos sociais como a defesa dos direitos dos são necessárias para se trabalhar nesse campo.
enfermos mentais, condições e processo de tra-
balho em instituições manicomiais, na contribui- A propósito, as Políticas...
ção teórico-crítica em diferentes cenários acadê-
micos, associativos, sindicais, estudantis. Com a entrada em cena de movimentos soci-
No limite, todos, de todas as profissões, que- ais de profissionais, trabalhadores, usuários, fa-
rem condições ideais de atendimento aos enfer- miliares, militantes dos Direitos Humanos, pres-
mos, e melhores condições de trabalho para si. tadores públicos e privados, gestores, sindicatos e
Entretanto, atualmente, muitos desses profissi- associações, nos fins dos anos setenta, o movi-
onais que poderiam fazer a diferença em termos mento da Reforma nasce ganha maior visibilida-
de implicação ética e técnica com a “boa prática”, de e força19 e também produz seus mais ferre-
para sustentar a interdisciplinaridade por conse- nhos inimigos. E não existe estratégia mais po-
quência a potência das equipes nos territórios, tente para criar coesão de um grupo ou de um
parecem desconhecer, ou não se sentem convo- movimento do que ter inimigos comuns contra
cados, ao apelo ético-político desses primeiros quem lutar! A ditadura militar, a não democracia,
momentos. Existe uma paradoxal estratégia de- o interesse mercantil dos industriais da loucura,
fensiva de fuga da responsabilidade na constru- forjaram o cenário favorável ao surgimento de
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maio, o Dia da Luta Antimanicomial, com inú- na cidade de São Paulo, que o encontro de Luiz
meras atividades culturais, artísticas e científicas Cerqueira, então coordenador de Saúde Mental
nos estados, em muitas cidades do país, com o do estado e Guilherme Rodrigues da Silva, Pro-
objetivo de sensibilizar e envolver novos atores fessor Titular da Medicina Preventiva da USP e
sociais para a questão. Dezenas de associações de grande pensador da saúde coletiva brasileira, que
familiares, de voluntários e de usuários de servi- aparece em 1973 um projeto experimental de Saú-
ços psiquiátricos foram organizadas e outras dei- de Mental na Atenção Primária nos Distritos de
xaram de existir nessas duas décadas. O prota- Pinheiros, inicialmente, depois Butatã, na zona
gonismo dos usuários e familiares no Movimen- oeste da cidade, que foi semeador de um modelo
to tem crescido e amadurecido através do tempo de atenção integral e territorial que formou pes-
fazendo lideranças profissionais muitas vezes se soas, penetrou a mídia e influenciou a política
esquecerem de suas funções de cuidar para que pública para a área na medida do avanço da de-
esses segmentos tenham suporte para seguirem mocratização no estado e no país. Esse progra-
se desenvolvendo como sujeitos de suas histó- ma modelar para a atenção primária em saúde
rias. Da mesma forma, inúmeras entidades da mental foi embrião da inflexão comunitária nos
sociedade civil passaram a incluir o tema em seus “anos Montoro”, (1983-1987) com 91 equipes de
debates e pautas de atuação. psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais tra-
balhando em Centros de Saúde do estado. Acom-
A I Conferência: pioneira e tutelada panhou-se ainda da chamada “ambulatorização”
da saúde mental, transformando antigos e bu-
A 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental, rocráticos ambulatórios (psicofármacos + guias
1987, organizada pela Coordenação de Saúde de internação + estatísticas) em 22 centros co-
Mental do Ministério da Saúde e realizada no munitários de saúde, com seus programas de
Rio de Janeiro, não teve a participação da socie- intensidades mínima, média e máxima, manten-
dade civil, trabalhadores, usuários e famílias na do o nome de Ambulatórios de Saúde Mental
sua organização porque à época isso não se cogi- por força de um movimento corporativo de seus
tava. Tudo centralmente organizado, com gran- funcionários, cunhando a expressão “ambulato-
de esforço de setores contra hegemônicos do rização” para aqueles que seriam embriões dos
governo e uma grande sede de participação soci- futuros Centros de Atenção Psicossocial - CAPS,
al dos diversos segmentos de base interessados. para onde muitos deles foram lentamente se
Não deu outra: ali se exercitou uma tomada de transformando e hoje estão cadastrados como
poder pela sociedade civil. Perverteu-se o estabe- tal, enquanto outros desapareceram substituí-
lecido. Todo o Programa da Conferência organi- dos por novos modelos.
zada como se fora um Congresso Psiquiátrico O surgimento de experiências institucionais
cai por terra para dar lugar a uma assembléia bem-sucedidas na arquitetura de um novo tipo
popular conduzida por uma mesa diretora esco- de cuidado em saúde mental pipocava em vários
lhida pela maioria. Também foi esse o critério pontos do país. Duas delas são consideradas
para escolher uma relatoria representativa das “marco inaugural e paradigmático” de uma nova
cinco regiões do país. Primeiro exercício demo- prática de cuidados: o Centro de Atenção Psicos-
cratizante na definição da política de saúde men- social Professor Luiz da Rocha Cerqueira, no
tal para o país, a I Conferência representa, por- Distrito da Bela Vista, na cidade de São Paulo; e a
tanto, o início do desconstruir no cotidiano das intervenção na Casa de Saúde Anchieta, realiza-
instituições e da sociedade as formas arraigadas da pela administração municipal de Santos, em
de se lidar com a loucura e a prescrição da de- São Paulo, como um projeto mais amplo e radi-
sinstitucionalização como estratégia de reversão cal de desinstitucionalização no país.
da exclusão dos loucos da cena pública22.
A partir dos anos setenta, em São José do A origem dos CAPS
Murialdo, no Rio Grande do Sul, uma experiên-
cia pioneira de saúde mental na atenção primá- O CAPS Luiz Cerqueira nasce em 1987 e é iden-
ria se desenvolvia e formava pessoas para essa tificado como “marco inaugural” de um modo de
nova prática. E Campinas, ainda na década de cuidar que considera o sujeito em sofrimento como
70, implanta na cidade um programa de Saúde estruturante de uma “clínica ampliada” que o ar-
Mental nas unidades básicas de saúde que ainda ticula no seu território e não o enclausura para
permanecem em várias unidades, recicladas por tratá-lo. Tal clínica teve na psicanálise, no uso ra-
gestões criativas que se sucederam. Entretanto, é cional dos psicofármacos e nas práticas de inclu-
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são dos movimentos sociais com os executores te. Na ocasião, considerava-se que a substituição
públicos da Reforma no interior do Estado (dife- asilar vinha acontecendo “de maneira inequívoca
rente do que aconteceu em outros países, como e regular no Brasil nos últimos dez anos”10, e que
Itália e Canadá, onde eram os mesmos atores que se podia esperar uma aceleração do processo. Por
reclamavam os que construíam as alternativas razões óbvias deixo de detalhar o período dos
substitutivas ao manicômio, com forte engaja- anos 1998-2000, mas cabe mencionar os seguin-
mento ético-político, clínico, e de reabilitação psi- tes fatos: a Lei 10.216 sai do Senado e retoma a
cossocial), desgastes, lutas intestinas e prejuízos tramitação na Câmara (1999), recursos para os
para sua sustentabilidade tem sido a tônica da primeiros 400 CAPS (1999), portarias e recursos
relação movimento antimanicomial & poder exe- para os Serviços Residenciais Terapêuticos (2000);
cutivo, com poucas exceções. E ao deslocar seu incentivo-bônus para a desinstitucionalização
foco de luta, a RPB começa a padecer do mesmo (1999) baseado no Programa de Apoio à Desins-
mal que acometeu a Reforma Sanitária – afastar- titucionalização (PAD)26 que a gestão seguinte
se ou ser afastada do movimento social. Deposi- pôde melhor operacionalizar com a Lei “De volta
tam-se nos que ocupam circunstancialmente fun- pra casa”23; psicofármacos básicos e de alto cus-
ções de poder todas as esperanças para, a seguir, to (1999), e o negociado retorno da Comissão
isolá-los de toda a força, vitalidade e princípio de Nacional de Saúde Mental no Conselho Nacio-
realidade que somente os sujeitos reais e concre- nal de Saúde (1999) que havia extinguido a Co-
tos, nos seus locais de ação podem nutrir. De ou- missão de Reforma Psiquiátrica em 1998, esteio
tro lado, a oposição, a tensão, o questionamento da participação do movimento social na política
e as críticas às políticas executadas pelo Estado, nacional de Saúde Mental.
vindas do movimento social, passam a ser vistas
como ataque ou obstáculo ao processo de Refor- Os anos 2000 – A Reforma legal
ma pelos que a estão executando. Talvez nesse
pêndulo esteja a força da radicalidade e da pru- Pode-se dizer que o avanço mais consistente
dência necessárias à sobrevida do movimento. da reforma psiquiátrica brasileira acontece nessa
Momento importante na constatação da ten- década. Um arcabouço normativo importante
são dos diferentes grupos envolvidos no proces- trata da expansão da rede comunitária e do con-
so da Reforma e negociação bem conduzida por trole dos hospitais23, onde as Portarias 336 e 189
um gestor público aconteceu na II Conferência expandem os CAPS e duas portarias, 106 e 1.220,
Nacional de Saúde Mental “a democrática”, reali- ambas de 200023, instituem os “serviços residen-
zada em Brasília em 1992. É um marco histórico ciais terapêuticos (SRT)” a fim de viabilizar a rein-
da reforma psiquiátrica brasileira com intensa serção social na comunidade dos moradores de
participação dos segmentos sociais envolvidos, hospitais cronicamente internados. Aliadas às
onde já 20% dos delegados à conferência foram portarias que deram existência institucional aos
os usuários e familiares. O relatório final da con- CAPS e NAPS (336/2001), se constituem em im-
ferência foi adotado como diretriz oficial para a portantes instrumentos normativos da Reforma.
reestruturação da atenção em saúde mental no Começa então a era mais vigorosa para a gestão
Brasil nas gestões de Domingos Sávio Alves, que da política de saúde mental no Brasil (2000 - 2011)
alquimicamente a conduziu, e nas que se segui- onde uma equipe dedicada, sob a coordenação
ram (Eliane Seidl, Alfredo Schechtman, Ana Pit- de Pedro Gabriel Delgado, liderança respeitada
ta, Pedro Gabriel Delgado). As recomendações do movimento da luta antimanicomial, geriu de
gerais sobre o modelo de atenção enfatizavam o forma competente os interesses da Reforma Psi-
território e a corresponsabilidade no cuidado quiátrica, por uma década.
como forma de garantir “o direito dos usuários Ainda em 2001, e sob o marco da nova Lei
à assistência e à recusa ao tratamento, bem como 10.216/2001, aconteceu a III Conferência Nacio-
a obrigação do serviço em não abandoná-los à nal de Saúde Mental, em Brasília, com grande
própria sorte”25. participação popular e democrática. Represen-
As análises existentes convergem ao apontar tação ampla de todos os setores envolvidos, e
que o processo da Reforma no país não consis- precedida por centenas de conferências munici-
tiu em um desmantelamento da rede hospitalar, pais, regionais e estaduais, em todo Brasil. Alí já
mas na sua transformação para alternativas não aparece a complexidade do campo da Reforma
hospitalares19. Na primeira metade da década de Psiquiátrica claramente delineado: enfrentamen-
1990, foram inaugurados quase cem serviços de to do estigma; reorientação do modelo assisten-
atenção diária que seguiu crescendo inercialmen- cial com garantia de equidade de acesso; direitos
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seguem se insinuando na ocupação desse espaço Em seu livro, intitulado “A Reforma Psiquiá-
diuturno no SUS. Se a vida é crônica, precisamos trica”, Manuel Desviat27 dedica um capítulo à re-
aprender a cuidar dos nossos usuários cronica- forma psiquiátrica brasileira, que considera um
mente, em liberdade, diuturnamente, oferecen- dos mais frutíferos, promissores e vigorosos pro-
do-lhes chances de sobrevida digna nos diversos cessos de transformação no campo da saúde
cenários em que a vida de todos os humanos se mental e da psiquiatria no mundo. Benedetto Sar-
dá: moradia, locais de tratamento e reabilitação, raceno, que frequenta o Brasil desde 1987 e que
trabalho, escola, renda, lazer, etc. acompanhou de perto, em muitos estados brasi-
A solução das “comunidades terapêuticas”, na leiros, os movimentos da Reforma Psiquiátrica,
sua maioria oferece apenas o enclausuramento como pesquisador do Instituto Mario Negri e
do problema, na ausência de uma ação mais efe- como Diretor do Departamento de Saúde Mental
tiva e eficaz do Estado. O movimento da Refor- e abuso de Drogas da Organização Mundial de
ma Psiquiátrica inclui tais instituições entre as Saúde, em diferentes ocasiões pode externar sua
asilo-manicomiais que precisam ser substituídas opinião da Reforma Psiquiátrica Brasileira ser das
progessivamente. A Reforma Psiquiátrica Brasi- mais profícuas experiências no mundo28.
leira segue defendendo ações efetivas em rede na Estamos falando em desinstitucionalização
Atenção Básica, nos Ambulatórios Especializados, responsável, isto é, tratar o sujeito em sua exis-
nos CAPS AD III, nas Unidades Residenciais Tran- tência e em relação com suas condições concre-
sitórias, nos Serviços Residenciais Terapêuticos, tas de vida. O tratamento deixa de ser a exclusão
nos leitos em Hospitais Gerais e nas pequenas em espaços de violência e morte social para tor-
enfermarias especializadas. Ainda enfatiza os Pon- nar-se criação de possibilidades concretas de sub-
tos de Encontro, os Centros de Convivência, as jetivação e interação social na comunidade.
Oficinas de Geração de Renda e Trabalho e o “ge- As celebrações do 18 de maio nos alertam
renciamento de casos” nas comunidades, basea- para o que deve acontecer: inclusão social da lou-
dos na lógica de redução de danos. Defende ainda cura em liberdade. Chama a atenção para os de-
ações intersetoriais de inclusão social no traba- safios próprios do crescimento do bem sucedido
lho, na escola, nas artes, nos esportes, na cultura movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira
e a produção de chances de novos protagonis- no interior de um estado burocrático, refratário
mos sociais que ocupem o lugar das drogas nos a inovações, e a radicalidade que a mudança do
projetos de vida dos usuários. modo de cuidar requer. O doente mental, antes
A Reforma Psiquiátrica tenta dar ao proble- excluído do mundo dos direitos e da cidadania,
ma uma resposta não asilo-confinante, reduzin- se transforma em sujeito cidadão e não objeto de
do danos e desvantagens sociais que trazem o políticas públicas. Sendo esta uma questão mais
confinamento associado aos transtornos men- ético-política e cultural do que técnica, o futuro
tais e ao uso de substâncias psicoativas. O suces- da Reforma Psiquiátrica Brasileira está na espe-
so da reforma reside na percepção da necessida- rança que os usuários, familiares, trabalhadores
de da construção de um amplo espectro de cui- - esses novos protagonistas que amadurecem e
dados para sustentar a existência de pessoas/usu- se renovam a cada dia - encontrem modos mais
ários/pacientes que, sem isso, estariam conde- sensíveis de reduzir os danos causados pelas nos-
nados a perambular pelas ruas abandonados, sas instituições e nossas escolhas insensatas.
ou, a vegetar em manicômios em longas inter-
nações. Foram criados serviços capazes de ser
uma referência institucional permanente de cui-
dados (os CAPS), serviços residenciais terapêu-
ticos e outros serviços ambulatoriais de referên-
cia. Foram incorporados ao campo da saúde
cuidados e procedimentos tais como renda (o
auxílio Reabilitação De volta pra casa, Lei Fede-
ral), trabalho protegido (Programa geração de
renda e trabalho, MS/MT), lazer assistido (Pon-
tos de cultura, MINC/MS) e outras formas de Agradecimentos
intervenção intersetorial ampliada. É constituí-
da uma rede de atenção psicossocial que diz res- Alfredo Schechtman, Sonia Barros e Maria das
peito à própria existência do sujeito assistido8. Graças Miranda Ribeiro.
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